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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Caio Cesar di Gesu Janguas

Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George


Boole no contexto de algebrização da Lógica no século XIX

Mestrado em Educação Matemática

São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP

Caio Cesar di Gesu Janguas

Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo” proposta por George Boole no


contexto de algebrização da Lógica no século XIX

Mestrado em Educação Matemática

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Educação Matemática, sob a
orientação do Prof. Dr. Fumikazu Saito.

São Paulo
2019
Autorizo exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total
ou parcial desta Dissertação de Mestrado por processos de fotocopiadoras ou
eletrônicos.
Assinatura:______________________________________________________
Data: 19/03/2019
e-mail: caio.janguas@gmail.com

Janguas, Caio Cesar di Gesu


Um estudo sobre a “lógica do pensamento dedutivo”
proposta por George Boole no contexto de
algebrização da Lógica no século XIX / Caio Cesar di
Gesu Janguas. -- São Paulo: [s.n.], 2018.
112p. ; cm.
Orientador: Fumikazu Saito.
Dissertação (Mestrado em Educação:Matemática)-- Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, Programa de
Estudos Pós-Graduados em Educação:Matemática, 2018.
1. História da Matemática. 2. História da Lógica. 3.
George Boole. 4. Lógica. I. Saito, Fumikazu. II.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Programa de Estudos Pós-Graduados em
Educação:Matemática. III. Título.
Banca Examinadora:

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________
Aos meus pais, que me criaram com dignidade,
liberdade e sabedoria.
O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
Brasil (CNPq) – Código de Financiamento 134261/2017-8.

This study was financed in part by the Conselho Nacional


de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil
(CNPq) – Finance Code 134261/2017-8.
AGRADECIMENTOS

Agradeço por tudo, em primeiro lugar, a Deus.

Ao meu professor orientador, Fumikazu Saito, que com muita paciência


identificou meu ritmo de produção e com muito esforço fez com que este trabalho
chegasse ao final. Sem a sua orientação e apoio eu certamente não teria chegado
até aqui.

Aos participantes da banca examinadora, Prof. Dr. Gabriel Loureiro de Lima e


Profa. Dra. Ana Carolina Costa Pereira, por aceitarem o convite de participação na
banca e pelas suas excelentes contribuições dadas na qualificação deste trabalho.

Aos professores que tive durante o curso, que me ajudaram a desenvolver as


características necessárias para ser um pesquisador.

A meus colegas de turma, Ênio, Jami, Lilian e Simone, que com muita
descontração fizeram os últimos dois anos e meio serem mais leves, e também aos
outros colegas que cursaram disciplinas comigo.

Aos colegas do grupo HEEMa, Alexandre, Adriana, Armando, Ênio e Jorge,


que participaram de riquíssimas discussões nas tardes de segunda-feira.

A meus pais, pelo apoio que sempre tive.

À minha namorada, Ana Luísa, por estar ao meu lado em todos os momentos.

A todos aqueles que tiveram paciência para ouvir um resumo desta pesquisa
sempre que me perguntavam do que ela se tratava.

Finalmente, à CNPq, que contribuiu com uma bolsa de estudos para que este
trabalho pudesse ser realizado.
Nam et si ambulavero in valle umbrae mortis, non timebo mala, quoniam tu mecum es.
(Psalmus, 23:4)

The greater our knowledge increases the more our ignorance unfolds.
(John F. Kennedy)
RESUMO

Neste trabalho, discorremos sobre a elaboração da “lógica do pensamento dedutivo”


proposta por George Boole (1815 – 1864), apontando para alguns aspectos ligados
ao processo de “algebrização” da lógica de forma a abordar com mais detalhes o
seu contexto de elaboração. Para tanto, realizamos um estudo do tratado
Mathematical Analysis of Logic: Being na Essay of the Deductive Reasoning,
publicado em 1847, sobre o qual incidimos análises específicas, considerando
aspectos epistemológicos e contextuais. Assim, esse estudo procurou, de um lado,
apresentar as razões que motivaram Boole a “algebrizar o pensamento” e,
consequentemente, a Lógica clássica, que ele considerava ser a lógica do raciocínio
dedutivo e do intelecto humano e, de outro, explicar e comentar como ele procedeu
para algebrizar a lógica, concluindo que a proposta de Boole, consequentemente,
acabou deslocando a Lógica do campo de investigação da Filosofia para o da
Matemática. A pesquisa aqui delineada procurou apresentar questões de ordem
histórica, matemática e epistemológica, pautada numa vertente historiográfica
atualizada, que pode servir de base para a produção de material bibliográfico para a
reflexão do educador matemático e do professor.

Palavras-chave: História da Matemática, História da Lógica, Educação Matemática,


George Boole, Lógica.
ABSTRACT

In this work, we discuss the elaboration of the "logic of deductive reasoning"


proposed by George Boole (1815 - 1864), pointing to some aspects related to the
process of "algebrization" of logic in order to approach its elaboration context in more
detail. In order to do so, we carried out a study of the treatise Mathematical Analysis
of Logic: Being in Essay of the Deductive Reasoning, published in 1847, on which we
focused specific analyzes, considering epistemological and contextual aspects. On
the one hand, this study sought to present Boole's reasons for "algebraizing the
thought" and, consequently, the classical logic, which he considered to be the logic of
deductive reasoning and human intellect and, on the other hand, to explain and
comment on how he proceeded to algebraize logic, concluding that Boole's proposal
consequently ended up shifting the Logic from the research field of Philosophy to that
of Mathematics. The research presented here sought to present historical,
mathematical and epistemological questions, based on an updated historiographic
perspective, which can serve as a basis to produce bibliographical material for the
reflection of the mathematical educator and the teacher.

Keywords: History of Mathematics, History of Logic, Mathematical Education,


George Boole, Logic.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Retrato de George Boole adulto ..................................................................................................... 27


Figura 2 - Mapa da Inglaterra ........................................................................................................................... 28
Figura 3 - Quadrado dos Opostos .................................................................................................................... 45
Figura 4 – Frontispício original do tratado The Mathematical Analysis of Logic ....................................... 59
Figura 5 - Exemplo da visão geral do processo que torna a lógica possível, segundo Boole ................ 66
Figura 6 - Exemplo para elucidar os itens (i.), (ii.) e (iii.) dos elementos da álgebra de Boole............... 70
Figura 7 - Representação do exemplo que mostra a peculiaridade da álgebra da lógica. ..................... 78
Figura 8 - Universo do Exemplo 1.................................................................................................................... 79
Figura 9 - Universo do Exemplo 2.................................................................................................................... 79
Figura 10 - Multiplicação do Exemplo 1. ......................................................................................................... 80
Figura 11 - Multiplicação do Exemplo 2. ......................................................................................................... 81
Figura 12 - Lei Distributiva do Exemplo 1. ...................................................................................................... 82
Figura 13 - Lei Distributiva do Exemplo 2. ...................................................................................................... 84

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Exemplos de proposições e não-proposições. .......................................................................... 42


Quadro 2 - Figuras de silogismo. ..................................................................................................................... 51
Quadro 3 - Versos mnemônicos. ...................................................................................................................... 53
Quadro 4 - Álgebra de Boole para as Proposições Categóricas. ................................................................ 88
Quadro 5 - Figuras de Silogismos segundo Boole. ....................................................................................... 91
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................11
1.1 CONTEXTO E PROBLEMA............................................................................................................................ 11
1.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .......................................................................................................... 17
1.3 HISTÓRIA DA M ATEMÁTICA E EDUCAÇÃO M ATEMÁTICA .......................................................................... 22
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO .............................................................................................................. 24
2. VIDA, OBRA E OS CONTEXTOS MATEMÁTICO E LÓGICO NOS QUAIS ESTAVA INSERIDO
GEORGE BOOLE ........................................................................................................................................27
2.1 VIDA, OBRA E CONTEXTO MATEMÁTICO ..................................................................................................... 27
2.2 CONTEXTO DA LÓGICA............................................................................................................................... 37
2.2.1 Embates entre a Filosofia e a Matemática ................................................................................... 38
2.2.2 A lógica aristotélica .......................................................................................................................... 40
2.2.2.1 Proposições .................................................................................................................................................41
2.2.2.2 Silogismos ...................................................................................................................................................46

3. ALGUNS ASPECTOS DA LÓGICA DE BOOLE EM SUA OBRA THE MATHEMATICAL


ANALYSIS OF LOGIC: BEING AN ESSAY TOWARDS A CALCULUS OF DEDUCTIVE
REASONING ................................................................................................................................................57
3.1 MOTIVAÇÕES E OBJETIVOS ........................................................................................................................ 58
3.2 TRATANDO ALGEBRICAMENTE O PENSAMENTO ........................................................................................ 67
3.3 BOOLE E A ALGEBRIZAÇÃO DAS PROPOSIÇÕES........................................................................................ 85
3.4 BOOLE E A ALGEBRIZAÇÃO DOS SILOGISMOS ........................................................................................... 90
3.4.1 A visão de Boole sobre silogismos ........................................................................................ 90
3.4.2 O método de Boole .................................................................................................................. 94
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................................................99
REFERÊNCIAS ..........................................................................................................................................103
APÊNDICES ...............................................................................................................................................107
APÊNDICE A – ALGUNS CURSOS QUE POSSUEM ÁLGEBRA DE BOOLE COMO CONTEÚDO DE ALGUMA
DISCIPLINA ...................................................................................................................................................... 107

ANEXOS .....................................................................................................................................................108
ANEXO A – TRABALHOS PUBLICADOS DE GEORGE BOOLE ....................................................................... 108
11

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho é o resultado final de uma pesquisa elaborada no Programa de


Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na área de
Educação Matemática, intitulado Um estudo sobre a “Lógica do Pensamento
Dedutivo” proposta por George Boole no contexto de algebrização da lógica no
século XIX. Mais especificamente, é uma dissertação que foi defendida no dia 19 de
março de 2019.
De forma geral, esta dissertação se inclui na área de História da Matemática e
faz um estudo sobre a proposta feita por George Boole, matemático inglês do século
XIX, de inserir elementos algébricos na Lógica, ou seja, de tentar reescrever a
Lógica em uma linguagem Matemática, que o autor cria ser menos passível de erros
e incertezas. A primeira proposta dessa “algebrização” foi escrita em 1847, em seu
tratado intitulado The Mathematical Analysis of Logic: Being an Essay of the
Deductive Reasoning, documento principal de embasamento de nossa pesquisa.
Procuramos abordar alguns aspectos da algebrização proposta por Boole, de
forma a compreendermos com mais detalhes tudo o que a envolveu: sejam suas
razões, suas motivações, o que ela representava para a época, o que ela representa
hoje, o que estava em jogo, dentre outros pontos que serão discutidos no decorrer
deste trabalho.

1.1 Contexto e problema

George Boole foi, segundo MacHale (2014), um matemático inglês do século


XIX que nasceu no condado de Lincolnshire (aproximadamente 193 km ao norte de
Londres) no dia 2 de novembro de 1815, filho de pai sapateiro e mãe empregada
doméstica. Foi o primogênito de quatro irmãos e desde sua adolescência foi o
principal provedor de sua casa, trabalhando como professor e posteriormente
abrindo sua própria escola. Acabou se interessando por Matemática e Lógica, áreas
do conhecimento que foram temas de seus principais artigos e tratados. Aos 33
anos de idade, em 1849, mesmo sem ter cursado o ensino superior, Boole foi eleito
o primeiro professor de Matemática da Queen’s College, em Cork, no Sul da Irlanda
(aproximadamente 220 km a sudoeste de Dublin) – cargo que manteve até sua
12

precoce morte, aos 49 anos, no dia 8 de dezembro de 1864. Suas conclusões


matemáticas hoje são base para o que se chama de “álgebra booleana”, estudada
principalmente em cursos relacionados à computação e à eletrônica.
Criado o interesse de estudar um pouco mais sobre Boole, fizemos um breve
estudo sobre os seus trabalhos publicados1, e foi fácil perceber quais eram alguns
de seus principais campos de investigação na Matemática: equações diferenciais2,
diferenças finitas3 e probabilidade4. São inúmeras suas publicações nessas áreas,
porém hodiernamente George Boole é mais conhecido pelos seus dois trabalhos em
Lógica, intitulados Mathematical Analisys of Logic e The Laws of Thought, que foram
publicados, respectivamente, em 1847 e em 1854, cujos desdobramentos
culminaram na álgebra booleana como a conhecemos hoje, largamente utilizada em
circuitos digitais.
Apesar de sua grande participação no desenvolvimento da Matemática e da
Lógica no século XIX, percebemos que os livros de História da Matemática em geral
dão pouca ênfase aos trabalhos lógicos de Boole e quase nenhum estudo é
dedicado aos seus trabalhos matemáticos, ao passo que nos livros específicos de
História da Lógica ou de História da Filosofia (que apresentam uma parte destacada
para o desenvolvimento da Lógica) Boole já aparece como uma figura importante,
sendo muitas vezes a ele atribuída a responsabilidade de ter sido um dos
“fundadores da lógica formal”5.
À exceção de alguns livros de História da Matemática que geralmente têm
uma grande seção específica sobre o desenvolvimento da Álgebra ou da
Matemática inglesa no século XIX, como são os casos dos estudos de Z.A.
Kuzicheva (1992), que apresenta um capítulo inteiro sobre o desenvolvimento da
Lógica no século XIX, Anice Seybold (1993), que traz um capítulo sobre a álgebra
booleana, e E.T. Bell (1986), que dedica um capítulo inteiro de sua obra para a
apresentação da vida e obra de Boole, há pouco material de História da Matemática
geral dedicado a Boole e seus estudos em Lógica e em Matemática. Esses livros
tratam de aspectos mais gerais da História da Matemática, dando uma visão mais

1 Para ver lista completa dos trabalhos publicados de Boole, vide ANEXO A.
2 São equações que a incógnita é uma função que aparece por meio de suas respectivas derivadas.
3 Utilizadas para resolução de equações diferenciais.
4 Ramo da Matemática que estuda as chances de ocorrência de experimentos.
5 Como pode ser visto em Neto [19--?], Kneale e Kneale (1962), Houser (1994), Babini (1967) e

Blanché (1985).
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panorâmica do desenvolvimento desta ciência. Alguns deles, de fato, foram


traduzidos para a língua portuguesa e estão disponíveis para os professores.
Quando consultamos, por exemplo, Howard Eves (2004), autor de um dos
livros mais difundidos mundialmente sobre História da Matemática, intitulado
Introdução à História da Matemática, notamos que ele escreve um parágrafo sobre
Boole dentro da seção “Hamilton, Grassmann, Boole e De Morgan”, no qual
apresenta data e lugar de seu nascimento e morte e cita seus quatro tratados
publicados: dois tratados de lógica e outros dois tratados em matemática pura, e um
pequeno parágrafo na seção “Lógica Matemática” observando que seus dois
tratados sobre lógica fizeram ressurgir, na época em que foram escritos, o interesse
pela lógica simbólica.
Já o livro de Carl B. Boyer (1996), intitulado História da Matemática, outro livro
referência em História da Matemática utilizado pelos educadores matemáticos,
dedica a Boole duas páginas e meia, nas quais apresenta uma breve biografia e as
ideias gerais de seus dois tratados de lógica e menciona um de seus tratados sobre
equações diferenciais. Do mesmo modo que Boyer, Nathan Houser (1994), em duas
páginas e meia dedicadas a Boole, traz uma breve biografia e uma pequena
apresentação das ideias principais contidas em seus dois tratados de lógica, porém
sem citar suas outras contribuições para a matemática.
Um outro livro de História da Matemática muito difundido entre os educadores
matemáticos é o History of Mathematics, escrito por Victor J. Katz (1993). Katz é
ainda mais sucinto ao escrever sobre Boole, disponibilizando em seu livro uma
página e meia para tratar do assunto, apresentando-o como um lógico (e não como
um matemático) e expressando ao leitor resumidamente as principais ideias que
desenvolveu em seus dois tratados de lógica. Do mesmo modo, em Historia de las
Ideas Modernas em Matematica, Jose Babini (1967) dedica apenas uma única
página a Boole, apresentando-o como logicista. Vale aqui ressaltar, entretanto, que
esse é o único livro por nós consultado que apresenta uma imagem de Boole.
Consultamos também outros livros de História da Matemática e alguns deles
sequer mencionam a existência de Boole como um personagem que contribuiu para
o desenvolvimento da Matemática, como são os casos de Roque (2012), Fauvel e
Gray (1987) e Stillwell (1989), e outros basicamente apresentam alguns trabalhos
que ele escreveu (sempre entre estes estão seus dois tratados de lógica), não sendo
14

utilizada mais do que uma única página para falar de suas publicações, como são os
casos de Gregory H. Moore (1987), David Eugene Smith (1958) e também Ivor
Grattan-Guinness (1997). É possível que alguns destes autores citados, se não
todos, podem ter escrito seus livros baseados numa historiografia mais tradicional,
que não leva em conta algumas questões de História. Explicaremos melhor adiante.
É fácil perceber que Boole recebe mais atenção em livros de História da
Lógica e livros de História da Filosofia. Isso talvez se deva ao fato de ele ser
considerado mais um filósofo da Lógica do que um logicista6 em si, como aponta
Corcoran (2003, p.284): “George Boole (...) é classificado ainda mais como filósofo
da lógica do que como lógico”. Dentre alguns desses livros em que ele aparece
como figura mais relevante, vale citar três. O primeiro deles, intitulado O
Desenvolvimento da Lógica, de William Kneale e Marta Kneale (1962), dedica um
vasto capítulo para apresentar a vida de Boole e explicita as conclusões que ele
alcança em seus dois tratados sobre lógica, incluindo alguns exemplos. O segundo,
História da Lógica de Aristóteles a Bertrand Russel, de Robert Blanché (1985), traz
as ideias de Boole contextualizadas em sua época, apresentando também suas hoje
descobertas limitações. E o terceiro, Boole’s Logic and Probability, de Theodore
Hailperin (1986), apresenta na sua introdução uma rápida biografia de Boole e trata
em todos os seis capítulos de ideias e conclusões lógicas de Boole, explicando-as
com exemplos e demonstrações, além de mostrar as mudanças que nelas
ocorreram para se chegar na lógica moderna.
Em um levantamento bibliográfico preliminar, notamos que são poucos os
estudos em língua portuguesa relacionados à história da matemática que tratam
sobre Boole ou sobre seus trabalhos acerca da lógica. A maioria dos livros
disponíveis estão no idioma inglês, sem tradução para o português. Para esta
pesquisa, inicialmente, decidimos verificar se existiam teses ou dissertações focadas
em Boole. Para tal, consultamos o banco digital de teses e dissertações da CAPES,
procuramos pelo verbete “Boole” e encontramos apenas 24 resultados. Desses 24,
refinamos nossa busca procurando os que tinham a palavra “Boole” ou “booleana”
no título, resultando apenas em 4 trabalhos. Desses quatro, dois eram focados na
aplicação da álgebra booleana em circuitos digitais, estando no universo das

6 Quem pratica o logicismo - um lógico.


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Ciências da Computação e Engenharia de Computação, e não no universo da


Educação Matemática e História da Matemática.
Dos dois resultados restantes, um deles tem como documento principal o
segundo tratado de lógica de Boole, The Laws of Thought, que não é nossa escolha
para esta pesquisa. A dissertação intitulada Alguns aspectos da contribuição do
pensamento de George Boole para a contemporaneidade foi defendida por Márcio
Galvão Ribeiro em 2005 no programa de História da Ciência da PUC-SP e tem um
foco diferente do que apresentaremos em nossa pesquisa. Ela aborda o tema com
uma perspectiva mais tradicional, linear e progressista7 da história.
Já o outro resultado apresenta uma análise do primeiro tratado de lógica
escrito por Boole, The Mathematical Analysis of Logic (obra que também adotamos
como documento principal de estudo neste trabalho). Trata-se da dissertação
intitulada Uma reavaliação do pensamento lógico de George Boole à luz da história
da matemática, defendida em 2005 por Giselle Costa de Sousa no programa de pós-
graduação em Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, que tem como objetivo “fazer uma reavaliação do
pensamento lógico de George Boole frente aos acontecimentos históricos de sua
época.” (SOUSA, 2005, p.16), diferentemente do nosso objetivo, que
apresentaremos em breve. Apesar de certa semelhança entre esse trabalho e nossa
pesquisa, percebemos que a pergunta a ser respondida em ambos é diferente, ou
seja, nossos trabalhos agregam à Academia de maneira distinta.
Após essa consulta ao banco de dissertações e teses da CAPES, fomos à
procura de universidades que possuem grupos de estudo em História da Lógica ou
História da Matemática, a fim de encontrarmos mais trabalhos sobre Boole.
Encontramos três principais: Unicamp (CLE – Centro de Lógica, Epistemologia e
História da Ciência), UFRN (pelo fato de termos encontrado uma dissertação
semelhante à nossa) e Unesp de Rio Claro (GPIMEM - Grupo de Pesquisa em
Informática, Outras Mídias e Educação Matemática).
Encontramos alguns trabalhos (como, por exemplo, a tese de doutorado da
própria Giselle Costa de Sousa também na UFRN, Um estudo sobre as origens da
Lógica Matemática, e a tese de Carlos Roberto de Moraes, Uma história da lógica no
Brasil, defendida na Unesp de Rio Claro) e livros (como Uma Investigação das Leis

7 Adiante explicaremos mais detalhadamente esses tópicos.


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do Pensamento, de Giselle Sousa e John Fossa) pertinentes sobre a História da


Lógica em si, que de certa maneira apresentam Boole, mas nenhum deles com um
foco na algebrização do pensamento e na mudança de linguagem da Lógica, foco de
nossa pesquisa. Alguns desses trabalhos serão inclusive citados no decorrer desta
pesquisa.
Em suma, este breve levantamento leva-nos a concluir que há parcos estudos
em História da Matemática sobre o trabalho de George Boole que sejam de fácil
acesso para o professor de um modo geral, fazendo parecer que pouca atenção tem
sido dada ao estudo da lógica na formação inicial e continuada de professores de
matemática. De fato, existem mais pesquisas realizadas em grupos de Lógica, mas
estas não têm como seu principal público-alvo o educador matemático. Neste
cenário, uma pesquisa na área de Educação Matemática sobre a lógica proposta por
Boole seria interessante.
Cabe observar que apesar da algebrização do pensamento (e suas atuais
derivações) proposta por George Boole em seu tratado The Mathematical Analysis
of Logic não fazer parte da base comum curricular, o ensino de lógica pode ser
interessante para determinados perfis de professores: devido ao fato da lógica
booleana ter grande aplicação em circuitos digitais, ela é ensinada em cursos
técnicos, tecnólogos e superiores que têm correlação com computação ou eletrônica
(vide Apêndice A).
Ademais, grande parte dos professores pode não ter a ciência de que Lógica
e Matemática são áreas do conhecimento que já estiveram apartadas – visto que
hoje elas parecem se complementar, estando intimamente conectadas -, e que
George Boole teve papel significativo nesse processo de aproximação ao buscar
algebrizar a lógica, conectando Lógica e Matemática. Revisitar as razões pelas quais
Boole propôs algebrizar a lógica, bem como compreender de forma contextualizada
seu significado, podem, portanto, contribuir para dar uma visão mais ampla dos
processos que conduziram à formalização da matemática moderna.
Desse modo, neste trabalho buscamos investigar parte do processo que
aproximou a Lógica e a Álgebra. Assim, propomos responder à questão de
pesquisa: “Quais foram as razões que motivaram Boole a “algebrizar o pensamento”
e consequentemente a Lógica clássica?”.
Para responder a essa questão, traçamos os seguintes objetivos:
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Objetivo geral:
Conhecer o contexto de elaboração do tratado Mathematical Analysis of
Logic, a fim de compreendermos como a “algebrização do pensamento” pode ser
considerada a lógica do raciocínio dedutivo e do intelecto humano.
Objetivos específicos:
1) Compreender o contexto social, econômico, político e matemático que
circundava Boole em sua época para, dessa forma, apresentarmos Boole
como um homem inserido em seu tempo e preocupado com as questões
de sua época;
2) Descrever, a partir de um estudo dos capítulos 1, 2 e 4 do tratado
Mathematical Analysis of Logic de George Boole, como ele aproximou a
Lógica da Álgebra.
Após traçados os objetivos, apresentaremos a seguir os procedimentos
metodológicos que foram utilizados para direcionar nossa pesquisa.

1.2 Procedimentos metodológicos

Para atingir esses objetivos, procuramos alinhar esta pesquisa às atuais


tendências historiográficas da História da Matemática (e da Ciência). Para tal,
devemos estabelecer os procedimentos metodológicos adotados.
Embora a História não tenha método próprio, como observa Veyne (1971,
p.22), isto é, que “não existe método da história porque a história não tem nenhuma
exigência; ela está satisfeita desde que se contem coisas verdadeiras”, Canguilhem
(2012, p.2) aponta que é possível um empréstimo de método da Filosofia ao
observar que “sua destinação deveria colocar a história das ciências na Faculdade
de Ciências; seu método, na Faculdade de Filosofia”. Desse modo, seguindo de
perto os procedimentos metodológicos emprestados da filosofia, buscamos explicar
e comentar o texto aqui considerado. Assim, a análise textual neste trabalho atende
aos princípios da explicação e do comentário do texto por análise textual tal como
delineados por Folscheid e Wunenburger (1997).
18

Segundo Folscheid e Wunenburger (1997, p.32), a explicação de texto


“consiste, como seu nome indica, em enunciar o que há num texto dado, nem mais
nem menos”, ou seja, trata-se de explicitar o que está nele escrito, esclarecendo
passagens e ideias, muitas delas de difícil compreensão, de modo a apresentar ao
leitor não só os conceitos e as noções, mas também a própria organização e
sistematização dos argumentos que compõem o texto como um todo. A explicação
de texto, conforme Folscheid e Wunenburger (1997), dessa maneira, deve evitar
julgamentos e preconceitos, procurando contextualizar as ideias sem sobrepor
nossas expectativas e saberes prévios. Trata-se, portanto, de fazer um exercício de
leitura com vistas a buscar nele seu próprio sentido.
Por sua vez, o comentário de texto busca interrogar o seu autor sem se
restringir a ele. De acordo com Folscheid e Wunenburger (1997),

Não se trata mais apenas de expor o que um autor realmente disse num
texto preciso, mas de estabelecer um diálogo com ele, a fim de dar ao texto
considerado sua função no interior da obra da qual é extraído e de apreciar
seu papel no pensamento filosófico do autor. (FOLSCHEID;
WUNENBURGER, 1997, p.49).

Ou seja, em nosso caso, trata-se de comentar o texto, porém inscrevendo-o


num contexto da história da matemática. Por meio do comentário de texto, fazemos
um exercício, conforme observa Folscheid e Wunenburger (1997, p.50), “bem
balizado, circunscrito no interior de um programa fixado de antemão”. A explicação e
o comentário de texto devem considerar o propósito pelo qual este trabalho foi
delineado e desenvolvido, isto é, apresentar o contexto de elaboração do texto aqui
analisado. Dessa forma, neste trabalho procuramos, sempre que possível, explicar e
comentar o texto com vistas a fazê-lo revelar não só aspectos históricos, mas
também epistemológicos do processo de algebrização da lógica de Boole.
Nesse sentido, para evitarmos anacronismos, a explicação e o comentário do
texto que analisamos buscaram ancorar-se numa História da Matemática baseada
em tendências historiográficas atualizadas. Segundo essa perspectiva de
abordagem histórica, o objeto da matemática não se confundiria com a da história da
matemática. Isso porque, segundo Canguilhem (2012), este objeto seria um
constructo que
19

não tem seu lugar teórico natural em tal ou tal ciência, onde a história iria
levantá-lo, nem, aliás, na política ou na pedagogia. O lugar teórico desse
objeto não deve ser procurado senão na própria história das ciências,
porque é ela, e somente ela, que constitui o domínio específico onde
encontram seu lugar as questões teóricas colocadas pela prática científica
em seu devir. (CANGUILHEM, 2012, p.12)

Compreendendo-se aqui que a matemática faz parte das “ciências” a que se


refere Canguilhem, o objeto de investigação a que nos referimos neste trabalho não
se confunde com o objeto matemático. Desse modo, a algebrização da lógica
proposta por Boole deve ser considerada do ponto de vista histórico e não
matemático. E uma das razões para tanto é encontrada no próprio contexto
epistêmico em que se insere a proposta de Boole. Para compreendermos o seu
contexto de elaboração, portanto, consideramos neste trabalho a advertência de
Canguilhem (1977, p.15), que alerta para a necessidade de considerarmos que toda
epistemologia é histórica “porque o passado de uma ciência actual não se confunde
com essa mesma ciência no seu passado”. Sendo assim, partimos do pressuposto
de que “o passado da matemática atual não se confunde com essa mesma
matemática no seu passado”, pois os critérios de validação de conhecimentos são
diferentes em diferentes épocas e locais.
Para acedermos a esses critérios (e, portanto, à epistemologia de uma
época), buscamos aqui mapear os conhecimentos em torno do texto de Boole que
analisamos. Em outros termos, procuramos por uma episteme, tal como sugere
Foucault (2000):

Por episteme entende-se, na verdade, o conjunto das relações que podem


unir, em uma dada época, as práticas discursivas que dão lugar a figuras
epistemológicas, a ciências, eventualmente a sistemas formalizados; (...) A
episteme não é uma forma de conhecimento, ou um tipo de racionalidade
que, atravessando as ciências mais diversas, manifestaria a unidade
soberana de um sujeito, de um espírito ou de uma época; é o conjunto das
relações que podem ser descobertas, para uma época dada, entre as
ciências, quando estas estão analisadas no nível das regularidades
discursivas. (FOUCAULT, 2000, p.217)

Desse modo, para explicar e comentar o texto, procuramos inscrevê-lo no


contexto epistêmico do século XIX de tal forma a dar a ele sentido e significado.
Assim, buscamos articular três esferas de análise: historiográfica, epistemológica e
contextual, a fim de encontrar não só a episteme, mas também delinear o nosso
objeto de investigação, conforme orientam Afonso-Goldfarb, Ferraz e Waisse (2013):
20

(...) parece possível tentar uma definição, ainda que não formal ou
finalizada, do que seja o objeto da história da ciência, se for pensado na
intersecção de três esferas de estudo. A primeira dessas esferas [no caso, a
epistemológica] se refere aos aspectos intrínsecos das teorias e práticas
científicas sob estudo, combinando a crítica textual (assumida a partir de um
modelo filológico) e a análise teórico-contextual interna ao texto (através da
análise epistêmica de seus principais conceitos e argumentos). A segunda,
uma esfera propriamente historiográfica, concerne às várias formas através
das quais já se analisou um determinado problema, documento. Finalmente,
a terceira diz respeito ao contexto propriamente histórico, com destaque
para as circunstâncias sob as quais foi elaborada a documentação em
análise. (AFONSO-GOLDFARB; FERRAZ; WAISSE, 2013, p.45)

Em outros termos, emprestamos o método de análise histórica da História da


Ciência, pautada em uma tendência historiográfica atualizada. Nessa perspectiva,
devemos entender por historiografia o estudo crítico da escrita da história e distingui-
la da própria narrativa histórica. A esse respeito, segundo Saito (2015):

Devemos aqui entender, por historiografia, a ‘escrita da história’, e que toda


narrativa da história da matemática é historiograficamente orientada. Isso
significa que as narrativas históricas não são neutras e são influenciadas
por diferentes fatores ligados à formação e à concepção de ciência (isto é,
de conhecimento válido numa época) daquele que as escreve. (SAITO,
2015, p.21)

A análise na esfera historiográfica, portanto, incide sobre os estudos


históricos já realizados sobre um personagem histórico, suas obras e investigações
matemáticas. Nela está contemplada a forma como o historiador escreve a história,
quais as suas decisões, concepções e crenças quanto ao que é matemática e
quanto ao que é fazer a escrita da história. Desse modo, a bibliografia secundária
(isto é, os estudos sobre Boole e a sua obra aqui analisada) passou pelo refino
historiográfico, com vistas a contextualizá-la para evitarmos anacronismos.
Essa esfera de análise foi aqui articulada à outra, epistemológica, que tem por
objetivo examinar os critérios que estão na base da construção do conhecimento.
Segundo Beltran, Saito e Trindade (2014):

A epistemologia da ciência é o ramo da filosofia que analisa as condições e


os limites da validade dos conceitos científicos, buscando esclarecer o
processo de elaboração de teorias científicas e de sua interferência na
constituição e desenvolvimento de diferentes saberes.” (BELTRAN; SAITO;
TRINDADE, 2014, p.49)
21

Assim, seguindo de perto as orientações de Canguilhem e Foucault citadas


anteriormente, de que é preciso considerar que toda epistemologia é histórica, nesta
esfera buscamos por um conjunto de relações epistemológicas que se referem aos
critérios de validação, de rigor e de verdade aceitos em uma determinada época,
que são muito diferentes daqueles que hoje são aceitos; ou seja, buscamos a
episteme da época.
Por fim, na esfera de análise contextual, buscamos delinear as condições
ligadas ao contexto social, político, econômico e familiar de Boole com vistas a
compreender suas motivações, bem como aspectos de sua vida acadêmica, dos
trabalhos acadêmicos a que teve acesso e que o influenciaram, dentre outros.
Buscamos assim inserir o texto analisado na malha histórica de forma a
compreender, juntamente com a esfera epistemológica, as condições em torno do
seu processo de elaboração.
Por exceder os objetivos desta pesquisa, focamos a nossa análise na
articulação entre as esferas contextual e epistemológica, mas tendo sempre o crivo
da esfera historiográfica como nosso guia. Para tanto, selecionamos como
documento principal de análise o tratado escrito por George Boole, que foi publicado
em 1847, intitulado The Mathematical Analysis of Logic: Being an Essay Towards a
Calculus of Deductive Reasoning.
Na primeira fase de nossa pesquisa, recorremos a uma versão da obra
Mathematical Analisys of Logic impressa no ano de 2015, pois a cotejamos com a
obra original (encontrada online no Google Books8) e percebemos que elas somente
se diferenciam pela sua formatação e layout, ou seja, o conteúdo é exatamente o
mesmo. Demos preferência por essa versão de 2015 por praticidade de consegui-la
de forma impressa. Ainda na primeira fase de nossa pesquisa, tivemos acesso
também ao segundo tratado de lógica de Boole, The Laws of Thought, e à biografia
oficial do autor, escrita por MacHale em 1985 e relançada para a comemoração do
bicentenário de seu nascimento, em 2014. As três obras (dois tratados e a versão
mais atual da biografia) foram consultadas na língua original, o inglês, sem passar
por nenhuma tradução oficial. Todos os trechos traduzidos que aparecem nesta
pesquisa são todos de tradução nossa.

8Boole,G. The mathematical analysis of logic. London: Macmillan, Barclay & Macmillan, 1847. E-
book. Disponível em <https://goo.gl/j7PTE1>. Acesso em 11 abr. 2017.
22

Além de nossa fonte primária de análise (isto é, o tratado The Mathematical


Analisys of Logic) e de sua biografia oficial, consultamos também outras literaturas
secundárias, como diversos livros de história da matemática, história da lógica e
história da filosofia, um dicionário de biografias científicas, além de artigos científicos
relacionados ao tema.
Todos os textos considerados foram analisados segundo as três esferas que
dimensionam nossa pesquisa (historiográfica, contextual e epistemológica), e nosso
texto segue, sempre que possível, o procedimento metodológico emprestado da
filosofia: explicação e comentário de texto.
No que diz respeito a estudos sobre Boole e sua obra, percebemos que a
literatura disponível é, em sua maioria, escrita na língua inglesa. Podemos pleitear
que isso seja pelo fato de Boole ter nascido na Inglaterra e ter escrito suas obras em
inglês. Consultar essa literatura secundária na língua original foi de grande
importância para o desenvolvimento desta pesquisa. Sobre toda essa literatura
incidimos uma crítica historiográfica inicial, mas que não aprofundamos e nem aqui
apresentaremos por exceder os objetivos desta pesquisa.

1.3 História da Matemática e Educação Matemática

Discussões acerca da utilização da história da matemática para agregar


conhecimento ao professor de matemática já são antigas no mundo (incluindo no
Brasil)9. Segundo Brito e Miguel (1996), estas discussões já eram realizadas em
meados do século XX em outros países e começaram a ser realizadas a partir do
final da década de 1980 no Brasil. Brito e Miguel (1996) também constataram que os
resultados dessas discussões apontam para duas principais teses de se constituir a
história da matemática: a primeira constitui a história da matemática como apenas
uma disciplina isolada das demais, reforçando a separação entre história da
matemática e matemática em si, quase que reduzindo a história da matemática a
uma superficialidade repleta de anedotas, biografias e curiosidades; e uma segunda,
defendida pelos autores – a qual concordamos e também defendemos – uma “tese
de uma participação orgânica da história da matemática nessa formação, o que
significa, primeiramente, a tentativa de se imprimir historicidade às disciplinas de

9Para mais estudos sobre a relação entre Educação Matemática e História da Matemática, ler
Mendes (2013) e Miguel (1997).
23

conteúdo específico.” (BRITO; MIGUEL, 1996). Essa participação orgânica, ainda


segundo os autores, remete a conceber a história da matemática como

fonte de uma problematização que deveria contemplar as várias dimensões


da matemática (lógica, epistemológica, ética, estética etc) e da educação
matemática (psicológica, política, axiológica, didático-metodológica etc), o
que remeteria, inevitavelmente, os formadores de professores a destacar e
discutir com seus alunos as relações de influência recíproca entre
matemática e cultura, matemática e sociedade, matemática e tecnologia,
matemática e arte, matemática e filosofia da matemática etc., fazendo com
que o discurso matemático abra-se ao diálogo com os demais discursos que
se constituem com ele, a partir dele, contra ele, a favor dele etc. A finalidade
dessa problematização é fazer com que o professor alcance um
metaconhecimento da matemática que lhe propicie a abertura de novos
horizontes e perspectivas. (...) A problematização com base na história pode
contribuir para que o futuro professor reflita sobre diferentes concepções
que se tem de aspectos da atividade matemática e do seu ensino. (BRITO;
MIGUEL, 1996, p.49)

Ou seja, entendemos aqui que o estudo sobre o processo de algebrização da


lógica proposta por Boole pode incentivar docentes e discentes a refinar seu olhar
sobre o fazer matemático e, desse modo, pode contribuir para o ensino de
matemática. A esse respeito, vale reforçar que este trabalho foi concebido tendo em
vista a formação do professor numa perspectiva de articulação entre história e
ensino que busca estabelecer um diálogo entre historiadores, professores e
educadores matemáticos, como orienta Saito (2016a, p.6):

Promover um diálogo entre historiadores (da ciência e da matemática) e


educadores matemáticos com vistas a desenvolver uma série de ações a
fim de delinear algumas condições para a construção de interfaces entre
história e ensino de matemática. (SAITO, 2016a, p.6)

Isto é, um diálogo necessário, como ainda observa Saito (2016b, p.257), para:

[...] aproximar o educador matemático dos recentes desenvolvimentos da


história da matemática, baseada em tendências historiográficas atuais; e,
[...] sensibilizar o historiador da matemática envolvido com ensino da
matemática a produzir material bibliográfico acessível aos educadores
matemáticos. (SAITO, 2016b, p.257)

Assim, a pesquisa histórica aqui delineada procurou apresentar questões de


ordem histórica, matemática e epistemológica, pautadas numa vertente
historiográfica atualizada e que podem servir de base para a produção de material
bibliográfico para a reflexão do educador matemático e do professor. Desse modo,
24

esta dissertação insere-se principalmente no primeiro dos três eixos de investigação


do grupo de estudo e pesquisa em História e Epistemologia na Educação
Matemática (HEEMa/PUCSP).
Os estudos e as pesquisas desenvolvidos pelo grupo são norteados por dois
principais projetos (movimentos) que se desdobram em três eixos de estudos. Os
dois projetos são estreitamente relacionados entre si, sendo o objetivo do primeiro a
pesquisa histórica com foco em questões de ordem epistemológica e matemática, e
o objetivo do segundo a análise de possíveis interfaces que podem ser construídas
entre história e ensino. O desdobrar desses dois projetos resulta em três eixos de
estudos: o primeiro (o qual insere-se primordialmente nossa pesquisa), uma
referência à própria história da matemática baseada nas atuais tendências
historiográficas, no intuito de criar interfaces entre história e ensino e criar material
bibliográfico para formação e reflexão do professor; o segundo, uma articulação
entre história e ensino da matemática, com intuito de propor atividades para
formação de professores de matemática; e o terceiro, uma discussão da própria
articulação entre história e ensino em si mesmas, com intuito de ampliar seus
horizontes. (SAITO, 2016a).
Nesse sentido, esta pesquisa está direcionada aos professores e educadores
matemáticos. Por meio dela, esperamos desencadear um rico diálogo que promova
a construção de interface entre história e ensino, propiciando, assim, a emergência
de potencialidades didáticas e/ou pedagógicas 10 que poderão contribuir como
subsídios para a elaboração de atividades para o ensino de matemática. Por
exceder os objetivos, não tratamos, nem propusemos, a construção de interfaces
entre história e ensino neste trabalho. Apresentamos aqui apenas alguns aspectos
do processo de algebrização da lógica que podem posteriormente ser explorados
com essa intenção.

1.4 Organização da dissertação

Esta dissertação está organizada em quatro partes. Além desta introdução,


seguem-se dois outros capítulos e considerações finais. No segundo capítulo,
intitulado “Vida, obra e os contextos matemático e lógico nos quais estava inserido

10 Sobre Potencialidades pedagógicas, ler Miguel (1997).


25

George Boole”, relacionamos aspectos sobre a vida e obra de Boole que possam ter
influenciado de certo modo a escrita de seu tratado The Mathematical Analysis of
Logic, tendo como foco o contexto da sociedade ao seu redor e os contextos
matemático, filosófico e lógico aos quais estava inserido. Também discorremos
sobre sua produção científica (ou seja, suas obras publicadas), a fim de irmos nos
aproximando da interface entre as esferas contextual e epistemológica.
No terceiro capítulo, denominado “Alguns aspectos da lógica de Boole em sua
obra The Mathematical Analysis of Logic: Being an essay towards a calculus of
deductive reasoning”, apresentamos uma análise interna do tratado Mathematical
Analysis of Logic e, para tanto, procedemos à explicação e ao comentário de texto –
a saber: capítulos 1, 2 e 4 do tratado – a fim de compreender suas ideias. Por fim,
apresentamos nossas considerações finais, nossas conclusões e os próximos
passos que a pesquisa pode assumir.
26
27

2. VIDA, OBRA E OS CONTEXTOS MATEMÁTICO E LÓGICO NOS QUAIS


ESTAVA INSERIDO GEORGE BOOLE

Neste capítulo, apresentaremos uma visão geral da vida e do contexto no


qual se insere George Boole, com o objetivo de mapear o que fora estudado em
matemática e lógica na sua época, como a sociedade inglesa estava organizada,
quem eram seus amigos, quais foram suas leituras, suas realizações, entre outros
aspectos que consideramos relevante para compreender o contexto de elaboração
de suas ideias.
Ele está dividido em dois subtópicos: um deles trata de sua vida, suas
publicações e sua relação com o contexto matemático no Reino Unido em meados
do século XIX, e o outro mostra aspectos da lógica nesse mesmo período.

2.1 Vida, obra e contexto matemático

Figura 1 - Retrato de George Boole adulto

Fonte: MACHALE (2014).


Primogênito dos quatro filhos do casal John Boole e Mary Ann, George Boole,
nascido em 2 de novembro de 1815 no condado 11 de Lincoln (situado

11A Inglaterra é dividida em condados (regiões utilizadas para propósitos administrativos, geográficos
e políticos naquele país) desde o reino de Wessex, em meados do período que esteve sob domínio
saxão. Essa divisão chegou à região central da Inglaterra após a conquista da Mércia pelos Wessex,
entre os séculos IX e X. (História dos condados ingleses. Disponível em <http://county-
28

aproximadamente a 193 km ao norte de Londres, como pode ser visto na Figura 2),
na Inglaterra, foi uma criança criada num lar de família modesta (BURRIS, 2018). O
ano de 1815 é um dos anos auges da Revolução Industrial inglesa, caracterizada
por um grande êxodo rural no país e aumento de capital nas grandes cidades. Sem
condições de arcar com uma educação de elite, John e Mary fizeram com que Boole
tivesse de frequentar a escola primária comum. (BROADBENT, 2007).

Figura 2 - Mapa da Inglaterra

Fonte: adaptado de Google Maps (2018)

wise.org.uk/counties/>. Acesso em 01 de mai. de 2017). Em especial, o condado de Lincolnshire foi


fundado em outubro de 1536.
29

É importante ressaltar que paralelamente ao ensino formal que recebia, Boole


tinha por intermédio de seu pai um ensino informal. Foi por meio dele o primeiro
contato de Boole com o estudo da língua inglesa, e já nessa época surgiu-lhe um
interesse pela literatura e estrutura gramatical do idioma; também seu pai foi seu
primeiro tutor para o estudo da matemática. Ainda por intermédio de seu genitor, que
tinha um grande interesse pela ciência – principalmente nos campos de óptica e
astronomia –, Boole teve contato com o ensino dito prático, no qual ele pôde,
juntamente com John, trabalhar habilidades manuais de construir e consertar
objetos: câmeras, caleidoscópios, microscópios, telescópios e um relógio de sol.
Boole era um leitor voraz que ansiosamente consumia livros de biografias, história,
viagens e ciência, além de poesias e ficções. (MACHALE, 2014).
Em algumas de suas horas vagas, em sua infância, Boole frequentava a
biblioteca pertencente a William Brooke, um amigo de sua família, onde tinha acesso
a livros diversos e estudava por contra própria francês, alemão, italiano, grego e
latim (sua família era religiosa e nessa época ela tinha o desejo de que ele se
tornasse um clérigo da Igreja, então estudar grego e latim – as línguas clássicas –
seria importante para essa possível carreira). (MACHALE, 2014).
Aos 16 anos, se vendo obrigado a ajudar no mantimento de sua família após
a falência do comércio de seu pai 12 (uma sapataria), Boole abandonou o estudo
formal e conseguiu um emprego de professor em Doncaster (provavelmente a única
carreira disponível para ele), aproximadamente 50 km a noroeste de Lincoln, onde
nasceu (BURRIS, 2018). Foi nesta época (1831 – 1833), segundo MacHale (2014),
que Boole iniciou seriamente seus estudos em matemática.
Durante este período a biblioteca de seu amigo William Brooke acabou
fechando, obrigando Boole a arrumar livros emprestados com amigos e a comprar
seus próprios livros – o que mostra uma prioridade pelo estudo, pois apesar das
dificuldades financeiras de sua família, ele investia nisso. Ele começou, então, a
comprar livros de matemática, pois eram mais longos e demoravam mais tempo para
serem lidos, o que lhe trouxe um melhor custo-benefício dado o pouco dinheiro que
possuía (essas características dos livros de matemática e a escolha por adquiri-los

12Talvez seja válido aqui ressaltar que diversos autores julgam John Boole, acusando-o de ser
negligente e mal administrador do seu próprio negócio. O que esses autores talvez tenham
negligenciado em perceber é o que nota Bell (1965): o ano de nascimento de George Boole, 1815, foi
o ano da batalha de Waterloo, sendo que os anos seguintes foram muito difíceis para os
comerciantes em geral – John Boole sendo um deles, inclusive.
30

vieram a influenciá-lo a seguir nesta área de conhecimento em seus anos futuros).


(MACHALE, 2014).
Após algum tempo de docência em Doncaster, mesmo sendo respeitado
como professor, ele acabou sendo demitido por desavenças religiosas: seus
costumes unitaristas 13 entraram em confronto com o dogma metodista de seus
alunos, causando sua demissão. (MACHALE, 2014).
Seu emprego seguinte, também como professor, foi em Liverpool, cidade no
noroeste da Inglaterra, distante aproximadamente 160 km a oeste de sua terra natal
(ver Figura 2), porém Boole rapidamente pediu demissão, provavelmente pela
distância que ficara de sua família. (MACHALE, 2014).
Em meados de 1833, Boole conseguiu seu terceiro emprego como professor,
agora na cidade de Waddington, apenas a 7 km ao sul de Lincoln (ver Figura 2),
ficando mais próximo de sua família. Lá, apesar de ter uma qualidade de vida melhor
do que nas cidades anteriores, ainda não recebia o suficiente para sustentar a si e a
sua família. Outro ponto que incomodava Boole era a falta de liberdade que ele tinha
nessa escola para impor suas convicções e ideias já adquiridas sobre educação.
Finalmente, em 1834, aos 19 anos de idade, Boole resolveu voltar para sua cidade
natal, onde fundou a sua própria escola. (MACHALE, 2014).
A escola de Boole era uma escola para meninos e meninas e foi criada tendo
como modelo a escola onde seu tio, William Boole, era diretor. Há evidências para
mostrar que seus esforços alcançaram um bom grau de sucesso, tanto educacional
quanto financeiramente. (MACHALE, 2014).
A partir de sua inauguração, Boole pôde manter toda sua família num conforto
razoável (coisa que não havia conseguido fazer em nenhum emprego anterior), além
de permitir que seus métodos educacionais fossem desenvolvidos e amadurecidos.
Por exemplo, no ensino de matemática, ele era claramente motivado pelo fato de
que, para ele, grande parte da matemática tem suas origens na solução de
problemas extremamente práticos e que a abstração desse contexto não era, de
forma alguma, desejável para os primeiros estados de aprendizagem. Boole tinha
uma visão que ia de acordo com sua experiência de vida (seu pai o havia mostrado
diversos aspectos práticos das ciências em geral quando ele ainda era um pequeno

13 Vide WATTS (1998).


31

menino), onde ele defendia que o aluno primeiro deve entender os conteúdos para
somente depois disso guardar algo na memória. (MACHALE, 2014).
Outro ponto que nos chama a atenção na escola de Boole era o fato de
lecionar, para todos os alunos, aulas de línguas, focando principalmente na
conversação e na leitura de obras literárias, e não em gramática e vocabulário –
mais um aspecto que ia de acordo com a experiência de vida de Boole, que
aprendeu sozinho outros idiomas ao ler obras literárias escritas em outras línguas.
(MACHALE, 2014).
Boole acreditava que a educação moral também era responsabilidade do
professor; no caso, ela era a parte mais difícil do dever de um professor, mas a mais
alta em grau e importância. Para Boole, não se deveria medir esforços para se
formar a mente e o caráter de seus alunos, ensinando-os hábitos da indústria,
integridade, bondade mútua, a distinção entre o certo e o errado e a reverenciar as
coisas sagradas. Essas e outras características fizeram com que Boole se tornasse
um professor realizado e respeitado pelos seus alunos e pelos moradores de Lincoln
que vinham a conhecer o seu trabalho na escola. (MACHALE, 2014).
Nessa mesma época em que Boole retornou para Lincoln e abriu sua própria
escola, tornando-se administrador e professor para, finalmente, aplicar suas práticas
de ensino, foi fundado o Lincoln Mechanics Institute. Segundo Burris (2018), “este
era essencialmente um clube social comunitário que promovia leitura, discussões e
palestras sobre ciência. Foi fundado em 1833 e, em 1834, o pai de Boole tornou-se
o curador de sua biblioteca.” (BURRIS, 2018, sp).
Boole passou a frequentar o Instituto, participando das discussões
promovidas e acessando sua biblioteca. Broadbent (2007) ainda diz mais sobre a
relação de Boole com o Instituto:

Seu presidente, um proprietário de terras da região, enviava publicações da


Royal Society para a sala de leitura da instituição, da qual John Boole
tornou-se curador. George, agora consagrando seu escasso tempo livre ao
estudo da matemática, tinha acesso à sala de leitura, onde enfrentou,
praticamente sem auxílio, a leitura dos Principia [Princípios], de Newton, e
da Mécanique analytique [Mecânica analítica], de Lagrange.
(BROADBENT, 2007, p.322)

Ou seja, Boole, desde os seus 19 anos, já tendo algum conhecimento prévio


de matemática – não só como aluno, mas também como professor – e dono de sua
própria escola, também participou de discussões sobre o que de mais recente se
32

produzia em ciência na época e teve acesso à biblioteca do Instituto, que continha


uma vasta gama de tratados que já haviam sido publicados na época. Nesse
aspecto, vale lembrar que Boole teve contato não só com os escritos em inglês, mas
em qualquer uma das línguas das quais tinha conhecimento. Dentre esses podemos
citar, além dos Principia de Newton14 (1643-1727) e da Mécanique Analytique de
Lagrange 15 (1736-1813) já mencionados, os trabalhos de Laplace 16 (1749-1827)
(BOYER, 2005) e, como conjecturam Kneale e Kneale (1962, p.410), “podemos
razoavelmente supor que ele tinha lido alguns dos ensaios de Peacock 17 (1791-
1858), Gregory 18 (1813-1844), De Morgan 19 (1806-1871) e Sir William Rowan
Hamilton20 (1805-1865)”.
É notório, com base nos trabalhos apresentados por Boole durante sua vida –
desde os temas tratados até a maneira como desenvolve seu raciocínio –, que ele
foi influenciado por muitos desses autores citados. Ainda aos 19 anos de idade, no
final de 1834, Boole “foi convidado a proferir uma conferência sobre Newton, quando
da inauguração, no Instituto, de um busto do grande físico, também nascido no
condado de Lincoln.” (BROADBENT, 2007, p.322). Sua apresentação foi muito
elogiada e seu trabalho acabou sendo publicado, porém apenas no ano seguinte,
em 1835, na Gazette Office de Lincoln, com o título “An Address on the Genius and
Discoveries of Sir Isaac Newton”, sendo este o primeiro trabalho científico de Boole.
(BROADBENT, 2007).
Pouco tempo depois de começar a frequentar o Instituto, Boole, muito ativo
em questões sociais, principalmente na área de educação, começou a ministrar

14 Sir Isaac Newton, um dos desenvolvedores do Cálculo e da Mecânica Clássica. Em seu Principia
(1687), ele fundamenta a mecânica clássica e a lei da gravitação universal, além de demonstrar as
leis de Kepler. Viveu na Inglaterra, entre 1643 e 1727.
15 Joseph Louis Lagrange, um dos criadores do Teorema do Valor Médio. Em seu Mécanique

Analytique (1788), transformou a mecânica em um ramo da análise matemática. Nasceu na Itália, em


1736, e faleceu na França, em 1813.
16 Pierre-Simon Laplace, matemático que desenvolveu importantes trabalhos em probabilidade,

equações diferenciais e astronomia. Nasceu na Normandia, em 1749 e faleceu em Paris, em 1827.


17 George Peacock, matemático que desenvolveu seus trabalhos principalmente no desenvolvimento

da álgebra simbólica e sobre quatérnios. Viveu na Inglaterra, entre 1791 e 1858.


18 Duncan Farquharson Gregory, matemático que desenvolveu seus trabalhos principalmente no

desenvolvimento da álgebra simbólica e logaritmos. Fundador e primeiro editor do Cambridge


Mathematical Jornal, em novembro de 1837. Nasceu e faleceu na Escócia (1813-1844), porém viveu
grande parte de sua vida na Inglaterra.
19 Augustus De Morgan, um dos desenvolvedores do rigor da indução matemática. Escreveu

trabalhos sobre Lógica, Cálculo e Análise. Nasceu na Índia, em 1806, e faleceu na Inglaterra, em
1871, onde viveu desde sua infância.
20 William Rowan Hamilton, um dos criadores dos quatérnios. Escreveu trabalhos sobre mecânica

analítica e sobre astronomia. Viveu na Irlanda, entre 1805 e 1865.


33

gratuitamente no Instituto aulas de aritmética, matemática, ciência e clássicos (grego


e latim) para adultos, tornando-se um dos nomes fortes do Instituto. (MACHALE,
2014). Dessa maneira, podemos prospectar que suas convicções sociais na área da
educação, criadas por meio de suas experiências de vida, estavam fortemente
enraizadas, de modo que ele, mesmo estando aos poucos vendo uma melhora em
sua vida financeira, ainda disponibilizava tempo para lecionar gratuitamente.
Durante os anos seguintes, Boole viu seu círculo intelectual aumentar ao
trocar cartas com diversos pesquisadores do Reino Unido, também frequentadores
dos Institutos de Mecânica de suas regiões. Dessa maneira, pôde discutir ideias e
opiniões sobre o trabalho de seus correspondentes, o que o influenciou naquilo que
viria a publicar. Simultaneamente a essa época, mais precisamente a partir de junho
de 1837, a rainha Vitória assumiu o trono inglês, aos 18 anos de idade, inaugurando
um período que foi fortemente caracterizado pelo desenvolvimento econômico,
industrial e intelectual no país, além de ter sido um período de prosperidade e paz
(conhecido como Pax Britannica).
Incentivado por seus colegas de Instituto, no ano de 1839, Boole viajou a
Cambridge para conhecer Duncan F. Gregory, editor do recém fundado Cambridge
Mathematical Journal e, a partir de 1840, começou a contribuir com o prestigiado
periódico científico. Gregory virou um mentor de Boole, principalmente instruindo-o
em como escrever um paper de matemática. Dessa maneira, em 1841, Boole
publicou no Cambridge Mathematical Journal sua primeira de inúmeras publicações
matemáticas, “Researches on the Theory of Analytical Transformations, with a
special application to the Reduction of the General Equation of the Second Order”.
(BROADBENT, 2007; BURRIS, 2018).
Nesta época, entre 1841 e 1845, Boole entrou numa fase produtiva e
escreveu diversos artigos relacionados a seus campos de pesquisa do momento,
destacando-se dentre eles os relacionados à Análise matemática, ao Cálculo e à
Álgebra, como por exemplo os artigos que relatam sobre a Teoria do Invariante21 e
as Equações de Laplace22. Inclusive, no ano de 1844, escreveu seu artigo “On a
General Method in Analysis”, demasiadamente grande para ser publicado no
Cambrigde Mathematical Journal. Assim, por indicação de Gregory, Boole publicou-o
no Transactions of the Royal Society após uma revisão de De Morgan (um dos

21 1842 – Exposition of a General Theory of Linear Transformations. Parte I and Parte II.
22 1845 – On the Equation of Laplace’s Functions.
34

pesquisadores com quem iniciara uma troca de correspondências em 1842 e de


quem virara amigo). (BROADBENT, 2007; BURRIS, 2018). Pouco tempo depois,
ainda em 1844, o artigo ganhou a Medalha Real de melhor artigo matemático dos
últimos anos da Royal Society, fazendo com que Boole fosse o primeiro matemático
a receber tal premiação. (MACHALE, 2014).
Durante sua vida, Boole publicou diversos trabalhos sobre “tópicos
matemáticos padrões, principalmente equações diferenciais, integração e cálculo de
variações.” (BURRIS, 2018, sp). Dois deles serão destacados aqui por terem sido
usados por muitos anos em universidades do Reino Unido após suas publicações:
um tratado sobre equações diferenciais 23 e um tratado sobre diferenças finitas 24 .
Broadbent (2007) destaca que:

Os dois livros didáticos25, sobre equações diferenciais (1859) e diferenças


finitas (1860), permaneceram em uso no Reino Unido até o final do século.
Eles contêm boa parte do trabalho original de Boole, reproduzindo e
expandindo o material publicado em seus artigos de pesquisa. O primeiro
faz uso tão amplo do operador diferencial D que este método é
frequentemente tratado como se tivesse sido criado por Boole, embora na
verdade seja muito mais antigo do que o autor. Ambos exibem grande
habilidade técnica na manipulação de operadores: no tomo sobre diferenças
finitas, são explicados os operadores, introduzidos pela primeira vez nos
artigos de Boole para a Royal Society. (BROADBENT, 2007, p.323)

Os trabalhos de Boole estão compassados com o que se produzia de


matemática na Inglaterra na época (em sua maioria eram trabalhos sobre Álgebra,
porém os matemáticos do século XIX também pesquisavam sobre equações
diferenciais, probabilidade e lógica). A esse respeito, Bashmakova e Rudakov (1992,
p.35) explicitam o que de matemática vinha sendo estudado no século XIX, mais
precisamente entre os anos 1800 e 1870:

A álgebra tinha crescido prodigiosamente em conteúdo, enriquecida por


conceitos e teorias notáveis e, além disso, seus novos conceitos e espírito
começaram a penetrar virtualmente em toda a matemática. Havia uma
tendência manifesta de algebrização da matemática. Notáveis novas
disciplinas, como a teoria algébrica dos números, a geometria algébrica, a
teoria dos grupos de Lie, combinando álgebra com teoria dos números,
geometria e análise, respectivamente, surgiram e floresceram. Assim como
os fundamentos da análise, os fundamentos de tais novas teorias

23 1859 – A Treatise on Differential Equations.


24 1860 – A Treatise on the Calculus of Finite Differences.
25 Vale ressaltar que nosso crivo historiográfico aponta um equívoco na escrita de Broadbent, de

modo que na época de George Boole o conceito atual de livro didático ainda não existia, sendo assim
impossível que estes tratados tenham sido escritos como tais.
35

algébricas, como as de grupos, campos e espaços vetoriais tornaram-se


componentes indispensáveis da educação matemática geral, não apenas
nas universidades, mas também nas escolas técnicas e de engenharia.
O período até os anos setenta do século passado 26 foi basicamente um
período latente do crescimento explosivo da álgebra. (BASHMAKOVA;
RUDAKOV, 1992, p.35)

Essa forte linha de desenvolvimento que foi a Álgebra, porém, tinha uma
característica específica, uma espécie de tendência: o uso de símbolos. Segundo
Burris (2018):

A primeira grande tentativa entre os ingleses de esclarecer os problemas


fundamentais da álgebra foi o Tratado de Álgebra de 1830, de George
Peacock (1791-1858). Ele dividiu o assunto em duas partes, a primeira
parte sendo álgebra aritmética (...). A segunda parte foi a álgebra simbólica,
que foi governada não por uma interpretação específica, como foi o caso da
álgebra aritmética, mas apenas por leis. Na álgebra simbólica não havia
restrições ao uso de subtração, etc. (BURRIS, 2018, sp)

Por símbolos, aqui, devemos entender, como aponta Burris (2018), que

A terminologia da álgebra foi um pouco diferente no século 19 do que é


usada hoje. Em particular, eles não usaram a palavra “variável”; a letra x em
uma expressão como 2x + 5 foi chamada de símbolo, daí o nome “álgebra
simbólica”. (BURRIS, 2018, sp)

Vale ressaltar, como observa MacHale (2014), que os 24 trabalhos de Boole


publicados no Cambridge Journal abrangeram diversos tópicos que estavam de
acordo com o que se pesquisava de matemática no século XIX: equações
diferenciais, integração, lógica, probabilidade, geometria e transformações lineares.
Ademais, segundo MacHale (2014, p.59), “a importância de suas contribuições
reside não tanto em seu conteúdo, mas no fato de que eles enfatizaram a
importância da manipulação de operadores simbólicos em várias áreas da
matemática”. Ou seja, Boole, na maioria de seus trabalhos, trazia esses operadores
simbólicos oriundos da álgebra, e esse ponto será de grande importância em seu
tratado que será discutido no capítulo 3 desta dissertação.
Pelo fato de Boole ter tido acesso aos novos desdobramentos matemáticos
de sua época e ter trocado cartas com muitas pessoas, facilmente colhem-se

26
A citação foi escrita no século XX, de modo que, para o autor, o “século passado” refere-se ao
século XIX.
36

evidências de que alguns autores tenham influenciado diretamente seus trabalhos.


Como aponta Burris (2018),

Um uso fascinante da álgebra foi introduzido em 1814 por François-Joseph


Servois (1776-1847) quando ele abordou equações diferenciais separando
a parte do operador diferencial da parte da função do sujeito (...). Esta
aplicação de álgebra capturou o interesse de Gregory, que publicou uma
série de artigos sobre o método da separação de símbolos, ou seja, a
separação em operadores e objetos, no Cambridge Mathematical Journal.
Ele também escreveu sobre a base da álgebra, e foi a base de Gregory que
Boole abraçou, quase textualmente. (BURRIS, 2018, sp).

Boole, por ter tido contato direto com seu amigo e mentor Gregory, esteve a
par de suas publicações no campo da Álgebra, apropriando-se de suas
nomenclaturas, terminologias e conclusões para fundamentar seus trabalhos.
Inclusive, no seu artigo ganhador do prêmio na Royal Society, Boole escreveu numa
nota de rodapé um agradecimento ao seu amigo Gregory: “Poucos em tão curta vida
fizeram tanto pela ciência. O alto senso que nutro por seus méritos como
matemático é misturado com sentimentos de gratidão pela assistência valiosa
prestada a mim em meus ensaios anteriores.” (BOOLE, 1844, apud MACHALE,
2014, p.71)27.
Por fim, outro amigo de Boole, De Morgan, também produziu trabalhos no
campo da álgebra simbólica, tendo também provavelmente influenciado os trabalhos
de Boole. Burris (2018) relata que:

Em “Sobre a Fundação da Álgebra”, de 1839, o primeiro de quatro trabalhos


sobre este tema de De Morgan que apareceu na Transactions of the
Cambridge Philosophical Society, encontra-se um tributo à separação de
símbolos na álgebra.
No segundo trabalho de fundamentos (em 1841), De Morgan propôs o que
ele considerou ser um conjunto completo de oito regras para trabalhar com
a álgebra simbólica. (BURRIS, 2018, sp).

Ou seja, podemos dizer que Boole publicou trabalhos condizentes com o que
era feito de pesquisa matemática em sua época (álgebra e lógica), mostrando que
ele era um homem inserido em seu tempo. Seus trabalhos foram reconhecidos pela
academia ainda em vida.
De fato, ele recebeu diversos elogios da Royal Society e do Instituto de
Mecânica, além de várias cartas de outros pesquisadores elogiando seus trabalhos.

27 Vide BOOLE, G. (1844).


37

Assim, por volta de 1846, seus amigos de Cambridge, principalmente William


Thomson28 (1824-1907), incentivaram-no a se inscrever para concorrer à vaga de
primeiro professor de matemática na recém fundada Universidade de Cork (Queen’s
College), na Irlanda, aproximadamente 215km a sudoeste de Dublin, mesmo sem ter
cursado um ensino superior. Não era trivial para a época que uma universidade
tivesse em seu corpo docente professores sem curso superior. Dessa maneira, ele
precisou de diversas cartas de recomendação de amigos pesquisadores e ex-alunos
influentes para justificar seu merecimento ao cargo. Obteve sucesso e, no ano de
1849, mudou-se para a Irlanda com sua família. (MACHALE, 2014).
Pouco antes dessa mudança profissional, Boole produziu outros trabalhos.
Publicou em 1847 o seu primeiro tratado de Lógica, o Mathematical Analysis of
Logic, no qual ele procurou analisar matematicamente a lógica. A este tratado
seguiu-se outro, publicado agora já em solo irlandês, em 1854, intitulado The Laws
Of Thought29, considerada sua obra prima. Esses dois trabalhos apontam para a
proposta de Boole de apartar a lógica da filosofia, da metafísica e da linguagem
ordinal e de aproximá-la da matemática por meio do uso de símbolos, tão usados no
campo algébrico em sua época.
Mas, antes de adentrarmos nessas questões de ordem mais técnica, vamos
compreender quais foram as motivações e intenções de Boole ao escrever esse
tratado de 1847, qual foi seu público-alvo e, por fim, como provavelmente se deu o
processo de construção de conhecimento realizado por ele, levando em
consideração a evidência que temos, que é o documento. Para tanto, vamos
apresentar a seguir o contexto da Lógica ao qual Boole estava inserido.

2.2 Contexto da Lógica

Para entendermos o contexto de elaboração das ideias de Boole no que diz


respeito aos seus trabalhos dedicados à lógica, temos que retomar alguns aspectos
de como a lógica e a filosofia encontravam-se estabelecidas no Reino Unido em
meados do século XIX. Para tanto, devemos atentar para um debate, que ficou

28 William Thomson, que hoje é conhecido como Lord Kelvin. Tem trabalhos em eletricidade e
termodinâmica, sendo o criador da escala Kelvin de temperatura. Nasceu na Irlanda do Norte, em
1824, e faleceu na Escócia, em 1907, apesar de ter vivido grande parte de sua vida na Inglaterra.
29 Boole produziu trabalhos até quase o momento de sua precoce morte, ocorrida na própria cidade

de Cork, no ano de 1964, – aos 49 anos – por pneumonia. Deixou esposa e cinco filhas.
38

muito conhecido na época, entre um matemático, Augustus De Morgan, e um


filósofo, Sir William Hamilton (1788-1856), pois foi importante para o desencadear do
primeiro tratado de Boole. Além disso, para compreendermos o cerne deste debate,
temos que revisitar a interpretação dada pelos estudiosos de matemática a alguns
pontos fundamentais da lógica clássica (aristotélica), baseada em proposições e
silogismos. Isso porque são esses os pontos que Boole discutiu em seu tratado, nos
capítulos de The Mathematical Analysis of Logic que analisamos nesta dissertação.

2.2.1 Embates entre a Filosofia e a Matemática

O século XIX, como já dissemos, foi marcado por um grande desenvolvimento


científico em geral no Reino Unido, não só na área da matemática. Devido a isso,
era comum a existência de determinados debates intelectuais entre pesquisadores
dessa época. Um desses debates ocorreu entre um amigo de Boole, o professor
inglês Augustus de Morgan, e um filósofo escocês, Sir William Hamilton30 (que não
deve ser confundido com o seu contemporâneo quase homônimo William Rowan
Hamilton, matemático irlandês). Como aponta Bell (1986, p.439), “(...) e lembrar uma
contenda famosa da primeira metade do século XIX, que levantou um enorme de um
barulho em seu próprio tempo, mas agora está quase esquecida”.
A contenda foi divulgada em diversas revistas, segundo Kneale e Kneale
(1962), inclusive com alguns trechos das cartas que eles trocaram. Esse debate
girava em torno do tema da quantificação do predicado31, no qual, ainda segundo os
autores, Hamilton acusava De Morgan de plágio. Porém, o ponto chave desse
debate, que foi essencial para motivar Boole a escrever seu primeiro tratado, foi a
disputa entre alguns filósofos e matemáticos (principalmente os dois citados)
articulando a qual dessas duas ciências deveria ser associada a Lógica.
A lógica dita tradicional ou clássica, historicamente, desde sua criação com
Aristóteles32 (384 a.C. – 322 a.C.), sempre foi intrinsecamente associada à filosofia e
à gramática ordinária, tendo pouca ou nenhuma afinidade com a linguagem

30 William Hamilton. Professor de Lógica e Metafísica da Universidade de Edimburgo. Contribuiu para


a doutrina lógica e quantificação do predicado. Viveu na Escócia entre 1788 e 1856.
31 A forma tradicional de uma proposição categórica é: S é P. A quantificação do predicado amplia

esta visão, utilizando as palavras “todo” e “alguns” também para o predicado. Exemplo: todos os X
são Y se tornaria todos os X são alguns Y. Mais detalhes serão expostos nas páginas seguintes.
32 Importante filósofo grego. Escreveu sobre física, metafísica, poesia, lógica, retórica, ética, biologia

e governo. Foi aluno de Platão. Viveu na Grécia entre os anos de 384a.C. e 322a.C.
39

matemática. Essa lógica, em meados do século XIX, ainda era o modelo que ditava
o raciocínio humano, como aponta Sousa (2012, p.49): “a Lógica Tradicional ainda
vigorava durante o início do século XIX e que sua força emergia pela figura de
lógicos aristotélicos como Richard Whately 33 ”. Também nesse sentido, Houser
(1994, p.602) aponta que “lógicos como Richard Whately e Sir William Hamilton
lançaram programas poderosos para expandir a lógica silogística 34”.
No século XIX, porém, houve um forte movimento de tentar matematizar a
lógica. Blanché (1985, p.271) argumenta que “Enquanto a lógica clássica continuava
com o seu impulso, uma outra forma de lógica, de inspiração matemática, ia
aparecer em meados do século XIX”. Ou seja, a lógica no século XIX estava
também sendo estudada e desenvolvida por matemáticos, porém seguia sendo
expandida por filósofos.
Sir William Hamilton fazia parte dos filósofos do século XIX que seguiam
expandindo a lógica aristotélica, enquanto De Morgan e Boole faziam parte dos
matemáticos também desse século que desenvolveram trabalhos no campo da
lógica, ajudando a aproximá-la da matemática – como é feito até os dias atuais.
Sobre essa nova perspectiva para a lógica, Sousa (2012, p.81) aponta que:

Em meados desse período [século XIX] surgiu uma nova visão sobre a
Lógica vigente. Essa, por sua vez, foi concretizada pela matematização da
Lógica que, respeitando o paradigma aristotélico, buscou expandi-lo a partir
de sua formalização. Isso se deu, especialmente em 1847, mediante os
trabalhos de Augustus de Morgan e George Boole. (SOUSA, 2012, p.81)

Com efeito, Boole, principalmente, em seus dois tratados de lógica, procurou


algebrizar a lógica clássica e, a esse respeito, Moore (1987, p.101) observa que:

De fato, por volta de 1850, o silogismo aristotélico continuava sendo o


arquétipo de todo raciocínio. Quando a lógica matemática começou em
1847, com a publicação de Análise Matemática da Lógica, de George Boole,
a lógica aristotélica foi tratada como uma interpretação de um sistema
algébrico particular. Nesse contexto, a lógica fazia parte da matemática. A
lógica em si, por outro lado, continuou sendo entendida por Boole como "as
leis do pensamento". Sua pesquisa, que levou à formulação da álgebra
booleana, estava na fronteira entre filosofia, psicologia e matemática.
(MOORE, 1987, p.101)

33 Richard Whately, filósofo e economista, foi um dos primeiros ingleses a defender a Lógica como
campo de estudo. Seus tratados valorizavam e expandiam a Lógica Aristotélica. Viveu pequena parte
da sua vida como professor de Economia e mais de 30 anos como Arcebispo de Dublin. Nasceu na
Inglaterra em 1787 e faleceu na Irlanda em 1863.
34 Referência à lógica clássica, ou lógica aristotélica.
40

Para podermos compreender o impacto das ideias de Boole, temos que


entender alguns conceitos da lógica clássica (também chamada de tradicional ou
aristotélica) que serão expostos aqui, e as razões pelas quais ela se encontrava tão
próxima à linguagem ordinária, para posteriormente entendermos a proposta de
Boole de algebrizá-la.

2.2.2 A lógica aristotélica

Aristóteles foi um filósofo grego que viveu entre os anos 384 a.C. e 322 a.C. e
foi, nitidamente, um nome importantíssimo para o desenvolvimento da lógica. Sua
relevância é relatada através dos séculos – em alguns momentos com mais ênfase e
sendo ovacionado, e em outros com menos ênfase e sendo duramente criticado –,
mas fato é que seus tratados são tidos como uns dos primeiros que fundamentaram
a lógica. Dessa maneira, também pensa Abbagnano (2006, p.182):

(...) e tal disciplina é a lógica, a que Aristóteles chama analítica, tendo sido o
primeiro a concebê-la e fundá-la como uma disciplina em si, utilizando e
sistematizando as observações e os resultados dos seus predecessores e
especialmente de Platão. (ABBAGNANO, 2006, p.182)

Ainda sobre a história da lógica, vale apontar que Leibniz35 (1646-1716), que
também se dedicou ao estudo da lógica, apreciou grandemente o trabalho de
Aristóteles. Ao observar o rigor de suas proposições lógicas, disse “‘Aristóteles foi o
primeiro a escrever de maneira matemática 36 sobre assuntos não-matemáticos”
(LEIBNIZ, 1960, apud KUZICHEVA, 1992, p.1) 37 e, ao refletir sobre a teoria dos
silogismos de Aristóteles, afirmou que “a invenção da forma silogística é uma das
melhores e, na verdade, uma das mais importantes, que foi feita pela mente
humana. É uma espécie de matemática universal cuja importância é muito pouco
desconhecida". (LEIBNIZ, 1981, apud KUZICHEVA, 1992, p.3).

35 Gottfried Wilhelm Leibniz. Desenvolveu o Cálculo por meios diferentes dos usados por Newton.
Também escreveu sobre física e lógica. Foi um diplomata alemão, e viveu entre os anos de 1646 e
1726.
36 Apesar de Leibniz utilizar o termo “matemática” para se referenciar aos trabalhos lógicos de

Aristóteles, é cabível notar que não há nenhuma relação feita entre os escritos aristotélicos e a
matemática como a entendemos hoje, sendo importante neste trecho ressaltar apenas a admiração
de Leibniz pelo filósofo grego.
37 LEIBNIZ, G.W. Fragmente zur Logik. Berlin, 1960, p.7.
41

Aristóteles defendia que a lógica deveria, sob toda e qualquer condição, ser
analisada juntamente com a linguagem, pois somente esta, em sua sintaxe, poderia
ser capaz de chegar a conclusões corretas. Abbagnano (2006, p.184) aponta que:

Segundo Aristóteles, as palavras da linguagem são convencionais: tanto


assim é, que são diferentes duma língua para outra. Mas elas referem-se a
“afeições da alma que são as mesmas para todos e constituem imagens de
objectos que são os mesmos para todos” (De interpr., I, 16 a, 3). A
combinação das palavras é por isso comandada, através da imagem
mental, pela combinação efectiva das coisas que lhes correspondem. (...)
Pode, portanto, dizer-se que para Aristóteles a linguagem é convencional no
seu dicionário, não na sua sintaxe: a lógica deve, portanto, voltar-se para
esta sintaxe a fim de analisar a estrutura fundamental do conhecimento
científico e do ser. (ABBAGNANO, 2006, p.184)

Ou seja, para Aristóteles a pluralidade de línguas existentes não distancia a


lógica da gramática, pois apesar das palavras serem diferentes, elas se referem aos
mesmos objetos, estes sim sendo essenciais para o desenvolvimento do raciocínio
lógico. Aristóteles considera a lógica como o meio que, à disposição do espírito,
permite-lhe raciocinar e exprimir-se em conformidade com a verdade.
Os trabalhos aristotélicos sobre lógica foram reunidos e editados por
Andronico de Rodes (aprox.. 60a.C.), décimo primeiro sucessor de Aristóteles, no
século primeiro antes de Cristo. Conjectura-se que o nome como hoje essa reunião
de seis tratados é conhecida, Organon (que significa “Instrumento”), seja datado do
século VI. Os seis tratados são: Categorias, Da Interpretação, Primeiros Analíticos,
Segundos Analíticos, Tópicos e Refutações Sofísticas. Os conceitos que nos
interessam para este trabalho são apresentados no tratado Da Interpretação, que
são as proposições, e no tratado Primeiros Analíticos, que são os silogismos.
(BLANCHÉ, 1985).

2.2.2.1 Proposições

Aristóteles apresentou as proposições no seu tratado Da Interpretação.


Proposições são basicamente frases declarativas sobre a realidade que podem ser
classificadas entre verdadeiras ou falsas. Elas devem fazer sentido, o que faz com
que a proposição não seja a frase em si, mas o seu conteúdo. Ou, segundo
Abbagnano (2006, p.185), “frases que constituem asserções e não já súplicas,
ordens, exortações, etc”. Toda proposição necessita ter um verbo, como aponta
42

Blanché (1985, p.32): “mas o verbo é necessário para constituir uma verdadeira
proposição, isto é, um discurso declarativo, portador de uma asserção e, portanto,
susceptível de ser verdadeiro ou falso.”
As proposições, em si mesmas, devem seguir apenas três princípios
fundamentais:
1- Princípio de Identidade: A é A;
Ex.: Seja A um cachorro -> Princípio: Cachorro é cachorro.
2- Princípio de não contradição: é impossível A ser A e não-A ao mesmo
tempo;
Ex.: Seja A um cachorro -> Princípio: Impossível um cachorro ser cachorro
e não ser um cachorro ao mesmo tempo.
3- Princípio do terceiro excluído: A é x ou não-x, não há terceira
possibilidade.
Ex.: Seja A um cachorro e x um ser vivo -> Princípio: Um cachorro ou é um
ser vivo ou não é um ser vivo, não há terceira possibilidade.
Desta maneira, podemos enumerar no Quadro 1 a seguir alguns exemplos de
proposições e algumas não-proposições.

Quadro 1 - Exemplos de proposições e não-proposições.

É Não é
Frase Motivo
Proposição proposição
Frase declarativa que pode ser verdadeira
ou falsa – contendo um verbo. Sabemos
Deus existe. X que nem todos concordam com esta
proposição, mas isso não a impede de ser
verdadeira ou falsa.
Quantos anos você
X Perguntas não são proposições.
tem?
Vá agora para o seu Exclamações/ordens/conselhos não são
X
quarto! proposições.
Frase declarativa que pode ser verdadeira
ou falsa – contendo um verbo. Apesar de
não sabermos determinar o valor de
Há vida em Marte. X verdade desta afirmação, ela não deixa de
ser uma proposição, pois pode ser
verdadeira ou falsa: verdadeira se houver
vida em Marte, falsa se não houver.
Gostaria de comprar Uma frase que exprime um desejo não é
X
um carro novo. uma proposição.
43

Frase declarativa que pode ser verdadeira


São Paulo é a capital ou falsa – contendo um verbo. No caso, é
X
do Brasil. falsa, mas não deixa de ser uma
proposição.
Frase declarativa que pode ser verdadeira
Dálmata é uma raça
X ou falsa – contendo um verbo. No caso, é
de cachorro.
verdadeira.
Juro que amanhã
X Promessas não são proposições.
trago o notebook.
Os números reais Apesar de ser uma frase declarativa, não é
estão no 3º andar X nem verdadeira nem falsa, pois não tem
daquele prédio. sentido.
Fonte: elaborado pelo autor, 2018

Quanto a sua classificação, proposições podem ser diferenciadas quanto a


dois aspectos distintos: qualidade ou quantidade. Com relação a sua qualidade, elas
podem ser afirmativas ou negativas, pois “afirmar e negar são as duas maneiras de
predicar”. (BLANCHÉ, 1985, p.33). Fica claro, então, o papel do verbo na
proposição: “O verbo indica sempre que alguma coisa é afirmada (ou negada) de
uma outra coisa, isto é, relaciona um predicado a um sujeito.” (BLANCHÉ, 1985,
p.32). Já quanto a sua quantidade, elas podem ser universais ou particulares
(singulares). “É universal quando o sujeito é universal (entendendo-se por universal
‘aquilo que por natureza se predica de várias coisas’), por exemplo, homem; é
singular quando o sujeito é um ente singular, por exemplo, Callia.” (ABBAGNANO,
2006, p.185). Ou seja, qualitativamente uma proposição pode ser afirmativa ou
negativa, e quantitativamente ela pode ser universal ou singular.
Fazendo uma relação com a linguagem ordinária, podemos dizer que a
classificação quantitativa diz respeito aos substantivos da frase, se são comuns
(universais) ou próprios (particulares).
Para a lógica, porém, o verbo “ser” é o único verbo reconhecido, juntamente
com suas conjugações. Todas as proposições podem ser reescritas por meio do
verbo “ser” adicionado de um particípio ou adjetivo. Note que a primeira proposição
contida no Quadro 1 pode ser reescrita da maneira “Deus é real”, mantendo-se o
mesmo conteúdo e sentido da proposição original “Deus existe”. Da mesma forma, a
segunda proposição “Há vida em Marte” pode ser transformada, por exemplo, em
“Marte é um planeta com vida”, também sem perda de sentido e conteúdo. As outras
duas proposições já estão com o verbo “ser” conjugado, sem necessidade de
alterações.
44

Fazendo outra relação com a linguagem ordinária, podemos então perceber –


assim como desde a antiguidade já foi percebido – que as proposições para a
Lógica são sempre da forma S é P, ou, no caso, “Sujeito cópula Predicado”, sendo a
cópula um verbo de ligação, no caso, obrigatoriamente alguma conjugação do verbo
“ser”. Uma proposição sempre indica uma relação entre um sujeito e um predicado.
Vejamos alguns exemplos:
Seja a proposição 1: Rosas são flores.
Analisando essa proposição, podemos tirar algumas conclusões. A primeira
delas é que de fato ela é uma proposição, pois é uma frase assertiva (e não uma
súplica ou ordem), que faz sentido e que pode ser verdadeira ou falsa, além de que
ela sozinha não viola nenhum dos três princípios fundamentais indicados por
Aristóteles. Quanto a sua classificação de qualidade, ela é afirmativa, pois está
afirmando algo, e não negando. Já quanto a sua classificação de quantidade, ela é
universal, pois está tratando de um ente universal (substantivo comum - rosas). Por
fim, percebemos que ela está escrita na forma S é P, ou seja, Sujeito cópula
Predicado, sendo “Rosas” o sujeito, “são” o verbo de ligação “ser”, conjugado, e
“flores” o predicado ou qualidade que o sujeito assume.
Com essas classificações qualitativa e quantitativa, Aristóteles então fez as
quatro combinações possíveis entre elas e as chamou de “proposições categóricas”,
que são: Universal afirmativa (indicada pela letra A, sendo da forma “todo S é P”),
Universal negativa (indicada pela letra E, sendo da forma “nenhum S é P”),
Particular afirmativa (indicada pela letra I, sendo da forma “algum S é P”) e Particular
negativa (indicada pela letra O, sendo da forma “algum S é não-P), atribuindo a cada
uma delas uma letra maiúscula – entre parênteses - a fim de facilitar sua indicação.
Ele então encontrou relações entre elas, e segundo Abbagnano (2006, p.185) os
lógicos medievais criaram o “quadrado dos opostos”, um esquema que mostra de
forma clara essas relações.
45

Figura 3 - Quadrado38 dos Opostos

Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

As relações encontradas por Aristóteles e apresentadas na Figura 3 podem


ser descritas como apresenta Parsons (2017) [os exemplos são nossos]:
● Duas proposições categóricas são contraditórias, se não podem
ambas ser verdadeiras e não podem ambas ser falsas;
o Da Figura 3, por exemplo, podemos perceber que é impossível
serem verdadeiras as proposições categóricas A (“Todo carro é
preto”) e O (“Alguns carros são não-pretos”) simultaneamente,
da mesma maneira que é impossível ambas proposições serem
falsas simultaneamente.
● Duas proposições categóricas são contrárias, se ambas não podem
ser verdadeiras, mas ambas podem ser falsas;
o Da Figura 3, por exemplo, podemos perceber que é possível as
proposições categóricas A (“Todo carro é preto”) e E (“Nenhum
carro é preto”) serem falsas ao mesmo tempo. No caso, bastaria

38
Sabemos que esta imagem não representa um quadrado, mas sim um retângulo. Porém, os lógicos medievais
o chamaram de “quadrado dos opostos”, e assim o mantivemos na versão que elaboramos.
46

termos alguns carros pretos. Porém, é impossível que ambas


sejam verdade simultaneamente, ou seja, não há como todo
carro ser preto e nenhum carro ser preto simultaneamente.
● Duas proposições categóricas são subcontrárias, se elas não podem
ser ambas falsas, mas ambas podem ser verdadeiras;
o Da Figura 3, por exemplo, podemos perceber que é possível as
proposições categóricas I (“Alguns carros são pretos”) e O
(“Alguns carros são não-pretos”) serem verdadeiras ao mesmo
tempo. No caso, bastaria termos alguns carros pretos e alguns
carros de outra cor. Porém, é impossível que ambas sejam
falsas simultaneamente, ou seja, não há como nenhum carro ser
preto (negação de I) e todos os carros serem pretos (negação
de O) simultaneamente.
● Uma proposição categórica é subalterna de outra se ela for verdadeira
quando sua superalterna é verdadeira, e a superalterna deve ser falsa
se a subalterna é falsa – no caso, as universais são superalternas das
particulares de mesma qualidade.
o Da Figura 3, por exemplo, A é superalterna de I, que
consequentemente é subalterna de A. Assim, se A é verdadeira,
ou seja, se todo carro é preto, é verdade também que I é
verdadeira, no caso, alguns carros são pretos.
Semelhantemente, se I é falsa, ou seja, se nenhum carro é preto
(negação de I), A também é falsa, no caso, é impossível que
todos os carros sejam pretos.
Essa é a visão aristotélica do que precisamos saber, momentaneamente,
sobre proposições.

2.2.2.2 Silogismos

Já o conceito de silogismo (o outro conceito que nos interessa apresentar


antes de adentrarmos efetivamente no tratado de Boole no próximo capítulo) é
apresentado no tratado aristotélico Primeiros Analíticos. Basicamente, um silogismo
é “um discurso que, postas algumas coisas, outras lhe seguem necessariamente”.
47

(ABBAGNANO, 2006, p.187). Ele é composto de três proposições, de modo que a


partir das duas primeiras – chamadas premissas – conclui-se a terceira – chamada
conclusão. Ou seja, o silogismo é o estudo da validade ou invalidade de argumentos
encadeados, segundo premissas, dos quais se pode extrair uma conclusão.
Apresentaremos um exemplo de silogismo:
Premissa 1: Todos os números naturais são inteiros.
Premissa 2: Todos os números inteiros são racionais.
Conclusão: Todos os números naturais são racionais.
As duas premissas devem sempre ter um termo em comum, ou seja, que
apareça em ambas simultaneamente. Esse termo é chamado de termo médio. Os
outros dois termos restantes (um da primeira premissa e um da segunda), chamados
extremos, são o termo maior e o termo menor. O termo maior é o predicado da
conclusão, e o termo menor, por consequência, é o sujeito da conclusão. Segundo
Blanché (1985, p.47):

Um silogismo compõe-se de três termos, unidos dois a dois em três


proposições elementares, ocorrendo cada um deles duas vezes. Um desses
termos tem a função, essencial ao raciocínio, de efectuar a mediação entre
os dois outros: é o termo médio. Os outros dois termos são os extremos; o
que tem maior extensão, e que aparece em primeiro lugar, é o termo grande
ou maior; o que tem a extensão menor, e que só intervém depois do outro, é
o termo pequeno ou o menor. Isto quanto aos termos; vejamos agora as
proposições. A conclusão é a que une dois termos extremos, o pequeno
como sujeito, o grande como predicado; é a última a ser anunciada. As duas
outras proposições, entre as quais se reparte o termo médio, são as
premissas; a que contém o termo grande, e a que se coloca em primeiro
lugar, é a maior; a outra, que contém o termo pequeno e que vem a seguir,
é a menor. (BLANCHÉ, 1985, p.47)

Vejamos alguns exemplos que foram apresentados pelo próprio Aristóteles.


Primeiro exemplo (Aristóteles, 1831, apud Blanché, 1985, p.48).39
“Se A é afirmado de todo o B, e B de todo o C, então necessariamente A é
afirmado de todo o C.”40
Nesse exemplo, as duas premissas são:
Premissa 1: A é afirmado de todo o B (ou: Todo B é A).
Premissa 2: B é afirmado de todo o C (ou: Todo C é B).

39Primeiros Analíticos I, 4, 25b, 38-40.


40Podemos reescrever esse silogismo da forma S é P, ficando “Todo B é A, todo C é B, então
necessariamente todo C é A”.
48

Das premissas, percebe-se que o termo que se repete é o termo B, sendo


este então o termo médio – que não aparecerá na conclusão. Assim, pela conclusão
obtida:
Conclusão: A é afirmado de todo o C (ou: Todo C é A),
Notemos que, nesse caso, o termo maior é o que aparece na primeira
premissa, A, sendo predicado da conclusão, e o termo menor é o que aparece na
segunda premissa, C, sendo sujeito da conclusão.
Segundo exemplo (Aristóteles, 1831, apud Blanché, 1985, p.48)41.

Admitimos que perder as suas folhas seja representado por A, ter folhas
largas por B, e videira por C. Se A pertence a B (porque toda a planta de
folhas largas perde as suas folhas) e se B pertence a C (porque toda a
videira é uma planta de folhas largas), então A pertence a C, por outras
palavras, toda a videira perde as folhas.42 (Aristóteles, 1831, apud Blanché,
1985, p.48).

Nesse exemplo, as duas premissas são:


Premissa 1: Toda planta de folhas largas perde suas folhas.
Premissa 2: Toda videira é uma planta de folhas largas.
Das premissas, percebe-se que o termo que se repete é “planta de folhas
largas”, sendo então o termo médio – que não aparecerá na conclusão. Assim, pela
conclusão obtida:
Conclusão: Toda videira perde as folhas.
Notemos que, nesse caso, o termo maior é o que aparece na primeira
premissa (perder as folhas - A), sendo predicado da conclusão, e o termo menor é o
que aparece na segunda premissa (videira - C), sendo sujeito da conclusão: toda
videira perde as folhas.
Alguns autores defendem que a substituição das constantes verbais pelas
variáveis literais A, B, C, etc. (como aconteceu no segundo exemplo retirado de
Aristóteles, respectivamente: que tem folhas largas, que perde suas folhas, videira)
foi a maior criação de Aristóteles no que diz respeito a seus trabalhos em lógica,
iniciando ali uma lógica formal. Blanché (1985, p.48) aponta que:

41Segundos Analíticos II, 16, 98b, 5-9.


42 Aristóteles frequentemente utilizava dessa mudança sistemática em seus silogismos. Segundo
Blanché (1985, p.50) “Seguindo Aristóteles, naturalmente, na escolha das letras como variáveis, a
ordem alfabética, a Letra A simboliza pois o predicado, e B o sujeito lógico: se traduzisse com o verbo
ser, A é afirmado de todo o B [ou ainda, A pertence a B] tornar-se-ia, em virtude desta inversão de
termos, todo o B é A.”
49

Longe de ser um pormenor desprezível, este processo tem um alcance


considerável, a ponto de alguns lógicos serem hoje levados a dizer que está
aí, no que se refere à Lógica, a mais importante descoberta de Aristóteles.
É de facto que com ela e por ela que começa uma lógica propriamente
formal, ou seja, em cujos enunciados desapareceu toda a alusão ao
conteúdo dos termos. (BLANCHÉ, 1985, p.48)

Aristóteles empregou como requisito que, para que uma conclusão seja válida
e verdadeira, as premissas devem também ser válidas e verdadeiras, além de causa
da própria conclusão. Segundo Abbagnano (2006, p.188):

Nos Segundos Analíticos, Aristóteles examina as premissas do silogismo e


o fundamento da sua validade. Parte do princípio de que “toda a doutrina ou
disciplina deriva de um conhecimento preexistente”. Para que o silogismo
conclua necessariamente, as premissas de que deriva devem por sua vez
ser necessárias. E para o serem, devem ser, em si próprias, princípios
verdadeiros, absolutamente primeiros e imediatos; e, no que respeita à
conclusão, mais cognoscíveis, anteriores à conclusão e a causa dela.
(ABBAGNANO, 2006, p.188)

Aristóteles, porém, percebeu que um silogismo, em sua essência, tem sua


validade em dependência de sua forma, ou seja, não basta as premissas serem
todas verdadeiras para que se obtenha uma conclusão verdadeira a partir delas.
Existia a possibilidade de se chegar a conclusões inconsistentes ou falsas a partir de
premissas verdadeiras, ou mesmo de se chegar a conclusões verdadeiras, porém
sem inferência. Ele denominou esse processo de falácia (falsos silogismos), ou seja,
chegar a conclusões de argumentos enganosos, ideias equivocadas ou crenças
falsas a partir de premissas verdadeiras dadas. Vamos apresentar dois exemplos
práticos de falácia:
Primeiro exemplo:
Premissa 1: Todos os gatos são animais. (Premissa verdadeira)
Premissa 2: Todos os pássaros são animais. (Premissa verdadeira)
Conclusão: Logo, todos os pássaros são gatos. (Conclusão falsa)
A partir das premissas deste exemplo – todas verdadeiras - podemos ver que
o termo “animais”, que aparece nas duas premissas simultaneamente, é o termo
médio – que não aparece na conclusão. Dessa forma, pela conclusão, o termo maior
é o que aparece na primeira premissa, “gatos”, e é o predicado da conclusão. Por
consequência, o termo menor é o que aparece na segunda premissa, “pássaros”, e
é o sujeito da conclusão. Porém, ao observarmos a conclusão, percebemos que ela
é, de fato, falsa.
50

Segundo Exemplo:
Premissa 1: Todos os mamíferos são mortais. (Premissa verdadeira)
Premissa 2: Todos os cães são mortais. (Premissa verdadeira)
Conclusão: Logo, todos os cães são mamíferos. (Conclusão verdadeira)
A partir das premissas deste exemplo – todas verdadeiras - podemos ver que
o termo “mortais”, que aparece nas duas premissas simultaneamente, é o termo
médio – que não aparece na conclusão. Dessa forma, pela conclusão, o termo maior
é o que aparece na primeira premissa, “mamíferos”, e é o predicado da conclusão.
Por consequência, o termo menor é o que aparece na segunda premissa, “cães”, e é
o sujeito da conclusão. Nesse caso, ao observarmos a conclusão, percebemos que
ela é verdadeira, porém não houve inferência, já que por não estarem formalmente
adequadas, as premissas não têm relação com a conclusão.
Para evitar então que as falácias pudessem ser propagadas, Aristóteles criou
três figuras43 de silogismo – que dependem da função do termo médio –, estudou-as
e organizou-as de modo que todas as conclusões que pudessem ser obtidas por
meio delas fossem sempre verdadeiras. Essas figuras basicamente seriam uma
ordenação formal dos sujeitos e predicados das premissas, ou seja, dos termos
maiores, médios e menores, de modo a se obter sempre uma conclusão verdadeira.
Segundo Abbagnano (2006, p.187):

Na primeira figura, o termo médio faz de predicado na primeira premissa e


de sujeito na outra. (...) Na segunda figura, o termo médio faz de predicado
em ambas as premissas (por exemplo, “Nenhuma pedra é animal, todos os
homens são animais, logo nenhum homem é pedra”). Nesta figura, uma das
premissas e a conclusão são negativas. Na terceira figura, o termo médio
faz de sujeito em ambas as premissas (por exemplo, “Todos os homens são
substância, todos os homens são animais, logo alguns animais são
substância”). Nesta figura, a conclusão é sempre particular. (ABBAGNANO,
2006, p.187):

Podemos mostrar essas figuras também em forma de quadro (traduzido de


Smith, 2018), que relata exatamente as três possibilidades de combinação do termo
médio: na primeira figura de silogismo, o termo médio é sujeito de uma premissa e
predicado de outra; na segunda figura de silogismo, o termo médio é predicado das
duas premissas; e na terceira figura de silogismo, o termo médio é sujeito das duas
premissas.

43Entendemos como figura cada uma das formas que o silogismo pode tomar, dependendo da
posição do termo médio: se sujeito ou predicado das proposições.
51

Quadro 2 - Figuras de silogismo.

Primeira figura Segunda figura Terceira figura


Sujeito Predicado Sujeito Predicado Sujeito Predicado
1ª premissa b a b a c a
2ª premissa c b c a c b
Conclusão c a c b b a
Fonte: SMITH (2018)

Os estudos de Aristóteles mostraram, então, que para cada figura existem


apenas algumas combinações possíveis de proposições categóricas que podem ser
corretamente concluídas. Se voltarmos a qualquer um dos exemplos anteriores,
notaremos pelo termo médio que eles se encaixam na primeira figura de silogismo.
Se repararmos bem, perceberemos que tanto as premissas quanto a conclusão são
da forma “Todo X é Y”, ou seja, são proposições Afirmativas Universais (A).
Aristóteles percebeu que não se pode tentar concluir algo similar, segundo o quadro
de figuras, em silogismos que se encaixem na segunda e na terceira figuras. Ou
seja, se usássemos três proposições (A) na segunda figura de silogismo, a
conclusão seria uma inverdade – no caso, se afirmássemos por exemplo que “Todo
B é A” e que “Todo C é A”, não seria garantido que “Todo C é B”. Aristóteles chamou
isso de modos de silogismo.
Os estudos de Aristóteles concluíram então que os modos de silogismo para
cada figura eram:
Primeira figura de silogismo: AAA, EAE, AII, EIO;
Segunda figura de silogismo: EAE, AEE, EIO, AOO;
Terceira figura de silogismo: AAI, IAI, AII, EAO, OAO, EIO.
Essas três letras em sequência devem ser interpretadas da seguinte maneira:
a primeira letra representa o tipo de proposição categórica da primeira premissa; a
segunda letra indica o tipo de proposição categórica da segunda premissa; por fim, a
última letra indica o tipo de proposição categórica que aparece na conclusão do
silogismo. Ou seja, para a primeira figura de silogismo apresentada no Quadro 2,
com o termo médio (b) sendo sujeito da primeira premissa e predicado da segunda
premissa, podemos tirar conclusões corretas das seguintes maneiras:
52

1. Se a primeira premissa for uma Universal Afirmativa ‘A’ e a segunda


premissa também for ‘A’, só poderemos concluir uma ‘A’ – (AAA);
Exemplo:
Premissa 1 (A): Todo ser humano (b) é um ser racional (a).
Premissa 2 (A): Todo homem (c) é ser humano (b).
Conclusão (A): Todo homem (c) é racional (a).
2. Se a primeira premissa for uma Universal Negativa ‘E’ e a segunda
premissa for uma Universal Afirmativa ‘A’, só poderemos concluir uma ‘E’ –
(EAE);
Exemplo:
Premissa 1 (E): Nenhum cão (b) é racional (a).
Premissa 2 (A): Todo dálmata (c) é um cão (b).
Conclusão (E): Nenhum dálmata (c) é racional (a).
3. Se a primeira premissa for uma Universal Afirmativa ‘A’ e a segunda
premissa for uma Particular Afirmativa ‘I’, só poderemos concluir uma ‘I’ –
(AII);
Exemplo:
Premissa 1 (A): Todo prédio (b) é alto (a).
Premissa 2 (I): Alguns hospitais (c) são prédios (b).
Conclusão (I): Alguns hospitais (c) são altos (a).
4. Se a primeira premissa for uma Universal Negativa ‘E’ e a segunda
premissa for uma Particular Afirmativa ‘I’, só poderemos concluir uma
Particular Negativa ‘O’ – (EIO).
Exemplo:
Premissa 1 (E): Nenhum brasileiro (b) é argentino (a).
Premissa 2 (I): Alguns loiros (c) são brasileiros (b).
Conclusão (O): Alguns loiros (c) são não-argentinos (a).
Raciocínio semelhante é realizado para as outras duas figuras e os modos de
silogismo a elas relacionados.
Para uma memorização mais fácil dos modos de silogismo, os medievais
criaram alguns versos mnemônicos 44 : nomes próprios contendo obrigatoriamente
três vogais, e elas, na ordem em que aparecem, indicam o modo do silogismo de

44 Que pode ser utilizado para aumentar ou ampliar a memória; que facilita a memorização.
53

cada figura. Smith (2018) aponta quais são esses versos, que foram compilados nos
Quadro 3 a seguir:

Quadro 3 - Versos mnemônicos.

Figura de silogismo Verso mnemônico Modo de silogismo


barbara AAA
celarent EAE
Primeira
darii AII
ferio EIO
cesare EAE
camestres AEE
Segunda
festino EIO
baroco AOO
darapti AAI
disamis IAI
datisi AII
Terceira
felapton EAO
bocardo OAO
ferison EIO
Fonte: Elaborado pelo autor (2018)

Essa forma de abordar a lógica e seus conceitos fundamentais percorreu um


longo caminho desde sua elaboração até chegar ao século XIX. O fato é que,
embora em essência ela fosse transmitida a gerações posteriores, foi estudada e
comentada à luz de diferentes ideias, sempre permeadas, moldadas e ancoradas
numa concepção de ciência ou conhecimento aceito. Nesse sentido, como pudemos
ver, a Lógica para Aristóteles não era uma ciência, mas sim um instrumento para o
correto pensar, ou seja, permitia demonstrar e validar argumentos, tendo sido assim
compreendida até o século XIX.
Como veremos no próximo capítulo, diferentemente de Aristóteles, Boole
(2015b) concebia a Lógica como uma ciência, a ponto de “afirmar que a Lógica não
apenas constrói uma ciência, mas também investiga a origem e a natureza de seus
próprios princípios.” (BOOLE, 2015b, p.12).
Boole não apenas defendeu que a Lógica é uma ciência, como também
queria que ela fosse vista como uma ciência verdadeira e avançada, colocando-se
54

como devoto dessa busca pela verdade juntamente com outros nomes por ele
conhecidos. Segundo Boole (2015b, p.13):

Desejo aqui expressar minha convicção de que, com o avanço de nosso


conhecimento de toda a ciência verdadeira, uma harmonia sempre
crescente prevalecerá. (...) Além disso, há um lugar comum sobre o qual
todos os sinceros devotos da verdade podem se encontrar, trocando entre
si a linguagem do apelo de Flamsteed45 a Newton: "As obras da Providência
Eterna serão melhor compreendidas através de seus trabalhos, e do meu ".
(BOOLE, 2015b, p.13)

E aqui devemos notar que nos trechos em que Boole afirma “com o avanço
de nosso conhecimento de toda a ciência verdadeira” e “sinceros devotos da
verdade” é possível perceber uma provável influência das ideias positivistas 46 de
Auguste Comte47 (1798-1857) que pairavam sobre a Europa em meados do século
XIX, justamente época em que Boole escreveu esse tratado.
De fato, os ideais positivistas também parecem se expressar na seguinte
passagem de Boole (2015b, p.9):

Se, através do poder progressivo dos métodos científicos, descobrimos que


as buscas com as quais já estivemos comprometidos, não fornecem mais
um campo suficientemente amplo para o esforço intelectual, o remédio é
prosseguir para investigações mais elevadas e, em novos caminhos, buscar
por dificuldades ainda não subjugadas. E essa é, de fato, a lei real do
progresso científico. (...) Ainda não chegamos tão perto das fronteiras do
conhecimento possível. (BOOLE, 2015b, p.9).

Parece claro nesse trecho que Boole também acredita no progresso da


humanidade e das ciências, argumentos defendidos pelo Positivismo. Foi nesse
contexto que ele reinterpretou e compreendeu a lógica clássica.
Boole, ainda defendendo essa visão da Lógica como uma ciência verdadeira,
acaba considerando que o passo anterior ao objetivo da Lógica (deduzir conclusões
corretas) é de fato mais importante do que as conclusões lógicas em si. Ou seja,
alega que encontrar as premissas corretas é mais essencial do que concluir algo

45 John Flamsteed, astrônomo inglês. Fez as primeiras observações registradas de Urano e catalogou
mais de 3000 estrelas. Foi o primeiro Astrônomo Real Britânico, assumindo este posto em 1675.
Viveu na Inglaterra entre 1646 e 1719.
46 O Positivismo tem a ciência como investigação do real. Ele abandona as causas dos fenômenos

em prol de pesquisar a verdade de suas leis. Seu método caracteriza-se pela observação, a fim de se
prever o que possa acontecer. Defendia que a humanidade passou por melhoramentos contínuos,
saindo de uma época obscura num passado para uma civilização esclarecida.
47 Isidore Auguste Marie François Xavier Comte. Filósofo francês, foi um dos consolidadores da

Sociologia e do Positivismo. Viveu na França entre 1798 e 1857.


55

com elas, como pode ser visto em “uma observação importante, que mais de uma
vez foi feita, de que uma coisa é chegar a premissas corretas e outra é deduzir
conclusões lógicas, e que o negócio da vida depende mais do primeiro que do
segundo” (BOOLE, 2015b, p.13). Como veremos no próximo capítulo, os ideais
positivistas, combinados com os novos desdobramentos matemáticos do século XIX,
fizeram-no dar um tratamento matemático à lógica clássica e inseri-la no rol das
ciências.
56
57

3. ALGUNS ASPECTOS DA LÓGICA DE BOOLE EM SUA OBRA THE


MATHEMATICAL ANALYSIS OF LOGIC: BEING AN ESSAY TOWARDS A
CALCULUS OF DEDUCTIVE REASONING

A obra The Mathematical Analysis of Logic: Being an Essay Towards a


Calculus of Deductive Reasoning, como já mencionamos anteriormente, possui 87
páginas divididas entre Prefácio, Introdução, sete capítulos e um pós-escrito. Ela foi
escrita em língua inglesa por George Boole e publicada em 1847 pela editora
Macmillan, Barclay e Macmillan de Cambridge (Inglaterra), tendo sido lançada no dia
29 de outubro daquele mesmo ano.
Na obra, que curiosamente não apresenta um sumário, Boole parece ter a
intenção de algebrizar o que ele considera ser a lógica do pensar, ou seja, utilizar
símbolos para descrever o raciocínio dedutivo humano que, até então, era
exclusividade da linguagem ordinária. O que ele acaba de fato fazendo, porém, é
reescrever a lógica aristotélica por meio da álgebra. Em síntese, os capítulos dessa
obra tratam dos seguintes assuntos:
O Prefácio e a Introdução apresentam a obra e os motivos pelos quais Boole
escreve seu tratado, sugerem ao leitor como ele deve ler as páginas seguintes e
mostram algumas convicções de Boole. O primeiro capítulo, intitulado “Primeiros
Princípios”, apresenta o que virão a ser os elementos da álgebra de Boole: letras
maiúsculas para denotar classes, letras minúsculas para denotar símbolos eletivos,
os símbolos operacionais “+” e “.” (com o símbolo da multiplicação às vezes sendo
omitido entre as letras, como na álgebra dos números reais), o símbolo “1” para
denotar o Universo e o símbolo “=” para a identidade. Também o primeiro capítulo já
apresenta três leis de combinação e sucessão que regerão todo o desenvolvimento:
a distributiva, a comutativa e a lei do índice48.
O segundo capítulo, “Sobre Expressão e Interpretação”, apresenta o símbolo
operacional “–“, que indica e negação, e o símbolo “0”, que indica o vazio ou a
ausência de algo, além de algebrizar as quatro proposições categóricas da lógica
aristotélica, que formam os silogismos.

48Index law, como Boole a chama. Hoje em dia, essa lei é conhecida como “Lei do idempotente”.
Este nome foi dado em 1870 pelo matemático Benjamin Pierce (1809-1880), de Harvard. (BURRIS,
2018).
58

O terceiro capítulo, “Sobre Conversão de Proposições”, alcança


algebricamente as mesmas conclusões que a lógica tradicional alcança por meio da
linguagem ordinária, fazendo as conversões necessárias para tal, além de dar um
conjunto de três regras de transformação que permitem construir todos os
argumentos categóricos válidos de duas linhas.
O quarto capítulo, “Sobre Silogismos”, trabalha algebricamente os silogismos,
chegando a algumas conclusões aristotélicas e, para a provável surpresa de Boole,
algumas conclusões que a lógica tradicional não previa.
O quinto capítulo, “Sobre Hipotéticos”, entra no mérito das proposições
hipotéticas “se... então”, trabalhando com elas algebricamente e chegando à
conclusão de que seria “fácil” criar novas proposições hipotéticas a partir da mistura
de outras.
O sexto capítulo, “Propriedades das Funções Eletivas”, desenvolve o
Teorema da Expansão para trabalhar com equações eletivas, além de discutir as
propriedades dos constituintes.
O sétimo e último capítulo de desenvolvimento, “Sobre a Solução de
Equações Eletivas”, desenvolve o Teorema da Solução, em que Boole mostra como
resolver uma equação eletiva para um símbolo em termos de outros. Segundo Boole
(2015b, p.8):

A classe de problemas lógicos ilustrada no capítulo, Sobre a Solução de


Equações Eletivas, é concebida como nova: e acredita-se que o método
desse capítulo oferece os meios de uma análise perfeita de qualquer
sistema concebível de proposições, um fim em direção a que as regras para
a conversão de uma única proposta categórica são apenas o primeiro
passo. (BOOLE, 2015b, p.8)

Por fim, o Pós-Escrito retoma alguns pontos da Introdução e dos capítulos de


desenvolvimento da obra para finalmente concluir que Boole acredita que a Álgebra
seja um melhor caminho para a Lógica, em vez da Gramática. Assim, para
podermos apreciar como Boole propôs algebrizar a lógica vamos, neste capítulo,
discorrer sobre suas motivações, passando pela estruturação algébrica e finalmente
chegando no seu método para fazer silogismos.

3.1 Motivações e objetivos


59

Figura 4 – Frontispício original do tratado The Mathematical Analysis of Logic

Fonte: BOOLE (1847)

No prefácio de sua obra, Boole relata ter escrito este seu primeiro tratado de
lógica em poucos meses (apesar de ter refletido sobre o tema em outras épocas de
sua vida), tendo sido motivado a escrevê-lo depois que se interessou pelo debate
lógico (apresentado no capítulo 2) que aflorava entre seu amigo, o professor
Augustus de Morgan, e Sir William Hamilton, um filósofo escocês. Boole (2015b, p.1)
apresenta:

Ao apresentar este livro em público, considero que não é irrelevante


observar, que especulações semelhantes às que registro, em diferentes
períodos, ocuparam meus pensamentos. Na primavera do presente ano,
60

minha atenção foi direcionada para o debate que aconteceu entre Sir W.
Hamilton e Professor De Morgan; e fui induzido pelos interesses que
inspirou, para retomar o tópico quase esquecido de investigações
anteriores. (BOOLE, 2015b, p.1)

Ou seja, Boole decidiu finalmente escrever suas percepções sobre lógica a


partir do momento em que De Morgan e Hamilton começaram a debater
intensamente sobre esse tema. Inicialmente, no Prefácio, o autor mostra seu apreço
pela ciência da lógica, demonstrando a sua visão discordante em relação à de
Aristóteles e admitindo que a lógica é diferente de todas as outras ciências devido à
perfeição de seu método de evidenciar verdades. Admitiu, também, que gostaria
que ela fosse utilizada no lugar do senso comum, para tornar as tomadas de
decisões mais precisas e distantes de eventuais “achismos”. Segundo Boole (2015b,
p.2):

Em um aspecto, a ciência da Lógica difere de todas as outras; a perfeição


de seu método é principalmente valiosa como evidência da verdade
especulativa de seus princípios. Substituir o emprego do senso comum, ou
sujeitá-lo ao rigor das formas técnicas, seria o último desejo de alguém que
conheça o valor desse trabalho intelectual e da guerra que confere à mente
um vigor atlético, e ensina-a a apoiar-se com dificuldades e confiar em si
mesma em emergências. (BOOLE, 2015, p.2)

Após ter explicitado ao leitor o que o levou a escrever seu tratado de lógica,
Boole seguiu para a Introdução, onde explica alguns pensamentos, mostra algumas
convicções e aponta aspectos de sua obra. Boole, nesse capítulo, pareceu ter duas
grandes intenções:
1) A primeira, justificar de duas maneiras por que ele acreditava que a lógica
poderia ser considerada uma nova forma de matemática, e não uma área
da filosofia, que é como se pensava em seu tempo:
a. Na primeira das justificativas, defendeu a Lógica como uma forma
de Análise Matemática, juntamente com a Álgebra e com o Cálculo,
enfatizando suas similaridades;
b. Já na segunda justificativa, procurou utilizar argumentos do próprio
William Hamilton para defender o ponto de que a lógica deveria ser
associada à matemática;
61

2) A segunda, Boole pretendia mostrar que essa lógica que ele propunha
poderia ser considerada como a lógica do pensamento dedutivo e do
intelecto humano.
Vamos apresentar aqui, separadamente, cada uma delas.

1) A lógica como ciência

Antes de trazer à discussão as similaridades defendidas por Boole entre a


Lógica, a Álgebra e o Cálculo, vamos ressaltar neste ponto, como já vimos no
capítulo 2, que Boole estava imerso num contexto intelectual no qual vários
matemáticos ingleses (ele inclusive) estavam refletindo sobre os fundamentos
abstratos do cálculo algébrico, a ponto de ampliarem as fronteiras da álgebra para
além dos números e da ideia de quantidade. Segundo Blanché (1985, p.272):

Via-se cada vez melhor que as leis que regem a álgebra especificam um
certo domínio, mas que se pode entender a álgebra num sentido mais geral,
de maneira que os seus cálculos possam aplicar-se, mediante o abandono
de algumas das suas leis, a entidades diferentes daquilo a que chamamos
de números. (BLANCHÉ, 1985, p.272)

Essa nova pluralidade de aplicações que vinha sendo atribuída à álgebra


simbólica é precisamente o que, segundo Boole, poderia aproximá-la da lógica. Para
justificar isso, Boole apresentou, inicialmente, um argumento de que, mantendo-se
as leis da álgebra, esta, por meio do uso de símbolos, poderia ser utilizada para
solucionar diversos problemas de naturezas diferentes, a depender de sua
interpretação. Segundo Boole (2015b, p.3):

Aqueles que estão familiarizados com o estado atual da teoria da Álgebra


Simbólica estão cientes de que a validade dos processos de análise não
depende da interpretação dos símbolos empregados, mas apenas das leis
de sua combinação. Todo sistema de interpretação que não afeta a verdade
das relações supostas é igualmente admissível, e é assim que o mesmo
processo pode, sob uma certa interpretação, representar a solução de uma
questão relativa às propriedades dos números, segundo outra forma, a de
um problema geométrico, e segundo uma terceira, o de um problema de
dinâmica ou ótica. Este princípio é, de fato, de fundamental importância; e
pode-se afirmar com segurança que os avanços recentes da Análise pura
foram muito assistidos pela influência que ele exerceu na direção da atual
investigação. (BOOLE, 2015b, p.3)
62

Ou seja, Boole expôs seu ponto de vista de que a Álgebra poderia ser
utilizada para resolver problemas diversos, dando indícios de que utilizaria métodos
algébricos para solucionar os problemas de lógica que trataria nos próximos
capítulos de seu tratado. Note que o autor afirma que esse princípio algébrico foi de
fundamental importância para o desenvolvimento da Análise matemática,
aproximando os dois ramos de estudo.
Ainda na mesma justificativa, Boole mostrou as similaridades entre a Análise
e o Cálculo. Para isso, primeiramente, ele não limita a aplicação da Análise
Matemática, alegando que essa é uma área de estudo ainda recente no século XIX.
“A história da Análise pura é, pode-se dizer, muito recente para nos permitir
estabelecer limites na extensão de suas aplicações.” (BOOLE, 2015b, p.4). Assim,
num segundo momento, ele finalmente aproxima esses dois ramos da matemática,
admitindo que:

Podemos justamente atribuí-la [a Análise] como o caráter definitivo de um


verdadeiro Cálculo, que é um método que repousa sobre o emprego de
Símbolos, cujas leis de combinação são conhecidas e gerais, e cujos
resultados admitem uma interpretação consistente. (BOOLE, 2015b, p.4)

Por fim, após ter mostrado as similaridades e pontos em comum entre a


Lógica, a Álgebra, o Cálculo e a Análise Matemática, Boole reivindicou que o Cálculo
da Lógica deveria ser reconhecido como uma forma da Análise Matemática – mas
tendo suas particularidades, assim como as outras áreas citadas. Boole (2015b, p.4)
relata:

É sobre o fundamento deste princípio geral que eu pretendo estabelecer o


Cálculo da Lógica, e que eu reivindico para ele um lugar entre as formas
reconhecidas de Análise Matemática, independentemente de que, no seu
objeto e em seus instrumentos, ela deve estar presente sozinho. (BOOLE,
2015b, p.4)

E aqui devemos observar, tal como indica Corcoran (2003, p.264), que:

Pela expressão "análise matemática da lógica", Boole não pretendia sugerir


que estivesse analisando a lógica matematicamente ou usando a
matemática para analisar a lógica. Em vez disso, seu significado era que ele
achara que a lógica era uma nova forma de matemática, não uma forma de
filosofia como se pensava anteriormente. Mais especificamente, seu ponto
era que ele havia encontrado a lógica como uma forma do ramo da
matemática conhecido como análise matemática, que inclui álgebra e
cálculo. (CORCORAN, 2003, p.264)
63

Em outros termos, por essa passagem, Boole justificava que a Lógica deveria
ser considerada uma área da Matemática e, para reforçar essa ideia, apresentou
uma segunda justificativa, isto é, de que a lógica deveria ser associada à
matemática, como antecipamos. Boole argumentou com os escritos de William
Hamilton de forma a, a partir deles, concluir que a lógica deveria justamente ser um
campo da matemática, e não da filosofia ou da metafísica.
Boole iniciou sua argumentação destacando as duas definições que Hamilton
dá para a filosofia (ciência de uma existência real e pesquisa de causas), além de
enfatizar o desmerecimento que este tem para com a matemática e a visão que
possui de que, por ser uma ciência superior, cabe à filosofia o estudo da lógica.
Segundo Boole (2015b, p.10):

Em relação à lógica como um ramo da filosofia, e definindo a filosofia como


a “ciência de uma existência real” e “a pesquisa de causas”, e atribuindo
como seu principal negócio a investigação do “porquê”, enquanto a
matemática exibe apenas o “que”, Sir W. Hamilton argumentou, não
simplesmente, que a superioridade se baseia no estudo da lógica, mas que
o estudo da matemática é ao mesmo tempo perigoso e inútil. (BOOLE,
2015b, p.10).

Antes de continuar, porém, Boole tentou se resguardar de eventuais


desavenças ao dizer que seu intuito é apenas contribuir para a formação de visões
mais justas sobre esse assunto, e fez isso com grande cordialidade e respeito para
com Sir. W. Hamilton e seus trabalhos publicados. O autor relatou (2015b, p.11):

Meu objetivo não é a polêmica, e as observações que se seguem não são


oferecidas no espírito do antagonismo, mas na esperança de contribuir para
a formação de visões justas sobre um assunto importante. De Sir W.
Hamilton, é impossível falar de outra maneira do que com esse respeito,
que se deve ao gênio e ao aprendizado. (BOOLE, 2015, p.11)

Boole (2015b, p.11), após ter retomado a definição dada anteriormente por
Hamilton, reforçou que ela era comum entre os escritores antigos, trazendo uma
passagem de Seneca49 (4a.C. – 65d.C) em sua Epístola LXXXVIII:

A filosofia é então descrita como a ciência de uma existência real e a


pesquisa de causas. E não havendo dúvida sobre o significado da palavra
"causa", diz-se ainda, que a filosofia "investiga principalmente o porquê".

49Lucius Annaeus Sêneca. Foi um importante escritor e filósofo da época do Império Romano. Viveu
em Roma entre os anos de 4a.C. a 65d.C.
64

Essas definições são comuns entre os escritores antigos. Assim, Seneca,


uma das autoridades de Sir W. Hamilton, em sua Epístola LXXXVIII, "O
filósofo procura e conhece as causas das coisas naturais, das quais o
matemático pesquisa e calcula os números e as medidas". (BOOLE, 2015b,
p.11)

A partir dessas definições mostradas, Boole apresentou argumentos para


dissociar a lógica da filosofia. Segundo ele, os filósofos concluem que cabe à ciência
estudar leis e fenômenos, e que estudos sobre a natureza do ser e o porquê das
coisas estão além do alcance da inteligência humana. Bem, mas esse é justamente
o objetivo da filosofia segundo as definições previamente dadas, ou seja, a filosofia
torna-se impossível por não conseguir atingir seu objetivo.
Já a busca da essência da natureza do ser e dos porquês das coisas foi,
segundo Boole, um instinto de nossa própria natureza, dita superior. Sendo assim,
para ele, não era desesperador esse problema que perdurava desde os filósofos
antigos, que era referente aos estudos “sobre a natureza do ser” e “o porquê das
coisas” transcenderem a inteligência humana. Dessa maneira, indo de acordo com a
visão de natureza da própria filosofia, Boole concluiu que a lógica não poderia fazer
parte dessa ciência, e reivindicou que a lógica deveria ser associada à matemática,
e não mais à filosofia ou metafísica. Boole (2015b, p.11) relata:

Agora podemos nos posicionar com a convicção de muitas mentes


pensativas e reflexivas, que na extensão do significado acima declarado, a
Filosofia é impossível. O negócio da verdadeira Ciência, concluem, é com
leis e fenômenos. A natureza do Ser, o modo de operação da Causa, o
porquê, eles afirmam estar além do alcance de nossa inteligência. Mas não
exigimos o terreno privilegiado desta posição; nem há dúvida que
indiferentemente do objetivo de a Filosofia ser atingível ou não, o desejo
que nos impele a tentar é um instinto de nossa natureza superior. Que se
conceda que o problema que desorientou os esforços de anos não é sem
solução; que a "ciência de uma existência real" e "a pesquisa de causas",
"aquele núcleo" para o qual "a Filosofia ainda é militante", não transcendem
os limites do intelecto humano. Sou então obrigado a afirmar que, de acordo
com essa visão de natureza da Filosofia, a Lógica não faz parte dela. Na
origem de uma classificação verdadeira, não devemos mais associar Lógica
e Metafísica, mas Lógica e Matemática. (BOOLE, 2015b, p.11)

Boole, no intuito de defender ainda mais seu ponto de vista, convidou os


leitores que não estavam convictos – assim como ele estava – de que a lógica
deveria ser associada à matemática a verem, nos próximos capítulos de seu tratado,
como “a Lógica estará descansando sobre as verdades axiomáticas, como a
65

Geometria, e seus teoremas construídos sobre a doutrina geral dos símbolos, que
constitui o fundamento da Análise reconhecida.” (BOOLE, 2015b, p.12)
Essa foi a segunda justificativa do porquê Boole defendia que a Lógica
deveria ser um ramo da Matemática, finalizando assim o que parece ter sido a
primeira de duas grandes intenções que ele apresenta na Introdução de seu tratado.

2) A lógica do pensamento dedutivo

Já para delinear a sua segunda grande intenção, que era mostrar que essa
lógica que ele proporia poderia ser considerada como a “lógica do pensamento
dedutivo”, Boole reivindicou que seu método, apresentado nos capítulos seguintes
de seu tratado, fosse considerado o Cálculo do Raciocínio Dedutivo. Segundo Boole
(2015b, p.1):

É nos teoremas gerais que ocupam os últimos capítulos deste trabalho, -


resultados para os quais não há contrapartida existente, - que as
reivindicações do método, como um Cálculo do Raciocínio Dedutivo, são
completamente estabelecidas. (BOOLE, 2015b, p.1)

De fato, para dar suporte a essa reivindicação, Boole admitiu que a teoria da
lógica tinha muitos pontos em comum com a linguagem, sendo a proximidade desta
com a lógica a responsável por tornar a lógica possível. Boole (2015b, p.4) defende
que:

Aquilo que torna a Lógica possível é a existência em nossas mentes de


noções gerais - nossa capacidade de conceber uma classe e designar seus
membros individuais por um nome comum. A teoria da lógica está, portanto,
intimamente conectada com a da Linguagem. (BOOLE, 2015b, p.4)

Boole, nesse ponto, reflete sobre noções gerais que tornam a lógica possível,
noções essas que estão intrínsecas na mente humana: a concepção de classe e a
possibilidade de designar seus membros individuais por um nome (ou uma
característica) em comum. Boole chamará cada membro de uma classe de objeto 50.
Para ele, também, a importante função mental de eleição deriva da nossa

50Uma classe, para Boole, nada mais é do que uma espécie de grupo no qual os elementos (objetos)
com determinada característica em comum pudessem ficar juntos e organizados.
66

capacidade de selecionar dentro de uma infinidade de objetos aqueles que


pertencem ou não a uma determinada classe e saber apartá-los dos demais.
Ou seja, concebendo a noção de classe, selecionando uma delas e tendo em
mãos todas as possíveis coleções de objetos, separamos num ato mental todos
esses que pertencem a determinada classe. Isso é, dada uma determinada
característica, definição ou ideia (classe), podemos selecionar mentalmente, dentre
tudo o que existe, aqueles objetos que pertencem a esta classe, e os separarmos de
todos os outros. Esse processo de seleção pode ser repetido tantas vezes quanto se
queira, podendo inclusive ser sequencial, de modo que um objeto possa fazer parte
de no mínimo três classes simultaneamente. A Figura 5 a seguir exemplifica uma
visão geral desse processo.

Figura 5 - Exemplo da visão geral do processo que torna a lógica possível, segundo Boole

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

No exemplo da Figura 5, concebemos classes quaisquer que são


determinadas por algumas características específicas: classe dos objetos
tridimensionais, classe dos objetos azuis e classe dos objetos que são formados por
linhas não-retas. Ao pensarmos em tudo o que conhecemos (todos os objetos
concebíveis), conseguimos selecionar apenas os objetos que possuem essas
67

características específicas, de modo a facilmente perceber a diferença entre os


elementos que fazem parte das classes e os outros que não fazem.
Se por acaso fizermos uma seleção sequencial, primeiramente separando os
objetos que são de cor azul e, destes, escolhendo mentalmente os objetos que são
formados apenas por linhas não-retas (ou na ordem inversa, tanto faz), criaríamos
uma nova classe: a classe dos objetos de cor azul formados apenas por linhas não-
retas. Os objetos dessa classe fazem parte simultaneamente das três classes: das
duas anteriormente citadas e dessa nova formada pela seleção sequencial. Esse
procedimento pode ser repetido tantas vezes quanto se queira.
Boole pretendeu, então, formalizar “matematicamente” as leis específicas que
regem essas operações mentais citadas anteriormente, pois para ele o pensamento
humano está sujeito a determinadas leis que emergem da linguagem ordinária. Para
tal, Boole utilizou símbolos (álgebra simbólica) em prol de ultrapassar os limites da
linguagem ordinária, que são a escassez de definições mais precisas – “É de fato
um método similar ao que empregamos sempre que, em linguagem comum,
acumulamos epítetos descritivos para uma definição mais precisa.” (BOOLE, 2015b,
p.5). Em seu tratado, Boole propõe submeter essas operações mentais a leis
particulares - que, segundo ele, são “as leis de uma das mais importantes
faculdades mentais. A matemática que temos que construir é a matemática do
intelecto humano.” (BOOLE, 2015b, p.6).
Tendo então finalizado sua defesa de que a lógica que propunha era a lógica
do pensamento dedutivo e do intelecto humano, Boole propôs no primeiro capítulo
de seu livro, efetivamente, uma forma de algebrizar essa lógica, de modo a mostrar
ao leitor por que ele poderia se convencer disso.

3.2 Tratando algebricamente o pensamento

No intuito de delinear as “leis do pensamento” e as “matemáticas do espírito


humano”, Boole procurou estabelecer analogias entre os símbolos algébricos e os
da linguagem ordinária, a fim de poder fazer cálculos com eles. Segundo Blanché
(1985, p.274):

Para permitir um tratamento algébrico do pensamento tal qual ele se


exprime na nossa linguagem, Boole procura primeiro, partindo do raciocínio
68

algébrico que opera sobre signos 51, classificar esses signos segundo a sua
função, e em seguida encontrar o análogo dessas funções nas formas da
linguagem comum, de maneira a poder traduzir estas em signos algébricos,
e prestando-se como eles a um cálculo. (BLANCHÉ, 1985, p.274)

Para tal, nos capítulos 1 (Primeiros Princípios) e 2 (Sobre Expressão e


Interpretação), Boole os apresentou da seguinte maneira:
(i.) Símbolo 1 para representar o “Universo”;
(ii.) Símbolo 0 para representar o vazio, o nulo, a não-existência;
(iii.) Letras maiúsculas (X, Y, Z) para representar classes de objetos
concebíveis, e também para representar cada indivíduo pertencente a
essa classe;
(iv.) Letras minúsculas (x, y, z) para representar a seleção de elementos
pertencentes às classes;
(v.) O sinal de identidade (=); no caso, o sinal de igualdade explicita que
classes iguais têm o mesmo tamanho e o mesmo número de objetos,
um a um.
(vi.) Operadores (+, -, .), análogos aos da álgebra dos números reais, para
representar operações da mente pelas quais as coisas são
internamente transformadas ou combinadas, de forma a resultar em
novas concepções;
(vii.) Três leis: distributiva, comutativa e lei do índice.
O elemento que primeiro aparece é o (i.), chamado “Universo”, sendo
representado pelo “símbolo 1”. Segundo Boole (2015b, p.14), “Deixe-nos empregar o
símbolo 1, ou unidade, para representar o Universo, e deixe-nos entendê-lo como
compreendendo todas as classes concebíveis de objetos, existentes ou não”.
Ou seja, o Universo nada mais é do que a maior classe imutável que a mente
humana pode conceber, na qual todas as outras classes são subclasses dela.
Segundo Corcoran (2003, p.273), no Mathematical Analysis of Logic,

‘1’ expressa ‘o universo’, em que o universo é considerado a classe mais


abrangente, a única classe determinada da qual todas as outras classes são
uma subclasse. (...) ‘1’ é uma constante, (...) uma expressão cujo referencial
é considerado fixo, independentemente do contexto em que foi usado.
(CORCORAN, 2003, p.273)

51 Por “signo”, aqui, devemos entender os “símbolos algébricos”.


69

Cabe aqui salientar uma observação feita por Kneale e Kneale (1962), que
perceberam que Boole, na prática, utiliza o “Universo” de uma maneira ligeiramente
diferente da qual ele o apresenta. O “Universo” não é utilizado em sua definição
mais abrangente, sendo a reunião de todos os objetos concebíveis, mas sim acaba
sendo limitado pelo que se está a falar. Esse “Universo” é conhecido como “Universo
do discurso”, nomeado assim por De Morgan, mostrando mais uma vez que Boole
tinha conhecimentos dos trabalhos de seu amigo. Segundo Kneale e Kneale (1962,
p.415):

Na prática, Boole interpreta o símbolo 1 como designando aquilo que De


Morgan chamou o universo do discurso, isto é, não é a totalidade de todos
os objetos que se podem conceber, mas antes o conjunto de uma categoria
definida de coisas sobre as quais se está a falar. (KNEALE; KNEALE, 1962,
p.415)

Já o item (ii.), no caso, o símbolo 0, representa a não-existência de algo e


aparece no tratado sem uma definição formal de Boole. Porém, é fácil perceber que
ele assume justamente esse sentido – de mostrar a ausência de algo concebível
pela mente humana. Segundo Corcoran (2003, p.273):

No entanto, Boole não reconheceu apenas o termo universal e o termo


nulo52, ele lhes concedeu status teórico central. Vendo uma analogia entre
universalidade e unidade, Boole tomou o dígito "1" para expressar o termo
universal. Vendo uma analogia entre não-ser e zero, ele tomou o dígito "0"
para expressar o termo nulo. (CORCORAN, 2003, p.273)

Antes de apresentar o item (iii.), Boole (2015b, p.14) primeiramente insere


uma premissa: “um mesmo objeto pode estar em mais de uma classe ao mesmo
tempo, dependendo apenas de qual característica dele está sendo levada em
consideração”. Ainda segundo Boole (2015b, p.14), “sendo premissa que o mesmo
indivíduo pode ser encontrado em mais de uma classe, na medida em que pode
possuir mais de uma qualidade em comum com outros indivíduos.”
Vamos, neste ponto, trazer um breve exercício mental a fim de elucidar os
itens (i.) e (ii.) e a premissa necessária para se trazer o item (iii.) à discussão: é
possível que concebamos duas classes, sendo elas a classe dos animais, em que

52Note que aqui Corcoran escreve como se o feito de Boole fosse algo “inédito”. De fato, Aristóteles
não reconhecia em sua lógica clássica essas duas entidades, o “universo” e a “nulidade”. Corcoran
(2003, p.272) relata “Em sua lógica, Aristóteles não reconheceu o termo universal ‘entidade’ ou ‘coisa’
nem reconheceu o termo nulo ‘não-entidade’.”
70

todos seus objetos são, por definição, animais, e a classe de tudo o que vive
embaixo d’água. Podemos facilmente perceber que essas duas classes são, como
aponta (i.), subclasses do Universo, pois essas classes podem ser concebidas.
Também podemos facilmente conceber, como indica a premissa, objetos comuns às
duas classes (por exemplo peixes) e objetos que estão em apenas uma delas (por
exemplo cachorros, que pertencem à classe dos animais, e bactérias subaquáticas,
que pertencem à classe de tudo o que vive embaixo d’água). E, por fim, como
aponta (ii.), podemos conceber objetos que não estão em nenhuma das classes (por
exemplo uma árvore). A Figura 6 a seguir representa esse exemplo.

Figura 6 - Exemplo para elucidar os itens (i.), (ii.) e (iii.) dos elementos da álgebra de Boole.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Boole, para apresentar o item (iii.), atribui letras maiúsculas (X, Y, Z) para
designar cada indivíduo de uma classe e, por fim, para generalizar o nome desta
classe. A classe T, por exemplo, seria a classe que une todos os membros
individuais (objetos) Ts que tenham uma característica específica em comum.
Segundo Boole (2015b, p.14):

Permita-nos empregar as letras X, Y, Z, para representar os membros


individuais das classes, X referindo-se a cada membro de uma classe, como
membros dessa classe particular, e Y a cada membro de outra classe como
71

membros dessa classe, e assim sucessivamente, de acordo com a


linguagem recebida dos tratados de Lógica (BOOLE, 2015b, p.14).

Para trazer à discussão o item (iv.), Boole solicitou ao leitor que este
concebesse uma classe em que seus objetos fossem letras minúsculas. No caso,
“símbolos x, y, z”, que ele denominou “símbolos eletivos”. Fato é, se esses símbolos
fazem parte de uma única classe, é esperado que todos tenham alguma
característica em comum. Boole então apresenta esta característica ao leitor: cada
um desses símbolos (representados por letras minúsculas) pode selecionar, dentro
de uma classe qualquer, objetos que possuam uma característica qualquer em
comum, mais intrínseca (ou não) do que a característica que já os mantinha unidos.
Esses símbolos representam “o processo mental de separar ou eleger os elementos
das classes (ato eletivo característico do raciocínio na mente humana)”. (SOUSA,
2012, p.168).
Por exemplo, suponha o símbolo eletivo representado pela letra minúscula x,
que tem como característica a seleção de objetos de outras classes que sejam da
cor azul. Assim, x pode selecionar objetos azuis de qualquer outra classe: carros
azuis da classe carros, camisetas azuis da classe camisetas, dentre outras. Se por
acaso usássemos o símbolo eletivo x para selecionar do Universo (como Boole o
define) todos os objetos que tenham como característica ser da cor azul, o ato desta
seleção nos conceberia a classe X, “Azul”, em que todos os objetos individuais X
pertencentes a essa classe têm uma característica em comum. Nas palavras de
Boole (2015b, p.14):

Além disso, podemos conceber uma classe de símbolos x, y, z, possuídos


da seguinte característica.
O símbolo x operando sobre qualquer conjunto compreendendo indivíduos
de classes, deve selecionar deste conjunto todos os Xs que ele contém. Da
mesma maneira o símbolo y operando sobre qualquer conjunto, deverá
selecionar dele todos os indivíduos da classe Y que são abrangidos por ele,
e assim por diante. (...) Pela natureza da operação que os símbolos x, y, z,
são concebidos para representar, devemos designá-los como símbolos
eletivos. (BOOLE, 2015b, p.14)

Note que os símbolos eletivos são o paralelo que Boole faz com a função
mental de eleição – uma das noções gerais que tornam a lógica possível,
apresentada na sua Introdução.
72

Note também que, comparando com a lógica de Aristóteles, as classes


representam os substantivos, adjetivos ou expressões descritivas. Na frase “Todo
homem é racional”, as classes substituirão os termos “homem” e “racional”,
substantivo (sujeito) e adjetivo (predicado), respectivamente.
Já para discorrer sobre a identidade, no caso, o item (v.), ele apresenta a
primeira conclusão algébrica de seu tratado, que é x = x. Segundo Boole (2015b,
p.14):

Quando nenhum conjunto é expresso, devemos supor que 1 (o Universo)


seja o conjunto entendido, para que possamos ter x = x. O significado de
qualquer um dos termos [o x antes ou depois da igualdade] é a seleção de
todos os Xs que o Universo contém, e o resultado da operação sendo em
linguagem comum, a classe X, isto é, a classe da qual cada membro é um
X. (BOOLE, 2015b, p.14)

Note que Boole ressalta que quando não se indica qual a classe sob a qual se
está a fazer uma seleção com um símbolo eletivo, deve-se considerar o Universo
como um todo. Note também que, comparando com a lógica aristotélica, o símbolo
de igualdade representa a cópula – o verbo de ligação. Na frase “Todo homem é
racional”, o sinal de igualdade representa o verbo “ser” conjugado, no caso, o “é”.
Para trazer à discussão o item (vi.), Boole apresenta formalmente a operação
de multiplicação e a operação de subtração (complemento ou negação), deixando
de formalizar a operação da adição. Porém, é fácil notar que para ele a adição
representa a união de duas classes, bem como a multiplicação indica a intersecção
de duas classes e a subtração o complemento de determinada classe, ou seja, todos
os objetos que não fazem parte desta classe.
Na visão de Boole, a respeito da multiplicação, o produto xy deve ser
interpretado como sendo primeiramente a seleção dos objetos do conjunto Universo
que contenham a característica y, e desses, a seleção dos que contenham a
característica x53, de modo que o resultado dessa multiplicação sejam objetos que
possuam tanto a característica y quanto a característica x. Nas palavras de Boole
(2015b, p.14):

53 Note aqui que, para Boole, a multiplicação deve ser “lida” da direita para a esquerda, ou seja, a
primeira seleção realizada por um símbolo eletivo é a seleção do símbolo que se encontra à direita na
multiplicação. Em xy, primeiro seleciona-se y, para a partir desta seleção, selecionar posteriormente
x.
73

A partir das premissas, seguirá que o produto xy representará,


sucessivamente, a seleção da classe Y, e a seleção a partir da classe Y de
indivíduos da classe X nela contida, e o resultado traz a classe de quem os
membros são ambos Xs e Ys. E do mesmo modo o produto xyz
representará uma operação composta da qual os elementos sucessivos são
a seleção da classe Z, a seleção a partir dela de indivíduos da classe Y que
estão nela contidos, e a seleção a partir do resultado assim obtido de todos
os indivíduos da classe X que ele contém, sendo o resultado final a classe
comum a X, Y e Z. (BOOLE, 2015b, p.14)

A respeito da subtração ou, no caso, da negação, Boole explica o que ele


entende por classes complementares – no caso, classes que unidas resultarão no
Universo. Boole (2015b, p.20) aponta:

1. A fim de expressar a classe, não-X, isto é, a classe incluindo todos os


indivíduos que não são Xs.
A classe X e a classe não-X juntos compõem o Universo. Mas o Universo é
1, e a classe X é determinada pelo símbolo x, portanto a classe não-X será
determinada pelo símbolo 1-x.
(...) E da mesma forma, como o produto xy expressa a classe inteira cujos
membros são ambos Xs e Ys, o símbolo y(1-x) representará a classe cujos
membros são Ys, mas não Xs, e o símbolo (1-y)(1-x) a classe inteira cujos
membros não são Xs nem Ys. (BOOLE, 2015b, p.20).

Para resumir o que até agora foi apresentado e trazendo à tona o interesse
lógico que esta álgebra do pensamento sugerida por Boole tem, Blanché (1985,
p.276) faz o seguinte apontamento:

Mas uma tal álgebra só tem evidentemente interesse para um lógico se


puder encontrar-se-lhe uma interpretação em termos de lógica. Para as três
espécies de símbolos reconhecidas à partida, a interpretação lógica é
diretamente sugerida pela analogia sublinhada por Boole entre os símbolos
algébricos e as palavras da linguagem: os símbolos literais representarão
conceitos que, interpretados em extensão como faz Boole, correspondem a
classes; os símbolos das duas operações fundamentais, adição e
multiplicação, são convenientes para a soma lógica (reunião de duas
classes) e para o produto (intersecção de duas classes); por fim, o símbolo
de igualdade significa que as duas classes cujos símbolos a enquadram tem
a mesma extensão, que se incluem mutuamente. Mas que podem de fato
significar, do ponto de vista lógico, os símbolos 1 e 0, característicos desta
álgebra? Boole interpreta-os assim: 1 simboliza a classe universal, a que
inclui a totalidade dos seres, Tudo, e 0 a classe vazia ou numa Nada, e
simboliza assim a não-existência. Esta interpretação introduz uma
importante novidade na lógica das classes tradicional, isto é, na silogística
interpretada em extensão. Esta conhece de fato a universalidade de uma
classe, isto é, a classe tomada em toda a sua extensão, mas ignora a
classe universal, e também não tem em consideração a classe vazia.
(BLANCHÉ, 1985, p.276)
74

Por fim, Boole discute as três leis indicadas em (vii.), que são as “leis de
combinação e de sucessão”. (BOOLE, 2015, p.15). No caso, são as leis distributiva,
comutativa e lei do índice54. As leis distributiva e comutativa são análogas às leis da
álgebra dos números reais, sendo uma exceção apenas a lei do índice. Sobre essas
leis, Boole relata como apresentado abaixo.
A primeira delas, a distributiva, Boole (2015b, p.15) relata da seguinte
maneira:

O resultado de um ato de eleição 55 é independente do agrupamento ou


classificação do conjunto.
Portanto, é indiferente se de um grupo de objetos considerados como um
todo, selecionamos a classe X, ou se dividimos o grupo em duas partes,
selecionamos os Xs deles separadamente e, em seguida, conectamos os
resultados em uma concepção agregada. Nós podemos expressar essa lei
matematicamente pela equação
x(u+v) = xu + xv
u+v representando o conjunto não dividido, e u e v as partes componentes
dele. (BOOLE, 2015b, p.15)

Semelhantemente à Álgebra dos números reais (quando um dos fatores é


reescrito como a adição de dois números, o produto não muda), a lei distributiva
indica que o resultado da seleção não se altera quando uma das classes é reescrita
como a adição de outras duas. Ou seja, o resultado de uma seleção será o mesmo
se a fizermos a partir de uma classe inteira de objetos de mesma característica ou
se dividirmos essa classe em tantas partes quanto quisermos para, após isso,
selecionarmos os objetos de mesma característica.
No caso:
xy = x(u+v) = xu + xv = xy
A segunda lei, a comutativa, Boole (2015b, p.15) descreve da seguinte
maneira:

É indiferente em qual ordem dois sucessivos atos de eleição são realizados.


Se a partir da classe de animais, selecionamos ovelhas, e das ovelhas, as
que possuem chifres, ou se a partir da classe de animais selecionamos os
animais que possuem chifres, e a partir desses, as ovelhas, o resultado não
é afetado. Em ambos os casos, chegamos à classe das ovelhas com chifre.
A expressão simbólica desta lei é
xy = yx (BOOLE, 2015b, p.15)

54Hoje em dia, conhecida como “lei do idempotente”.


55Boole algumas vezes utiliza o verbo “selecionar” e outras vezes o verbo “eleger” para designar a
função dos símbolos eletivos. Nós, a partir deste ponto, utilizaremos apenas o verbo “selecionar” e
suas devidas conjugações para exprimir essa função.
75

Ou seja, semelhantemente à Álgebra dos números reais (a ordem em que


multiplicamos os números não altera o produto), a lei comutativa indica que o
resultado de uma sequência de seleções não se altera indiferentemente da ordem
em que são realizadas. Isto é, se a partir de uma classe selecionarmos
determinados objetos com certa característica1 e, a partir da classe resultante dessa
seleção selecionarmos outros objetos com outra característica2, será o mesmo que
inicialmente selecionarmos os objetos com a característica2 para, a partir da classe
resultante dessa seleção, selecionarmos os objetos com a característica1.
No caso:
xy = yx
A terceira lei, a lei do índice, Boole (2015b, p.16) descreve da seguinte
maneira:

O resultado de um determinado ato de eleição realizado duas vezes, ou


qualquer número de vezes em sucessão, é o resultado do mesmo ato
realizado uma vez.
Se de um grupo de objetos selecionamos os Xs, obtemos uma classe da
qual todos os membros são Xs. Se repetimos a operação nessa classe, não
se verificará nenhuma alteração: ao selecionar os Xs, tomamos o todo.
(BOOLE, 2015b, p.16)

Ou seja, se usássemos um operador eletivo para fazer uma determinada


seleção e, a partir do resultado obtido usássemos novamente esse mesmo operador
eletivo para fazer uma nova seleção, e novamente, e quantas vezes quisermos,
nada mudaria (estaríamos fazendo a intersecção de uma classe com ela mesma).
Quer dizer, o resultado seria o mesmo que se tivéssemos aplicado esse operador
eletivo apenas uma única vez.
Boole escreve essa igualdade matemática da seguinte maneira:
xx = x ou x2 = x
E ainda supondo que a mesma operação seja realizada n vezes:
xn = x
Sobre essas três leis especificamente, Boole concluiu que as duas primeiras
são iguais às leis distributiva e comutativa da álgebra dos números reais, porém a
terceira, a lei do índice, é particular para os símbolos eletivos – ou seja, é algo
76

incomum56 aos olhos da álgebra dos números reais. Nas palavras de Boole (2015b,
p.17):

Da primeira delas, parece que os símbolos eletivos são distributivos, da


segunda, que são comutativos; propriedades que possuem em comum com
símbolos de quantidade, e em virtude dos quais, todos os processos da
álgebra comum são aplicáveis ao sistema atual. O único e suficiente axioma
envolvido nesta aplicação é que operações equivalentes realizadas sobre
conjuntos equivalentes produzem resultados equivalentes.
A terceira lei devemos denominar a lei do índice. É particular aos símbolos
eletivos, e será de grande importância ao permitir-nos reduzir os nossos
resultados aos formulários para a interpretação. (BOOLE, 2015b, p.17)

De fato, esta lei não é válida na álgebra dos números reais, exceto por dois
casos específicos: para os números 0 e 1, pois 0 2 = 0 e 12 = 1, podendo exceder
nosso diagnóstico para 0n = 0 e 1n = 1. Podemos então sugerir que a lógica proposta
por Boole é uma espécie particular de álgebra, na qual os símbolos numéricos
poderiam receber somente os valores 0 e 157.
Inclusive, no Pós-Escrito do tratado, Boole expõe a peculiaridade da álgebra
que acabara de criar: ela poderia se assemelhar à álgebra dos números reais, desde
que somente se admitisse os valores 0 e 1 para a realização dos cálculos. Boole
(2015b, p.87) relata que:

Em virtude do princípio de que uma proposição é verdadeira ou falsa, todo


símbolo eletivo empregado na expressão de hipotéticos admite apenas os
valores 0 e 1, que são as únicas formas quantitativas de um símbolo eletivo.
É de fato possível, partindo da teoria das Probabilidades 58 (que é puramente
quantitativa), chegar a um sistema de métodos e processos para o
tratamento de hipotéticos exatamente similares àqueles que foram dados.
(BOOLE, 2015b, p.87)

Boole (2015a, p.37) reafirma e detalha um pouco mais essa peculiaridade em


seu segundo tratado de lógica – The Laws of Thought. Segundo ele:

Concebemos, portanto, uma álgebra na qual os símbolos x, y, z, etc.,


admitem indiferentemente os valores 0 e 1, e só estes valores. Então as

56 Alguns autores, como por exemplo Broadbent (2007, p.324), acreditam que a lei do índice tenha
marcado uma ruptura com a álgebra dos números reais.
57 Essa é a base do que hoje consideramos ser a álgebra booleana: uma álgebra que aceita somente

os valores 0 e 1, os “números binários”.


58 Aqui Boole dava indícios do que seria o próximo passo de sua pesquisa do ramo da lógica: o

estudo das probabilidades. Fato que efetivamente se comprovou, ao passo que em 1854 ele publicou
o tratado “Leis do Pensamento”, que é uma espécie de avanço ao conteúdo apresentado no “Análise
Matemática da Lógica”, porém direcionado ao estudo das probabilidades.
77

leis, os axiomas e as operações de uma tal álgebra serão idênticos, em toda


a sua extensão, às leis, axiomas e operações de uma álgebra lógica. Só
diferenças de interpretação as separarão. (BOOLE, 2015a, p.37)

Boole também destaca uma outra diferença entre a álgebra da lógica e a


álgebra dos números reais. Na álgebra dos números reais, se temos uma igualdade:
xy = xz, com x diferente de 0
conseguimos concluir que:
y = z.
Já na álgebra proposta por Boole isso não necessariamente é uma verdade.
Daremos um exemplo para mostrar esse ponto.
Exemplo:
Concebamos o universo R dos números reais, a classe N dos números
naturais e a classe Z dos números inteiros, todos caracterizados como os conjuntos
que hoje conhecemos, com seus respectivos operadores eletivos r, n e z. Agora,
utilizaremos um símbolo eletivo p que seleciona todos os números que são não-
negativos. Se fizermos a multiplicação pn, teremos como resultado todos os
números Naturais que são não-negativos (0, +1, +2, +3, ...). Se fizermos a
multiplicação pz, teremos como resultado todos os números Inteiros que são não-
negativos (0, +1, +2, +3, ...). Pelas definições dos conjuntos N e Z, sabemos que
seus números não-negativos são iguais um a um, ou seja, a classe dos números
Naturais não-negativos é exatamente igual, objeto a objeto, à classe dos números
Inteiros não-negativos.
Assim, o resultado da multiplicação pn se iguala ao resultado da multiplicação
pz, fazendo com que pn = pz, porém com n e z diferentes. Dessa igualdade, na
álgebra da lógica, o máximo que podemos concluir é que os objetos da classe
resultante da multiplicação pn são os mesmos que da classe resultante da operação
pz, e só. Não se pode concluir, como se poderia a partir da álgebra dos números
reais, que N = Z.
A Figura 7 a seguir elucida esse exemplo.
78

Figura 7 - Representação do exemplo que mostra a peculiaridade da álgebra da lógica.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Boole (2015b, p.17) chega nessa mesma conclusão, e escreve:

A expressão de uma verdade não pode ser negada por uma operação
legítima, mas pode ser limitada. A equação y = z implica que as classes Y e
Z são equivalentes, membro a membro. Multiplique por um fator x, e temos
xy = xz, que expressa que os indivíduos que são comuns às classes X e Y
também são comuns a X e Z, e vice-versa. Esta é uma inferência
perfeitamente legítima, mas o fato que ela declara é menos geral do que foi
afirmado na proposição original. (BOOLE, 2015b, p.17)

Vamos agora retomar os itens (vi.) e (vii.) a partir de dois exemplos – um


numérico e outro não – que serão utilizados para elucidar esses elementos da
álgebra de Boole.
Exemplo 1 (não numérico):
Conceba a classe (U) das camisas (nosso universo do discurso). Usaremos
os símbolos eletivos a e m para designar, respectivamente, a seleção de objetos
amarelos e a seleção de objetos de manga curta. Uma possível representação do
nosso universo é apresentada na Figura 859 a seguir:

59É fácil perceber que o universo U (das camisas) não fica totalmente representado com as classes a
(Amarelas) e m (Mangas Curtas), existindo ainda objetos que não fazem parte nem de uma classe,
nem de outra.
79

Figura 8 - Universo do Exemplo 1.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Exemplo 2 (numérico):
Concebamos a classe (Z) dos números inteiros (nosso universo do discurso).
Usaremos os símbolos eletivos s e t para designar, respectivamente, a seleção dos
números menores que +6 e dos números maiores que +3. Uma possível
representação do nosso universo é apresentada na Figura 960 a seguir:

Figura 9 - Universo do Exemplo 2.

Fonte: elaborado pelo autor, 2018

60Pela definição do nosso universo Z (conjunto dos números inteiros), fica fácil perceber que todo ele
é representado com as classes s (menores do que +6) e t (maiores do que +3), não restando nenhum
objeto fora delas.
80

Verificando a multiplicação por meio dos exemplos:


Utilizando nosso Exemplo 1, poderíamos fazer ma ou am. Escolhamos então
fazer:
am.

Nesse caso, selecionaríamos primeiramente, dentre todas as camisas,


aquelas que têm mangas curtas. Destas, seguidamente, selecionaríamos as que são
amarelas, resultando, assim, na classe que contém todas as camisas que
simultaneamente têm mangas curtas e são amarelas. Uma possível representação
desse resultado é apresentada na Figura 10 a seguir (região destacada em preto):

Figura 10 - Multiplicação do Exemplo 1.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Utilizando nosso Exemplo 2, poderíamos fazer ts ou st. Escolhamos então


fazer:
ts.
Nesse caso, selecionaríamos primeiramente, dentre todos os números
inteiros, aqueles que são menores do que +6. Destes, seguidamente,
selecionaríamos aqueles que são maiores do que +3, resultando, assim, na classe
que contém todos os números inteiros que simultaneamente são maiores do que +3
e menores do que +6. No caso, os resultados seriam apenas os números +4 e +5.
81

Uma possível representação desse resultado é apresentada na Figura 11 a seguir


(setas destacadas em preto):

Figura 11 - Multiplicação do Exemplo 2.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Verificando a adição, o complemento e a lei distributiva por meio dos


exemplos:
Utilizando nosso Exemplo 1, vamos dividir a classe M (classe das camisas de
manga curta) em duas partes: utilizaremos um símbolo eletivo b que selecionará,
dentre essas camisas, as que possuem botão – formando assim a classe B;
utilizaremos também um símbolo eletivo d que selecionará, dentre essas camisas,
as que não possuem botão – formando assim a classe D.
Fica claro pelo princípio da não-contradição que todas as camisas de manga
curta ou têm botão, ou não têm, e que essas classes (B e D) são mutuamente
excludentes e complementares. Dessa forma, podemos afirmar categoricamente
que:
m = b + d,
que b = m – d
e que d = m – b.
Já sabemos que o resultado da multiplicação de a por m (am) resulta em
todas as camisas que simultaneamente têm mangas curtas e são amarelas.
Façamos agora a soma dos resultados das multiplicações de a por b e de a por d,
para ver se obteremos o mesmo resultado que a multiplicação de a por m, ou seja,
queremos ver se:
ab + ad = am = a(b+d) por hipótese. (I)
82

Para realizarmos a multiplicação ab, primeiro selecionamos as camisas de


manga curta que tenham botão e, destas, selecionamos as que são amarelas,
resultando na classe que contém todas as camisas amarelas de manga curta que
possuem botões. Para realizarmos a multiplicação ad, primeiro selecionamos as
camisas de manga curta que não tenham botão e, destas, selecionamos as que são
amarelas, resultando na classe que contém todas as camisas amarelas de manga
curta que não possuem botões.
Bem, ao fazermos:
ab + ad,
estaremos juntando as camisas amarelas de manga curta que têm botões
com as camisas amarelas de manga curta que não têm botões, ou seja, estaremos
selecionando todas as camisas amarelas de manga curta, chegando assim no
mesmo resultado que a multiplicação am. Escreveríamos da seguinte maneira:
ab + ad = am, verificando (I).
Uma possível representação desse resultado é apresentada na Figura 12 a
seguir (região destacada em preto):

Figura 12 - Lei Distributiva do Exemplo 1.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Utilizando nosso Exemplo 2, vamos dividir a classe S (classe dos números


inteiros menores do que +6) em duas partes: utilizaremos um símbolo eletivo n que
83

selecionará, dentre esses números, os negativos – formando assim a classe N;


utilizaremos também um símbolo eletivo p que selecionará, dentre esses números,
os que são não-negativos – formando assim a classe P.
Fica claro pelo princípio da não-contradição que todos os números inteiros
menores que +6 ou são negativos ou são não-negativo e que essas classes (N e P)
são mutuamente excludentes e complementares. Dessa forma, podemos afirmar
categoricamente que:
s = n + p,
que n = s – p,
e que p = s – n.
Já sabemos que o resultado da multiplicação de t por s (ts) resulta na classe
que contém todos os números inteiros que simultaneamente são maiores do que +3
e menores do que +6 (no caso, os números +4 e +5). Façamos agora a soma dos
resultados das multiplicações de t por n e de t por p, para ver se obteremos o
mesmo resultado que a multiplicação de t por s, ou seja, veremos se:
tn + tp = ts = t(n+p) por hipótese. (II)
Para realizarmos a multiplicação tn, primeiro selecionamos todos os números
inteiros negativos menores do que +6 (ou seja, todos os números inteiros negativos),
e desses selecionamos quais são maiores do que +3; no caso, nenhum. Para
realizarmos a multiplicação tp, primeiro selecionamos os números não-negativos
menores do que +6, ou seja, os números 0, +1, +2, +3, +4 e +5 e, desses,
selecionamos os que são maiores do que +3, resultando na classe que contém os
números +4 e +5.
Bem, ao fazermos:
tn + tp,
estaremos juntando um resultado vazio com os números +4 e +5, ou seja,
estaremos selecionando apenas os números +4 e +5, chegando assim no mesmo
resultado que a multiplicação ts. Escreveríamos da seguinte maneira:
tp + tn = ts, verificando (II).
Uma possível representação desse resultado é apresentada na Figura 13 a
seguir (setas destacadas em preto):
84

Figura 13 - Lei Distributiva do Exemplo 2.

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Verificando a lei comutativa por meio dos exemplos:


Utilizando nosso Exemplo 1, teremos que verificar se a multiplicação am
resulta no mesmo que a multiplicação ma, ou seja, se:
am = ma. (III)
Já sabemos o resultado da multiplicação am, que é a classe que contém
todas as camisas que simultaneamente têm mangas curtas e são amarelas. Para
fazermos a multiplicação ma, primeiro selecionamos do universo das camisas todas
as que são amarelas e, destas, selecionamos as que possuem manga curta,
resultando assim na classe que contém todas as camisas que simultaneamente são
amarelas e possuem manga curta, verificando (III).
Utilizando nosso Exemplo 2, teremos que verificar se a multiplicação ts resulta
no mesmo que a multiplicação st, ou seja, se:
ts = st. (IV)
Já sabemos o resultado da multiplicação ts, que é a classe que contém todos
os números inteiros que simultaneamente são maiores do que +3 e menores do que
+6, ou seja, os números +4 e +5. Para fazermos a multiplicação st, primeiro
selecionamos do universo dos números inteiros todos aqueles são maiores do que
+3, ou seja, os números +4, +5, +6, …; destes, selecionamos os que são menores
do que +6, ou seja, apenas os números +4 e +5, verificando (IV).
Verificando a lei do índice por meio dos exemplos:
Utilizando nosso Exemplo 1, teremos que, por exemplo, verificar se
aa = a2 = a, (V)
85

ou seja, se o resultado da seleção do símbolo eletivo a é o mesmo que o da


multiplicação aa. Ao usarmos a seleção do símbolo eletivo a, sabemos que estamos
selecionando, dentro do universo das camisas, todas as que são amarelas, ou seja,
nosso resultado será a classe das camisas que são amarelas. Agora, a partir desse
resultado, ou seja, a partir das camisas que são amarelas, usaremos a para
selecionar todas as camisas amarelas. No caso, selecionaremos exatamente o
resultado que já tínhamos antes: se selecionarmos de todas as camisas que são
amarelas as camisas amarelas, selecionaremos o todo. Assim, verificaremos (V) e,
se repetirmos esse processo mais inúmeras vezes, todas resultarão nas camisas
que são amarelas, concluindo finalmente que:
an = a.
Utilizando nosso Exemplo 2, teremos que, por exemplo, verificar se
tt = t2 = t, (VI)
ou seja, se o resultado da seleção do símbolo eletivo t é o mesmo que o da
multiplicação tt. Ao usarmos a seleção do símbolo eletivo t, sabemos que estamos
selecionando, dentro do universo dos números inteiros, todos aqueles que são
maiores do que +3, ou seja, nosso resultado será os números +4, +5, +6, +7, .... .
Agora, a partir desse resultado, ou seja, a partir dos números inteiros maiores do
que +3, usaremos t para selecionar todos os que são maiores do que +3. No caso,
selecionaremos exatamente o resultado que já tínhamos antes: se selecionarmos de
todos os números inteiros que são maiores do que +3 os números que são maiores
do que +3, selecionaremos o todo. Assim, verificaremos (VI) e, se repetirmos esse
processo mais inúmeras vezes, todos eles resultarão nos números +4, +5, +6, +7,
..., concluindo finalmente que:
tn = t.
Após ter apresentado ao leitor os elementos de sua álgebra, Boole
apresentou as relações que podem ser feitas entre ela e a lógica vigente, a clássica.

3.3 Boole e a algebrização das proposições

Boole, no segundo capítulo de seu tratado, Sobre Expressão e Interpretação,


deu o seu entendimento sobre o que é uma proposição (oriunda da lógica clássica) e
86

apresentou as quatro proposições categóricas (também da lógica clássica), para


finalmente apresentar suas algebrizações.
Para Boole (2015b, p.19), uma proposição é:

Uma sentença que afirma ou nega, como Todos os homens são mortais,
Nenhuma criatura é independente.
Uma proposição tem necessariamente dois termos, como homens, mortais;
o primeiro dos quais, ou o de quem se fala, é chamado de sujeito; o
segundo, ou aquilo que é afirmado ou negado do sujeito, o predicado. Estes
são conectados juntos pela cópula é, ou não é, ou por alguma outra
modificação do verbo ser.
O verbo ser é o único verbo reconhecido na lógica; todos os outros são
resolvíveis por meio do verbo ser e um particípio ou adjetivo, exemplo: "Os
romanos conquistaram"; a palavra conquistada é tanto cópula quanto
predicado, sendo equivalente a "foram (cópula) vitoriosos" (predicado). Uma
proposição deve ser afirmativa ou negativa e deve ser também universal ou
particular. (BOOLE, 2015b, p.19)

Note que o entendimento de Boole sobre proposições é exatamente o


entendimento de Aristóteles, não introduzindo nenhuma novidade. No caso, a
álgebra que ele apresenta foi fundamentada a partir de noções tidas por ele como
corretas. Assim, Boole traduz as proposições categóricas da linguagem ordinária
para a sua linguagem algébrica, como vemos a seguir:

1) Proposição categórica universal afirmativa (A) – Todo X é Y.


Boole (2015b, p.20) infere:

A fim de expressar a proposição, todos os Xs são Ys.


Como todos os Xs que existem são encontrados na classe Y, é óbvio
que selecionar do Universo todos os Ys, e a partir destes selecionar
todos os Xs, é o mesmo que selecionar uma vez do Universo todos
os Xs. Consequentemente xy = x, ou x(1-y) = 0 (BOOLE, 2015b, p.20)

Ou seja, para apresentar algebricamente a proposição afirmativa universal,


Boole destacou uma característica das subclasses que acabara de apresentar, de
modo que uma subclasse está inteiramente contida em outra classe. Para tanto, ele
escreve:
xy = x,
indicando que “todo X é Y”, ou seja, classe X é uma subclasse de Y, ou, utilizando o
princípio da não-contradição:
x(1-y)=0.
87

2) Proposição categórica universal negativa (E) – Nenhum X é Y.


Boole (2015b, p.20) relata:

A fim de expressar a proposição, nenhum dos Xs são Ys.


Afirmar que nenhum dos Xs são Ys, é o mesmo que afirmar que não há
termos em comum às classes X e Y. Agora, todos os indivíduos comuns a
essas classes são representados por xy. Daí a proposição de que nenhum
dos Xs são Ys, é representada pela equação xy = 0 (BOOLE, 2015b, p.20)

Ou seja, para apresentar algebricamente a proposição universal negativa,


Boole destaca que nesse caso as classes X e Y não têm elementos em comum.
Para tanto, ele escreve:
xy = 0,
indicando que “nenhum X é Y”.
3) Proposição categórica particular afirmativa (I) – Alguns X são Y.
Boole (2015b) sentiu a necessidade de criar uma classe V, que seria a classe
que contém os termos em comum das classes X e Y. Ou seja, ele definiu como
classe V a classe resultante do produto/intersecção xy, assumindo que ela nunca
será vazia. Boole (2015b, p.20) escreve:

A fim de expressar a proposição, Alguns Xs são Ys.


Se alguns Xs são Ys, existem alguns termos comuns às classes X e Y.
Façamos esses termos constituírem uma classe separada V, a qual deve
corresponder um símbolo eletivo separado, v, então v = xy.
E como v inclui todos os termos comuns às classes X e Y, podemos
interpretá-lo, indiferentemente, como alguns Xs ou alguns Ys. (BOOLE,
2015b, p.20)

4) Proposição categórica particular negativa (O) – Alguns X são não-Y.


Boole (2015b, p.21) infere:

A fim de expressar a proposição, alguns Xs não são Ys.


Na última equação, escreva 1-y para y, e temos v = x(1-y), a interpretação
de v é indiferentemente Alguns Xs ou Alguns Não-Ys. (BOOLE, 2015b,
p.21).

De fato, ele apenas faz uma mudança na proposição (I) de modo a


transformá-la numa proposição (O).
Para resumir a álgebra aplicada nas proposições categóricas,
apresentaremos o Quadro 4 a seguir:
88

Quadro 4 - Álgebra de Boole para as Proposições Categóricas.

Proposição Lógica Clássica Lógica Algébrica

Universal Afirmativa (A) Todo X é Y xy = x ou x(1-y) = 0

Universal Negativa (E) Nenhum X é Y xy = 0

Particular Afirmativa (I) Algum X é Y v = xy

Particular Negativa (O) Algum X é não-Y v = x(1-y)

Fonte: elaborado pelo autor (2018)

Ainda no assunto sobre as proposições categóricas, Boole garante que tudo o


que já foi apresentado até esse ponto de sua obra é suficiente para a dedução das
inferências lógicas. Segundo ele: “as equações acima envolvem a teoria completa
das proposições categóricas, e, na medida em que respeita o emprego da análise
para a dedução das inferências lógicas, nada mais pode ser desejado.” (BOOLE,
2015b, p.21)
Apresentaremos agora um exemplo para elucidar a transformação das
proposições categóricas da linguagem ordinária para a linguagem algébrica. Por
exemplo:
Conceba como classe Universal (universo do discurso) a classe na qual todos
os objetos são animais. Sendo C a classe em que todos os objetos são cachorros,
teremos como não-C ou 1-c a reunião de todos os animais que não são cachorros.
Sendo P a classe na qual todos os objetos possuem cor preta, teremos 1-p como a
reunião de todos os animais que não são pretos. Assim, podemos concluir que p(1-
c) será a reunião de todos os animais pretos que não são cachorros e (1-p)(1-c) será
a reunião de todos os animais que não são nem pretos nem cachorros.
● Para expressar a proposição categórica universal afirmativa (A), poderíamos
criar uma proposição verdadeira:
Proposição 1: Todos os cachorros são pretos. (A)
Algebricamente essa afirmação seria escrita da seguinte maneira:
cp = c
89

Sua explicação é: se, dentre todos os animais, selecionássemos os pretos e,


dentre estes, selecionássemos os cachorros, seria o mesmo que ter selecionado,
desde o início, todos os cachorros pois, por hipótese, todos são pretos.
Essa mesma afirmação também poderia ser escrita da seguinte forma:
c(1-p) = 0
Sua explicação é: se, dentre todos os animais, selecionássemos aqueles que
não são pretos e, dentre estes, selecionássemos os cachorros, não encontraríamos
nenhum cachorro, pois, por hipótese, todos são pretos.
● Para expressar a proposição categórica universal negativa (E), poderíamos
criar uma nova proposição verdadeira:
Proposição 2: Nenhum dos cachorros são pretos. (E)
Algebricamente essa afirmação seria escrita da seguinte maneira:
cp = 0
Sua explicação é: se, dentre todos os animais, selecionássemos os pretos e,
dentre estes, selecionássemos os cachorros, não encontraríamos nenhum cachorro,
pois, por hipótese, nenhum deles é preto.
Essa mesma afirmação também poderia ser escrita da seguinte forma:
c(1-p) = c
Sua explicação é: se, dentre todos os animais, selecionássemos aqueles que
não são pretos e, dentre estes, selecionássemos os cachorros, seria o mesmo que
ter selecionado, desde o início, todos os cachorros, pois, por hipótese, nenhum
deles é preto.
● Para expressar a proposição categórica particular afirmativa (I), poderíamos
criar uma nova proposição verdadeira:
Proposição 3: Alguns dos cachorros são pretos. (I)
Algebricamente essa afirmação seria escrita da seguinte maneira:
v = cp
Sua explicação é: se, dentre todos os animais, selecionássemos os pretos e,
dentre estes, selecionássemos os cachorros, teríamos como resultado a seleção de
todos os cachorros pretos – que não são todos os cachorros, nem todos os animais
pretos.
Podemos representar essa classe como “alguns cachorros” ou como “alguns
animais pretos”, ambas verdadeiras.
90

● Para expressar a proposição categórica particular negativa (O), poderíamos


criar uma nova proposição verdadeira:
Proposição 4: Alguns dos cachorros são não-pretos. (O)
Algebricamente essa afirmação seria escrita da seguinte maneira:
v = c(1-p)
Sua explicação é: se, dentre todos os animais, selecionássemos os não-
pretos e, dentre estes, selecionássemos os cachorros, teríamos como resultado a
seleção de todos os cachorros não-pretos – que não são todos os cachorros, nem
todos os animais não-pretos.
Podemos representar essa classe como “alguns cachorros” ou como “alguns
animais não-pretos”, ambas verdadeiras.
Boole, após apresentar sua visão das proposições categóricas e mostrar
como elas são tratadas em sua álgebra, agora vai aplicá-las nos silogismos, de
modo a tirar conclusões e compará-las com as conclusões da lógica clássica.

3.4 Boole e a algebrização dos silogismos

3.4.1 A visão de Boole sobre silogismos

Boole, no quarto capítulo de seu tratado, Sobre Silogismos, dá o seu


entendimento sobre o que é um silogismo (oriundo da lógica clássica) e apresenta
algumas de suas formas (também da lógica clássica), para finalmente apresentar
suas conclusões. Segundo ele (2015b, p.32):

Um silogismo consiste de três proposições, a última das quais, chamada


conclusão, é uma consequência lógica das duas primeiras, chamadas de
premissas. E.g.
Premissas: Todos os Ys são Xs, Todos os Zs são Ys
Conclusão: Todos os Zs são Xs
Todo silogismo tem três e apenas três termos, dos quais sujeito da
conclusão é chamado de termo menor, o predicado da conclusão de termo
principal, e o termo restante comum a ambas as premissas, o termo
intermediário. Assim, na fórmula acima, Z é o termo menor, X o termo
principal, Y o termo médio.
A figura de um silogismo consiste na situação do termo médio em relação
aos termos da conclusão. As variedades de figura são exibidas no esquema
anexo. (BOOLE, 2015b, p.32)
91

Note que o entendimento de Boole sobre silogismos é exatamente o


entendimento de Aristóteles, não trazendo até aqui nenhuma novidade.
Boole então apresentou as figuras de silogismo, tal qual Aristóteles, porém
com uma informação a mais: uma quarta figura aparece, de modo que ele divide a
primeira figura em duas, separando os casos em que o termo menor aparece como
sujeito da primeira premissa e predicado da segunda, e o seu oposto, quando ele
aparece como predicado da primeira premissa e sujeito da segunda. Dessa forma,
Boole apresenta as informações contidas no Quadro 5 (que é semelhante ao Quadro
2) a seguir:

Quadro 5 - Figuras de Silogismos segundo Boole.

Primeira Figura Segunda Figura Terceira Figura Quarta Figura


YX XY YX XY
ZY ZY YZ YZ
ZX ZX ZX ZX
Fonte: Adaptado de Boole (2015b, p.32).

Ele também concorda com a visão aristotélica (apresentada no capítulo 2


deste trabalho) sobre os modos e as figuras de silogismo. Segundo Boole (2015b,
p.32):

Quando designamos as três proposições de um silogismo por seus


símbolos usuais (A, E, I, O), e em sua ordem atual, dizemos que
determinamos o modo do silogismo. (...) Os modos de todos os silogismos
comumente recebidos como válidos são representados pelas vogais nos
versos mnemônicos a seguir.
Figura 1: bArbArA, cElArEnt, dArII, fErIO;
Figura 2: cEsArE, cAmEstrEs, fEstInO, bArOcO;
Figura 3: dArAptI, dIsAmIs, dAtIsI, fElAptOn, bOcArdO, fErIsOn;
Figura 4: brAmAntIp, cAmEnEs, dImArIs, fEsApO, frEsIsOn. (BOOLE,
2015b, p.32)

Para justificar a criação da quarta figura de silogismo (ver Quadro 5), Boole
defende que a obrigatoriedade das premissas seguirem uma ordem baseada na
disposição dos termos menor e maior é meramente uma convenção, de modo que
as premissas poderiam ter suas ordens trocadas sem nenhum ônus para a validade
da conclusão. Ele observa que o método algébrico que apresentará tornará isso
92

evidente, de modo que sempre a conclusão mais geral será obtida. Segundo Boole
(2015b, p.34):

Entre as formas a serem desenvolvidas e os cânones aristotélicos61, alguns


pontos de diferença serão ocasionalmente observados, dos quais pode ser
apropriado avisar o leitor.
Para a correta compreensão destes, é apropriado observar que a estrutura
essencial de um silogismo é, em certa medida, arbitrária. Supondo que a
ordem das premissas seja fixada, e a distinção entre o maior e o menor
termo determinada, é puramente uma questão de escolha qual dos dois terá
precedência na Conclusão. Os lógicos resolveram essa questão em favor
do termo menor, mas está claro que isso é uma convenção. Se tivesse sido
acordado que o termo principal deveria ter o primeiro lugar na conclusão,
um esquema lógico poderia ter sido construído, menos conveniente em
alguns casos do que o existente, mas superior em outros. O que perdeu em
barbara ganharia em bramantip. A conveniência talvez seja a favor do
arranjo adotado, mas é preciso lembrar que é meramente um arranjo.
Ora, o método que exibiremos, não tendo referência a um esquema de
arranjo mais do que a outro, sempre dará a conclusão mais geral,
considerando-se apenas a sua legalidade abstrata, considerada como
resultado de puro raciocínio. (BOOLE, 2015b, p.34)

Boole, então, percebeu que essa nova visão menos restritiva que procurava
implementar à lógica clássica por meio de uma álgebra da lógica daria mais
abrangência aos escritos de Aristóteles. Para ele, os escritos aristotélicos
“restringiam a ordem dos termos de uma conclusão” e “limitavam sua natureza”.
Ainda segundo ele (2015b, p.34):

Os cânones aristotélicos, no entanto, além de restringir a ordem dos termos


de uma conclusão, também limitam sua natureza; - e essa limitação é mais
importante do que a primeira. Podemos, por uma mudança de figura,
substituir a conclusão particular do bramante pela conclusão geral de
barbara. (...)
Podemos, restringindo o cânone de interpretação, confinar nossos
resultados expressos dentro dos limites da lógica escolástica; mas isso
seria apenas restringir-nos ao uso de uma parte das conclusões a que
nossa análise nos dá direito. (BOOLE, 2015b, p.34)

De fato, Boole reforça essa convicção em seu tratado Laws of Thought, no


qual ele diz que pensava estar fornecendo uma base unificadora para a lógica de
Aristóteles e ao mesmo tempo expandindo os limites das proposições e das
deduções que eram formalmente tratáveis na lógica clássica. Boole (2015a, p.241)
relata:

61Por “cânone aristotélico” devemos compreender o modelo, a regra e o princípio aristotélico de se


predicar.
93

Em que conclusões finais chegaremos respeitando a natureza e a extensão


da lógica escolástica? Eu penso o seguinte: isso não é uma ciência, mas
uma coleção de verdades científicas, incompletas demais para formar um
sistema delas mesmas, e não suficientemente fundamentais para servir
como o fundamento sobre o qual um sistema perfeito pode ser mais sólido.
(BOOLE, 2015a, p.241)

Porém, Boole não acreditava que estava criando uma inédita e revolucionária
lógica. Muito pelo contrário, não negou em momento algum a lógica aristotélica,
tendo plena convicção de que Aristóteles estava correto, mas este apenas não
avançou o suficiente em seus escritos. Corcoran (2003, p.270) aponta que:

Boole era um exímio analista matemático que achava que conhecia a lógica
de Aristóteles e que achava que a lógica de Aristóteles era perfeita até onde
ia. No entanto, (...) Boole não achava que a lógica de Aristóteles fosse
profunda ou ampla o suficiente. Um dos objetivos do trabalho de Boole era
preservar os resultados que Aristóteles alcançara e, ao mesmo tempo,
contribuir de duas maneiras contrastantes para o desenvolvimento do
projeto que Aristóteles havia iniciado. (...) Boole queria, por um lado, unificar
a lógica de Aristóteles e fornecer uma base matemática-algébrica.
(CORCORAN, 2003, p.270)

Note que é possível fazermos uma analogia para a visão de Boole em relação
à lógica aristotélica com a visão de Einstein em relação à mecânica de Newton ou
com a visão de Newton (gravitação universal) em relação às três leis de Kepler do
movimento planetário62. De fato, como aponta Corcoran (2003), é possível que o
próprio Boole tenha aceitado essa analogia até certo ponto e que ele sentiu sua
relação com Aristóteles comparável de alguma forma à relação de Newton com
Kepler (baseado em Boole, 2015a, p.5). Segundo Corcoran (2003, p.270):

Boole pode ter visto a relação de sua lógica matemática com a lógica
silogística de Aristóteles, assim como Einstein veria a relação de sua
mecânica relativista com a mecânica clássica de Newton. Em ambos os
casos, grosso modo, a teoria mais antiga forneceu um paradigma e uma
classe de resultados aceitos para o novo, e os resultados mais antigos
deveriam tornar-se aproximações ou casos limitantes para resultados na
teoria mais recente. Em ambos os casos, o teórico posterior aceitou o que
ele considerou serem os objetivos do teórico anterior, mas depois produziu
uma nova teoria que ele adotou para melhor cumprir esses objetivos.
(CORCORAN, 2003, p.270)

62Em cada uma das duas analogias, a teoria mais recente foi pensada como uma ampliação da mais
antiga. Por exemplo, podemos inferir que do ponto de vista de Newton, a teoria de Kepler deu uma
descrição correta dos movimentos dos planetas, mas sem explicação; Newton explicou por que
Kepler estava certo.
94

Boole, após apresentar sua visão sobre silogismos e adicionar uma quarta
figura aos seus modos, agora vai finalmente apresentar ao leitor como se faz um
silogismo segundo os critérios de sua álgebra.

3.4.2 O método de Boole

Sobre o procedimento utilizado em seu tratado, Boole (2015b) afirma que não
somente as leis de conversão e silogismos poderiam ser deduzidas por meio de
proposições lógicas, mas também seria possível a resolução dos sistemas mais
complexos de proposições, a separação de qualquer elemento proposto e a
expressão de seu valor em termos dos elementos restantes, com cada relação
secundária envolvida. Dessa maneira (2015b, p.6):

Todo processo representará dedução, toda consequência matemática


expressará uma inferência lógica. A generalidade do método nos permitirá
até mesmo expressar operações arbitrárias do intelecto, e assim levar à
demonstração de teoremas gerais em lógica análoga, em nenhum grau, aos
teoremas gerais da matemática comum. (BOOLE, 2015b, p.6)

Com esse procedimento, Boole não pretendia criar um método científico de


investigação, mas sim abordar a lógica (para ele) contemporânea – a aristotélica –
de maneira mais simbólica e formal, na qual ele acaba encontrando algumas
peculiaridades. Boole (2015b, p.7) aponta que:

Seria prematuro falar do valor que o método pode ter como instrumento de
investigação científica. (...) O objetivo dessas investigações foi, em primeira
instância, confinado à expressão da lógica recebida e às formas do arranjo
aristotélico, mas logo se tornou evidente que restrições eram assim
introduzidas, que eram puramente arbitrárias e não tinham fundamento na
natureza das coisas. (BOOLE, 2015b, p.7)

De fato, a provável real intenção de Boole era ampliar a lógica aristotélica, de


modo a conseguir aplicar propriedades algébricas na argumentação silogística
ordinária, a fim de expandir as proposições e as transformações inferenciais básicas.
Como aponta Corcoran (2003, p.270):

Por outro lado, Boole queria ampliar a lógica de Aristóteles expandindo a


gama de proposições cujas formas poderiam ser adequadamente
representadas e expandindo as transformações inferenciais básicas de
modo que as derivações familiares a Boole da matemática, tais como a
95

substituição de iguais por iguais e aplicando a mesma operação para ambos


os lados de uma equação, poderia ser transportada para a argumentação
silogística ordinária. (CORCORAN, 2003, p.270)

Ao equacionar as premissas de um silogismo qualquer, Boole chegou a


algumas conclusões que eram de fato aristotélicas – como obviamente era esperado
-, porém chegou a algumas outras que não eram – tendo sido, aqui, provavelmente
surpreendido. Segundo Boole (2015b, p.8):

Nas premissas de um silogismo sendo expresso por equações, a eliminação


de um símbolo comum entre elas leva a uma terceira equação que expressa
a conclusão, sendo essa conclusão sempre a mais geral possível, seja ela
aristotélica ou não. Entre os casos em que nenhuma inferência foi possível,
verificou-se que havia duas formas distintas da equação final. (...) A
distinção que se pensa ser nova é ilustrada no capítulo “Sobre os
Silogismos” (BOOLE, 2015b, p.8).

Ou seja, Boole em seu método transforma as premissas aristotélicas em


equações, e a conclusão do silogismo também se dará em forma de equação.
Ao utilizar de linguagem simbólica para tentar equacionar a Lógica ou, como o
próprio autor diz, o pensamento humano, Boole (2015b) sabia que enfrentaria
objeções, que já vinham sendo feitas com veemência contra essa prática, alegando
que ela evita a necessidade de pensamento e tende a enfraquecer as faculdades de
raciocínio. De fato, Boole (2015b, p.8) revela:

Ultimamente têm-se defendido com veemência as objecções contra esta


prática, entre o público em geral, que, eliminar a necessidade de
pensamento e substituir, no lugar do esforço pessoal, uma referência às
fórmulas gerais, tende a enfraquecer as faculdades de raciocínio. (BOOLE,
2015b, p.8)

Não aprofundaremos essa questão nesta dissertação por exceder os


objetivos desta pesquisa. Só queremos, entretanto, observar que ele defendeu o uso
dessa prática apontando o ponto de vista de que ela é referência do progresso de
descoberta científica. E aqui, novamente, é notória a influência das ideias
positivistas (como já vimos no segundo capítulo deste trabalho).
Ao finalmente trabalhar algebricamente com os silogismos e apresentar sua
extensão da lógica aristotélica, Boole apresenta um método geral para chegar às
conclusões a partir das premissas dadas. O primeiro passo é montar corretamente
as equações das premissas, que devem ser compostas pelos mesmos símbolos que
96

foram escolhidos para as classes representantes de tais proposições. Segundo


Boole (2015b, p.33):

A equação pela qual expressamos qualquer Proposição com relação às


classes X e Y é uma equação entre os símbolos x e y, e a equação pela
qual expressamos qualquer Proposição com relação às classes Y e Z é uma
equação entre os símbolos y e z. Se a partir dessas duas equações nós
eliminamos y, o resultado, se não desaparecer, será uma equação entre x e
z, e será interpretável em uma Proposição relativa às classes X e Z. E então
constituirá o terceiro membro, ou Conclusão, de um silogismo, do qual as
duas proposições dadas são as premissas. (BOOLE, 2015b, p.33)

Um silogismo se dá da forma:

𝐸𝑞𝑢𝑎çã𝑜 𝑑𝑎 1𝑎 𝑃𝑟𝑒𝑚𝑖𝑠𝑠𝑎
{ 𝐸𝑞𝑢𝑎çã𝑜 𝑑𝑎 2𝑎 𝑃𝑟𝑒𝑚𝑖𝑠𝑠𝑎→ 𝐶𝑜𝑛𝑐𝑙𝑢𝑠ã𝑜

Vejamos como isso se procede detalhadamente por meio de um exemplo do


próprio Boole, de forma a elucidar o processo de se fazer um silogismo chegando a
conclusões verdadeiras. Este exemplo se encontra na página 35 do tratado
Mathematical Analysis of Logic.
Exemplo: Caso AA da Primeira Figura de silogismo.
Primeiramente, nesse exemplo, precisamos escrever corretamente as
equações das premissas. Temos como premissas as indicadas na primeira figura de
silogismo, YX e ZY, como aponta o Quadro 5. Como estamos no caso AA (ambas
são proposições universais afirmativas), podemos equacioná-las da seguinte
maneira, seguindo as informações apresentadas no Quadro 4:

𝑇𝑜𝑑𝑜 𝑌 é 𝑋 𝑦(1 − 𝑥) = 0
{ 𝑇𝑜𝑑𝑜 𝑍 é 𝑌→ {
𝑧(1 − 𝑦) = 0

Para chegar a uma conclusão válida, de forma geral, Boole defende que seu
método é conveniente por se basear na eliminação do termo médio. Deve-se
primeiramente deixar o termo médio como fator de um lado da primeira premissa e
como fator do outro lado na segunda premissa, para posterior multiplicação das
equações e eliminação do termo médio. Boole diz (2015b, p.35):
97

Um modo conveniente de efetuar a eliminação, é escrever as equações das


premissas, de modo que y apareça apenas como um fator de um membro
na primeira equação, e somente como um fator do membro oposto na
segunda equação, e então multiplicar as equações, omitindo o y. Esse
método será adotado. (BOOLE, 2015b, p.35)

Há, porém, uma restrição. As duas equações das premissas não podem ser
ambas da forma ay = 0, sendo que uma delas deverá ser resolvida 63 antes da
aplicação do método da eliminação do termo médio. Boole (2015b, p.33) explica:

Quanto à escolha de equações para a expressão de nossas premissas, a


única restrição é que as equações não devem ser ambas da forma ay = 0,
pois em tais casos a eliminação seria impossível. Quando ambas as
equações são desta forma, é necessário resolver uma delas, e é indiferente
qual escolhemos para este propósito. (BOOLE, 2015b, p.33)

Note que nesse exemplo ambas as premissas são da forma ay = 0, ficando


assim impossível chegarmos a alguma conclusão. É necessário resolver uma delas.
Boole escolheu resolver a segunda, aplicando nela a propriedade distributiva:

𝑦(1 − 𝑥) = 0 𝑦(1 − 𝑥) = 0
{ → {
𝑧(1 − 𝑦) = 0 𝑧 − 𝑧𝑦 = 0

Agora que as equações não estão ambas na forma ay = 0, é possível aplicar


o método. Repare que tanto na primeira premissa como na segunda, o termo médio
y está como fator no primeiro membro. O método diz que para se chegar à
conclusão, o termo médio deve ser fator de membros diferentes nas duas equações.
Dessa forma, Boole utiliza na segunda equação o princípio aditivo da igualdade
oriundo da álgebra dos números reais, de modo a ter o termo médio, y, como fator
do segundo membro da equação.
Assim, ele reescreve:

𝑦(1 − 𝑥) = 0 𝑦(1 − 𝑥) = 0 𝑦(1 − 𝑥) = 0


{ → { → {
𝑧(1 − 𝑦) = 0 𝑧 − 𝑧𝑦 = 0 𝑧 = 𝑧𝑦

63
Neste contexto, resolver uma equação para Boole significa reescrevê-la de outra maneira que seja
mais apropriada para a aplicação de seu método.
98

Finalmente, Boole aplica o último passo de seu método, que é multiplicar o


primeiro membro da primeira equação com o primeiro membro da segunda equação,
e multiplicar o segundo membro da primeira equação com o segundo membro da
segunda equação, a fim de eliminar o termo médio y.
Assim, Boole conclui que:

𝑦(1 − 𝑥) = 0
{ → 𝑦(1 − 𝑥)𝑧 = 0𝑧𝑦 → (1 − 𝑥)𝑧 = 0𝑧 → 𝒛(𝟏 − 𝒙) = 𝟎
𝑧 = 𝑧𝑦

A conclusão em negrito pode ser lida como “Todo Z é X” (Quadro 4), que é
uma proposição universal afirmativa (A). Essa era exatamente a conclusão obtida
por Aristóteles na sua Primeira Figura de silogismo no caso das premissas serem
AA. O verso mnemônico bArbArA pode ser utilizado para lembrar-nos o caso AAA
da primeira figura, que foi exatamente o caso desse exemplo.
Boole, além desse exemplo, apresentou alguns outros em seu tratado, de
modo a justificar a eficácia e uso do método que acabara de propor. Dessa maneira,
ele completa uma parte da algebrização da lógica e do pensamento dedutivo
humano, cumprindo um dos objetivos que tinha se proposto. Ele conseguiu, após
esse tratado, colocar em xeque a até então exclusiva associação da Lógica com a
Filosofia, acrescentando muito ao debate que já se realizava na época de sua
publicação.
99

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De forma geral, neste trabalho apresentamos principalmente alguns aspectos


da algebrização da Lógica proposta por George Boole em seu tratado Mathematical
Analysis of Logic, escrito em 1847.
O século XIX na Europa, como vimos, foi um século em que a Matemática
acabou triunfante. As universidades estavam começando a criar seus cursos de
graduação e as cadeiras começavam a ser ocupadas por pesquisadores importantes
da época. Ela vinha se mostrando presente em diversas esferas, dentre as quais
podemos destacar a engenharia e estudos da natureza. Essa presença era
fortalecida pela concepção que aflorava na época, de que com a Matemática podia-
se alcançar resultados certeiros e absolutos. Uma das esferas em que a Matemática
ainda não tinha obtido sucesso e se mostrado efetivamente presente, porém, é a
esfera que norteia nossa pesquisa: a razão e o pensamento humano.
Havia na época, como vimos no segundo capítulo deste trabalho, uma
discussão sobre as leis do pensamento. Podemos, após nossa tentativa de entender
a episteme da época, dizer que se acreditava que o homem funcionava
mecanicamente, tal como as máquinas. Como era possível prever matematicamente
as ações de uma máquina, ou seja, prever o seu próximo estado, discutia-se se isso
também não seria possível fazer com o homem.
Tal discussão pôde ser exemplificada, principalmente, pelo debate ocorrido
entre Augustus de Morgan e Sir William Hamilton. O que orientava esse interesse
pelas leis do pensamento, no caso, eram as questões de Lógica, pois por meio dela
acreditava-se ser a maneira mais correta de se pensar. A lógica disponível, no
entanto, era a lógica clássica (aristotélica), sendo esta até então embasada na
linguagem ordinária, ou seja, seu registro estava ancorado na gramática. Boole,
então, para tentar resolver esse impasse, propõe uma nova maneira de se
fundamentar a Lógica: algebrizando-a. Ele tenta mapear o pensamento humano por
meio da lógica, sabendo que a lógica clássica não o ajuda a compreender as leis
que ele crê regerem o pensamento. Por isso, imerso no contexto no qual a
matemática triunfava, ele algebriza a Lógica (que dita as regras do pensamento) e
faz um movimento de matematizar o próprio pensamento.
A algebrização proposta por Boole, porém, causaria mais um impacto na
época: a mudança da Lógica no mapa de conhecimento. Ela deixaria de ser uma
100

área da Filosofia e passaria a ser agora uma área da Matemática. Esse é


certamente um dos pontos altos do trabalho de Boole, que está imerso num contexto
no qual se questiona o posicionamento da Lógica, se ela permanece na Filosofia ou
se muda para a Matemática, e apresenta um critério para fazer a mudança: a
mudança de linguagem, saindo da ordinária (que ele acredita não ser adequada
para compreender as leis do pensamento) para uma matemática, que ele cria ser
suficientemente mais apropriada.
Todo esse cenário, por sua vez, é interessante para sabermos, hoje em dia,
que a Lógica nem sempre foi uma área da Matemática. A algebrização da Lógica,
bem como o tratamento dado a ela por Boole, acenam para o movimento que
conduziu a especialização moderna. Movimento este que foi expresso por ele em
nome da ideia de que as ciências progridem e que, nesse movimento, a própria
Lógica tinha papel essencial no processo.
A Lógica em si passa a ser área da Matemática no século XIX, e
apresentamos neste trabalho algumas das razões do porquê disso. A obra de Boole
então passa a fazer sentido dentro do contexto em que foi elaborada. Pudemos,
dessa maneira, finalmente responder à nossa questão de pesquisa: quais foram as
razões que motivaram Boole a algebrizar o pensamento e consequentemente a
Lógica clássica?
Podemos até certo ponto, depois de realizar esta pesquisa, inferir que talvez o
grande legado de George Boole não tenha sido a álgebra que desenvolveu,
tampouco sua expansão aos pensamentos de Aristóteles, mas sim ter mostrado ao
mundo que a Lógica pode e deve ser associada à Matemática (como ele mesmo
aponta no Pós-Escrito de seu tratado). Isso porque, após esse gatilho por ele
disparado, o desenvolvimento da Lógica junto à Matemática culminou em diversos
resultados que até então não seriam possíveis. Por fim, podemos concluir que Boole
foi um homem comum, inserido em seu tempo e preocupado com as questões de
sua época, tendo estudado Matemática e Lógica por circunstâncias da vida, e cujo
papel na História da Matemática merece ser apresentado ao futuro educador
matemático.
Esta pesquisa, além de responder à questão proposta cumprindo os objetivos
listados, trouxe também em seu decorrer alguns pontos que não foram
101

aprofundados por não fazerem parte desses objetivos, mas que podem iluminar
outras investigações para estudos futuros.
O primeiro e talvez mais importante ponto que pode ser levantado como
possível futuro estudo é o de utilizar o conteúdo e resultados obtidos nesta pesquisa
para a produção de atividades para formação de professores, seja ela inicial ou
continuada. Isto vai de acordo com a proposta do segundo eixo de pesquisa do
grupo HEEMa apresentada no item 1.3 deste trabalho, onde a articulação entre
história e ensino tem o intuito de propor atividades para a formação de professores
de matemática. Ou seja, após esta pesquisa criar a interface entre história e ensino
e servir como material bibliográfico para a reflexão do professor (finalizando assim o
primeiro eixo), o próximo passo seria a produção de atividades para a formação
deste mesmo professor.
Essas atividades podem seguir diversos caminhos, por exemplo, podem
seguir o rumo da possibilidade de se explorar o desenvolvimento do pensamento
algébrico por meio de discussões de lógica, como as propostas por Boole. Ou seja,
é possível a criação de atividades que usem a lógica proposta por Boole e que
tenham como objetivo principal trabalhar o desenvolvimento do pensamento
algébrico em alunos e professores. Também, por exemplo, podem ser propostas
atividades para trabalhar com alunos e professores o pensamento lógico, o
encadeamento de ideias e provas matemáticas.
Não distante destes pontos de pesquisa futura, é possível também a partir da
investigação das possibilidades trazidas pela abordagem algébrica de Boole para a
Lógica, propor uma reformulação da disciplina de Lógica na formação de
professores, sejam eles de cursos relacionados à área de computação ou não. É
possível utilizar uma abordagem que concatene lógica e álgebra, de modo a
modificar o modo como a disciplina comumente a disciplina é apresentada.
Outros pontos que cabem também investigação são de questões mais
internas, como por exemplo o Unitarismo e as crenças de Boole, e o quanto isso
pode ter influenciado em sua obra. Nossas leituras nos levam a acreditar, mesmo
que de maneira ainda superficial, que a religião pode ter tido um papel importante
nos escritos de Boole.
Resta também investigar se a formalização da Matemática proposta por
Hilbert dependeu de alguma maneira da algebrização da Lógica. Para compreender
102

os aspectos do formalismo hilbertiano, cabe observar se a algebrização do


pensamento e o estudo de Boole contribuíram de alguma maneira para as ideias de
Hilbert.
Cabe ainda fazer um estudo sobre os dois tratados de Boole que viraram
livros-texto, como indicamos no segundo capítulo deste trabalho. Juntamente, vale
investigar com mais detalhes Boole como professor, seus métodos, o currículo que
aplicava em suas escolas, dentre outros diversos pontos que possam emergir dessa
discussão.
Também pode-se investigar algum aspecto do segundo tratado de Boole
sobre Lógica (Laws Of Thought), ou eventualmente se estudar alguma outra
publicação de Boole apartada da área da Lógica, pois suas contribuições foram
pertinentes também no desenvolvimento da “Matemática Pura”, sendo esse “lado”
de Boole pouco estudado, como apresentamos nos capítulos iniciais desta pesquisa.
Por fim, cremos serem muito ricas as discussões presentes neste trabalho, e
acreditamos que esta pesquisa pode iluminar outras investigações, podendo
contribuir futuramente para estudos que envolvam a questão do pensamento
algébrico, muito abordados principalmente por Kieran, Kaput, e Kuchemann.
103

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Programa de Estudos Pós Graduados em História da Ciência, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.

ROQUE, T. História da matemática: uma visão crítica, desfazendo mitos e lendas.


Rio de Janeiro: Zahar, 2012.

SAITO, F. História da matemática e suas (re)construções contextuais. São


Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.

______. Construindo interfaces entre história e ensino da matemática. Ensino da


Matemática em Debate, São Paulo, v.3, n.1, p.3-19, 2016a.

______. História e Ensino de Matemática: Construindo Interfaces. In: SALAZAR, J.F.


(Ed.); GUERRA, F.U. (Ed.). Investigaciones en Educación Matemática. Lima:
Fondo Editorial PUCP, 2016b, p. 253-291.

SEYBOLD, A. Álgebra Booleana. In: BAUMGART, J.K.(Ed.). Tópicos de História da


Matemática para uso em sala de aula. Tradução de: DOMINGUES, H.H. São
Paulo: Atual Editora LTDA, 1993, v.4: Álgebra. Titulo original: Historical Topics for
the Mathematics Classroom.

SMITH, D. E. History of mathematics. New York: Dover publications, Inc, 1958.


106

SMITH, R. Aristotle’s Logic. In: ZALTA, E.N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of
Philosophy (Spring 2018 Edition). Stanford: Edward N. Zalta, 2018. E-book.
Disponível em <https://plato.stanford.edu/archives/spr2018/entries/aristotle-logic/>.
Acesso em 15 de abr. de 2018.

SOUSA, G. C. de. Uma reavaliação do pensamento lógico de Boole à luz da


história da matemática. 319 p. Dissertação – Centro de Ciências Sociais Aplicadas,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005.

______. Um estudo sobre as origens da Lógica Matemática. 193 p. Tese - Centro


de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal,
2008.

______. Um estudo sobre as origens da Lógica Matemática. Natal: EDUFRN,


2012.

STILLWELL, J. Mathematics and Its History. New York: Springer-Verlag. 1989.

VEYNE, P. Como se escreve a história. Tradução de: MOREIRA, A. J. da S.


Lisboa: Edições 70, 1971. Título original: Comment on écrit l’histoire.

WATTS, R. Gender, Power and the unitarians in England, 1760-1860: Women and
Men in History. 1 ed. Abington: Routledge, 1998.
107

APÊNDICES

APÊNDICE A – Alguns cursos que possuem álgebra de Boole como conteúdo


de alguma disciplina

Instituição Curso Disciplina Conteúdo


Simplificação de expressões
Técnico em Técnicas
ETEC Santa Ifigênia lógicas utilizando álgebra de
Eletrônica Digitais
Boole
Instituto Federal de Esquematizar circuitos
Curso Técnico
Educação Eletrônica lógicos a partir de tabelas da
Integrado em
Tecnológica de São Digital 1 verdade e expressões
Eletrônica
Paulo booleanas
Instituto Federal de
Curso Técnico Álgebra de Boole:
Educação Eletrônica
Integrado em postulados, propriedades,
Tecnológica de São Digital 1
Eletrônica teoremas e aplicações
Paulo
Instituto Federal de
Curso Técnico Obter a expressão booleana
Educação Eletrônica
Integrado em a partir de uma tabela
Tecnológica de São Digital
Eletrotécnica verdade
Paulo
Sistemas
SENAI Frederico Técnico em
Eletrônicos Álgebra de Boole
Jacob Eletroeletrônica
Digitais
Técnico em Eletrônica
SENAI Anchieta Álgebra de Boole
Eletrônica Digital
Superior de
Tecnologia em Introdução
FATEC SP Álgebra de Boole
Processamento de à Lógica
Dados
Engenharia da
Computação e Sistemas Sistemas de numeração,
USP
Engenharia Digitais I códigos e aritmética binária.
Elétrica
Engenharia Sistemas Portas Lógicas e Álgebra
FEI
Elétrica Digitais I Booleana.
Ciências da Sistemas Funções Booleanas,
FEI
Computação Digitais aritmética binária.
Licenciatura em Introdução
USP Álgebra booleana
Matemática à Lógica
108

ANEXOS

ANEXO A – Trabalhos publicados de George Boole

• Ode to the Spring (1830) The Lincoln Herald, dated May 28th.

• Letter to the Editor (1830) The Lincoln Herald, dated June 12th.

• Letter to the Editor (1830) The Lincoln Herald, dated June 26th.

• Lines to a Departed Friend, From the Greek (1830) The Lincoln Herald, dated
July 15th.

• To the Evening Star, From the Greek of Bion (1830) The Lincoln Herald, dated
August 25th.

• An Address on the Genius and Discoveries of Sir Isaac Newton (1835)


Gazette Office, Lincoln.

• Researches on the Theory of Analytical Transformations, with a special


application to the Reduction of the General Equation of the Second Order
(1841) Cambridge Mathematical Journal, Vol. 2, pp. 64-73.

• On Certain Theorems in the Calculus of Variations (1841) Cambridge


Mathematical Journal, Vol. 2, pp. 97-102.

• On the Integration of Linear Differential Equations. with Constant Coefficients


(1841) Cambridge Mathematical Journal, Vol. 2, pp. 114-119.

• Analytical Geometry (1841) Cambridge Mathematical Journal, Vol. 2, pp. 179-


188.

• Exposition of a General Theory of Linear Transformations. Part I (1842)


Cambridge Mathematical Journal, Vol. 3, pp. 1-20.

• Exposition of a General Theory of Linear Transformations. Part II (1842)


Cambridge Mathematical Journal, Vol. 3, pp. 106-119.

• On the Transformation of Definite Integrals (1843) Cambridge Mathematical


Journal, Vol. 3, pp. 216-224.

• Remarks on a Theorem of M. Catalan (1843) Cambridge Mathematical


Journal, Vol. 3, pp. 277-283.

• On a General Method in Analysis (1844) Philosophical Transactions of the


Royal Society, Vol. 134, pp. 225-282.
109

• On the Transformation of Multiple Integrals (1845) Cambridge Mathematical


Journal, Vol. 4, pp. 20-28.

• On the Inverse Calculus of Definite Integrals (1845) Cambridge Mathematical


Journal, Vol. 4, pp. 82-87.

• Notes on Linear Transformations (1845) Cambridge Mathematical Journal,


Vol.4, pp. 167-171.

• On the Theory of Developments. Part I (1845) Cambridge Mathematical


Journal, Vol. 4, pp. 214-223.

• On the Equation of Laplace's Functions (1845) Report of the British


Association for the Advancement of Science, Cambridge, Part 2, p. 2.

• On the Equation of Laplace's Functions (1846) Cambridge and Dublin


Mathematical Journal, Vol. 1, pp. 10-22.

• The Mathematical Analysis of Logic, being an Essay towards a Calculus of


Deductive Reasoning (1847) Macmillan, Barclay and Macmillan, Cambridge.

• The Right Use of Leisure (1847) London.

• On a Method of Definite Integration (1847) Report of the British Association for


the Advancement of Science, Oxford, Part 2, p. 2.

• On the Attraction of a Solid of Revolution on an External Point (1847)


Cambridge and Dublin Mathematical Journal, Vol. 2, pp. 1-7.

• On a certain Symbolical Equation (1847) Cambridge and Dublin Mathematical


Journal Vol. 2, pp. 7-12.

• Remarks on the Rev. B. Bronwin's Method for Differential Equations (1847)


Philosophical Magazine, Vol. 30, No. 3, pp. 6-8.

• Note on a Class of Differential Equations (1847) Philosophical Magazine, Vol.


30, No. 3, pp. 96-97.

• A Memoir on Discontinuous Functions (1848) Proceedings of the Royal Irish


Academy, Vol. 3, pp. 182-184.

• On a certain Definite Multiple Integral (1848) Proceedings of the Royal Irish


Academy, Vol. 3, pp. 217-218. .

• Remarks on a Paper by the Rev. Brice Bronwin, On the Solution of a particular


Differential Equation (1848) Philosophical Magazine, Vol. 32, No.-3, pp. 413-
418.
110

• Letter to the Editor concerning Remarks on a Paper by the Rev. Brice Bronwin,
On the Solution of a particular Differential Equation (1848) Philosophical
Magazine, Vol. 33, No. 3, p. 211.

• Notes on Quaternions (1848) Philosophical Magazine, Vol. 33, No. 3, pp. 278-
280.

• Theoreme general concernant l'integration definie (1848) Liouville's Journal de


Mathematique, Vol. 13, pp. 111-112.

• On the Analysis of Discontinuous Functions (1848) Transactions of the Royal


Irish Academy, Vol. 21, pp. 124-139.

• On a certain Multiple Definite Integral (1848) Transactions of the Royal Irish


Academy, Vol. 21, pp. 140-149.

• On a General Transformation of any Quantitative Function (1848) Cambridge


and Dublin Mathematical Journal, Vol. 3, pp. 112-116.

• The Calculus of Logic (1848) Cambridge and Dublin Mathematical Journal,


Vol. 3, pp. 183-198.

• Mr. Boole's Theory of the Mathematical Basis of Logic (1848) Mechanics'


Magazine, Vol. 49, pp. 254-255.

• Supplementary Investigations on Discontinuous Functions and Definite


Multiple Integrals (1848) Proceedings of the Royal Irish Academy, Vol. 3, pp.
292-294.

• On a General Theorem of Definite Integration (1849) Cambridge and Dublin


Mathematical Journal, Vol. 4, pp. 14-20.

• The Claims of Science, especially as founded in its Relations to Human


Nature (1851) London.

• On the Theory of Linear Transformations (1851) Cambridge and Dublin


Mathematical Journal, Vol. 6, pp. 87-106.

• On the Reduction of the General Equation of the nth Degree. (Sequel to a


Memoir on the Theory of Linear Transformations)(1851) Cambridge and
Dublin Mathematical Journal, Vol. 6, pp. 106-113.

• Letter to the Editor (1851) Cambridge and Dublin Mathematical Journal, Vol. 6,
pp. 284-285.

• Proposed Question in the Theory of Probabilities (1851) Cambridge and


Dublin Mathematical Journal, Vol. 6, p. 286.
111

• On the Theory of Probabilities and in particular on Mitchell's Problem of the


Distribution of the Fixed Stars (1851) Philosophical Magazine, Vol. 1, No. 4,
pp. 521-530.

• Further Observations on the Theory of Probabilities (1851) Philosophical


Magazine, Vol. 2, No. 4, pp. 96-101.

• An Account of the late John Walsh of Cork (1851) In a letter from Professor
Boole to Professor de Morgan. Philosophical Magazine, Vol. 2, No. 4, pp. 348-
358.

• On Reciprocal Methods in the Differential Calculus (1852) Cambridge and


Dublin Mathematical Journal, Vol. 7, pp. 156-166.

• On Reciprocal Methods in the Differential Calculus, continued (1853)


Cambridge and Dublin Mathematical Journal, Vol. 8, pp. 1-24.

• An Investigation of the Laws of Thought, on which are founded the


Mathematical Theories of Logic and Probabilities (1854) Walton and Maberley,
London.

• Solution of a Question in the Theory of Probabilities (1854) Philosophical


Magazine, Vol. 7, No. 4, pp. 29-32.

• Reply to some Observations published by Mr. Wilbraham in the Philosophical


Magazine, Vol. vii, p. 465, on the Theory of Chances developed in Professor
Boole's Laws of Thought (1854) Philosophical Magazine, Vol. 8, No. 4, pp. 87-
91.

• On the Conditions by which the Solutions of Questions in the Theory of


Probabilities are limited (1854) Philosophical Magazine, Vol. 8, No. 4, pp. 91-
98.

• Further Observations relating to the Theory of Probabilities in reply to Mr.


Wilbraham (1854) Philosophical Magazine, Vol. 8, No. 4, pp. 175-176.

• On a General Method in the Theory of Probabilities (1854) Philosophical


Magazine, Vol. 8, No. 4, pp. 431-444.

• The Social Aspects of Intellectual Culture (1855) An Address to the Cuvierian


Society. Cuvierian Society, Cork.

• On certain Propositions in Algebra connected with the Theory of Probabilities


(1855) Philosophical Magazine, Vol. 9, No. 4, pp. 165-179.

• On the Solution of the Equation of Continuity of an Incompressible Fluid (1856)


Letter to Rev. Charles Graves, May 5th, 1856. Proceedings of the Royal Irish
Academy, Vol. 6, pp. 375-386.
112

• Letter to the Editor (1856) Cork Daily Reporter, November 13th.

• Letter to the Editor (1856) Cork Daily Reporter, November 27th.

• On the Comparison of Transcendents, with certain applications to the Theory


of Definite Integrals (1857) Philosophical Transactions of the Royal Society,
Vol. 147, pp. 745-804.

• On the Theory of Astronomical Observations, and on some Related Questions


(1857) Report of the British Association for the Advancement of Science,
Dublin, Part 2, p. 2.

• On certain Additions to the Integral Calculus (1857) Report of the British


Association for the Advancement of Science, Dublin, Part 2, p. 2.

• On the Application of the Theory of Probabilities to the Question of the


Combination of Testimonies or Judgements (1857) Transactions of the Royal
Society of Edinburgh, Vol. 21, pp. 597-653.

• Evidence to the Queen's Colleges Commission (1858) Report of Her Majesty's


Commissioners appointed to inquire into the Progress and Condition of the
Queen's Colleges, H.M. Government, Dublin, pp. 171-174, 201-203.

• Curriculum for the Degree of BA and MA in the Queen's University (1858)


Report of Her Majesty's Commissioners, H.M. Government, Dublin, pp. 327-
328.

• Letter to Dr. Ryall (1859) An Investigation into the condition of the children in
the Cork Workhouse, by John Arnott, MP (privately published pamphlet). Cork.

• A Treatise on Differential Equations (1859) Macmillan, Cambridge.

• A Treatise on the Calculus of Finite Differences (1860) Macmillan, Cambridge.

• On the Theory of Probabilities (1862) Philosophical Transactions of the Royal


Society, Vol. 152, pp. 225-252.

• On Simultaneous Differential Equations of the first order in which the number


of variables exceeds by more than one the number of the equations (1862)
Philosophical Transactions of the Royal Society, Vol. 152, pp. 437-454.

• On Simultaneous Differential Equations in which the Number of Variables


exceeds by more than unity the Number of Equations (1862) Proceedings of
the Royal Society, Vol. 12, p. 184.

• On the Differential Equations of Dynamics (1862) Report of the British


Association for the Advancement of Science, Cambridge, Part 2, p. 3.
113

• Some Observations by Professor Boole (contained in On a Question in the


Theory of Probabilities, by A. Cayley) (1862) Philosophical Magazine, Vol. 23,
No. 4, pp. 361-365.

• Supplement to a paper On the Differential Equations of Dynamics (1862)


Proceedings of the Royal Society, Vol. 12, p. 481.

• Considerations sur la recherche des integraies premieres des equations


differentielles partielles du second ordre (1862) Bulletin de l'Academie
Imperiale des Sciences de St. Petersbourg, Vol. 4, pp. 198-215.

• On the Differential Equations of Dynamics. A Sequel to a paper On


Simultaneous Differential Equations (1863) Philosophical Transactions of the
Royal Society, Vol. 153, pp. 485-501.

• Ueber die partielle Differentialgleichung zweiter Ornung Rr+Ss+Tt+U (S2 -rt) =


V (1863) Crelle's Journal der Mathematik, Vol. 61, pp. 309-333. (Translated
into English, with additional remarks, as Chapter XXIX in A Treatise on
Differential Equations: Supplementary Volume (1865) Edited by Isaac
Todhunter. Macmillan, Cambridge.)

• On the Theory of Probabilities (1863) Philosophical Magazine, Vol. 25, No. 4,


pp. 313-317.

• On the Differential Equations which determine the form of the Roots of


Algebraic Equations (1864) Proceedings of the Royal Society, Vol. 13, pp.
245-246.

• On the Differential Equations which determine the form of the Roots of an


Algebraic Equation (1864) Philosophical Transactions of the Royal Society,
Vol. 154, pp. 733-755.

• A Treatise on Differential Equations: Supplementary Volume (1865) Edited by


Isaac Todhunter. Macmillan, Cambridge.

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