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GALO
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Dossiê:
Ano 2, nº 3
jan./jun. 2021
issn 2675-7400
Revista GALO
Dossiê:
cba
Sumário
Editorial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v
iii
iv Parnamirim, jan./jun. 2021
v
vi Parnamirim, jan./jun. 2021
litoral: aspectos do mercado interno no Rio Grande do Norte (séc. XVIII a XIX) do
professor Thiago Alves Dias; Não ao peso, não ao recrutamento: os Quebra-quilos
e as autoridades públicas no Rio Grande do Norte (1874–1875) de João Fernando
Barreto de Brito; De como as letras formam um cidadão: os ritos e símbolos da Pri-
meira República na cidade de Parelhas-RN (1928–1930) de Laísa Fernanda Santos
de Farias e Sebastião Genicarlos.
Quanto ao Rio Grande do Norte contemporâneo, realça-se: A institucionali-
zação da matriz de Santa Luzia na cidade de Mossoró-RN de Arthur Ebert Dantas
dos Santos, Jackson Luiz Fernandes Adelino, Lara Raquel de Souza e Maia e Val-
deci dos Santos Júnior; “Vencido o new look”: resistências femininas a Christian
Dior e as suas modas (Natal/RN, 1948–1953) de João Vieira Neto e Joel Carlos
de Souza Andrade; Os caminhos e os desdobramentos da vida: trajetória política
e dos discursos e pronunciamentos de Dinarte Mariz de Larisse Santos Bernardo
e Jailma Maria de Lima; Frentes de trabalho e Ligas camponesas: movimentos
populares, conflitos e sobrevivência (1960–1976) de João Paulo de Lima Silva;
Por fim, O Diário de Natal: o papel da imprensa potiguar na circulação das
notícias do Projeto Baixo-Açu (1975–1979) de Maiara Brenda Rodrigues de Brito;
Comemorar a posse de Thomaz de Araújo: a construção de um lugar para o Seridó
na memória histórica do Rio Grande do Norte de Bruno Balbino Aires da Costa e O
contexto sobre o uso de substâncias lícitas e ilícitas em Caicó, Rio Grande do Norte
de Allyson Iquesac Santos de Brito e Helder Alexandre Medeiros de Macedo; e o
último texto dentro do dossiê é O silêncio dos caboclos: Notas sobre catimbozeiros
perseguidos no Rio Grande do Norte de Rômulo Henrique P. Angélico.
Os textos do atual conjunto, falam um pouco da produção historiográfica e
das múltiplas visões dos historiadores e historiadoras sobre a nossa história. A
cabo de tudo, apesar das contingencias impostas ao povo brasileiro, deseja-se
uma excelente leitura a todos.
vii
viii Parnamirim, jan./jun. 2021
04/05/2021.
Dossiê
1
O PATRIMÔNIO DA COMPANHIA DE JESUS NA CAPITANIA
DO RIO GRANDE DO NORTE
Bens como sustento da fé (1600–1759)
Ana Lunara da Silva Morais1
RESUMO: A ordem religiosa Companhia de Jesus estabeleceu-se na capitania do Rio Como referenciar?
MORAIS, A. L. S. O
Grande desde o primórdio de sua colonização, no início do Seiscentos, onde atuou até patrimônio da Companhia
a data de sua expulsão, em 1759. Nessa capitania angariaram muitas sesmarias, terras, de Jesus na capitania do Rio
Grande do Norte: bens
pessoas escravizadas e cabeças de gado. Neste artigo, questiona-se de que forma os como sustento da fé
jesuítas angariaram e geriram seus bens no Rio Grande do Norte ao longo de mais de (1600–1759). Revista Galo,
n. 3, p. 3–21, 17 jul. 2021
uma centúria e meia de atuação na capitania. Este trabalho é fruto de uma pesquisa de
mestrado, para a qual se realizou o cruzamento de fontes de variados fundos, como o
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), o Arquivo Histórico Ultramarino (AHU),
o Arquivo Público Estadual de Pernambuco Jordão Emerenciano (APEPE) entre outros.
Palavras-chave: Jesuítas. América portuguesa. Propriedade.
1
Doutora pelo Programa Interuniversitário de Doutoramento em História (PIUDHist), vin-
culado ao Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades (CIDEUHS), Universidade
de Évora, Portugal. ID Lattes: 6721.3449.9390.7020. ORCID: 0000-0001-5401-3235. E-mail: lu-
nara_ana@hotmail.com.
3
4 Parnamirim, jan./jun. 2021
Introdução
A Companhia de Jesus começou a atuar no Brasil em 1549, quando juntamente
com o governador geral do Brasil, Tomé de Sousa, desembarcaram alguns jesuí-
tas. Os jesuítas tiveram uma importância fundamental desde o início da forma-
ção do império português devido a necessidade de oferecer suporte espiritual
à colonização. Na América portuguesa, atuaram na conversão indígena, bem
como no reforço da doutrina cristã junto aos colonos, atividades fundamentais
para a consolidação de uma sociedade colonial em formação, colaborando para
a fixação do povoamento.
Os inacianos, para melhor se estabelecerem na colônia, passaram a angariar,
por meio da compra e de doação régia ou particular, terras, pessoas escraviza-
das, entre outros bens. A ordem possuía uma visão pragmática da expansão
comercial, percebendo-a como possibilidade de expansão da fé cristã, conse-
guindo para tal fim a obtenção de privilégios régios que colaboraram para o
crescimento da ordem. A presença jesuítica na capitania do Rio Grande tam-
bém ocorreu dessa forma. Ao longo do início do Seiscentos até a sua expulsão
de todo o território português, em 1759, estabeleceram relevante patrimônio
sob a justificativa de propagação da fé. A seguir será analisado de que forma a
Companhia de Jesus angariou e geriu seus bens na capitania do Rio Grande do
Norte ao longo de uma centúria e meia de atuação.
Figura 1 – Sesmarias da Companhia de Jesus na capitania do Rio Grande, início do século XVII
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em: TRANSLADO, 1909.
ender esta data quatorze léguas pouco mais ou menos”. Não há informações
suficientes sobre os limites dessa sesmaria para realizar a sua delimitação, por-
tanto, a área dessa concessão apontada na figura 1 é uma aproximação com
base na extensão da mesma. Nessa sesmaria, a Companhia possuía dois cur-
rais de gado e quatro pessoas escravizadas originais da Guiné. A segunda data
trata-se do aumento da primeira data de terra requerida pelos padres em 1600.
Requereu-se os “sobejos que houvessem [de terras] que se achasse entre a data
de Domingos Álvares e as dos padres”, sendo esta quinhentos braças — equi-
valente a 1.100 metros, ou 0,16 légua em quadra — de terras até chegar ao rio
Pitimbu (TRANSLADO. . . , 1909, p. 49–51).
Para Fátima Martins Lopes (2003, p. 107), estas posses seriam a garantia do
sustento dos padres da Companhia na capitania durante as missões volantes.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 7
Os jesuítas perceberam que a missão volante havia se tornado menos eficaz me-
diante a necessidade de melhor concentrar os índios e pregar a doutrina cristã,
fazendo os índios abandonarem os seus hábitos culturais e tornarem-se cristãos.
As missões efetivas, chamadas apenas de missões, aldeavam os índios buscando
aproximar-se do ambiente natural dos mesmos, e simultaneamente visavam o
seu afastamento dos centros de colonização (AZEVEDO, 1959). Tais missões
também deveriam possuir uma organização administrativa, deveriam inserir os
índios no trabalho agrícola, promover a ida à igreja, entre outras obrigações
(LOPES, 2003, p. 162).
Este novo modo de catequizar os índios foi ao encontro dos interesses das
autoridades da capitania, pois com a expulsão dos holandeses, a retomada da
colonização na região expandiu-se para o interior, seguindo as frentes de pene-
tração pecuária que provinham da Paraíba, Pernambuco e Ceará (LOPES, 2003,
p. 129). Ao direcionarem-se para o sertão — aqui é compreendido como es-
paço sem atuação da Coroa portuguesa (SILVA, K. V., 2010, p. 112) — os colonos
depararam-se com vários grupos indígenas, os quais foram resistentes à colo-
nização portuguesa, gerando a Guerra dos Bárbaros (CASCUDO, 1984, p. 96;
DIAS, P. O., 2015; SILVA, T. F., 2015).
Neste contexto de conflitos entre índios e colonos e a necessidade de es-
tender as posses de terras para a criação de gado, coube aos jesuítas aldear
os índios para que estes fossem reduzidos em missões e fossem “apaziguados”.
Nestas missões também se tentou regularizar a mão de obra indígena (PORTO,
2000, p. 95).
Os jesuítas fixaram duas missões efetivas na capitania do Rio Grande. Am-
bos aldeamentos eram de remanescentes Potiguara, entre outras etnias: São
Miguel de Guajiru e São João Batista das Guaraíras. O aldeamento de Guajiru
estava localizado na margem da lagoa de mesmo nome (atual lagoa de Extre-
moz), a duas léguas da cidade do Natal, e foi relatada sua existência desde 1641,
por um emissário holandês. Tal aldeamento, portanto, localizava-se na sesmaria
de enorme extensão de 14 léguas concedida no início do século XVII a Compa-
nhia de Jesus. A presença dos jesuítas na aldeia foi mencionada a partir de 1679,
por meio de uma queixa dos oficiais da Câmara da cidade do Natal ao bispo de
Pernambuco, na qual acusavam o padre inaciano João de Gouveia de incitar os
índios contra um administrador colonial. Entretanto, o primeiro relato oficial
sobre a presença dos jesuítas na aldeia foi apenas em 1683, no Catálogo da Com-
panhia de Jesus, sendo o seu superior o padre Antônio Cardoso, na qual também
estava presente o padre Francisco de Albuquerque (LOPES, 2003, p. 170).
A presença jesuítica no aldeamento de Guaraíras, localizado nas proximida-
des do rio Jacu, foi relatada desde 1681, pois neste ano ordenou-se que os índios
da aldeia de Mipibu fossem reunidos com os índios do aldeamento de Guaraíras
(LEMOS, 1912, p. 35). A missão foi registrada nos Catálogos da Companhia de
10 Parnamirim, jan./jun. 2021
Jesus em 1683, com a presença do padre superior Luiz Pinto e do padre José dos
Reis (LOPES, 2003, p. 172).
Foram nos aldeamentos de Guajiru e Guaraíras, e em suas proximidades,
que a Companhia de Jesus exerceu as suas atividades de forma mais intensa.
Ao fundar uma missão fixa, os jesuítas deveriam preocupar-se com o sustento
da ordem, bem como de seus membros e dos índios. Houve a necessidade da
fundação de fazendas para a produção de mantimentos, e criação de animais. A
forma como os jesuítas administravam as atividades produtivas nos aldeamen-
tos e em suas fazendas, pode ser percebida por meio da análise de suas posses
de terra e dos conflitos derivados desta prática.
Com o Alvará de 23 de novembro de 1700, que garantiu uma légua de terra
em quadra (uma légua – 6,6 km – de comprimento por uma de largura) para
o sustento dos índios e missionários, as missões Guajiru e Guaraíras tiveram
suas terras demarcadas na primeira década do século XVIII (CASCUDO, 1984,
p. 111–112; LOPES, 2005, p. 44).
Além das terras das missões, que pertenciam aos índios nelas aldeados, mas
que também eram usufruídas pelos inacianos, observou-se por meio de algumas
cartas de sesmarias que apontavam os jesuítas como confrontantes de suas ter-
ras, que a Companhia de Jesus possuía outras terras na capitania do Rio Grande.
Antônio Cardoso Batalha solicitou uma terra nas proximidades da ribeira
do Ceará-Mirim, em 1739, e afirmou que a terra chamada Maracacheta, locali-
zada nas proximidades do rio Ceará-Mirim, em direção à praia (litoral leste da
capitania) pertencia aos Jesuítas.2 Acredita-se na possibilidade de o lugar Ma-
racacheta ter alguma relação com o lugar chamado Massangana, localizado ao
norte da missão de Guajiru.
O padre jesuíta Antônio de Amorim, em agosto de 1736, requereu um novo
documento da sesmaria que herdou de seu pai, o coronel Antônio Dias Pereira.
A petição foi feita por intermédio do procurador do suplicante, o padre jesuíta
coadjutor e licenciado João Gomes Freire. A terra requerida localizava-se nas
confrontações das terras da própria Companhia de Jesus, nas proximidades do
rio Ceará-Mirim, seguindo o curso do rio Caratã — hoje rio Mudo, ou rio do
Jorge, o qual deságua na lagoa de Extremoz, antiga lagoa de Guajiru (CAS-
CUDO, 1968, p. 79) — ficando este no meio das terras de um lugar chamado
Cacimbas.3 Esta sesmaria pode revelar não apenas uma terra da Companhia
nas proximidades da missão de Guajiru, como também pode evidenciar a ane-
xação da terra herdada por um membro da Companhia, visto que quem reali-
zou a petição foi outro padre jesuíta e a terra localizava-se nas confrontações
2
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte [IHGRN] — Fundo Sesmarias,
Livro IV, n. 287, fl. 51–52.
3
IHGRN — Fundo Sesmarias, Livro III, n. 241, fl. 158–159.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 11
ras que foram concedidas para a criação da missão ou mesmo para a ampliação
de sua extensão, deveriam ser repartidas entre os índios das mesmas de acordo
com o arcebispado, e o governador ou capitão-mor da capitania, não ficando
nenhuma terra para a igreja.9
As providências para erigir as novas vilas começaram no início do ano de
1759. As missões de Guajiru e de Guaraíras tornaram-se respectivamente as
vilas de Estremoz em 3 de maio de 1760, e a vila de Arêz em 15 de junho de 1760
(LOPES, 2005, p. 122–123). Nesta mudança de missões para vilas, também foi
ordenado que o ouvidor geral Bernardo Coelho da Gama e Casco convocasse
os prelados dos Colégios de Olinda (ao qual estavam submetidas às missões
jesuíticas do Rio Grande), Recife e Paraíba, para que fossem apresentados os
bens que os jesuítas possuíam em um prazo de 20 dias após a averiguação e
levantamento dos bens.10
Desde maio de 1758, o rei havia ordenado que os bens de raiz pertencentes à
Companhia de Jesus que estivessem em desacordo com as antigas leis impostas
a ordens religiosas poderiam ser sequestrados. Assim, os bens de raiz que não
possuíssem licença régia — norma referente ao Título XVIII das Ordenações
Filipinas, presente no alvará de 30 de julho de 1611, no qual se ordenou que to-
dos os bens religiosos deveriam possuir sua respectiva autorização — poderiam
ser de imediato revertidos à Coroa portuguesa. Em agosto de 1759, o rei Dom
José ordenou que fosse realizado o sequestro de todos os bens da Companhia
de Jesus em Pernambuco com sua respectiva origem e valor.11
Assim, averiguaram-se alguns bens de raiz da Companhia de Jesus na capi-
tania do Rio Grande pertencentes então ao Colégio de Olinda. O ouvidor Gama
e Casco arrolou alguns bens de raiz e os colocou em arrematação pública para
serem arrematados em 1º de junho de 1760 — a saber as fazendas: Oitizeiro,
Ceará e Curral de Baixo.12 É sabido que além dessas fazendas os inacianos pos-
suíam na capitania do Rio Grande os sítios Galos e Guamaré e uma fazenda de
gado chamada de Santa Cruz,13 como se pode ver na figura 2.
Segundo José Jorge da Costa Couto, enquanto Portugal negociava com a
Cúria de Roma (1759-1760) acerca da situação dos bens jesuíticos, a administra-
ção de Portugal manteve os bens fundiários da ordem jesuítica intocáveis, com
exceção dos bens que não possuíam licença régia (COUTO, 1990, p. 149).
9
Arquivo Público do Estado de Pernambuco [APEPE] — Ordens Régias, Livro nº 10 (1755–
1760), fl. 144–146.
10
APEPE — Ordens Régias, Livro nº 10 (1755–1760), fl. 144–146.
11
Arquivo Nacional da Torre do Tombo [ANTT] — Documentação das capitanias do Brasil
existente no núcleo do Real Erário, Livro nº 574, documento sem número.
12
AHU-PE — Papéis Avulsos, Cx. 95. Doc. 7493. Ofício do ouvidor geral Bernardo Coelho
da Gama e Casco ao secretário de Estado Conde de Oieiras. 10 de fevereiro de 1761.
13
AHU-PE — Papéis Avulsos, Cx. 95. Doc. 7493.
14 Parnamirim, jan./jun. 2021
Fonte: Elaboração própria a partir das informações contidas em: IHGB — Arq. 1.1.15. Avalia-
ções dos bens jesuítas em Pernambuco, 1772. AHU-PE — Papéis Avulsos, Cx. 95. Doc. 7493. 10
de fevereiro de 1761.
tios, um arraial e uma sorte de terra. Como os bens imóveis citados, referentes
às missões de Guajiru e Guaraíras, estavam subordinados a mesma jurisdição do
Colégio jesuítico de Olinda, não se conseguiu verificar por meio da documenta-
ção analisada quais fazendas estavam subordinadas à administração específica
dos padres da missão de Guajiru, com exceção da fazenda Santa Cruz.16
16
AHU — Códice 1822, fl. 31v–32, CARTA do capitão-mor do Rio Grande, João Coutinho de
Bragança ao governador de Pernambuco, em 17/02/1760.
16 Parnamirim, jan./jun. 2021
Conclusão
A presença jesuítica na colonização da capitania do Rio Grande do Norte, bem
como da América portuguesa, era necessária, pois, convertia-se os índios e
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 19
Referências
ALDEN, D. The making of an enterprise: the Society of Jesus in Portugal,
its empire, and beyond. 1540–1750. Stanford: Stanford University Press, 1996.
ALVEAL, C. M. O. História e direito: Sesmarias e Conflito de Terras entre
Índios em Freguesias Extramuros do Rio de Janeiro (Século XVIII). 2002.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio de Janeiro.
ASSUNÇÃO, P. Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens
divinos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.
AZEVEDO, A. Aldeias e aldeamentos. Boletim Paulista de Geografia, n. 33,
p. 27, 1959.
. Embriões de cidades brasileiras. Boletim Paulista de Geografia,
n. 25, 1957.
CASCUDO, L. C. História do Rio Grande do Norte. 2. ed. Natal e Rio de
Janeiro: Fundação José Augusto e Achiamé, 1984.
. Nomes da terra: Geografia, História e toponímia do Rio Grande.
Natal: Fundação José Augusto, 1968.
COUTO, J. J. C. O colégio dos jesuítas do Recife e o destino de seu
patrimônio (1759–1777). 1990. Dissertação (Mestrado em História moderna
de Portugal) – Universidade de Lisboa.
DIAS, P. O. Onde fica o sertão rompem-se as águas: processo de
territorialização da ribeira do Apodi-Mossoró (1676–1725). 2015. Dissertação
(Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
DIAS, T. A. ?? [S.l.: s.n.], 2018.
. Dinâmicas mercantis coloniais: capitania do Rio Grande do
Norte (1760–1821). 2011. Dissertação (Mestrado em História e espaços) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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teóricos del historiador económico Istvan Hont, concluimos que el comercio interno
en Río Grande del Norte, en general, y en la ciudad de Natal, en particular, ganó esta-
bilidad y superó problemas de abastecimiento como resultado de la conquista colonial
del interior y de las prerrogativas institucionales de control obtenidas por la Cámara
de Natal.
Palabras clave: Cámara de Natal. Río Grande del Norte. Mercado interno.
Introdução
No mês de julho de 1711, a Câmara de Natal registrou em seus livros a falência
de João do Rosário, o contratador das carnes daquele ano. Resolveram, portanto,
notificar o fiador do contrato, o tenente-coronel e vereador Manoel Rodrigues
Coelho, exigindo que o mesmo apresentasse uma solução para o caso. Naquela
altura, Manoel Rodrigues Coelho já estava de volta a Natal, já que o mesmo
estava nas trincheiras do Assú combatendo com os indígenas do sertão, sendo
inclusive eleito no ano de 1712 a função de Juiz Ordinário da Câmara de Natal.
Ocorre que durante o mês de junho daquele ano de 1711, mês festivo em torno
do fim da colheita do milho e apropriado pelo calendário cristão em memória
dos santos Antônio, João e Pedro; a cidade sofreu um verdadeiro desabasteci-
mento de carne bovina2 .
No mês de maio de 1713, ou seja, em meio ao problema do abastecimento
da carne bovina, a Câmara de Natal decidiu, acatando a queixa da população,
instituir uma multa para os agricultores que fabricavam farinha de mandioca
e não traziam para a venda pública na cidade do Natal3 . Muito embora não
houvesse impostos diretos da Câmara sobre a comercialização da farinha de
mandioca, o que poderia encarecer o produto, como era o caso da carne bovina,
a oferta do “ordinário pão da terra”, como referiu-se Francisco de Brito Freire
em 1630 (FREIRE, 1675, p. 187) e reiterado por Caio Prado Jr. em suas relevantes
proposituras sobre a agricultura de subsistência no Brasil colonial (PRADO JR.,
1997, p. 165), também sofria com as guerras no sertão. O abastecimento das
tropas do Açu impedia que a produção de farinha do sertão viesse para o litoral.
Além disso, parte considerável da farinha produzida no litoral seguia o lucrativo
comércio com a capitania de Pernambuco, problema essa que teve continuidade
durante todo o século.
2
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte [IHGRN] — Livros de Termos de
Vereação da Câmara de Natal [LTVCN], livro 1709–1721. Câmara de Natal. Termo de Vereação
de 02 de julho de 1711, fl. 43v. Manuscrito.
3
IHGRN — LTVCN, livro 1709–1721. Câmara de Natal. Termo de Vereação de 23 de maio
de 1713, fl. 77v-78. Manuscrito.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 25
4
IHGRN — LTVCN, livro 1674–1698. Câmara de Natal. Termo de Vereação de 02 de ago.
de 1687, fl. 74v. Manuscrito.
5
Arquivo Histórico Ultramarinho [AHU] — Conselho Ultramarino, RN, cx. 1, doc. 42. Carta
do Capitão-mor do Rio Grande, Bernardo Vieira de Melo, ao rei D. Pedro II sobre as decisões dos
oficiais da Câmara e moradores de Natal de se fazer um presídio no sertão do Açu, que seria
sustentado por seis meses pelas farinhas dadas pelos moradores. Natal, 15 de abril de 1697.
Manuscrito.
6
Plataforma SILB — RN 1149. Carta de Sesmaria de Paula Pereira de Abreu. Concessão em
01 de jan. 1735. Disponível em http://www.silb.cchla.ufrn.br.
30 Parnamirim, jan./jun. 2021
1786, foi notificado para conduzir à Natal “toda a farinha em seu poder”, por
constar que pretendia comercializar nas regiões salineiras, fora da jurisdição da
Câmara, para ser exportada para Pernambuco, “em extremo prejuízo ao Povo,
o que já teria acontecido para outros destinos”10 .
Durante a segunda metade do século XVIII é possível constatar que foi mais
recorrente a vigilância em torno da farinha que seguia para fora da Capitania,
fosse através dos caminhos terrestres, fosse através do movimento portuário
nas áreas salineiras. A Câmara de Natal não só reeditou incansavelmente suas
ordens e éditos sobre a farinha de mandioca, como passou a intervir em outras
jurisdições ou envolver outros agentes e instituições administrativas nessa em-
preitada: “solicitaram do Governo da Capitania providenciar farinha de outras
jurisdições que não fossem desta Câmara”, “solicitaram dos Capitães-mores da
Capitania que impedissem o embarque de 200 alqueires de farinha para Per-
nambuco”11 e até mesmo pedidos para aqueles que tivessem roças e morassem
fora da Capitania, trouxessem farinha.
A farinha de mandioca, “presente tanto nas mesas dos ricos, como na dos
pobres, e nas cuias e baldes que os escravos usavam à falta de pratos, constituía
a base da dieta comum” (BARICKMAN, 2003, p. 96) e foi largamente produzida
nos sertões da Capitania do Rio Grande do Norte, como foi demonstrado na me-
mória do pe. Joaquim José Pereira, como também em áreas adjacentes a Natal.
Foi produto de grande relevância comercial ao ponto de ter provocado desa-
bastecimento e inflação do preço, já que os alqueires de farinha de mandioca
seguiam para mercados de exportação mais rentáveis.
Ao final do século XVIII, a situação de segurança alimentar em Natal con-
tinuava fragilizada sob a pressão do mercado exportador, notadamente, do co-
mércio realizado com a Capitania de Pernambuco. Em 1791, o Capitão-mor
Caetano da Silva Sanches escreveu aos agentes metropolitanos em Lisboa suas
diligências a frente da Capitania e afirmou que a venda de farinha em Natal,
durante meses “se não vendia aqui uma quarta”, uma vez que a farinha era con-
duzida em embarcações para diversas partes” e a pouca que permanecia era
vendida inflacionada, dada a grande procura12 . O novo capitão-mor cuidou em
buscar intervir, com a força da lei e de sua jurisdição, talvez sem saber que
durante décadas à Câmara de Natal fez o mesmo e com pouco sucesso.
Nesse sentido, coube as instituições ligadas ao aparato estatal, sobretudo,
10
IHGRN — LTVCN, livro 1784–1803. Câmara de Natal. Termo de Vereação de 1786 (data
ilegível), fl. 29. Manuscrito.
11
IHGRN — LTVCN, livro 1784-1803. Câmara de Natal. Termos de Vereação de 1786 (data
ilegível), fl. 27v-28. Manuscrito.
12
AHU — Conselho Ultramarino, RN, cx. 8, doc. 483. Ofício do Capitão-mor do Rio Grande
do Norte, Caetano da Silva Sanches, ao secretário de estado da Marinha e Ultramar em Lisboa,
Martinho de Melo em Castro. Natal, 29 de abril de 1791. Manuscrito.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 33
foi representado em, pelo menos, três tópicos distintos: primeiro; força motriz
que carrega o arado, puxa
a carroça e movimenta o engenho, notadamente, nos registros do século
XVI e XVII e, portanto, uma relação com a noção de força e trabalho; segundo;
registros de ferro com iniciais de nomes de indivíduos, famílias, fazendas ou
localidades a serem afixados na pelo do gado, notadamente, nos registros dos
séculos XVII a XIX e, portanto, uma relação com a noção de posse e jurisdição e,
por fim, representações sobre alimentos, cozinha e comidas, notadamente, nos
registros do século XIX em diante e, portanto, uma mudança de atitude sobre o
preparo das carnes bovinas e seus derivados, muito em função da nova ordem
imperial do Brasil e a circulação de livros de receitas a partir de impressos do
Rio de Janeiro.
No tocante a relação entre alimentação e políticas municipais da Câmara de
Natal para garantir a oferta de carne bovina para a população local, objeto prin-
cipal de análise do artigo, as questões sobre a farinha de mandioca se repetem
em relação a carne.
Os primeiros registros da Câmara de Natal da segunda metade do século
XVII sobre a temática do abastecimento alimentar da carne versam sobre a re-
gularização e aferição do preço máximo que deveria ser comercializado, indi-
cando que o preço da carne bovina sofria inflação constante. Outro tema repe-
titivo foi a questão do abate de animais em casas particulares e sem licença da
Câmara, já que prejudicava os rendimentos municipais e seu controle efetivo
sobre o comércio local. No entanto, o objeto de maior preocupação dos cama-
rários durante o século XVIII foi mesmo a falta de carne no mercado local da
cidade.
A incisiva preocupação da Câmara sobre a falta de carne na cidade não im-
pactava somente os níveis de confiança que a população poderia ou não ter so-
bre a gestão municipal. Impactava diretamente as contas da Câmara, já que era
um dos poucos impostos de arrecadação municipal e que pagavam as próprias
despesas da Câmara, tais como: o salário do escrivão e do porteiro, a compra de
insumos como papel e tinta, a aquisição de velas e adornos para as celebrações
que envolviam a Câmara ou mesmo a possibilidade de empenhar recursos em
alguma obra pública de melhoria na cidade.
Havia um verdadeiro desinteresse dos comerciantes e fazendeiros em arre-
matarem o contrato municipal dos subsídios das carnes, ou seja, o contrato de
cobrança de impostos devido à Câmara pela carne vendida no açougue público.
Por um lado, essa era a forma dos próprios comerciantes e fazendeiros boico-
tarem a cobrança dos impostos, abatendo seus animais fora da área urbana da
cidade. Por outro lado, esse desinteresse por parte dos possíveis indivíduos ap-
tos a deterem o contrato demonstra a ausência de oferta regular de carne no
mercado local, o que traria prejuízo aos possíveis contratantes, uma vez que
36 Parnamirim, jan./jun. 2021
15
Plataforma SILB — RN 0884. Carta de Sesmaria de Jose Pedro Tinoco. Disponível em
http://www.silb.cchla.ufrn.br.
16
IHGRN — LRCPCN, cx. 4, lv. 12. Câmara de Natal. Registro de uma carta que este Se-
nado mandou ao Coronel Caetano Dantas na Ribeira do Seridó. Natal, 18 de junho de 1785.
Manuscrito.
38 Parnamirim, jan./jun. 2021
comprar pelo sertão e por este ter muita carne”17 . Contrariando uma Provisão
Régia, a Câmara de Natal estava disposta a não cobrar o imposto devido sobre
cada arroba de gado, o Subsídio Literário, no intuito de fazer com que um co-
merciante, já participante dos ofícios régios, mesmo que temporário, trouxesse
sua vasta produção de carne sertaneja para ser comercializada em Natal.
Muito embora durante todo o século XVIII os oficiais camarários tenham
buscado soluções para o problema do abastecimento da carne bovina na cidade,
o desinteresse dos negociantes em arrematar o contrato era sintomático. Por
um lado, peixes, aves e animais menores podiam suprir a necessidade proteica
da população, já que a pouca oferta da carne bovina era oriunda das fazendas
sertanejas, o que inflacionava o preço final que chegava ao consumidor no li-
toral. Por outro lado, o corte e comércio da carne era realizado, até onde fosse
possível, longe da interferência da Câmara que cobrava seus pesados tributos,
encarecendo o produto. De uma forma ou de outra, durante século XVIII, a Câ-
mara de Natal buscou diferentes estratégias de regularização da oferta de carne
bovina a ser realizado dentro do açougue público: abriram mão dos autos de
arrematação, bem como parte das pensões e impostos devidos; proibiram por-
cos e cabras na cidade alegando saúde pública e até instituíram “olheiros” para
vigiar aqueles que estavam abatendo reses e cortando carne sem licença nas
imediações. No entanto, foi o gado proveniente do sertão, fruto do processo
colonizador baseado na pecuária após as Guerras de Conquista no Sertão, que
trouxeram algum alento para a oferta de carne bovina em Natal.
Durante a primeira metade do século XIX a economia pecuarista do sertão
continuou provendo as necessidades do litoral. Antônio Bernardo de Passos,
Presidente de Província do Rio Grande do Norte, afirmou em 1854 que das fon-
tes dos rendimentos da Província, o dízimo do gado era o mais importante até
aquele ano. Essa constatação de Antônio Passos é fundamentada pelos seguin-
tes dados: o dízimo do gado representou, em média, 47% de todas as rendas
provinciais do Rio Grande do Norte entre 1851 a 1854 (PASSOS, 1854, p. 30).
Como declarou também Figueiredo Jr., outro Presidente de Província, “até o
ano de 1847, a criação de gado era a indústria quase exclusiva a que se apli-
cavam os habitantes da província” (1861, p. 37). Depois da década de 1850, o
algodão passou a ter maior expressividade no comércio e nas contas públicas.
Muito embora o algodão não se coma, mas se veste, a prosperidade econômica
da cotonicultura garantiu novos padrões de desenvolvimento e consumo as po-
pulações tanto no litoral, quanto no sertão.
17
IHGRN — LTVCN, livro 1784–1803. Câmara de Natal. Termos de Vereação de 14 de junho
de 1786, fl. 25. Manuscrito.
40 Parnamirim, jan./jun. 2021
Considerações finais
A formação e consolidação do Estado moderno não foi produto somente da Eu-
ropa, mas também passou pela experiência e prática das instituições coloniais
na América entre os séculos XVI a XVIII. O ‘ciúme do comércio’, ou seja, a apli-
cação da razão do Estado nas questões comerciais e nas necessidades sociais li-
gadas ao comércio, como entende Istvan Hont (2005), também foi vivenciada na
prática colonizadora ultramarina. A Câmara de Natal interveio diretamente nas
questões comerciais e até produtivas para garantir o abastecimento e a oferta,
com preços regulados, de farinha de mandioca e de carne bovina à crescente
população que ia se instalando na cidade sede do governo da Capitania.
As tarefas e incumbências da Câmara não se restringiram a cobrança dos im-
postos devidos e da regularização das práticas e dos espaços comerciais, como
fiscalizar lojas, aferir pesos e medidas ou manter o funcionamento de açougues
e ordenamento de feiras livres. A Câmara buscou garantir a segurança alimen-
tar das populações intervindo diretamente nas práticas comerciais e inclusive
interferindo em outras jurisdições e espacialidades como o sertão, trazendo des-
contentamentos e afetando as lógicas de livre mercado que iam se instaurando,
paulatinamente, no cotidiano das práticas mercantis e nas consciências dos que
agentes mercantis.
Nesse sentido, o comércio interno no Rio Grande do Norte, em geral, e na
cidade de Natal, em particular, ganhou conjunturas de estabilidade e superação
de problemas de abastecimento a partir da conquista colonial dos sertões na
segunda metade do século XVIII e das prerrogativas institucionais de controle
auferidas pela Câmara de Natal durante todo o período colonial. A conquista
colonial dos sertões permitiu, por um lado, a ampliação das fazendas pecua-
ristas e das lavouras de mandioca nos sertões e, por outro lado, a Câmara de
Natal passou a legislar e ser mais operante em proteção ao mercado interno e
de subsistência, trazendo essa matéria para o centro das questões jurisdicionais
e da organização do estado burocrático local.
Referências
ALENCAR, J. C. V. Para que enfim se colonizem estes sertões: a Câmara
de Natal e a Guerra dos Bárbaros (1681–1722). 2017. Dissertação (Mestrado em
História e Espaços) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
ALVEAL, C. M. O. Uma análise preliminar das sesmarias nas Capitanias do
Norte. In: SILVA, G. C. M. (Org.). A época moderna e o Brasil colonial:
conceitos, fontes e pesquisas. Maceió: EDUFAL, 2019. P. 231–242.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 41
Detalhe de Enge-
nho de mandioca de
Frans Post. Óleo so-
bre tela, 47x68 cm.
1651. Coleção par-
ticular, Inglaterra.
Preparação da fa-
rinha de mandioca
de Pereira. Lito-
grafia sobre papel,
13,9x18,5 cm. Século
XIX. Arquivo Histó-
rico Ultramarino.
Detalhe de Éplu-
cheuses de mandioca
de Victor Frond.
Litografia sobre
papel, 48x63,5 cm.
1861. Coleção par-
ticular, Inglaterra.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 47
Detalhe de Tu-
pinambá/Mulher
Brasilian de Albert
Eckhout. Óleo sobre
tela, 274x163 cm.
1643.
Detalhe de Tapeça-
ria a partir da obra
de Albert Eckhout
“Les deux taure-
aux”. Lã e seda,
470x740 cm. Circa
de 1690. Mobilier
National de France.
Detalhe de Trans-
port de viande de
boucherie com mar-
cas de propriedade
no gado, de Jean-
Baptiste Debret.
Litografia em pb,
24,5x25,0 cm. 1835.
48 Parnamirim, jan./jun. 2021
Detalhe do apenso da 10ª edição da obra Cozinheiro Imperial (1ª ed. 1840)
de 1887 mostrando os cortes de carne bovina de R. C. M e impresso no
Rio de Janeiro em 1887.
Registro de ferro do
gado do Sargento-
mor Leonardo Be-
zerra Cavalcante na
Câmara de Natal em
6 de agosto de 1699
constante no Livro
de Registros de Car-
tas e Provisões da
Câmara de Natal de
1691 a 1702, p. 92v.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 51
Desenhos utilizados nas marcas de ferro para gado do Rio Grande do Norte, séc.
XIX–XX por Oswaldo Lamartine de Faria em sua obra “Ferro de Ribeiras do Rio
Grande do Norte” de 1984.
NÃO AO PESO, NÃO AO RECRUTAMENTO
Os Quebra-quilos e as autoridades públicas no Rio Grande do
Norte (1874–1875)
João Fernando Barreto de Brito1
RESUMO: No ano de 1874 as notícias sobre as ações dos Quebra-quilos circulavam Como referenciar?
BRITO, J. F. B. Não ao peso,
com grande velocidade na província do Rio Grande do Norte. As feiras, casas comer- não ao recrutamento: os
ciais e tabernas eram espaços privilegiados para a disseminação das fofocas e mexe- Quebra-quilos e as
autoridades públicas no Rio
ricos em torno de uma onda de revoltas nascidas no interior da Paraíba do Norte. A Grande do Norte
cada momento, notícias chegavam aos ouvidos de autoridades públicas, mas também (1874–1875). Revista Galo,
n. 3, p. 53–73, 17 jul. 2021
de pessoas que se mostraram insatisfeitas com a política imperial, com os impostos
municipais, com o recrutamento por sorteio e, sobretudo, com a lei que estabeleceu
oficialmente o Sistema Métrico Decimal Francês (SMD), substituindo as tradicionais
costumeiras medidas antropométricas lusitanas, prevendo multa e prisão para aqueles
que ousassem desrespeitar tal determinação. O presente artigo investigou a atuação
dos Quebra-quilos no Rio Grande do Norte, destacando vilas e povoações atingidas por
esses sediciosos, identificando os grupos sociais partícipes, suas estratégias, e a ma-
neira pela qual as autoridades públicas e militares combateram os revoltosos na citada
província. Problematizamos fontes oficiais, correspondências, códices, periódicos de
época e ofícios do governo Imperial.
Palavras-chave: Quebra-quilos. Sistema métrico decimal. Rio Grande do Norte.
NO TO WEIGHT, NO TO RECRUITMENT
The Quebra-quilos rebels and public authorities in Rio Grande do
Norte (1874–1875)
ABSTRACT: In the year 1874, news about the actions of Quebra-Quilos rebels spread
out quickly in the province of Rio Grande do Norte. Street markets, commercial houses
and taverns were privileged spaces for spreading rumors and gossip about a wave of
revolts started in the countryside of Paraíba do Norte. At every moment news reached
public authorities, but it also echoed in sectors of society who were dissatisfied with
imperial policy, municipal taxes, recruitment by drawing lots, and most of all the law
1
Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (PPGHIS/UFRJ). ID Lattes: 2836.1238.5025.4834. ORCID: 0000-0003-1692-8703.
E-mail: joaofernandohistoria@gmail.com.
53
54 Parnamirim, jan./jun. 2021
that officially established the French Decimal Metric System (SMD), replacing the tra-
ditional customary Portuguese anthropometric measures and imposing fine and im-
prisonment for those who dared to disrespect such determination. The present article
investigates the actions of Quebra-quilos in Rio Grande do Norte, highlighting the vil-
lages and towns affected by these seditious people, identifying the participating social
groups, their strategies, and the way public and military authorities fought the rebels
in that province. We problematize official sources, correspondences, codices, press re-
ports of that time and official letters by the Imperial government.
Keywords: Quebra-quilos. Decimal Metric System. Rio Grande do Norte.
Introdução
Já nos últimos dias do mês de novembro de 1874, povoações e vilas do inte-
rior paraibano e pernambucano foram atacados pelos Quebra-quilos.2 Feiras
locais, casas comerciais, paróquias, coletorias e até as residências de pessoas
influentes dessas localidades (juízes, coletores de rendas, subdelegados e dele-
gados) foram alvos desses revoltosos. A situação entre os do mundo do governo
era de preocupação. Na província do Rio Grande do Norte adotaram-se me-
didas “preventivas”, prepararam-se com a finalidade de conter os agitadores.
Oito dias após as primeiras agitações verificadas na província de Pernambuco,
o Rio Grande do Norte recebeu da Secretaria dos Negócios de Guerra uma con-
siderável quantidade de armamento. Parecia que os representantes provinciais
sabiam da inevitabilidade dos conflitos e armaram-se até os dentes, como diz o
ditado popular.
Mais de 22 mil utensílios a serem usados em combates desembarcaram em
Natal, de onde seriam distribuídos para aqueles responsáveis por evitar o furor
dos Quebra-quilos. O envio de espingardas raiadas, cartuchos, cápsulas, bornais
2
É possível compreender o significado atribuído na época à palavra “quebra-quilos” a partir
da visão do Imperador Dom Pedro II, demonstrada em sua “Falla do Throno” diante da assem-
bleia geral em 16 de março de 1875, oportunidade em que ordem pública novamente havia sido
perturbarda, desta vez no interior de quatro províncias do Norte, perpetradas por “bandos se-
diciosos, em geral movidos por fanatismo religioso e preconceitos contra a pratica do systema
metrico, assaltaram povoações, e destruiram archivos e padrões dos novos pesos e medidas”.
Esta maneira de enxergar os seus súditos descontentes de certo servia como forma de deslegi-
timar a ação dos revoltosos, de modo que não reconhecia as reclamações e protestos proferidos
por tais. Por outro lado, estigmatizava-os como “bandos sediciosos”, fazendo-se alusão a grupos
de salteadores, estes impulsionados pela ignorância, por não aceitarem o sistema métrico im-
posto pelo governo, tresloucados religiosos, ou seja, que não agiam motivados pela razão. Ver
SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital. Falla do Throno na abertura da assembléa geral de 16
de março de 1875. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/227319>, acessado
em 29 de julho de 2016.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 55
com esta que foi a maior revolta popular do século XIX. Serão investigadas fon-
tes oficiais do governo, tais como correspondências entre presidentes de provín-
cias, o códice 603 (fonte que reuniu vários documentos ministeriais da Guerra e
da Justiça sobre a revolta), além de diversos periódicos. Analisaremos os discur-
sos e falas das autoridades, bem como problematizaremos as ações, experiências
e estratégias dos Quebra-quilos.
Desenvolvimento
Segundo a folha noticiosa Diário de Pernambuco, insurgentes da Paraíba
transpassaram os limites provinciais e adentraram o Rio Grande do Norte em
5 dezembro de 1874. De acordo com o referido jornal, cerca 200 indivíduos de-
nominados “quebra-kilos”, que unidos a mais 100 pessoas do lugar invadiram a
feira da povoação de Santo Antônio, município de Goianinha, causando a des-
truição de pesos e medidas do SMD em diferentes estabelecimentos. Destacava
a mencionada folha noticiosa, pretendiam os sediciosos adentrar a casa do pa-
dre capelão com o intuito de queimarem os livros de batismo dos filhos livres
de mulheres escravas, algo não realizado posto que foram demovidos de suas
intenções pelo subdelegado local.7
Ao atacarem a povoação de Santo Antônio (RN), os sediciosos usaram de
estratégias já bem conhecidas, repetindo-se o modus operandi das ações tidas
nas províncias da Paraíba e Pernambuco. Parece-nos que a experiência dos
ataques passados ainda na região da Borborema norteou as investidas tanto do
lado pernambucano quanto do lado rio-grandense. A feira se manteve como
espaço de aglutinação de novos revoltosos (dos paraibanos com os nativos) e o
lugar de demonstrar as insatisfações com as políticas e autoridades imperiais.
Isto porque a escolha de um alvo limítrofe à Paraíba não era algo aleatório.
Os insurgentes paraibanos “invadiram” Santo Antônio e somaram-se a mais
indivíduos deste povoado.
É preciso trazer à tona também a participação ativa de sujeitos pardos, ca-
boclos e negros (escravos(as), ex-escravos(as) e gente livre) em algumas ações
ocorridas no Rio Grande do Norte. Atentos às transformações promovidas pela
lei do Ventre Livre (1871), cuja obrigatoriedade de comprovação da propriedade
escrava passava a ser de responsabilidade do proprietário e não mais do cativo,
e para a condição que envolvia a condição do escravo ingênuo a depender de
sua data de nascimento, podemos inferir que a procura de certos sediciosos pe-
los livros de batismos de filhos livres de mulher escrava era um meio de evitar
com que estes se tornassem escravos ilegalmente. Evitava-se que o senhor de
7
Biblioteca Nacional, Brasil (Hemeroteca Digital) — Diário de Pernambuco, ed. 286, 15 de
dezembro de 1874, p. 1.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 57
8
A presença de pessoas negras nas revoltas do Quebra-quilos no Rio Grande do Norte pode
se averiguar a partir da ação que intencionava a queima da documentação cartorial, que para
além de se querer evitar o pagamento de impostos ou dívidas também envolviam os docu-
mentos de matrículas de escravos, classificação de escravos e o registro de nascimento e óbito
dos ingênuos, o que colocava em dificuldades a comprovação da propriedade escrava pelo se-
nhor, portanto o que nos leva a crer que a participação de negros cativos nestas revoltas é um
elemento pertinente. Lembremos que o historiador Luciano Mendonça já chamava a atenção
para os casos de participação de escravos, ex-escravos e gente negra nas sedições em Campina
Grande. No Rio Grande do Norte os estudos sobre a história dos negros e de suas lutas ainda
são poucos, podemos citar alguns trabalhos como os de MATTOS, M. R. M. F. Vila do Príncipe
(1850–1890): Sertão do Seridó — um estudo de caso da pobreza. 1985. Dissertação (Mestrado
em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói; ASSUNÇÃO, L. C. d. Os Negros do
Riacho: estratégias de sobrevivência e identidade social. Natal: UFRN/CCHLA, 1994; BORGES,
C. C. d. L. Cativos do Sertão: um estudo da escravidão no Seridó, Rio Grande do Norte. 2000.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual Paulista, Franca, SP; MACÊDO,
M. K. A penúltima versão do Seridó: uma história do regionalismo seridoense. Natal: Sebo
Vermelho, 2005; MACEDO, H. A. M. d. Histórias de famílias mestiças no Seridó (séculos XVIII–
XIX). in: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA,, 18., 2015, Florianópolis, SC. Anais. São Paulo:
ANPUH, 2015; LOPES, M. S. Escravidão na vila do príncipe, província do Rio Grande do
Norte (1850–1888). 2011. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal; PEREIRA, A. d. M. Escravos em ação na comarca do Príncipe:
província do Rio Grande do Norte (1870–1888). 2014. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
9
Biblioteca Nacional, Brasil (Hemeroteca Digital) — Diário de Pernambuco, ed. 286, 15 de
dezembro de 1874, p. 1.
10
Ibidem
58 Parnamirim, jan./jun. 2021
17
Biblioteca Nacional, Brasil (Hemeroteca Digital) — Diário de Pernambuco, ed. 04, 6 de
janeiro de 1875, p. 3.
18
Seridó é uma macrorregião do Rio Grande do Norte, que compreende atualmente aos mu-
nicípios de Acari, Carnaúba dos Dantas, Caicó, Cruzeta, Currais Novos, Equador, Ipueira, Jar-
dim de Piranhas, Jardim do Seridó, Ouro Branco, Parelhas, Santana do Seridó, São Fernando,
São João do Sabugi, São José do Seridó, Serra Negra do Norte e Timbaúba dos Batistas. Esta
região é caracterizada pela vegetação seca e pelo clima semiárido. Ver (ABRANTES, 2011).
19
Museu Histórico Lauro da Escóssia, Mossoró/RN — O Mossoroense, n. 99, 20 de dezembro
de 1874, p. 2.
60 Parnamirim, jan./jun. 2021
20
Museu Histórico Lauro da Escóssia, Mossoró/RN — O Mossoroense, n. 99, 20 de dezembro
de 1874, p. 2.
21
As festas, conforme Cunha, são hoje objeto de estudo da história social da cultura, com-
preendidas como manifestações, espaços de tensões e conflitos. Segundo a autora, por meio
delas o historiador “poderá espiar uma rica miríade de práticas, linguagens e costumes, des-
vendar disputas em torno de seus limites e legitimidades, ou da atribuição de significados, e
sentir as tensões latentes sob as formas lúdicas, [...] captar manifestações de dor, revolta, ale-
gria, presentes nos dias de festa como nos dias comuns”. (CUNHA, 2002, p. 12).
22
Biblioteca Nacional, Brasil (Hemeroteca Digital) — Diário de Pernambuco, ed. 293, 23 de
dezembro de 1874, p. 1.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 61
medidas que haviam naquela Povoação”27 . Isto porque, o movimento teria con-
tado com ajuda do subdelegado de polícia Joaquim Ferreira Pinto, assim como
do juiz de paz José Alexandre de Sá, acusados de andar “cabalando [tramando]
e convidando gente para isso”28 .
A diversidade dos envolvidos nos conflitos do Quebra-quilos é um impor-
tante aspecto dessa revolta. Isto quer dizer que não é um absurdo considerarmos
a união, mesmo que momentânea, de grupos sociais e economicamente distin-
tos, tais como agricultores e pequenos comerciantes a juízes e delegados de
polícia, como sugeriu o informante da folha O Mossoroense. Por isso, concor-
damos com Maria Verônica Secreto ao afirmar que “não vamos dizer que estes
[sediciosos] atuavam com total independência, nem que em alguma oportuni-
dade não recorreram a algum ‘padrinho poderoso’ para se protegerem, nem
que os liberais e ‘jesuítas’ não se regozijavam com a desgraça conservadora”
(SECRETO, 2011, p. 115).
Embora não tenhamos como afirmar que o autor da carta endereçada ao
jornal fosse ligado aos interesses do partido conservador ou liberal, podemos
inferir a partir de suas ilações que o mesmo tinha por objetivo incriminar opo-
sitores políticos, os quais também compunham o mundo do governo. Assim,
prosseguia o escritor que “na [povoação de] Victoria também deu-se a mesma
cousa no domingo passado, dizendo-se que os chefes foram Benedicto Pereira
da Silva e Manoel Soares; aquelle irmão do sub-delegado d’aqui e este irmão
do tenente-coronel Martiniano de S. Miguel, todos gente gente do governo 29 [grifo
do governo
governo!”
nosso].
Observemos que não precisamos saber se a “gente do governo” realmente
agiu em favor dos insurgentes, posto que tais revoltas contribuíam (in)diretamente
para o acirramento das rivalidades entre políticos locais em torno de benesses,
privilégios e cargos. Tanto poderiam agir em apoio aos Quebra-quilos para
prejudicarem os da situação, quanto os da situação acusarem os opositores de
participação, mesmo que estes não o fizessem. Subalternos ou não, estes enten-
diam que a quebra da normalidade, ou da “ordem pública” (como nos dizeres
das autoridades da época), era o momento ideal para acertar determinados as-
suntos. Nestas ocasiões poderiam emergir as tensões que antes se escondiam
na penumbra dos dias ordinários. Punham-se as forças políticas em disputa.30
27
Museu Histórico Lauro da Escóssia, Mossoró, RN — O Mossoroense, n. 101, 13 de janeiro
de 1875. p. 1.
28
Ibidem.
29
Museu Histórico Lauro da Escóssia, Mossoró, RN — O Mossoroense, n. 102, 24 de janeiro
de 1875, p. 1.
30
Na pequena povoação de Barriguda (hoje atual Alexandria), o subdelegado também foi
alvo das acusações do correspondente, atrelando a liderança do motim a autoridade policial do
lugar. Em tom dramático, o autor encerrou sua carta fazendo um apelo para que o governo
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 63
Ainda naquela semana outras ações perpetradas por grupos armados foram
registradas em Pau dos Ferros, extremo oeste da província norte rio-grandense.
Conforme o jornal Diário de Pernambuco, tais indivíduos eram advindos de
São João e Arrojado, povoações pertencentes à Sousa, vila paraibana que fazia
fronteira com o Rio Grande do Norte. Entre os dias 1 e 3 de janeiro, os distritos
de Luís Gomes e Victória, bem como Pau dos Ferros foram atacados. São Miguel
(RN), que faz fronteira com Icó (CE) também era preterida pelos sediciosos,
segundo a citada folha noticiosa. Nestes lugares foram destruídos os pesos e
medidas métricas dos mercados públicos e dos estabelecimentos particulares.31
Além da pouca ou qualquer resistência policial, era notória a dependência
das autoridades locais em relação ao envio de tropas e destacamentos as regiões
mais distantes da capital. A grande extensão do termo de Pau dos Ferros, por
exemplo, impossibilitou o efetivo deslocamento das autoridades policiais res-
ponsáveis por aquela jurisdição. Este fato inclusive, segundo o referido jornal,
motivou Joaquim Ferreira Pinto a pedir exoneração do cargo de delegado de
polícia. Todavia, há de se ressaltar que pesava contra ele acusações de ter faci-
litado ou feito “vista grossa” para que os revoltosos pudessem agir livremente.32
Para tanto, foram encaminhadas forças expedicionárias “sem perda de tempo”33
para combater os Quebra-quilos nos diferentes pontos invadidos. Embora se de-
sejasse de pronto sufocar as sedições, a falta de estrutura e pessoal revelou uma
grande vantagem dos incontinentes revoltosos que se antecipavam às investi-
das policiais. As tropas dos capitães Benevides e Pinto Castro obviamente não
chegariam a tempo de evitar ou prevenir as ações já cometidas.34
Parecia que o presidente da província norte-rio-grandense desconhecia os
ataques ocorridos no dia 3 de janeiro, uma vez que em nova correspondência de
Bandeira de Mello à Pereira de Lucena afirmou que “das participações officiaes
até esta data recebidas não consta que tenhão havido novos disturbios, nem
sido alterada a ordem e tranquilidade publica nesta província”35 . Por outro lado,
punisse severamente as autoridades políticas que, segundo ele, incitavam a população a co-
meterem desordens e crimes, afirmando que “os homens dos partidos dominantes não podiam
dar de si uma idéa de maior perversão e insensatez; pois são eles próprios que transviados na
carreira do crime procuraram o seu descredito e o do governo que os nomeou”. Ibidem, p. 1.
31
Biblioteca Nacional, Brasil (Hemeroteca Digital) — Diário de Pernambuco, ed. 21, 27 de
janeiro de 1875, p. 2.
32
Ibidem.
33
Ibidem.
34
O Diário de Pernambuco confirmava que em 12 de janeiro foram enviadas tropas que se
dividiram em duas frentes com a finalidade de combater os Quebra-quilos. Assim, destacava o
periódico: “ainda hontem de madrugada seguiram dous grandes destacamentos volantes para o
interior da Província, em direcções oppostas, um commandado pelo capitão Antonio Benevides
Seabra de Mello e outro pelo capitão Antonio Pinto de Moraes Castro”. Biblioteca Nacional,
Brasil (Hemeroteca Digital) — Diário de Pernambuco, ed. 12, 15 de janeiro de1875, p. 3.
35
APEJE — Coleção correspondências entre presidentes de província, PP 53, p. 304.
64 Parnamirim, jan./jun. 2021
não era um fantasma, mas um dado real e que podia vir sob a forma de lista ou
cumbuca. Assim, precisava-se garantir a manutenção da liberdade, mesmo que
fosse preciso para isso desafiar as autoridades locais.42
Em vista das ameaças proferidas pelo líder sedicioso, o juiz de direito pôs em
diligência do primeiro um destacamento do exército liderado por João Ferreira
de Oliveira, cuja ação foi capaz de prender Hilário Pereira e mais 110 sediciosos.
Além disso, foi requisitada a presença do capitão João Paulo Martins Naninguer
nas vilas de São José e Canguaretama, com a finalidade de que o mesmo pudesse
garantir que a junta paroquial realizasse o alistamento, experiência que já havia
demonstrado sucesso em Goianinha devido a presença do militar e seu destaca-
mento.43 Todavia, não demorou para que o capitão Naninguer tivesse sua força
testada.
Já no dia 18 de agosto de 1875, novas agitações tomaram conta da vila de
Canguaretama. O juiz de direito deste termo logo adotou a iniciativa de nar-
rar ao presidente José Bernardo os novos incidentes envolvendo os sediciosos.
Antônio José de Amorim afirmou que recebeu a notícia de que um elevado nú-
mero de pessoas havia se reunido de vários pontos próximos a Canguaretama
com o intuito de assaltar a cadeia e impossibilitar os trabalhos da junta paro-
quial. Segundo o citado juiz, as autoridades locais foram informadas e estimu-
ladas pelo mesmo a tentarem dissuadir os revoltosos de seus intentos, porém
não obtiveram êxito.44
Conforme o meritíssimo juiz Antônio José de Amorim, apesar do envio de
forças destacadas para diferentes partes da vila e de se esvaziar a igreja (não fica
claro na fonte se foram retirados os documentos da junta de alistamento cuja
responsabilidade recaía sob os párocos, as pessoas que trabalhavam dentro da
igreja ou ambos), o conflito foi inevitável. Às nove horas da manhã travaram-se
as forças. O povo avançou sobre a força que respondeu com sabres e baionetas.
Ao fim, dispersou-se a multidão, de maneira que 19 prisões foram efetuadas e
nenhuma baixa policial houve ou foi relatada pelo juiz. A ação foi celebrada pe-
las autoridades locais. Às 13 horas, conforme o excelentíssimo José de Amorim,
a junta paroquial retomava seus trabalhos.45
O relato do capitão Naninguer enviado em ofício ao sr. Alcoforado acabou
por complementar a narrativa de José de Amorim e trouxe à tona mais informa-
42
A respeito da precariedade e a manutenção da liberdade especialmente para homens e
mulheres pobres de cor nas últimas décadas da escravidão no Brasil, ver CHALHOUB, S. Visões
da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
43
Arquivo Nacional — Códice 603, v. 5. Código de fundo NP. Coleção “Diversos códices da
antiga SDH”, p. 54.
44
Ibidem, p. 57–58.
45
Ibidem.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 67
53
O lugar de liderança ocupado por Ana Floriano não é unanimidade. O juiz de direito de
Mossoró à época, José Antônio Rodrigues, observou em 4 de setembro de 1875 que o ataque
das mulheres à junta paroquial da cidade mossoroense tivera como lideranças “Dona Maria
Filgueira” e “Dona Joaquina Maria de Góis”, além de “Ana de Rodrigues Braga”, conhecida por
Ana Floriano.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 71
Conclusões
A proposta de metrificação no Brasil, apesar de ser uma ideia formulada a partir
de conceitos que faziam parte do universo daqueles que compunham o mundo
do governo e da intelectualidade imperial, não conseguiu unanimidade mesmo
entre estes. A oposição ao metro não se fez apenas por parte da população pobre
e livre, achacada pelos primeiros de ignorantes, fez-se também por indivíduos
do mundo do governo que não aceitavam o SMD. Desejos e interesses particu-
lares ligou pobres, livres, escravos, militares, gente de batina e cabedal contra
o metro.
As ações dos Quebra-quilos na província do Rio Grande do Norte, em par-
ticular, terminariam de maneira semelhante ao que ocorrera nas províncias da
Paraíba, Pernambuco e Alagoas: com extrema violência das forças policiais,
recrutamentos e abertura de inquéritos. Isso comprova que a repressão ao mo-
vimento tomou as mesmas cores e, portanto, foi alvo de uma política imperial,
apesar de cada província dispor de estratégias particulares no que tange ao seu
combate. Se a Paraíba optou por colunas militares e canhoneira, o Rio Grande
do Norte, assim como Pernambuco e Alagoas preferiu guarnecer os lugares li-
mítrofes e com maior incidência de distúrbios.
Por outro lado, a circulação de notícias e a mobilidade dos sediciosos contrá-
rios ao SMD se configuraram como elementos dificultadores à manutenção da
ordem pública. A imposição do recrutamento, a carestia de alimentos engros-
sava o caldo da insatisfação população. Homens, mulheres, negros, pardos e até
indígenas foram registrados nas manifestações contra o governo Imperial. Não
se queria derrubar o governo. A multiplicidade de diferentes sujeitos, os quais
compartilhavam partes de suas agendas políticas nos mostra que a diversidades
de objetivos também se fez presente. Além de garantir a manutenção do tradi-
cional sistema de pesos e medidas, a diminuição dos impostos sobre os gêneros
básicos da alimentação foram pano de fundo para alguns sediciosos que luta-
vam em oposição ao recrutamento, a escravização ilegal ou a reescravização, os
quais tinham as paróquias e os livros de matrícula e alistamento como alvos de
suas ações.
Por fim, entendemos que as ações dos Quebra-quilos são resultado de uma
economia moral sertaneja, como bem destacou Verônica Secreto. Os quebra-
mentos dos instrumentos métricos, coletorias e cartórios são atos simbólicos,
formas de dizer às autoridades que não aceitavam o SMD, os impostos abusi-
vos e o recrutamento ilegítimo. A padronização dos alvos nos diz muito sobre
72 Parnamirim, jan./jun. 2021
Referências
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REVISTA GALO, ano 2, n. 3 73
75
76 Parnamirim, jan./jun. 2021
to that municipality some notions of progress and civility imposed by the First Repub-
lic. Thus, with this text, we aim to explore the development wishes Florêncio Luciano
thought for the town; to understand to what extent that educational project promoted
new forms of sociability; and to point out how that mayor’s speech was linked to a
network of contacts and influences that also thought education at the level of the state
and of the nation. Therefore, this investigation was made possible by the exploration
of the discourse present in the mandate report, presented in 1930 by the aforemen-
tioned mayor, which pointed some intentions and the scope his educational project
brought for the students from Parelhas. This time, with the results of the deepening of
the source explored here, it is noticeable that from the reading and reflection of these
sources combined with the consulted bibliography, we can see the constitution of the
educational space of the town of Parelhas aligned with the idea of modernization and
the insertion of new sociability.
Keywords: Literacy. Educational cartography. Modernization. Sertão.
Os prelúdios do plano
Se era a escola a resistência manifesta ao ímpeto modernizador,
tornava-se imperioso mudá-la.
Clarice Nunes (1996)
Nos anos de 1920, a educação passou a ser propagandeada Brasil afora por
dois grandes motivos. O primeiro deles era erradicar o analfabetismo que ainda
imperava, sobretudo nos recantos mais longínquos do Rio de Janeiro, então ca-
pital da república, e dos demais centros urbanos brasileiros, gerando assim uma
espécie de otimismo pedagógico3 . A escola então, como desperta a historiadora
Clarice Nunes4 citada no início dessa narrativa, tornou-se um dos epicentros de
formação desse novo homem agora a serviço da República.
Já o segundo ponto, se deu pelo fato de que, estando um modelo de educação
estabelecido em um determinado local, o currículo escolar estava voltado para a
formação de um cidadão republicano, ou seja, a prática pedagógica não estaria
direcionada somente para o combate ao analfabetismo, mais do que isso, ela
3
(NAGLE, 2009, p. 261) Em seu trabalho Educação e Sociedade na Primeira República (2009),
este educador faz uma interpretação do quadro educacional brasileiro mediante o advento do
estado republicano, haja vista que o do país estava vivenciando a transição de um sistema agrá-
rio comercial para um sistema industrial.
4
A historiadora Clarice Nunes em seu trabalho: “Cultura escolar, modernidade pedagó-
gica e política educacional no espaço urbano carioca” que se encontra na obra Missionários do
progresso: médicos, engenheiros e educadores no Rio de Janeiro, 1870–1937 (1996), nos convida a
pensar a escola enquanto um espaço de condensação simbólica dos ideais republicanos, onde
os alunos seriam transformados em cidadãos da ordem e do progresso.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 77
Por meio disso, as mensagens com ideias moralizantes e que seriam a partir
de agora amplamente propagadas pelas escolas primárias, e no caso do sertão,
pelas Escolas Rudimentares, continham a existência de diversas alegorias pa-
trióticas e ufanistas que incentivavam a modelação desse homem sertanejo.
Nas engrenagens deste processo, a República pretendia criar um modelo de
cidadão civilizado, entendedor da ordem vigente e que, juntamente com seu
governo, pudesse construir um país sobre a esteira do progresso e do desen-
volvimento urbano, higienista e instrucional. Os vislumbres desse ideário esta-
vam pautados na concepção de que seria encaminhada “à educação a função de
agente transformadora dos súditos brasileiros em cidadãos republicanos” (STA-
MATTO, 2005, p. 81).
Ao escolhermos elencar a tríade de desenvolvimento do país anteriormente
citada que se distribuiu em uma organização urbana, na higiene e educação,
convocamos em nossos estudos Herschmann e Pereira (1994), no que concerne
a problematizar as transformações das cidades republicanas por meio dos proje-
tos de organização dos espaços citadinos, em seu sistema de saúde ponderando
nos cuidados com o corpo, e ainda a expansão da educação na ideia da “confor-
mando mentalidades”9 .
No caso da última característica desse tripé de desenvolvimento de um Bra-
sil moderno, em que se sucedem os anos de 1920, a educação, objeto de aná-
lise desta narrativa, vem sendo pensada enquanto uma vertente da chegada da
modernidade em Parelhas-RN no final do período da Primeira República. Mo-
dernidade esta que, torna-se uma prática educativa quando da aplicação dos
conteúdos em sala de aula por meio de símbolos como a Bandeira, o Hino, e
a seleção de conteúdos para formar cidadãos que zelassem por seu país, e que
alimentando tal zelo, tivessem uma nova perspectiva de desenvolvimento para
o mesmo.
Partindo deste pressuposto, a narrativa em questão tem como principal ob-
jetivo, apresentar como o Plano de Propaganda Contra o Analfabetismo, evento
ocorrido em Parelhas-RN, no Sertão do Seridó, acompanhou os discursos nacio-
nais e promoveu uma educação pautada na disciplinarização de mentes e forma-
ção de cidadãos que passassem a seguir os trâmites impostos pelos governos re-
publicanos. Logo, usamos como material para exemplificar este processo, o re-
latório de mandato do prefeito Florêncio Luciano, articulador do plano, quando
relatou uma das festas cívicas realizadas na cidade, sendo esta elaborada pelos
professores e alunos deste projeto educacional.
9
O uso do termo conformando mentalidades, discutido por Herschmann e Pereira (1994) no
trabalho “A invenção do Brasil Moderno: medicina, educação e engenharia nos anos 20–30”,
compreende-se os ideais republicanos como progresso, civilidade, e novos comportamentos
que passaram a ser inculcados nos currículos escolares com o intuito de formar um cidadão
adequado aos trâmites deste novo período.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 81
Tudo isso será discutido por meio de um corpo investigativo que proble-
matiza os aspectos da Modernização a partir de Fredric Jameson (2005), David
Harvey (2002) e o próprio Marshal Berman (1986) que forneceu o suporte teó-
rico para investigar como na prática, se incorporaram as mudanças propostas
por meio do Plano de Propaganda Contra o Analfabetismo no espaço da ci-
dade de Parelhas. Além dos debates que envolvem as mudanças trazidas pela
República a partir de historiadores como José Murilo de Carvalho (1990) e Nico-
lau Sevcenko (1998), Herschmann e Pereira (1994), Nísia Trindade Lima (2013),
além de Veiga e Fonseca (2003), no que concernem as abordagens simbólicas da
formação do homem no período em discussão.
Sem mais, teríamos aspectos de modernização sendo aplicados não só numa
perspectiva física, ou seja, na construção de escolas, no uso do telégrafo, insta-
lação e ampliação da rede elétrica, assim como nos trâmites simbólicos distri-
buídos em textos trabalhados em sala de aula, o uso do hino, organização das
turmas, fardamento e desfiles cívicos que passaram a fazer parte das aulas e que
moldavam os alunos na busca pela formação de um novo homem sertanejo.
Diante do que foi abordado, Florêncio Luciano deixou clara a sua afeição
para o progresso da cidade, montando já para a efetivação deste, toda uma logís-
tica de arrecadação para promover os melhoramentos que, segundo ele, faziam
parte da evolução do povo parelhense. Questão essa que se relaciona com as
propostas sugeridas pelos governos republicanos e que o historiador José Mu-
rilo de Carvalho em sua obra A formação das Almas: o imaginário da República
no Brasil (1990) irá discutir no tocante às ideologias propagadas entre aqueles
que estariam a frente de todo e qualquer processo político. Com isso:
Com isso, é perceptível a relação das ideias aguçadas por Florêncio Luciano
acerca do progresso parelhense com as vertentes do desenvolvimento que impe-
ravam no Brasil naquele período. A preocupação dos líderes políticos nacionais,
como também do líder em questão era disseminar esses ideais pela população.
E, nisso, a educação se tornou peça fundamental para moldar principalmente os
analfabetos para buscar junto as instituições do estado, uma espécie de corrente
do desenvolvimento e progresso deste país. Desta feita, tratava-se de montar
uma rede de ensino no país que desse conta da formação do caráter do cidadão,
a sua moralidade, além dos sentimentos patrióticos enquanto a constituição de
uma identidade nacional
Ao falar especificamente do seu projeto educativo nesse relatório, o gestor
deixou clara a sua satisfação para com as conquistas conseguidas por meio do
seu plano até aquele momento, fazendo com que a Propaganda Contra o Anal-
fabetismo construísse novas atribuições na vida dos seus alunos. Com isso, este
político acenou:
Diante disso, entende-se que o prefeito trouxe para a sua discussão a ideia de
civilização, de instrução e de consequente a educação enquanto uma saída para
um novo modelo de sociedade. Para a república, o analfabetismo da imensa
população poderia representar um impedimento à construção de uma nação
moderna e civilizada que deveria ser pensada não só pelas instituições governa-
mentais como também pelo próprio povo, responsável pela continuidade deste
processo.
As perspectivas alimentadas e realizadas pelo prefeito correspondiam a um
retrato de um país delineado ao longo dos anos 20 e 30, mas que já vinham
surgindo em um Brasil de fins do século XIX a partir dos valores e modelos de
sociedade que uma elite dominante queria empregar.
Ao deixar claro que a organização citadina precisava de ordem, e que sem
ela não haveria progresso e evolução, Florêncio Luciano estava em sintonia com
84 Parnamirim, jan./jun. 2021
Desse modo, é perceptível a relação das ideias aguçadas por Florêncio Luci-
ano acerca do progresso parelhense com as vertentes do desenvolvimento que
imperavam no Brasil naquele período. Em outro momento neste mesmo relató-
rio, o prefeito nos descreve acerca da realização de uma atividade no dia 15 de
novembro de 1929, em que o desperta para os resultados que já tinha conseguido
com seu projeto ao longo do mesmo ano. Neste documento, este personagem
relata a realização de uma festa cívica escolar alusiva ao dia 15 de novembro:
Algumas conclusões
Chegando ao final desta discussão, é importante deixar claro que este escrito
faz parte de um projeto dissertativo que ainda está em construção e que ainda
não consegue elencar resultados assertivos sobre o Plano de Propaganda Con-
tra o Analfabetismo. Porém, por meio das leituras aqui realizadas, temos a pri-
meira conclusão sobre o desenrolar deste projeto. A cidade e seus espaços que
14
Abaixo assinado feito para o Prefeito Florêncio Luciano liberasse verba para a instalação
da luz elétrica no grupo escolar Barão do Rio Branco. Informação encontrada no documento
referente à Receita de 1929 encontrado na caixa: Receitas de 1929, no arquivo da prefeitura
municipal de Parelhas.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 89
Considerações finais
Quando se fala em experiência educativa, não interessa aqui uma memória in-
dividual daquilo que foi vivido, mas sim, de um conjunto de metodologias que
alcançou um vultoso número de pessoas. A educação não é um processo singu-
lar, mas sim pensado em abarcar um todo, logo a alfabetização de uma pessoa
não tiraria o atraso instrucional de uma população e nem tampouco a transfor-
maria em um modelo de sociedade voltada para o progresso e civilidade, só se
mesma fosse pensada numa coletividade como assim o fez o Plano de Propa-
ganda Contra o Analfabetismo.
Chegando ao final desta narrativa, acreditamos que ao citar uma pequena
parte de uma vasta documentação sobre o Plano de Propaganda Contra o Anal-
fabetismo, esperamos ter conseguido mostrar ao leitor como em Parelhas-RN
se constituiu uma experiência educativa. Logo, são experiências de vidas e alfa-
betização que são compartilhados por todos e desses experimentos, surge uma
amplitude de visões e ideias que visam tornar as pessoas sujeitos e objetos desse
processo que foi a educação na primeira República.
O Plano de Propaganda Contra o Analfabetismo acabou se efetivando e se
perpetuando nas instalações de prédios escolares, nos materiais distribuídos
aos alunos, nos recenseamentos para matricular os educandos ou ainda nos
próprios desfiles cívicos que acabaram sendo internalizados nas reminiscências
tanto daqueles que viveram a época, quanto daqueles que cresceram sabendo
que seus pais ou avós foram alfabetizados por meio dos objetivos deste plano
90 Parnamirim, jan./jun. 2021
ou ainda sabendo das histórias das professoras que alfabetizou algum membro
de sua família.
Ademais, no período em que o sobredito plano esteve em vigor, o instrumen-
tal arregimentado para o seu funcionamento teve como resultado indireto um
conhecimento mais nítido da realidade populacional do jovem município pare-
lhense. Uma vez que, além da questão demográfica, com atenção especial para
os jovens, público alvo do intento educador, houve a mobilização e o emprego
dos poucos letrados aí residentes e a modernidade marcou indelevelmente sua
presença por meio do telégrafo, da eletricidade e da própria construção de pré-
dios escolares, símbolo maior da vida moderna, tanto no espaço urbano, quanto
na zona rural. Temos então, a produção de uma cultura material que faz refe-
rência um projeto de desenvolvimento da cidade pensado inicialmente por seu
viés educativo.
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REVISTA GALO, ano 2, n. 3 91
93
94 Parnamirim, jan./jun. 2021
the village to the status of freguesia. The used methodology consists on analysis of
historiographic speeches related to the topic, as well as the use of ecclesiastical sources
in order to understand which socio-cultural aspects contributed to the consolidation
of the aforementioned saint as patron of Mossoró.
Keywords: Mossoró. Ecclesiastical History. Rio Grande do Norte. 19th Century. Santa
Luzia.
Introdução
O impacto da Igreja Católica ao longo da história da humanidade é enorme.
Desde a Idade Medieval ela se estabeleceu como uma instituição de forte poder
e influência onde estivesse. Mesmo durante a sua crise com as Reformas Pro-
testantes, ela se manteve firme em seu papel de domínio, principalmente nas
colônias do período. A América, por exemplo, foi um local que ela conseguiu se
firmar bem (tanto nas colônias espanholas quanto nas portuguesas), já que as
Metrópoles, no início da colonização, faziam questão de utilizar a religião como
forma de domínio sobre os nativos.
Por ser um órgão tão presente no cotidiano colonial, acabou influenciando
na forma como a dinâmica social se estruturou, incluindo o “desenho” das ci-
dades nas colônias. Isso aconteceu por, muitas vezes, a Coroa, em especial a
portuguesa, não se preocupou tanto em elaborar um planejamento urbano para
aquela região, e a Igreja Católica como já possuía suas diretrizes, e atrelada às
suas missões de evangelização, acabavam, intencionalmente ou não, formando
povoados que posteriormente se transformaram em cidades.
Porém, apesar de serem da mesma instituição, a atuação da Igreja Católica
na formação do espaço colonial variava de acordo com a Metrópole (Espanha
ou Portugal). Nas colônias espanholas, por exemplo, a Coroa e a Igreja Católica
conjuntamente se preocupavam com a organização da cidade, e seguiam o plano
xadrez determinado pela Lei das Índias5 . Segundo Medeiros (2010):
Ou seja, dessa forma, como as igrejas eram construídas nos lugares com um
padrão habitacional mais bem definido, e com a Coroa não se preocupando com
isso, “era a partir da igreja que surgia às ruas, e não o contrário” (PARENTE,
1998, p. 195).
Medeiros (2010), baseando-se em Bittar, Mendes e Veríssimo (2007) divide as
ocupações religiosas no Brasil em três fases: a primeira (século XVI até o XVII)
foi predominada pela presença dos Colégios de Jesuítas na formação de cidades;
a segunda (início do século XVII até o século XVIII) teve como característica
os grandes conventos das ordens religiosas; a última (todo o século XVIII) se
caracterizou pela construção de igrejas e capelas no interior como forma de
abrir os cultos de irmandades e confrarias, consolidando assim a dominação do
interior do território brasileiro.
No caso da Capitania do Rio Grande (atualmente, Rio Grande do Norte)
essa prática de construção de capelas se tornou muito comum no século XVIII.
O sertão da Capitania começou a ser mais povoado nesse período, pois estavam
acontecendo muitos conflitos por sesmeiros de outras regiões (como a Bahia,
por exemplo) estavam querendo terras na região e isso estava desagradando os
fazendeiros. Então, intensificou-se a cobrança para que os sesmeiros beneficia-
dos com a terra ocupassem-a e produzissem nela. Assim, com a fomentação no
comércio da região foi-se criando várias rotas e pontos comerciais que posteri-
ormente tornaram-se vilas (MONTEIRO, 2000).
6
Documento “Constituiçoens primeyras do Arcebispado da Bahia feytas. . . ”, publicado em
1719. (MARX, 1991, p. 22 apud PARENTE, 1998, p. 195–196).
96 Parnamirim, jan./jun. 2021
Uma cidade que provavelmente passou por esses dois processos (o religioso
e o comercial) foi Mossoró, como destaca Monteiro (2000, p. 83). Tendo em
vista que a fundação de Mossoró data de 1852, um ponto muito importante de
se destacar é o papel que a capela de Santa Luzia teve dentro desse processo,
tendo em vista que ela data de 1772. A formação da própria capela também
sugere a que a teoria apresentada por Monteiro é plausível, tendo em vista que
ela surgiu no sítio que levava o nome da Santa:
De acordo com Souza (2010), a capela de Santa Luzia foi elevada à nomeação
de “freguesia independente” em 1842:
Desenvolvimento
A localidade do sítio de Santa Luzia teve dois principais donos, o capitão Teo-
dorico da Rocha, anterior a 1739, e em 1754 até 1770, o sargento-mór da Ribeira,
José de Oliveira Leite (SOUZA, 2010, p. 53). Em 1770 quem assumiu o sítio de
Santa Luzia foi o Sargento-mór Antônio de Souza Machado; no mesmo ano,
ele e sua esposa, D. Rosa Fernandes, começaram a buscar a construção da ca-
pela, que levaria o mesmo nome do sítio. De acordo com Fausto de Souza, a
construção da capela data do ano de 1772:
para erigirem uma capela tendo como invocação Santa Luzia, na ri-
beira de Mossoró da mencionada freguesia, autorizando o referido
visitador, na aludida Provisão [. . . ]. Essa capela foi construída, de
pedra e cal, no mesmo ano de 1772, e no mesmo lugar aonde se acha
hoje edificada a matriz de Mossoró pelo referido Sargento-mór que
com ela despendeu a quantia de 590$770 rs. (SOUZA, 2010, p. 54).
houve uma melhora financeira, passando a receber muitas doações, e até mesmo
pessoas “devendo” à paróquia. E essa melhoria não se dava somente em forma
de dinheiro, mas também em terras e animais para a pecuária, como é possível
ver no trecho da reportagem de Francisco Fausto para “O Nordeste”, publicada
em 15 de maio de 1929:
Outro ponto importante para que fosse possível a elevação para Matriz eram
os materiais que estavam dispostos na capela para a realização de eventos re-
ligiosos no local. A partir dos relatórios de controle da Matriz, relacionados
ao tempo em que esta era Capela, relata-se que desde a criação da capela até
o ano de 1816 aconteceram sete visitas de clérigos para constatar a situação
da capela, como estava as alfaias e ornamentos. Na primeira visita registrada,
em 1775, a relação feita pelo Visitador Alexandre Bernardino dos Reis constava
uma imagem da milagrosa Senhora Santa Luzia, um crucifixo para o altar, um
permanente xamalete branco, uma alva de pano de linho, dois corporais e um
sanguinho, uma toalha, uma cálice de prata, um missal novo com mola, uma
imagem do Senhor, uma imagem de São Gonçalo, uma toalha para o altar e
uma pedra d’ara (SOUZA, 2010, p. 66).
Já na segunda visita, em 1779, realizada por Joaquim Monteiro da Rocha,
mostrou um inventário com bem mais recursos: uma igreja feita de pedra e cal,
uma imagem no altar-mór de Santa Luzia, uma do Senhor Crucificado, uma ima-
gem de Nossa Senhora do Rosário em seu altar, uma pedra d’ara, uma frontal
do chamaleto do altar-mór, duas toalhas do dito altar, de bertanha; um orna-
mento do xamaleto, com alva, um m. cordão, um frontal do xamalete e toalha
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 101
Elevação à freguesia
Cascudo (2010) aponta que um dos principais nomes para a concretização da
capela de Santa Luzia em Matriz foi Antônio Francisco Fraga Júnior, conhecido
como Fraguinha, personalidade de confiança dos moradores. Fraga recorre ao
Bispo Diocesano, dom João da Purificação Marques Perdigão. Todavia, este
último não podia criar Freguesia, apenas poderia aprovar criações, visto que,
como aponta Fausto de Souza, a criação de Freguesias era um assunto legis-
lativo, e por consequência, o processo foi direcionado à Comissão de Negócios
Eclesiásticos e mais partes, que pertencia à Assembléia (CASCUDO, 2010, p. 50).
O processo tramitava entre a Assembléia Legislativa e a aprovação ou desapro-
vação do Bispo Diocesano. Então Fraga, como versa Câmara Cascudo, “na ago-
nia do sonho” (CASCUDO, 2010, p. 51) apresenta uma petição à Assembleia no
ano de 1839, a qual se encontra transcrita na obra de Cascudo:
A petição se estende por várias linhas, mas os pontos que desejamos ressal-
tar foram expostos na citação acima. Por se tratar de um assunto religioso, Câ-
mara Cascudo aponta que as Câmaras Municipais interessadas nesse processo
não podiam se opor, mas podiam dar suas opiniões em relação aos “inconveni-
entes da causa, falando sobre limites propostos, número de almas de comunhão
que lhe ficam pertencendo” (CASCUDO, 2010, p. 50), tal qual podemos conferir
no discurso de defesa que Fraga coloca, onde ele faz referência a questão das
almas de comunhão. Bem como podemos conferir a questão da religiosidade
e da economia, quando o mesmo cita que se elevada à categoria de Matriz, a
capela contará com a presença de um Pároco, e por consequência, a chegada de
recursos advindos do poder eclesiástico se torna mais fácil, tendo em vista que
até aquele momento esses recursos iam para a Matriz em Apodi, e de lá eram
encaminhados para a capela.
Na primeira petição, o parecer foi negativo, dado cinco dias após o pedido,
tendo o argumento de que isso envolveria a mudança de limites das Freguesias
de Apodi, Campo Grande e Princesa (CASCUDO, 2010, p. 53). Porém, Fraga
Júnior apresentou, no ano seguinte, outra petição com a base argumentativa
praticamente igual à do ano anterior. Mas, paralelamente, outros moradores do
povoado em comunidades próximas também fizeram uma petição contra argu-
mentando que não era necessária essa nova Freguesia, tendo em vista que, para
eles, as funções exercidas pela Matriz de Apodi estavam sendo cumpridas de-
vidamente. Ambas as petições foram apuradas, mas o parecer para o pedido de
Fraga Júnior foi negado novamente, mas dessa vez por não haver a permissão
do Bispo. Assim como foi ressaltado, muito provavelmente, as razões que leva-
ram os moradores de povoados vizinhos a construir uma nova petição, agora
desaprovando a elevação da Capela, seria uma possível separação de territórios,
o que poderia influir no contingente que a Matriz de Apodi conseguia reunir,
visto que sues fieis estavam satisfeitos com a atuação da Matriz.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 103
N. 187.
Pg Cento e vinte reis de Selo.
Natal 19 de setembro de 1842.
ALCOSTA. SIABRA DE MELLO. (CASCUDO, 2010, p. 65).
104 Parnamirim, jan./jun. 2021
Conclusão
Através da análise da documentação e dos discursos relacionados à transfor-
mação do povoado em Freguesia independente e a Capela de Santa Luzia em
Matriz, podemos afirmar que ambos os processos estiveram extremamente as-
sociados, pois a elevação da capela à condição de matriz foi um fator que im-
plicou diretamente para o sítio de Santa Luzia recebesse o título de Freguesia
independente em 1842. Vale ressaltar que além de auxiliar na condição de Fre-
guesia independente, o status de Matriz conferiu ao então povoado de Mossoró
uma maior atenção econômica, e independência em vários âmbitos antes atre-
lados à Freguesia do Apodi.
A conquista da nomeação de Freguesia independente se deu através da rei-
vindicação por parte dos moradores do povoado na Assembleia Legislativa,
tendo esta que passar pela aprovação da Assembleia, do Bispo e das outras
Freguesias e povoados. Sendo assim, nota-se que o caso de Mossoró segue a
questão afirmada por Gomes Parente, de que era a partir da igreja que surgia a
cidade (PARENTE, 1998, p. 195).
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 105
Referências
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Edição especial para o Acervo Virtual Oswaldo Lamartine de Faria. Disponível
em: <https://colecaomossoroense.org.br/site/wp-
content/uploads/2018/07/HISTORIA-DE-MOSSORO.pdf>. Acesso em: 3
dez. 2020.
1
Em tradução literal, new look significa “novo olhar”, tal termo foi designado por Carmel
Snow, repórter norte-americana da revista Vogue, quando foi cobrir a coleção de lançamento
da marca Dior. Termo que será abordado de forma mais profunda no decorrer do trabalho.
2
Discente do curso de Licenciatura em História. Bolsista IC/Propesp/UFRN. ID Lattes:
9127.3680.8474.7839. ORCID: 0000-0001-7244-4573. E-mail: jvieiran00@gmail.com.
3
Professor do Departamento de História/CERES/UFRN e do Mestrado em História dos
Sertões/UFRN. ID Lattes: 6752.7281.1456.8336. ORCID: 0000-0003-2141-0212. E-mail: jocade-
soan@yahoo.com.br.
107
108 Parnamirim, jan./jun. 2021
5
De acordo com o Dicionário online de português, patchwork performa-se enquanto te-
cido com retalhos, no sentido deste trabalho, assume a definição de elementos díspares que se
combinam, logo, moda, jornais e o Rio Grande do Norte.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 111
enquanto marco inicial, ainda que o modelo new look houvesse sido desenhado
no ano anterior, em 1947, e como marco final o ano de 1953, pois foram quando
as últimas ocorrências sobre o costureiro e estilista francês Christian Dior apa-
receram no periódico.
Mesmo que o new look houvesse sido criado em 1947, marcando a década
de 1950 como a silhueta clássica, tal tendência transcendeu os limites dos “anos
de ouro” e permaneceu nas décadas posteriores, assinalando a importância de
Dior e de sua maison6 na indústria e na história da moda.
Tal enfoque se apresenta como relevante para a historiografia potiguar, tendo
em vista a carência em estudos históricos sobre as vestes, o costurar e suas re-
lações de apropriação e releituras face aos costumes da sociedade. Portanto, a
despeito de ser uma reflexão inicial, esta abordagem aponta para a relevância e
riqueza históricas destes estudos no âmbito de uma história da moda.
Como forma de aprimorar a compreensão acerca das temáticas que serviram
de tema para a tessitura do trabalho em questão, o mesmo será fragmentado em
seções menores: “Christian Dior pelas páginas natalenses”, a qual abordaremos
a presença do francês entre os anos analisados, percebendo principalmente a
resistência feminina atrelada a ele e às suas criações; “New Look: revolução
e resistência”, onde compreenderemos como o new look foi representado no
Diário de Natal, principalmente a divergência de opiniões femininas frente ao
modelo em questão e ao sistema da moda, em virtude da situação econômica
acometida pelos conflitos armados da Segunda Guerra Mundial, uma tendên-
cia que estava entre a recusa e a sedução das moças natalenses; e “Notícias da
Moda, uma seção de modos e modas”, por meio da análise de tal fragmento
do jornal, identificaremos como a seção “Notícias da Moda” era responsável
não somente por apresentar as tendências dominantes e que surgiam na indús-
tria da moda, mas principalmente os discursos desta seção atrelados às roupas
e ao comportamento feminino, como tal parte do jornal conseguia moldar o
imaginário das natalenses entre os anos de 1948–1953, haja vista a capacidade
formativa e informativa dos jornais daquela época.
O cerne desta exposição não é debruçar-se sobre a vida e obra de Christian Dior,
mas explorar a sua principal criação, e como esta foi apropriada e, sobretudo,
recusada pelas natalenses entre o fim da década de 1940 e início da de 1950,
entretanto, consideramos válida uma breve contextualização acerca do estilista
6
Maison, termo em francês para referir-se à casa. No tocante à maison Dior, equivale-se à
casa de costura do estilista francês.
112 Parnamirim, jan./jun. 2021
uma vez da silhueta feminina, com mangas bufantes, saias retas, assim como o
discurso acerca da elegância a qual o “new new” traria para as moças, onde é
possível perceber uma crítica escancarada a Dior e ao new look.
A reportagem apresenta o lança-
mento do modismo supracitado imerso
em um contexto econômico caótico em
virtude do pós-guerra. Mesmo assim,
não foi empecilho para a ditadura da
moda, a qual impôs saias compridas e ca-
ras. É que a moda então se baseava no ca-
pital, produzindo modelos caros e não se
preocupando com a elegância feminina. Figura 3 – Artigo “Ven-
Em 1949, dois anos após a apresen- cido o ‘New Look’”.
tação do new look, era publicada uma Fonte: Biblioteca Na-
reportagem intitulada “Vencido o New cional, Brasil (Heme-
Look” (figura 3), escrita por Eva Lordello. roteca Digital) — Diá-
De acordo com a matéria, o new look rio de Natal, ano 1949,
estava saindo de moda, pois as anqui- ed. 01768, 23 jan. 1949.
nhas estavam sendo abandonadas junto
das saias compridas que davam às mulhe-
res cinturas mais finas, é possível perceber que a repórter “agradeceu” por essa
moda estar indo embora por dois fatores: a questão econômica, que o Brasil
e Natal ocupavam: “os preços das fazendas sobem dia a dia, a manutenção de
uma ‘toillete’ graciosa custa cada vez mais caro. As saias compridas e rodadas
não poderão ser mantidas por mais tempo”. E as condições tropicais não só do
país como da capital, quando argumentou que para o new look eram necessá-
rios 5 metros de tecido, como moças tropicais e de situação econômica mediana,
talvez não conseguissem usar esses vestidos diariamente.
Lordello (1949) ainda argumentava que o modismo estava fora de moda, até
mesmo em Paris, pois a tendência requeria muitos metros de tecido: “tantas
saias, tantos babados, tantas rendas e tantas fitas, um Deus nos acuda de acces-
sorios quase inuteis, tirando a graciosidade da silhueta, ou deformando outras
de si mesmas, propensas a poucos panos”. Percebe-se a apatia da repórter em
relação ao new look, no fragmento em questão o qual ela expressava sua in-
satisfação quando argumentou acerca dos excessos, que acabavam por tornar
aquela peça feia, consequentemente a mulher também enfeirar-se-ia. Medi-
ante Lordello, as mulheres queriam sempre o novo, o contemporâneo, e aque-
les modelos de Christian Dior já estavam ultrapassados. Em consonância com
a overdose estética que o estilista havia lançado dois anos atrás, Loredello con-
tinuava suas resistências argumentando que as saias amplas eram empecilhos
para o transporte: “nesses onibus superlotados, movimentar-se com tanto pano
118 Parnamirim, jan./jun. 2021
10
Medeiros Filho (2014) compreende as saias godês, ou godets, enquanto fragmentos trian-
gulares do tecido das saias o que as torna mais largas e dão o efeito de saia rodada.
11
Ibidem.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 121
12
Segundo Medeiros Filho (2014), mousselines corresponde à tecidos frágeis, utilizados para
a feitura de indumentárias íntimas.
13
Termo em francês que foi usado para referir-se a tecido leve, no caso da reportagem os
tecidos das saias.
122 Parnamirim, jan./jun. 2021
Logo, a história que aqui foi retratada pelo periódico proporciona a com-
preensão de outras histórias do Rio Grande do Norte, não somente calcadas
nos jogos políticos das oligarquias, mas também numa história pelas tramas
dos costumes, das costuras, das tendências e efemeridades, evidenciando a ne-
cessidade de se conhecer, pesquisar e estudar sobre os discursos da moda, suas
possibilidades, e neste caso em específico, as resistências.
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NOTÍCIAS da moda. Diário de Natal, Natal, p. 12, 12 jun. 1948.
124 Parnamirim, jan./jun. 2021
ABSTRACT: This work aims to trace the analytical paths of life and politics, as well
as the reverberations about the speeches and pronouncements by the eminent figure
of Dinarte de Medeiros Mariz. Politician who was established in the national politics
scene and, in turn, left his mark etched in the potiguar politics starting from its roots
in Seridó of Rio Grande do Norte. In this perspective, the narrative development will
take place through a bias that will trace his political life showing created alliances, the
steps taken by Dinarte, taking into account that, before becoming a political figure, he
1
Mestranda em História dos Sertões (UFRN-CERES, Caicó). ID Lattes: 8111.2333.0951.3952.
ORCID: 0000-0001-8427-7303. E-mail: larissesantosbernardo@yahoo.com.br.
2
Professora de História do Departamento de História na UFRN-CERES, Caicó. ID Lattes:
7070.0102.8841.6835. ORCID: 0000-0001-8689-1753. Orientadora da referida pesquisa.
125
126 Parnamirim, jan./jun. 2021
was a trader and farmer, experiences that corroborated for strengthening of his politi-
cal life. Thus, based on these referrals, we seek to concern the reason why the political
and social imaginary maintains around that public figure, since he gained public im-
pulsiveness by occupying various positions, among which, mayor of Caicó, governor
of the State of Rio Grande do Norte and Senator of the Republic.
Keywords: Dinarte Mariz. Life. Political trajectory. Speeches.
Introdução
O presente trabalho tem por desígnio traçar os percursos analíticos da traje-
tória de vida e política, como também das reverberações acerca dos discursos
e pronunciamentos a partir da figura eminente de Dinarte de Medeiros Mariz.
Político este que se firmou no cenário da política nacional e, que por sua vez,
deixou marcas registradas na política potiguar a partir de suas raízes no Seridó
norte-rio-grandense.
Para isso, é necessário primordialmente apresentar a pessoa de Dinarte de
Medeiro Mariz3 , assim registrado, mais conhecido por seu segundo sobrenome
Mariz. Observando a vida e sua trajetória política, o artigo intitulado Período
Republicano da fundação José Augusto, o mesmo descreve que Dinarte de Medei-
ros Mariz, nasceu na Fazenda Solidão em Serra Negra-RN4 no dia 23 de agosto
de 1903, filho de Manuel Mariz Filho e de Maria Cândida de Medeiros Mariz o
quinto entre quatorze filhos do casal. Seu avô, José Bernardo de Medeiros, foi
constituinte em 1891 e ocupou uma cadeira no Senado Federal de 1890 a 1907.
Com vinte e um anos de idade, Dinarte Mariz contrai matrimônio com Diva
Wanderley, filha de Virgolino Pereira Monteiro, comerciante no setor pecuário
e político de Campina Grande-PB.
Ainda em se tratando sobre a trajetória de vida de Dinarte Mariz, é neces-
sário discorrer brevemente sobre sua escolaridade, uma vez que, o mesmo não
chegou a cursar o ensino superior, o que levou a afirmar várias vezes que ele
era formado na escola da vida. Assim, Mariz teve:
abril de 1945, que por sua vez, congregava forças diversas e até antagônicas,
em uma extensa frente de oposição ao governo Vargas. Sobre a composição e
as alianças do partido:
Todas visam, com efeito, a fazer com que a coisa não tenha exis-
tência senão na imagem que a exibe, com que a representação mas-
132 Parnamirim, jan./jun. 2021
Nessa perspectiva, para além das análises acerca dos discursos com base
na exclusão, interdição e separação a partir das problematizações dos mesmos
através dos discursos do exterior e do interior, Foucault aponta que tem outra
existência de um grupo do qual está presente nos seus procedimentos, e este
por sua vez, proporciona o controle dos discursos, não no ponto de controlar o
seu poder e nem de conjurar suas aparições, mas “[. . . ] trata-se de determinar as
condições de seu funcionamento, de impor aos indivíduos que os pronunciam
certo número de regras e assim de não permitir que todo mundo tenha acesso
a eles. [. . . ] ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfazer a certas
exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”. (FOUCAULT, 1996,
p. 37).
Dessa forma, as análises e abordagens pautadas por Michel Foucault dis-
corre sobre os discursos presentes nas diferentes sociedades a partir de suas
várias vertentes como a exclusão, a interdição, a separação e os seus proce-
dimentos de como eles devem ser vistos e analisados. Diante disso, Foucault
mostra que:
Devo dizer a todos que esta casa foi para mim mais do que uma
universidade, porque talvez se tivesse passado por uma universi-
dade, não teria conseguido aprender tanto, receber tantos ensina-
mentos capazes de me tornar um servidor, um cativo da coisa pú-
blica, em defesa do povo brasileiro e, sobretudo, da democracia,
sempre cambaleante, que nos oferece momentos, às vezes, de eu-
foria, mas que foge quando pensamos em construir um patrimônio
para as gerações que vêm. (MAIA, 2005, p. 173–174).
Considerações finais
Corroborando com os trabalhos já desenvolvidos sobre “Dinarte Mariz”, o refe-
rido escrito aqui desenvolvido, busca levar o leitor a um momento de reflexão
sobre um homem que tem suas origens na Fazenda Solidão município de Serra
Negra do Norte, localizada no interior do Seridó e que por determinação, con-
vicção de seus objetivos e muito esforço, se tornou um protagonista da história
política no período das oligarquias, comprovando assim a relevância no cenário
potiguar e nacional. No decorrer da construção dessa narrativa, temos a certeza
que muito mais está para ser descrito e pesquisado sobre a figura eminente de
Dinarte Mariz, visto que, essa obra é uma escrita inicial que mostra a proposta
de como será importante descrever a história desse líder político, e, é sabido
relatar que por se tratar de um personagem conhecido no meio político, esse
trabalho irá apenas ser mais um contribuinte na formação de ideias que res-
saltam a importância que esse homem público possuiu para o Rio Grande do
Norte.
Por fim, notadamente percebe-se que Dinarte Mariz até os tempos atuais
é um personagem político que deixou marcas importantes na administração
pública, visto que além de ser bem articulado politicamente, foi exemplo de
respeito, solidariedade. Dessa forma, fica claro através dos seus registros apre-
sentados em alguns de seus discursos e de seus escritos. Portanto, cabe salientar
que é uma figura tão marcante que em cada cidade do interior iremos encon-
trar uma rua com seu nome, ou uma estátua, ou um busto em praça pública, a
história de Dinarte é cultura, memória, identidade.
138 Parnamirim, jan./jun. 2021
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REVISTA GALO, ano 2, n. 3 139
141
142 Parnamirim, jan./jun. 2021
de Natal between 1960 and 1970, it was possible to expand the investigative repertoire
on the topic. The results show the many interventions carried out between the 1960s
and the mid-1970s emerged as palliatives in the face of northeastern climatic hazards,
in addition to the modernizing proposal established by the United States of America
for countries that joined the program. In view of the facts, the needy population, who
in distress were looking for means of surviving, found in oligarchic elite actions, even
if not definitively, a solution.
Keywords: Alliance for Progress. Modernization. North East.
Introdução
No início da década de 1960, quando a América Latina tornou-se a primeira pri-
oridade da agenda externa dos Estados Unidos haja vista tenha sido considerada
como a “região mais perigosa do mundo”, a administração do então presidente
John Fitzgerald Kennedy utilizou-se fartamente daquela construção discursiva
para criar a Aliança para o Progresso (PEREIRA, 2005, p. 25–26).
A Aliança para o Progresso surgiu propagandeada como um programa de
ajuda humanitária, onde regiões mais empobrecidas receberam ajuda alimen-
tícia e financeira. Esses países assumiram como compromisso quitar parte dos
empréstimos realizados a médio ou longo prazo, como também, cumprir me-
tas nas áreas da educação e construção. Ampliar o número de salas de aulas e
construir açudes e estradas apareceu no âmago dessas negociações.
Se a América Latina era vista como a região mais perigosa do mundo, de-
vido sua importância geopolítica, o Nordeste brasileiro ficou conhecido como
uma região explosiva, não apenas por ser a região mais empobrecida do país,
como também o lugar onde a ameaça comunista era mais fortemente estabele-
cida. Perigoessemais evidente em Pernambuco, onde as Ligas Camponesas e o
governador Miguel Arraes não escondiam uma forte postura antiamericana.
A partir desse enlace, objetivamos uma abordagem que envolva e torne com-
preensíveis as ações estabelecidas nas Frentes de Trabalho no Rio Grande do
Norte e as Ligas Camponesas em Pernambuco. Uma vez que esses espaços de
resistência e conflitos, ao tornarem os retirantes da seca os principais agen-
tes mobilizadores dos conflitos, também, a partir do programa norte americano
Aliança para o Progresso e as ações ditas modernizadoras, os tornam vítimas
e, ao mesmo tempo um entrave para a sociedade. Muitas lacunas precisam ser
preenchidas.
Eric Hobsbawm descreve o sentimento antiamericano como uma forma de
preocupação da identidade nacional. A chegada de muitos imigrantes aos Es-
tados Unidos na metade do século XIX estimulou a criação de uma imagem
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 143
Norte, uma vez que, o governo potiguar nutria de certa proximidade ideológica
com os Estados Unidos da América.
suas idades deveriam estar frequentando as séries escolares e não atuando nas
Frentes.
Podemos observar no documento as prioridades que deveriam ser respeita-
das ao se compor os grupos de trabalhadores. Entre elas estão, que os homens
deveriam ser casados, solteiros arrimo4 de família, e menores com mais de 14
anos/arrimo.
Nesses relatórios o homem era tratado como um sujeito que possui valores
reconhecidos pelos chefes, sendo estes; respeitador, dóceis, pacíficos, trabalha-
dores, inteligentes e que, se sentem honrados pelo trabalho, não podendo por
isso ficar parados. Essas eram as impressões que deveriam ser enviadas aos es-
critórios que geriam o programa, quando na verdade a situação nas Frentes de
Trabalho começava a se agravar.
Criadas a partir do Programa Alimentos para a Paz para buscar de solu-
ções para os problemas da pobreza, no entanto, com o passar dos anos e, diante
da seca cada vez mais frequente, estas passaram a ser não só o único refúgio
dos mais necessitados, bem como um grande comércio para os mais abastados.
Assim sendo, qualquer que fosse a ameaça de fim destas, a população de flagela-
dos ficava temerosa e angustiada por notícias, a demora por declarações gerou
o clima de tensão que se alastrou pelo Estado.
Boatos de que o trabalho estava sendo improdutivo e que suas atividades
iriam parar fez com que tivesse início uma onda de invasões e saques por várias
cidades do Nordeste. A situação se agravou, pois o salário se tornou insuficiente
para o sustento, e até mesmo o alimento recebido como parte do pagamento
chegou a ser vendido e os filhos desses trabalhadores passaram a virar pedintes
como forma de complementar uma renda para tantas necessidades.
A situação se tornou cada vez mais inflamável. A seca deixou de ser um
problema natural e começou a ser tratado como um problema econômico. No
meio de tudo isso, uma massa desesperada que não media esforços para obter
uma solução a seu favor. As manchetes dos jornais eram claras e cada vez mais
traziam fatos que representavam o desespero dos flagelados e a falta de interesse
dos políticos em resolver a situação.
Diante da situação, Edward Thompson colabora com suas ideias ao nos dizer
que:
Um dos muitos fatos que narram essa história e compuseram as páginas dos
jornais locais, foi quando no ano de 1967, não suportando mais a situação de mi-
séria e descaso, 700 homens que há dias aguardavam em Santa Cruz no interior
do Rio Grande do Norte ser alistados pelo escritório da SUDENE, não obtendo
resposta que deveria vir da cidade de Natal, como informou o prefeito Clodo-
aldo Medeiros, por volta das 15 horas iniciou os saques à cidade. Um depósito
no centro foi o primeiro saqueado, suas portas foram arrombadas, pessoas fo-
ram pisoteadas e durante 15 minutos as pessoas subtraíram todos os gêneros
alimentícios do local. Dalí a população faminta buscou novos lugares para re-
petir a cena, e só encerrariam o episódio após intervenção da polícia que por
ordem do delegado controlou os saques.5
O cenário composto para o futuro imediato do Nordeste era apocalíptico.
As pressões sociais tornaram-se explosivas e evidenciaram ser um risco para
a segurança interna do Brasil. Para o governo norte-americano, a conjuntura
atual favorecia a possibilidade de uma segunda Revolução Cubana, desta vez
em solo brasileiro.
As Frentes de Trabalho continuaram sendo mantidas com recursos vindos
da Aliança destinados aos flagelados, no entanto, agora as Frentes conviviam,
não só com a fome, a má administração e a exploração, também aumentaram os
problemas de saúde resultado das péssimas condições às quais estavam expostos
os trabalhadores nesses locais.
Mesmo diante de tantas irregularidades e fatalidades, o homem sertanejo
teve de ser apresentado a aquele que seria o seu maior medo, o fim das Frentes
de Trabalho. Em novembro de 1970, foi noticiado que a SUDENE iniciaria as
dispensas. O Ministro do Interior José Costa Cavalcante declarou que, agora os
flagelados teriam mais um dia de folga remunerado, para que pudessem prepa-
rar as suas terras para o inverno que segundo eles se aproximava. Ele afirmou
ao Diário de Natal que:
5
OPERAÇÃO saque. Diário de Natal, Natal, p. 10, 24 jan. 1967. Acesso em 17 ago. 2018.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 151
Considerações Finais
Estudar lugares de resistência e conflitos populares entre as décadas de 1960 e
1970 nos remete à observação de como tantos arranjos e desarranjos que com-
puseram essas ações, em grande parte do percurso, se atrelaram às imagens de
poder e autoridade por agentes que se sobrepuseram aos marginalizados.
A literatura memorial e acadêmica encontrada sobre esse período nos mos-
tra personagens oligárquicos e populistas, como é o caso de Aluízio Alves e
Constâncio Maranhão, considerados “tradicionais” cada um no seu respectivo
meio. Além disso, trata da modernização elaborada a partir dos investimentos
6
SUDENE começou dispensas nas “frentes de trabalho”. Diário de Natal, Natal, p. 4, 19
nov. 1970. Acesso em 17 ago. 2018.
7
SEM ANORMALIDADES, frentes de trabalho foram extintas. Diário de Natal, Natal, p. 1,
16 abr. 1971. Acesso em 17 ago. 2018.
152 Parnamirim, jan./jun. 2021
por parte da Aliança para o Progresso, mas também, nos mostra uma moderni-
zação meramente emergencial e paliativa.
Ainda dispomos de poucas fontes acessíveis onde possamos nos aprofundar
nos pormenores desse período. Porém, o que possuímos se faz suficiente para,
de início, ampliarmos a pesquisa de novas contribuições para essa literatura,
sempre problematizando dúvidas e aprimorando conceitos.
Referências
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atuação da Aliança Para o Progresso em Pernambuco (1959–1964). 2017.
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Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 153
O DIÁRIO DE NATAL
The role of Rio Grande do Norte press in the circulation of news
of Baixo-Açu project (1975–1979)
ABSTRACT: This text talks about the use of local media for the dissemination of
Baixo-Açu project in the state of Rio Grande do Norte. Considering the possibilities
of historical analysis allowed by the journalistic source, the present work makes use
of the newspaper O Diário de Natal (1975–1979) to understand some information and
speeches that circulated about the modernizing project that aimed to combat drought in
the backlands of the state of Rio Grande do Norte. Methodologically, the work is based
on a literature review of academic and regional nature about the Baixo-Açu project,
including the selection of texts about modernity and backcountry. There was an on-
line consultation of the journal O Diário de Natal and everything will be analyzed via
Discourse Analysis.
Keywords: Periodical. Speech. Modernity.
1
Mestranda em História dos Sertões (UFRN-CERES, Caicó). ID Lattes: 7133.7861.6580.5891.
ORCID: 0000-0003-3708-6533. E-mail: maiara.brendaaa@hotmail.com.
155
156 Parnamirim, jan./jun. 2021
Introdução
2
Lapuente (2016) aponta que a partir de 1930 a Escola do Annales faz críticas à concep-
ção de que os jornais eram inadequados para o estudo do passado. A terceira geração dessa
corrente historiográfica abraçou os novos aportes teóricos e abriu oportunidades para novas
contribuições documentais, como os periódicos.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 157
Desenvolvimento
Desde do início do século XX, o Vale do Açu foi objeto de estudos9 que inves-
tigavam as condições do solo semiárido brasileiro. Procuravam espaços que
possibilitassem intervenções hídricas e que ajudasse no combate à seca, ques-
tão essa que ainda é considerado um dos maiores problemas nacionais, com
destaque para a região Nordeste. Identificado a condição do solo favorável ao
aproveitamento da agropecuária e reconhecido como um celeiro econômico no
interior no estado10 , o Vale do Açu passou a ser alvo de políticas públicas ao
longo do tempo.
7
Conceito discutido a partir da obra de Foucault (2002). O texto retrata uma aula inaugural
realizada no dia 2 de dezembro de 1970 no Collége da França. Fala sobre o discurso, como esse
é construído, interpretado e repassado dentro de uma instituição e/ou meio social. O autor
aponta que o discurso é um elemento marcado por controle, seleção, organização e distribuído
por meio de procedimentos que procura conservar seus interesses e fugir dos perigos. Também
lembra que esses procedimentos de interdição estão relacionados ao desejo e poder.
8
O conceito de Sertão será discutido a partir de reflexões e autores como Amado (1995);
Moraes (2003) e Neves (2003), e versará sobre os aspectos simbólicos e ideológicos, desenvolvido
ao longo do tempo, que pensa esse termo como categoria espacial, referenciando regiões e
espaços marcados pela pobreza, seca e carentes de intervenções modernizadoras.
9
Em seus estudos, Pinheiro (2018) aponta que em 1910 o IOCS publicou as investigações do
geólogo e engenheiro Roderic Crandall sobre o Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. Esse do-
cumento referência a bacia Piranhas-Açu e caracteriza um dos primeiros estudos sistemáticos,
sob a responsabilidade do IOCS que falou sobre o Vale do Açu. O engenheiro Crandall apontou
aquele espaço como um lugar potencialmente irrigável. Afim de entender cientificamente os
sertões, a IOCS também contratou o engenheiro hidrólogo Geraldo A. Warring. Este percorreu
o semiárido entre 1910 e 1912 e apontou duas áreas irrigáveis na bacia do rio Açu, a primeira
ao longo do curso do próprio rio Açu e o outro no vale que segue aos longos dos rios Piranhas
e do Peixe.
10
O reconhecimento do Vale do Açu, como um espaço propício para intervenções técnicas,
foi inicialmente apontado pelos estudiosos da IOCS, posteriormente retomada na década de
1930 pelos técnicos da IFOCS e por fim, pelos profissionais do DNOCS.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 159
O Baixo Açu foi implantado durante um contexto político marcado por dis-
curso desenvolvimentista, que apontava para eficiência técnica e administração
moderna. Como fruto desses pensamentos surgiram uma série de programas e
planos para a sociedade brasileira, entre eles destacamos o II Plano Nacional de
Desenvolvimento17 . Implantado em 1975, este previa que até 1980, a sociedade
brasileira alcançasse um patamar de industrialização e modernidade. Defendia
que o desenvolvimento da sociedade, estaria atrelado à uma política de em-
prego, projetando o recebimento de salários, a elevação consumo e aumento da
economia. A qualificação da mão de obra seria dada por meio de educação e
treinamento profissional. Entre tantas ideias apresentadas e sensíveis ao nosso
estudo, a integração do Brasil ao mercado mundial para a exportação de produ-
tos manufaturados e primários, saltam os nossos olhos. Os produtos frutos dos
sistemas de irrigação seria para o consumo nacional e internacional, escoado
para fora do país, por meio desta relação econômica prevista.
A implantação desse projeto de açudagem no Rio Grande do Norte, rela-
ciona-se com o discurso da problemática da seca no Nordeste. Tema sensível
desse local, que possui a caatinga como vegetação predominante e está inserida
no contexto do clima semiárido. Pensar o sertão dessa região, é permear numa
categoria espacial, marcada por construções simbólicas e ideológicas. Durante
o século XIX, “sertão” assumiu duas significações, “um associado a ideia de se-
miárido; outra priorizando atividades econômicas e padrões de sociabilidade,
articulado à pecuária” (NEVES, 2003, p. 155–156). Ambos sentidos, traduzia
uma ideia espacial e passou a referenciar espaços do interior, desérticos e pouco
habitado.
Por caracterizar-se pela construção de um imaginário, o sertão reúne “um
conjunto de juízos e valores adaptáveis a diferentes discursos e a distintos pro-
jetos” (MORAES, 2003, p. 3) intervencionistas, sobretudo aqueles que defendem
a superação da “condição sertaneja” 18 . Desta forma, Morais afirma que, “o ser-
tão é qualificado para ser superado” (MORAES, 2003, p. 4). Diante do exposto,
vemos que a Barragem Armando Ribeiro Gonçalves traduzia essa ideia de su-
peração da seca do Nordeste.
16
BNDigital — DNOCS implantará seis grandes projetos no RN. Diário de Natal, Natal. p. 5.
19 jul. 1975.
17
Informação extraída de: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verb
ete-tematico/plano-nacional-de-desenvolvimento-pnd. Acesso em 30 out. 2020.
18
Ideia exposta por Moraes (2003) em discursão do texto “O sertão: um outro geográfico”.
162 Parnamirim, jan./jun. 2021
O ano de 1979 foi marcado por diversos debates que envolveu a construção
do reservatório. Parte desses questionamentos e resistência, saíram de gru-
25
BNDigital — Concorrência para barragem do Açu será esta semana. Diário de Natal, Natal.
p. 4. 11 jul. 1978.
26
Ibidem.
27
BNDigital — Barragem do Açu: Conclusão da concorrência agora depende da justiça. Diá-
rio de Natal, Natal. p. 4. 19 jul. 1978.
28
Ibidem.
29
BNDigital — Concorrência para barragem do Açu será esta semana. Diário de Natal, Natal.
p. 4. 11 jul. 1978.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 165
Considerações finais
A mídia transforma fatos sociais em notícias. O profissional dessa área é res-
ponsável por organizar seu espaço de fala atendendo critérios como: contexto
sociopolítico, postura política, ética profissional e o principal, seu público alvo,
o leitor. Para todo modo, os jornais e os seus profissionais, exercem papeis fun-
damentais na sociedade, pois apresentam e discutem os mais variados temas
que tocam o cotidiano das pessoas.
Os jornais impressos foi um dos veículos de comunicação mais utilizados
pela sociedade, durante o período estudado. Através do Diário de Natal, a popu-
lação potiguar teve acesso as notícias diversas a respeito da execução do Projeto
Baixo-Açu. Além dos interesses políticos, a população pôde manifestar as suas
dificuldades e frustações no decorrer da execução da mesma.
Enquanto fonte histórica para a temática vimos que foi possível detectar os
discursos que tocam o sertão, enquanto uma categoria simbólica, imaginária
e geográfica, carregada de estereótipos. O sertão do Rio Grande do Norte, es-
pecificamente a região do Vale do Açu, era um espaço fértil dentro do espaço
potiguar, que passou por estudos para ser potencializado. Projetaram assim, a
superação da condição sertaneja de espaços circundantes ao rio Piranhas-Açu
33
BNDigital — DNOCS reafirma que barragem vem mesmo. Diário de Natal, Natal. p. 7. 13
jan. 1979.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 167
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SOUZA, F. C. S. Escafandristas do tempo: narrativas de vida e regeneração
da memória em São Rafael-RN. 2010. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal.
. Teias da saudade: Orkut, narrativas visuais e regeneração da
memória em São Rafael-RN. Natal: IFRN, 2011.
168 Parnamirim, jan./jun. 2021
ABSTRACT: The Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte was created in
the early twentieth century, with the primary objective of building a place for the state
in national memory. Among the strategies used by that institute for the achieve their
goal was to organize and promote various commemorative acts. One of the dates cele-
brated was the first centenary of the constitutional inauguration of Captain Thomaz de
Araújo Pereira as the first president of the province. In that sense, this article aims to
analyze the emergency conditions of that commemorative act carried out by the asso-
ciation, showing a topography of interests involved in that memorialistic engineering.
1
Doutor em História pelo Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (PPGH/UFRGS). Professor do Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia
do Rio Grande do Norte (IFRN), campus Canguaretama. ID Lattes: 6237.2531.8338.2621. ORCID:
0000-0003-3538-182X. E-mail: bruno.aires@ifrn.edu.br.
169
170 Parnamirim, jan./jun. 2021
We start with the hypothesis that the political elements present in the institute, and
outside, were fundamental on shaping this commemorative arrangement.
Keywords: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte. Memory. Com-
memoration
Introdução
Thomaz de Araújo Pereira nasceu na região do Seridó, mais precisamente, no
atual município de Acari em 1765, e ali faleceu em 1847 (LYRA, 1921, p. 815).
Descendia de um dos primeiros povoadores que — vindos da Borborema, na
Paraíba, no começo do século XVIII — povoaram a região de Acari2 . Seu avô, o
português, Thomaz de Araújo Pereira, o primeiro dos três homônimos, fundou
a fazenda de São Pedro em Acari, formando uma numerosa descendência que,
mais tarde, consolidou-se como uma elite agrária do sertão do Rio Grande do
Norte (MACEDO, 2012, p. 53). Thomaz de Araújo Pereira, o neto, adveio dessa
elite rural do sertão norte-rio-grandense, a qual, via de regra, compôs a própria
aristocracia política da região (MACEDO, 2012, p. 53). Como corolário do sta-
tus econômico e político da sua família, Thomaz de Araújo Pereira foi investido
com uma patente militar das milícias, tornando-se, em 1799, tenente, e pro-
movido, posteriormente, a capitão-mor da Primeira Companhia de Cavalaria de
Ordenança da Vila do Príncipe, hoje município de Caicó, em 1806 — “itinerário
social comum à linhagem rica dos fazendeiros seridoenses.” (MACEDO, 2012,
p. 54).
Em 3 de dezembro de 1821, Thomaz de Araújo Pereira foi eleito como um
dos membros da primeira Junta governativa da província do Rio Grande do
Norte (LYRA, 1907, p. 224). Com a organização do estado nacional, logo após a
Independência do Brasil, Thomaz de Araújo Pereira foi nomeado presidente da
província em 25 de novembro de 1823. Todavia, o político seridoense adiou o
quanto pôde a cerimônia de sua posse, o qual se realizou apenas em 5 de maio
de 1824.3 Seu governo foi fugaz, durou apenas cinco meses. Tal efemeridade es-
tava diretamente relacionada ao cenário político muito turbulento na província
do Rio Grande do Norte desde a Revolução de 1817. As forças políticas da pro-
víncia estavam frequentemente em rota de colisão devido às ferrenhas disputas
pelo poder. Apesar do intento do presidente de província em promover a esta-
bilidade da ordem pública, Thomaz de Araújo Pereira não conseguiu amenizar
2
DISCURSO. . . (1923–1925, p. 180).
3
“Dependeria de um bom inverno a posse do primeiro presidente da Província do Rio
Grande do Norte. Para empreender a longa marcha — em torno de 60 léguas — a cavalo até
a capital, o provecto fazendeiro da ribeira do Acauã condicionava a viagem a Natal ao volume
abundante de capim para suas montarias.” (MACEDO, 2012, p. 51).
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 171
4
Cf. COSTA, B. B. A. “A casa da memória norte-rio-grandense”: o IHGRN e a constru-
ção do lugar do Rio Grande do Norte na memória nacional (1902–1927). 2017. Tese (Doutorado
em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
172 Parnamirim, jan./jun. 2021
5
Cf. COSTA, B. B. A. “A casa da memória norte-rio-grandense”: o IHGRN e a constru-
ção do lugar do Rio Grande do Norte na memória nacional (1902–1927). 2017. Tese (Doutorado
em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 173
de Pereira foi lida por ele não como um ato de desprendimento, mas de anu-
lação do seu próprio poder por uma força que era maior do que a autoridade
nele investida. Para Tavares de Lyra, em vez de resignação, Thomaz de Araújo
Pereira demitiu-se do cargo por querer fugir das responsabilidades “que lhe ad-
viriam de uma situação que se aggravava e que não podia remediar” (LYRA,
1907, p. 240). A interpretação de Tavares de Lyra parece indicar que o primeiro
presidente, além de inapto para o cargo, havia agido por um ato de covardia ou
de medo. Esta leitura de Tavares de Lyra foi reforçada em seu livro História do
Rio Grande do Norte, publicado em 1921. Neste livro, especificamente, no capí-
tulo 7, intitulado Acontecimentos que precederam e se seguiram á Independencia.
Juntas Governativas. — Confederação do Equador. — Posse e governo do primeiro
Presidente, Augusto Tavares de Lyra reproduzia uma tradição oral que suposta-
mente afirmava que Thomaz de Araújo havia se ausentado de Natal dentro de
um barril que fez transportar à cabeça de um escravo — o qual conduziu-o até
um lugar em que estaria a salvo e em condições de utilizar-se de um transporte
em direção a Acari — depois de sofrer algumas ameaças de índios de Extremoz
ou de uma família chamada Matta-quiri: “essa tradição pode e deve ser verda-
deira” (LYRA, 1921, p. 533). A oralidade é convocada para provar o argumento
de Tavares de Lyra de que Thomaz de Araújo receava o encontro com aqueles
grupos na capital da província, antes mesmo de tomar a decisão de deixar a
presidência. Mais uma vez, a narrativa de Tavares de Lyra parece sugerir que
Thomaz de Araújo Pereira tinha uma tendência a capitulação em situações que
lhe traziam alguma ameaça iminente. É possível que foi a partir dessa imagem
de Thomaz de Araújo construída por Tavares de Lyra que Nestor Lima inten-
tou desconstruir. Em contraposição ao possível pusilânime ou medroso, Nestor
Lima conferiu ao primeiro presidente da província a imagem de abnegado.
Pela primeira vez, os sócios do IHGRN laureavam não a luta ou a vitória de
um personagem norte-rio-grandense, mas a sua abnegação. Com o intento de
tornar sagrada essa memória materializada na praça, Nestor Lima comparou-a
ao gólgota, onde Jesus Cristo havia padecido, e a estátua de Tiradentes na cidade
de Ouro Preto. Desde o início da República era comum construir um imaginário
sagrado aos heróis republicanos. Não é por acaso que a imagem de Tiradentes
esteve associada à de Cristo (CARVALHO, 1990). O gesto de Nestor Lima é pa-
recido com os republicanos dos primeiros anos do novo regime. A preocupação
era semelhante: sacralizar a memória. Para Nestor Lima, o desprendimento de
Thomaz de Araújo era equivalente ao ato do “martírio cruento da cruz” e a ex-
posição da cabeça de Tiradentes em praça pública. A cruz de Cristo e a estátua
de Tiradentes seriam a materialização sacra da memória dos dois mártires. Se-
melhantemente, a praça Thomaz de Araújo Pereira rememoraria o ato sacrificial
do “brio do tradicional político sertanejo” (LYRA, 1921, p. 533). O sacrifício do
primeiro presidente de província do Rio Grande do Norte não consistia na sua
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 177
Considerações finais
A comemoração do centenário da posse de Thomaz de Araújo demonstra o inte-
resse dos seridoenses em construir um lugar para região na memória histórica
do Rio Grande do Norte — que estava sendo gestada no final do século XIX
e início do século XIX. No limiar da República, letrados e políticos norte-rio-
grandenses também se preocuparam em urdir narrativas que instituíssem um
lugar para o Rio Grande do Norte na elaboração da memória nacional. O inte-
resse por essa questão fez parte das estratégias políticas do grupo familiar que
ascendeu ao governo do estado, no momento da Proclamação da República: os
Albuquerque Maranhão — liderados por Pedro Velho.10 No final do século XIX
e início do XX, a família Albuquerque Maranhão concebeu e mobilizou estraté-
gias discursivas para a produção da identidade histórica, territorial e étnica do
Rio Grande do Norte.11 Contudo, esse projeto identitário estava sendo dispu-
tado por três grupos familiares que exerciam uma espécie de domínio político
em diferentes regiões do estado, a saber: Mossoró, Natal e o Seridó.12 No en-
tanto, é o grupo político dos Albuquerque Maranhão que elabora, a partir da
centralidade da cidade de Natal, a narrativa em torno do que seria a identidade
histórica e espacial norte-rio-grandense, a despeito da existência de outras pro-
duções concorrentes, oriundas das classes políticas e intelectuais de Mossoró e
do Seridó. Isso significa dizer que, assim como a memória nacional, a memória
histórica potiguar estava em disputa.
A ala seridoense do Instituto, formada pelos sócios: José Augusto, Manoel
Dantas, Juvenal Lamartine, encampou um projeto de construir um lugar para
o Seridó na memória histórica norte-rio-grandense. Os discursos comemoraci-
onistas mostram o movimento de desconstrução da própria historiografia pro-
duzida pelo IHGRN no início do século XX, mais especificamente, ao texto
de Tavares de Lyra sobre Thomaz de Araújo Pereira. Nos anos de 1920, ele
encontrava-se longe das atividades do IHGRN. Tavares de Lyra nunca se ma-
nifestou quanto à reabilitação da imagem de Thomaz de Araújo Pereira. Não
10
Cf. BUENO, A. C. Visões de República: idéias e práticas políticas no Rio Grande do
Norte (1880–1895). Natal: EDUFRN, 2002; e SOUZA, I. A República velha no Rio Grande do
Norte: 1889–1930. Natal: EDUFRN, 2008.
11
Para compreender as estratégias espaciais das elites norte-rio-grandenses do início do
século XX, conferir: PEIXOTO, R. A. Espacialidades e estratégias de produção identitária no
Rio Grande do Norte no início do século XX. in: Nas trilhas da representação: trabalhos
sobre a relação entre história, poder e espaços. Organização: R. A. PEIXOTO. Natal: EDUFRN,
2012. p. 13–36.
12
Ibidem p. 34.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 181
Referências
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Grande do Norte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
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na sessão magna de 11 de maio de 1924. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte, Natal, v. 20–22, 1923–1925.
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Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
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. História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: Tipografia
Leuzinger, 1921.
182 Parnamirim, jan./jun. 2021
183
184 Parnamirim, jan./jun. 2021
understand that the sertão is a space that is not tied to a certain time, we will analyze
it through contemporaneity. In this way, contemplating the concept of “Contempo-
rary Sertão”. In order to build a historiographic work on contemporary times in Rio
Grande do Norte, we will have as some of the objectives, to identify which elements
are unfolded in Caico’s society in 2017, based on Prohibitionism the Brazilian State
exercised; to problematize the guarantee of social, individual, and civil rights before
legislation and social movements. As a methodological contribution, we will use Dis-
course Analysis to observe the developments found in the responses to a questionnaire
available online on the author’s social networks, they present us. The questionnaire
obtained sixty (60) responses regarding the use and consumption of substances cur-
rently considered to be legal and illegal, as well as looking at personal data such as
sexual orientation, gender identity, ethnicity, among other data, if they suffered from
any type of police, private and/or public repression and abuse of authority.
Keywords: Sertão norte-rio-grandense. Prohibitionism. Discourse. Contemporaneity.
O proibicionismo em Caicó-RN
As interrogações iniciais que pautam o tema e a localidade escolhida, diz res-
peito às experiências pessoais do autor em 20144 , e assim, ao observar que exis-
tem áreas nas vidas dos cidadãos em que o Estado5 brasileiro, regido por uma
Constituição Federal de 1988 — pautando a igualdade entre os seus perante a
Lei —, pode causar mais problemas para sua sociedade do que propriamente
resolvê-los. Mesmo sendo o grande controlador da vida privada de seus cida-
dãos, por assim vivermos em uma democracia, o Estado não pode ser um con-
4
No ano em questão, o autor estava no último ano do ensino médio e passou por uma
das primeiras perdas familiares. O seu primo faleceu após ser covardemente assassinado por
policiais.
5
Composto por burguesia, exército, legislação, administração e impostos. (KOSELLECK,
2006).
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 187
Resultados
Para aproximar as informações obtidas de cunho internacional e nacional pelos
estudos expostos acima, vamos intercalar a bibliografia estudada à história local
e aos resultados de uma pesquisa realizada em Caicó, no Rio Grande do Norte
6
Em 2017, o autor estava no seu segundo ano de graduação em História e percebeu que,
pelo curso, conseguiria trabalhar com o tema da proibição intercalando com a realidade em
que está vivendo na contemporaneidade da cidade em que mora (Caicó-RN). Sob orientação do
professor Dr. Helder Alexandre de Medeiros Macedo, os primeiros passos foram dados para a
construção final deste artigo, sendo a principal fonte utilizada, o questionário online.
188 Parnamirim, jan./jun. 2021
Considerações finais
Vale ressaltar que os dados da pesquisa são referentes a sessenta pessoas, entre
sua maioria, pessoas sertanejas que divididas por estados e municípios, cin-
quenta e quatro delas são do Rio Grande do Norte. Com este artigo acrescenta-
mos algumas páginas a mais na História do Rio Grande do Norte e dos sertões
do Brasil.
Referências
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São Paulo: Cortez, 2009.
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Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.
194 Parnamirim, jan./jun. 2021
195
196 Parnamirim, jan./jun. 2021
tigo analisar alguns desses poucos casos, quase perdidos, especialmente os que
ocorreram no território do Rio Grande do Norte.
Conforme o processo colonizador ganhava corpo, se expandia e fortalecia,
os índios eram aldeados e submetidos à tutela estrangeira. Em paralelo à “ca-
boclização” e integração de nativos de etnias distintas em comunidades sujeitas
à autoridade da Igreja e da Coroa Portuguesa, elementos de origem africana
e europeia chegavam em número crescente ao território brasileiro. Regiões
como Pernambuco e Bahia, que possuíam portos apropriados à vinda de es-
cravos africanos, receberam um grande número de negros que, com o tempo,
tanto assimilaram elementos materiais e imateriais de origem indígena quanto
transmitiram-lhes aspectos de sua própria cultura.
Na então Capitania do Rio Grande, o processo escravocrata se deu de modo
singular: como aqui não havia porto apropriado à escravidão africana, os se-
nhores de engenho e fazendeiros que pretendessem possuir “negros da Guiné”
teriam que compra-los pelo dobro do preço a escravocratas de outras regiões.
Por isso, senhores locais preferiam aprisionar e escravizar “negros da terra”
(índios acusados de rebeldia ou de atentar contra o cristianismo e o Estado por-
tuguês) — o que lhes saía menos custoso. Consequentemente, a quantidade de
afrodescendentes no território do Rio Grande do Norte foi consideravelmente
pequena, se comparada à presença negra em Pernambuco e Bahia e, por con-
seguinte, o culto à Jurema que se desenvolveu no estado em que vivemos foi,
durante muito tempo, marcado principalmente por elementos indígenas, cris-
tãos e judaicos.
Como a maioria dos pesquisadores que trataram do Catimbó-Jurema deu
preferência ao estudo de suas manifestações conforme se formaram e ocorre-
ram em Pernambuco, Paraíba e Ceará, o Catimbó norte-rio-grandense e seus
processos de formação e desenvolvimento permanecem pouco conhecidos. Por
outro lado, a presença de centros espíritas e de terreiros de Umbanda no estado
do Rio Grande do Norte, a partir do final da primeira metade do século XX,
com o subsequente surgimento e expansão das federações de Umbanda e Can-
domblé em nosso estado, exerceram consideráveis influências sobre os centros
e casas que cultuavam a Jurema — de modo que os rituais mais próximos das
antigas pajelanças foram e continuam sendo, vagarosa mas progressivamente,
substituídos por elementos de matriz africana e brasileira (compreendamos que
o Candomblé é africano, a Umbanda é brasileira e o Catimbó é ameríndio — sua
presença é muito mais antiga que a formação das estruturas políticas e econô-
micas que definiram o Brasil).
Meus contatos iniciais com o Catimbó ocorreram entre os anos de 2005 e
2012 — época em que tive a oportunidade de participar de inúmeras sessões de
Catimbó-Jurema em terreiros de Canguaretama (município localizado no litoral
sul do Rio Grande do Norte), visitar comunidades indígenas (o Amarelão, em
198 Parnamirim, jan./jun. 2021
que, além de homens e mulheres, são pássaros, animais, seres marítimos e guar-
diões da floresta; defumações mágico-medicinais e evocatórias; comunhão de
bebidas vegetais capazes de expandir a consciência, dentre outras. Particular-
mente, considero o Catimbó uma verdadeira religião. Utilizo o termo “religião”
porque, como todas as outras, ele não deixa de ter seus meios de nos religar à
Divindade (a Deus, à Natureza, às concepções caboclas de “divino” e “sagrado”).
Possui, além disso, uma série de ritos, inclusive breves liturgias, com base nos
quais transcorrem as sessões (as chamadas “mesas altas”, “mesas baixas”, “mesas
rasteiras” e “giras de Jurema”, conforme o propósito do mestre, as necessidades
dos devotos e os costumes do centro).
Como todas as religiões, os catimbozeiros cultuam entes espirituais. Esses
seres são pássaros, cobras e outros animais sagrados, espíritos de plantas, almas
de grandes pajés e índios guerreiros; além dos chamados mestres e mestras:
inteligências de antigos curandeiros, raizeiros, parteiras, feiticeiros e bruxas,
alguns dos quais oriundos de Portugal ou África, considerados seres humanos
que, em algum momento de suas vidas, entraram em contato com a “ciência do
índio” e passaram a trabalhar na Jurema.
Durante a colonização do território brasileiro, à margem dos diversos alde-
amentos nos quais se aproximaram índios de etnias a princípio rivais; e devido
à presença cada vez maior de judeus marranos, africanos de diversas nações,
bruxas e feiticeiros degredados, sacerdotes católicos e missionários protestan-
tes, os cultos à Jurema assumiram novas expressões conquanto assimilavam
elementos adventícios.
Com o tempo, ao lado das pajelanças indígenas, o caldeamento colonial ge-
rou as pajelanças caboclas — cujas primeiras manifestações foram as chamadas
“santidades”: cerimônias realizadas por índios e portugueses nas quais pajés uti-
lizavam trajes sacerdotais católicos e batizavam seguidores, bebiam, fumavam
e entravam em êxtase. A Igreja Católica, por sua vez, perseguiu diversos “des-
cimentos”: evocações de entidades espirituais que “desciam” sobre os mestres
e pajés mediante grandes defumações de tabaco e ingestão de bebida Jurema.
Além desses ocorreram os “adjuntos de Jurema”, realizados às escondidas, no
meio das matas, por índios e caboclos; o “ritual caboclo” em que se bebia Jurema
e cantava para santos católicos e seres encantados; o “Ritual Tapuia” no qual
os caboclos ficavam nus, comiam carne crua com mel e corriam pelas matas
de Canguaretama e Goianinha, durante o transe; e, finalmente, o Catimbó dos
mestres juremeiros, em que antigos fundamentos de matriz indígena coexis-
tem com práticas cabalísticas, bruxaria e feitiçaria ibérica, caracteres africanos
e catolicismo popular.
O Catimbó-Jurema resistiu ao tempo. Algumas das inúmeras perseguições
a que os membros de nossa tradição foram submetidos, desde o albor da co-
lonização, ocorridas no território do Rio Grande do Norte, permaneceram nas
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 201
memórias de alguns mestres e mestras — alguns dos quais tive a honra de co-
nhecer. Como quase nenhuma historiografia sobre esses acossamentos foram
realizadas até então, esses fatos tendem a desaparecer para sempre, tanto da
história quanto da memória popular.
Se a princípio os sacerdotes católicos designados à catequese não reprimi-
ram com veemência os índios relutantes, com o tempo as perseguições se tor-
naram muito violentas — uma vez que parte dos nativos resistia em abandonar
costumes e práticas antigas e, por outro lado, indígenas convertidos tinham di-
ficuldade em abrir mão de seus conjuntos originários de crenças. Os jesuítas,
geralmente, não exerciam violência em sua repressão aos índios resistentes; já
os padres barbadinhos, de origem italiana, catequistas dos sertões, reprimiram
de modo muito violento os índios Kariri categorizados de feiticeiros. Nos Anais
da Biblioteca Nacional há relatos de acontecimentos ocorridos em 1761, nas pro-
ximidades do Rio São Francisco, no território do Ceará, relacionados a índios
mortos sem qualquer julgamento — assassinados por missionários. Capuchi-
nhos italianos, por sua vez, torturaram nativos batizados e aldeados, residentes
nas missões, e queimaram seus corpos. Anos antes, em 1717, o índio João da
Costa havia sido capado e açoitado, após o quê teve seu cadáver arrastado e
queimado. As cinzas foram cobertas por terra. O mesmo destino tiveram as ín-
dias Theodora, Narciza, Francisca, Andreaza e Izabel (SIQUEIRA, 1978, p. 103–
104).
Em precioso trabalho intitulado Religião como Tradução: missionários, Tupi
e Tapuia no Brasil colonial, Cristina Pompa (2003, p. 379–406) apresenta, ao tra-
tar da ação catequética nas aldeias do sertão nordestino, o modo de agir utili-
zado por padres de diversas ordens para reprimir indígenas que se esforçavam
em preservar suas crenças e práticas mágico-medicinais e oraculares ancestrais
— assim como as festas em honra às antigas divindades: queimavam ocas sa-
gradas, destruíam instrumentos e objetos ritualísticos, chicoteavam nativos e
batiam-lhes com palmatória. Nesse contexto as fugas eram frequentes. Du-
rante os séculos XVII e XVIII vários índios se embrenharam nas matas para,
longe dos aldeamentos, tentar reconstruir locais de culto e sustentar valores e
mitos originários.
Como sabemos, o território do Rio Grande do Norte, durante a colonização,
foi habitado por três grandes grupos indígenas: no litoral viviam os Potiguara
(partícipes do grande tronco linguístico-cultural Tupi); e nos sertões viviam as
nações Tarairiú e Chumimy (ambas subdivididas em diversas comunidades que
quase sempre recebiam os nomes de suas lideranças). Por mais que houvesse
distinções e peculiaridades em seus universos cosmogônicos e espirituais, aque-
les nativos possuíram crenças, ritos e práticas muito próximas cujos fragmentos
permanecem vivos no Catimbó-Jurema dos dias atuais — fato que observei na
Jurema cultuada no litoral de nosso estado, principalmente nos municípios de
202 Parnamirim, jan./jun. 2021
bemos. No caso de Antônio, por mais que tenha sido enterrado, após confissão
e sacramento, no adro de uma igreja, o triste fato de ter sido preso e morrer em
consequência de um adjunto de jurema aponta para a existência de violentas
ações repressivas aos juremeiros no Rio Grande do Norte.
Um dos casos mais interessantes de juremeiros perseguidos no Rio Grande
do Norte, foi o ocorrido com Manoel Remígio (no bairro atualmente chamado
Tirol), relatado no jornal A REPÚBLICA de 27 de outubro de 1900 — citado por
Sérgio Santiago em Ritual Umbandista (1973, p. 15–16), do qual transcrevo-o
integralmente.
Ontem por volta da meia noite a Polícia fez uma boa colheita.
Foi o caso que o indivíduo de nome Manoel Remígio do Nascimento,
antigo profissional de “feitiçaria”, tinha convocado uma sessão para
o esquisito local, próximo à lagoa, conhecida por a Lagoa de Ma-
noel Felipe, cerca de meia légua distante desta cidade, o que efeti-
vamente se realizou.
O velho pajé, vendo-se face a face com um agente policial cora-
joso e enérgico, assim desautorado e interrompido em meio da ses-
são magna, onde a alquimia de par com a encenação mágica tinha
boquiaberta e presa toda a assistência, composta de onze pessoas,
tentou nesse lance oferecer alguma resistência. . .
Preso o Remígio e mais os seus crentes foram conduzidos a
esta Capital à presença do Dr. Francisco Carlos, que como salu-
tar ensinamento ao Pajé natalense, apesar do seu misterioso saber,
mandou-o repousar das fadigas, lá no palácio do Cabo André.
Como pode ser percebido, durante cerca de quatrocentos anos, índios e ca-
boclos não encontraram paz. Por mais que se esforçassem, não havia sossego
à realização de ritos ancestres ou local no qual conseguissem realiza-los com
o mínimo de segurança. A ridicularização e humilhação de Manoel Remígio e
dos que assistiam sua pajelança é objetivamente exposta nas páginas do citado
periódico.
Casos de perseguição policial como o acima citado parecem ter sido co-
muns no território norte-rio-grandense. O Catimbó entrava no rol das práticas
de feitiçaria proibidas, formal e informalmente, pela justiça imbuída de valo-
res judaico-cristãos coloniais que localizavam no campo do condenável e ex-
terminável o conjunto de manifestações espirituais de matriz indígena e seus
participantes.
Em Canguaretama tomei nota de caso análogo, ocorrido com dona Inácia
Maria da Conceição, avó da mestra Neta (citada no início deste artigo). Segundo
sua descendente, dona Inácia teria sido uma das primeiras pessoas do município
204 Parnamirim, jan./jun. 2021
Referências
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SIQUEIRA, B. Os Cariris do Nordeste. Rio de Janeiro: Livraria e Editora
Cátedra, 1978.
207
DISPOSITIVO MODA
A roupa em processos artísticos contemporâneos
Violeta Adelita Ribeiro Sutili1
RESUMO: A compreender a moda enquanto este grande sistema comunicador ociden- Como referenciar?
SUTILI, V. A. R. Dispositivo
tal, formado por códigos distintos, o qual age de forma direta na construção de padrões moda: a roupa em
estéticos e culturais, e que, de forma similar, cada época e localização geográfica impõe processos artísticos
contemporâneos. Revista
seu próprio arquétipo de beleza, pretende-se apontar manifestações artísticas que rom- Galo, n. 3, p. 209–224, 17
pem com seu viés padronizador na vestimenta. A demonstrar obras brasileiras capazes jul. 2021
de atravessar seus sentidos, por meio da atribuição do desenvolvimento de campos se-
mânticos, são apresentada proposições artísticas brasileiras contaminadas pelo tema.
Partindo da produção contemporânea de Nazareth Pacheco, artista em questão a apre-
sentar um breve panorama acerca da representação de corpos e vivências através das
vestes, posteriormente são apresentados trabalhos pessoais desenvolvidos em acordo,
ou desacordo, aos processos de vestimentares.
FASHION DEVICE
Clothing in contemporary artistic processes
209
210 Parnamirim, jan./jun. 2021
ence through vestment, and then introduced personal works that were developed in
compliance with dressing processes, or not.
Keywords: Body. Fashion. Art. Artistic Processes.
Introdução
Esta investigação apresenta-se como parte do processo de pesquisa interessada
em compor diferentes colocações para as relações estabelecidas entre artes vi-
suais e moda, bem como o fazer das roupas. Neste cenário, a roupa concomi-
tantemente com processos artísticos de diferentes níveis práticos mostrou-se
interessante objeto de interação entre indivíduos em suas aparições contempo-
râneas de acordo com seu momento histórico.
Neste texto, discutiremos os objetos da roupa como plataforma em pro-
cessos artísticos, assim permeadas pelos corpos envolvidos na experiência de
moda. Revertendo ao contrário do que seria a situação usual, as roupas nesta
abordagem não são consideradas como simples objetos de consumo globalizado,
mas como uma interface para as variadas aparições do corpo. Pensaremos as
roupas como substância ou mesmo elementos mediadores em relacionamentos
de exteriorização e processos de subjetivação.
Para vários fins, pode-se ter a roupa como uma espécie de envoltório, ou
seja, a segunda pele que nos é aderida socialmente. Segundo Mendonça (2006,
p. 34), as principais necessidades ou finalidades das roupas podem ser atribuí-
das basicamente a três aspectos: proteção, humildade e decoração. Em várias
etnias, em épocas diferentes, há uma ou mais finalidades para o uso de roupas
e enfeites.
De forma ligeiramente inicial, é a partir do uso de adereços e da pintura cor-
poral em pode-se percebê-los como itens utilitários para a experiência da vida:
proteção, quando se busca nas roupas certo abrigo climático devido a tempera-
tura local, ou o uso de roupas e artigos/amuletos de proteção espiritual. Seja por
razões religiosas como estéticas, historicamente as vestes se apresentam como
elemento visual para além de se cobrir o corpo. Nisto pensamos a roupa em si
isolada de seu contemporâneo significado, este conhece-se por ser atrelado a
complexas redes de troca e monetarização de serviços.
A roupa, mesmo que escalonada a sua presença capital, é um meio de ex-
pressão pessoal, um sinal de identidade e uma forma possível de estabelecer
diálogos com o que há em seu entorno. Também podemos dizer que as ves-
tes são o contato mais íntimo com o contexto exterior, de acordo com Castilho
e Martins (2005, p. 36) acredita-se que as relações entre roupa e corpo engen-
dram “as relações com mundos possíveis e imaginários, cujos significados são
atrelados culturalmente à imagem e à percepção do ser”.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 211
podemos perceber que muitos deles passam a pensar no ato de vestir a partir
de novos preceitos e povoações, como os sentidos despertados, a crítica a pa-
dronização de corpos e outras questões que envolvem a narrativa daqueles que
possuem seu contorno.
Processos pessoais
inconscientes pessoais.
Estas e outras produções de sentido (e de participação feminina) dessas e de
outras artistas em face das técnicas tradicionais, e das participações em acordo
as expressões vigentes, demonstra que a linguagem dada pelos têxteis é “uma
cacofonia de muitas vozes que, como os tipos de obras feitas por artistas con-
temporâneos provam, não mostram sinais de esgotamento ou obsolescência.”
(BELL, 2015). O que se mostra aqui é apenas um excerto, tentando revelar os
muitos aspectos da experiência em vestes, a demonstrar o poder político dos
trabalhos e a relevância de sua atuação como agentes dissidentes.
Considerações finais
Em diálogo com o cotidiano, as práticas artísticas contemporâneas levantam
questões que enfatizam a relação entre arte e vida, podendo questionar o estilo
de vida hegemônico vigente. Ao utilizar materiais incomuns (como roupas)
como uma das formas de manipular essas provocações define-se a conversa
não exclusiva ao debate dos corpos em jogo. Nesse caso, os vestidos de Nazareth
Pacheco, bem como os corpos em Ficha Técnica, tornam-se uma plataforma que
pode questionar os dispositivos de moda por contrastar os padrões gerados.
Os trabalhos apresentados demonstram ter seguido um caminho diferente
dos requisitos de dispositivo. Ao usar uma variabilidade material inesperada,
a construção do belo e a padronização dos corpos são questionados. Quando
222 Parnamirim, jan./jun. 2021
vez que não deixará de envolver os corpos, mas sim se demonstra necessário
politizar seus conceitos. A fim de demonstrar narrativas de variados contex-
tos, especialmente ao sul onde nos localizamos, parte-se de uma ideia de moda
como plataforma e potência: do corpo e de seu indivíduo-coletivo.
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224 Parnamirim, jan./jun. 2021
RESUMO: Partindo da análise do uso corrente do termo “melhoramentos” e da “ques- Como referenciar?
LUZ, A. M. Melhoramentos
tão sanitária” nas intervenções urbanas em São Paulo de meados do século XIX e início de São Paulo: intervenções
do XX, o presente artigo se propõe averiguar o quanto o urbanismo, que se configurava urbanas e as irmandades
como saber, influenciou na redefinição do espaço urbano ao longo de quase um século. negras da capital. Revista
Galo, n. 3, p. 225–241, 17
Desde o período colonial, as igrejas de irmandades católicas no centro da capital se jul. 2021
destacaram como espaços de sociabilidade dos negros, marcando ao longo dos sécu-
los os lugares de manutenção da religiosidade afro-brasileira, das heranças culturais
advindas do período colonial e de certa autonomia administrativo-financeira da comu-
nidade negra de São Paulo. No final do XIX e início do XX as igrejas pertencentes a
estes grupos sociais, localizadas no triângulo central, bem como o seu entorno, sofrerão
significativas intervenções da municipalidade.
Palavras-chave: Confrarias católicas. Irmandades negras. Melhoramentos. Urba-
nismo. Higienismo.
ABSTRACT: Based on the analysis of the current use of the term “improvements” and
the “health issue” in urban interventions in São Paulo in the mid-19th and early 20th
centuries, this article aims to investigate how urbanism, which was characterized as
a knowledge, influenced the configuration of urban space for almost a century. Since
the colonial period, churches of Catholic brotherhoods in the capital downtown have
stood out as spaces of sociability for the black people. What leads those spaces over the
centuries to figure as places of preservation of Afro-Brazilian religiosity, the colonial
period cultural heritage, and certain administrative autonomy by the black community.
In the late 19th and early 20th centuries, the churches belonging to these social groups,
1
Mestrando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP. Bol-
sista CAPES. Licenciado em filosofia pela Faculdade de Filosofia São Boaventura de Curitiba,
PR e Bacharel em teologia pelo Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis, RJ. Lattes ID:
3967.2455.4903.4773. ORCID: 0000-0002-8929-1240. E-mail: alvaci@gmail.com
225
226 Parnamirim, jan./jun. 2021
located in the central triangle and surroundings, will suffer significant interventions by
the municipality.
Introdução
O predomínio dos “benedictos” na que chamavam agora egreja de
São Benedicto nenhuma vantagem lhe trouxe: andava esta suja e mal
cuidada, por toda parte a desordem e o desleixo. No louvável intuito
de obviar esses lamentáveis desconcertos, reuniram-se alguns lentes e
antigos alumnos do “Curso Jurídico” e fundaram com a acquiescencia
do Provincial, uma “Irmandade de São Francisco”, que tinha por fim
cuidar do culto e da conservação e asseio da igreja. Parece, porém,
que este zelo dos “doutores” não foi de longa duração, continuando os
“benedictos” a infelicitar o bello templo franciscano. Aos 5 de outu-
bro de 1908, uma nova era abriu-se para a egreja do Convento de S.
Francisco de S. Paulo. Em dependências da sacristia vieram morar os
nossos confrades [. . . ]. Fr. Basílio, que em seu tempo fez importantes
melhoramentos na egreja, teve que sustentar tremenda luta com os
menos disciplinados filhos de S. Benedicto. (RÖWER, 1922, p. 82).
informações sobre esse assunto ver REIS, J. J. A morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta
popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. p. 307–339.
8
Sobre as confrarias de pretos e pardos ver: QUINTÃO, A. A. Contribuições para a his-
tória do protagonismo de negros e índios na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário
das Pretos da Penha de França. Coordenação: Patrícia Freire de ALMEIDA. Transcrição
paleográfica: Judie Kristie Pimenta ABRAHIM. Pesquisa: Antônia Aparecida QUINTÃO. São
Paulo: Movimento Cultural Penha, 2019; BOSCHI, C. C. Os leigos e o poder: irmandades lei-
gas e políticas colonizadoras em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986; REIS, J. J. A morte é
uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX. São Paulo: Companhia das
Letras, 1991; SCARANO, J. Devoção e escravidão: a irmandade de Nossa Senhora do Rosário
dos Pretos no Distrito Diamantino no século XVIII. São Paulo: Editora Nacional, 1978; VIANA,
L. O idioma da mestiçagem: as irmandades de pardos na América Portuguesa. Campinas, SP:
Editora Unicamp, 2007
9
Sobre os territórios de sociabilidade negra na capital paulista ver: BERTIN, E. Os meia-
cara: Africanos livres em São Paulo no século XIX. 2006. Tese (Doutorado) – Universidade de
São Paulo, São Paulo; BERTIN, E. Sociabilidade negra na São Paulo do século XIX. Cadernos
de Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, MG, v. 23, n. 1, p. 115–132, 2010; COMAR, M. Imagens
de Ébano em altares barrocos: as irmandades leigas de negros em São Paulo (séculos XVIII e
XIX). 2008. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade de São Paulo; SANTOS,
C. J. F. Nem tudo era italiano: São Paulo e pobreza: 1890–1915. São Paulo: Annablume, 1998.
10
Reforçam a afirmação do uso corrente do termo “melhoramentos” as pesquisas realizadas
por Bresciani (2001), Cerasoli (2004) e Borin (2019).
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 229
Pesavento (2001) pontua que “na voz dos jornais da época, os ‘becos’ são
sempre sórdidos, sujos, imundos. A designação alude à imagem da cidade que
se quer destruir, é o opróbrio, velhice, feiura, crime e vício” (PESAVENTO, 1999,
p. 19). Sendo assim, faz-se necessário intervenções sobre estes lugares pelo bem
comum, pela boa higiene e para evitar doenças. Ela afirma que na virada do
XIX para o XX o termo muda de significado e “o sentido original, de natureza
mais propriamente topográfico, de rua estreita, com ladeira [. . . ] cede lugar a
uma designação depreciativa que traduz uma avaliação ao mesmo tempo moral,
estética e higiênica” (PESAVENTO, 2001, p. 115).
Esta mesma noção de corrupção dos lugares pobres é verificada no Rio de
Janeiro por Chalhoub (1996). De lá ele nos traz os indícios de o quanto as pres-
sões exercidas sobre os moradores dos cortiços pelos atores deste processo de
limpeza urbana afetaram os menos favorecidos da capital fluminense. Assinala:
período e influenciava o caminho escolhido pelo Brasil nos seus planos de me-
lhoramentos.
Alguns estudos recentes, bem como alguns já consagrados, procuraram dar visi-
bilidade às confrarias negras na cidade de São Paulo, em contrapartida ao vasto
material produzido sobre suas congêneres em cidades mineiras, baianas, flumi-
nenses e pernambucanas13 . É interessante notar a influência que essas associa-
ções, cada vez mais crescentes na colônia no século XVII e com maior relevância
no século XVIII, tiveram sobre as populações negras nas cidades. Lucilene Re-
ginaldo (2011), em seu trabalho sobre as irmandades e devoções africanas na
Bahia setecentista, acentua que “as associações leigas foram mais numerosas e
influentes, do ponto de vista religioso e social, nos centros mais urbanizados”
(REGINALDO, 2011, p. 25).
Em sua importante pesquisa, ao situar a relevância das confrarias nas cida-
des coloniais, tendo a Bahia como foco central, os estudos de Reginaldo (2011)
nos mostram o que ela chamou de “espaços privilegiados de elaboração de uma
nova religião no Atlântico: o catolicismo negro”. Citando Roger Bastide ela
afirma que mesmo sendo uma imposição do regime escravista, este catolicismo
impositivo acabou permitindo a criação de espaços de culto e reuniões mais ou
menos autônomos, que aconteciam nas irmandades e confrarias negras.
Também João José Reis (1996) afirma que “entre as instituições em torno das
quais os negros se agregaram de forma mais ou menos autônoma, destacam-se
as confrarias religiosas, dedicadas a devoção dos santos católicos. Elas funci-
onavam como sociedades de ajuda mútua”. Assim ”a irmandade representava
um espaço de relativa autonomia negra, na qual seus membros — em torno das
festas, assembleias, eleições, funerais, missas e assistência mútua — construíam
identidades sociais significativas.” (REIS, 1996, p. 44).
13
Alguns dos estudos mais recentes sobre as confrarias católicas em São Paulo, são: CO-
MAR, M. Imagens de Ébano em altares barrocos: as irmandades leigas de negros em São
Paulo (séculos XVIII e XIX). 2008. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade
de São Paulo; QUINTÃO, A. A. Contribuições para a história do protagonismo de negros
e índios na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário das Pretos da Penha de França.
Coordenação: Patrícia Freire de ALMEIDA. Transcrição paleográfica: Judie Kristie Pimenta
ABRAHIM. Pesquisa: Antônia Aparecida QUINTÃO. São Paulo: Movimento Cultural Penha,
2019; e SANTOS, F. F. As igrejas das irmandades dos homens pretos: documentos da cultura
religiosa afro-brasileira na cidade de São Paulo. Universo Barroco Iberoamericano, Sevilla
e São Paulo, v. 13, 2020.
234 Parnamirim, jan./jun. 2021
Umas das irmandades de negros mais estudadas em São Paulo, é aquela que
se reunia na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, localizada até o
início do século XX no Largo do Rosário, hoje praça Antônio Prado. A pro-
fessora Quintão (2002) percorreu em sua pesquisa a história deste importante
grupo social e trouxe elementos interessantes sobre sua relevância na cidade, a
adesão dos negros a esta confraria, os bens adquiridos ao longo de sua história,
as festas e os enterros em seu cemitério particular 14 .
F. F. Santos (2020), outro estudioso sobre o Rosário dos Pretos, afirma que
ao longo do XIX os administradores da irmandade foram adquirindo maior pa-
trimônio imobiliário chegando a se consagrarem entre um dos vinte maiores
detentores de bens na região urbana de São Paulo em 1809 (SANTOS, F. F.,
2020, p. 180). Ao longo daquele século foram adquirindo imóveis e casebres nas
proximidades da Igreja do Rosário o que chamou a atenção do poder legislativo
paulista. Em 1858 a Câmara Municipal já cogitava a desapropriação dos terre-
nos e casas anexas a Igreja, o que foi efetivado com a lei de nº 670 de 1903 que
tornou “de utilidade pública, para o fim de serem desapropriados os terrenos e
14
Para saber mais sobre a Irmandade do Rosário dos Pretos de São Paulo, ver: QUINTÃO,
A. A. Irmandades negras: outro espaço de luta e resistência (São Paulo: 1870–1890). São
Paulo: Annablume e Fapesp, 2002
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 235
quituteiras”. Como afirma Borin (2019), “as Posturas tencionavam velhos e no-
vos embates na cidade, dialeticamente articulando repressão a antigos compor-
tamentos e à projeção de um modelo de nova civilidade” (BORIN, 2019, p. 12).
Em uma outra igreja de irmandade negra na região central, a de Santa Ifi-
gênia e Santo Elesbão, localizada próxima aos cortiços analisados por Bresciani
(2010) - que inclusive dá nome àquele bairro — “o fim do século XIX reserva-
ria mais um fato adverso”, um “decreto promulgaria o fim da irmandade e das
disputas entre o vigário e os devotos daqueles santos negros em 1890”. A disso-
lução daquele grupo foi amplamente noticiada na imprensa da época e em 1912
a igreja passou “então a se chamar Igreja Nossa Senhora da Conceição e Santa
Ifigênia, dispondo a antiga padroeira num altar lateral” (SANTOS, F. F., 2020).
Neste sentido, ao retirar os negros destes espaços se retirava deles os lo-
cais de manutenção da cultura e da identidade. Bertin (2010), vai dizer que “a
ocupação de alguns espaços da cidade pelos negros, pode ser relacionada com
a resistência, na medida em que tais lugares tinham especial significação para
as suas práticas culturais”, é por isso, por exemplo, que os entornos das três
igrejas de negros citadas neste ensaio eram conhecidas como lugar de “danças
dos pretos” (BERTIN, 2010, p. 128). Assinala (SANTOS, C. J. F., 1998):
A irmandade de São Benedito do Largo São Francisco, das três citadas até
aqui a menos estudada na historiografia paulistana17 , passou por processo pa-
recido de perda de patrimônio e apagamento de memórias. Teve sua aprovação
oficial no final do século XVIII, mas foi ao longo do XIX que adquiriu certa au-
tonomia e administrou uma igreja particular: a de São Francisco do centro da
capital. A influência deste grupo no templo foi tamanha, que no início do século
XX a igreja era conhecida como Igreja de São Benedito.
A saída dos religiosos franciscanos da cidade de São Paulo em dezembro
de 1828 foi um marco decisivo para a história daquele grupo de negros. No
17
Fazemos esta afirmação baseados na escassa documentação bibliográfica encontrada sobre
a dita Irmandade. As poucas pesquisas sobre o assunto podem estar relacionadas a dificuldade
de acesso às fontes primárias, a imprecisa localização da Irmandade no espaço urbano e até
mesmo às informações desencontradas dos historiadores franciscanos do início do século XX
que a este grupo social dedicaram alguma pesquisa.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 237
Não pretendemos aqui nos aprofundar nas discussões sobre os embates ju-
rídicos entre irmandade e franciscanos, uma pesquisa simples em periódicos
paulistas como o Correio Paulistano20 fundado em meados do século XIX, já é o
18
Para saber mais sobre os franciscanos no Brasil e a retomada de conventos no sul e sudeste
do país, ver: RÖWER, B. A Ordem Franciscana no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1947; WIL-
LEKE, V. Missões franciscanas no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1974. O professor Maurício
de Aquino tem uma tese interessante sobre este momento histórico: AQUINO, M. Modernidade
republicana e diocesanização do catolicismo no Brasil: as relações entre Estado e Igreja na Pri-
meira República 1889–1930. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 32, n. 63, p. 143–170,
2012. pp. 153–154.
19
Acervo Digital da Biblioteca Nacional [BNDigital] — O commercio de São Paulo, ano 1909,
ed. 1176, fl 1.
20
“Jornal lançado no dia 26 de junho de 1854 em São Paulo, tendo por fundador o proprie-
tário da Tipografia Imparcial, Joaquim Roberto de Azevedo Marques. Foi seu primeiro redator
Pedro Taques de Almeida Alvim. Nascido liberal, o jornal, segundo José Freitas Nobre, em
pouco tempo tornou-se conservador: premido ‘por uma série de circunstâncias, especialmente
as de caráter financeiro. . . teve que ceder à pressão política do Partido Conservador, a ele ade-
rindo de maneira pública, perdendo um pouco do prestígio que conquistara na sua orientação
independente’. Em fins da década de 1860, entretanto, rompida a conciliação entre liberais e
238 Parnamirim, jan./jun. 2021
bastante para constatar a existência deste grupo social e sua relevância na ci-
dade ao longo daquele período. Nos limitamos a lembrar que o pequeno espaço
reservado a eles na historiografia oficial do início do XX foi dado por aquele
grupo de frades europeus envolvidos nas disputas empreendidas21 .
Ao analisar fontes primárias sobre os irmãos de São Benedito na Igreja de
São Francisco, percebe-se, por exemplo, o esforço dos irmãos negros para ad-
ministrar, manter e reformar ao longo do XIX as dependências da igreja. Após
um grande incêndio na Faculdade de Direito em 1880 que afetou boa parte do
templo, coube a eles logo após o sinistro, as obras de reforma, realizadas a du-
ras custas e a pedidos de esmolas. Nas fontes que chegaram até nós constata-se
frequentemente obras de melhoria no templo. Como esta publicada no jornal
Correio Paulistano:
O que se sabe é que a irmandade foi extinta por decreto que o arcebispo de
São Paulo, Dom Duarte de Leopoldo e Silva, lançou sobre ela em 24 de feve-
reiro de 1910. No dia 28 do mesmo mês “nomeou uma comissão para arrecadar
e administrar todos os bens da irmandade” e mais, “aos 28 de abril ordenou à
mesma comissão retirasse as caixas de esmolas”. Decretava-se com aval episco-
pal a dissolução daquele grupo de negros e a consequente perda de todas as suas
conservadores, a linha editorial do jornal optou por aqueles. Fundado o Partido Republicano
Paulista (PRP), o periódico tornou-se seu órgão de divulgação e em 1874 foi comprado por Leôn-
cio de Carvalho, adotando uma linha reformista. Em 1882 assumiu a direção editorial Antônio
Prado, que imprimiu ao jornal a orientação de defesa do abolicionismo, e posteriormente de
defesa da ordem republicana. Nascido portanto como um órgão de imprensa liberal e inde-
pendente, logo a seguir conservador e dependente do poder político oficial da província de
São Paulo, novamente adepto da trilha liberal, abolicionista e republicana, o Correio Paulistano
tornou-se mais uma vez oligárquico e conservador depois do advento da República, atingindo
neste período sua maioridade e prestígio juntamente com o PRP, então dirigido pelos oligarcas
paulistas Manuel Ferraz de Campos Sales, Prudente de Morais, Antônio Prado e Francisco de
Paula Rodrigues Alves, entre outros”. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acerv
o/dicionarios/verbete-tematico/correio-paulistano. Acesso em: 6 fev. 2021.
21
Ao citar a presença da Irmandade de São Benedito na Igreja de São Francisco, Frei Basílio
Röwer irá reservar-lhes uma história recontada no espaço de poucas linhas, carregada por sua
vez de adjetivos que desqualificam o tempo em que ela administrou a igreja. Para saber mais,
ver: RÖWER, B. A Ordem Franciscana no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1947.
22
BNDigital — Correio Paulistano, S. Paulo, 6 mai. 1883, ano 29, n. 08000, fl. 1.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 239
Considerações finais
Ao que tudo indica, as ponderações de frei Röwer (1922) ao relatar a passagem
dos pretos de São Benedito pela igreja de São Francisco, estavam impregnadas
das ideias urbanistas, higienistas e sanitárias do começo do século XX. Aliadas
a diversos outros fatores, como apoio do clero e da municipalidade, elas podem
ter influenciado nas decisões que foram tomadas a partir de então.
Afinal de contas a igreja “andava suja e malcuidada”, reinava “a desordem
e o desleixo”, até se tentou diminuir “estes lamentáveis desconcertos” através
dos “lentes e alumnos do Curso Jurídico” mas “os benedictos continuaram a
infelicitar o bello templo franciscano”, foi preciso “uma nova era” com a che-
gada dos franciscanos europeus para que “importantes melhoramentos” fossem
realizados a seu tempo.
Referências
AQUINO, M. Modernidade republicana e diocesanização do catolicismo no
Brasil: as relações entre Estado e Igreja na Primeira República 1889–1930.
Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 32, n. 63, p. 143–170, 2012.
ARROYO, L. Igrejas de São Paulo: introdução ao estudo dos templos mais
característicos de São Paulo nas suas relações com a crônica da cidade. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966.
AYDOS, V.; KOEHLER, A. L. G. Beco do Rosário: espaços e sociabilidade em
um beco da antiga Porto Alegre. Iluminuras, Porto Alegre, v. 16, n. 36,
p. 308–332, 2014.
BERTIN, E. Os meia-cara: Africanos livres em São Paulo no século XIX. 2006.
Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo.
. Sociabilidade negra na São Paulo do século XIX. Cadernos de
Pesquisa do CDHIS, Uberlândia, MG, v. 23, n. 1, p. 115–132, 2010.
BORIN, M. F. Os passeios da Rua Barão de Iguape: disputas na implementação
dos equipamentos viários em São Paulo no fim do século XIX. Anais do
Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 27, 2019.
BOSCHI, C. C. Os leigos e o poder: irmandades leigas e políticas
colonizadoras em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.
240 Parnamirim, jan./jun. 2021
CITY MAPS
Texts, images and imaginary
ABSTRACT: This article aims to seek representations of the city of São Paulo in the
first two decades of the twentieth century through a dialogue between images and texts
produced in that period, with emphasis on António de Alcântara Machado. Through
the articulation between city concreteness, and a few photographic and literary pro-
ductions, we intend to analyze the formation of some urban imaginary linked to moder-
nity. Likewise, we wish to contribute to the debate between History and City.
Keywords: History and City. History and Literature. Modernity.
Introdução
Ao nos debruçarmos sobre as plantas da cidade de São Paulo2 , dos anos vinte,
encontramos com facilidade a Rua Oriente. Localizada nos arredores do “BRAZ”
e “Pary”, ela se apresenta como um corte diagonal, em meio aos quarteirões
1
Doutorando em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-
SP), com bolsa CAPES. Pesquisador do Núcleo de Estudos de História Social da Cidade
(NEHSC/PUC-SP). Membro do Grupo de Estudos Literatura e Ditaduras (GELD/PUC-SP); e
membro do Grupo de Estudos em História e Literatura da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (GEHISLIT/PUC-Minas). Lattes ID: 0306.6809.5977.0318. ORCID: 0000-0003-
2010-3501. E-mail: leonardo.claudiano@gmail.com.
2
Disponível em http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico
/1920.php. Acesso em 12 abr. 2021.
243
244 Parnamirim, jan./jun. 2021
Assim, os vazios que circundam a área central da cidade, nas plantas que
nos servem de base, ganham novos significados. A imensidão, apenas pertur-
bada por linhas de conexão a quarteirões distantes, é preenchida, por nossa
análise, com a historiografia. E o olhar, apura-se. Por exemplo: ao buscarmos
a “LAPA”, na planta de 1916, localizamos, nas margens extremas do oeste, o
arrabalde distante. Para além, nada mais compõe o traçado urbano. Aquém,
ausências só interrompidas nos limites do “Parque Antarctica”. Seguindo ao
Centro, “Villa Pompeia” é mero esboço; “Perdizes”, poucos traços. É nas imedi-
ações da “SANTA EPHIGENIA” que o nanquim se carrega ao representar ruas
e quarteirões. A partir da cartografia de 1924, o adensamento é evidente. A
mancha central se amplia, avança em novas vias. As linhas isoladas de “Per-
dizes” se unem aos traços da “STA. CECILIA”. A “Villa Pompeia” é firmada em
quadrantes extensos. A “LAPA” deixa de ser a borda do mapa: à esquerda, o
“Alto da Lapa” é seu prolongamento, e a “Villa Leopoldina” toca os limites do
Rio Pinheiros; depois, o caminho para Sorocaba.
Vale ressaltar que fatos semelhantes se observaram por toda a cidade, pla-
nejada e executada, principalmente, pelo capital especulativo, personificado na
figura da Light. Evidente que o processo não se fez de forma sinérgica, harmô-
nica. Da mesma forma, nem toda intervenção se resumiu aos interesses finan-
ceiros mais imediatos. A urbanização é fenômeno conflituoso, com discussões
que percorrem inúmeras instâncias. Por ora, queremos chamar atenção aos em-
bates que se fizeram pelo corpo social, entre aqueles que pensaram e edificaram
um modelo de cidade, e os que a viveram cotidianamente. Pela disparidade das
forças, as confrontações revelaram-se sinuosas, e a cidade imposta foi aceita
para ser subvertida. Subversão que se fez — e se faz — com base na concre-
246 Parnamirim, jan./jun. 2021
Vale-nos porque foi na Rua Oriente que Gaetaninho viveu e teve sua vida
abreviada pelo bonde, na cidade onde o lúdico e o fluxo colidiram de morte.
Como nota-se, dentre os muitos discursos, é pelo literário que percorreremos
os quarteirões de São Paulo. As plantas da cidade ganharão vida — e crime —
5
Sessão Ordinária da Câmara, de 17 de abril de 1920 (S.O. 13 de 1920), Requerimento n. 78
de 1920. Disponível em https://www.saopaulo.sp.leg.br/static/atas_anais_cms
p/anadig/Sessoes/Ordinarias/013SO1920.pdf. Acesso em 15 abr. 2021.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 247
Cidades e representações
São inúmeros os estudos que se dedicam às cidades. A diversidade de aborda-
gens acompanha a multiplicidade de produções e, praticamente, todos os cam-
pos das ciências ou das artes, dela se ocuparam — e ocupam. Pelos olhares da
História, as possibilidades de entradas são igualmente amplas e, segundo ques-
tões postas pela contemporaneidade da investigação, certas características epis-
temológicas se firmam, em maior ou menor grau. Não é o nosso objetivo, aqui,
traçar a elaboração deste campo temático ou o seu percurso historiográfico.
Entretanto, algumas abordagens merecem destaque, principalmente porque re-
velam, para além das análises que empenham, questões, anseios e intenções de
seu tempo. Partimos, assim, da História da Cidade que se realiza sem preocu-
pações teóricas consistentes. Pautada pelo encadeamento de fatos — espécie
de biografia, amparada em uma série de dados, nomes, e demais informações
que não se articulam, apenas procuram reforçar a grandeza a ser decantada, o
futuro promissor a se realizar, uma vez que os indícios já se mostravam em pre-
térito; damos destaque, ainda, às investigações que a veem como “locus da acu-
mulação de capital, como o epicentro da transformação capitalista do mundo”
(PESAVENTO, 2014, p. 77). Palco da luta de classes, o espaço urbano reproduz a
lógica e as contradições da produção econômica. Por fim, a vertente da História
Cultural, pela qual nos pautaremos: o olhar que encara a urbe por meio de uma
relação que, com base no concreto, ultrapassa-o. Além da materialidade, adi-
ante das pedras que a formam, a procura pela significação de seus traçados na
elaboração de imagens, discursos: a cidade como representação. Dito de outra
forma, aos dados técnicos, ao campo de embates, interessa-nos as linguagens e
as vivências que os percorrem, em afirmações e/ou ressignificações — a gênese
de um imaginário urbano, sempre mutável, e igualmente palco de lutas.
Marshall Berman, em “Um século em Nova York: espetáculos em Times
Square” (2009), parte das representações sobre a Times: cartões postais, filmes,
musicais, fotografias, anúncios publicitários, et cetera — e delas, dialeticamente,
pelos espaços e imaginários, refaz o percurso centenário, entrecortado de sen-
248 Parnamirim, jan./jun. 2021
tidos.
Figura 1 – Cartão-postal “Garota do Times”, 1903 (Museum of the City of New York)
com muitos dos locais mais espetaculares da cidade” (BERMAN, 2009, p. 141).
Pelos quarteirões nova iorquinos, eles vivem, apaixonam-se. Nós, espectadores,
sentimo-nos parte. Temos a cidade em oferenda, aberta, atraente em possibi-
lidades. Entretanto, algo muda à medida que avançamos pelas décadas, e as
produções sobre a Times acompanham estas transformações. Nos anos setenta,
o boulevard torna-se sujo. O colapso material e econômico gera uma espécie de
decadência “espiritual”. As representações da Square se fazem imundas, som-
brias: o neon dos anúncios não ilumina, antes parece reforçar a escuridão que
o envolve. O clima é noir, torpe, de becos fétidos e lixos pelas ruas. Apreen-
sivos, ficamos em suspenso. Marshall Berman se debruça sobre “Taxi Driver”
(1976) e, no táxi de Travis (Robert de Niro), somos conduzidos por lugares de-
testáveis. Esta, certamente, não é a Nova York na qual uma garota se sentaria
descompromissada na Times Tower.
Notamos, nestes exemplos, a relação íntima e conflituosa que existe entre
as fontes concretas e palpáveis da urbe, e as representações que dela proveem,
em contextos distintos.
Estação da Luz, com seus trilhos que remetem ao progresso econômico e tecno-
lógico, coexistem com as carroças responsáveis pelo abastecimento da cidade.
O bonde elétrico, que passa em frente à estação, é, também, alusão à metrópole
que se faz. Essa imagem, que cruzou estradas e oceanos em cartões postais, dis-
cursa sobre o feito e sobre o se fazer; discursa, portanto, sobre oportunidades.
A fotografia que hoje decora, junto com outras, estabelecimentos paulistanos é,
ainda, o se constituir possível, na São Paulo, onde garoa e trabalho configuram
definições corriqueiras e historicamente construídas.
Analisando outras fotos e postais de Gaensly, novo aspecto desperta aten-
ção. Tamanha é a força do que foi captado pelas objetivas, que a memória que
possuímos, desse tempo que não vivemos, por isso, memória construída por
diversas impressões, é a de um tempo em preto e branco, um tempo difícil de
imaginar com suas cores cotidianas. É, também, um tempo mudo. Rápido, mas
silencioso, como em “São Paulo, a Symphonia da metrópole” (1929): o dia ci-
tadino é veloz, num correr que não se ouve, mas se percebe. O que faz essas
imagens viverem em dinâmica conflituosa, emitirem sons e exalarem odores, é
a literatura:
252 Parnamirim, jan./jun. 2021
Fonte: Kossoy, Fernandes Júnior e Segawa (2011, p. 80–81). Autor: Guilherme Gaensly.
De tarde
A luz andava
No vale verde do Anhangabaú. . .
Oh! O seu canto louro e triunfal
Seu exaltado canto de agonia! (. . . )
Amo a tarde de carnes incendiadas
Que me penetra e que lateja em mim!
Bebo com lábios que sussurram
Este vinho de luz que jorra pelo espaço
Até sentir a embriagues da luz. . .
Estes rios de sons que golfam do ocaso
Incendiados de clarins
Penetram na minha alma ressequida
Com tanto ímpeto e com tal ardor
Que sinto em mim resplandecer a vida! . . .
Ardo na exaltação que os passos me conduz
E não sinto meu peso sobre a terra
Porque meu corpo é um jato de luz! . . .
Olhar um postal de Gaensly, com o saboroso poema de Luis Aranha, faz a ima-
gem reviver; olhar um postal de Gaensly, com a prosa de Alcântara Machado,
permite que vivamos a imagem. Pelos seus registros, ratificamos, a cidade se
tinge em cores, exala incontáveis aromas, fala seus sons. Existe:
Gaetaninho
Em 1927, António de Alcântara Machado publicou seu segundo livro, “Brás,
Bexiga e Barra Funda”. Bem aceito pelo crítica, recebeu elogios calorosos. Stiu-
nirio Gama, pseudônimo de Mário Guastini, em longa crítica no Jornal do Co-
mércio, afirma que:
Martin Damy diz que se trata de “um livro profundo, com aparências de
coisa banal” (DAMY, 1982, p. 101). João Ribeiro, pelo Jornal do Brasil, escreve
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 255
Considerações finais
Como reforçamos ao longo do artigo, a cidade possui inúmeras portas de en-
trada. Nossa intenção foi a de explorar as possibilidades abertas pela História
Cultural, buscando, no entrecruzamento de fontes, extrair as representações
citadinas.
A “Garota do Times”, que Berman nos traz, funciona como síntese: a lingua-
gem gráfica é composta pelo elemento concreto da Times Tower e pelo cartum,
num conjunto que representa um espaço acolhedor, convidativo: queremos,
também, estar. Trata-se de uma produção de 1903, quando a Square era ainda
conhecida como Longrace Square. Estamos, portanto, no início do século XX,
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 257
Referências
ANDRADE, R. M. F. Vida literária: António de Alcântara Machado — Brás,
Bexiga e Barra Funda. In: LARA, C. Comentários e notas à edição
fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda, de António de
Alcântara Machado. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1982.
ARANHA, L. Cocktails: poemas. São Paulo: Brasiliense, 1984.
BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2015.
BERMAN, M. Um século em Nova York: espetáculos em Times Square. São
Paulo: Cia. das Letras, 2009.
BOSI, A. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.
BRESCIANI, M. S. M. História e historiografia das cidades, um percurso. In:
FREITAS, M. C. (Org.). Historiografia Brasileira em Perspectiva. São
Paulo: Contexto, 2014.
DAMY, M. O espírito dos livros: Brás, Bexiga e Barra Funda, de António de
Alcântara Machado. In: LARA, C. Comentários e notas à edição
fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda, de António de
Alcântara Machado. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1982.
UM DIA em Nova York. Direção: Gene Kelly e Stanley Donen. Produção:
Arthur Freed. EUA: Columbia Pictures, 1949. (98 min., color.)
GAMA, S. Às segundas. In: LARA, C. Comentários e notas à edição
fac-similar de 1982 de Brás, Bexiga e Barra Funda, de António de
Alcântara Machado. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1982.
KOSSOY, B. Fotografia & História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2014.
258 Parnamirim, jan./jun. 2021
263
264 Parnamirim, jan./jun. 2021
established standard which uses little of this partner science, specialized in the subject,
that is Egyptology. Like History, this science is under construction, therefore making
use of its speech in the classroom means escaping the great list of names and historical
dates and focusing on performing a participatory history, the class being a link in which
academic knowledge expands its applicability. Leaving the pyramid and getting to
know Beyond Nile means envisioning Ancient Egypt as it was and how it is today.
Keywords: Teaching. Egypt. Egyptology. History.
Fonte: Autoria nossa para este estudo a partir da leitura de livros didáticos.
Essa ciranda em muito confunde nossos alunos. Parece ser que uma civilização
sucede a outra de uma maneira destrutiva na qual a supremacia sempre é da
civilização seguinte. É como se ao fim do estudo do Egito antigo, e ao iniciar
as aulas de Creta, e Fenícia, os egípcios “sumiram da história” passaram a não
existir mais. Tudo isso também se deve a uma recente área de estudos que é a
Antiguidade no nosso país.
gulares, únicos, pois ela lida com aquilo que por essência é singular, elementos
únicos porque são sempre singulares”.
de fazer um link, uma proposta para com o dia a dia do nosso alunato. É in-
teressante percebermos e apontamos também o que a Antiguidade egípcia nos
legou, como fazemos quando tratamos de Grécia e Roma.8
Esse fascínio para o Egito torna-se na educação básica algo além de pra-
zenteiro, algo problemático à medida que se cria uma personificação para esta
civilização que enfatiza apenas o mágico, o fascinante, o excêntrico. Assim, ao
tratarmos desse conteúdo a partir da leitura e uso dos livros didáticos nos de-
paramos com uma experiência de ensino no qual ainda hoje pouco se relaciona
com o cotidiano dos alunos, mas, que tem um leque de relações sem igual.
Dentro da divisão da história ocidental, é fascinante pensar o Egito como
uma lógica de organização que perdurou por bastante tempo em continua e
relevante realidade histórica humana. Logo, pensar o Egito pelas nossas singu-
laridades assume a função de perpetuar e apresentar no espaço-tempo da Histó-
ria Antiga um eixo cultural e político bem como um poder dinástico até então
jamais visto. Desconstruir o exotismo a excentricidade do Egito é apresentar
como naqueles tempos uma sociedade se organizou e conquistou com ambiva-
lência uma porção geográfica do crescente fértil a suas posses. Mas também
é muito relevante apresentar as particularidades e ambiguidades da vida sim-
ples, fora das pirâmides de Gizé. Sistematicamente, no ensino básico as aulas
de Egito se dividem no temário exposto na figura 2.
Destacamos que o conteúdo programático e curricular desenvolvido e apre-
sentado nos livros didáticos, especialmente os aprovados pelo Programa Naci-
8
É muito comum o termo “Antiguidade Clássica” nos livros didáticos. O termo clássico
por si só já engendra uma série de discussões que em sala de aula algumas vezes confunde a
nós enquanto docentes, e aos nossos alunos. Clássico é comparado a erudito, “fino”, civilizado,
elegante, tradicional. E o pior: o clássico transmite a ideia de “modelo a ser perpetuado”. Assim
entendemos que a divisão entre Antiguidade e Antiguidade Clássica acarreta alguns problemas
didáticos, que, o professor de História tende sempre corrigir, especialmente no Ensino Funda-
mental. Uma boa proposta seria o uso de Antiguidade Oriental e Antiguidade Ocidental.
270 Parnamirim, jan./jun. 2021
onal do Livro Didático (PNLD)9 seguem em sua maior parte o sugerido pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)10 , e pelas Orientações Curriculares
para o Ensino Médio.11
Como as outras áreas do conhecimento humano, a história se transforma
9
O PNLD é destinado a avaliar e a disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias,
entre outros materiais de apoio à prática educativa, de forma sistemática, regular e gratuita, às
escolas públicas de educação básica das redes federal, estaduais, municipais e distrital e tam-
bém às instituições de educação infantil comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins
lucrativos e conveniadas com o Poder Público. Segundo informações do Ministério da Educação
(MEC), há um ciclo de escolhas e trocas de livros didáticos de acordo com as diferentes etapas
da Educação Básica.
10
Os PCNs versam sobre a estrutura do ensino fundamental. Dividido em ciclos, este do-
cumento direciona a ação educativa para as séries iniciais do fundamental (fundamental 01 —
do 1º ao 5º ano) até os anos finais do fundamental (fundamental 02 — 6º ao 9º ano). Os PCNs
foram promulgados em 1998. Para a área de História, o foco se dá a partir do fundamental 02
quando pela Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, o ensino das disciplinas passa a
ser de competência de um especialista na área, no caso, um professor com Licenciatura Plena
em História.
11
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio, mediam o ensino básico final que são
os três anos do Ensino Médio. Foram promulgados e renovados em 2006, incorporando novas
questões que se tornaram lei para o ensino quer seja de história, quer seja de outro compo-
nente curricular como o ensino de temáticas Afro Indígenas. Pensadas pelo viés da inter multi
transdisciplinaridade, as orientações estão organizadas em formato de agrupamentos por área
do conhecimento. História, juntamente com Geografia, Sociologia e Filosofia, integram as com-
petências das Ciências Humanas e suas Tecnologias. Transita pelo legislativo e executivo uma
possível reforma no Ensino Médio, vamos acompanhar essas discussões e seus próximos passos
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 271
vamos a realizar uma pesquisa histórica seja o tema que for, sempre partimos de
uma inquietação atual, de uma problemática que nos circunda. Por que o ensino
de História, especialmente das primeiras civilizações tem que ser apresentadas
num passado “antigo” e congelado, sem estabelecer nenhuma conexão com pre-
sente e a realidade dos alunos? “A supremacia do Egito no Brasil foi novamente
enfatizada através de uma comparação de suas influências com a influência da
comunidade brasileira negra no século XVII, o Palmares. Livros escolares de-
dicam apenas em média meia página para Palmares e é geralmente um único
parágrafo”.
cluindo quatro que datam de mais de 6.000 anos, pela mesma mis-
são arqueológica egípcia.
É importante assim destacar com os alunos que o Egito antigo foi uma
grande dinastia com organização sociopolítica até então não vista no chamado
“Crescente Fértil”, que se diferenciou exponencialmente das demais civilizações
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 277
Fonte: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/12/15/tumba-de-4-mil-ano
s-e-descoberta-no-egito.ghtml.
Considerações finais
O desafio do ensino de História é sempre um guia em meio ao cotidiano escolar.
Ensinar história é apresentar ao aluno um universo de possibilidades e antes de
tudo relacionar! É mostrar aos alunos que cada povo, em cada período histórico
vivencia as melhores experiencias de seu tempo.
O ensino da História Antiga é visto por muitos professores como a “parte
mais empolgante” do ensino. De fato, há como mensuramos grande interesse
por parte dos alunos nos assuntos que esse período histórico abarca: a ideia
das lutas pérsicas, as conquistas Macedônicas, a mitologia greco-romana, e as
pirâmides e faraós egípcios. O Egito Antigo carrega uma carga de interesse
visual que os alunos já trazem consigo pela ampla difusão de uma egiptomania
que seja a cultura pop, seja as mídias continuamente os apresentam. Nesse
sentido, o professor também deve se apoderar do teor dessa mania e partir da
premissa que os alunos sempre consideram algo sobre o Egito, e esse algo deve
ser desmitificado, e mostrado como algo comum, não fora dos limites humanos.
O livro didático com sua postura reducionista acaba aludindo ideias simplis-
tas sobre a civilização egípcia na qual ainda pouco se fala como está o Egito hoje.
Não se estabelece uma conexão com o dia a dia, com o vivido por nossos alu-
278 Parnamirim, jan./jun. 2021
Referências
BLOCH, M. Apologia da História ou o Ofício de Historiador. Tradução:
André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BRAUDEL, F. História e ciências sociais. 6. ed. Lisboa: Editorial Presença,
1990.
CARDOSO, C. F. O Egito Antigo. São Paulo: Brasiliense, 2004.
FUNARI, P. P. A.; CARVALHO, A. V. Palmares, ontem e hoje. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2015.
GUARINELLO, N. L. História Antiga. São Paulo: Contexto, 2013.
HERÓDOTO. Histórias, Livro II - Euterpe. Tradução:
Maria Aparecida de Oliveira Silva. São Paulo: Edipro, 2016.
RIBEIRO, J. E. Da sincronia à diacronia: os “Três Tempos” da “História Total”
de Braudel a partir de um diálogo com Levi-Strauss. OPSIS, v. 9, n. 12, 2009.
SILVA, L. L. T.; GONÇALVES, J. W. O Ensino de História Antiga: algumas
reflexões. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 28., 2015, Florianópolis.
Anais. Florianópolis: ANPUH, 2015. v. 28.
SILVA, T. R. O sorriso da esfinge: reflexões sobre o ensino do Egito antigo no
Brasil. In: LEMOS, R. S. (Org.). O Egito Antigo: novas contribuições
brasileiras. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.
TUMBA de 4 mil anos é descoberta no Egito. G1, 15 dez. 2018. Disponível em:
<https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/12/15/tumba-de-4-
mil-anos-e-descoberta-no-egito.ghtml>.
279
OS ÚLTIMOS DESEJOS DE UM GOVERNADOR PORTUGUÊS
NA CAPITANIA DO RIO GRANDE DO NORTE
O testamento de Caetano da Silva Sanchez (1799)1
Thiago do Nascimento Torres de Paula2
Os testamentos são documentos produtos da Idade Média. Assim, ao longo Como referenciar?
TORRES DE PAULA, T. N.
dos séculos XVI, XVII e XVIII a prática de elaborar testamentos se difundiu Os últimos desejos de um
pela cristandade ocidental. Com isso, o objetivo deste trabalho, é disponibilizar governador português na
capitania do Rio Grande do
a transcrição do testamento do governador portugueses Caetano da Silva San- Norte: o testamento de
chez, elaborado e aberto no apaga das luzes do século XVIII, especificamente Caetano da Silva Sanchez
(1799). Revista Galo, n. 3,
no ano de 1799 nas terras da freguesia de Nossa Senhora da Apresentação na p. 281–285, 17 jul. 2021
capitania do Rio Grande do Norte.
O documento examinado e transcrito, atualmente encontra-se sub a guarda
do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, neces-
sariamente integrando a seção de textos manuscritos. O testamento do ilustre
Caetano da Silva Sanchez, trata-se de um texto assentado em um livro de notas
pertencente a freguesia supramencionada, compondo uma coleção rara de 32
testamentos referentes ao litoral da capitania do Rio Grande do Norte. Docu-
mentos produzidos por homens e mulheres que viveram na Cidade do Natal,
Vila Nova de Extremoz do Norte, povoação de São Gonçalo e Vila de São José
do Rio Grande.
O material transcrito traz consigo marcas de sua trajetória, tais como: pa-
lavras apagadas, outras borradas, quando não sublinhadas por historiadores
do passado. No entanto, o documento original encontra-se em excelente es-
tado e conservação, constituindo-se em um manuscrito de três laudas, expondo
manchas que sugere acidente com líquidos ao longo do tempo, porém, não há
desgastes que comprometa a leitura.
1
A transcrição em tela é produto de um projeto de pós-doutorado cumprindo na Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte com financiamento da CAPES.
2
Pós-Doutor em Educação pela UFRN (2018), Doutor em História pela UFPR (2016), Ana-
lista de Ciência, Tecnologia e Inovação da FAPERN (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado
do Rio Grande do Norte), Pesquisador do LEHS/UFRN (Laboratório de Experimentação em His-
tória Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte), titular da cadeira de nº 96 do
IHGRN (Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte) e Professor Colaborador da
Pós-Graduação Lato Sensu do IFRN (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Norte). Lattes ID: 1215.9127.7257.3170. ORCID: 0000-0002-4481-4327. E-mail:
thiagotorres2003@yahoo.com.br.
281
282 Parnamirim, jan./jun. 2021
Transcrição
Testamento do capitão-mor governador Caetano da Silva Sanchez
Registro do testamento com que faleceu o capitão-mor governador que foi desta
capitania Caetano da Silva Sanchez desta Freguesia de Nossa Senhora da Apre-
sentação.
Em nome da santíssima trindade, padre, filho e espírito santo, três pessoas
distintas e um só Deus verdadeiro. Saibam quantos este instrumento de testa-
mento de cédula de ação, como em direito melhor nome haja de se chamar por
sua validade virem que sendo no ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Cristo de mil setecentos e noventa e nove, aos vinte três dias do mês de agosto
do dito ano, nesta cidade do Natal, capitania do Rio Grande do Norte, na casas
de minha residência eu, Caetano da Silva Sanchez, sargento-mor de infantaria
paga e por agora governador da mesma capitania, estando em meu juízo per-
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 283
feito e entendimento, com saúde que Deus é servido dar-me, e temendo a morte
e por não saber o quando o mesmo senhor será servido levar-me para si, faço
este testamento na forma seguinte. Primeiramente encomendo minha alma a
santíssima trindade que a criou e a remiu, e a virgem Nossa Senhora, e ao anjo
da minha guarda e ao santo do meu nome, aos de minha mais devoção e todos
da corte do céu sejam meus intercessores, quando a minha alma deste mundo
partir para que vá gozar da bem aventurança porque como fiel e verdadeiro
cristão protesto viver e morrer na Santa Fé Católica, creio o que crê a santa
Igreja romana mesma fé espero salvar a minha alma. Declaro que sou natura
da Freguesia de Casais da Europa , filho legítimo do capitão Francisco da Silva
Sanchez, de Maria Joaquina. Declaro que sou casado com Dona Maria Francisca
do Rosário Lopes, filha legítima do sargento-mor Francisco Gonçalves, natural
de Pernambuco, de cujo matrimônio tivemos dois filhos, um por nome Pedro
que em poucos dias de nascido faleceu e outra por nome Dona Micaela Joaquina
Sanchez, casada que foi com o capitão-mor Manuel Teixeira de Moura, que tam-
bém já é falecida = Declaro que os bens que possuo no meu casal são uns poucos
dez escravos os bens que deixaram por meu falecimento = Declaro que não te-
nho herdeiros forçados, ascendentes nem descendentes por terem meus pais e
filhos falecido da vida presente, e a dita minha filha não deixar filho algum e
não tenho esperança de ter mais filhos que sejam meus herdeiros descendentes
e por esta razão deixo a minha dita mulher, Dona Maria Francisca do Rosário
Lopes, por minha universal herdeira de todo [ilegível]onte de minha meação
de minha fazenda que me ficar por meu falecimento, o qual dou todos os meus
poderes que em direito posso par apor e dispor e vender e tomar posse de tudo
que me tocar, como seu que fica sendo por meu falecimento e não disponham
no meu enterramento por confiar nela o fará conforme as feitas que puder, e
tudo quanto determinar o seu arbítrio me satisfaço e dou por bem determinado,
o qual minha mulher dita também a nomeio por minha testamenteira, e lhe
rogo queira assistir para da minha fazenda de meação mandar quatro capelas
de missas, duas pela alma de meu pai, duas pela alma de minha mãe, que é o
único legado que disponho, e lhe peço que faça não porque não confie nela que
deixasse de fazer havendo lembrança, porém, porque o dirá meu pai fiquem sem
esse sufrágio, pela obrigação que tenho e amo que conservo as suas almas e pela
mesma confiança que faço da dita minha mulher de que há de cumprir este le-
gado que só faço esta declaração para lembrança, não será ela obrigada por ela
e por mais coisa alguma de dar contas com juízo desta minha última vontade
e rogo as justiças de Sua Majestade Fidelíssima faça inteiramente em cumprir
e guardar este testamento na forma que nele se contém e declaro tenho, digo,
tanto secular como eclesiásticas. E deixo por revogado outro qualquer testa-
mento ou codecilho que antes deste tenha feito, porquanto este é minha última
vontade quero que seja o que valha para se lhe dar inteiro dito que por verdade
284 Parnamirim, jan./jun. 2021
poder o sargento-mor Antônio de Barros Passos o escrevesse o que lhe foi di-
tado por mim e lido o achei estar conforme a minha determinação e vontade
[ilegível] assino nele com a minha firma de nome inteiro que costumo que tam-
bém o que escreveu como testemunha, nesta dita cidade e no dito dia e mês e
ano retro declarado = Caetano da Silva Sanchez = como testemunha que escrevi
= Antônio de Barros Passos = Aprovação Saibam quantos este público instru-
mento de aprovação de testamento de derradeira e última vontade virem que no
ano do nascimento de Nosso Senhor jesus Cristo de mil setecentos e noventa e
nove anos aos vinte e quatro dias do mês de agosto do dito ano, nesta cidade do
Natal, capitania do Rio Grande do Note, em casas de residência do governador
desta cidade, par aonde eu tabelião adiante nomeado fui vindo e sendo aí apare-
ceu o ilustríssimo senhor governador da dita cidade, Caetano da Silva Sanchez,
de que sem moléstia alguma em seu perfeito juízo e entendimento que Nosso
Senhor foi servido dar-lhe, pessoa que reconheço pela mesma de que se trata,
de que dou fé, e por ele me foi dado este papel de sua mão a minha dizendo
que era o seu solene testamento e que havia mandado escrever pelo sargento-
mor Antônio de Barros Passos, dotando ele testador e que depois de escrito os
mandara ler pelo achar conforme ele dito testador o havia ditado se assinara
com o dito sargento-mor Antônio de Barros Passos este como testemunha que
o serviu requerendo-me o aprovasse, porquanto ele testador o aprovava sendo
outro qualquer testamento ou codecilho [ilegível] feito [ilegível] e rogava as
justiças de Sua Majestade Fidelíssima assim o cumprisse e guardasse como nele
se contém declarado [ilegível] inteiro vigor, cujo testamento tomando eu tabe-
lião em minha, digo, em meu escritório verbum adverbum, achei limpo, sem
vício algum nem borrão ou entrelinha que dúvida faça e estava assinado o dito
testador com o dito sargento-mor Antônio de Barros Passos como testemunha
que escreveu e estava escrito em duas laudas e meia de papel que acaba aonde
eu tabelião principio esta aprovação, cujo testamento o aprovo e hei por apro-
vado tanto quanto em direito posso em razão do meu ofício sou obrigado, sendo
em tudo presentes por testemunhas o reverendo padre coadjutor Francisco Oli-
veira, o capitão Antônio José de Souza Oliveira, o capitão Fidelis José da Rocha,
o capitão Luís José Rodrigues Pinheiro, o tenente Antônio José de Vasconcelos
= o alferes João Manuel Carvalho = o sargento-mor Antônio de Barros Passos
que todos assinaram com o dito testador, pessoas todas de mim tabelião reco-
nhecidas pelas mesmas de que se tratam de que dou fé eu, Patrício Antônio de
Albuquerque, tabelião do público judicial e notas desta dita cidade do Natal,
capitania do Rio Grande do Norte e seu termo pela Rainha Fidelíssima Nossa
Senhora que Deus Guarde, escrevi e assinei esta aprovação com o meu sinal
público do que uso em dia e era retro no princípio desta declaração em fpe de
verdade = Caetano da Silva Sanchez, Patrício Antônio de Albuquerque, Fran-
cisco Alves de Melo, Antônio José [ilegível], Fidelis José da Rocha = Luís José
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 285
Manuel [ilegível]
Referências
MARCÍLIO, M. L. A morte de nossos ancestrais. In: MARTINS, J. S. A morte e
os mortos na sociedade brasileira. São Paulo: HUCITEC, 1983.
RODRIGUES, C.; DILLMANN, M. Desejando pôr a minha alma no caminho da
salvação: modelos católicos de testamentos no século XVIII. História
Unisinos, São Leopoldo, RS, v. 1, n. 17, p. 1–11, 2013.
SANTOS, A. R. Por uma história da morte: fontes, metodologia e
possibilidades interpretativas sobre o Seridó. In: MACEDO, H. A. M.;
SANTOS, R. S. (Org.). Capitania do Rio Grande: história e colonização na
América portuguesa. Natal: EDUFRN, 2013.
287
POLÍTICA(S) E MODERNIZAÇÃO
A implantação do programa “alimentos para a paz” e as frentes
de trabalho no sertão do Seridó-RN (1968–1976)1
João Paulo de Lima Silva2
RESUMO: Este plano de trabalho traz como proposta de investigação o Programa Ali- Como referenciar?
SILVA, J. P. L. Política(s) e
mentos para a Paz, entre a segunda metade da década de 1960 e meados de 1970. O modernização: a
objetivo do trabalho é perceber como os programas propagandeados como sendo de implantação do programa
“alimentos para a paz” e as
ajuda humanitária realizados no Sertão nordestino se tornaram decisivos na sobrevi- frentes de trabalho no
vência dos moradores da região. As consequências da seca para a população eram sertão do Seridó-RN
(1968–1976). Revista Galo,
extremas, uma das alternativas encontradas pelos governantes foi a criação das Fren- n. 3, p. 289–300, 17 jul. 2021
tes de Emergência. Uma das políticas públicas implementadas pelo Estado através da
Aliança para o Progresso, um acordo entre Brasil e Estados Unidos com a intenção de
minimizar os impactos sociais decorrentes dos grandes períodos de estiagem através
da doação de excedentes americanos sob a garantia de pagamento em longo prazo. O
governo do estado do Rio Grande do Norte objetivava com isso, conter parte da po-
pulação flagelada nos seus lugares de origem, como também, minimizar a fome e o
descontrole na economia local gerado por esse fenômeno climático. Esse plano de tra-
balho utiliza-se de documentos como relatórios, formulários, livros e jornais, fontes
que estão disponibilizados no site da Hemeroteca Digital Brasileira. Publicações dos
jornais, Diário de Natal, e O Poti, com data de circulação no período exposto, nos mos-
tram que, mais do que as notícias de progresso, calamidade e assistencialismo, também
houve uma constante insatisfação a partir de fatores que desestabilizaram cada vez mais
a região, seriam esses, a fome, doenças, indústria da seca e, muitas vezes a morte. Ao
longo do período estudado, foram postos em prática tanto o Programa Alimentos para
a Paz, como as Frentes de Trabalho, ações voltadas para os sertanejos como atividades
primordiais na sobrevivência da multidão, que tinha em troca da mão de obra na cons-
trução de obras emergenciais, um pagamento e pouca alimentação a serem repassados
através dos convênios firmados entre os governos do Rio Grande do Norte e o governo
1
O texto apresentado para a Revista Galo em formato de Projeto de Pesquisa foi aprovado
para ser desenvolvido como pesquisa de mestrado no Programa de História dos Sertões no
CERES-UFRN na cidade de Caicó-RN.
2
Graduado em História (UFRN-CERES, Caicó), Especialista em História dos Sertões (UFRN-
CERES, Caicó), mestrando no Programa de Pós-Graduação em História dos Sertões do (UFRN-
CERES, Caicó). ID Lattes: 8111.2333.0951.3952. ORCID: 0000-0002-4254-8571. E-mail: joaopau-
lojp31@hotmail.com. Sob orientação da Prof.ª Drª. Jailma Maria de Lima.
289
290 Parnamirim, jan./jun. 2021
Introdução
Delimitação do objeto
Este projeto tem como principal característica, a investigação sobre como ocor-
reu a implantação do “Programa Alimentos para a Paz”, instituído no Brasil
através da Aliança para o Progresso, um programa norte americano propagan-
deado como sendo de ajuda humanitária e as frentes de trabalho criadas na me-
tade da década de 1960 e meados de 1970 no Sertão do Nordeste, como possível
solução para o enfrentamento das intempéries climáticas.
Entre esse período, o Brasil vivenciou uma conjuntura política instável que
se refletiu em diversas disputas que resultaram no golpe civil-militar de 1964 e
na decretação do Ato Institucional nº 5 de dezembro de 1968, que consequente-
mente resultou no fechamento do regime. Durante todo esse contexto, os ser-
tões atravessaram momentos de grandes dificuldades e conflitos gerados pela
seca.
A escolha do tema surgiu na pós-graduação em História dos Sertões, quando
percebemos que a criação desses programas era algo muito recorrente para
amenizar a fome causada como consequência do constante agravamento das
secas e suas consequências nesse Sertão.
Ao apresentar no título as palavras política(s) e modernização, a pesquisa
aborda a intervensão dos governos norte americano, brasileiro e do Rio Grande
do Norte, que se apresentavam com a proposta de modernizar o Sertão, sendo
que muitas vezes essa dita modernização teve caráter emergencial. Sertão esse
que o autor Antonio Carlos Robert de Moraes nos apresenta como:
Um qualitativo de lugares, um termo da geografia colonial que
reproduz o olhar apropriador dos impérios em expansão. Na, ver-
dade, tratam-se de sertões, que qualificam caatingas, cerrados, flo-
restas, campos. Um conceito nada ingênuo, veículo de difusão da
modernidade no espaço. (MORAES, 2003, p. 5).
Desse modo, as falas e ações políticas surgem como fundamentais para per-
cebermos a relação de poder existente em um cenário caótico e formulador de
uma história regional muitas vezes estereotipada. E, algumas vezes nos remete
ao “Discurso oculto das Lideranças”, onde (NEVES, 2013, p. 72) nos mostra in-
tuitos políticos bem-sucedidos a partir do aproveitamento da ingenuidade do
povo.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 291
Discussão bibliográfica
A discussão bibliográfica foi feita considerando produções científicas que aten-
deram os critérios de elaboração dessa pesquisa. Debatemos através da obra
“O governo do Monsenhor Walfredo Gurgel” de José Daniel Diniz (2016), “O Nor-
deste e a Historiografia Brasileira” (2012) de Frederico Castro Neves, além de
publicações do Jornal Diário de Natal do ano de 1966, qual foi participação de
importantes políticos do período em questão como Aluízio Alves, perante a im-
plantação do Programa Alimentos para a Paz no Nordeste.
Outro fato importante percebido, é como ocorreu a transição de poder atra-
vés da acirrada disputa política entre Monsenhor Walfredo Gurgel e Dinarte
Mariz, uma vez que tal fato representou significativo episódio da história polí-
tica de um Estado que foi posto em situação de calamidade não só pelos efeitos
causados pelas condições climáticas incertas, mas também pelo enorme número
de desempregados que se sucederam diante disso.
Explanaremos sobre as tentativas de solucionar tais problemas, como, por
exemplo, o Encontro de Prefeitos do Seridó ocorrido em 1966, ocorrido nas ci-
dades de Caicó e Currais Novos.
Discutiremos sobre a seca de 1969 ao abordar que é algo que exige, mas
que ultrapassa as fronteiras naturais e nos desloca a outro cenário, muitas ve-
zes elaborado a partir das práticas políticas e climáticas que constantemente se
inserem no Sertão. As causas dessas condições reforçam a ideia de progresso,
como nos mostra “Palavras que calcinam, palavras que dominam: a invenção da
seca do Nordeste”, (1995) de Albuquerque Júnior, que nos levou a perceber as mu-
danças ocorridas mesmo que emergenciais ou de caráter paliativo, evidencia-se
como se deu o processo de modificação desses espaços, muitas vezes por meio
de obras governamentais.
Trabalhos como “A Nova Relação do Sertanejo com a Face Visível da Seca” de
José Messias Rangel e Fábio Freitas Schilling Marquesan (2014), e “Populismo e
Modernização no Rio Grande do Norte” de Sérgio Luiz Bezerra Trindade (2004),
que nos indicam que nesse período ocorreu um grande número de construção
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de barragens, açudes, estradas e rodovias, nos quais nos permite abordar quem
eram os trabalhadores que atuaram e se tornaram parte definitiva de paisa-
gens locais em fase de crescimento, além da articulação governamental junto
às alianças firmadas em uma tentativa de remediar os constantes transtornos
causados.
Esse período também ficou marcado por atitudes ilegais onde muitos lu-
cravam desonestamente a partir dos recursos que deveriam ser atribuídos à
assistência populacional. A autora Carla Monteiro Sales, com sua obra “Ser-
tão Encantado: representações da paisagem nordestina no cinema da retomada”
(2014) nos levou a perceber que, esse cenário em determinado momento ficou
conhecido através da mídia da época como se fosse uma característica da re-
gião, uma vez que os jornais traziam uma abordagem de que o Sertão era um
local extremamente seco, ainda que isso não fosse uma realidade constante. E
a autora justifica:
seca de 1953 no cenário urbano de Currais Novos”, (2007). Pesquisa esta que,
mesmo não condizendo com a temporalidade a ser abordada, nos dá uma esti-
mativa de como a seca e suas consequências já eram consideradas um fenômeno
social complexo bem antes desta discussão.
Relatamos também a realidade temporal de uma população doente, pessoas
de todas as idades envolvidas nas frentes de trabalho, forçadas a conviver em
um ambiente sem qualquer condição de higiene que fosse adequada para se
viver. As más instalações de moradia e trabalho apresentaram a essas pessoas
uma fome mais generalizada, sérias doenças e, em muitos casos uma morte
prematura e desassistida pelas políticas públicas que, na grande maioria das
vezes não conseguia conter tais problemas, fatos frequentes e constatados nos
jornais da época.
Justificativa
Nossa pesquisa justifica inicialmente, a contribuição que esperamos dar à histo-
riografia que trata da realidade do Sertão do seridó norte-rio-grandense, apre-
sentando-o em sua pluralidade, uma vez que, para muitos a palavra sertão re-
mete a uma realidade embasada por aspectos físicos como clima e economia,
ou nos aspectos simbólicos como do tipo, narrativas e identidades. Existem
recortes espaciais com realidades e diferenças a serem questionadas (ALBU-
QUERQUE JÚNIOR, 2014, p. 41–42).
Pensar esse Sertão é, antes de tudo, compreender que tudo se trata de um
espaço provido de experiências, conflitos, e disputas que, política ou popular-
mente arquitetam um novo rumo às mudanças que esse cenário apresenta. Boa
parte da historiografia produzida academicamente ainda não se dedicou pon-
tualmente ao que propomos, pois carece de trabalhos que se dediquem não so-
mente ao Sertão, mas, estudos que apresentem os espaços, as ações existentes
nesses lugares e, por fim, os protagonistas dessas histórias. Trabalhos sobre
essa temática, podemos apontar, Criar ilhas de Sanidade: Os Estados Unidos e
a Aliança Para o Progresso no Brasil (1961–1966), de Henrique Alonso de A. R.
Pereira (2005); Caicó: uma cidade entre a recusa e a sedução, de Juciene Andrade
Felix Andrade (2007), possuindo recortes temporais anteriores ao que tratamos.
Percebemos que, trabalhos que envolvam Sertão, convênios, frentes de tra-
balho e flagelados são em número muito reduzido. Nosso trabalho contribui
para a sociedade de forma a expor que, o Sertão, por mais que não qualifi-
cado no ponto de vista clássico da geografia, visto apenas como um horizonte
modernizável, constitui-se por suas atividades, grupos sociais e relações que o
qualificam e destroem estereótipos.
Ao esmiuçar os conteúdos historiográficos da pesquisa nos deparamos cons-
tantemente com as ações das elites políticas tradicionais, essas, representadas
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através do surgimento das políticas públicas que, muitas vezes, geravam con-
flitos e mudanças no espaço povoado por uma classe fragilizada e dependente
dessas ações, fossem elas efetuadas por meio do governo ou da igreja católica.
Fato esse que faz com que esse trabalho se adeque perfeitamente aos itens que
acolhem a proposta da Linha de Pesquisa I, intitulada Cultura Material, Socie-
dade e Poder nos Sertões.
É cada vez mais notável o distanciamento da palavra com o mundo e, no
jornalismo regional isso tem a influência do provincianismo típico de cidades
dominadas por organizações e famílias “tradicionais”. Dessa forma, a partir da
soma dos aspectos históricos, sociais e políticos, será possível retratar o pano-
rama entre 1968 e 1976, período que apresenta falta de referência e contexto da
historiografia local.
Objetivos
Gerais
Específicos
Diálogos teóricos
Procurou-se utilizar um enfoque político-social, historiográfico para verificar
prováveis mudanças no espaço sertanejo exercidos sobre os grupos sociais que
ali viveram e quais as consequências decorrentes disto, uma vez que percebe-
mos os espaços como produtos a partir das transformações humanas causadas
por seus conflitos, dominações, resistências e negociações.
Dentro desse contexto, tratar da fase em que o Nordeste brasileiro e mais
especificamente o Sertão sofria com as amarguras da seca e não abordar os pro-
gramas que contribuíram para o que foi intitulado como “a invenção da seca”,
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seria, sem dúvida, uma grande lacuna. Ainda mais quando esse período iden-
tifica muito bem a continuação do momento onde a política social tentava se
fortalecer através de uma dita “ação positiva para ajudar a América Latina”,
visto também como o momento de se dar um novo esplendor à política de boa
vizinhança.
Tal momento não se faz marcante apenas na história do Sertão, mas tam-
bém na história política3 do Brasil que oscilava entre um momento de extremas
transições políticas e sociais.
Sérgio Trindade afirma que o receio da disseminação de ideias subversivas
em sua área de influência geopolítica fez os Estados Unidos criarem mecanismos
de auxílio às áreas subdesenvolvidas que pudessem ser alvos da presença co-
munista. Os fantasmas de Fidel Castro e de Ernesto Che Guevara assombravam
os americanos. A Revolução Cubana criou certa desestabilização na América
Latina. (TRINDADE, 2004, p. 198–199).
De acordo com Reichel, “A criação da Aliança para o Progresso fazia parte
dessa perspectiva norte-americana de frear o perigo vermelho.” (REICHEL, 2004,
p. 189–208). Exposto a isso tudo, estava o Sertão, já comentado anteriormente
como aquele possuidor de realidades e diferenças a serem questionadas. O Ser-
tão não mais pode ser entendido como uma unidade homogênea, um recorte es-
pacial presidido pela semelhança e pela identidade. (ALBUQUERQUE JÚNIOR,
2014, p. 41–42).
O historiador tem agora a função de produzir sentidos, assim sendo, esta
pesquisa tem a preocupação de situar os vestígios políticos e modernizadores
que foram responsáveis pelas muitas ações e movimentos a que foram expos-
tos os indivíduos que compunham esse espaço no recorte temporal indicado,
fossem eles a elite ou as aglomerações flageladas.
A SUDENE e USAID como instituições que atuaram sob o caráter de coo-
peração para o desenvolvimento, foram decisivas durante o processo de admi-
nistração dos programas implementados no período em questão, não se pode
descartar o fato de que nem sempre, as ações propostas funcionaram como es-
perado. O que acabou por causar divergências e conflitos, tanto administrativas,
como populares.
Do ponto de vista da expansão territorial, a modernização tem dois senti-
dos principais: um que envolve a infraestrutura econômica, a base técnica e os
meios de produção e outro que envolve os aspectos políticos e ideológicos. De
acordo com Hobsbawm (1996), se a Revolução Industrial britânica forneceu o
modelo para as fábricas, rodovias, cidades, infraestrutura, emprego das técnicas
3
Remónd conceitua a História Política que guarda ressonâncias com a que se produz nas
pesquisas atuais, onde afirma o autor: “É a história do Estado, do poder e das disputas por
sua conquista e conservação, das instituições em que ele se concentrava das revoluções que o
transformavam”. (REMÓND, 2003, p. 15).
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Fontes e metodologia
Ao analisarmos o material memorialístico publicado sobre o período governa-
mental da época, por exemplo, a obra de Jose Daniel Diniz “O governo do Mon-
senhor Walfredo Gurgel” (2016), nos deparamos com relatos de experiências vi-
venciadas durante seu governo, que ocorreu entre 1966 a 1971. Alguns desses
estudos foram publicados, sobretudo por ex-auxiliares do governador, o que
evidencia a necessidade de trabalhos que tragam em seu corpo, análises mais
aprofundadas sobre o devido período.
De acordo com Paulo Antônio Rezende, a fonte jornalística permite ao his-
toriador, além dos discursos informativos, trabalhar com anúncios que buscam
seduzir e encantar os leitores (REZENDE, 1997, p. 62). Assim, utilizamos para
uma melhor percepção do nosso trabalho, a imprensa através de matérias do
Diário de Natal, O Poti, RN Econômico e Memorial da Democracia, que nos au-
xiliaram a refletir sobre o período da década de 1960 e 1970 nos sertões norte-
rio-grandenses, sobretudo no que se refere às ações norte-americanas voltadas
para o combate à fome nos sertões. O Poti e o Diário de Natal presentes no
acervo da Hemeroteca Nacional Brasileira.
A partir, ainda do diálogo de Neves (2012), com matérias dos jornais O Poti e
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Cronograma
Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, D. M. Distante e/ou do Instante: “sertões
contemporâneos”, as antinomias de um enunciado. In: FREIRE, A. (Org.).
Culturas dos Sertões. Salvador: EDUFBA, 2014. P. 41–57.
. Palavras que calcinam, palavras que dominam: a invenção da seca
do Nordeste. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 28, p. 111–120,
1995.
ANDRADE, J. B. F. Caicó: uma cidade entre a recusa e a sedução. 2007.
Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal.
REVISTA GALO, ano 2, n. 3 299
Capa
Thiago do Nascimento Torres de Paula
Gabriel Araújo
Editor chefe
Francisco Isaac Dantas de Oliveira
Tipografia
Libertinus
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