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Olá!
Você está na unidade Direito Público e Direito Privado. Conheça aqui os conceitos de direito público e direito
privado, bem como a definição de direito positivo. Estude a relação de subordinação e coordenação como
critérios dogmáticos. Adentrando o a unidade, leia sobre labor, trabalho e ação como âmbitos do público e do
privado, além de sua importância para os ramos do Direito. Entenda, também, sobre zetética jurídica e
dogmática jurídica.
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1 Direito público e direito privado
O direito positivo é o direito posto pelo Estado, criado artificialmente para atender às necessidades da
sociedade no tocante à decidibilidade dos conflitos que inevitavelmente aparecem, visando à manutenção da
ordem e da convivência ética entre seus integrantes. A divisão do direito positivo em direito público e direito
privado, ou seja, em dois grandes grupos que se subdividem internamente, é apresentada pela doutrina como
uma dicotomia, que é uma classificação em que cada uma das divisões tem dois termos, que se excluem
mutuamente por serem totalmente opostos. Veremos que a relação entre direito público e direito privado não é
O primeiro uso de que se tem notícia da divisão do direito em público e privado remonta ao Direito Romano, com
Ulpiano, no trecho do Digesto que diz que “O direito público diz respeito ao estado da coisa romana, à pólis ou
A concepção de “público” e “privado” não se manteve estática ao longo dos períodos históricos que se
sucederam, e isso implicou a dificuldade existente atualmente em encontrar uma classificação definitiva e
totalmente satisfatória. Visando ao estabelecimento de conceitos iniciais para que seja possível a discussão
teórica, iniciemos com uma definição de direito público e com uma definição de direito privado.
Direito público
Aquele que “regula as relações em que o Estado é parte, ou seja, rege a organização e atividade do Estado
considerado em si mesmo, em relação com outro Estado e em suas relações com os particulares, quando procede
em razão de seu poder soberano e atua na tutela do bem coletivo” (DINIZ, 2001, p. 274).
Direito privado
Aquele que “disciplina as relações entre particulares, nas quais predomina, de modo imediato, o interesse de
ordem provada, como compra e venda, doação, usufruto, casamento, testamento, empréstimo etc.” (DINIZ, 2001,
p. 274).
O direito é tradicionalmente subdividido em ramos, que também denominamos “ramos do direito público” ou
“ramos do direito privado”. Assim, temos segundo Maria Helena Diniz (2001, p. 275-277), como ramos do direito
público interno o direito constitucional, o administrativo, o tributário, o processual e o penal; como ramos do
direito público externo temos o direito internacional público e o direito internacional privado; e como ramos do
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Figura 1 - Ramos do direito público e do direito privado
Fonte: Elaborada pela autora, 2019.
#PraCegoVer: Na imagem, temos a representação gráfica dos ramos do Direito Público e do Direito Privado. O
primeiro se subdivide em dois tipos: interno (Direito constitucional, administrativo, tributário, processual e
penal) e externo (Direito internacional público e internacional privado). Já o segundo, se divide apenas em
Os conceitos de labor, trabalho e ação, como apresentados no título deste tópico, referem-se à obra A Condição
Humana, de Hannah Arendt, lançada em 1958. No original, a autora utiliza os termos “labor”, “work” e “action”.
As edições da obra em português traduzidas por Roberto Raposo até o ano de 2010 fizeram a opção de usar “
labor”, “work” e “action” como “labor”, “trabalho” e “ação”, respectivamente. A tradução inicial recebeu críticas
por não permitir a compreensão dos questionamentos propostos por Arendt quanto à durabilidade das três
A distinção entre trabalho [labor], obra [work] e ação [action] deveria ser examinada acentuando o
ponto de vista temporal da durabilidade dessas diferentes atividades humanas. (...) Infelizmente, a
tradução de Roberto Raposo não nos ajuda, mas apenas dificulta, confunde e até impede a
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A partir da 11ª edição de A Condição Humana em língua portuguesa a tradução passou a empregar os termos
“trabalho”, “obra” e “ação” para “labor”, “work” e “action”, respectivamente. Utilizaremos, então, as expressões
atualizadas mais condizentes com a profundidade da distinção destacada por Hannah Arendt no texto original,
O contexto de análise da obra é o mundo Antigo, especificamente a cidade-Estado ou pólis. Temos, então, uma
distinção e uma separação muito clara entre espaço público e espaço privado, com papeis igualmente
Labor
O trabalho (labor) é aquela atividade que atende às necessidades biológicas típicas da humani-dade, consumíveis
de imediato e é realizada pelo animal laborans. Isso significa que não são deixados traços da existência dessa
atividade. Tudo que se produz é consumido e a necessidade de consumo (e, consequentemente, de produção) é
O espaço de realização dessa atividade é o espaço privado, a casa ou oikia em grego. Essa atividade requer o uso
de instrumentos, que se confundem com o próprio corpo humano ou se assemelham a uma extensão do corpo
humano, por serem essenciais à realização do trabalho (como uma faca, por exemplo). No espaço da casa
(privado), não há liberdade, pois se está preso à necessidade, ao consumo. Até mesmo o chefe de família, que tem
domínio sobre todos os membros do grupo, não é livre em se tratando de necessidades vitais que devem ser
Work
A obra (work) é aquilo que modifica o mundo e lhe imprime resultados perenes, ou seja, seus produtos não são
perecíveis, não se extinguem com o consumo (sejam eles produtos materiais ou intelectuais) (ARENDT, 1958).
Quem realiza a obra é o homo faber e seu espaço é intermediário entre público e privado porque sua atividade
não atende apenas ao âmbito familiar, mas a toda a comunidade. Os produtos podem ser trocados ou vendidos
nos mercados, um espaço público mais ou menos acessível a qualquer pessoa, desde que possa pagar. A troca
acontece no espaço público, mas sua produção ocorre em espaço privado, solitário (estamos falando de artesãos
da Antiguidade).
O surgimento das indústrias, na Modernidade, permite a produção em larga de escala de produtos que antes
eram artesanais e cria uma confusão entre o que antes era trabalho (labor) e o que era obra (work), e a
sociedade passa a consumir continuamente produtos que não são vitais para sua existência apenas porque são
abundantes. A indústria faz desaparecer também a figura do artesão que é substituída pelo operário da fábrica,
alguém que não tem controle nem consciência quanto ao todo de sua produção e também não tem tempo para
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Action
A ação (action), é apresentada por Arendt como a única atividade livre e que se dá entre pessoas iguais, na po-lis,
sem intermediações materiais (ARENDT, 1958, p. 9). Acontece no espaço público por excelência, quando o
cidadão deixa o espaço privado de sua casa para exercer sua participação política na pólis. Essa atividade é
restrita àqueles que têm o direito de cidadania, do qual se excluíam mulheres, escravos e estrangeiros, por
Quando Ulpiano, pois, distinguia entre jus publicum e jus privatum certamente tinha e mente a
distinção entre a esfera do público, enquanto lugar da ação, do encontro dos homens livres que se
governam, e a esfera do privado, enquanto lugar do trabalho [labor], da casa, das atividades voltadas
Afirma Ferraz Jr. que na Modernidade passou a surgir, por diversos fatores históricos, políticos e econômicos,
uma tendência à noção de social como algo comum a ambas as esferas, público e privado, governo e família,
criando uma nova dicotomia, dessa vez entre social e individual. Na civilização do homo faber a ação passa a ser
um fazer também. “O agir político começa, então, a ser visto como atividade produtora de bens de uso: a paz, a
segurança, o equilíbrio, o bem-estar, e o domínio das técnicas políticas (entre as quais se inclui a violência, a
O Estado passa a assumir um papel de diferenciador entre corpo social e indivíduo, já que o elemento social
passou a caracterizar ambos, sendo, cada vez mais orientado pela noção de soberania. Por meio da ideia de
soberania o direito torna-se relação de poder: relações de poder na esfera de soberania do Estado e relações de
poder na esfera dos indivíduos, ou seja, uma esfera pública e outra privada, ambas orientadas por um direito que
é comando, que é poder. O mercado passa a ser parte da esfera privada, que passa a identificar-se com a ideia de
riqueza: “Distingue-se o direito público do privado como a oposição entre os interesses do Estado
(administração, imposição de tributos, de penas) e os interesses dos indivíduos (suas relações civis e comerciais
Os eventos político-históricos que criaram as bases para a existência da sociedade Moderna capitalista criaram
também a necessidade de adaptação do direito que atenderia a essa sociedade e, com isso, a distinção entre
direito público e direito privado se tornou menos clara em comparação com suas origens romanas na
classificação de Ulpiano. Sua utilidade prática, no entanto, é imprescindível, o direito deixa de ser, como na
Antiguidade, “ação, diretivo para ação, âmbito do encontro dos homens pela palavra” e desde a Modernidade
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(alcançando o mundo contemporâneo) se torna trabalho [labor] “comando, norma soberana que regula o fazer
social, [...] algo como uma regra técnica de organização da atividade contínua do homem na produção de bens de
Agora que já vislumbramos, ainda que rapidamente, a fundamentação histórica da divisão do direito em público
e privado e também como se explica a dificuldade contemporânea de se fazer uma distinção clara e definitiva
entre os dois âmbitos podemos adentrar o estudo das teorias que procuram explicar e justificar essa divisão,
Essa divisão é clássica e acompanhou a evolução história do direito. Mas não é perfeita. Inexiste, na
verdade, critério perfeito para essa distinção. Tal fato é comprovado pela multiplicidade de critérios
insatisfatórios, que através dos tempos vêm sendo propostos. Alguns autores, como Holiger,
chegaram a catalogar mais de cem critérios apontados como base dessa divisão (MONTORO, 1999, p.
403).
O primeiro e mais antigo dos critérios é o que se baseia na noção de interesse ou utilidade. Essa teoria tenta
delimitar o âmbito do público e o âmbito do privado a partir da oposição entre o que seriam os interesses do
Estado e o que seriam os interesses particulares. No entanto, a prática mostra que há diversas normas que
protegem o interesse geral no direito privado, como no caso do Direito de Família (MONTORO, 1999).
Outra teoria é a da relação de preponderância do interesse: como o próprio nome diz, foi acrescentada à
estreita conexão e interpenetração entre os interesses permanece como obstáculo a impedir a exatidão da
análise (DINIZ, 2001, p. 250). A proposta de diferenciação a partir do sujeito-fim do direito de propriedade foi
Grupo 1
O primeiro seria o da propriedade individual, tendo por sujeito-fim o indivíduo.
Grupo 2
O segundo teria por sujeito-fim o Estado e por ser de propriedade do Estado.
Grupo 3
O terceiro, a propriedade coletiva, que tem por sujeito-fim a sociedade em si.
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Maria Helena Diniz critica essa teoria por reduzir o direito ao direito de propriedade, quando, na verdade,
existem diversos outros grupos de direitos que não são contemplados por essa divisão (DINIZ, 2001).
A teoria que fundamenta a divisão segundo o poder de império foi desenvolvida por Jellinek. Segundo esse
critério, o direito privado regulamenta relações de indivíduos particulares, enquanto o direito público
regulamenta relações e organização de entes dotados de poder de império, tanto uns com os outros, quanto dos
entes com particulares. A crítica a essa tese é que nem sempre o Estado participa de relações jurídicas na
qualidade de Estado, fazendo valer seu poder de império. Num contrato de locação ou de seguro, por exemplo, o
particular não está em situação muito diferente do Estado enquanto parte contratual (DINIZ, 2001, p. 251). O
critério que classifica direito privado e direito público segundo as noções de relação de coordenação e
subordinação aparece em Telles Jr., em Gurvitch e também em Radbruch (2010) (DINIZ, 2001, p. 252).
Fique de olho
Uma relação jurídica de coordenação é uma relação em que as duas partes se encontram no
mesmo patamar, sem que uma esteja submetida à outra, tratando-se de igual para igual.
Contrariamente, numa relação jurídica de subordinação, uma das partes encontra-se em
situação de inferioridade, ou seja, subordinada à outra. Isso pode se justificar em função dos
interesses representados pela parte que está no polo superior da relação, ou seja, o Estado, que
é representante dos interesses de toda a sociedade política, responsável por promover o bem
comum, terá o poder de mando nas relações com indivíduos particulares.
Segundo essa teoria, portanto, o direito privado seria caracterizado por relações jurídicas de coordenação,
enquanto o direito público seria caracterizado por relações jurídicas de subordinação. Essa teoria parece
abranger aspectos de algumas das outras, como, por exemplo, a delimitação do interesse envolvido na relação
jurídica e o poder de império do Estado para justificar a subordinação do particular a normas cogentes e à
coercibilidade.
Ainda assim, surge a crítica de que o direito internacional não é contemplado pela teoria das relações de
coordenação e subordinação. Embora seja tradicionalmente classificado como direito público, o direito
internacional não se caracteriza por relações de subordinação. Por envolver questões relacionadas à soberania,
dificilmente será possível o exercício do poder de império no direito internacional, em que predominam relações
Maria Helena Diniz defende que hodiernamente predomina o critério do elemento diferenciador no sujeito ou
titular da relação jurídica, numa conjugação de fatores objetivos e subjetivos. Esse critério levaria à classificação
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apresentada acima, segundo as quais direito público é aquele que “regula as relações em que o Estado é parte, ou
seja, rege a organização e atividade do Estado considerado em si mesmo, em relação com outro Estado e em suas
relações com os particulares, quando procede em razão de seu poder soberano e atua na tutela do bem coletivo”
e direito privado é aquele que “disciplina as relações entre particulares, nas quais predomina, de modo imediato,
o interesse de ordem provada, como compra e venda, doação, usufruto, casamento, testamento, empréstimo etc”
A maioria dos juristas entende ser impossível uma solução absoluta ou perfeita do problema da
distinção entre direito público e privado. Embora o direito objetivo constitua uma unidade, sua
divisão em público e privado é aceita por ser útil e necessária, não só sob o prisma da ciência do
direito, mas também do ponto de vista didático. Todavia, não se deve pensar que sejam dois
público e as de direito privado, pois intercomunicam-se com certa frequência (DINIZ, 2001, p. 254).
A respeito dessa intercomunicação, temos exemplos explícitos quando examinamos algumas normas de direito
do trabalho, de direito do consumidor e de direito de família. Esses três ramos encontram-se classificados como
Não obstante serem relações privadas, o Estado tem interesse em interferir e regulamentar mais incisivamente
alguns aspectos dessas relações para garantir que o interesse comum seja observado, além de buscar proteger as
respectivamente). Essa postura é reflexo do modelo de Estado adotado e resultado das mudanças políticas que
acontecem ao longo do tempo e não significam, necessariamente, que existe homogeneidade quanto ao grau de
Machado (1981) observa, em excelente síntese, que a dimensão sociológica existe tanto no direito público,
quanto no direito privado, eles têm como fundamento último a pessoa humana, visando à realização de ideais de
igualdade e liberdade; que “se o privado e o público se acham, pois, em planos diferentes, não se opõem um ao
outro, do ponto de vista social e da livre expansão da personalidade. Daí porque não se devem dissociar, e de fato
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A preservação da tradicional dicotomia, apesar de todos os fatores já elencados, é de ordem metodológica. Por
mais que haja comunicação entre os ramos do direito, seu estudo será realizado de acordo com sua metodologia
Temos, assim, a possibilidade de destacar o conceito apresentado por Maria Helena Diniz (2001, p. 275-277)
como minimamente consensual a respeito de cada um dos ramos do direito, público e privado:
Direito estatais, com o escopo de atingir fins sociais e políticos ao regulamentar a atuação
administrativo governamental, a execução dos serviços públicos, a ação do Estado no campo econômico,
Direito Rege a atividade do Poder Judiciário e dos que a ele requerem ou perante ele litigam,
Direito penal penas, com as quais o Estado mantém a integridade da ordem jurídica, mediante sua
Direito
Consiste no conjunto de normas consuetudinárias e convencionais que regem as relações,
internacional
diretas ou indiretas, entre Estados e organismos internacionais.
público
Direito
Regulamenta as relações do Estado com cidadãos pertencentes a outros Estados, dando
internacional
soluções para os conflitos de leis no espaço.
privado
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Direito civil Rege as relações familiares, patrimoniais e obrigacionais que se formam entre indivíduos
Podemos afirmar que embora a dicotomia não seja perfeita e a delimitação entre direito público e direito
privado não seja totalmente clara em boa parte do ordenamento, existe relevância e importância prática em sua
manutenção. O aspecto metodológico da abordagem dos ramos do direito positivo ficaria sobremaneira
prejudicado não fosse a possibilidade de agrupamento dicotômico que nos foi legada pelo Direito Romano.
investigação, não apenas as jurídicas. São termos que têm origem no idioma grego e cujos significados já indicam
de forma bastante clara o que cada um dos enfoques implica. Qualquer problema que se investigue pode ser
abordado com mais ênfase no problema da pergunta ou no problema da resposta, isso significa dizer que
qualquer problema que se investigue pode ser abordado sob uma perspectiva dogmática ou sob uma perspectiva
Já empregamos anteriormente o adjetivo “dogmática” para fazer referência ao fenômeno jurídico quando
A palavra “zetética” vem da palavra grega zetein, que significa perquirir, indagar.
Já a palavra “dogmática” vem da palavra grega dokein, que significa ensinar, doutrinar.
Por isso falamos em dogmas como algo inquestionável. As questões dogmáticas têm função diretiva e são finitas,
pois possuem uma relação mais estreita com o mundo do ser. As questões zetéticas têm funções especulativas e
são infinitas, pois possuem uma relação mais estreita com o mundo do dever-ser. (FERRAZ JR., 2013).
central entre essas duas abordagens é a forma de encarar esse ponto de partida. Enquanto as investigações
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zetéticas partem de evidências, as investigações dogmáticas partem de dogmas. A solidez desses pontos de
partida não é a mesma. Uma evidência é uma premissa considerada verificável e comprovável, mas não
inquestionável. Já um dogma é, sim, inquestionável, pelo simples fato de ter assim sido estabelecido por um ato
Assim como possuem enfoques diferentes, zetética e dogmática possuem consequências diferentes. A
investigação zetética tem objetivo especulativo, enquanto a investigação dogmática tem por objetivo um agir,
uma tomada de posição, de decisão, uma busca de resposta segura e suficientemente definitiva:
A primeira [zetética] não se questiona, porque admitimos sua verdade, ainda que precariamente,
embora sempre sujeita a verificações. A segunda [dogmática], porque, diante de uma dúvida,
seríamos levados à paralisia da ação: de um dogma não se questiona não porque ele veicula uma
verdade, mas porque ele impõe uma certeza sobre algo que continua duvidoso (FERRAZ JR., 2013, p.
18).
A zetética jurídica em especial, é, então, uma aplicação da abordagem zetética a temas jurídicos. Vale dizer que a
zetética investiga o direito no âmbito de outras disciplinas como o da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia,
da História, da Filosofia, da Ciência Política, e etc. Essas disciplinas gerais se relacionam estreitamente com o
direito e por isso há implicações recíprocas entre essas disciplinas e o fenômeno jurídico. (FERRAZ JR., 2013)
A zetética jurídica é especulativa e não tem um compromisso com a criação de condições para a decisão e a
solução de conflitos, como vimos anteriormente a respeito do problema central da dogmática jurídica (que é a
Ferraz Jr. aponta limites zetéticos que derivam da existência de pressupostos que orientem a investigação. Isso
implica a existência de investigações zetéticas realizadas no nível empírico (dentro da experiência) ou para além
dele, analiticamente (lógica, teoria do conhecimento); é possível, ainda, conduzir a investigação com sentido
puramente especulativo ou produzindo resultados para aplicação técnica à realidade (FERRAZ JR., 2013).
Dessa maneira temos que a zetética jurídica subdivide-se analítica e empírica, que, por sua vez, subdividem-se
em pura ou aplicada.
Temos, assim, um total de quatro categorias: zetética jurídica analítica pura, zetética jurídica analítica
Cuida dos pressupostos últimos e condicionantes e da crítica dos fundamentos formais e materiais do
fenômeno jurídico e de seu conhecimento. São exemplos das disciplinas que se classificam como zetética
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jurídica analítica pura a Filosofia do direito, a Lógica formal das normas, a Metodologia jurídica (FERRAZ
JR., 2013).
disciplinas que se classificam como zetética jurídica analítica aplicada, exemplificativamente, são a
atitudes). São exemplos de disciplinas que se classificam como zetética jurídica empírica pura a
Cuida do direito como instrumento que atua socialmente dentro de certas condições sociais e tem por
A dogmática jurídica considera certas premissas em si e por si arbitrárias, como vinculantes para o estudo e
renuncia ao postulado da pesquisa em nome de um compromisso com a decidibilidade. Rege-se pelo princípio da
proibição da negação, ou seja, seus pontos de partida (premissas) ou dogmas não podem ser negados. Isso não
quer dizer que a dogmática se reduza a esse princípio, mas sim que ela depende dele. O que equivale a dizer que
o conhecimento dogmático do direito parte de dogmas que não podem ser negados, mas não que trabalha com
certezas. Muito pelo contrário, em consequência das normas serem elaboradas e postas com o objetivo de
regular as relações e a convivência humana de forma ordenada e ética, o seu papel é tentar eliminar incertezas.
Os dogmas, então, são uma forma de estabilizar a incerteza em abstrato, mas isso não gera, por si só, nenhuma
certeza. Assim, diante de uma situação de aplicação da norma ou de análise quanto a qual norma deve ser
aplicada ou interpretação quanto à extensão da aplicação da norma, o ponto de partida é a norma, o dogma, e
este não pode ser negado, mas a situação em si é de incerteza. O que a dogmática faz é tornar as incertezas
controláveis “de modo que elas sejam compatíveis com duas exigências centrais da disciplina jurídica: a
vinculação às normas, que não podem ser ignoradas, e a pressão para decidir os conflitos, pois para eles tem-se
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2.1 Zetética jurídica e ensino jurídico
O ensino jurídico e a atuação do jurista, de forma geral, dão mais ênfase à dogmática jurídica. O aspecto
dogmático acaba prevalecendo tanto pelo volume de conteúdo teórico a ser superado no tempo de duração
curso, fazendo com que a maior parte das disciplinas sejam de cunho dogmático, quanto porque existe uma
cobrança do mercado de trabalho por profissionais que sejam capazes de se desvencilhar o mais rápido possível
dos desafios que se lhes apresentam. Isso tem por consequência a especialização excessiva dos juristas, numa
formação universitária fechada e formalista. Após algumas poucas disciplinas de caráter zetético no início do
curso, o ensino jurídico, tradicionalmente, reveste-se, gradativamente, de dogmática. No entanto, cabe o alerta de
que a dogmática não pode se distanciar ou ignorar a zetética para que não se reduza a uma visão acrítica do
A Resolução do MEC que trata do Projeto Político-pedagógico do Curso (PPC), em vigor desde 2004, estabelece a
Eixo de Formação Fundamental tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as
relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam
conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História,
Além disso, prevê, no inciso seguinte, o chamado eixo de formação profissional, com o cuidado de destacar que
segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e
As diretrizes, portanto, são de que o curso seja conduzido de forma a não aniquilar a zetética dentro de
conteúdos dogmáticos, mas, antes, pelo contrário, que ela seja também o fio condutor das discussões, para além
do enfoque dogmático, como destacado no trecho citado. Uma compreensão profunda do fenômeno jurídico e da
ciência do direito exige ambos os enfoques, simultanea e complementarmente, como afirma Roesler (2003):
Um ensino jurídico ou uma educação jurídica, como mais apropriadamente deve-se considerar a
nossa tarefa enquanto professores, já que não apenas “ensina-se” alguns conteúdos mas pretende-se
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“formar” um profissional do Direito com um conjunto de habilidades e qualidades, precisa levar em
conta a constante relação entre estes enfoques. Se se privilegiar o enfoque zetético, não se estará
atendendo ao caráter de orientação da ação que o profissional do Direito terá de cumprir e que a
Sociedade lhe irá exigir. Se, ao contrário, a ênfase for pura e simplesmente dogmática, formar-se-á
um profissional incapaz de inovar e recriar o Direito na medida das transformações sociais, eis que
Uma educação jurídica nesses termos requer esforços tanto da parte docente quanto da parte discente, pois não
expositivas e nenhum espaço para reflexão. O emprego de metodologias ativas de ensino-aprendizagem não é
ainda familiar para boa parte do corpo docente em atuação hoje e, consequentemente, é desconhecido também
de boa parte dos estudantes. Sua introdução tem acontecido lentamente nos cursos de Direito e nem sempre é
bem vista, justamente porque demanda postura ativa do corpo discente também, que deverá estar mais
A conjugação permanente de dogmática e zetética no ensino do direito é imperativa e demanda uma articulação
dialogada entre o eixo de formação fundamental e o eixo de formação profissional. Docentes do eixo de formação
fundamental precisam conhecer a dogmática e se valer dela para dar exemplos concretos e reafirmar a
importância dos conteúdos ali trabalhados; e docentes do eixo de formação profissional precisam conhecer a
zetética e dela se valer para promover reflexões e questionamentos a respeito dos conteúdos dogmáticos
abordados; sob pena de se formarem juristas incapazes de realizar suas funções sociais precípuas.
A dogmática analítica assume, dentro da sociedade contemporânea, uma função social de neutralização política e
econômica, fruto da necessidade de estabilização de relações de conflito que é o problema central do direito.
Uma decisão jurídica comporta, portanto, não apenas a função de colocar fim ao conflito em si, mas de evitar
uma série de outros conflitos que poderiam advir daquele que se encerra. No entanto, para fazer isso, é
necessário fazer uma simplificação dogmática da situação concreta. Sem isso, o tempo necessário para cada
conflito seria impraticavelmente longo. Por exemplo, num conflito em que estão envolvidos, de um lado, a
prefeitura municipal de uma cidade e uma senhora que quebrou a perna ao cair num bueiro destampado, a
análise dogmática abrange apenas os fatos objetivamente: houve um acidente? Quais os prejuízos materiais
foram comprovados? Existe responsabilidade objetiva por parte da prefeitura? Por mais que se pretenda incluir
na demanda os fatores emocionais relacionados, juridicamente falando não há nada que possa ser feito quanto a
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isso exceto sua conversão em danos morais, uma sanção de cunho patrimonial visando a compensar pelo dano
emocional sofrido.
Fique de olho
A dogmática, por sua própria natureza, precisa ignorar determinadas discussões (que podem
até ser válidas e legítimas do ponto de vista da realidade) para focar no que é possível ser
depurado e encontrar uma forma de solucionar o conflito. É feita, então, uma “neutralização do
conflito em termos de ele não ser tratado em toda a sua extensão concreta, mas na medida
necessária a sua decidibilidade com um mínimo de perturbação social” (FERRAZ JR., 2013).
A visão dogmática da realidade, embora seja relativamente eficiente, tem um papel social que transita
permanentemente no limiar do perigo. O direito encarado como dogma sem o equilíbrio e a sensibilidade social
do aspecto zetético encerra o risco de se distanciar demasiadamente da realidade. Existe um poder muito grande
associado à elaboração e à aplicação do direito. Exercer essas funções de forma estritamente dogmática,
fechando completamente os olhos à realidade social, pode ter como consequência a não realização do que é
Após os eventos históricos que consagraram o chamado positivismo jurídico, estabelece-se uma concepção do
direito como norma dentro de um ordenamento que é entendido como um sistema completo, capaz de trazer
respostas a todo e qualquer conflito surgido na sociedade. Essa forma de encarar o direito deriva de uma busca
direito que, em tese, se reduz a um catálogo de normas preexistentes, das quais deverá sair a fundamentação
para toda decisão jurídica prolatada. Não é possível nem aceitável juridicamente trazer fundamentos de
Para quando o ordenamento não tem uma resposta clara, são previstos mecanismos que possibilitarão
contornar essa lacuna de forma a demonstrar que nunca houve lacuna. Ou, como afirmou Ferraz Jr., “eventuais
incongruências ou tratadas como exceções (natureza híbrida) ou contornadas por ficções” (FERRAZ JR., 2013, p.
57). Essa dinâmica de aplicação do direito, já enraizada na nossa cultura, toma o ordenamento como um dado
pronto e recebido pelo jurista, que deverá identificar qual a norma aplicável e quais as condições para sua
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Podemos dizer, nesse sentido, que a ciência dogmática do direito costuma encarar seu objeto, o
direito posto e dado previamente, como um conjunto compacto de normas, instituições e decisões
que lhe compete sistematizar, interpretar e direcionar, tendo em vista uma tarefa prática de solução
de possíveis conflitos que ocorram socialmente. O jurista contemporâneo preocupa-se, assim, com o
direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso em suas determinações,
orientado para uma ordem finalista, que protege a todos indistintamente. (FERRAZ JR., 2013, p. 57).
A justificação da norma, ou discussão quanto a sua validez, passa pela determinação da relação entre a aplicação
da norma propriamente dita e as consequências que isso acarretará. Existem teorias defendidas por muitos
juristas e filósofos (como Immanuel Kant, Hans Kelsen, Richard Hare, Robert Alexy, Jürgen Habermas, Klaus
Günther) a respeito da existência ou não de uma separação entre os discursos de justificação e os discursos de
aplicação da norma, que passam pelo profundo debate que ainda existe sobre a relação entre direito e moral e a
fundamentação do direito em princípios morais. Discutir se a validade da norma está ou não submetida às suas
condições de aplicação é discutir o modo de concepção do ordenamento jurídico dos últimos dois séculos. Diante
de uma teoria do ordenamento que se sustenta sob as frágeis e fictícias ideias de completude e coerência, a
pergunta latente quanto à aplicação da norma é se é realmente possível prever todas as situações de aplicação.
é isso Aí!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• conceituar o direito público e o direito privado;
• entender a definição de direito positivo;
• ler sobre labor, trabalho e ação como âmbitos do público e do privado, além de sua importância para os
ramos do Direito;
• compreender questões sobre zetética jurídica e dogmática jurídica.
• estudar a relação de subordinação e coordenação como critérios dogmáticos;
Referências
ARENDT, H. The human condition. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, 1958.
BRASIL. MEC. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES N° 9, de 29
nov. 2019.
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DINIZ, M. H. Compêndio de introdução à ciência do direito: introdução à teoria geral do direito, à filosofia do
direito, à sociologia jurídica e à lógica jurídica, norma jurídica e aplicação do direito. 14. ed. São Paulo: Saraiva,
2001.
FERRAZ JR., T. S. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo:
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MAGALHAES, T. C. A atividade humana do trabalho [labor] em Hannah Arendt. Revista Ética e Filosofia Política.
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