Você está na página 1de 6

Relatório da comissão para os problemas nacionais e coloniais, 26 de julho1 2

Camaradas, limitar-me-ei a uma breve introdução, após a qual o camarada Maring, que
foi secretário de nossa comissão, apresentará um detalhado relatório sobre as
modificações que fizemos nas teses. O camarada Roy, que formulou algumas teses
adicionais fará, em seguida, uso da palavra. Nossa comissão aprovou por unanimidade
tanto as teses originais, com as modificações correspondentes, quanto as adicionais.
Então, alcançamos absoluta unidade na avaliação de todos os problemas importância.
Agora farei algumas observações breves.
Primeiro. Qual é a ideia mais importante, a ideia fundamental das nossas teses? É a
distinção entre nações oprimidas e nações opressoras. Nós sublinhamos essa distinção,
em oposição à II Internacional e à democracia burguesa. Para o proletariado e para a
Internacional Comunista é de particular importância na época do imperialismo observar
os fatos econômicos concretos e tomar como base, na solução dos problemas coloniais e
nacionais, não teses abstratas, mas fenômenos da realidade concreta.
A característica distintiva do imperialismo é que atualmente, como podemos ver, o
mundo se encontra dividido, por um lado, em um grande número de nações oprimidas e,
por outro, em um número insignificante de nações opressoras, que possuem riquezas
colossais e uma poderosa força militar. A grande maioria da população do planeta, mais
de um bilhão de seres humanos – certamente 1,25 bilhão se considerarmos que o total é
de 1,75 bilhões –, ou seja, cerca de 70% da população da Terra, corresponde às nações
oprimidas, que são semicoloniais (como Pérsia, Turquia e China), ou, depois de terem
sido derrotadas pelo exército de uma grande potência imperialista, foram forçadas por
tratados de paz a depender em grande medida dessa potência. Essa ideia da
diferenciação, da divisão das nações em opressoras e oprimidas consta em todas as
teses; não só as primeiras, as que apareceram com minha assinatura e foram publicadas

1
Texto extraído do original (em pdf): Obras Completas, Tomo 41: Mayo – noviembre de 1920.
Vladimir Ilitch Lênin. Moscou: Editorial Progreso. Artigo: Informe de la comision para los problemas
nacional y colonial 26 de julio, Vladimir Ilitch Lênin, 1920 (p. 248 a 254) Tradução: Filipe Siqueira
Fermino.
2
A Comissão para os problemas nacionais e coloniais foi formada pelo II Congresso da Internacional
Comunista. Compunham a comissão 20 membros representantes da Alemanha, Áustria, Bulgária, Coreia,
China, EUA, França, Holanda, Hungria, Índia, Indonésia, Inglaterra, Irã, Irlanda, México, Rússia,
Turquia, e Iugoslávia. V. I. Lênin dirigia os trabalhos da Comissão. A Comissão começou a funcionar em
25 de julho de 1920 para a discussão das teses de V. I. Lênin sobre os problemas nacionais e coloniais
apresentadas em 26 de julho para exame pelo Congresso. Além disso, a Comissão e as plenárias do
Congresso discutiram as teses adicionais propostas por M. N. Roy.
originalmente, mas também as teses do camarada Roy. Estas últimas foram escritas
levando em conta, sobretudo, a situação da Índia e dos outros grandes povos da Ásia
oprimidos pela Inglaterra, e nisso reside a grande importância que eles têm para nós.
A segunda ideia que orienta nossa tese é que, na atual situação mundial, assim como
todo o sistema mundial de Estados, eles estão determinados pela luta de um pequeno
grupo de nações imperialistas contra o movimento em prol dos Sovietes e contra os
Estados Soviéticos, liderados pela Rússia Soviética. Se não levarmos em conta esse
fato, não poderemos colocar corretamente nenhum problema nacional ou colonial, ainda
que seja o canto mais distante do mundo. Somente com base nesse ponto de vista, os
partidos comunistas serão capazes de colocar e resolver corretamente os problemas
políticos, tanto nos países civilizados como nos países atrasados.
Terceiro. Gostaria de destacar de maneira especial a questão do movimento democrático
burguês nos países atrasados. É precisamente esta questão que tem criado algumas
divergências. Nossa discussão tem girado em torno de se é ou não correto, desde o
ponto de vista dos princípios e da teoria, afirmar que a Internacional Comunista e os
partidos comunistas devem apoiar o movimento democrático burguês nos países
atrasados. Depois da discussão, chegamos à conclusão unânime de que se deve falar de
um movimento nacional revolucionário, ao invés de um movimento “democrático
burguês”. Não cabe a menor dúvida de que qualquer movimento nacional só pode ser
um movimento democrático burguês, pois a massa fundamental da população dos países
atrasados é constituída pelos camponeses, que representam as relações capitalistas
burguesas. Seria utópico supor que os partidos proletários, se eles podem ser formados
em geral nesses países atrasados, são capazes de aplicar uma tática e uma política
comunista sem manter certas relações com o movimento camponês e sem apoiá-lo na
prática. Agora, nesse ponto, a objeção feita de que se fôssemos falar de movimento
democrático burguês, se apagaria toda a diferença entre o movimento reformista e o
movimento revolucionário. Porém, nos últimos tempos, essa diferença se manifestou
com total clareza nas colônias e nos países atrasados, já que a burguesia imperialista
tenta por todos os meios que o movimento reformista se desenvolva também entre os
povos oprimidos. Tem havido uma certa aproximação entre a burguesia dos países
exploradores e a burguesia das colônias, devido a que muitas vezes – e talvez na maioria
dos casos – a burguesia dos países oprimidos, apesar apoiar aos movimentos nacionais,
luta ao mesmo tempo de acordo com a burguesia imperialista, isto é, ao lado dela,
contra todos os movimentos revolucionários e as classes revolucionárias. Na comissão,
esse fato foi demonstrado de maneira irrefutável, por isso consideramos que a única
coisa justa era levar em consideração essa diferença e substituir quase em todos os
lugares a expressão “democrático burguês” por “nacional revolucionário”. O significado
dessa mudança consiste em que nós, como comunistas, devemos apoiar e apoiaremos os
movimentos burgueses de libertação nas colônias somente se esses movimentos forem
verdadeiramente revolucionários, somente se seus representantes não nos impedirem de
educar e organizar em um espírito revolucionário os camponeses e as grandes massas de
explorados. Se essas condições não forem satisfeitas, os comunistas devem lutar nesses
países contra a burguesia reformista, a qual também pertencem os “heróis” da II
Internacional. Nas colônias existem já partidos reformistas, e seus representantes às
vezes são denominados socialdemocratas e socialistas. A referida diferença foi
estabelecida em todas as teses e graças a ela nosso ponto de vista aparece formulado, a
meu ver, de forma muito mais precisa.
Gostaria de fazer mais uma observação, a respeito dos sovietes camponeses. O trabalho
prático dos comunistas russos nas ex-colônias do czarismo, em países tão atrasados
como Turquistão, etc., nos colocou o problema de como aplicar a tática e a política
comunista nas condições pré-capitalistas, pois a característica mais importante desses
países é o domínio neles das relações pré-capitalistas, de forma que ali não cabe falar
sequer de um movimento puramente proletário. Em tais países, quase não existe
proletariado industrial. Porém, também neles assumimos e devemos assumir o papel de
dirigentes. Nosso trabalho nos mostrou que nesses países é necessário superar imensas
dificuldades, mas os resultados práticos também nos ensinaram que, apesar dessas
dificuldades, mesmo em países que quase não tem proletariado pode-se também
despertar nas massas o desejo de ter ideias políticas próprias e impor sua própria
atividade política. Essa tarefa apresentou para nós mais dificuldades do que aos
camaradas da Europa Ocidental, pois o proletariado da Rússia está sobrecarregado pelo
trabalho de organização do Estado. Compreende-se perfeitamente que os camponeses,
colocados em uma dependência semifeudal, podem assimilar muito bem a ideia da
organização soviética e sejam capazes de coloca-la em prática. É também evidente que
as massas oprimidas – exploradas não só pelo capital mercantil, como também pelos
senhores feudais – podem igualmente aplicar essa arma, esse tipo de organização, nas
condições em que se encontram. A ideia da organização soviética é simples e pode ser
aplicada não só às relações proletárias, mas também às relações camponesas feudais e
semifeudais. Nossa experiência a esse respeito ainda não é grande; mas os debates na
comissão – nos quais participaram vários representantes dos países coloniais –
mostraram-nos de forma absolutamente irrefutável que nas teses da Internacional
Comunista deve-se indicar que os sovietes camponeses, os sovietes dos explorados, são
um instrumento válido não só para os países capitalistas, como também para os países
com relações pré-capitalistas, e que é um dever irrefutável dos partidos comunistas e de
quem se dispõe a organizá-los a propagar a ideia dos sovietes de camponeses, dos
sovietes de operários, em toda parte, tanto nos países atrasados como nas colônias, E
sempre que as condições o permitirem, sem perda de tempo, deverão tentar organizar
sovietes do povo trabalhador.
Aqui temos a possibilidade de realizar um trabalho prático de grande interesse e
importância. Nossa experiência geral nesse terreno não é ainda muito grande, mas
pouco a pouco vamos reunindo dados. É indiscutível que o proletariado dos países
avançados pode e deve ajudar às massas trabalhadoras atrasadas, e que o
desenvolvimento dos países atrasados poderá emergir de seu estágio atual quando o
proletariado vitorioso das repúblicas soviéticas chegar a essas massas e poder dar-lhes
apoio.
Esse problema suscitou na comissão debates acalorados, e não só em torno das teses que
levam a minha assinatura, mas ainda mais em torno das teses do camarada Roy, que ele
defenderá aqui e nas quais foram apresentadas algumas alterações por unanimidade.
A questão tem sido colocada nos seguintes termos: podemos considerar justa a
afirmação de que a fase capitalista de desenvolvimento da economia nacional é
inevitável para os povos atrasados que se encontram em processo de libertação e entre
os quais agora, depois da guerra, se encontra um movimento em direção ao progresso?
Nossa resposta foi negativa. Se o proletariado revolucionário vitorioso faz propaganda
sistemática entre esses povos e os governos soviéticos os ajudam com todos os meios
disponíveis, é errado supor que a fase capitalista de desenvolvimento seja inevitável
para os povos atrasados. Em todas as colônias e em todos os países atrasados não
devemos nos limitar a formar nossos próprios quadros de lutadores e nossas próprias
organizações partidárias, não devemos nos limitar a fazer propaganda imediata em prol
da criação de sovietes camponeses, tentando adaptá-los às condições pré-capitalistas.
Além disso, a Internacional Comunista deverá formular, dando-lhe uma base teórica, a
tese de que os países atrasados, com a ajuda do proletariado das nações avançadas,
possam passar ao regime soviético – e, por certas etapas do desenvolvimento, ao
comunismo – evitando a fase capitalista em seu desenvolvimento.
É impossível indicar antecipadamente os meios que serão necessários para que isso
ocorra. A experiência prática vai nos guiar. Mas, é um fato firmemente estabelecido que
a ideia dos sovietes é cara a toda a massa trabalhadora dos povos mais distantes; que
essas organizações, os sovietes, devem ser adaptadas às condições de um regime social
pré-capitalista e que os partidos comunistas devem começar imediatamente a trabalhar
nessa direção no mundo todo.
Gostaria também de salientar a importância de os partidos comunistas levarem a cabe a
sua obra revolucionária não só no seu próprio país, mas também nas colônias, e
especialmente entre as tropas que as nações exploradoras utilizam para manter
subordinados os povos de suas colônias.
O camarada Quelch, do Partido Socialista Britânico, abordou esse problema em nossa
comissão. Ele disse que os trabalhadores das fileiras inglesas considerariam traição
ajudar povos subjugados quando esses se rebelam contra o domínio inglês. É verdade
que a aristocracia operária da Inglaterra e da América do Norte, imbuída de um espírito
jingoísta3 e chauvinista, representa um perigo imenso para o socialismo e dá um apoio
vigoroso à II Internacional. Aqui nos deparamos perante uma tremenda traição dos
dirigentes e operários filiados a essa Internacional burguesa. Na II Internacional também
se discutiu o problema colonial. O Manifesto de Basileia4 se referiu a ele em termos
inequívocos. Os partidos da II Internacional prometeram agir revolucionariamente, mas
não vemos nenhum trabalho verdadeiramente revolucionário de sua parte ou qualquer
apoio aos levantes dos povos explorados e dependentes contra as nações opressoras,
como não o vemos, em minha opinião, entre a maioria dos partidos que deixaram a II
Internacional e desejam aderir à III Internacional. Devemos dizer em voz alta, para que
todos saibam. Isso não pode ser refutado, e veremos se alguma tentativa será feita para
refutá-lo.

Todas essas considerações serviram de base para nossas resoluções, que, sem dúvida,
são longas demais; mas confio que, apesar de tudo, serão úteis e contribuirão para

3
Jingoísmo: chauvinismo beligerante, pregação da políticas agressivas e imperialistas; o termo vêm da
palavra intraduzível “jingo” que entrou no refrão de uma canção chauvinista inglesa dos anos 70 do
século XIX;
4
Manifesto de Basileia: Manifesto sobre a guerra adotado no Congresso Socialista Internacional
Extraordinário de Basileia, realizado em 24 e 25 de novembro de 1912. O Manifesto advertia os povos
contra o perigo iminente da guerra imperialista mundial, denunciava os objetivos bandidos da referida
conflagração e chamava os trabalhadores de todos os países à luta enérgica pela paz, opondo “ao
imperialismo capitalista a força da solidariedade internacional do proletariado”. O Manifesto de Basileia
condenou resolutamente a política expansionista dos estados imperialistas e apelou aos socialistas para
que lutem contra toda opressão aos pequenos povos e contra todas as manifestações de chauvinismo.
desenvolver e organizar uma obra verdadeiramente revolucionária sobre os problemas
nacionais e coloniais, que é, no fundo, nosso principal objetivo.

“Boletim do 2º Congresso da Internacional Comunista, nº 6, 7 de agosto de 1920”.

Publicado de acordo com o texto do livro “2º Congresso da Internacional Comunista. Ata taquigráfica,
1921, comparado com o texto da edição alemã ‘Der zweile Kongrefb der Kommunist Internationale’”

Você também pode gostar