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PANDEMIA E A
ECONOMIA MUNDIAL
15 DE JUNHO DE 2020
O AGRONEGÓCIO, A PANDEMIA E A ECONOMIA MUNDIAL
O AGRONEGÓCIO, A PANDEMIA E A ECONOMIA MUNDIAL
O
s dias e meses incertos e dolorosos que sante e a montante – o que chamamos hoje de
ora vivemos – que o mundo vive – com agronegócio. Esses ciclos eram precipitados por
a pandemia de covid-19 e todos os seus transformações que ocorriam mundo afora, com
desdobramentos nos trazem as mais variadas o Brasil a reboque do “dono do mundo” da vez.
e preocupantes reflexões. É o extremo descon-
forto do desconhecimento e consequente im-
previsibilidade de quase tudo. Não sabemos a
“O Brasil precisa empreender
duração da crise; quando (para não dizer: se) uma imensa agenda de reformas
ela chegará a um fim; se, antes disso, ela pode em quase todas as áreas de ativi-
se aprofundar ou não; se haverá recaídas. Se dade: focando-se em potencializar
seremos capazes de nos organizar e em cola- o crescimento econômico e, distri-
boração buscar a ansiada superação ou se nos buir bem os seus frutos, guindar o
poremos a digladiar diante de tantas amea-
bem-estar da população a níveis
ças e oportunidades que vêm no bojo da crise.
Vale lembrar que bem no início do sé- compatíveis com o nível de recur-
culo XX, um surto de febre amarela – cuja ocor- sos com que o País conta.”
rência no Brasil vem do século XVII até os dias
de hoje – no Rio de Janeiro já expusera como O início de nossa história se deu com
o custo da (des)organização socioeconômica e o avanço dos conhecimentos de navegação,
política de então já recaía desproporcionalmen- permitindo a exploração por países europeus
te sobre a parcela marginalizada da população. no Oceano Atlântico e a colonização do Novo
O roteiro e os atores daquela tragédia são bem Mundo. O Brasil viveu os ciclos do Pau-Bra-
semelhantes aos da atual. Em 1918, quando sil (nos rumos da Mata Atlântica do Nordeste
fomos atacados pela “gripe espanhola”, deze- e Sudeste), do Açúcar (séculos XVI a XVIII do
nas de milhares de brasileiros perderam suas Nordeste ao Sudeste) e do Ouro e Mineração
vidas. Não tínhamos sequer um ministério da em geral avançando pelo Centro-Oeste (sécu-
saúde; embora tê-lo não seja suficiente, como lo XVIII). A Europa mandava, o Brasil fazia. A
sabemos todos. Mas, mesmo contando com um agropecuária de mercado interno acompanhava
século de avanços são muitas as fragilidades do a migração dessas atividades líderes, assegu-
nosso sistema de saúde – na verdade, falhas de rando a alimentação das famílias dos ocupados
nosso sistema socioeconômico. O Brasil precisa nesses afazeres. Ao Sul chegava o gado bovino
empreender uma imensa agenda de reformas para o charque e o couro, também exportado.
em quase todas as áreas de atividade: focan- A ocupação territorial se estendia do Nordeste
do-se em potencializar o crescimento econô- para as demais regiões em resposta à pujança
mico e, distribuir bem os seus frutos, guindar da demanda europeia que estimulava as ativi-
o bem-estar da população a níveis compatíveis dades extrativistas e as grandes plantações, co-
com o nível de recursos com que o País conta. lonizando o Brasil como economia primário-ex-
2 O Brasil não é um novato em termos de portadora fundada no escravagismo, cujas raízes
crises ou grandes transformações mundiais. Até na sociedade, ainda hoje, não foram extirpadas.
que o esforço público de industrialização se in- As marchas e contramarchas eram con-
tensificasse nos anos 1930, vivíamos em ciclos catenadas. Ao longo do século XVIII, o algodão
ao redor da agropecuária, com seus laços a ju- se expandia seguindo os passos firmes da Revo-
endividamento externos). Política monetária ex- a crescer expressivamente. Tal foi a eficiência
pansionista se dava na forma de gastos extra- no uso dos recursos sociais investido no setor,
-orçamentários, acionando-se bancos oficiais e que, nos anos 1990, o apoio ao agronegócio
empresas estatais, em que pese a carga tributá- (via crédito, preços e seguros) praticamente se
ria ter evoluído voluptuosamente de menos de desfez. Atualmente, o suporte público à agro-
15% a 25% do PIB, configurando uma aparente pecuária é de apenas 1,1% do Valor da Produ-
(disfarçada) responsabilidade fiscal. A inflação ção. A média mundial é de 16%. Mesmo assim,
seguiu um processo acelerado nas próximas dé- desde os anos 1990, observa-se queda real de
cadas: 10% ao ano na década de 1940, mais de preços ao produtor e expressivas conquistas no
20% na de 1950, mais de 40% nas décadas de mercado internacional. De 1995 a 2019, o PIB
1960 e 1970. E continuou a crescer, chegando da agropecuária cresceu 130% e o do Brasil
a mais de 500% ao ano na década de 1980. todo, 70%. O PIB da indústria, quase estagnada
Nos anos 1960, quando a fome e a desde 1980 (quando teria amadurecido), au-
carestia sufocavam a grande maioria da popu- mentou de 1995 a 2019 apenas 33%. Os pre-
lação – algo já detectado por Josué de Castro ços reais da agropecuária caíram 40% ao pro-
na década de 1940, abre-se um espaço no dutor, enquanto ao consumidor, os preços reais
industrialismo, e volta-se a atenção também dos alimentos praticamente não se alteraram.
para a agropecuária. Programas de crédito, Em 2008, o Brasil foi novamente sur-
preços e, mais importante, ciência e tecnologia preendido pela crise financeira internacional.
voltadas para o setor foram implementados e Iniciada nos EUA no setor imobiliário, arrastou o
mantidos nas décadas seguintes. Duas déca- Sistema Financeiro – que passara por um cres-
das depois, quando num crescendo contínuo, cente processo de desregulamentação (e con-
esses programas produziam seus resultados centração) desde os anos 1980 – para uma crise
(com maior abastecimento a preços mais aces- espetacular. Nos EUA, o PIB caiu 0,3% em 2008
síveis e maiores exportações), a inflação pode e 3,6% em 2009. O socorro ao desastre veio da
ser controlada com o Plano Real em 1994. Se- injeção imensa de recursos da sociedade: US$
guiu-se, então, um processo de reformatação 800 bilhões pelo governo para acudir os bancos
do aparato macroeconômico: rígido controle e US$ 4,5 trilhões pelo Federal Reserve para com-
monetário e aumento substancial da carga fis- pra de títulos de dívida de empresas. Na Europa,
cal para substituir o imposto inflacionário, não atingida pela ressaca norte-americana, o socor-
suficiente, porém, para conter a escalada da ro foi de US$ 2,2 trilhões. Na China, contabili-
dívida pública. Programas de transferência de zou-se uma injeção de US$ 600 bilhões. O Brasil,
renda – grandes aumentos reais de salário mí- que, na década vinha crescendo a 3,7% ao ano
nimo, Bolsa Família, por exemplo – tornaram-se (surfando na onda do boom das commodities),
viáveis porque a demanda por alimentos que sofreu uma leve queda de 0,3% em 2009 e já
esses programas geravam eram atendidas pelo em 2010 recuperava-se com uma taxa de 7,3%.
agronegócio a preços estáveis ou decrescentes. A receita brasileira para livrar-se da re-
4 A partir desses anos, portanto, o agrone- cessão foi, de um ano para outro, aplicar estí-
gócio mostra amadurecimento, crescendo com mulo fiscal (redução no superávit primário) de
base na produtividade. Na verdade, sua produ- quase 3% do PIB (cerca de US$ 50 bilhões) e
tividade, após anos de estagnação e queda no uma expansão no crédito de 14% (US$ 100
pós-guerra, a partir dos anos 1970 já começara bilhões). O estímulo, infelizmente, seguiu a re-
depois de sua atenuação, a depender do estado conflito – frio ou quente – até que um deles
de “saúde” da economia quando isso se der. prevaleça?
A despeito de tanta incerteza, no cam-