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SEBENTA

DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO I - Práticas
Comissão de Curso do 4º ano de Direito
2019/20
FDUP

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Direito Internacional Privado I – Práticas
Parte especial do Direito Internacional Privado

23/09/2019
Vamos olhar para o CC de 1966, nomeadamente para o índice sistemático. Neste,
percebemos que, em termos de arrumação das matérias, encontramos 5 livros: I – Parte geral; II –
Livro das obrigações; III – Livro das coisas; IV – Livro da Família e V – Livro das Sucessões. O
Código Civil baseia-se no Código Civil alemão – BGB e no Código Civil francês.

Onde está o DIP e porque é que ele está nesse sítio?

No livro I – Parte Geral. Ao olharmos para os seus títulos e capítulos, vemos que no título I
– das leis, sua interpretação e aplicação encontramos dois princípios cardeais para situar a
aplicação das leis:
● O princípio da não retroatividade das leis (tempo)
● O princípio da não transatividade (espaço)
Estes vão conformar a aplicação das leis, estando circunscritas do ponto de vista temporal
e espacial.
Assim, a matéria dos conflitos de leis encontra-se entre o art. 14º e o art. 65º do CC,
presente no capítulo III que pertence ao título I. Faz sentido que esteja aqui pois o direito do conflito
vem resolver o problema de aplicação das leis no espaço. Qual é o âmbito de aplicação das leis?
Tal é resolvido pelo direito dos conflitos. Este capítulo III – Direito dos estrangeiros e conflito de leis
também esta dividido em secções:
● Secção I – disposições gerais;
● Secção II – normas de conflitos. Esta secção II – direito dos conflitos corresponde
aos arts. 25º a 65º.
○ No art. 25º - âmbito da lei pessoal;
○ O art. 41º - obrigações provenientes de negócios jurídicos;
○ O art. 45º- responsabilidade extracontratual;
○ Art. 46º - direito reais;
○ Art. 50º - forma do casamento;
○ Art. 52º - relações entre os cônjuges.
○ Temos aqui uma indicação sobre lei pessoal – direitos de personalidade,
incapacidade, tutela, etc.

Dentro da secção II encontramos uma espécie de mini Código Civil, uma arrumação e uma
sistematização que mimetiza toda a sistematização macro do CC.
Há ainda um isolamento na secção I das disposições gerais – art. 15º e art. 16º a 19º do CC
– a qualificação e o reenvio não são mais que questões de interpretação da regra de conflitos, é
a mesma coisa que pegarmos no art. 9º da interpretação. O que nestes artigos esta presente é um
problema de interpretação da regra de conflitos e, por isso, é que está nas disposições gerais da
secção I porque são as regras que se aplicam de um forma idêntica ao que acontece no título I e
que nos ajuda a compreender a secção II, a qual podemos chamar a parte especial.

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Depois temos regras como o art. 21º do CC sobre a fraude à lei ou o art. 22º do CC sobre a
ordem pública internacional, etc. Também encontramos regras acerca destes casos no Código
Civil.

Do art. 25º ao art. 65º do CC vamos ter, em substituição de alguma destas regras,
regulamentos da UE, pois a União Europeia assumiu a competência de algumas matérias para
amenizar as soluções conflituais pois estas não eram idênticas de país para país. Ex: O DIP
português e italiano em matéria de sucessões por morte entendia que para regular a sucessão
internacional era a lei da nacionalidade, já nos países nórdicos era a lei da residência. O que os
regulamentos da UE quiseram fazer é regularizar a solução conflitual, optar por uma lei.
Estes regulamentos da UE correspondem ao direito dos conflitos que está em vigor em
vários EM. Se há matéria verdadeiramente europeia é o Direito Internacional Privado.

Vejamos: na norma do nº1 do art. 1323º do CC que está no Livro III – “Aquele que encontrar
animal ou coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu
dono ou avisá-lo do achado.” – temos uma regra que pode definir uma forma de aquisição de
propriedade de uma coisa perdida ou de um animal perdido, onde se deve avisar ou restituir. Esta
é uma norma material ou uma regra de conflitos? É uma norma material pois olhando para ela
qualquer pessoa sabe o que fazer para estar de acordo com a norma.
Mas o nº1 do art. 1323º só contém uma norma de direito material ou mais? Sabemos que
na norma material temos a previsão e a estatuição. A previsão é a hipótese legal. Já a estatuição
é aquilo que se estatui, a consequência da norma. Assim, quantas normas materiais tem o nº1?
Quatro normas jurídicas de sentido material pois sabemos exatamente o que fazer, visto que há a
alternatividade.

Vamos tentar transpor esta divisão para um regra de conflitos – art. 46º é uma regra de
conflito típica pois diz que o regime da posse, propriedade e mais direitos reais é definido pela lei
do Estado em cujo território as coisas estão situadas – a lei mais adequada para definir estas figuras
dos direitos reais caso haja um problema de direito internacional é a do lugar onde estas se
encontram – lex rei sitae. Esta norma tem um alcance completamente distinto da do art. 1323º e,
no entanto, são ambas de direito real. Podemos dizer que o art. 46º do CC não é uma norma
jurídica? Tem previsão e estatuição? Queremos saber quando surge um litígio que envolva a
questão jurídica da posse (exemplo) qual é a lei que vamos aplicar. O objetivo da norma é delimitar
o espaço de aplicação das leis. Assim, temos uma norma que é uma norma jurídica porque tem
uma hipótese “a posse, propriedade e demais direitos reais” e uma estatuição “a lei do lugar onde
as coisas estão situadas”.
Mas, do ponto de vista do conteúdo, da hipótese e da estatuição temos muitas diferenças:
● Nas normas materiais temos a hipótese e depois um comando.
● Na regra de conflito é tudo muito distinto.
○ Na hipótese temos questões jurídicas, temas mais ou menos abstratos ou mais ou
menos especializados, conceitos técnico-jurídicos, isto é, o chamado em DIP
conceito-quadro (igual a hipótese ou previsão da norma) pois o que está lá não é
uma descrição factual, mas sim questões jurídicas mais ou menos detalhadas.
○ Na consequência jurídica não temos um comando direto imediato, mas sim a
remissão para uma lei, para um ordenamento jurídico segundo um determinado

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critério que, no caso, é a da situação da coisa que, em DIP, se chama elemento de
conexão. O elemento de conexão é o critério que isola a lei que se vai efetivamente
utilizar.

30/09/2019

Analisamos a norma do art. 1323º do CC na aula anterior de forma a verificarmos a estrutura


de uma norma jurídico-material em contraposição a uma regra de conflitos como a do art. 46º que
remete para legislação que a regra de conflitos entendeu como relevante para regular aquelas
questão. Em termos estruturais ambas são normas jurídicas, ambas tem uma previsão e estatuição.
Contudo, na regra de conflitos, a previsão é chamada de conceito-quadro (conceito-questão
de Batista Machado) pois nela podemos incluir conceitos variados, isto é, no conceito-quadro temos
várias possíveis respostas de direito material nos diferentes ordenamentos jurídicos (ao contrário
do que Savigny dizia) e, portanto, este conceito-quadro é quadro porque enquadra, desde que no
essencial responda à questão jurídica, no caso dos direitos reais que responda à ordenação
dominial. Já na consequência temos o elemento de conexão que no nosso caso é o lugar onde as
coias estão situadas que nos vai indicar um determinado ordenamento jurídico.
Assim, vamos aplicar esta matéria num caso prático.

Hipótese prática
Supondo que o A, de nacionalidade japonesa e com 19 anos de idade, encontra em
Cedofeita uma mala de senhora perdida e questiona-se sobre o que deve fazer. A mala, vem-
se a saber, tem um grande valor, coisa que A não sabia e que, por causa disso, fazendo da
mala sua, acaba por vendê-la a uma colega de curso, B, por 50€. Os pais aperceberam-se
que a mala custa muito dinheiro e querem desfazer o negócio. Alegam que o A tem 19 anos,
é menor, não tem capacidade jurídica e que o negócio é anulável. A e os pais residem em
Portugal.

A questão principal parece ser a validade do negócio.


Mas, antes disso, é necessário que não seja a venda coisa alheia pois temos de saber se o
A é dono da carteira ou não, sendo a venda de coisa alheia nula. É necessário que o A seja titular
do direito que vá dispor – nemo plus iuris (ninguém pode transferir mais direitos do que aqueles
que possui). Temos duas questões jurídicas aqui em abstrato:

1. Saber se A é ou não proprietário, uma questão do âmbito dos direito reais, se o direito
de propriedade pertence ao A e se ele pode dele dispor;
2. Saber se A pode dispor deste direito real através de um negócio jurídico sem
representação legal, sendo esta uma questão de capacidade.

Se nós, sem qualquer hesitação, pelo facto do A ser português, por já ter mais de 18 anos
(já tendo em Portugal capacidade de exercício), pelo facto de ele residir no Porto e da venda ter
sido feita a uma portuguesa também residente no Porto, aplicássemos as leis internas, aplicávamos
o art. 1323º. Se ele cumpriu o 1323º afirmaríamos que ele é o legítimo proprietário. Se quiséssemos
saber se ele podia ou não dispor daquele direito real da sua esfera jurídica para outra pessoa

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através de um negócio jurídico, à partida, o negócio jurídico seria válido pela aplicação da regra –
art. 130º – pode realizar este negócio – capacidade de exercício geral.

Mas, estamos a pressupor a aplicação de normas do direito português. Será que podemos
fazer isso? Não, pois o A é japonês, tem outra nacionalidade e isso poderá ser relevante ou não
dependendo da relação jurídica que estamos a tratar.
Começando pela questão dos direitos reais, A é ou não proprietário? Qual é a lei aplicável
para regular esta situação? Os pais dizem que, segundo a lei japonesa, A não precisa de avisar as
autoridades de ter encontrado a coisa. Para definir a titularidade do direito real qual era o direito
aplicável? Art. 46º diz-nos que para a definição de posse, propriedade e demais direito reais a lei
aplicável é a do lugar onde a coisa se encontra. A mala encontrou-se no Porto, assim aplica-se
o art. 1323º.
Mas ele podia dispor desse direito através do contrato de compra e venda? Os pais dizem
que não e que o negócio é anulável, havendo a necessidade de restituição do preço e da mala. Se
a questão é saber se ele tem capacidade para vender, temos de encontrar o conceito-quadro que
corresponde à questão da capacidade. De facto, temos o art. 47º, mas a regra geral em matéria de
capacidade está definida pela combinação de dois artigos, que juntos fazem uma só regra de
conflitos, há um artigo que contem a previsão e outro que contem a estatuição – art. 25º e art. 31º,
nº1 do CC.
O art. 25º - indivíduo e relações com a pessoa jurídica - “a capacidade das pessoas”. Todas
estas regras constituem o estatuto pessoal. O art. 25º fala-nos de lei pessoal e as questões a que
se lhe aplica a mesma lei, mas não nos diz que lei é, só nos diz que é a lei pessoal (que no fundo
é um estatuto, uma previsão). O art. 31º diz-nos que a lei pessoal é a lei da nacionalidade do
indivíduo (ex: se é português é a lei portuguesa, se é italiano é a lei italiana, etc.). Se a capacidade
é uma matéria que está no âmbito da lei pessoal, e se o japonês é japonês qual seria a lei para
regular este negócio? A lei japonesa, segundo a qual ele é incapaz, pois ainda é um menor visto
que é menor de 20 anos.
Mas pode haver a possibilidade de aplicar o art. 47º, em termos de capacidade, pois há
especificidades. Ao contrário do art. 25º e do 31º, nº1 que remete para a lei japonesa enquanto lei
nacional do A, é igualmente definida pela lei da situação da coisa, lei portuguesa, a capacidade
para constituir ou dispor direitos reais se essa lei assim o determinar, de contrário aplica-se
a lei pessoal. No nosso caso, como se trata de um bem móvel, aplica-se a lei pessoal.

Mas, da aplicação desta norma o que é relevante para se saber se se aplica a lei portuguesa
ou não? É especial o art. 47º pois o seu âmbito é limitado, é apenas a capacidade para constituir
ou dispor de direito reais que no nosso caso se aplica, mas é especial porque se afasta do art.
25º e 31º, nº1 (regra geral) e é mais especial ainda porque se refere apenas a imóveis, assim,
tratando-se de bens móveis, não se aplica.

No entanto, nem todos os imóveis. Se fosse a venda de um apartamento e se quiséssemos


saber se ele tinha capacidade para dispor do direito real, à primeira vista podíamos aplicar sobre o
critério de especialidade esse artigo 47º. O art. 47º diz a capacidade para dispor de um direito real,
esta questão jurídica, que é uma questão específica, não é uma questão de definição de direitos
reais, mas sim de capacidade, saber se eu sou capaz para produzir um determinado efeito jurídico,
dispor de algo que é meu. A lei do lugar da situação da coisa está mais apta a resolver este

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problema do que a lei nacional que é aquela que se aplica, em regra, na capacidade de exercício.
Mas esta é uma capacidade de dispor de um direito real muito específica.

O art. 47º diz-nos que quando se trate da capacidade de dispor de um imóvel vamos aplicar
a lei da situação das coisas, a mesma solução do art. 46º e não a solução geral do art. 25º e 31º,
nº1. Passamos da lei nacional para a lex rei sitae. Contudo, o art. 47º ainda se especializa mais:
desde que essa lei assim o determine – isto é, a lei do lugar da situação da coisa tem de ter essa
mesma solução jurídica. Assim, a lei do lugar onde o imóvel está situado tem de determinar a sua
própria aplicação. E como é que ela o faz? Através de normas de conflito da lex rei sitae tem de
determinar a competência desta lei, isto é, o DIP ou a regra de conflitos desta lei tem de mandar
aplicar a lex rei sitae, só nesta circunstância é que esta lei se considera competente. Se estou a
dizer que uma outra regra de conflitos tem de ter a mesmo a solução que a nossa, falo de outra
regra de conflitos estrangeira, logo as coisas estão situadas no estrangeiro.

Assim, o art. 47º refere-se não à capacidade geral, mas sim a capacidade de dispor de
direitos reais, não a todas as coisas, mas apenas a imóveis, e não a qualquer imóvel, mas apenas
a imóveis que se situem no estrangeiro. Qual era a lei que aferia essa capacidade? Se o imóvel
estivesse situado no Porto, à partida, íamos ao 47º. Mas o art. 47º diz – se essa lei assim o
determinar, o art. 47º está a referir-se a imóveis situados no estrangeiro. Remissão condicionada
ao DIP estrangeiro – quando a regra de conflitos diz que se aplica uma lei se a regra de conflitos
se considerar competente.

Só aplicamos o artigo 47º se o imóvel estiver situado em Vigo, por exemplo. Nos termos do
art. 47º, é a lei espanhola que vai determinar se o sujeito tem ou não capacidade jurídica. Se o
imóvel estivesse em Portugal, não podíamos aplicar o art. 47º, por isso, quanto à questão da
capacidade aplicaríamos o art. 25º e art. 31º, nº1 e a última parte do art. 47º, a lei pessoal. A solução
pode ser muito diferente pois ou estamos no âmbito do art. 47º ou no do art. 25º + art. 31º/1. A
solução do art. 47º é a mesma do art. 46º - aplicação da lex rei sitae, portanto, a lei espanhola
(desde que essa lei assim o determine). Temos de aferir a regra de conflitos espanhola, se, na
mesma situação, qual era a lei que eles aplicariam, ela fala na lex rei sitae, por isso a lei espanhola
seria aplicada. Mas e se a lei espanhola entendesse que era a lei nacional que resolveria isto? A
regra de conflito não determinava a aplicação da sua lex rei sitae e então voltávamos à lei pessoal,
a lei japonesa. E se o prédio não estivesse situado em Espanha, mas em Portugal, não se aplicava
o art. 47º pois o bem não está no estrangeiro. Não se aplica também o art. 47º com os móveis.

Na nossa hipótese não aplicamos o art. 47º pois não se trata de um imóvel e, portanto,
aplicamos a parte final deste artigo, aplicando a lei pessoal. Assim, sendo ele menor, ele não tem
capacidade jurídica. O negócio seria de facto anulável.

Trata-se de um bem móvel. A era menor porque se aplicava a regra geral e a regra geral
manda aplicar a lei nacional, a lei japonesa onde a maioridade só se atinge aos 20 anos, logo
quem tem 19 anos não tem capacidade para celebrar negócio jurídicos, a menos que existam
exceções na lei japonesa (como o nosso art. 127º). Desta forma, os pais podem alegar a falta de
capacidade do menor e, por isso, B tem de restituir a carteira.

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Uma regra que se poderá aplicar para salvaguardar a validade dos negócios jurídicos,
quando haja esta discrepância, esta diferença entre os vários ordenamentos jurídicos em matéria
de capacidade para não desproteger terceiros, a contraparte, quando esta desconheça que o
outro é menor ou incapaz por outra razão qualquer quando isso se determina na sua lei pessoal é
o art. 28º do CC (em matéria de obrigações contratuais está substituído pelo art. 13º do
Regulamento Roma I) – proteção de terceiros daquele que negoceia com o incapaz.
O art. 28º, nº1 é um exemplo de uma regra de conflitos com uma estrutura um pouco
diferente. Vem-nos dizer que um negócio jurídico celebrado por um incapaz em Portugal (como o
A) não pode ser anulado por motivo de incapacidade se a lei interna portuguesa o considerasse
capaz. Há aqui uma comparação entre a lei pessoal estrangeira e a lei pessoal portuguesa. Os
motivos de incapacidade da lei pessoal estrangeira se mutatis mutandis a lei portuguesa
considerasse a pessoa capaz para que a contraparte não ficasse surpreendida com a incapacidade
do outro. Se ele tivesse 17 anos ele tanto era incapaz para a portuguesa como para a lei japonesa.
Mas não é esse o caso.
Mas há aqui um dever de conhecer? Art. 28º, nº2. Se o art. 28º não se aplica então não
vamos considerar o negócio jurídico válido quando ele era inválido e voltamos à regra geral. O art.
28º, nº1 vai num sentido de favorecer o negócio jurídico e a sua validade. O nº2 diz-nos que essa
exceção cessa quando a contraparte tiver conhecimento da incapacidade. Está aqui a questão
da boa fé. A outra parte não tem direito a invocar esta excecionalidade se tinha conhecimento da
incapacidade, conhecimento efetivo. Por outro lado, tem de ser um negócio bilateral, não pode ser
unilateral, não pode pertencer ao domínio da família e das sucessões e também referente a imóveis
situados no estrangeiro. O tráfego jurídico que se pretende salvaguardar é o nacional e têm de ser
negócios correntes que não contendam negócios da esfera pessoal, falamos assim da compra-e-
venda, do arredamento, da prestação de serviços (patrimonial). É essa circunscrição que tem a ver
com a má fé da contraparte, se o negócio é um negócio que extravasa o negócio corrente, se não
é celebrado em Portugal, a salvaguarda de interesse nacional deixa de fazer sentido. Favor negotti
habitual em que há boa fé da contraparte ou pelo menos não há má fé da contraparte.
Esta regra de conflitos tem uma particularidade, ela enquanto exceção vem apenas delimitar
a situação em que a lei portuguesa se vai aplicar para além do seu âmbito espacial natural de
aplicação. A lei portuguesa só se aplicaria se o que estivesse em causa fosse um nacional, um
português. Mas aqui podemos aplicar a lei portuguesa a estrangeiros. Se a lei portuguesa fosse
aplicável, ele seria capaz.

B não fazia ideia da incapacidade e da idade de A. É um negócio corrente, local. E se a lei


portuguesa fosse aplicável ele seria considerado capaz, ficando B protegida. A lei portuguesa
estendeu o seu âmbito de aplicação, para com estrangeiros para os quais ela não teria
competência. Esta regra de conflitos apenas se dirige para a aplicação da lei portuguesa. Caso a
lei portuguesa o considerar capaz o negócio vai ser considerado válido. A lei portuguesa tem um
âmbito mais alargado de aplicação. Não diz nada relativamente a situação de um estrangeiro que
celebra um negócio fora de Portugal. Assim, não é verdadeiramente uma regra de conflitos, pois
todas as regras de conflito são bilaterais pois aplicam ou mandam aplicar ou remetem para qualquer
lei, seja ela estrangeira ou do foro (a lex rei sitae, as coisas podem se situar em Portugal ou no
estrangeiro, tal como a lei pessoal). As regras de conflito são bilaterais, aplicam qualquer lei, não
há um preferência entre a lei do foro e uma qualquer lei estrangeira.

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No entanto, o art. 28º não é assim. O art. 28º é uma exceção à regra geral. Mas vem dizer
que se o negócio for celebrado em Portugal por um incapaz estrangeiro, neste caso, aplicamos a
solução material da lei portuguesa a uma situação em que ela não seria aplicável. Esta norma
apenas permite aplicar a lei portuguesa no sentido de salvaguardar o negócio. Assim, esta regra é
uma norma de conflito unilateral que acaba por ser bilateralizada se olharmos para o nº3 – nas
mesmas circunstâncias, se um incapaz para a sua lei nacional estrangeiro, exemplo italiano,
celebra um negócio em França, é aplicável a lei francesa que consagra regras idênticas às dos nº
anteriores, isto se a lei francesa também admitir que os negócios jurídicos celebrados no seu
território possam ser válidos ainda que a lei pessoal do incapaz não o permita. No país da
celebração tem de haver o mesmo interesse nacional para ver aplicada a sua própria lei no sentido
de validar negócios correntes, locais que seriam inválidos dada a incapacidade dos intervenientes.
O nº3 é o simétrico do nº1 dirigido para a lei estrangeira. Torna o art. 28º numa regra de
conflitos bilateral que é excecional para a do art. 25º. As normas de conflito bilaterais são
excecionais, elas resolvem o conflito de leis no espaço de forma lacunosa pois apenas dizem que
a lei do foro é aplicável naquelas circunstâncias e não dão resposta aquando se aplica a lei
estrangeira. O art. 28º é assim.

7/10/2019
Um exemplo de uma regra de conflitos unilateral no art. 3º, parágrafo 3º do Código Civil
Francês que diz que as leis (normas jurídicas) que dizem respeito ao estado e à capacidade das
pessoas francesas regem os franceses mesmo que residam em país estrangeiro. Isto é, as regras
do Código Civil, as leis do CC Francês vão reger o estado e a capacidade dos franceses mesmo
que residam no estrangeiro, França ou noutro país. Em primeiro lugar, temos de afirmar que é uma
regra de conflitos, e se olharmos para a estrutura da regra de conflitos, temos uma regra de conflitos
e não uma norma material pois aqui temos a indicação de duas questões jurídicas e não uma
solução, mas sim a remissão para uma lei, para a lei francesa unicamente. Essa remissão tem de
ter algum sentido útil, o de circunscrever territorialmente a competência, a eficácia dessas
mesmas normas jurídicas do próprio Código Civil.

Onde vemos essa circunscrição? Por esta regra de conflitos, a lei francesa em matéria de
estado e capacidade, aplica-se a toda e qualquer situação internacional? Não. Do ponto de vista
territorial, como é que o juiz sabe se aplica estas as normas do CC relativas ao estado e à
capacidade francesas ou não? Em primeiro lugar, tem de se tratar de um francês, se se tratar de
um inglês não se aplica estas regras. Se um francês residir em Espanha esta regra aplica-se.
Assim, esta regra restringe (apenas aos franceses) e amplia (franceses dentro e fora de
França) o âmbito de aplicação das normas francesas territorialmente. É uma regra de conflitos,
estruturalmente temos uma questão jurídica com remissão para aplicação de uma lei, não sabemos
se um francês que reside pelo estrangeiro é ou não capaz, mas sim que se aplicará as normas de
capacidade francesas.
Ao contrário das regras de conflito bilaterais, as unilaterais não resolvem todas as situações
e não resultam delas a aplicação de lei estrangeira. Se se tratar de um cidadão belga que reside
em Paris em que se questiona a sua capacidade, o que pode o tribunal fazer de acordo com esta
norma? Nada, o tribunal não consegue saber qual a lei aplicável, mas se tivesse uma regra parecida
com o nosso art. 25º do CC já saberia mais, já aplicaria a lei pessoal, a lei belga, mesmo que
residisse em França. Esta norma não responde a todas as relações quanto ao regime das relações

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privadas internacionais. Manda aplicar a lei do foro com o objetivo de limitar territorialmente. É uma
regra diferente, lacunosa, para o cidadão belga não resolve nada.

Esta regra tem um elemento de conexão? A nacionalidade francesa. Podemos tentar


bilateralizar a norma aplicando o critério da nacionalidade. Esta regra de conflitos unilateral por
excelência surgiu quando havia uma certa ingerência do ponto de vista de supremacia dos outros
Estados ao determinar uma regra de conflitos bilateral, ao aplicar uma lei estrangeira no direito do
foro. O método unilateral acabou por ser afastado.

Contudo, vemos no art. 28º, nº1 uma regra de conflitos unilateral – se o negócio for
celebrado em Portugal e se o indivíduo for considerado incapaz segundo a sua lei pessoal, mas se
for considerado capaz pela portuguesa e se se tratar de um negócio corrente e houvesse
desconhecimento pela outra parte, podia-se considerar o contrato válido. Este artigo 28º aplica a
lei portuguesa, afastando a aplicação da lei nacional, no caso a japonesa. Esta lei portuguesa está
circunscrita ao facto de o negócio ser celebrado em Portugal. O art. 28º do nosso CC, tal como o
3º do Código Civil Francês, tem apenas como objetivo estender, ampliar os casos de aplicação
da lei portuguesa que se vai aplicar a capacidade dos estrangeiros quando, a princípio, seria
aplicada a lei pessoal. A lei portuguesa vai ser aplicada quando não seria, mas ao mesmo tempo
restringe pois isso só vai acontecer se o negócio se celebrar em Portugal. Enquanto solução
específica para validar os negócio jurídicos há aqui uma lacuna, qual é a situação que não está
comtemplada? O art. 28º veio substituir a aplicação da lei pessoal por aplicação da lei portuguesa
enquanto lei do lugar de celebração. Desta forma, perante a mesma hipótese de um incapaz na
sua lei pessoal, capaz na lei portuguesa, os negócios celebrados no estrangeiro não encontram
aqui solução. O art. 28º não oferece como elemento de conexão o lugar da celebração do negócio
o que oferece é a aplicação da lei portuguesa.
Numa regra de conflitos bilateral tínhamos uma regra de conflitos qua tale, porque a
referência ao lugar da celebração era feita em termos abstratos – onde quer que o negócio fosse
celebrado, o juiz teria todas as soluções descobertas.
O art. 28º tenta salvar o negócio por motivo de ele ser inválido por razão de incapacidade.
Mas esta não é uma regra de conflitos bilateral, apenas tem como objetivo aplicar a lei portuguesa
se o negócio for celebrado em Portugal. Tal como o art. 3º do Código Civil Francês, não há uma
referência à nacionalidade, mas sim aos franceses. É o que faz o art. 28º, nº3, é aplicável a lei do
lugar da celebração do negócio que tiver regras idênticas aos dois números anteriores, que vá num
sentido de salvar o negócio em idênticas circunstâncias.

Ex: A (espanhol) celebra um negócio em Itália (lex loci) com B (português ou residente em
Portugal). Admitindo que A fosse incapaz para a lei espanhola e que seria capaz quer para a lei
portuguesa quer para a lei italiana. Tratando-se de uma relação privada internacional coloca-se a
questão da capacidade do A, tem que se aplicar a regra de conflitos que é a lei nacional, a lei
espanhola, A não tem capacidade, logo o negócio é anulável. Há, contudo, a possibilidade de
recorrer ao art. 28º. Mas o A celebrou o negócio em Itália, não se aplicando a regra de conflitos do
art 28º, pois é apenas para negócios celebrados em Portugal. Mas e o nº3? Será que o tribunal
italiano teria a mesma solução que o português, estando todos os outros requisitos do nº
preenchidos? As regras de conflito italianas têm de ter aqui uma solução para que se dê esta
bilateralização. O nº3 bilateraliza o nº1, vai buscar o lugar da celebração (elemento de conexão),

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por isso, já é passível de aplicar qualquer lei do país, x, y ou z, desde que seja a do lugar da
celebração do negócio. A esta regra do art. 28º vamos buscar com a do Regulamento Roma I. O
regulamento Roma I diz apenas respeito as disposições dos contratos que é paralelo a este artigo
28º, no seu art. 13º encontramos uma regra de conflitos bilateral, como não podia deixar de ser
pois trata-se de um instrumento da UE.

Continuando o estatuto pessoal quanto às pessoas singulares


Todas as matérias do estatuto pessoal estão no art. 25º e depois no art. 31º, nº1 temos a
solução: aplicação da lei pessoal do indivíduo.

Temos então de analisar algumas regras subsequentes:


● Art. 26º
Apesar do art. 25º incluir as questões do estado e da capacidade não se refere a questão
da personalidade jurídica como tal, o início e o termo da personalidade jurídica e a
suscetibilidade de ser titular de relações jurídicas está definido no art. 26º, que se limita a
reafirmar que à personalidade jurídica aplica-se a lei pessoal.
O art. 26º, nº1 soma ao art. 25º o início e o termo da personalidade jurídica. Mas se fosse
só assim, o art. 25º incluía-o, por isso, vamos ver o nº2. No nº2 vemos uma remissão para uma
solução de direito material. O que é isto das presunções de sobrevivência de uma pessoa a
outra, o que pode depender da sobrevivência de uma pessoa a outra pessoa? A herança, os direitos
sucessórios. Se uma pessoa não sobrevive a outra não há direitos sucessórios. A sobrevivência é
necessária para haver transmissão. Sabemos que há situações em que é difícil determinar entre
pessoas que estejam ligadas por qualquer relação jurídica (familiar ou resultantes de negócio) e,
às vezes, pode acontecer que é difícil determinar a cronologia das sucessões, por isso, não
conseguimos determinar se há sobrevivência de uma pessoa a outra, sendo a morte a abertura da
sucessão. Na nossa lei, quando duas pessoas morrem ao mesmo tempo e não se consegue
determinar a ordem cronológica das mortes, não se sabe exatamente quando, presume-se que
ninguém sobrevive a ninguém, portanto, não há produção de efeitos sucessórios, salvo o direito de
representação. Isto o direito português. Ex: A (francês) e B (chinês) – na lei francesa a presunção
vai no sentido que a pessoa mais nova sobrevive à mais velha e no direito chinês diz-se que a
pessoa mais idosa vai sobreviver à mais nova. Se tenho de decidir em termos sucessórios, se uma
pessoa sobrevive a outra, tenho de saber como abrir a sucessão. Se temos duas nacionalidades
diferentes, o que o art. 26º vai dizer que se aplica a lei pessoal, a lei da nacionalidade de cada um,
mas nesta matéria elas são inconciliáveis, não leva a um resultado satisfatório. Assim, o nº2 do
art. 26º, aplica-se o nº2 do art. 68º – presunção de comoriência – há a importação do direito
português para resolver um conflitos de leis de muito difícil resolução.

● Art. 27º
Fala-nos de direitos de personalidade – tutela geral da personalidade – art. 70º e ss do
CC – os mecanismos que as pessoas singulares dispõem para defender os seus direitos de
personalidade e o seu âmbito. Não teria de estar no âmbito do estado pessoal no art. 25º? No art.º
27 diz-nos “a existência e a tutela dos direitos de personalidade” – aquelas regras que no direito

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português correspondem ao art.º 70 e ss. do CC. Se estivermos a falar da tutela ressarcitória da
violação dos direitos de personalidade - falamos de matéria de responsabilidade civil
extracontratual por factos ilícitos (por violação desses direitos absolutos), e essa não esta
abrangida por esse art.º 27. Numa situação como esta, a primeira questão é saber se à luz da lei
competente, a tutela da personalidade está em si abrangida, temos de ir à lei pessoal. E podemos
encontrar uma lei pessoal, de outro país que não tenha nenhuma tutela da personalidade (mas isso
será desde logo contrário à CRP, o um legislador português não pode aplicar); mas, admitindo que
tem uma tutela de personalidade mínima – não vale apenas falar em tutela indemnizatória, porque
não existe o direito que terá sido violado. A mesma situação pode dar origem à aplicação de duas
leis diferentes, uma coisa é a tutela dos direitos de personalidade outra é a responsabilização da
violação destes.

● Art. 31º e Art.32º


No âmbito pessoal, vamos ainda encontrar todas as regras relativas à capacidade jurídica,
quer a de gozo quer a de exercício, na medida em que o art. 25º faz referência às questões de
capacidade dir-se-ia que vamos aplicar a lei pessoal que é a lei nacional a todas as situações que
digam respeito a capacidade. Em primeiro lugar é preciso dizermos logo que a lei pessoal é a da
nacionalidade porque remete para o art. 31º, nº1. Mas vamos ver isto mais à frente. Tínhamos de
arranjar uma solução para os apátridas, os que não tem nacionalidade – art. 32º – a residência
habitual aqui é que vale.
Por outro lado, a residência habitual vai ter importância numa lógica de direitos adquiridos
que resulta da aplicação do art. 31º, nº2 – estamos a falar de uma situação que, por aplicação da
lei pessoal, esse negócio jurídico não seria válido, não seria reconhecido. O facto de se falar de
reconhecimento implica também que se trate de um negócio jurídico que não foi celebrado no foro.
Este art. diz-nos que são, porém reconhecidos em PT os negócio jurídicos celebrados no país da
residência habitual do declarante – por aplicação da lei pessoal, esse negócio jurídico não seria
válido/reconhecido, e portanto, o facto de se falar de reconhecimento, implica também que se trate
de negócio jurídico que não foi celebrado no foro, mas sim no estrangeiro, e se for a lei da residência
habitual em vez de aplicar a lei nacional – a ideia aqui é de uma conexão alternativa à nacionalidade
em favor da residência habitual para reconhecer os negócios jurídicos celebrados no estrangeiro,
desde que esse negócio jurídico tenha sido celebrado na residência habitual, e que essa lei se
considere competente logo no estrangeiro. Por isto, adquirem-se direitos a todos os títulos da lei
de residência habitual e tratando-se de uma relação privada internacional se o que resultasse da
aplicação dessa lei em que solução fosse a mesma. Esses direitos não podem agora ser
desvirtuados quando aquele que era residente no país estrangeiro regressa ao país de origem, daí
a solução do nº2. Alternativa a aplicar a lei nacional, por exemplo, que o negócio jurídico celebrado
por um português num país estrangeiro seria inválido, mas esse país estrangeiro era o país da
residência habitual e se a questão fosse aí suscitada eles aplicariam essa mesma lei, pois a solução
conflitual ia no sentido de aplicar a lei da residência habitual. Esse direito adquirido, quando o
português chega a Portugal tem de ser reconhecido. Em vez da lei nacional, a lei da residência
habitual com esse condicionalismo. Falamos, contudo, de um negócio específico, de negócios de
índole pessoal, falamos de casamento, perfilhação, testamentos, convenção antenupcial, etc. -
esses negócios podem ser reconhecidos à luz desta teoria dos direitos adquiridos que resulta

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do art. 31º, nº2, não só para aplicação da lei nacional, mas para aplicação da lei da residência
habitual.

● Art. 29º
Quanto à capacidade de exercício, desde logo, temos que olhar para o art. 29º –
maioridade. Isto significa que há elementos de conexão (como é o caso da nacionalidade, da
residência habitual, a situação dos imóveis) que são elementos de conexão que podem variar a
sua concretização ao longo do espaço e do tempo.
Isto convoca, do ponto de vista conflitual, o problema do conflito móvel, um conflito dentro
do direito dos conflitos que tem a ver com a sucessão no tempo dos vários estatutos. Ex: As
relações entre os cônjuges são reguladas pela lei da sua residência habitual comum, ou seja, pela
lei portuguesa nos termos do art. 52º, mas se os cônjuges forem residir para França e adquirirem
a nacionalidade francesa são regidos pela lei francesa. Se, pelo contrário, é aplicada a lei da
residência habitual, que hoje poderá ser em Portugal, amanhã em França e depois em Itália. Ou
seja, cada vez que há uma mobilidade no espaço, o próprio elemento de conexão concretiza-se de
formas diferentes, não há sucessão de leis no tempo no que toca à regra de conflitos, mas sim
que a regra de conflitos é a mesma só que a lei da residência habitual vai variando. Isto gera
o problema de saber se quando ocorre o litígio, se considera como relevante a lei da residência
habitual ou a anterior, a da altura do casamento, ou se é no momento em que se assumiu a dívida,
etc. Há problemas de determinação da lei competente porque o próprio elemento de conexão foi
mudando, a sua concretização no tempo e no espaço foi mudando.
Isto também se aplica à questão da maioridade porque se aplica a lei nacional. Ex:
Português chega aos 18 anos, atinge a maioridade e por qualquer razão muda de nacionalidade,
onde até renuncia a portuguesa. Ao mudar de nacionalidade adquire a nacionalidade de um Estado
onde a maioridade (Mississípi - EUA), só vai ocorrer dois anos depois, aos 20 – e o critério é sempre
a lei nacional. Este conflito móvel normalmente não está resolvido, mas neste caso está, pois o art.
29º diz que uma vez que se adquire a maioridade a luz de uma lei nacional, a mudança da lei
nacional não prejudica a maioridade que se tinha adquirido – uma vez adquirida a maioridade,
para sempre maior. Ex: Lei da residência habitual no casamento, a regra de conflitos imobiliza, a
lei que rege o casamento é sempre a mesma. Mas, muitas vezes, temos de saber qual é o elemento
relevante para efeitos de concretização do elemento de conexão. Para a questão da maioridade
temos a aplicação do art. 25º, nº1 + o art. 29º.

● Art. 47º
Capacidade especial para dispor ou constituir direitos reais sobre imóveis. Se os
pressupostos especiais da norma não estiverem cumpridos voltamos a regra geral, assim voltamos
para o art. 25º + art. 31º, nº1. Caso contrário, excecionalmente, é aplicada a lex rei sitae (art. 46º).
Toda a regra de conflitos, todo o sistema conflitual, todo o método conflitual vive de
proximidade, de posicionamento mais correto de um ordenamento jurídico em face de uma relação
jurídica, não vive de escolher a lei mais justa ou que oferece a solução mais favorável. Quando se
fala em maior proximidade é diferente do simples sentido de proximidade de qualquer regra de
conflitos. Isto é, em matéria de capacidade jurídica, a lei próxima, a lei que esta por regra bem
posicionada para resolver a questão é a lei pessoal que no nosso ordenamento jurídico
corresponderá à lei nacional ou excecionalmente à lei da residência habitual.

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Encontramos, assim, depois matérias que são ainda de capacidade, mas que tem
especificidades como o caso dos direitos reais de usufruto, uso e habitação, etc., e está tão ligada
que deve ser a mesma lei a regular essas questões em si, mas também a das matérias de
capacidade, a capacidade para dispor de direitos reais ou para constituir direito real e uma
capacidade de exercício específica e que justifica que seja substituída pela lei mais próxima.
Contudo, depois, há outros condicionalismos, tratando-se de imóveis ela varia bastante e depois
há o incisivo “desde que essa lei assim o determine” – há a referência a uma lei estrangeira que
tenha uma solução conflitual que vá resultar na sua própria aplicação.
Ex: A (francês) quer vender a B (português) um imóvel de que é proprietário situado em
Lausanne (Suíça). Tem A capacidade para dispor do direito real em específico? A capacidade seria
regulada pela lei nacional - a lei francesa, mas como se trata de um bem imóvel, teria de ser
aplicada a lei da situação do imóvel - a lei suíça, mas para isso era necessário que a regra de
conflitos suíça aplicável a esta situação determinasse a aplicação da lei suíça.
Lima Pinheiro e Ferrer Correia não têm a mesma opinião. Ferrer Correia defendia que a
assunção de competência da lei suíça só podia de resultar de uma regra de conflitos que mandasse
aplicar a lex rei sitae, desde que igual a nossa. Lima Pinheiro entende que o resultado que se
pretende atingir é uma entidade da lei, entre a lei nacional e a situação dos bens a Portugal, isto é,
que a lei da situação do bem regule os direitos reais e a capacidade, e quer no lugar, quer em
Portugal se chegaria à aplicação da mesma lei, não havendo divergências entre o tribunal
português e do foro dos bens (suíço). O que se interessa é que tal como nós aplicamos a lei suíça
que eles também aplicam a sua lei, da mesma forma. A que título? É indiferente, desde que o
resultado seja o mesmo. Na regra de conflitos em matéria de capacidade para dispor dos direito
reais, regra de conflitos 2, a questão da capacidade é regulada pela lei da residência habitual, o
francês reside na Suíça, podia-se aplicar a lei suíça. O que interessa é que tanto para a lei suíça
como para a portuguesa, se aplique a mesma lei, a lei suíça neste caso, que é a lei da situação do
imóvel – harmonia jurídica. O que importa é que a lei seja a mesma, mesmo que a título diferente.
Quer para o foro, quer para a lei do lugar das coisas, a lei aplicável seja a mesma.
O art. 47º é uma exceção ao art. 31º, nº1. Essa referência ao DIP estrangeiro tem de resultar
da aplicação da lex rei sitae, da mesma lei. Ou pode acontecer, para parte da doutrina, por
causalidade que eles tenham uma regra de conflitos diferente, olham para a questão da capacidade
como uma questão pessoal, sendo que saber se tem ou não capacidade para dispor de um direito
real deve ser regida pela lei da residência habitual, então a harmonia jurídica consegue-se.

● Art. 49º
Capacidade matrimonial (capacidade de gozo) – capacidade para casar. A solução do
CC, no art. 49º, é a de considerar que a capacidade de duas pessoas tem de ser aferida segundo
a sua lei pessoal.
O que pode acontecer é que essas leis pessoais sejam distintas – apreciação distributiva –
a capacidade vai ser apreciada de forma diferente para cada um dos nubentes.
Podem divergir quanto à idade, por exemplo, uma a partir dos 16 anos, outra a partir dos
18. Isto torna o resultado pretendido não permitido por uma das leis. Ex: A suíço, B espanhol, a lei
reguladora da sua capacidade é a do art. 49º + art. 31º, será tanto a lei suíça quanto a lei espanhola.
Há uma aplicação distributiva das duas leis. Há ainda impedimentos que são só aparentemente
absolutos. Ex: aquele que é casado não pode casar – A (mulher) portuguesa e B (homem)
marroquino. A lei nacional de A vai determinar se A é ou não capaz de casar. B já é casado,

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casamento não dissolvido, A português, não tem qualquer impedimento (é solteira e entre eles não
há impedimentos), tem capacidade matrimonial do ponto de vista português e ele, do ponto de vista
marroquino, também, o casamento poligâmico é admitido – a capacidade matrimonial de B é aferida
nos termos da lei marroquina e, no caso, B tem capacidade matrimonial. A pode casar por ser
solteira, mas não pode casar com alguém que seja casado, aqui este impedimento que seria um
impedimento absoluto acaba por se bilateralizar neste sentido, mesmo que a outra lei permitisse
este casamento, aqui é que está a especificidade desta questão – há uma bilaterização. O resultado
vai ser não, A pode casar, mas não pode casar com alguém casado, temos uma aplicação
distributiva que, na prática, passa a ser uma conexão distributiva. Há uma decisão do IRN: quando
um cidadão português pretende casar com um italiano (por exemplo) cuja lei não permite
casamento com o mesmo sexo, o IRN entende que não se pode impedir o casamento em Portugal,
apesar da lei pessoal de um deles não permitir, mas que, em Portugal, é permitido, por razões que
têm a ver com a ordem pública.
Assim podemos olhar para a capacidade matrimonial tendo em conta os impedimentos, a
idade, entre outros aspetos que podem valorar nestes casos.

14/10/2019
Quanto às sucessões
Ex: A (francês) decide fazer um testamento em Portugal em favor do Banco Alimentar
contra a fome. Antes de falecer, A naturaliza-se português. A tem capacidade testamentária? Tem
capacidade para celebrar este testamento? Que é diferente da capacidade para receber por
testamento ou por herança legal do de cuiús – capacidade de alguém receber por sucessão
determinados bens. Há determinadas pessoas que têm incapacidade sucessória porque praticaram
atos contra a vida ou honra do autor da sucessão ou porque, por exemplo, alguém que lhes negou
alimentos.
Mas aqui falamos da capacidade para fazer um testamento que não é a mesma capacidade
para celebrar um outro negócio jurídico qualquer e por estar sujeita a regras especiais. O que nos
interessa aqui é se a regra de conflitos é a mesma, se será a lei nacional a regular essa questão.
Aqui a lei nacional começou a ser francesa, faz o testamento e depois renunciou a nacionalidade
francesa e naturalizou-se como português. O que é que releva? A lei pessoal ao tempo da feitura
do testamento ou ao tempo do falecimento? Também não estamos a discutir se ele podia deixar
os seus bens ao BACF ou se até se podia fazer um testamento relativamente a este (problema de
indisponibilidade relativa entre quem faz o testamento e quem o recebe) porque aqui falamos de
regras sucessórias e que seriam, nos termos do art. 62º - “a lei pessoal do autor ao tempo do
falecimento deste” - se fosse este o caso, se A se naturalizasse como português, seria aplicável
a lei portuguesa.

Depois temos o art. 63º, o art. 64º e, finalmente, no art. 65º, temos a regra relativa à forma
do testamento, qual deve ser a lei que aprecia a forma, o aspeto exterior dessa manifestação de
vontade.

No caso, se aplicássemos o art. 62º, aplicávamos a lei portuguesa, mas estamos a falar de
um questão jurídica mais complexa – capacidade para fazer testamento, por isso, olhando para
o art. 63º - lei pessoal do autor ao tempo da declaração, o que significa que a lei neste caso
aplicável seria a lei francesa pois era a sua lei pessoal ao tempo da disposição (+ art.25º), só

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depois é que adquire a nacionalidade portuguesa. Temos aqui regras especiais em matéria de
capacidade, que pode ser apenas uma imobilização do elemento de conexão no tempo.

Quanto à relação matrimonial


Tirando estas regras especiais, temos muitas vezes dúvidas sobre outras questões que não
sejam exatamente de capacidade enquanto conjunto de qualidades que alguém tem de ter para
celebrar determinado negócio jurídico, modo de ser especial do sujeito em si, mas, muitas vezes,
a relação que esse sujeito tem com outras pessoas que pode determinar a validade dos seus tos
ou a possibilidade de os realizar – indisponibilidades e ilegitimidades – aquele que deixa o
testamento ao padre, ao médico, ao amante, etc. essas disposições são inválidas. Mas, nos termos
do direito matrimonial, quem arrenda determinados bens sem o consentimento do cônjuge, não o
pode fazer sozinho, tem de ter o consentimento do outro – limitação da capacidade atendendo ao
objeto em si – pode vender e comprar qualquer bem menos aquele que é um bem comum.
Essas ilegitimidades, que não são uma ausência de qualidade do sujeito, mas uma especial
relação com outra pessoa ou com um outro objeto se são tratadas da mesma forma – estas
questões vão estar reguladas de acordo com a lei aplicável à relação jurídica que se está a falar.
Ex: Se eu quero saber se um dos cônjuges podia ter arrendando um determinado bem no
seu casamento ou se podia ter contratado um empreiteiro para fazer uma obra em casa (a nível
estrutural) – todas as questões aqui envolta limitam a capacidade daquela pessoa pelo facto de
estar casada e num regime de bens e numa situação em que não estivesse casado podia praticar
esses atos – há uma ilegitimidade que resulta da relação com o próprio objeto que faz parte do
património familiar.
Normalmente essas ilegitimidade vão ser tratadas como relação jurídico-matrimonial em si
mesma não estando ligadas as questões gerais de capacidade ou a qualquer questão específica
de capacidade – serão tratadas no âmbito do art. 52º ou 53º do CC. Mais tarde veremos que, em
geral, como são matérias do estatuto pessoal as conexões não serão diferentes da aplicação da lei
nacionalidade ou da lei da residência habitual, têm as suas especificidades. A solução não é
diretamente aquela do art. 25º, mas sim a que resulta daquelas normas. Hoje em dia, a aplicação
destas normas não será tão constante, pelo menos a partir dos casamentos de 2019, já haverá a
aplicação do Regulamento da UE.

Se estivermos a falar de capacidade sucessória ou algumas indisponibilidades relativas


também se vai aplicar nos termos do art. 62º a lei reguladora da sucessão, em geral, a lei pessoal
ao tempo do falecimento.
Mas, se falarmos na capacidade de fazer o testamento, aplica-se o art. 63º - lei pessoal
ao tempo da disposição – especificidade.

Uma questão muito debatida é a de saber se algumas normas que tenham uma inserção
sistemática totalmente diferente daquela que seria expectável em termos conflituais, de que é um
exemplo a regra do art. 877º do CC que regula a venda de pais a filhos que não é permitida sem
o consentimento dos outros filhos – esta norma está na matéria das obrigações, mas regula uma
obrigação familiar, tem até uma função sucessória porque trata-se, no fundo, de haver alguma
igualdade do ponto de vista depois dos direitos sucessórios dos irmãos, tem até uma finalidade que
vai mais além, mas olhando para o seu interior regular uma relação paterno-familiar. A invalidade
da venda só se produz nestes termos quando feita por pais a filhos, depois há interpretações quanto

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a avós a netos, etc. Esta regra, por isso, deve estar submetida ao art. 57º do CC porque fala das
relações entre pais e filhos, uma regra que sai conflitualmente do capítulo das obrigações para ser
qualificada como uma regra de relações entre pais e filhos. Quando falamos de estatuto pessoal
podemos estar a convocar regras que estão para além das confinadas no art. 25º e no art. 32º, por
exemplo, no que diz respeito às pessoas singulares, porque depois vamos encontrar algumas
regras de conflitos relativas à capacidade, mas que tem as suas especificidades e que resulta de
outras regras de conflitos – ex: a capacidade para adotar (art. 60º), nem todos a têm, é este artigo
que a regula onde se encontra uma regra que vai submeter esta questão à sua consequência
jurídica. Esta questão da tutela tem um artigo específico, art. 30º - aplicação da lei pessoal do
incapaz. Aqui podia haver alguma dúvida pois a relação de tutela é uma relação entre duas
pessoas, o tutor e o tutelado – aplicação da lei pessoal relativamente a quem? E distributiva? Não,
a lei explica que será aplicável à lei pessoal do incapaz.

Do que podemos perceber das várias regras que vimos do art. 31º, nº1 quer várias regras
especiais (como personalidade jurídica, os desvios) e mesmo estas questões ainda que tenham a
aplicação da lei da residência habitual (art. 49º ou 63º) é que o elemento de conexão mais
importante, sem dúvida, que é o da nacionalidade, não quer dizer que seja o que convoca mais
prolemas.
Hoje em dia, com os regulamentos europeus tende a aplicar-se a lei da residência habitual
em matérias familiares, sucessórias, etc., temos muitas dificuldades em determinar a lei da
residência habitual, mesmo a que matérias contratuais é esta a lei que se aplica, a lei da residência
habitual do vendedor, do prestador de serviços, etc.? A lei da residência habitual é algo que tem
de ser definido e não há uma definição concreta em qualquer legislação de DIP, é algo que vive
muito dos elementos de facto segundo critérios vagos que o TJUE vai oferecendo e, no caso, das
relações familiares e sucessórias (ideia do centro de vida ou a relação familiar ou da vida pessoal
do de cuiús quando se estabiliza, em termos sucessórios) num determinado ordenamento jurídico.
Na prática, é mais difícil aplicar a lei da residência habitual e hoje a doutrina vai oferecendo muitos
critérios dependendo se a questão é familiar, sucessória, etc.

Contudo, a nacionalidade também pode oferecer as suas dificuldades, mas aí as coisas


são mais certas, ou seja, cada Estado que atribui a qualidade de cidadão estabelece o seus
próprios critérios para aferir ou para concretizar essa nacionalidade. Temos uma lei da
nacionalidade tal como todos os outros países. Sempre que o tribunal vai aplicar a lei pessoal, essa
lei pessoal é a lei nacional e não a da residência habitual e se houver dúvidas se o sujeito A é
nacional do Estado B ou C vamos ter de observar as regras de atribuição da nacionalidade desses
Estados para saber se ele é ou não nacional ou se tem duas nacionalidades. Não é o estado do
foro, onde a questão vai ser suscitada, que vai dizer se ele é francês ou português, porque ele terá
de consultar a lei da nacionalidade portuguesa para saber se é português e a lei da nacionalidade
francesa para saber se ele é francês, eventualmente pode ser as duas coisas.
A questão interessar-nos-á quando houver um problema de conflitos de nacionalidade.
Vamos lidar com das regras da lei da nacionalidade: o art. 27º e o art. 28º.
No art. 27º temos um conflito de lei nacional portuguesa com outra lei nacional.
No art. 28º temos um conflito entre lei nacional estrangeira do país A e lei nacional
estrangeira do país B ou lei nacional estrangeira do país C. Temos a bi-nacionalidade como a
questão mais comum especialmente dos cidadãos que emigram cujos descendentes vão acumular

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nacionalidades. Porque se chama conflito? As pessoas não podem ter mais do que uma
nacionalidade? Sim, todas aquelas que for possível adquirir factualmente. Mas passa a ser um
conflito, quando a regra de conflitos, o DIP que é utlizado pelo órgão de aplicação da lei refere
como lei competente a lei nacional porque esta não pode ser 2 leis, nem 3, nem 4, procuramos
uma resposta jurídico material, tem de ser apenas uma lei. Isto é assim mesmo que a regra de
conflitos indique mais que do que uma lei – no art. 27º as duas leis não se aplicam simultaneamente,
aplicam-se a capacidade do A e a capacidade do B. No art. 65º, o testamento pode ser válido se
corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do
autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às
prescrições da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local: temos indicação de mais de
que uma lei, mas que não se vão aplicar simultaneamente, vai se aplicar uma em alternativa das
outras: três leis, se em duas o testamento é inválido formalmente, o juiz vai aplicar aquela em que
o testamento é válido.

Temos sempre a aplicação de uma lei, mesmo que a regra de conflitos refira que a conexão
é relativa, que o resultado só pode ser atingido se duas leis disserem que é esse o resultado – na
adoção temos de verificar a lei pessoal de um e de outro para saber se é possível – aplicação
distributiva de impedimentos que contraminam a capacidade matrimonial de um e do outro. Temos
um conflito se a pessoa tiver mais do que uma nacionalidade – qual das leis é que vou aplicar? Não
há nada que a regra de conflitos resolva nesse sentido – é sobre isto que versa o art. 27º e o art.
28º.
Vamos analisar o funcionamento das normas do art. 27º e 28º da lei da nacionalidade.
Regras como estas existem em todas as leis da nacionalidade e podem gerar conflito quando
alguém é binacional. Mas há uma certa uniformização, por exemplo, com a Conferência da Haia
(1930) sobre desde logo a superioridade, a preferência pela noção de nacionalidade efetiva,
tentar que a pessoa possa ser nacional cidadã de vários Estados, mas aquela nacionalidade que
vai prevalecer num conflito será aquela que é mais efetiva (onde teve uma vida profissional mais
intensa, etc.). Há situações em que não é possível estabelecer uma hierarquia segura, mas tem-se
sempre conseguido a vinculação daquele cidadão ao Estado. Há alguma jurisprudência nesse
sentido, de se defender a nacionalidade efetiva, isso aconteceu muito na IIGM em que houve alguns
pedidos de alteração de nacionalidade para a ficar ao abrigo de algumas medidas restritivas que
os Estados impunham aos cidadãos de países com os quais estavam em guerra. Um dos casos
mais conhecidos, conhecido como caso Nottebohm de um cidadão alemão que vivia na
Guatemala, onde tinha património avultado. Já quase no final da IIGM a Alemanha declara guerra
À Guatemala e os bens de Nottebohm foram confiscados pelo governo do Guatemala. Nessa altura,
Nottebohm adquire a nacionalidade do Liechtenstein, de forma a escapar a essa medida restritiva
do governo do Guatemala. Na altura o TJUE disse que os critérios do Liechtenstein eram válidos,
simplesmente que entre as duas nacionalidades, a alemã e a do Liechtenstein, a nacionalidade
efetiva era a alemã. Introduz-se, pela primeira vez, o conceito de nacionalidade efetiva que se
assume segundo critérios de cada Estado e esta é que vai ser considerada para aplicação da regra
de conflitos. A vontade do cidadão não conta aqui, a ideia da nacionalidade, independentemente
da vontade, do ponto de vista objetivo e não subjetivo, há uma ligação com o Estado da sua
nacionalidade, mas isto é de alguma forma negado pelo art. 27º, em que em caso de conflito... só
a nacionalidade portuguesa releva em face da lei portuguesa. Em caso de conflito de nacionalidade
relativamente ao luso-francês, luso-italiano, etc. havendo duas ou mais nacionalidades, se uma
delas for a portuguesa, esta vai ser a relevante para efeitos da regra de conflitos. Esta solução é

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protecionista, prática, mas criticada pela doutrina numa perspetiva internacionalista e do ponto de
vista de desrespeito pelas normas internacionais (Convenção de Haia). Na doutrina, quem mais se
insurgiu contra essa interpretação foi o prof. Marques dos Santos que entende que quando é
importante determinar se o individuo é português ou espanhol para efeito de saber qual é a lei
aplicável a uma determinada relação jurídico-privada, o que resulta do art. 27º é um presunção,
absoluta, de efetividade, mas que se pode tornar relativa quando estiver em causa a aplicação de
uma regra de conflitos. Mas parece que não há margem de resolução de conflito quando se diz que
só a portuguesa releva - a nacionalidade portuguesa presume-se como absoluta, ser a mais efetiva;
presunção iuris tantum apenas quando estiver em causa uma regra de conflitos.

Já o art. 28º tem um critério distinto. O que está na base é a existência de mais do que uma
nacionalidade sendo todas elas estrangeiras. Este artigo oferece um critério de escolha das várias
nacionalidades que é o critério da residência habitual, onde quer que se situe a residência habitual,
será essa a lei nacional eleita, pois já há conexão entre dois vínculos, o da nacionalidade e o da
residência habitual.
Ex: se temos o A nacional do Estado M e N, a residência habitual é M, a lei reguladora da
capacidade de A que tem duas nacionalidades espanhola e italiana – qual será a lei que regulará
a sua capacidade? O art. 28º diz-nos que será a do ordenamento jurídico onde ele mantém a
sua residência habitual. Se A reside em Milão, a nacionalidade espanhola vai ser ignorada e a lei
reguladora vai ser a italiana. Se residir em Madrid, a lei reguladora da sua capacidade é a
espanhola.
Portanto, a questão só se coloca verdadeiramente quando ele não reside em nenhum dos
Estados de que é nacional, reside habitualmente em Z, o ítalo-espanhol, que tem estas duas
nacionalidades, mas reside em Lisboa, portanto, não reside em nenhum dos Estado de que é
nacional – o art. 28º diz-nos que o órgão de aplicação do direito vai ter de determinar entre a lei
italiana e a lei espanhola com qual delas o A mantém uma vinculação mais estreita, sendo a
residência habitual não relevante pois situa-se fora do Estado da sua nacionalidade, mas pode ser
o sítio onde trabalhou ou viveu mais tempo, etc. Podem ser outros elementos que traduzam uma
relação mais estreita com uma das nacionalidades. Isto é uma solução que não é só da nossa lei
da nacionalidade, mas sim consensual, de que pode ser oferecido um elemento de escolha, a
residência habitual, mas quando esse critério falha temos de deixar uma margem a apreciação do
caso concreto pelo órgão de aplicação do direito que vai dar preferência a uma nacionalidade
relativamente à outra, temos sempre de ver isto na economia da regra de conflitos.

Esta visão das coisas, no entanto, veio a ser colocada em causa por várias decisões do
TJUE, veio traduzir uma ideia de igualdade entre as nações e as nacionalidades, para proteger a
aplicação do direito comunitário, dos princípios dos tratados para que garantam aos cidadãos
comunitários a livre circulação, etc (direitos dos cidadãos europeus), e veio dar preferência às
chamadas nacionalidades comunitárias: basta que tenham uma nacionalidade comunitária para
ela ser relevante. No fundo, fazer um pouco o raciocínio do art. 27º quanto à nacionalidade
comunitária para garantir ao cidadão que tenha uma nacionalidade comunitária que por menos
intensa que seja em termos de ligação, se mantenha o estatuto de cidadão comunitário.
Uma das primeiras decisões é do acórdão Micheletti, dos anos 90, em que um cidadão
com dupla nacionalidade, ítalo-argentino, médico dentista que residia em Buenos Aires e que tinha,
então, nacionalidade italiana (avós italianos), nascido na Argentina e a certo momento decide vir
para Espanha onde se quer estabelecer como médico dentista. Invoca a sua nacionalidade

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comunitária, a nacionalidade italiana, apesar de ter nascido e residido habitualmente até essa altura
em Buenos Aires, para beneficiar das liberdades comunitárias. Acontece que a questão é colocada
perante o tribunal espanhol que tem critérios semelhantes aos nossos, entendendo que quando
estivessem em causa duas nacionalidades estrangeiras, o tribunal do lugar onde se quer
estabelecer para beneficiar das liberdades desse Estado, diz que este cidadão com duas
nacionalidades estrangeiras, residindo agora fora do Estado das suas nacionalidades, portanto, o
critério da residência habitual não serve para aferir qual das nacionalidades prevalece, assim,
considerar-se-á que o cidadão é nacional do Estado com o qual mantenha uma vinculação mais
esteira, esta é, segundo todos os critérios, a da nacionalidade argentina, pois ele tinha vivido na
Argentina, aí estava a sua anterior residência habitual, onde fez a sua formação, etc., portanto, a
ligação com Itália era ténue. Ele recorre para o TJUE e este diz que, mesmo considerando válidos
os critérios de aplicação espanhóis para um conflito de nacionalidades estrangeiras, quando estiver
em causa o exercício por um cidadão comunitário por liberdades previstas nos tratados, a
nacionalidade prevalecente deve ser sempre a nacionalidade comunitária. Devemos olhar
para ele sempre do ponto de vista da efetivação dos direitos comunitários. O tribunal aí tende,
muitas vezes, a deturpar as soluções próprias dos Estados sobre o prisma da efetivação dos
direitos ou das liberdades comunitárias, o que estiver na base do pedido, não pode haver
discriminação, apesar de permanecer estável as matérias a regular pelo Estado.

Em suma,
Quando nos interrogámos sobre o sentido do art. 28º, a solução deste artigo é de fornecer
o critério da residência habitual como critério de escolha entre as várias nacionalidades que
estejam em causa. Mas isto se a residência habitual se situa num dos Estados de que é nacional.
Se se situa fora não funciona como critério, sendo o critério o da conexão mais estreita –
para isto devemos sempre de ter cuidado e atender aos critérios europeus, caso haja a
nacionalidade comunitária. Se alguém tiver duas nacionalidades comunitárias, a jurisprudência da
UE não vai acrescentar nada, vamos usar o critério do art. 28º pois não está em confronto uma
nacionalidade comunitária com uma não comunitária.

21/10/2019
Vamos ver a mesma questão do ponto de vista abstrato de lei pessoal quanto às pessoas
coletivas.
Esta matéria não é uma matéria que esteja europeizada até à data. É uma questão que, sem
prejuízo da não interferência do direito da UE quanto à determinação da lei referente ao estatuto
pessoal das pessoas coletivas, há certas questões relacionadas com estas pessoas que estão
reguladas como na matéria de insolvência. Contudo, não vamos estudar esta matéria.
Apesar da não intervenção do direito da UE em matéria de lei aplicável às pessoas coletivas
no âmbito do seu estatuto pessoal encontramos muitas decisões do TJUE que se prendem com a
vida da sociedade – transferência de sede das sociedades comerciais em especial – tem sido
objeto de muitas decisões do TJUE, mas esta é apenas uma das questões que esta matéria pode
suscitar. Quanto à transferência de sede esta vai suscitar a aplicação do DUE ao nível das pessoas
coletivas, da mudança da sua atividade de um EM para outro. A intervenção do TJUE tem sido uma
intervenção feita um pouco em tábua rasa dos sistema de DIP quando está a em causa a liberdade
e circulação das pessoas coletivas.

19
A propósito das pessoas singulares, quanto aos conflitos de nacionalidade, estes, muitas
vezes, são colocados de lado pelo TJUE porque podem diminuir os direitos dos cidadãos que têm
uma nacionalidade comunitária. Aqui o problema é paralelo. A mudança de localização da sede
das pessoas coletivas, especialmente nas sociedades comerciais, pode, dado o DIP de cada
Estado-membro, não ser uniforme, pode ser colocada em risco, daí que o TJUE tenha decidido
num sentido de a contrariar. Não vamos começar com este problema particular da transferência de
sede.
Vamos sim falar da lei pessoal ou estatuto pessoal – sujeição de um conjunto de
matérias à mesma lei que se designava como lei pessoal e esse conjunto forma o que se chama
de estatuto. A pessoa singular tem um determinado estatuto relacionado com a sua vida, a sua
morte etc. que justifica que todas as matérias genericamente indicadas pelo art. 25º sejam
reguladas pela mesma lei, a lei pessoal, matérias que se podem identificar como um estatuto. Em
que sentido esta ideia se pode aplicar às pessoas coletivas que também representam elementos
de estraneidade? Devemos distinguir entre:
● A designação da lei pessoal da pessoa coletiva do DIP. A pessoa coletiva move-se no
âmbito das relações privadas internacionais porque apresenta elementos de
internacionalidade, por exemplo, constituída num Estado, os seus sócios têm outra
nacionalidade ou são residentes de outro Estado ou a própria atividade da pessoa coletiva
é internacional – uma C.V. de mercadorias se for internacional temos uma
internacionalidade que justifica colocar-se em questão qual a lei pessoal dessa pessoa
coletiva.

● Pessoa coletiva internacional. Esta está regulada no art. 34º do CC que nos diz que a lei
pessoal das pessoas coletivas internacionais é designada na convenção que as criou ou
nos respetivo estatutos e, na falta de designação, a do país onde estiver a sede principal.
Este art. 34º fala-nos da lei pessoal das pessoas coletivas internacionais. Uma pessoa
coletiva internacional não é uma pessoa coletiva que apresente elementos de
internacionalidade, isso é uma pessoa singular internacional, mas são sim pessoas
coletivas internacionais as que adquirem personalidade jurídica por força da ordem
jurídica internacional, ou seja, por fonte internacional e, por isso, se fala aqui em
convenções, por exemplo, no desporto temos a FIFA que é uma pessoa coletiva
internacional, o FMI, a UNESCO, etc. são pessoas coletivas que têm na sua génese, na
sua constituição, na aquisição da sua personalidade jurídica um ato de direito
internacional nomeadamente uma convenção, um trato entre vários Estados é que criam
aquela pessoa jurídica que é uma pessoa coletiva. A fonte da sua personalidade jurídica
é uma fonte internacional que decorre de uma relação entre Estados.
Não são estas pessoas coletivas que nos vão interessar mais, mas sim aquelas que têm no
seu ato constitutivo, que se encontram e constituem uma sociedade comercial e não têm uma fonte
internacional.
Mas sim pessoas coletivas que têm a sua lei definida no art. 33º. Podemos referir como
pertinente o art. 38º e o art. 3º CSC que prevê uma solução específica para as sociedade
comerciais, mas que reproduz, em grande parte, a solução do art. 33º do CC - vamos encontrar o
mesmo critério para todas as pessoas coletivas sejam elas comerciais ou não, se forem acresce a
solução específica do art. 3º CSC. Nestas matérias, as regras de conflitos que nos interessam são
ao art. 33º, 38º e art. 3º do CSC. Estas regras de conflitos vão designar a lei pessoal das pessoas
coletivas e, entre elas, das sociedades comerciais.

20
Se nós dizemos que a lei pessoal ou o estatuto pessoal é aquele conjunto de matérias que está
ligado ao seu nascimento, à sua vida, questões pessoais, o que é que isto significa do ponto de
vista da pessoa coletiva? A pessoa coletiva também nasce? Também morre? Sim, do ponto de
vista jurídico, ela também se constitui, passa a ter personalidade jurídica e também deixa de existir,
deixa de ter personalidade jurídica. Na sua vida ela atua sujeitando-se a determinadas regras,
portanto, quando alguém decide, por exemplo, começar um negócio e arranja dois sócios para
dedicar-se ao comércio de plantas aromáticas, constitui uma sociedade comercial com esse
propósito e quando se vai constituir tem de organizar as regras do seu funcionamento, ou seja da
sua vida, assim, é preciso capital para comprar o terreno, as sementes, etc. – este conjunto de
matérias é a regulação da vida pessoa coletiva, e está para a pessoa coletiva como as regras
de família ou as sucessórias estão para as pessoas singulares.

Questão é saber se se vai aplicar sempre a lei portuguesa ou se a lei pessoal de uma pessoa
coletiva não é a lei portuguesa, mas se é uma lei estrangeira. Mas o que vai determinar qual é a lei
pessoal de uma pessoa coletiva? Também temos de ver quais são as regras de aplicação
obrigatória e quais podem ser derrogadas pelo estatuto. A nossa preocupação vai ser a de
determinar, de dizer qual vai ser o critério para determinar a lei pessoal das pessoas coletivas
exatamente nos mesmos termos que fazemos para uma pessoa singular.

Uma 1ª questão que se podia colocar é saber se quando nos referimos a pessoa coletiva
estrangeira ou a pessoa coletiva nacionais que critério estávamos a usar? Já sabemos que não é
o critério das pessoas coletivas internacionais. Mas quanto às outras diz-se muitas vezes que são
nacionais ou estrangeiras. Podemos dizer que são de nacionalidade portuguesa ou de
nacionalidade estrangeira? A dificuldade é aplicar um critério de nacionalidade a uma pessoa
coletiva, pois a nacionalidade é a ligação de uma pessoa singular a um Estado, a lógica política
que justifica a atribuição de cidadania. Será que podemos usar os mesmos termos, o mesmo
conceito para as pessoas coletivas? A doutrina é, em geral, avessa a esta aproximação da
nacionalidade às pessoas coletivas. O certo é que muitas vezes é e própria lei em falar em pessoa
coletiva estrangeira: no art. 4º CSC estamos a falar aqui de nacionalidade? Lima Pinheiro entende
que apesar da utilização desse vocábulo o que se quer dizer é que a lei pessoal é estrangeira, é
uma sociedade comercial de lei pessoal estrangeira (art. 33º + art. 3º CSC). Mas, de facto, há
alguma referência, especialmente nos tratados entre Estados em que se fala em proteção dos
nacionais e a esses pode haver também uma referência às pessoas coletivas nacionais e
estrangeiras. O art. 1100º também fala de pessoas coletivas estrangeiras, mesmo que estejamos
a falar de lei pessoal estrangeira de qualquer maneira, em termos práticos. para opor uma pessoa
coletiva nacional a uma pessoa coletiva estrangeira, para atribuir essa qualificação de estrangeira
de onde é que partimos? Mesmo que para alguns possa ter relevância a designação nacional ou
estrangeira, o critério que há de ser analogicamente usado é o mesmo que usamos para as pessoas
singulares – a lei do foro ou a lei estrangeira? Dizer nacionalidade estrangeira da pessoa coletiva
pode ser algo que se admita e em que não se diga que é apenas um estatuto pessoal estrangeiro.
Há uma ideia de nacionalidade, mas que se afere, em termos de critérios, pelo critério que é usado
na regra de conflitos sobre a lei pessoal para indicar qual é a lei pessoal. Esse critério é o critério
da sede principal e efetiva da administração da pessoa coletiva – art. 3º CSC e art. 33º – para
saber se a pessoa coletiva é nacional ou estrangeira.

21
Portanto, temos esta vinculação jurídica da pessoa coletiva a um estado determinada nos
termos do art. 33º pelo critério da sede principal e efetiva. Vamos agora tentar concretizar o conjunto
das matérias que se pode designar como estatuto pessoal destas pessoas coletivas. O art. 33º,
nº2 do CC faz então uma exemplificação e isso é importante, que não seja uma enumeração
taxativa, dão-se exemplos daquilo que pode constituir uma matéria que compõe o tal estatuto
pessoal, matéria essa que será defina pela lei indicada na própria regra de conflitos, neste caso
pelo art. 33º, nº1. Temos no nº2 uma exemplificação do que é o estatuto pessoal da pessoa coletiva
e no nº1 dizemos qual é a lei pessoal da pessoa coletiva. No fundo, se transpusermos esta solução
para as pessoas singulares temos no art. 33º, nº2 o equivalente ao art. 25º (quais são as matérias
que compõem o estatuto pessoal ou que estão subordinadas à mesma lei que é a pessoal). E o
art. 33º, nº1 é o equivalente ao art. 31º, nº1 para as pessoas singulares (por regra, a lei nacional
das pessoas singulares). Qual vai ser a lei pessoal das pessoas coletivas? A lei da sede principal
e efetiva da sua administração.

Nesta matéria há uma diversidade normativa relativamente aos modelos de determinação da


lei pessoal mesmo nos EM da UE. Daí que haja essa urgência de uniformização e que haja tantos
problemas quando à transferência de sede. Para nós e para outros EM, a sede principal e efetiva
é essencial para designar a lei pessoal, para outros não é esse o critério, o que significa que quando
há transferência de sede pode perder-se a personalidade jurídica pois aquele entende que não
estão reunidos os pressupostos.
Quais são estas matérias do nº2? Porque é exemplificativa? Decorre do próprio texto da lei que
“à lei pessoal compete especialmente regular:” – estas são as matérias que, sem dúvida, pertencem
ao estatuto pessoal o que não quer dizer que não haja matérias semelhantes que possam estar
incluídas neste elenco. E que aspetos da vida da pessoal coletiva estão aqui incluídos?
● A capacidade jurídica da pessoa coletiva.

● A constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos. Cada pessoa coletiva


poderá ter uma organização diferente, no caso das sociedades comerciais, essa está
predefinida no CSC consoante o tipo de sociedade que estamos perante. Quanto a esses
órgãos não é só necessário identificá-los e prevê-los, mas também entender quais são os
seus limites, como é que eles se constituem – há requisitos formais – tudo isto ser a resolvido
pela lei pessoal.
Há aqui, eventualmente, que distinguir que quando art. 33º, nº2 fala de constituição,
funcionamento e competência dos órgãos da pessoa coletiva, perguntar-se-á se a
constituição da própria pessoa coletiva, do ponto de vista formal, deve estar subordinada à
lei pessoal – entende-se que não, vai reger-se pela lei do lugar da sua constituição. Uma
sociedade portuguesa constituída no estrangeiro vai ter de obedecer às formalidades
exigidas no estrangeiro.
Mas quanto à lei pessoal, ou seja, às regras que pertencem ao seu estatuto pode ser a
lei portuguesa, se em Portugal tiver a sede principal e efetiva.

● Os modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes


direitos e deveres. Uma coisa são os órgãos da sociedade, outra são os sócios.
Eventualmente, podem ser a mesma coisa como é comum nas sociedades familiares. Os
sócios têm determinados deveres. Isto será regulado pela lei pessoal.

22
● Responsabilidade da pessoa coletiva, bem como a dos respetivos órgãos e membros,
perante terceiros. Temos dois aspetos. Há aqui que fazer uma certa distinção que nem
sempre é fácil de compreender.
- A responsabilidade da própria pessoa coletiva
e
- A responsabilidade dos seus órgãos nos atos que praticam perante terceiros.
Quando se fala em responsabilidade da pessoa coletiva ou até dos seus órgãos
perante terceiros não estamos a falar da responsabilidade contratual da pessoa coletiva.
Vamos falar de sociedades comerciais onde o problema é mais sentido. As sociedades
comerciais têm dívidas e essas, esse passivo, muitas vezes é tão grande que conduz a
situações de insolvência. A sociedade é responsável pelas dívidas que assume perante 3º,
fornecedores, entra em incumprimento. Essa situação vai pressionar a empresa o
pagamento da dívida, essa é uma questão contratual tem a ver com as questões da CV,
essa não é uma questão pessoal. Da mesma forma que se eu não pagar uma conta da
farmácia, essa questão, à partida, não vai ser regulada pela minha lei pessoal, mas pelo
contrato de prestação de serviços que realizei na farmácia. Mas o que está aqui em causa
é o estatuto contratual que não é necessariamente regulado pela minha lei pessoal. Se eu
estou no estrangeiro e, neste caso, a farmácia está situada no estrangeiro, portanto, seria
a lei da sede da farmácia, não seria a minha lei pessoal, mas sim a lei da sede da farmácia.
Também não podemos estar a falar de responsabilidade extracontratual. Por
exemplo, se a farmácia violar direitos absolutos de uma pessoa. Temos de distinguir o que
é responsabilidade extracontratual do que é esta responsabilidade do art. 33º.
Mas então que responsabilidade é? Temos a lei pessoal aqui a regular esta
responsabilidade. Estamos a falar da medida em que a pessoa coletiva vai responder
pelas dívidas sociais, da sociedade uma vez que esteja de facto constituída, estabelecida
a sua responsabilidade. Ex: Temos a sociedade comercial A que compra a B as sementes,
não paga. B aciona a sociedade, quer definir a responsabilidade contratual da sociedade,
vamos aplicar o estatuto contratual, nomeadamente o Regulamento Roma I - a lei
designada vai ser a da residência habitual do vendedor. B reside habitualmente em
Espanha e, portanto, será a lei espanhola. Nos termos da lei espanhola, A deve e,
eventualmente, está obrigado a uma indemnização, isso é indiscutível, a responsabilidade
contratual de A está afirmada. Mas como é que A responde perante B, ou seja, sabendo-
se que é responsável qual é a medida da sua responsabilidade? Para garantir o pagamento
desta dívida servirá apenas o património da sociedade ou os sócios também respondem
pela dívida? A questão do limite da responsabilidade da sociedade e dos sócios serem
responsabilizados tem a ver com essa questão, quando se diz que a responsabilidade da
pessoa coletiva é definida pela lei pessoal. Esta responsabilidade que está ao abrigo da lei
pessoal não é a responsabilidade contratual, mas sim a correlativa responsabilidade da
própria pessoa coletiva e dos seus elementos, dos seus sócios associados ou até dos seus
órgãos, e ainda toda a matéria de definição dos limites de responsabilidade, uma vez já
afirmada a existência dessa responsabilidade em termos contratuais ou extracontratuais.
São questões diferentes. Esta indicação no art. 33º, nº2 é a de saber que bens é que vão
responder pelas dívidas que já foram determinadas em sede de responsabilidade
contratual ou extracontratual (se será o património da sociedade ou pessoa coletiva ou dos
seus associados).

23
● Transformação, dissolução e extinção da pessoa coletiva. Comparando com as pessoas
singulares, a morte. Será que os sócios se podem juntar ao fim da tarde e dizer que o negócio
não está a dar? Como se faz a repartição dos ativos e passivos? Isto tudo vai ser regulado
pela sua lei pessoal.

Depois temos duas matérias que não estão neste elenco, mas que vão estar numa lei pessoal
e outra está regulada pela regra de conflitos: art. 38º do CC – respetiva lei pessoal. Há aqui uma
matéria que está definida num outro âmbito, o âmbito negocial, no entanto, há uma remissão para
a lei pessoal. . Temos então as matérias do art. 33º e ainda a representação orgânica do art. 38º.
A representação orgânica significa a representação da sociedade pelos seus órgãos, pelo
conselho de administração, gerência, etc. De acordo com os poderes que são conferidos pela lei
pessoal àqueles órgãos, o que é diferente da pessoa coletiva, por exemplo, contratar um advogado
para representar a sociedade em juízo. Sempre que haja concessão voluntária de poderes de
representação estamos em matéria de mandato e de responsabilidade voluntária, não é
representação orgânica feita pelos órgãos da sociedade. Essa questão já está regulada nos termos
do art. 39º, mas não está subordinada a lei pessoal. Este art. 39º nem se aplicará pois a matéria
está subordinada a uma convenção da Haia de 1978.
Pela lei pessoal temos apenas matérias do art. 33º, nº2 e outras semelhantes e, ainda, as
indicadas no art. 38º.
Este conjunto de matérias, nos termos do art. 33º, nº1, é definida como lei pessoal, a lei do
Estado onde se encontra situação a sede principal e efetiva da sua administração.
Em primeiro lugar, surge na doutrina a sede principal e efetiva da administração como sede
real. Há uma outra sede a que a lei portuguesa depois vai fazer referencia como vemos no art. 3º
CSC que é a sede estatutária que é a o local que figura como sede nos estatutos da pessoa
coletiva. Ex: três amigos constituem uma sociedade e redigem uns estatutos e vão acostar aquele
pacto ao CSC porque partem do princípio que a lei aplicável é a portuguesa. Caberá depois ao
notário formalizar a escritura do pacto social que vai ser o garante da legalidade, onde vai ter de
ver se a lei portuguesa é a aplicável.
Mas qual será a lei pessoal? A resposta é dada pela sede principal ou efetiva daquela
administração, daquela sociedade. Se eles fazem a gestão da sociedade no Porto, essa é a sede
principal e efetiva. Os armazéns podem estar na Galiza. O que interessa é onde reúne a
administração. Primeiro importa quem é a administração e quem são os seus gestores.
Mas e se no pacto eles decidem que apesar de os escritórios de onde dirigem a sociedade é
no Porto, eles decidem por como sede da plantas aromáticas Lda., Madrid. E o notário pergunta
quem são os gerentes? A e B. Onde são os escritórios? No Porto. Mas então a lei pessoal é a lei
portuguesa, mesmo que eles tenham colocado como sede em Madrid, não se aplica a lei espanhola
pois a nossa regra de conflitos não faz referência à sede estatutária por livre arbítrio dos
associados. Esta sede estatutária, por regra, não vale, o critério é o da sede principal e efetiva.
Esta sede estatutária é seguida por alguns EM, temos sistemas conflituais diferentes nos vários
EM da UE, como o RU, Holanda, países nórdicos.

Mas, então, o que está por trás da escolha do legislador português da sede real em vez da
estatutária? E porque não se considera que a lei pessoal deve corresponder ao local da atividade
principal daquela empresa? Temos aqui interesses diferentes que presidiram algumas soluções.

24
Se pensássemos apenas nos interesses dos terceiros, aqueles que lidam com a pessoa
coletiva, para os interesses dos credores, a lei do lugar da principal atividade da pessoa
coletiva devia ser a lei pessoal. Ex: a exportação exclusiva das plantas aromáticas para os
Países Baixos, os clientes estão exclusivamente situados nos Países Baixos. Ora, mas também
se percebe que isso irá causar uma enorme insegurança jurídica porque a vida de uma
sociedade modifica-se e a atividade pode indesejavelmente deslocar-se de um sítio para outro,
e se ab initio houvesse um centro principal de atividade, que negociava com muitos mercados
era difícil de determinar qual a lei aplicável. Este sistema não é usado por nenhum dos Estados.
Haverá outras formas de proteger os terceiros, mas não por via deste elemento de conexão
(local da principal atividade), mas da sede estatutária.

Outro critério configurável seria dizer que estamos a falar da lei pessoal, da vida da
sociedade que interessa à própria sociedade. Vemos o modo como a sociedade se constitui,
transforma, se é admissível a fusão, quais são as regras de funcionamento dos seus órgãos,
competências, etc. – os interesses que estão em primeiro lugar deveriam ser os interesses da
própria sociedade e a sociedade é que deveria poder escolher a lei que, de facto, é mais
protetora dos seus interesses, da mesma forma que se permite, hoje em dia, a lei reguladora
da sua vida familiar. Assim, a regulação dos interesses da pessoa coletiva e dos seus membros
é assegurada ou pela sede estatutária ou pela chamada lei da incorporação ou da lei da
constituição (incorporated – inc.), o lugar onde a empresa é constituída. Os sócios vão para
o Delaware, até são residentes no Kansas, mas decidem ir para Delaware dado o facto da lei
ser muito flexível. Como ambos os critérios resultam da vontade dos membros da pessoa
coletiva, sem dúvida que é o que respeita melhor os seus interesses. Não oferece dúvidas, o
lugar é certo, não muda (uma sede principal efetiva pode mudar) – naturalmente que vai
desproteger terceiros. E ainda pode ser uma lei completamente estranha aqueles com quem a
sociedade estabelece depois relações comerciais. Escolher uma sede pode ser um lugar
completamente arbitrário.

Finalmente, chegamos a lei do local da sede principal efetiva da administração. Há


alguma unidade e estabilidade, no fundo, não há os inconvenientes de haver uma mudança
porque muda a principal atividade, há-de ser estável como a estatutária, apesar de também
poder ser mudada. A mudança da sede é uma realidade, mas não é tao comum dado todo o
movimento de pessoas e bens que é necessário. Garante alguma autonomia porque a
sociedade pode escolher onde se situa a sede. Tem efetividade – há alguma coisa de reacional
entre a vida da sociedade e a lei onde a vida da sociedade é dirigida. Todos os atos que são
praticados estão de acordo com a lei do lugar onde ocorrem todas as decisões relativas a vida
da sociedade. Eventualmente, pode haver uma sociedade muito grande, uma pessoa coletiva
muito grande e surgir alguma dúvida quanto ao que é a sede principal, ou seja, haver atos de
administração correntes e atos de fundamentais ou principais. Em regra, será um critério que
tem vantagens e, de alguma forma, exclui algumas das desvantagens de outros critérios.

Em Portugal, a lei pessoal é a lei da sede principal e efetiva.

28/10/2019
Resumo da aula anterior

25
Estávamos a falar da lei pessoal das pessoas coletivas, ou seja, o conjunto de matérias ligadas
à vida -constituição e funcionamento da pessoa coletiva (as regras orgânicas,...) até ao momento
da sua extinção. Se dissermos sociedade comercial, vamos ao CSC que tem um conjunto de
regras, supletivas e imperativas.

A lei pessoal da pessoa coletiva está regulada no CC – art. 33º, e dissemos que também
interessava uma outra regra que ainda não analisamos, o art. 3º do CSC (dentro do âmbito das
pessoas coletivas, no caso concreto das sociedades comerciais – uma regra de conflitos dentro
do CSC), que delimita o âmbito de aplicação no espaço. Resta saber se este art. 3º do CSC
mimetiza o art. 33º do CC, se foi um excesso de zelo do legislador do CSC que decidiu a replicar a
norma, ou se tem alguma especificidade se se tratar de uma pessoa coletiva, que seja sociedade
comercial. E vamos ver isso.

Antes disso, este art. 33º do CC, tem o nº 1 que designa a lei aplicável – a pessoal das pessoas
coletivas é a lei x, estabelece o nosso elemento de conexão (critério que nos permite afirmar ou
escolher de entre todos os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação, aquele que vai
aplicar as suas normas materiais); e depois o nº2 que exemplifica o tipo de matérias que respeitam
ao estatuto pessoal. Também este art. 33º, nº2 vai indicar exemplificativamente quais são essas
matérias.

Nós vimos quais era as questões que têm a ver com a própria constituição, funcionamento,
organização dos órgãos da pessoa coletiva. Quando falamos no ato constitutivo da pessoa coletiva,
o momento em que é criada, o respeito pelos preceitos formais, etc. – todo esse aspeto formal não
cabe dentro da lei pessoal, (como acontece nas pessoas singulares), sendo aplicada a lei do lugar
da celebração, da constituição, onde os sócios celebram o seu acordo, estatuto ou pacto social.

No entanto, para a capacidade da pessoa coletiva, a competência dos seus órgãos, etc. já se
aplica a lei pessoal, tal como os modos de sucessão e perda da qualidade de associado e como
a responsabilidade da pessoa coletiva (difere consoante seja responsabilidade contratual ou
extracontratual, uma vez estabelecida esta responsabilidade, quem responde?), a transformação e
dissolução da pessoa coletiva, etc.

Há aqui uma exemplificação da matéria para a qual a lei pessoal vai ser competente. Mas qual
é esta lei pessoal? Nos termos do art. 33º, nº1, é a lei da sede principal e efetiva da sua
administração, ou seja, os órgãos de governo desta pessoa coletiva hão de estar localizados nesse
local, de um determinado ordenamento jurídico, de onde dirigem, gerem os assuntos e a atividade
da pessoa coletiva. Assim, esses órgãos que têm esse tipo de competências, estarão localizados
num ordenamento jurídico, e será esse que vai reger essas materiais do art. 33º, nº2.

Esta é uma matéria onde não há grande harmonização nos vários ordenamentos jurídicos.
Há critérios e soluções conflituais muito distintos, o que gera uma certa desarmonia, mesmo dentro
da própria UE (não havendo ainda uniformização) o que levará a questões sede reenvio que são
comuns nesta matéria.

Esta desarmonia resulta basicamente de três modelos distintos:

26
 O nosso, o da sede principal e efetiva (sede real) e que garante efetividade, algum
grau de autonomia dos associados, embora limitado.
 O da lei da incorporação ou constituição, a lei do lugar onde a sociedade é criada.
Esta para nós só vale para questões formais da constituição da pessoa coletiva, mas
para outros ordenamentos jurídicos é esta que determina a lei pessoal. O da sede
estatutária.
 A lei do lugar onde a pessoa coletiva desenvolve o seu principal objeto.

Vamos ao caso das sociedades comerciais e ver se há de facto aqui alguma distinção.

O CSC prevê qual é a lei pessoal das sociedades comerciais – art. 3º, nº1 que reproduz numa
primeira parte o art. 33º, nº1 do CC – a lei pessoal das sociedades comerciais é a lei da sede
principal e efetiva da sua administração.

Mas, na parte final, diz-se que se a sociedade comercial em causa tiver em Portugal a sua
sede estatutária não poderá opor a terceiros a aplicação de uma lei diferente da portuguesa.
O que entendemos aqui? Em primeiro lugar, apesar do CC e do CSC dizer que a lei pessoal é a lei
da sede principal e efetiva, nada impede os sócios e a própria pessoa coletiva de adotar uma sede
estatutária, ao dizerem nos seus estatutos ou no seu pacto social que a sua sede é X. E, neste
caso, se a adotada for em Portugal, há indicação de que a sede estatutária é em Portugal. Isto não
tem, à partida, qualquer efeito quanto à determinação da lei pessoal, ou eles dizem que a sede
estatutária é em Portugal e também é em Portugal onde estão reunidos os órgãos – a sede efetiva
e a estatutária é a mesma; ou não é a mesma, se até designaram como sede estatutária Portugal,
mas a sede efetiva é, por exemplo, em França. À partida, a discrepância entre sede principal e
efetiva e sede estatutária não tinha qualquer efeito útil, mas agora vemos neste art. 3º que a partir
do momento em que a sociedade comercial tem uma sede estatutária em Portugal (facto que é
visível nos estatutos), nas relações com terceiros só é oponível como lei pessoal a lei
portuguesa, mesmo que os órgãos de administração (sede principal e efetiva) reúnam noutro país.
Como lei pessoal, na relação com terceiros não poderá ser oposta uma lei diferente. No fundo,
nesta norma, se a sede estatutária é em Portugal, nas relações externas (com terceiros), a lei
pessoal será sempre a lei portuguesa, mesmo que a sede principal e efetiva dos órgãos de
administração se situe noutro país.

A ideia é a defender os terceiros mais do que a própria sociedade, pois o local onde reúnem
os órgãos de gestão e administração da sociedade é algo que pode ser opaco aos terceiros, não é
cognoscível e pode ainda mudar (os escritórios podem ser deslocalizados de um ordenamento
jurídico para outro) e os terceiros não sabem disso. Saberão sim, obrigatoriamente, o lugar da sede
estatuária porque essa consta dos estatutos e esses são públicos e registados. Portanto, os
terceiros sabendo a sede estatutária e não a efetiva, acreditarão que essa é a lei pessoal e a lei
que rege a vida da sociedade o que tem interesse para os terceiros, nomeadamente a medida da
responsabilidade da sociedade e dos sócios.

Esta solução vai maximizar a aplicação da lei portuguesa e os próprios sócios terão a
preocupação que os atos que praticam ao nível da sociedade, que tenham repercussões para com
terceiros, será essa a lei que vale, a lei portuguesa (porque essa é a lei que se vai aplicar nas
relações com terceiros).

27
Se é certo que estes são os princípios gerais, proteção do princípio da aparência, proteção de
terceiros, maximização da aplicação da lei portuguesa, e portanto, algum cuidado de adequação
dos atos praticados àquilo que são os atos prescritos na lei portuguesa.

Há, no entanto, quem entenda a norma de forma diferente – vamos ver três casos:

Moura Ramos defende uma interpretação literal da norma “se a sociedade tiver em Portugal
a sede estatutária não pode, contudo, opor a terceiros a sujeição a lei diferente da lei portuguesa”.
Nas relações com terceiros só é oponível a lei portuguesa. É inoponível uma lei diferente da lei
portuguesa, se em Portugal estiver a sede estatutária.

Marques dos Santos entendia que isto na prática resultaria para os terceiros de uma opção.
Não lhes é oponível uma lei diferente da portuguesa, eles podem é optar em ver aplicada nas suas
relações com a sociedade comercial entre a lei portuguesa como lei da sede estatutária ou a lei da
sede efetiva se esta for diferente. Mas não é inteiramente verdade que na prática seja assim. Ex:
se há um litígio entre a sociedade e um terceiro, este invoca o art. 3º do CSC e diz que a questão
deve ser resolvida de acordo com a lei portuguesa, ou não invoca e será aplicada a lei da sede
principal e efetiva. A prof. tem dúvidas quanto a este entendimento, sendo o direito aplicável é de
conhecimento ex officio, entende que a ideia é de proteger os terceiros, não de garantir-lhes uma
opção, o tribunal decidirá se realmente se aplicará a lei da sede estatutária ou não, ou pelo menos,
perante questões diferentes, os terceiros não podem invocar a lei estrangeira ou a portuguesa
conforme os efeitos que daí podem advir. A sociedade é que não pode impor a que seja aplicada
a lei da sede efetiva, mas essa será uma decisão do juiz.

Lima Pinheiro entende que isso vai depender da boa fé dos terceiros, em regra, será aplicável
a lei da sede estatutária, a lei portuguesa, porque a ideia também é maximizar a sua aplicação.
A não ser que os terceiros provassem que contavam justificadamente com a aplicação da
sede real, mas será difícil, devido à tal publicidade da sede estatutária. Mas podiam provar que
nas negociações com a sociedade comercial o quadro jurídico era o da sede principal e efetiva e
não contavam com a sede estatutária. Assim, se os terceiros contassem com a aplicação da lei da
sede efetiva, seria essa a lei aplicável. Isto é buscar o fundamento da teoria da aparência para
justificar toda a norma, a aparência deve ser protegida, logo os terceiros, estando numa situação
de conhecimento tal que lhes permitisse contar com a aplicação da lei do lugar da sede real ou
efetiva, deve ser esta a aplicada e não a da sede estatutária.

Temos aqui três posições ligeiramente diferentes sobre a interpretação desta norma. Uma
primeira posição mais literal que diz que a sociedade não pode opor aos terceiros uma lei diferente
da portuguesa quando a sede estatutária está em Portugal. Uma outra posição que dá ao terceiro
a possibilidade de escolher de acordo com os seus interesses. Esta última, faz depender a
aplicação da lei portuguesa do estado subjetivo do terceiro, nesta situação entende-se que há
terceiros e aparências a proteger.

A prof. entende que, embora compreendendo as razões do Lima Pinheiro, a letra da lei não
chega lá. Há muitas outras normas semelhantes de oposição da terceiros de uma determinada lei,
como a do art. 13º do Regulamento de Roma I, em que da própria norma se retira o que o prof.
Lima Pinheiro defende, nós não vamos puder opor essa lei a terceiros a não ser que os terceiros

28
tivessem conhecimento efetivo da lei ou devessem conhecer qual era a lei. A falta deste elemento
literal, parece, para a prof. não puder ir tão longe e falar do estado subjetivo. A sensação que dá é
que o legislador protegeu mais os terceiros pois não lhes exige o conhecimento de qual a lei
aplicável. Para a prof., a questão optativa é ainda mais difícil. Portanto, a visão do prof. Moura
Ramos é a mais aceitável.

Em resumo:

 Para as sociedades comerciais temos o mesmo regime que para as pessoas


coletivas.
 A lei pessoal é a lei do lugar da sede principal e efetiva dos órgãos de administração
da sociedade comercial.
 Mas se se tratar de uma relação com terceiros e no caso da sede estatutária se situar
em Portugal, a sociedade comercial não vai puder opor a terceiros lei diferente da
portuguesa, a lei que valerá é a portuguesa, independentemente do estado subjetivo dos
terceiros.

Caso prático

A. Wilhelm Betz GmbH, uma sociedade de responsabilidade limitada de direito alemão


(tipo semelhante à sociedade por quotas de direito português), constituiu-se entre o Sr.
Wilhelm Betz e os seus três filhos, Hans, Jan e Karl, todos com iguais participações, em
2002, com sede fixada pelo ato constituinte em Munique na Alemanha e dedica-se ao
transporte internacional de mercadorias, sendo único gerente o Sr. Wilhelm. Este tem
escritório em Dublin na Irlanda onde reside com Lindsay, cidadã irlandesa que se dedica ao
design de comunicação, enquanto todos os restantes sócios vivem em Munique.

Wilhelm contratou em nome da sociedade, os serviços de Lindsay para a criação de


outdoors publicitários em Portugal, onde a sociedade está a instalar-se, tendo os honorários
de Lindsay sido fixados em 40.000€, num contrato celebrado por escrito em Lisboa no mês
de janeiro de 2006. Numa altura em que a sociedade sofre uma importante quebra de
receitas, Hans, Jan e Karl não se conformam com uma tal decisão, e pretendem
responsabilizar Wilhelm por gestão danosa, alegando serem aplicáveis as regras materiais
do direito das sociedades alemão, por serem nesta matéria, as mais favoráveis à sua
pretensão, por comparação com as dos restantes ordenamentos.

Em primeiro lugar, vamos identificar as questões principais neste caso.

Quando se diz que se trata de uma sociedade de direito alemão significa que ela foi
constituída na Alemanha, cumprindo os critérios formais, formalidade de constituição previstas
na lei alemã, tendo a designação social de GmbH – tipo societário (parecida com a nossa sociedade
por quotas), tem responsabilidade limitada, a sua responsabilidade perante terceiros está limitada
ao capital social, os sócios não são responsáveis solidariamente no seu património pessoal. Esta
sociedade tem a sigla de GmbH.

29
Esta sociedade tem como nome o do seu sócio fundador Wilhelm Betz. Este senhor constituiu
uma sociedade com os seus três filhos, uma sociedade familiar, todos com iguais participações,
tendo 25% cada um.

Temos a indicação de uma sede fixada pelo ato constitutivo em Munique, na Alemanha.

O seu objeto social, a atividade a que se dedica é o transporte internacional de mercadorias.

Tem um único gerente, o gestor que toma as decisões da vida societária é o Sr. Wilhelm Betz
que vive, presume-se em união de facto, com Lindsay em Dublin.

Os outros sócios estão em Munique.

Temos uma sociedade comercial plurilocalizada. A sociedade é criada na Alemanha e há


aqui um elemento que liga a sociedade comercial a Munique, escolhido pelos próprios sócios, esta
é a sede estatutária.

O local da incorporação é também na Alemanha.

Resta saber qual é a sede principal e efetiva. A sociedade comercial foi constituída por
alemães sendo que três deles vivem na Alemanha e um na Irlanda e este último é simultaneamente
gerente. Temos aqui, à partida, duas leis em contacto com a situação – Alemã e Irlandesa.

O Sr. Wilhelm Betz contrata em Portugal porque quer entrar no mercado português. O Sr.
Wilhelm Betz contratou, em nome da sociedade, os serviços da sua companheira para a
criação de outdoors em Portugal. O contrato foi celebrado em Lisboa. Quem tinha competência
para tomar a decisão? Os gerentes, não os sócios.

Os três filhos querem responsabilizar o pai por gestão danosa aplicando o direito alemão
porque é mais garantístico da sua pretensão.

Em segundo lugar, temos sempre que estar perante uma situação de relação privada
internacional, temos de justificar a intervenção do DIP dado os pontos de contacto relevantes
com vários ordenamentos jurídicos, quais os elementos de conexão relevantes com os vários
ordenamentos jurídicos.

 O local de constituição da sociedade na Alemanha.


 A sede estatutária na Alemanha.
 A principal atividade em vários países e futuramente atividade desenvolvida em
Portugal.
 A sede principal e efetiva na Irlanda porque é lá que está órgão gestor e administrativo.
Caso o órgão de gestão fosse também de Hans, havendo uma dupla gerência, o problema
era maior, pois a competência dividia-se e tínhamos de ver qual era a maior fatia de
competência.

30
O ato de gerência que esta na base do litígio foi praticado em Lisboa, em Portugal.

Em último lugar, identificada e justificada a internacionalmente, resta saber que questão


jurídica é que nós estamos aqui a lidar? Questão contratual? Extracontratual? De lei pessoal (de
um ato em representação da sociedade que afeta a vida da sociedade)?

Se nós temos o art. 33º em matéria de exemplificação das questões que se aplicam às
sociedades comerciais, temos de ver se eventualmente teros aqui a questão incluída. Olhando para
o artigo aplica-se a algum dos casos previstos? No nosso caso, a responsabilidade é relativamente
à própria sociedade, de um ato na qualidade de gerente, um ato de gestão que prejudica a
sociedade, é uma responsabilidade de um órgão da sociedade perante a sociedade. Se é um
problema de responsabilidade de um órgão da sociedade perante a sociedade e estando referido
no art. 33º responsabilidade perante terceiros, podemos ter esta questão aqui incluída? Não, não
é a mesma coisa, a questão não está aqui incluída. Mas o art. 33º, nº2 é taxativo? Não, é
exemplificativo e esta é uma questão paralela, é um problema de responsabilidade, não perante
terceiros, mas perante a própria sociedade, poderíamos assim considerar uma questão de lei
pessoal relativa a este assunto da vida da sociedade.

Se o órgão de aplicação do direito português considerar que a lei pessoal é a portuguesa será
uma a solução. Se for a alemão, será outra. Se for a irlandesa, outra.

O tribunal tem de dizer qual é a lei aplicável, no caso. Sendo a lei pessoal, depois ver qual a
aplicável. Os filhos invocam a lei alemã. Se Wilhelm se defende e diz que é a lei portuguesa ou a
irlandesa. A nossa decisão aqui é estrategicamente conflitual, de qual será a lei aplicável.

Aplicamos o art. 33º, nº2 apesar de não estar expresso, é um ato da vida da sociedade,
que opõe os sócios.

Assim, passamos para o art. 33º, nº1, mais propriamente o art.3º do CSC onde diz que
devemos aplicar a lei pessoal. Qual é a lei pessoal desta sociedade comercial? A lei da sede
principal e efetiva é a irlandesa, a lei do lugar onde se situam os órgãos de gestão e administração
da sociedade comercial, independentemente de existir uma sede estatutária na Alemanha ou até
se se adotasse o lugar da atividade. Resta saber se sendo uma sociedade comercial, a segunda
parte do art. 3º da CSC tinha aqui aplicação para ao invés de aplicar a lei irlandesa, aplicar a
portuguesa? Não, não é uma relação externa, com terceiros, nem a sede estatutária é em Portugal.
Nenhuma das condições de aplicação da 2ª parte do art. 3º era aqui aplicável.

Assim, aplicamos a solução geral do art. 3º, nº1, 1ª parte que é a lei da sede principal e efetiva
que se situa na Irlanda.

Os ordenamentos jurídicos têm soluções muito distintas.

E o que podia aqui acontecer é que, o tribunal português dizia “nos termos do art. 33º, nº2 e
nº1 e art, 3º, nº1, do CSC esta é uma questão de aplicação da lei pessoal, que é a lei da sede
principal e efetiva”, logo a lei irlandesa. Mas e se a lei irlandesa na sua regra de conflitos advogasse
a lei da incorporação? O tribunal português considerava competente a lei irlandesa e a irlandesa

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mandava aplicar a lei alemã. E a lei alemã entendia que era a lei da sede efetiva e remetia
novamente para lei da irlandesa.

Este é um problema de reenvio. O tribunal português vai dizer que em Portugal é aplicável a
lei irlandesa, mas isto vai provocar um problema de desarmonia. Assim, excecionalmente não
vamos aplicar uma lei que é a nossa, mas sim a de um outro ordenamento jurídico para estarmos
de acordo com ele. Isto é um problema de reenvio que vamos ver mais tarde.

Numa situação deste género, quando há divergência entre os elementos de conexão da nossa
regra de conflitos e da regra de conflitos que considerámos aplicável – estaremos a falar de
referência apenas ao direito material ou ao direito de conflitos?
04/11/2019
PowerPoint – Regulamento de Roma I
Já vimos a lei pessoal das pessoas coletivas e das pc.
Vamos começar com o estudo das regras de conflitos referentes às obrigações contratuais
– lex contratus.
Temos nesta questão uma sucessão de leis no tempo mais intensa que noutras matérias. Esta
questão do ponto de vista do DIP de fonte interna era regulada pelos artigos 41º e 42º do CC que
continha a lei reguladora das obrigações, quer contratuais (provenientes de negócios jurídicos)
quer extracontratuais. Os artigos seguintes desta subseção III referem-se as obrigações não
contratuais que estão no âmbito do Regulamento de Roma II que depois estudaremos. Esta
previsão do CC era de alguma forma lacunosa, havia uma série de questões que se podiam
considerar incluídas no estatuto negocial e que estavam previstas em artigos anteriores (a forma
da declaração, matérias atinentes à representação, etc.), algumas destas questões estão hoje
previstas o Regulamento de Roma I (como a forma, a prescrição, caducidade, a própria
interpretação da declaração negocial; matéria de representação voluntária). A convenção de Haia
também se aplica.

Vamos considerar apenas o estatuto contratual e as obrigações provenientes de um


contrato sendo que a tal sucessão de regras de conflitos no tempo obedece a direito
transitório. Há direito transitório o que permite em cada um dos casos fixar o momento de alteração
legislativa e de submissão das novas soluções jurídicas a uma outra regra de conflitos.
Podemos ter as regras de conflitos do CC de 1966, o art. 41º e 42º, que se mantêm até 01/09/1994,
altura em que Portugal ratificou uma convecção de DIP, a chamada Convenção de Roma que é,
juntamente com a convecção de Bruxelas e de Lugano, uma espécie de antecâmara do futuro DIP
europeu. O precedente do Regulamento de Roma I foi esta Convenção de Roma. O Regulamento
de Roma I apenas aperfeiçoou alguns aspetos que suscitavam dúvidas de interpretação. Esta
convenção de Roma acabou por se aplicar a partir do dia 01/09/1994.

Com a publicação do Regulamento de Roma I que é o Regulamento que hoje iremos estudar,
nº 593/2008 do PE e do Conselho que data 17/06/2008, mas as suas regras de direito transitório
determinam a aplicação deste aos contratos celebrados a partir de 17/12/2009. Se o contrato for
celebrado antes desta data continuam a aplicar-se a regras da Convenção de Roma. Podemos ter
um contato celebrado em janeiro de 2008 que se mantém renovando-se sucessivamente ano após
ano e em que hoje está em discussão quanto às obrigações contratuais assumidas, sendo preciso
saber, neste contrato internacional, qual é a lei aplicável, qual o seu regime conflitual. Apesar da
situação estar a ser discutida hoje em 2019, se o contrato foi celebrado antes de dezembro de 2009

32
o regime não é do Regulamento de Roma I, mas sim o da Convenção de Roma. Tal como se esse
contrato tivesse sido celebrado antes de 1994, eram as regras do CC que se aplicavam (art. 41º e
42º). Quer o Regulamento de Roma I, quer a Convenção de Roma têm normas de direito transitório
que nos permitem saber qual a sucessão das leis no tempo.

Vamo-nos centrar mais no Regulamento de Roma I que se aplica a todos os contratos


celebrados depois de 17/12/2009.
Diapositivo 1
De que estamos a falar quando falamos de contratos internacionais?
Quando pensamos no problema da aplicação da lei ou até da jurisdição temos de interrogar-
nos sobre se o contrato é internacional ou não. Pois se se tratar de um contrato interno esta
questão não se coloca.
Como contrato internacional temos um contrato plurilocalizado que tem elementos de
conexão com vários ordenamentos jurídicos. Esta internacionalidade ou estraneidade deve
resultar dos elementos principais constitutivos da relação jurídica, neste caso, da relação contratual,
ou seja, de elementos relativos aos sujeitos/partes: nacionalidade e/ou residência; local da
celebração/execução do contrato; local do objeto do contrato (a obrigação contratual deve ser
cumprida num ou noutro país), quanto à garantia se o contrato apresenta ou tem modo de garantia
referente a mais do que um ordenamento jurídico, entre outros. Basta que haja um elemento de
estraneidade, nacionalidade, residência habitual, objeto do contrato, etc. para termos um contrato
internacional.
Isso vai determinar conflitos de leis ou conflitos de jurisdições, ou seja, temos de
determinar a lei competente e também o tribunal competente.

Diapositivo 2
Qual é esse quadro jurídico relativo a estas duas questões (lei competente e tribunal
competente)?
Temos dois marcos legislativos relativos a estas duas questões.
Quanto à competência internacional dos tribunais portugueses vamos ter a aplicação do
Regulamento de Bruxelas I bis (nº 1215/2012 do PE e do Conselho de 12.12.2012).
Quanto à lei competente para regular o próprio contrato será resultado da aplicação do
Regulamento de Roma I. Nesta matéria, apesar de falarmos em contrato internacional e
obrigações contratuais num quadro de internacionalidade, a verdade é que o Regulamento não
define qual é o seu objeto, diz que se trata da lei aplicável ao contrato que implique conflitos de
leis. Mas fazendo uma leitura paralela com este com o Regulamento de Bruxelas I bis e com o
contribuo do TJUE estamos perante contrato internacional que assenta num compromisso
livremente assumido de uma parte relativamente à outra e que está na origem da ação do
demandante.

Começando pela questão da jurisdição.


O Regulamento de Bruxelas I bis vai-se aplicar a todos os EM, mesmo à Dinamarca (onde
houve a celebração de um acordo com a UE a 19/10/2005). Este regulamento vai-se aplicar sempre
a ação seja proposta perante um tribunal de um EM e o demandado esteja domiciliado num EM.

33
Este Regulamento de Bruxelas I bis, ao contrário do que vai acontecer com outros
regulamentos como sucessões e do regime de bens, está do ponto de vista territorial e pessoal
relativamente condicionado. Ele vai determinar a competência internacional de um EM.
Ex: Portugal é um EM e quero saber se uma ação que é proposta num tribunal português pode
ser por este resolvida. Este a primeira coisa que faz é saber se é competente ou não
internacionalmente para se pronunciar, se o órgão jurisdicional do EM nesse sentido é competente
ou outro tribunal é que se deverá pronunciar.
De que é que vai depender essa competência internacional? Tínhamos regras de
competência internacional no CPC, que depois foram substituídas pela convenção de Bruxelas e
agora pelo Regulamento de Bruxelas I bis. Isto no que diz respeito às matérias civis e comerciais
onde nós nos devemos debruçar sobre as obrigações contratuais.
O tribunal português vai questionar a sua competência internacional, hoje no quadro deste
Regulamento, e vai verificar se o elemento critério de competência está verificado quanto a ele. Se
o Regulamento de Bruxelas I bis diz que a competência é a do lugar da residência do trabalhador,
o tribunal o que faz é questionar-se se o trabalhador reside em Portugal para saber se é
competente.
Mas a própria aplicação do Regulamento e não das regras de processo civil nacional vai
depender que Portugal seja EM (já sabemos que é ), mas também que o demandado seja
domiciliado num EM.
Se a empresa estiver sediada num Estado terceiro, a competência do tribunal português não
vai resultar do regulamento, mas das regras de processo civil internacional. Se as regras de
processo civil internacional do CPC português consideram o tribunal português internacionalmente
competente, este irá resolver a situação.
Ao contrário do que vai acontecer noutros regulamentos (como no Regulamento de Roma I em
que basta que o Estado que se vai pronunciar ou que a lei aplicável seja de um EM da UE – é
suficiente que o estado do foro seja um EM), para este Regulamento de Bruxelas I bis isto não
basta, não basta que o tribunal do foro seja um tribunal de um EM, é necessário que o demandado
tenha domicílio num EM. A aplicação territorial deste regulamento está pessoal e subjetivamente
condicionada ao facto de o demandado ter domicílio num EM.

Conceito de domicílio: cfr. art. 62.º (pessoa singular ou física): nos termos da lei do Estado
do foro; art. 63.º (pessoa colectiva ou jurídica) critério alternativo: sede estatutária/registered
office/place of incorporation ou sede administrativa ou estabelecimento principal.
Qualquer um destes critérios serve para determinar o domicílio para efeitos do Regulamento.
Para saber se o demandado está domiciliado num EM eu vou socorrer-me destes critérios
consoante é uma pessoa singular ou uma pessoa coletiva. Relativamente às pessoas coletivas, há
uma oferta de critérios variados, admitindo o legislador europeu muitas soluções para determinação
da lei aplicável.

O que acontece se o demandado não estiver domiciliado num EM (condicionalismo


subjetivo)? Aplicam-se as regras do processo civil internacional internas desse EM. Este
Regulamento de Bruxelas I bis contêm regras de fonte internacional ou europeu.
Contudo, temos as exceções do art. 6º, os casos em que o demandado não está domiciliado
num EM. Assim, podemos dizer que o Regulamento de Bruxelas I bis já não está
subjetivamente condicionado, a sua aplicação fica só dependente do o tribunal do foro ser o
tribunal de um EM ou não. Se é um tribunal do EM, aplicam-se estas regras. E que casos são
estes? São casos de extensão da competência – proteção dos consumidores, dos trabalhadores,

34
existência de pactos de jurisdição e situações de competência exclusiva – nestas situações, a
competência do Regulamento do ponto de vista territorial é de facto o mais ampla possível, é se
quisermos universal e exaustivo, não há lugar a aplicação de regras de processo civil internas
subsidariamente. Basta que o tribunal do foro seja o tribunal de um EM para só poder definir a sua
competência através das regras de competência do Regulamento de Bruxelas I bis.
Assim, num contrato de arrendamento, de prestações de serviços, de C.V. (que não seja entre
consumidores), etc. vamos de facto definir a competência de um tribunal através dos critérios de
competência previstos no Regulamento de Bruxelas I bis, mas somente se o demandado estiver
domiciliado num EM.

A dimensão que falamos até agora não era uma dimensão que estávamos habituados a ver –
é uma questão de processo civil internacional – porque até agora estivemos sempre preocupados
com a questão de qual será a lei competente. Mas a própria competência do tribunal para se
pronunciar depende de regras de processo civil internacional. E, neste caso, em matérias civil e
comercial (incluindo, claro, as sociedades), aplica-se o Regulamento de Bruxelas I bis. Depois
vamos ter outro regulamento, o chamado Regulamento de Bruxelas II bis para as questões
matrimoniais, divórcio, responsabilidades parentais e depois o Regulamento das sucessões e de
regimes de bens. Portanto, só nas matérias genéricas de civil e comercial que vimos até agora é
que estamos sempre a considerar, do ponto de vista da competência, o regulamento Bruxelas I bis.

Diapositivo 3
Vamos agora ver qual a lei aplicável aos contratos, uma vez que o tribunal português seja
competente para decidir um litígio que ocorra acerca das obrigações assumidas pelas partes. Uma
coisa é definir quando se aplica o Regulamento de Bruxelas I bis ou as regras do CPC, depois
desta questão territorial, temos as regras do próprio regulamento que nos diz qual é a lei aplicável,
isto é, vão haver muitas regras de processo civil que se aplicarão ao contrato em questão.
Vamo-nos concentrar na questão da lei aplicável através do Regulamento de Roma I
n.º593/2008, do PE e do Conselho, de 17.06.2008. Este veio substituir a Convenção de Roma
quanto aos contratos celebrados a partir do 17/12/2009 que determina a lei aplicável ao contrato.

Âmbito de aplicação territorial


Há a sucessão de leis no tempo porque há um circunscrição material de cada regulamento. No
fundo, os regulamentos são um conjunto de regras de conflitos que, na maior parte dos casos, veio
substituir no máximo 4 regras de conflitos do CC, referem-se a questões jurídicas muito específicas.
Não há um regulamento, por exemplo, aplicável às relações familiares, mas sim um do divórcio,
das relações matrimoniais, etc. Há aqui uma delimitação material que é autónoma, há aqui uma
qualificação das regras de conflitos para efeitos de aplicação do regulamento.
Ex: A questão da responsabilidade pré-contratual – antes da celebração do contrato, há uma
ligação entre as partes que vão depois celebrar o contrato que justificam um determinado grau de
vinculação que ainda não é contratual, mas que pode justificar uma certa tutela de direito podendo
criar uma obrigação de indemnizar se forem violados certos princípios como o da boa fé, entre
outros, que justifica certas expectativas das partes podendo então originar danos. Sempre se
questionou se a responsabilidade pré-contratual era responsabilidade contratual ou extracontratual
até do ponto de vista conflitual. Podíamos incluir a questão no âmbito da lei designada pela regra
de conflitos, no âmbito dos contratos ou extracontratual. No nosso CC não tínhamos uma solução
específica e a doutrina defendia soluções diferentes consoante os casos. No âmbito europeu
também não encontramos uma solução uníssona. O Regulamento de Roma I veio incluir a questão

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expressamente no seu âmbito de aplicação, qualificou o problema à regra de conflitos
extracontratual. Mas, na verdade, podemos aqui dizer que o âmbito de aplicação material é muito
importante para saber se aplico o Regulamento de Roma II, o das sucessões ou outro, no fundo,
para saber qual a regra de conflitos que vou aplicar para determinar a lei aplicável.

O âmbito de aplicação material, territorial e temporal são três vertentes que nunca podemos
esquecer quando iniciamos a resolução de uma questão deste tipo. Eu tenho de saber se
territorialmente posso aplicar o regulamento, se o Estado do foro está vinculado ao regulamento.
Na questão da competência jurisdicional esse âmbito de aplicação territorial não se bastava com o
critério de ser ou não ser EM, era necessário o domicílio do demandado ser num EM; e depois
material, saber se a questão está incluída neste regulamento ou noutro diferente. Estes três âmbitos
são sempre importantes para justificar a aplicação daquela regra de conflitos.
No caso do Regulamento de Roma I, territorialmente, aplica-se a todos os EM (a Dinamarca
continuará a aplicar a Convenção de Roma, com soluções similares). Se a ação for proposta no
tribunal de Copenhaga vai aplicar a Convenção de Roma e não o Regulamento de Roma I. Nós
estamos é preocupados com qual a lei que o tribunal português vai aplicar e este vai aplicar a lei
que resulta deste Regulamento.

Temporalmente, aos contratos celebrados após 17.12.2009 (antes: Convenção de Roma/arts.


41.º e 42.º do Código Civil). Devemos aqui ter atenção o direito transitório, que regra de conflitos
se aplica.

Ainda territorialmente que tipo de contratos privados internacionais é que podemos estar
aqui a falar para aplicação deste regulamento? Só contratos comunitários ou também
extracomunitários (entre uma empresa portuguesa e uma empresa brasileira), isto é, também
com um Estado não membro? A única condicionante para a aplicação do regulamento é o facto de
Portugal ser um EM.
Este regulamento tem um princípio de aplicação universal até do ponto de vista da própria
lei designada. Se for aplicável a lei de um Estado terceiro, ainda assim, o regulamento se aplica. A
maior parte dos casos tradicionais de direito convencional, só obrigou as relações entre os Estados
que são contratantes, na relação entre contratante e não contratante já não se pode aplicar – mas
isto não acontece com este regulamento. Exemplo: A, empresa com sede no Brasil, vende a B,
empresa com sede em Portugal, determinadas mercadorias; B não paga; A demanda B em
tribunais portugueses; a lei aplicável pelo Tribunal português nos termos do Reg. Roma I é a lei
brasileira (art. 4.º, n.º1, a): lei da residência habitual (local da administração central, art. 19.º).

Materialmente, temos normalmente duas questões: saber quais são as matérias que justificam
a aplicação do Regulamento, isto está previsto de uma forma positiva e negativa no próprio
regulamento.
Do ponto de vista da afirmação positiva, vemos o art. 1º, nº1 – apenas aos contratos civis e
comerciais que originem conflitos de leis. Falámos de contratos através da noção do TJUE,
obrigações livremente assumidas e que suscitam o litígio.
Do ponto de vista negativo, o art. 1º, nº2 diz-nos quais são as matérias excluídas, contratos em
muitas outras áreas, como casamento, família, obrigações cambiárias, questões de representação
voluntária, responsabilidade pré-contratual estão excluídas da aplicação do Regulamento de Roma
I. A primeira questão que está excluída são as questões de capacidade, pois esta é definida pelo
estatuto pessoal (art. 13º).

36
O âmbito material de aplicação do Regulamento é autodefinido pelo próprio regulamento. As
questões que estão no âmbito da lei aplicável ao regulamento estão no art. 12º, enumeração
exemplificativa: a interpretação do contrato, o cumprimento das obrigações, as consequências do
incumprimento, a extinção das obrigações, a prescrição e caducidade, as consequências da
invalidade do contrato…

Diapositivo 4
O exercício da autonomia conflitual remonta-se aos estatutários, nomeadamente a
Dumoulin, quando se discutia qual o estatuto patrimonial do casamento em questão, este vem
defender que todo o património deve estar sujeito a mesma lei e que a vontade dos cônjuges era a
de os sujeitar ao mesmo regime, o de Paris. Pela primeira vez formula-se a ideia de uma escolha
pelas partes da lei aplicável. Esta é uma realidade da autonomia conflitual que está muito distante
daquilo que hoje se admite, falava-se de uma vontade hipotética na altura, eles não o disseram
diretamente, mas Dumoulin diz que se eles pudessem escolher, a sua vontade era presumidamente
a de ver aplicada a lei do seu primeiro domicílio conjugal.
O nosso art. 41º fala-nos de lei escolhida pela partes. Isto vê-se afirmado claramente no
Regulamento de Roma I. O seu art. 3º diz que as partes podem escolher a lei aplicável à sua
relação contratual, não limita de forma alguma quais são as leis que podem ser escolhidas, não
há sequer aqui uma referência indireta às leis que estão em contacto com a situação, não tem de
ser uma lei conexionada do ponto de vista objetivo com a relação jurídica controvertida. As partes
podem escolher a lei da Cochinchina, como Marques dos Santos refere. É a lei que, ao ser
escolhida pelas partes, se vai adequar aos seus interesses e, no fundo, ao fundamento da
autonomia negocial que é a autonomia privada. Estando esta autonomia conflitual ao abrigo das
partes justifica-se a possibilidade de escolha de lei.
A esta lei escolhida tem-se entendido que é uma lei estatal. A incorporação do que se chama
da lex mercatória ou de alguns princípios de comércio internacional são na maior parte dos casos,
usos, costumes do comércio internacional que são mais ou menos positivados ou reduzidos a
escrito e que são respeitados pelas partes no comércio internacional, mas que não são lei estatal,
de produção estatal. A questão está em saber se quando há escolha de lei, pode ser uma lei não
estatal, pode ser a lex mercatória por exemplo? A ideia é que de não, o que não quer dizer que ela
não possa estar incorporada no contrato, vai depender sempre da lei aplicável ao contrato.
Queremos saber qual é a lei reguladora deste contrato internacional - recorremos ao Regulamento
de Roma I, as partes escolheram a lei francesa, pode haver incorporação da lex mercatória neste
contrato para definir a obrigação das partes? Sim, se a lei francesa o admitir.
Assim, temos: contrato internacional – regra de conflitos do Roma I – permite escolha de lei –
escolha de lei só lei estatal – essa lei permite incorporação de lex mercatória? Sim. Não permite,
não.

Pode ser uma escolha expressa ou tácita, isto não tem a ver com o facto de ser escrita ou
oral, não é uma questão de forma, mas sim de se tratar de uma escolha direta ou indireta. A vontade
tem de existir ou diretamente manifestada ou indiretamente manifestada.
Num contrato pode existir uma cláusula – as partes dizem que a lei é a lei francesa – em que
há escolha expressa (e, por acaso, escrita, mas podia ser oral). Se não tivermos uma cláusula
deste género será que houve escolha de lei? Esta escolha de lei pode resultar dos termos do
contrato, porque, por exemplo, todas as cláusulas se referem a obrigações francesas, tudo do

37
contrato resulta da aplicação da lei francesa, inclusive faz referência aos artigos do CC francês, e
deduz-se naquele contexto que a intenção das partes foi escolher a lei francesa.

Mas isto não é parecido com a escolha hipotética de Dumoulin? Não, porque há aqui uma
determinação da vontade que naquele caso não houve, eles nem sequer ponderaram a questão,
mas se o tivessem feito presume-se que seria aquela a sua vontade. Aqui estamos no plano das
hipóteses e não da vontade.
Quais são os termos a que o Regulamento de Roma I se refere relativamente a esta questão?
Art. 3º - ou do próprio contrato (verbal ou por escrito, como se prova, vai depender do caso) ou
das circunstâncias do caso que podem ser, por exemplo, meios trocados entre as partes,
reuniões sempre como referência a um ordenamento jurídico que pode levar à conclusão que houve
escolha tácita ou implícita de uma lei.
Escolha de lei total ou parcial. É possível designar apenas uma parte relativa a uma lei.
À falta de escolha das partes vai-se aplicar uma determinada lei, tem de haver uma lei supletiva.

Proibição da internacionalização fictícia do contrato (art. 3º, nº3)


É o único limite que existe, mas na verdade não é um limite, mas sim uma interpretação sobre
o que é a autonomia conflitual.
Exemplo: A, português, com residência habitual em Portugal vende a B, português, com
residência habitual em Portugal, certas mercadorias; o contrato é celebrado em Portugal e cumprido
também em Portugal; Este caso prático não tem um elemento de internacionalidade. É um dos
litígios que nos interessa? Não.
MAS as partes celebram um contrato e escolhem como lei aplicável a lei brasileira; – escolha
da lei brasileira.
Quando nós falamos em elementos de estraneidade falamos em elementos de conexão com
outros ordenamentos jurídicos, daqueles que são relevantes aos olhos do DIP. O que interessa é
que sejam elementos constitutivos da relação jurídica e são estes que têm de estar em ligação com
outro ordenamento jurídico, nem que seja só um, para transformar a situação privada interna para
internacional e suscitar o problema do conflito de leis.
De todos os elemento de conexão que conhecemos há uns que têm a ver com os sujeitos – a
expressão da sua vontade – escolha da lei aplicável, ao fazer uso da própria vontade passa a ser
um elemento de conexão. Se a vontade das partes é um elemento de conexão ao mesmo nível que
a nacionalidade, o lugar da celebração do contrato, etc. e se nós dizemos que basta um elemento
em contacto com outro ordenamento jurídico para falarmos numa relação privada internacional,
transformámos uma situação interna numa situação internacional. Isto é uma situação perigosa
porque enquanto todos os outros elementos são objetivos, como a nacionalidade, a residência,
ligam o sujeito a um ordenamento jurídico, entre outros, a vontade das partes não, a vontade das
partes é absolutamente subjetiva, podem escolher a lei que quiserem, a não ser que a vontade
estivesse condicionada, por exemplo, só podem escolher uma das seguintes leis: da nacionalidade,
da residência habitual, da prestação da garantia, da celebração etc., no fundo, aqui a lei escolhida
já era a de um elemento objetivo.
Mas, no caso do Regulamento de Roma I a escolha é livre pela mera declaração de vontade.
Neste caso, a hipótese de fraude é muito provável ou é pelo menos é duvidosa a seriedade das
partes ao escolherem esta lei numa situação em que não se justifica para que possam escapar às
normas imperativas que estão ligadas ao seu caso.

38
O Regulamento de Roma I diz no art. 3º, nº3 que o contrato poderá ser regulado pela lei
escolhida pelas partes no âmbito supletivo, mas esse âmbito supletivo está sempre delimitado
pelas normas imperativas da lei portuguesa.
A lex contratus é a lei portuguesa porque, neste caso, não há nenhum conflito de leis, a única
lei que está ligada ao contrato é a lei portuguesa (se tivessem duas já teríamos uma relação privada
internacional), temos aqui uma relação interna.
Mas a lei portuguesa permite que fora do âmbito das normas imperativas haja modelação da
relação contratual? Sim.
Essa pode fazer-se por referência a um direto estrangeiro? Sim.
Mas isto não significa que houve exercício de autonomia conflitual, mas apenas de autonomia
material que pode existir no âmbito de eficácia de uma lei no âmbito do CC (art. 405º). Isso não é
autonomia conflitual, mas sim material, privada. A lex contratus é uma e oferece o quadro
imperativo.
Não há autonomia conflitual verdadeira, só haverá se o elemento de conexão for ab initio
internacional – um contrato do ponto de vista objetivo tem ligação com mais que um ordenamento
jurídico. Se neste caso dissemos que as partes eram espanholas, e o contrato celebrado em PT, e
as partes escolheram a brasileira – o regulamento Roma I permite isto? Permite, o necessário é
que a relação ab intio seja internacional, e neste caso era, tinha elo menos dois elementos objetivos
com pontos de contato com dois ordenamentos jurídicos. Implicava aqui que as normas
imperativas, por exemplo, do direito PT e ESP nunca se iriam aplicar. A lei BR é que vai determinar
as cláusulas válidas e inválidas por referência às suas próprias normas imperativas – porque foi a
lei escolhida pelas partes – e aqui podiam escolher, porque a situação era ab initio internacional.
A situação do powerpoint não é internacional, é meramente interna, há uma tentativa de
internacionalizá-la ficticiamente através da escolha de lei. O que o art. 3º, nº3 vem dizer é que essa
tentativa é falhada, essa lei estrangeira nunca vai poder derrogar as normas imperativas da lei
portuguesa. O facto de escolherem a lei brasileira é permitido à luz da autonomia privada, contudo
esta deve sempre obedecer as normas imperativas da lei portuguesa.
O Regulamento de Roma I permite a escolha de lei, a escolha de lei não tem de ser uma
lei determinada, como a nacionalidade, o que é necessário é que a situação ab initio seja
internacional, ou seja, que tenha dois elementos objetivos internacionais, numa relação privada
internacional pode ser exercida autonomia conflitual.
Art. 3º, nº3 – Caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento
da escolha, num país que não seja o país da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica a
aplicação das disposições da lei desse outro país não derrogáveis por acordo.
Todos os elementos relevantes, menos a escolha. Como é que o nosso exemplo se encaixa
neste art.3º, nº3? Todos os elementos, sem ser a escolha de lei, estão situados em Portugal. As
disposições da lei portuguesa, não são derrogáveis por acordo, são disposições imperativas da lei
portuguesa. Eles escolheram a lei brasileira, mas esta não pode derrogar as normas imperativas
de outro ordenamento jurídico, no caso do português.

Mas se esta situação é uma situação interna, se não implica conflito de leis porque todos
os elementos estão no mesmo país, menos ao escolha de lei, porque está no regulamento
esta questão? Se se dedicam às relações privadas internacionais, porque é que uma relação
privada interna tem de estar lá “sugerida”? Esta norma do art. 3º, nº3 é interpretativa – a
escolha de lei é livre, as partes podem escolher a lei que satisfaz melhor os seus interesses, o que
não podem é transformar, por causa dessa escolha, uma solução interna numa situação
internacional. Ou a situação é internacional objetivamente e então podem escolher uma lei

39
qualquer, ou não é internacional e não podem escolher lei nenhuma, ou se escolherem ao abrigo
da autonomia privada esta obedece sempre as normas imperativas da lei interna.

11/11/2019
Continuação da análise do Diapositivo 4
A autonomia conflitual não pode significar a figura da internacionalização fictícia, se é a própria
regra de conflitos que permite às partes escolher a lei que melhor serve os seus interesses, seria
contraditório presumir que sempre que as partes escolhessem uma lei distante da relação,
dissemos que era fraude à lei – era sim internacionalização fictícia. Isso não é permitido, a lei
escolhida dessa forma mais não é que o exercício de autonomia material, não há conflito de leis
sequer, o contrato não é internacional e a referência ao ordenamento jurídico estrangeiro não tem
o significado da autonomia conflitual. Dá-se o exemplo do contrato português, de acordo com os
seus elementos objetivos (objeto, execução, garantia), por todos os elementos considerados
relevantes neste domínio, é de facto um contrato que tem só ligações com o ordenamento jurídico
português. A escolha de lei brasileira não é exercício de autonomia conflitual, apenas exercício de
autonomia material – ir buscar a uma lei estrangeira normas que se podem aplicar a um contrato
CV, mas se essas normas forem contrárias às normas imperativas do direito português, essas
disposições eram consideradas nulas ou não escritas, não terão qualquer validade. O art. 3º, nº3
do Regulamento Roma I tem esse significado, o significado interpretativo necessário porque o
Regulamento permite uma irrestrita liberdade do ponto de vista da escolha de lei (professio iuris),
mas ao fazer isso pode perigosamente suscitar situações de internacionalização fictícia, e ao se
advertir que essa é fictícia, não vale como autonomia conflitual. Está este nº3 a interpretar o nº1 do
art. 3º – esta escolha de lei não poderá derrogar as normas imperativas da única lei objetivamente
ligada ao contrato. Basta que o contrato tivesse ab initio um outro elemento de conexão, para já
ser um contrato internacional e se poder aplicar uma outra lei, fruto da escolha das partes.

O nº4 do art. 3º vem falar-nos de situações em que todos os elementos do contrato estão
ligados unicamente a Estados-Membros da UE – todos os outros elementos que não os escolhidos
pelas partes.
Esta norma paralela ao nº3 identifica uma situação também paralela, mas diferente. Podemos
ter aqui já um contrato internacional com vários pontos de comunicação, uma das partes sediada
em Portugal, mas a outra na França. Há aqui, desde o início, verdadeiros elementos de
internacionalidade de conexão objetivos. Se eu escolho a lei suíça ou brasileira, a lei de um país
terceiro é uma escolha válida. O contrato vai ser conformado por essa lei escolhida no seu âmbito
imperativo e supletivo.
Mas a escolha dessa lei de um Estado terceiro pode ter como objetivo furtar as obrigações
contratuais assumidas pelas partes de algumas disposições imperativas de direito derivado da UE
(regulamento ou diretiva). O contrato que seria ab initio comunitário, com apenas pontos de
contacto com os Estados-Membros (incluindo Dinamarca), a escolha da lei de um Estado terceiro
poderia ter um objetivo de furtar aquelas obrigações contratuais de determinadas normas de direito
comunitário, pois seria o direito de Estado terceiro a fazer o seu enquadramento jurídico. Logo isto
levaria a uma extra-comunitarização fictícia – transformaria um contrato internacional
comunitário por um contrato internacional extracomunitário por mero efeito da escolha de lei. Todos
os elementos do contrato (obrigações das partes, objeto do contrato, etc.) tinham somente ligações
com Estados-Membros e só pela escolha de lei é que o contrato se transformaria em contrato

40
extracomunitário. O que o Regulamento de Roma I vem dizer é, tal como na internacionalização
fictícia, na extra-comunitarização fictícia é possível escolher essa lei de um Estado terceiro, mas a
aplicação da lei Suíça como quadro jurídico deste contrato não vai poder derrogar normas
imperativas de direito comunitário, tal como seria aplicável pelos Estados-Membros do foro – esse
irá sempre aplicar direito imperativo da UE, em qualquer caso. Portanto, a escolha de uma lei de
Estado terceiro não tem sentido.
Já a escolha da lei Dinamarquesa não vem furtar a aplicação das normas de direito comunitário,
portanto, quando se diz Estado-Membro vinculado, a aceção é para todo o regulamento, mas esta
norma significa todos os Estados-Membros, incluindo o Estado-Membro não vinculado que é a
Dinamarca.
A ideia tanto no nº3, como no nº4 é a de que o crime não compensa, a escolha de uma lei que
vise internacionalizar um contrato interno ou que vise criar uma situação extra-comunitária quando
ela é comunitária. Essa escolhas não são inválidas, simplesmente não têm o objetivo que se
pretendia alcançar. Num caso, furtar a situação da aplicação de normas imperativas da única lei
que está ligada ao contrato, no outro furtar a aplicação comunitária por via da aplicação de uma lei
de Estado terceiro. Este nº4 não existia na Convenção de Roma.

Diapositivo 5
O que acontece se as partes não escolheram a lei ou se fizeram uma escolha que não é
válida?
A validade, como qualquer declaração de vontade, tem pressupostos formais e
pressupostos materiais. Neste caso, o Regulamento refere-se a essa questão, dizendo que a
existência e a validade do consentimento das partes quanto à escolha de lei são determinadas nos
termos do art. 10º, 11º e 13º. Os requisitos formais e substantivos da própria escolha de lei não
são diferentes dos do próprio contrato internacional. No art. 10º vemos – “a existência e a validade
substancial do contrato ou de algumas das suas disposições são reguladas pela lei que seria
aplicável, por força do presente regulamento, se o contrato ou a disposição fossem válidos” – valerá
aqui a própria lex contratus com a exceção do nº2. São normas aplicadas à forma do contrato, à
vontade e aos seus vícios. Não vai depender do tipo de contrato. O acordo de escolha de lei não
vai ter pressupostos diferentes. Isto não vai ser assim noutros regulamentos da UE onde vamos
ver muitas normas materiais de direito internacional privado, vamos ver pressupostos formais
específicos, como forma escrita, por exemplo. O acordo de escolha de lei é visto como uma
declaração de vontade de ambas as partes e que terá de obedecer ao requisitos formais e
substantivos do próprio contrato, há aqui uma assimilação aos requisitos específicos do próprio
contrato.
Quid iuris se as partes não cumprem os requisitos formais exigidos à forma do contrato, ou há
uma situação de coação moral ou de dolo? O próprio acordo de escolha de lei é anulado. Ou se
não fizeram escolha de lei nenhuma, não houve cláusula de escolha de lei e portanto o contato é
um contrato internacional que precisa de uma determinação de lei aplicável porque a escolha de
lei não vai funcionar como regra de conflitos. Qual é a regra de conflitos supletiva? Art. 4º.
Este artigo vem-nos indicar no seu elenco uma série de contratos mais frequentes.
Tal simplifica muito a tarefa do legislador. Na convenção de Roma esta exemplificação não
existia, havia era uma noção de residência habitual da parte do contrato que realizasse a
“prestação significativa do contrato” – o contrato era regulado pela lei da residência habitual da
parte do contrato que realizasse a prestação mais significativa do contrato. Presumia-se que esta

41
era a lei aplicável porque era a conexão mais estreita que existia – residência habitual da parte que
realizava a prestação significativa do contrato.
O que é isto de “prestação significativa do contrato”? Hoje em dia, não tem o mesmo significado
que tinha na convenção de Roma.
Para os contratos mais frequentes há a referência à lei concretamente aplicável.
Fora destas situações ou naquelas em que há contatos mistos vamos voltar a ter a noção da
prestação significativa de contrato – art. 4º. Na falta de escolha nos termos do art. 3º ou de escolha
inválida e sem prejuízo dos artigos 5º a 8º (tipos contratuais para os quais o regulamento entendeu
que deveria haver um enquadramento específico – contrato economicamente sensíveis, onde há
uma parte mais débil), a lei aplicável aos contratos é determinada pelo seguinte modo: encontrámos
o elenco de contrato mais frequentes onde se vai dizer qual a lei aplicável. Mas o nº2 diz que –
“caso os contratos não sejam abrangidos pelo nº1, ou se as partes dos contratos forem abrangidos
por mais do que uma das alíneas a) a h) do nº1, esses contratos são regulados pela lei do país em
que o contraente que deve efetuar a prestação característica do contrato tem a sua residência
habitual” – contratos que não estão lá ou contratos mistos (AL, Airbnb, etc.) – esta noção que era
geral na convenção de Roma passa aqui a existir quase subsidiariamente, se o contrato não está
numa daquelas alíneas ou é um contrato misto, então, será regulado pela lei do país onde o
contraente que deve efetuar a obrigação característica do contrato tem a sua residência habitual.

Vamos começar por olhar para as alíneas. O que é que o legislador tinha em mente quando
falava em prestação mais significativa ou característica do contrato? Quando olhamos para o art.
4º vemos que para:
• compra e venda de mercadorias: a lei da residência habitual do vendedor;
• prestação de serviços: a lei da residência habitual do prestador de serviços;
• arrendamento de um bem imóvel: a lei do lugar onde o bem imóvel se situa (salvo os
contratos de arrendamento para uso pessoal temporário até seis meses consecutivos que
serão regulados pela lei do país onde o proprietário tem a sua residência habitual e o locatário
seja pessoa singular com residência habitual nesse mesmo país).
• Contrato de franquia: art. 4.º, n.º1, e): lei da RH do franqueado (a parte débil; não há
prestação exclusivamente monetária)
• Contrato de distribuição: art. 4.º, n.º1, f): lei da RH do distribuidor (parte débil; não há
prestação exclusivamente monetária)

Os contratos mistos ou não indiciados no art. 4º, nº1:


• lei da RH da parte que efectue a prestação característica do contrato (máxime a prestação
não monetária); exemplo: contrato misto de locação e prestação de serviços
• Impossibilidade de determinação da prestação característica do contrato
• lei do país com o qual apresente conexão mais estreita;
• Idem enquanto cláusula de excepção (art. 4.º, n.º4)

Qual é a prestação característica do contrato nestes contratos mistos? É aquela que empresta
a característica principal do contrato, que individualiza aquele contrato, que transforma aquele
contrato num contrato diferente dos demais. Pensando num C.V. de mercadorias, qual é a
obrigação principal? A do vendedor ou a do comprador? Qual é a prestação que transforma o C.V.
de um contrato diferente de prestação de serviços ou dos de arrendamento? Qual é o elemento

42
que lhe dá a característica individualizadora? A do vendedor ou a do comprador? Qual é a
obrigação do vendedor? Entregar a coisa. E a do comprador? Pagar o preço. E na prestação de
serviços? A que é que o prestador está obrigado? Prestar o serviço. E o adquirente do serviço? A
pagá-lo. Em qualquer um dos casos, é o vendedor ou o prestador de serviços que efetua a
prestação que torna aquele contrato diferente dos demais, nunca é aquele que paga o preço, os
honorários ou a renda. Há aqui nitidamente uma distinção das prestações em que uma é
meramente monetária e a outra não é. É a prestação não monetária que individualiza aquele
contrato dos demais. A prestação característica dos contratos é normalmente a prestação não
monetária. Isto funciona muito bem na C.V., na prestação de serviços, no arrendamento de longa
duração será diferente, não se fala em prestação característica, mas depois no contrato de franquia
ou de distribuição não há uma prestação exclusivamente monetária, e, portanto, nestes contratos
a ideia é a de aplicar a lei da residência habitual da parte mais débil (do franquiado ou do
distribuidor). Aqui já não é a prestação caraterística do contrato que está na base destes contratos
do art. 4º, mas, de facto, pelo menos nos primeiros, o que estava lá era isso. Quando falámos de
situações que não está no art. 4º ou quando é um contrato misto temos de determinar dentro das
prestações desse qual é a mais significativa ou a característica, e será a lei da residência habitual
dessa que será a lei aplicável.
Às vezes, não vai ser possível determinar a prestação característica, há situações em que é
muito difícil. Como é o caso da permuta, as duas prestações são iguais, podem ser objetos
diferentes, mas as duas prestações têm objetivos idênticos, entregar uma coisa pela outra; ou do
contrato de depósito bancário, em que as duas prestações são monetárias; ou do mútuo bancário.
Como é que consigo saber qual é a prestação característica do contrato, a não monetária, se ambas
são monetárias? Portanto, temos um problema. São situações em que o ser ou não ser monetário
torna difícil a aplicação da prestação característica. Assim, nestes casos, diz-nos o nº4 – “caso a
lei aplicável não possa ser determinada nem em aplicação do nº1 nem do nº2, o contrato é regulado
pela lei do país com o qual apresenta uma conexão mais estreita” - isto deixa margem de manobra
ao aplicador do direito para de todos os elementos de conexão daquele ordenamento jurídico, dizer
qual é aquele que tem uma conexão mais estreita, independentemente de ser a lei da residência
habitual daquele que fornece a prestação mais significativa.
O art. 4º tem ainda o nº3 que se refere à figura que, no fundo, concede uma alternativa que
vai funcionar somente quando se consegue determinar a prestação característica ou quando o
contrato está estipulado no nº1. Sempre que eu conseguir determinar a prestação característica ou
é um dos contratos do nº1, à partida não tenho dificuldade em saber qual é a lei aplicável, não vou
ao nº4 claro, mas mesmo nesta circunstância o julgador pode entender que há uma lei mais
próxima do que aquela indicada. Ex: C.V. em que o vendedor reside em Portugal, mas o
comprador, o objeto e o local de celebração do contrato localizam-se parte em Espanha e parte em
França. O único elemento de conexão que relaciona o contrato com o ordenamento jurídico
português é a residência habitual da parte que fornece a prestação característica, a do vendedor.
Mas o contrato desenvolve-se com outras coordenadas geográficas, podendo verificar-se assim a
cláusula de exceção do nº3.
Já vimos que a pedra de toque é, sem duvida, a noção de residência habitual. Portanto,
falamos de prestação característica, de elenco de contrato, de conexão mais estreita, mas na
verdade quando falamos de prestação característica, se esta não existir falamos sim da lei da
residência habitual da parte que realiza a prestação caraterística. Assim, é a residência habitual é
que é importante.
• Critério fáctico a densificar pela jurisprudência do TJUE
• Há uma definição para as pessoas coletivas presente no regulamento – Art. 19.º: para as
sociedades comerciais será o local da sua administração central (no caso de contratos

43
celebrados no âmbito da exploração de sucursais e agências, o local onde estas se situam) e
quanto às pessoas singulares que actuam como profissionais será o local do seu
estabelecimento principal; em qualquer caso o momento relevante para a determinação da RH
é o da celebração do contrato. O momento relevante em que pode haver mobilidade é o
momento da celebração contrato.
Temos aqui uma noção no próprio regulamento de forma a densificar esta noção.

Diapositivo 6
Casos especiais
Que contratos é que nós temos aqui e que são distintos? Ao serem distintos têm preocupações
de proteção das partes, do próprio tráfego jurídico, há objetivos até económicos, etc.

Contrato de trabalho internacional. Permite, de facto, a escolha de lei. Não há nada que
impeça o exercício da autonomia conflitual – art. 3º. Simplesmente, o trabalhador, que é a parte
mais fraca, com o receio que lhe seja imposta uma lei que lhe seja desfavorável (porque a relação
contratual que é quase sempre desequilibrada), portanto, há aqui uma limitação, presente no art.
8º, nº1, 2ª parte – a escolha é possível, mas o trabalhador nunca pode ficar privado das disposições
jurídicas mais favoráveis da lei supletiva aplicável. Esta lei supletiva funcionará como salvaguarda,
porque as suas normas imperativas, mais protetoras do trabalhador, funcionam como garantia do
trabalhador. Qual é a lei supletivamente aplicável? Art. 8º, nº2 – lei do país da prestação habitual
do trabalho – esta pode acontecer, e aqui a própria lei exclui as situações de destacamento
temporário, aqui é o local antes do destacamento, o habitual local de trabalho – temos de pensar
nos trabalhadores onde a prestação do trabalho é móvel, transfronteiriça, como a bordo de avião,
etc., entendemos que é o local de onde emana a sua organização de trabalho será o local da
prestação habitual do trabalho.
Essa lei será a lei supletivamente aplicável se as partes não escolherem a lei ou escolherem
de forma inválida, e se tiverem escolhido, as normas imperativas dessa lei vão ser aplicadas desde
que protetivas do trabalhador. Qual é a vantagem de se aplicar supletivamente a lei da prestação
do trabalho e ser esta a lei que vai proteger mais o trabalhador em caso de escolha pelas partes
de outra qualquer? É favorável aplicar esta lei do ponto de vista do tribunal do foro pois se olharmos
para o Regulamento de Bruxelas I bis vemos que há coincidência entre fórum e ius, o tribunal do
foro vai aplicar a sua própria lei, nos contratos de trabalho será o tribunal do local onde o trabalhador
habitualmente presta o seu trabalho, aplicando-se supletivamente a sua própria lei. Se não for
supletivamente e se for exercida a escolha de lei, pelo menos as leis imperativas mais favoráveis
terá de aplicar. Para o empregador também é melhor, pois vai ver a mesma lei a aplicar-se a todos
os trabalhadores. O próprio trabalhador, à partida, conhecerá melhor essa lei e poderá ser auxiliado
pelas estruturas sindicais locais. Do ponto de vista do ordenamento jurídico onde o trabalho vai
repercutir as suas consequências socioeconómicas, também há vantagem em aplicar a sua própria
lei. Do ponto de vista da UE também havia a aplicação da sua lei às pessoas que trabalham na UE.
Todo este quadro significará que a lei supletiva seja a lei do local da prestação do trabalho e não a
da residência habitual do trabalhador ou outra.
O nº2 do art. 8º vem dizer que o local da prestação habitual do trabalho às vezes é difícil de
determinar e nos contratos internacionais de trabalho mais ainda. Sobretudo quando o trabalho, às
vezes, consiste na deslocação para vários países para exercer a sua atividade, como é que se
pode dizer que o seu local de trabalho é um ou outro? É um caso diferente do caso de uma
hospedeira que está sempre de um lado para o outro. O nº2 diz-nos que devemos aplicar a lei do
local onde se situa a entidade empregadora. No entanto, a jurisprudência do TJUE tem dado

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uma noção bastante ampla de local de trabalho, dizendo que todos os índices fácticos podem servir
para determinar de entre os vários locais qual é o principal, de onde planeia cada viagem, de onde
regressa de cada viagem que efetua, etc. será sempre possível determinar qual o local de trabalho,
o que esvaziará um pouco o art. 8º, nº2. É possível também aqui recorrer a uma cláusula de
exceção, há vários acórdãos de jurisprudência do TJUE importantes para esta matéria.
Depois temos normas de aplicação imediata que são muito importantes. No caso do contrato
de trabalho, pessoas que sejam residentes em Portugal, se forem contratadas por empresas em
Portugal para trabalhar no estrangeiro, a aplicação de certas normas do CT como as
constitucionais, como o justo despedimento, podem ser tidas como normas de aplicação imediata.
Ex: ryanair – aplicação da lei irlandesa invocada pela ryanair; simplesmente algumas normas do
CT, nomeadamente no que diz respeito ao despedimento ilícito e à forma como se faz o mesmo,
na lei laboral devem ser consideradas normas de aplicação imediata, por isso, perante o foro
português essas normas aplicam-se, independentemente da lei aplicável – art. 9º. Mesmo que a lei
estrangeira não tenha disposições idênticas às portuguesas essas normas têm de se aplicar,
obrigatoriamente.

Contratos com consumidores


Temos uma situação bastante semelhante. O que significa um contrato de consumo? Para
estes efeitos será o chamado business to consumer, é um contrato celebrado entre alguém que
age num quadro das suas ações comerciais e outrem que não age dentro destas ações comerciais
ou profissionais. Para além de ser uma situação desigual, é necessário que o profissional exerça a
sua atividade no país em que o não consumidor resida ou para aí dirija a sua atividade – art. 6º.
Neste contrato é possível a escolha de lei, mas o não consumidor será protegido pelas normas
imperativas da sua residência habitual.

Ou seja, iremos sempre proteger a parte mais fraca – trabalhador e consumidor.

Contrato de transporte, em especial de passageiros


A escolha é possível, mas é limitada. É o único caso em que a escolha não se faz nos temos
do art. 3º, mas nos próprios termos do art. 5º.

Quanto às normas de ordem pública internacional – ver diapositivo


Temos aqui normas que tentam reestabelecer o equilíbrio contratual (cláusulas contratuais
gerais, por exemplo). As normas sobre livre concorrência, as normas de aplicação imediata que
vão derrogar o sistema conflitual. Acórdão do TJUE Acórdão TJUE Ingmar de 9.11.2000, C-381/98
Uma empresa com sede administrativa na Califórnia, EUA, celebra um contrato de agência
com um empresário com estabelecimento no Reino Unido (contrato internacional); as partes
escolheram a lei californiana; no fim do contrato, o agente pede uma indemnização pela sua
extinção (o cargo desaparecia, e deixava de ser agente daquela empresa); aplicou-se os termos
da transposição para o direito inglês da Diretiva 86/653/CEE que protege imperativamente os
agentes com RH na UE. Apesar de ter sido escolhida a lei californiana, houve a inovação de uma
norma de aplicação imediata que é, por sua vez, a transposição de uma diretiva comunitária.

Caso prático (Roma I)

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A, cidadão da República da Zâmbia, com 18 anos de idade e residente no Porto, celebrou,
em Agosto de 2017, um contrato de trabalho a tempo indeterminado com B, empresário luso-
americano da construção civil, com residência também no Porto.
Nos termos do contrato, escrito e assinado por ambos, A seria responsável pela
construção de prédios para habitação situados em Newark, no Estado de Nova Jersey,
E.U.A.
O contrato continha uma cláusula nos termos da qual “o presente contrato rege-se pela
lei em vigor no Estado de Nova Jersey, EUA”.
A iniciou o seu trabalho em Setembro de 2017 e, em Novembro de 2018, recebeu uma
carta de B comunicando-lhe a cessação do mesmo “uma vez que a obra, para a qual fora
contratado, estava concluída”.
A interpõe uma acção perante tribunais portugueses exigindo uma indemnização por
despedimento sem justa causa, nos termos do Código de Trabalho português, ao que B
contesta alegando que nos termos das leis laborais vigentes em Nova Jersey o trabalhador
pode ser despedido a todo o tempo, desde que seja comunicada, por escrito, ao trabalhador
a causa desse despedimento. Quid iuris?

O local de trabalho é nos EUA. Contrato por tempo indeterminado para a construção de prédios.
Temos como guia de resolução que enquadrar o contrato como internacional, justificá-lo
como tal e, por isso, se justifica a escolha de lei e do tribunal competente.
Justificar a aplicação da regra de conflitos atendendo ao âmbito de aplicação material,
territorial e temporal. Há uma relação jurídica extracomunitária, A é nacional da Zâmbia, e B é
luso-americano. O facto de ser extracomunitário afeta de alguma forma a aplicação do
Regulamento de Roma I. Que tipo de contrato é este?
Depois de definirmos isto, temos de ver qual é o contrato em questão e depois regras de ordem
pública.

18/11/2019
Continuação da resolução do caso prático (Roma I)
Temos a celebração de um contrato de trabalho que é internacional. É um contrato que é
celebrado em Portugal, em que uma das partes é um cidadão estrangeiro (A) e a outra parte tem
dupla-nacionalidade (B). Se fosse relevante a nacionalidade de B, qual delas é que íamos
considerar, a americana ou a portuguesa? Temos de olhar para a lei da nacionalidade – art. 27º –
se tivermos uma estrangeira e uma portuguesa qual é que se considerada? A portuguesa. A UE
tem um entendimento muito particular quanto a este aspeto quando uma das nacionalidades é
comunitária, qual a lei que se vai aplicar. Neste caso, não tem particular relevância.
Quais são os elementos de internacionalidade que transformam esta situação num inevitável
conflitos de leis? A nacionalidade estrangeira de A (Zâmbia) e uma das nacionalidades de B,
independentemente de ser a relevante ou não. Há um outro elemento de conexão que é o local do
prestação de trabalho.
No caso, não vamos ter nenhum conflito de nacionalidades porque não é relevante este
elemento de conexão. Mas se é uma situação internacional, visto que há uma nacionalidade
estrangeira, como vamos resolver este conflito de leis? Temos de olhar para o Regulamento de
Roma I. Quais seriam outras alternativas? Quais seriam as outras regras de conflitos em matéria
de obrigações contratuais? A convenção de Roma e as regras do CC art. 41º e 42º.

46
Mas há aqui uma data que é importante para aferir a aplicação do Regulamento de Roma I, 17
de dezembro de 2009. Este contrato foi celebrado em agosto de 2017, sob o ponto de vista
temporal não há dúvidas da aplicação do Regulamento de Roma I – art. 28º do RRI.
Também, do ponto de vista material, não temos dúvidas de que se trata de uma matéria que
está incluída no Regulamento de Roma I (art. 1º, nº1 e nº2 a contrario). Parecia evidente irmos ao
art. 8º do RRI, mas há casos, como um que vamos ver, em que achamos que se deve aplicar logo
o RRI e o seu art. 8º quando estamos perante contratos de trabalho, mas em certos aspetos, como
a responsabilidade pré-negocial do contrato de trabalho, não se aplica o art. 8º e o Regulamento
de Roma I, mas sim no Regulamento de Roma II. Para justificarmos, no nosso caso, que estamos
perante a aplicação do Regulamento de Roma I, temos de dizer que se trata de uma matéria que
esta incluída no art. 1º, nº1 e excluída do art. 1º, nº2.
O tribunal português, nos termos do Regulamento Bruxelas I bis, é um tribunal competente
para apreciar a questão.
Do ponto de vista territorial, o tribunal português vai aplicar o Regulamento de Roma I e não
as regras do CC porque o Estado português é EM da UE. Mas se esta questão fosse suscitada
perante um tribunal de Copenhaga, a Dinamarca é um EM da UE, mas não é um Estado vinculado
a este Regulamento. No tratado de Amesterdão, há três países que não se vincularam a estes atos
legislativos em matéria de recuperação civil e judicial, conflitos de leis e conflitos de jurisdições, a
Dinamarca, o Reino-Unido e a Irlanda. Temos de ter sempre atenção a isto. Neste regulamento de
Roma I, o Reino Unido e a Irlanda estão abrangidos. No regulamento das Sucessões, nenhum dos
três participa. No do divórcio, nem todos os EM participam.
Portugal sim aplicaria o regulamento porque é EM vinculado, porque não fez qualquer reserva.
Só a Dinamarca é que não será EM vinculado. Este regulamento territorialmente aplica-se a
Portugal, não importa que se trate de uma relação extracomunitária. Esta relação laboral era
extracomunitária, o A é nacional de um Estado terceiro, uma das nacionalidade de B é de um
Estado terceiro e o local de trabalho também e, no entanto, aplica-se este regulamento. Mesmo
que a lei aplicável seja a lei da Zâmbia ou a norte-americana, isso não impedia a aplicação do
regulamento. Nunca impede a aplicação do regulamento que a lei aplicável seja de um Estado
terceiro. Mas mais importante que isso é que o tribunal do foro seja um tribunal de um EM vinculado.

Critérios de correção dados pela professora:


1. Questão controvertida: cessação, por despedimento, do contrato de trabalho celebrado por
cidadão estrangeiro residente em Portugal.
Aplicação do Regulamento Roma I (Reg. (CE) n.º 593/2008, do PE e do Conselho, de 17 de
Junho). Verificados os seus âmbitos de aplicação territorial (Portugal, como foro competente
nos termos do art. 21.º, a), do Regulamento Bruxelas I bis, é Estado Membro da UE: art. 29.º,
§2, mesmo tratando-se de uma situação extracomunitária dada a nacionalidade de A
(República da Zâmbia), uma das nacionalidades de B (EUA), a lei escolhida pelas partes (NJ,
EUA) e o local de execução do contrato (Newark, NJ, EUA); o regulamento tem, além disso,
aplicação universal (art. 2.º) podendo aplicar-se a lei de um Estado 3.º; temporal (contrato
celebrado em Agosto de 2017; art. 28.º), e material (arts. 1.º, n.ºs 1, e 2 a contrario, art. 8.º, art.
12.º).

Depois de verificada a aplicação do Regulamento de Roma I, vamos agora ver qual a lei
aplicável ao caso. Se eles tivessem escolhido a lei mexicana, era possível? Havia problema de
internacionalização fictícia? É uma lei que não tem nada a ver com a situação. Mas só podemos
falar neste problema quando se transforma um contrato interno num internacional.

47
A escolha de lei norte-americana não é esdrúxula, é o local da prestação do trabalho e uma
das nacionalidades do B. Mas, na mexicana, não há nenhum ponto de conexão com o contrato.
Havia um problema de internacionalização fictícia? É uma escolha não séria em que o animus
fraudanti existe? Quando a própria regra de conflitos permite uma escolha de lei é uma escolha de
lei irrestrita, a própria regra de conflitos está a dizer que a fraude à lei é irrelevante, não é por causa
de uma escolha de lei que vai haver fraude à lei. Mas não pode é haver internacionalização
fictícia, que consiste em transformar um contrato interno num contrato internacional, só pela
escolha de lei é que ele passava a ser internacional, havendo aqui sempre o limite das normas
imperativas da lei interna.
Mas o nosso contrato é originalmente internacional, ab initio. Não havia internacionalização
fictícia, o contrato é objetivamente internacional.
Art. 3º, nº1 – a escolha era expressa temos uma cláusula direta de escolha de lei e é ainda
escrita (art. 10º). Nº2 não se aplica. O nº3 também não se aplica, não se verifica a
internacionalização fictícia. A escolha da lei foi de um elemento do próprio contrato. Nº4 - temos a
escolha de uma lei de um Estado terceiro, por isso, podíamos estar perante a
extracomunitarização fictícia que ocorre quando a situação é comunitária, todos os pontos de
contacto com países de Estados-membros, e há a escolha de um país terceiro, esta escolha é
válida, mas não prejudica a aplicação das normas imperativas do direito comunitário. Contudo não
estamos aqui perante um desses casos, pois o contrato já é ab initio extracomunitário.

Critérios de correção dados pela professora:


2. Há escolha de lei nos termos do art. 3.º do RRI. É expressa e não há internacionalização
fictícia (art. 3.º, n.º3: o contrato é plurilocalizado atendendo aos seus elementos objetivos,
independentemente da escolha de lei) ou extracomunitarização fictícia (art. 3.º, n.º4: cfr. supra).

O facto de haver referência à lei norte-americana não levaria ao problema dos


ordenamentos jurídicos plurilegislativos? A escolha foi diretamente para o Estado de Nova
Jersey, para aquele sub-ordenamento jurídico e não para o ordenamento jurídico no seu todo. Art.
20º. Se formos ao Regulamento Roma I, no art. 22º, vemos que se a referência for feita a uma
unidade territorial, é uma referência feita a um país como se fosse independente. No fundo, a
advertência da prof. Magalhães Collaço que não deixa de ter razão, vai ser afastada para efeitos
de aplicação – se a própria regra de conflitos já diz a lei da unidade territorial, essa unidade territorial
vai ser vista como se fosse um Estado soberano.

Critérios de correção dados pela professora:


3. Apesar de os EUA serem um ordenamento plurilegislativo, a escolha de lei incidiu sobre o
ordenamento de uma unidade territorial (lei da NJ) nos termos do art. 22.º do RRI
(ultrapassando, assim, a questão colocada por Magalhães Colaço quanto à referência do art.
20.º a um Estado soberano mesmo quando o elemento de conexão, diferente da nacionalidade,
individualiza um sub-ordenamento).

Se não há problema nenhum quanto a esta escolha e se a lei de Nova Jersey considera que
o despedimento pode ser feito a todo o tempo desde que seja adita a causa, A não teria razão.
Questão é saber se no âmbito do contrato de trabalho não temos aqui uma especialidade.
Teríamos de ir para o art. 8º, que se vai sobrepor ao art. 3º em determinadas situações. Art. 8º, nº1

48
– a escolha de lei é válida nos contratos de trabalho, mas o trabalhador nunca pode ficar privado
das normas imperativas que sejam mais favoráveis da lei que seria aplicável se não
houvesse escolha.
Qual é a lei supletivamente aplicável?
 Nos termos do art. 8º, nº2 é a do local da prestação habitual do trabalho. Já vimos
que o TJUE tem sido muito flexível na atribuição de critérios para aqueles que se
deslocam em trabalho constantemente.
 Nº3: se não se conseguir determinar esse local, aplica-se a lei do país onde se situa
o estabelecimento que contratou o trabalhador.
 E ainda, nos termos do nº4, o julgador pode considerar que há uma conexão mais
estreita, não se aplicando nem o nº2, nem o nº3.

Assim, qual é a lei supletivamente aplicável se não tivesse havido escolha de lei? O contrato
é celebrado em Portugal para trabalhar no estrangeiro, aplicando-se assim a lei do lugar onde ele
prestava habitualmente o seu trabalho – Nova Jersey.

Critérios de correção dados pela professora:


4. A escolha de lei é admitida no contrato de trabalho (art. 8.º) mas não pode privar o
trabalhador das normas imperativas mais favoráveis (no caso, as do Código de Trabalho
português exigindo que o despedimento ocorra por causa imputável ao trabalhador e seja
instruído com processo disciplinar, ao contrário do que está previsto na lei de NJ) da lei
supletivamente aplicável do local de prestação habitual do trabalho (art. 8.º, n.º1, in fine e n.º2).
No entanto, A fora contratado a tempo indeterminado para trabalhar em NJ, sendo
precisamente essa a lei supletivamente aplicável, salvo o funcionamento de uma cláusula de
excepção (art. 8.º, n.º 4) em favor da lei portuguesa, o que não parece ser o caso dado o local
de execução do contrato.

Eventualmente podíamos recorrer a dois mecanismos de salvaguarda. Por um lado, a


ordem pública. Por outro, as normas de aplicação imediata (art. 9º). A própria jurisprudência
portuguesa já considerou que quando o contrato é celebrado em Portugal por residente em Portugal
e o vai ser realizado no estrangeiro, as normas que regulam o despedimento, nomeadamente o
sem justa causa, são consideradas normas de aplicação imediata. Por esta via, este trabalhador
podia ser protegido pelo art. 9º enquanto norma de aplicação imediata. Ou até, eventualmente,
através da ordem pública internacional, sendo aplicável uma lei estrangeira cujo conteúdo seja
manifestamente contrário aos princípios fundamentais do foro, a proteção do despedimento ilícito
tem até salvaguarda internacional. Mas havendo já jurisprudência que considera estas normas de
aplicação imediata, seguia-se neste sentido.

Critérios de correção dados pela professora:


5. No entanto, A poderia invocar que as normas sobre despedimento do CT português são
normas de aplicação imediata, seguindo alguma jurisprudência (cfr. Ac.RL 5.07.2000) nos
termos do art. 9.º do RRI, uma vez que A era residente em Portugal à data da celebração do
contrato.

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25/11/2019
Regulamento Roma II
O facto danoso, se ocorrer depois de 11/01/2009, significa que a matéria em causa já será
abrangida pelas soluções conflituais do Regulamento de Roma II. É um regulamento que apesar
de ser de data anterior ao Roma I, entra em vigor só depois deste. Diz então respeito às obrigações
extracontratuais, enquanto o Roma I, às obrigações contratuais.
Vamos começar pelas regras do CC – se o facto danoso ocorrer antes desta data aplicamos
o CC: arts. 43º, 44º e 45º CC, que nos referem situações que geram obrigação de indemnizar, não
apenas de responsabilidade civil extracontratual, mas também obrigação de indemnizar
nomeadamente em virtude de gestão de negócios ou enriquecimento sem causa. No CC
percebemos que o legislador teve como critério localizador em toda esta matéria: o facto que gera
a obrigação de indemnizar, ou o reembolso no caso da gestão de negócio (e ainda restituição no
caso do enriquecimento sem causa). Esse facto será relativo a um dos intervenientes da relação
jurídica e vai permitir a localização.
Diz que é aplicável a lei do local onde ocorre a principal atividade do gestor – porque é
essa que vai gerar eventualmente a obrigação de reembolso por parte do dono do negócio. Será o
lugar onde a atividade ocorreu, a lei mais próxima. É isto que resulta do art. 43º do CC.
No art. 44º temos referido o enriquecimento sem causa – regulado pela lei com base na qual
se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido – ou seja, no fundo a lei do
lugar onde se verificam o tal facto gerador desta obrigações. Neste caso, uma obrigação de
restituição (e não reembolso) – o que enriqueceu à custa do outro, deve restituir-lhe estes
montantes. É o que se gera por exemplo, na união de facto: como não há um regime de bens, na
rutura da união de facto, podem existir situações onde houve um cumprimento espontâneo de
obrigações alheias - ex: o facto de ambos os cônjuges pagarem as quantias do empréstimo/mútuo
que um deles fez para aquisição de imóvel (a casa de morada de família), e que há essa pagamento
– na rutura da UF, à exceção das regras da casa demorada de família, não há regime de bens,
mas pode haver recurso ao enriquecimento sem causa – pode o que tiver pago essas prestações
pedir a sua restituição, porque o outro ficou enriquecido com a aquisição de uma casa. A atividade
que gera a obrigações de restituir há de ter tido um local.
Depois temos a responsabilidade civil extracontratual – art. 45º o CC – continua a ter alguma
importância em matéria de factos geradores de responsabilidade extracontratual, mesmo que
tenham ocorrido depois de 11/01/2009. Podem existir situações que geram obrigação de
indemnizar em sede de responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente a prática de factos
ilícitos, mas que estão fora do âmbito de aplicação material do Regulamento Roma II – e aí
obviamente que não lhe serão aplicáveis estas normas do regulamento, mas sim as do CC. Mesmo
se forem factos ocorridos depois de 2009, mas que não lhes é aplicável o regulamento, desde logo
– a violação dos direitos de personalidade. Vigora assim em Portugal, um critério que é comum –
a chamada lex loci deliti comissi – ou seja, a lei do lugar onde foram cometidos/praticados os
delitos ou os ilícitos – expressão muito redutora (na responsabilidade extracontratual, também
temos factos lícitos e ainda a responsabilidade por omissão). Mas, esta é uma regra clássica,
quando falamos no Babcock vs. Jackson - era esta a solução do tribunal de NY, o acidente tinha
corrido no Canadá, aplicava-se a lei canadiana, mas depois considerou aplicar-se a lei canadiana
por ser mais próxima dos factos.

50
Mas esta não é a solução única – há ordenamentos jurídicos que não preferem a lei do lugar
onde decorre a atividade geradora de obrigações (indemnizar, restituir, compensar), a atividade
lesiva, para se centrar no lugar onde ocorreu o dano, que pode ser diferente - uma perspetiva mais
punitiva. Podemos ter de facto uma décalage temporal e espacial entre a prática de um ilícito e o
lugar onde ocorrem os danos – ex: conteúdo ilícito colocado na internet que ofende direitos de
personalidade, que ocorre num determinado local, local por exemplo onde se colocou a fotografia
no Facebook, e que é visualizado mais tarde. Será no momento em que o(s) bem(s) jurídico(s)
tutelado(s), que são os direitos de personalidade, são ofendidos que se dá o dano – ou seja, no
momento em que são visualizados determinados conteúdos, a partir do momento em que aquela
notícia é visualizada noutro país, é nesse momento (que pode não corresponder ao momento em
que são introduzidas as mensagens e fotos) - há uma décalage temporal. Ex: uma fábrica de
conservas que produz conservas defeituosas, mas que só passado algum tempo, e noutro país, é
que vão ser consumidas e vão causar danos à saúde – há aqui um bem jurídico que é tutelado, a
integridade física, e que só vai ser afetada em momento posterior e em lugar diferente do de fabrico
(onde a produção defeituosa ocorre). Há ordenamentos jurídicos que dão relevância a este 2.º
momento – onde o bem jurídico tutelado é ofendido e não o lugar onde ocorre a atividade ou
comportamento (lícito ou ilícito, ou até omissão).
Este chamado estatuto delitual, nos termos do art. 4º5, adotou a tese do lugar da conduta,
onde ocorreu o facto jurídico que dá ordem à obrigação de indemnizar - art. 45º/1. A solução do n.º
1 é uma solução tradicional do lugar da prática do facto/da atividade causadora do prejuízo, do
delito em si mesmo, como atividade ou comportamento que produz dano. Recusou-se a outra
teoria, a do dano, ou do efeito lesivo – o lugar onde ocorre o efeito. Mas se olhamos para o n.º 2
temos aqui um desvio – se a lei do estado onde se produziu o efeito lesivo, “considerar como
responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do pais onde ocorre a atividade (…)” –
isto significa que em primeiro lugar, é um desvio em favor da lei do lugar do efeito lesivo (ou seja,
pressupõe que há diferença entre essas leis), e ainda necessário que essa 2.ª lei (a lei do lugar
onde ocorreu o dano), tenha que considerar o agente responsável → a lei do lugar da pratica do
ilícito – isto quando a lei da principal atividade, não o considera responsável e o agente deveria
prever a consequência do dano naquele ligar. A ideia é tutelar a vitima nas situações em que a lei
referida no n.º 1 (lei do lugar da pratica da atividade lesiva), não ia considerar o agente responsável,
e a vitima ficava sem indemnização, mas se essa lei não considera esse agente responsável,
ficando a vitima sem indemnização, vamos procurar uma outra lei, próxima da situação – onde
ocorreu o dano. Vamos a esta, e esta, para valer a pena a mudança, tem de considerar o agente
responsável. Há aqui uma ideia de mudar de lei para garantir uma indemnização que de outra
maneira não seria garantida. Necessário ainda que o agente, que pratica a atividade lesiva,
pudesse prever que o dano ia ser causado naquele pais que agora o vai ter como responsável. É
isto defender a expetativa do agente? Não é bem uma questão de expetativa, mas uma ideia de
que as consequências jurídicas, especialmente as negativas têm de ser previstas e calculadas,
para que as pessoas possam, de boa fé, adequar o seu comportamento àquelas consequências
jurídicas (norma paralela no art. 55º/2).
Ex: se o agente neste caso não tinha previsto que os danos fossem ocorrer naquele país,
não se lhe pode aplicar a lei daquele país só porque essa o considera responsável porque ele não
tinha essa previsão em termos de consequências jurídicas. Isto pressupõe que a regra do n.º 2 não
deva ser aplicada à responsabilidade pelo risco, mas apenas à responsabilidade pelos factos
ilícitos, porque mesmo na lícita, assim como no risco, a conduta em si não é valorizada, não deve
até ser punida nesse sentido de ter uma consequência negativa, e portanto, a ideia é não aplicar
uma lei com que o agente não podia razoavelmente contar - mas a conduta do agente vai ser
especialmente sancionada e só se aplicará nessa situações dos factos ilícitos.

51
Há quem defenda que esta norma deva ser aplicável mesmos nas situações em que a lei do
lugar da prática do facto do art.º 45/1 concedesse uma indemnização, mas que ela fosse muito
diminuta em relação à lei da ocorrência do dano (que é extensível a estas situações – quando há
um diferença muito expressiva). Se a do art.º 45/1 não concede e a do art.º 45/2 concede, esta
última aplica-se.
Nos termos do art. 45º/3 diz que se porém “o agente e lesado tiverem a mesma
nacionalidade ou RH (…)” – a situação de NY – Babcock vs. Jackson – ambos de NY, e estão
ocasionalmente no Canadá. Temos aqui uma solução idêntica à dos EUA. Há aqui uma referência
implícita às normas de aplicação imediata. Estas são as regras do CC que se aplicarão aos factos
lesivos ocorridos até àquela data, salvo os que possam ter ocorrido depois e os que o próprio
Regulamento Roma II exclui.
A partir do momento que ocorrem depois de 11/01/2009, temos um novo quadro conflitual -
vamos para o regulamento. Este tem uma estrutura muito semelhante ao regulamento Roma I, é
um conjunto de regras de conflitos que se aplicam às obrigações extracontratuais independente do
compromisso e relação especifica que exista entre as partes – e mesmo que esta não se venha a
estabelecer (pré- contratual), e mesmo que haja uma certa atenção a uma eventual relação pré-
existente entre as partes → há problema de responsabilidade civil extracontratual, mas as partes
estavam ligadas por um contrato trabalho, matrimonial ou até de transporte, por exemplo. A
preocupação deste regulamento é definir a lei aplicável às obrigações que existam
independentemente desse compromisso assumido pelas partes. Não é um regulamento que se
preocupe com critérios de competência jurisdicional – os que aqui vamos aplicar são os que
resultam do Regulamento de Bruxelas I bis (saber se o tribunal é competente).
Aplicação:
• Ponto de vista territorial: Aplica-se a todos os EM cujos órgãos jurisdicionais
sejam competentes nos termos do regulamento Bruxelas I bis, à exceção da
Dinamarca. O RU vinculou-se a esta regulamento, até ver.
• Do ponto de vista temporal: a partir de 11/01/2009.
• Do ponto de vista material: temos uma primeira definição que nos surge no
art.º 1 - definição genérica. Tal como acontecia no Regulamento Roma I,
podemos ter relações que geram ao mesmo tempo situações de
responsabilidade civil, reembolso, enriquecimento sem causa.

Desde logo, diz que são excluídas as obrigações do art. 1º n.º 2 – uma relação de família
que pode gerar uma obrigação de indemnizar, como acontecia no caso por exemplo do divorcio em
Portugal, quando do facto do divórcio decorre uma obrigação pelos danos causados com a
obtenção desse divórcio – diferente de uma responsabilidade decorrente tão so da violação de
deveres conjugais.
Há aqui uma aliena particularmente importante – a al. g) – obrigações extracontratuais que
decorrem da violação da vida privada, direitos de personalidade (…) – à partida esta matéria esta
excluída do regulamento (na proposta do regulamento estava incluída), houve lobbis dos meios de
comunicação social. Há quem defenda entre nós – Anabela Gonçalves defende uma interpretação
restritiva desta al. g) que so deverá aplicar-se aos chamados delitos de imprensa (elemento
histórico), quando a difamação/violação que gere obrigação de indemnizar ocorra através da
impressa. Se fosse por exemplo no Facebook já poderia estar dentro do regulamento.

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Quid iuris se considerarmos que se trata de uma violação de direitos de personalidade fora
dos chamados delitos de imprensa, ou que está fora da aplicação do regulamento porque
não achamos que seja feita um interpretação restritiva?
Aplicam-se as regras do CC → art. 45º. Temos sempre de tentar verificar se a questão/litigo
gera uma obrigação de indemnizar (incluindo gestão de negócios, enriquecimento sem causa,
responsabilidade pré-contratual, algumas situações de violação de propriedade intelectual e
concorrência desleal).
Este regulamento, ao contrário dos outros, tem uma coisa boa, o dizer o que devemos
considerar quando falamos de EM – n.º 4 – qualquer EM com exceção da Dinamarca. Problema –
vai haver uma norma paralela no âmbito do regulamento ao art.º 3 n.º 3 e 4 do regulamento Roma
I quando ao exercício da autonomia conflitual. E quando se referia ao direito comunitário aplicável
a todos os EM, tínhamos de aplicar a todos o EM, mesmo à Dinamarca, a Dinamarca só não esta
vinculada no DIP.
Para efeitos do regulamento o dano abrange todas as consequências (…) – art. 2º (inclui a
pré-contratual – culpa em contraendo). Há aqui uma referência aos danos futuros que estão
incluídos no conceito de dano.
Outra questão importante – a aplicação universal – art. 3º podemos aplicar a lei suíça, ou
brasileira, porque isso resulta dos termos do regulamento, a aplicação dessa lei, não está confinado
às relações intracomunitárias.
Quanto á estrutura: começa pela responsabilidade civil e depois os casos especiais, da culpa
em contraendo, propriedade intelectual (…) – conexões supletivas – art. 4º.
Vamos ao art. 14º – autonomia conflitual. Este artigo aplica-se a todas as situações embora
a autonomia conflitual esteja expressamente excluída em alguns casos – violação de propriedade
intelectual, concorrência desleal ou atos que excluam a livre concorrência – art. 6º n.º 4 (negação
da autonomia conflitual), e depois no art. 8º n.º 3 em que se diz a mesma coisa. O art.º 14 é a
norma de referência à autonomia conflitual e essa autonomia está aqui restringida/proibida netas
duas matérias.
O art. 14º, tirando estes dois casos, será uma regra geral de exercício de autonomia
conflitual. A estrutura aqui é semelhante ao Regulamento de Roma I. A autonomia privada tem de
ser vista com muita cautela. Art.º 14 – liberdade de escolha – poder escolher a lei reguladora de
responsabilidade extracontratual. Aqui poderá haver alguma limitação, pode ser uma lei qualquer
como no Regulamento Roma I, mas há condicionalismos de modo e tempo:
Diz-nos o n.º 1 que esta escolha de lei só pode ocorrer entre o agente e o lesado (não é
partes de um negócio jurídico em que há equilíbrio), um agente que gera a obrigação de indemnizar
um lesado/vitima – um desequilibro entre as posições jurídicas – só depois do facto ocorrer é que
vitima pode perceber a extensão dos danos e a importância de escolher uma outra lei
(nomeadamente leis que protejam a vitima) – preocupação em que só depois da ocorrência do
facto que dá origem ao dano, independentemente do momento em que ele ocorreu, so depois por
acordo expresso ou tácito se vai escolher a lei. O art. 14.º da uma alternativa – b) n.º 1 – esta
obrigatoriedade do acordo de escolha de lei ocorrer depois do facto, só se aplica se o lesado e
agente não forem partes numa relação contratual – aí pressupõe-se que há mais equilíbrio por
parte dos intervenientes, não há aqui uma parte mais vulnerável, e havendo uma relação contratual
pré-existente, as partes podem ao elaborar/celebrar o contrato prever logo qual a lei aplicável à
eventual responsabilidade extracontratual que ocorra entre elas (não tem de ser a mesma na
responsabilidade contratual). Temos que olhar para os intervenientes nesta situação. Não falamos

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apenas de responsabilidade civil extracontratual, mais todas as situações em que há obrigação de
indemnizar, reembolsar ou restituir. Pode-se escolher a lei, pode ser antes da ocorrência do facto
se já entre as partes existir previamente uma relação ou atividade economia. Se não o fazem,
mediante convenção posterior ao facto.
Depois temos o n.º 2 e n.º 3 que são sensivelmente iguais ao art. 3º n.º 3 e 4 do Regulamento
Roma I. Caso todos os outros elementos se considerassem num outro país, a escolha de lei em
favor de uma lei diferente não prejudicará as normas imperativas da única lei em contacto com a
situação – tentava-se impedir a internacionalização fictícia no caso do contrato ser completamente
interno. Havia ainda um n.º 4 que falava na extracomunitarização fictícia. A noção de EM, neste n.º
3 do at.º 14 – no regulamento Roma I inclua Dinamarca, mas este Regulamento Roma II não o faz
– apesar de Roma II, é anterior ao Roma I. No Roma I surgiu a formulação mais perfeita. Aqui é a
mesma coisa, mas em vez de contrato, uma facto que dá origem ao dano. Também aqui, se todos
os elementos relevantes no momento do facto do dano se situam num país que não a lei escolhida,
não pode haver revogação das normas imperativas do único pais em conexão com a situação –
proibição de internacionalização e extracomunitarização fictícia, tal como no Regulamento Roma I.
Temos o âmbito material da lei aplicável – art. 15º; normas de aplicação imediata; exclusão
do reenvio (…).
Cada uma destas matérias, responsabilidade pré-contratual, concorrência desleal (…), tem
regimes especiais, para além do supletivo. Vamos ver a responsabilidade civil - o art. 4º – regra
geral – solução supletiva – lei do país onde ocorre o dano – teoria do dano. Temos uma conceção
bastante diferente. Na maior parte dos casos o dano e o efeito do dano são praticamente
simultâneos, mas há situações em que não. E aí o legislador preferiu o local do dano, numa
conceção delitual digamos valorizando a função compensatória, e que desliga um pouco da função
sancionatória – vai ser aplicável mesmo que a conduta seja licita, ou seja arriscada… a ideia aqui
é mais compensar a vítima que sancionar o agente. Visão compensatória e não sancionatória que
justifica a aplicação da teoria do dano. É a lei do ordenamento jurídico onde ocorre o dano,
independentemente do sítio onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano ou onde correm
consequências incertas.
No n.º 2 temos uma exceção, “todavia…” solução paralela ao art.º 45/3 – não se refere a
nacionalidade, defende-se a residência – se há uma residência no mesmo país, essa é a lei aplica.
Depois temos uma cláusula de exceção no n.º 3 (um bocadinho diferente) – possibilidade que órgão
de aplicação do direito tem de dizer que a lei aplicável seria a de ocorrência do dano, se tivessem
a mesma residência, seria essa, mas se há uma outra lei que tem uma conexão muto mais estreita
a todos os níveis, aplica essa. Mas tem uma 2.ª parte – “poderá ter” - não é o facto de as partes
estarem ligadas por um qualquer contrato, mas o facto de as pessoas estarem ligadas por
responsabilidade civil em causa – ex: se a responsabilidade civil ocorre numa situação em que o
trabalhador tem algum descuido relativamente ao património de um cliente e isso gera obrigação
de indemnização – como foi no decurso do contrato de tralado, este pode ter a sua influencia. A
cláusula de exceção funciona em função de uma lei com uma conexão mais estreita e quando há
uma relação entre as partes ligadas por um contrato, esse pode este ser um exemplo dessa ligação.
Mas não é vinculativo.

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09/12/2019 + 02/12/2019 (reposição)
Exame final 04.01.2016
B sai de Portugal, à boleia com um amigo, e tem um acidente em Espanha. Duas semanas
depois do acidente, o lesado e o condutor do veículo fazem um acordo, estabelecendo como lei
competente a lei Suíça, por escrito. B regressa a Alemanha, tem uma carta da companhia de
seguros que tem o valor da indemnização, com a qual ele de depara, tendo um valor reduzido.
2. Terá Basílio direito ao ressarcimento total dos danos sofridos no acidente de viação
ocorrido em Tordesilhas? Aplica-se a lei suíça como acordaram ou outra lei?
Estamos perante uma hipótese de responsabilidade civil extracontratual, isso decorre do
acidente de viação. Estando em causa uma situação internacional como esta, e começando por
dizer, que a hipótese descrita é uma situação privada internacional, temos um lesado português,
acidente em Espanha, o lesante vive na Alemanha, mas os factos ocorrem em Espanha. Os danos
também ocorrem em Espanha, são imediatos. Temos um conflito de leis que tem de ser resolvidos
com regras de conflitos. Temos responsabilidade civil extracontratual, e uma situação internacional.
A partir daí aplicamos as regras de conflitos.
Neste caso, aplicamos o regulamento Roma II – matéria de obrigações extracontratuais, e
atendendo ao critério material, se não fosse o Roma II, aplicávamos o art. 45º do CC. O que vai
determinar a aplicação do regulamento é o momento em que foi praticado o ato ilícito – temos
normas transitórias no regulamento Roma II, que nos definem a aplicação deste em vez das regras
de conflitos dos estados-membros aferindo a um momento, não é a propositura da ação, mas sim
o momento da ocorrência do facto danoso – que origina o dano. Este regulamento Roma II não se
cinge à responsabilidade civil extracontratual, podemos ter responsabilidade por factos lícitos, pelo
risco (…) e ainda outras situações que podem gerar obrigações extracontratuais (gestão de
negócios, enriquecimento sem causa). O facto ocorreu em meados de 2015 – não temos data certa,
sabemos que é posterior a 2015. 2015 já é dentro do âmbito temporal do regulamento – temos de
ir verificar ao regulamento (art. 31º + art. 12º). O âmbito de aplicação material teríamos de
justificadamente dizer que se trata de responsabilidade civil extracontratual e que há uma regra
específica no regulamento quanto a essa questão – art.º 4 e não é uma questão excluída (art. 1º
n.º 2 a contrario), nas exclusões que vimos. Esta questão enquadra-se no conceito quadro do
regulamento de Roma II.
Territorialmente, podia ser aplicado em Portugal? Sim, Portugal é um estado membro e
esta vinculado por este regulamento.
Mas aplicamos este art.º 4 ou a lei escolhida pelas partes – neste caso a lei suíça? Esta
escolha é valida? Quais as especificidades desta escolha de lei? Questão resolvida no art. 14º do
Regulamento – a escolha foi expressa ou tácita? Expressa (até foi reduzida a escrito). Escolheram
a lei suíça – mas esta não esta ligada de alguma forma, do ponto de vista objetivo, relacionada com
esta situação internacional. Só há uma ligação – o lugar da celebração do casamento da vítima –
o B – mas esse nada tem que ver com a situação que agora foi gerada. Não há ligação objetiva
com a lei suíça, mas há escolha de lei – mas é possível escolher uma lei que não tenha ligação
com a situação sub judice? Sim, art. 14º – mas há aqui uma cautela – mas, esta escolha foi feita
antes ou depois da ocorrência dos danos? Depois, por isso respeita o momento temporal do art.
14º. O facto de ser a lei suíça, sabemos que não é um estado-membro, o regulamento é de
aplicação universal, mas a escolha de uma lei de um estado não membro, não sujeito ao direito
comunitário pode ser olhada com reservas – problema de extracomunitarização – quando pela
escolha da lei de estado não membro, tornamos uma situação exclusivamente comunitária numa
situação extracomunitária, e aí o regulamento vem dizer que essa escolha é valida, mas não vai

55
implicar que o estado membro do foro, não vá impedir que esse tribunal aplique no caso as normas
imperativas de direito comunitário, como seriam aplicadas pelo estado-membro do foro. Se existir
por exemplo uma diretiva transporta, e esse direito comunitário contiver normas imperativas quanto
a essa matéria, a escolha de lei não pode revogar essas normas. Não há qualquer problema na
escolha, mas há uma reserva das normas imperativas comunitárias. Mas isso só acontece se a
situação for ab initio comunitária – mas o agente é de nacionalidade brasileira, uma nota dissonante
– a situação não é totalmente comunitária, logo não há esse limite. A lei suíça é uma escolha valida,
não há limitação (apenas se fosse uma questão exclusivamente comunitária). Esta lei suíça que
está a restringir a cobertura dos danos por parte da seguradora pelo motivo de condução sob o
efeito de álcool poderia ter contornos diferentes no regulamento, mas não é o caso.

3. E se Basílio tivesse contratado com Carlão, que era taxista de profissão, o


transporte até ao Porto, acordando simultaneamente, nesse momento, a aplicação da lei
suíça à cobertura de danos em caso de acidente?
O momento do acordo da escolha de lei foi feito antes dos danos. O art. 14º, sobre esta
questão diz-nos que tem de ser “convenção posterior ao dano” ou caso “todas as partes
desempenhem atividades económicas” – e aqui todas exercem? Não, apenas C que era taxista.
Não se diz nada de B, e apesar de ser um contrato, B pode ser um mero particular que contratou,
não age aqui como um profissional, a possibilidade da al. b) não se verifica aqui. Este equilíbrio de
posições jurídicas que se exige, não existe neste caso, apesar de existir um contrato, não se diz
que B é um profissional, logo continua a haver desequilíbrio, logo, este acordo aqui não seria válido.
Só seria nos termos da al. a) – depois da ocorrência do acidente. Se não é aplicável, qual a lei
aplicável? Art.º 4 que nos remete para a regra geral – a lei onde ocorre o dano – lei espanhola
– mas n.º 2, quando as partes tem a mesma residência habitual, aplica-se essa – alemã – ou
seja, aplica-se a lei alemã.
N.º 3 – cláusula de exceção – relação pré-existente entre as partes – neste caso, o contrato
de transporte e que tem que ver com a situação gerada – foi por causa do transporte que ocorre o
dano. A lei reguladora do contrato de transporte, teríamos de ir ver qual era, e se esta relação tinha
de facto alguma incidência. A lei reguladora deste contrato era o art. 5º n.º 2 do regulamento Roma
I – aplicaríamos também a lei alemã, a mesma que se aplicava pelo n.º 2 do art. 4º do Regulamento
Roma II – logo, não seria de recorrer à clausula de exceção.

DIREITO MATRIMONIAL:
Neste âmbito vamos sublinhar, em primeiro lugar - a questão da relação matrimonial
enquanto ato (requisitos de validade formais e materiais, e substancial do casamento enquanto
ato) – art. 49º, art. 50º e art. 51º. Depois temos a relação matrimonial como estado – quais os
efeitos que produz uma relação matrimonial internacional – quer pessoas quer patrimoniais – art.
52º, 53º, 54º. A relação da união de facto é semelhante, e para a qual não há regra de conflitos,
mas, não em relação à sua forma (apesar de poder haver também uma união de facto no
estrangeiro que tenha requisitos formais), e quanto muito aplicaríamos estas regras do art. 49º ao
art. 51º analogicamente; mas o mais determinante é a aplicação das regras de conflitos quanto ao
estado – arts. 52º a 54º. A união de facto, nos termos da lei portuguesa é uma relação que existe
enquanto está a produzir efeitos e não de um acordo de vontades – existe enquanto estado, e
portanto podemos aplicar estas regras do CC, aceitando uma interpretação muito ampla do
conceito quadro “relações entre cônjuges”; que engloba outras, ou se não conseguirmos a
interpretação ampla, podemos aplicá-las analogicamente. Vamos deixar de lado a união de facto.

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Vamos concentrar-nos do direito matrimonial – quando há casamento e depois também a
dissolução do casamento – o divórcio – art. 55º do CC. Temos hoje regulamentos europeus: o
regulamento 1259/2010 – o regulamento sob a lei aplicável ao divorcio internacional, que de facto,
em relação às ações de divórcio proposta já depois de 2012, vão ser apreciados sob este
regulamento e não nos termos do art. 55º (este cada vez terá menos importância). Temos ainda o
regulamento da EU que se refere apenas a efeitos patrimoniais (chama-lhes regime de bens, mas
não esta correto) – quanto a esta questão o regulamento 2016/1103, ou seja, os efeitos pessoais,
continuam a ser regulados pelo CC (art. 52º e ss.). Este regulamento só se vai aplicar aos
casamentos celebrados depois de 2019 e às ações propostas depois de 2019, todos os
casamentos celebrados antes de 2019 e que oferecem alguma divida quanto á determinação do
seu regime de bens, em reação a essas continuam a aplicar-se as regras de conflitos do CC. Temos
aqui uma continuação da aplicação durante alguns anos das regras de conflito antigas do CC. Há
ainda uma outra situação – em relação aos casamentos anteriores celebrados ate 2019, as partes
poderão escolher a lei aplicável ao seu regime de bens, coisa que nunca poderiam ter feito nos
termos do CC (não permite escolha de lei para os casamentos internacionais nos regimes de bens),
desde que o façam nos termos do regulamento. Situação complicada em termos de sucessão de
leis no tempo.
Do ponto de vista da competência internacional, em matéria de divorcio, vale o regulamento
de Bruxelas II bis – 2201/2003 – este regulamento é o que determina os tribunais competentes
em matéria de divórcio e noutras questões. Já o regulamento 2016/1103 tem as suas próprias
regras de competência internacional e relativamente ao reconhecimento de decisões de outros
estados-membros.

Casamento enquanto ato:


Art. 49º – aquilo que diz respeito à validade substancial do casamento, onde podemos inserir
o casamento entre pessoas do mesmo sexo, casamento católico obrigatório – a lei pessoal de cada
nubente: se a pessoa é capaz, se disse o que queria, se o casamento em si era valido, por exemplo
do ponto de vista da existência jurídica, nomeadamente casamentos entre pessoas do mesmo sexo
nos vários ordenamentos jurídicos (…). A solução pode ser cumulativa – a lei nacional de um dos
cônjuges pode impedir o casamento e a outra não. Falamos deste artigo a propósito da ordem
publica.
Quanto ao art. 50º e 51º, falamos de forma – quando falamos de forma do casamento em
Portugal, falamos da sujeitação a uma serie de requisitos que o casamento civil implica (ex:
organização previa do processo de casamento, antes do casamento, outras leis não será assim; a
própria solenidade, o CRC descreve a cerimónia do casamento, documentação necessária. Uma
série de formalismo e solenidade. Depois, na lei portuguesa, uma terceira fase da forma – o registo
obrigatório do casamento.
Quando é que os nubentes, sendo eventualmente estrangeiros, tem de seguir esta
formalismo? E aqui quando é que os nubentes sendo portugueses, e celebrando o casamento no
estrangeiro tem de seguir este formalismo? O art. 50º – a lei do lugar da celebração, ou seja, os
estrangeiros que casam em Portugal segundo a lei portuguesa tem que respeitar os termos do
CRC, na forma do casamento civil português, se os portugueses celebram em Espanha ou França
tem de fazer o mesmo com as formalidades prevista nesse ordenamento jurídico. Mas, muitas
vezes, as pessoas quando casam no estrangeiro, desejariam casar segundo a sua lei pessoal – e
essa possibilidade é aberta pelo art. 51º – o casamento consular – lei pessoal de qualquer um
dos nubentes. Para isso, as pessoas tem de se dirigir aos agentes diplomáticos ou consulares do
estado em que se situam, e no respeito consulado ou agente diplomático vão celebrar o casamento

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segundo a sua lei pessoal (estrangeiros em Portugal, e portugueses no estrangeiro). Se for o caso
dos estrangeiros em Portugal, só se permite o casamento consular se nesse ordenamento
jurídico da nacionalidade em questão, permitir o mesmo para os portugueses, o casamento
segundo a lei pessoal portuguesa – reciprocidade exigida pelo art. 51º/1. Diz-nos o n.º 3 –
esta já não é uma norma de conflitos, há uma imposição – porque é normal, é um casamento
português, de direito português, por um português no consulado português, logo, a formalidade
prévia do casamento tem de ser cumprida.
A organização prévia é vista como uma formalidade. Esta norma é muito discutida, na
medida em que o CRC em uma norma paralela, que não esta bem circunscrita – fala nos
casamentos celebrados segundo a lei local - mas não esta bem, porque esta lei local pode não
exigir essa organização previa. O caso dos casamentos urgentes, não são precedidos de
organização previa, logo, há um regime imperativo de separação de bens, as não é so nos urgentes,
é quando deveria ter sido feito e não foi – mas e se os portugueses no estrangeiro celebram o
casamento sem esta organização prévia? Não há anomalia se for segundo a lei local, se foi o
casamento consular é que tem problemas - preterição de formalidade de direito português.
O n.º 4 – se os portugueses vão a França e celebram o casamento católico, com a ressalva
de que em França há uma sistema de casamento civil obrigatório (o canónico não tem validade
nenhuma, tem de celebrar o civil) – mas se os portugueses celebram apenas o casamento católico
em França? Porque não celebram também um casamento civil, para estarem casados à luz do CC
francês? Havia quem o fizesse porque o casamento católico não era dissolúvel à luz da lei
portuguesa antes de 1995, e por isso as pessoas não o celebravam cá mas sim em França para
estarem do “ponto de vista de Deus” casados, mas não estarem ao abrigo da concordata de 1940
que considerava o casamento católico indissolúvel. Assim, o legislador criou esta norma – hoje em
dia pode ter um efeito muito útil e específico – se é valido como casamento católico – sujeito à
reserva jurisdicional do art. 1625º - só será declarado nulo segundo os tribunais eclesiásticos. A lei
portuguesa tem no estrangeiro duas possibilidades de celebração do casamento: católico nos
termos do código canónico e casamento consular.

Casamento enquanto estado:


Quanto aos efeitos – no art. 52º vemos uma referência no conceito-quadro a relações entre
cônjuges. As relações entre os cônjuges podem ser pessoais ou patrimoniais, e o art. 52º diz que
salvo o disposto no art.º seguinte as relações entre os cônjuges serão reguladas pela lei nacional
dos cônjuges comum, se não existir, a residência habitual de ambos, e se não existir a lei mais
próxima da vida familiar. Se este artigo se refere ao disposto no art.º seguinte, resta saber o que
esta no art.º seguinte – o art. 53º – que fala sobre os regimes de bens legais ou convencionais e a
validade das convenções antenupciais. Se temos isto, no fundo temos aqui somente uma
circunscrição da mateira dos efeitos patrimoniais do casamento aos regimes de bens tal e qual eles
são entendidos – uma forma de regular a titularidade dos bens, se são próprios, comuns (…).
Regimes legais ou convencionais ou até regimes imperativos como o do art. 1720º, são no fundo
um conjunto de regras que definem a titularidade dos bens e a alguns efeitos patrimoniais que
esteja ligados a esse regime de bens. Isto significa que entre o art. 52º que fala da relação entre
os cônjuges e o art. 53º que fala de regime de bens, há uma zona de indefinição – o regime
matrimonial primário – as normas que definem aspetos patrimoniais do casamento mas que não
estão ligadas ao regime de bens em concreto, mas se aplicam a todos (regras de administração de
bens, casa de morada de família…).
Há uma serie de regras que de facto não dependem de uma regime de bens, mas que
também não são pessoais – de alguma forma o dever de assistência é simultaneamente pessoal e

58
patrimonial. Onde devemos enquadrar o regime primário do casamento, que ainda e
patrimonial mas que é geral e que são normas geralmente imperativas? Terá de ficar no art.
52º – ele é claro quando diz que o art. 52º se aplica a todas as relações entre os cônjuges à exceção
do n.º seguinte – e esse sim refere-se apenas aos regimes de bens em sentido estrito. Mas também
podemos ver isso com o próprio elemento de conexão – ao escolhe-lo pensou que tipo de matérias
seriam resolvidas por ele – a diferença do elementos de conexão do art. 52º e art. 53º
aparentemente é nenhuma – dizem exatamente o mesmo, 1º o lugar lei nacional comum dos
cônjuges e depois a residência habitual comum dos cônjuges, mas no art. 53º refere a lei nacional
ou a lei da residência habitual ao tempo da celebração do casamento, e o art. 52º é omisso
quanto a esse momento temporal. Ou seja, ex: A, nacionalidade espanhola, e B nacionalidade
portuguesa - residem em Portugal quando casam – imigram para a Alemanha. Num qualquer
problema atinente ao regime de bens, não em sentido estrito, mas a uma divida geral, regime
matrimonial primário – aplica-se a lei alemã – lei do lugar da residência habitual ao tempo da divida
tal como se fosse uma ilegitimidade conjugal. O art. 52º, como não trata só de relações pessoais
mas também de patrimónios gerais, favorece a dimensão pessoal ou institucional do casamento, e
vai-se adaptando a vida dos cônjuges, já não a que era definida no início do casamento. A
definida no inico do casamento fica mobilizada porque diz respeito ao regime de bens,
porque está definido segundo a vontade dos cônjuges, aderiram tacitamente ao regime supletivo.
Desde o início do seu casamento que preveem que o seu regime de bens vai ser sempre aquele e
não vai mudar. Já se se trata de uma matéria do art. 52º, pode a lei ser mudada.
No art. 52º, além dos efeitos pessoais também se aplica ao regime patrimonial primário que
não depende do regime de bens. O art. 53º refere-se em sentido estrito ao regime de bens. Em
ambos os casos se aplicava a nacionalidade comum e residência habitual comum, sendo que a do
art. 53º é a data do casamento, e o art. 52º se adapta à vida do casamento. E a dupla
nacionalidade? Se temos uma luso-brasileiro e brasileiro – art. 27º da lei da nacionalidade que
no confronto entre duas nacionalidades entende que prevalece a portuguesa, ou seja já teríamos
duas nacionalidades diferentes e não temos nacionalidade comum, passaríamos para a residência
habitual comum. Isto é satisfatório? Nos regulamentos da EU diz-se que quando estiverem em
causa nacionalidades comunitárias não podemos dar prevalência a nenhuma das nacionalidades,
nem mesmo as que dizem que prevalecem a nacionalidade efetiva (o que não é o caso da nossa).
Num caso em que a nacionalidade comum fosse comunitária - luso-italiano com italiana, diria a
jurisprudência que a nacionalidade comum era a italiana, e o art. 27º não era aqui chamado. Mas
não é este o caso – temos o luso-brasileiro e o brasileiro – aqui o teor da norma é encontrar a
nacionalidade comum, e ela existe, logo, nesse sentido parece que se deve aplicar a lei brasileira
e esquecer este art. 27º, para efeitos do art. 52º ou 53º – a nacionalidade comum, qualquer que ela
seja, independentemente da lei da nacionalidade.
Se não existir nem nacionalidade comum nem residência habitual comum, passamos
para uma terceira – no caso do art. 52º é a lei mais próxima vida familiar, no do art. 53º é a lei da
primeira residência conjugal, ainda que não seja ao tempo da celebração do casamento, ainda que
seja posteriormente. Pode-se considerar a primeira residência habitual o sítio onde passaram a
lua de mel, ex: no México? Durante um mês? E que ao fim desse tempo um dos cônjuges morre –
ou outra qualquer situação que precisa de determinação de regime de bens e precisa de determinar
uma residência habitual – não há residência habitual, teríamos ade aplica uma residência habitual
projetada. O n.º 3 do art. 53º abre a porta uma espécie tímida de autonomia conflitual – que quando
um dos cônjuges residir em Portuga, eles podem escolher a lei portuguesa para reger o seu regime
de bens. Muito limitada ainda.
Finalmente o art. 54º tem uma solução complexa que pode significar muita coisa e está a
deixar de ter importância, já que todos os efeitos patrimoniais, quer o regime primário quer o regime
de bens em sentido estrito estar no mesmo regulamento – e muitos dos problemas que surgiam

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com as nossas regras de conflitos desapareceram. Este vem dizer que os cônjuges podem alterar
o regime de bens se a tal forem autorizados pela lei que remete o art. 52º – podem não poder
alterar pela lei portuguesa, mas pode uma lei estrangeira permitir – uma autonomia do direito dos
conflitos em relação ao direito material interno. A interpretação do conceito quadro não tem de
seguir o direito material do foro. Por outro lado, também vem dizer que a modificação dos regimes
de bens não é uma questão de regime de bens, mas sim de regime patrimonial primário porque
vem dizer que se aplica o art. 52º e não o art. 53º – a modificação do regime de bens será uma
matéria institucional (a professora não concorda) – esqueceu-se que para os ordenamentos
jurídicos que permitem a modificação não é questão institucional mas de stricto sensu. Para a prof.
de acordo com o art. 15º não resolve problema de qualificação nenhuma. Vem dizer que o princípio
da imutabilidade não é um princípio de ordem pública, porque o próprio sistema conflitual admite
que a lei indicada pelo art. 52º permita essa modificação. Até permite a modificação relativamente
a casamentos que já foram celebrados desde que sejam internacionais.

Divórcio
Art. 55º do CC – diz-nos simplesmente que a lei aplicável ao divórcio (apenas na dissolução,
não nos efeitos patrimoniais), se enquadra nos termos do art. 52º – é submetida na mesma à lei
nacional comum – lei da residência habitual comum – e à data da propositura da ação, e se de
facto eles não residem no mesmo estados quando a ação é proposta temos de encontrar a lei mais
próxima da vida familiar. O n.º 2 deste art. 55º – poderemos ter por exemplo: cidadão português
(A), que conhece (B), islandesa, numa época em que não reconhecia o divórcio em Malta, e eles
casam-se em Malta onde residem habitualmente. Algum tempo depois, mudam de residência e vão
para Itália, onde vivem também há algum tempo até que se separam e A regressa a Portugal e
interpõe uma ação de divorcio. Qual o fundamento desta ação? E ele descobre que a namorada
quando se conheceram em Malta e já depois de casarem tinha um caso com uma outra pessoa
que manteve durante todo o tempo que viverem em Malta. Se abstrairmos do novo regulamento do
divorcio, e se considerarmos apenas as regras do CC – supondo que o tribunal tinha competencia
para apreciar, aplicaria o art. 55º – ao divórcio aplica-se a lei referida no art. 52º.
Este artigo neste caso indica a lei nacional comum – mas como são diferentes, passa
para a residência habitual comum. E a última residência habitual comum era italiana – à luz
desta, tudo passava por saber se esta ação tinha fundamento – o fundamento era adultério – o que
era fundamento em Itália. Mas, o art. 55º n.º 2 diz que se houver mudança de lei na constância
do matrimonio e será que houve? Pensemos no art. 52º – residência habitual comum, houve
mudança desta na constância do património, ora se houver esta mudança, so pode fundamentar a
separação do divorcio algum facto relevante ao tempo da sua verificação – da verificação da
mudança antes desta – os tempos tem de ser relevantes à luz da lei que era então competente.
Estes factos eram relativos ao adultério decorrente em Malta, em Itália não houve adultério
nenhum naquele tempo a lei aplicável era a maltesa (residência habitual), mas esta não
reconhecia o direito ao divórcio – nenhum facto poderia fundamentar o divórcio.
Este era o sistema que tínhamos no CC, sempre ao tempo da propositura da ação, mas este
art. 55º/2 fala na relevância ao tempo da verificação do factos - semelhante ao art. 45º/2. A ideia é
de quando há uma carater sancionatório na própria regra de conflitos, quando a lei aplicável revela
este carater sancionatório, ela tem de ser contemporânea dos factos em termos de aplicação no
espaço – tem de ser a lei em face da qual as pessoas pautaram os seus comportamentos – se ela
cometeu adultério num local que não considera como facto relevante para o divórcio, ela não tinha
de adequar o seu comportamento dessa forma. Aplicação do regime jurídico em relação ao dever
ser dos agentes. Esta norma só se aplicava quando estivesse em causa um divórcio do tipo
sanção, dizia Batista Machado, so fazia sentido quando existisse uma violação do dever conjugal

60
quando nos termos da lei aplicável pudesse ser considerado esse comportamento como violação
da lei conjugal. Este sistema mudou muito. Temos de nos cingir ao momento temporal do novo
regulamento.

Regulamento 1259/2010:

Este regulamente, assim como o Roma I e II, so incide sobre matéria de conflitos de leis,
para saber qual o tribunal competente temos de ir ao regulamento Bruxelas II bis. Este regulamento
é so sobre lei aplicável – diz que “cria uma cooperação reforçada” – o processo legislativo, em
matéria de direito da família, exigia pelo tratado de Amesterdão unanimidade na aprovação deste
regulamento (ao contrário por exemplo da sucessões que é por maioria). Unanimidade que não se
conseguiu alcançar, e por isto se partiu para esse cooperação reforçado está previsto no art. 81º/3
e art. 328º do tratado de Lisboa. Temos neste regulamento do divórcio, 17 estados-membro - temos
de acrescentar ainda a Grécia e ainda a lituânia e estónia, que num primeiro momento não
aderiram. Para além desta aplicação territorial temos estes EM, tem também aplicação universal
(art. 4º). Temporal – vai-se aplicar às ações e pedidos de divórcio ou separação propostas a partir
de 21 de junho de 2012.
O âmbito de aplicação material – há aqui uma serie de exceções – art. 1º n.º 2. O facto de
o estado-membro não se considerar internamente competente não é um argumento para aplicar o
regulamento e não se pronunciar sobre o divorcio (ex: na Roménia interposta a ação para divórcio
de casamento de pessoas do mesmo sexo, o que não se permite na Roménia) – a Hungria por
exemplo, não considera oc assamento entre as pessoas do mesmo sexo valido, mas tem uma regra
de conflitos sobre casamento, e essa regra de conflitos remete para Portugal e a lei portuguesa
considera válido. Claro que também pode invocar a ordem publica internacional. Mas o art. 13º -
norma de processo civil que é aqui inserida – aqui a ação vai ter de ser posta noutro tribunal de
outro estado-membro, mas o regulamento de Bruxelas II bis tem amplas atribuições de
competências.
Se olharmos para o art. 10º – incongruência - há quem retire daqui uma espécie de ordem
publica europeia – não podemos aplicar uma lei que não reconheça o divorcio ou não conceda
igualdade no acesso ao divorcio. Igualdade que resulta da CDF da EU. Este art. 10º quase que
contraria ao art. 13º. Em termos de aplicação material, em suma, temos uma grande exclusão de
matérias que a serem apreciadas de acordo com o seu DIP e que serão reguladas pelo estado do
foro. Se considerarem que pode ser reconhecido aplicam a lei relativamente à questão do divorcio;
se acharam que não pode ser reconhecido aplica-se o art. 13º desse regulamento.
Qual a lei aplicável? Ao contrário do art. 55º, as partes podem escolher a lei que vai regular
o seu pedido de divórcio – claro que limitada – autonomia conflitual previamente limitada pois
estamos no âmbito pessoal, limitada pelas leis em contacto com a situação – aqui não se pode
sequer falar em internacionalização fictícia, a lei da escolha tem de ser objetivamente ligada á
situação jurídica.
Art. 5º – temos as leis que os cônjuges podem escolher – 4 conexões possíveis. Depois
temos regras sobre o momento – deve até ser feito num acordo até á data de instauração do
processo em tribunal, salvo se a própria lei do foro permitir que seja durante o processo.
Se as partes não escolhem ou não o fazem de forma válida e eficaz, vamos para o art. 8º –
que nos diz qual a regra supletiva. Este diz-nos que na ausência de escolha, o divórcio ou
separação irá ser regida pela lei da residência habitual dos cônjuges à daa do processo (…) →

61
ultima residência dos cônjuges (…) → nacionalidade de ambos os cônjuges→ lugar onde se situe
o tribunal onde o processo foi instaurado (ou seja, a lei do foro). Estas conexões do art.º 8 são
subsidiárias, são uma hierarquia, ao contrário da autonomia conflitual dentro daqueles limites.
Outras regras importantes – a exclusão do reenvio – não há reenvio, tal como o Roma I e
Roma II, estamos a reservar o reenvio nos termos do CC às questões gerais do estatuto pessoal,
a lei pessoal das pessoas coletivas e eventualmente a validade do casamento formal ou
substantiva, porque todas as outras questões, obrigações contratuais, extracontratuais, divorcio,
regime de bens, não há reenvio. A referência a um estado terceiro é apenas de referência às suas
normas materiais, não considerando se esta se considera competente ou não.
Art. 10º e art. 13º – o artigo 10.º é o mais diferente. O tribunal do foro não pode aplicar uma
lei que não conceda o direito ao divorcio ou que não o conceda em termos de igualdade - estamos
a impor ao tribunal do foro uma igualdade de divórcio, que é uma igualdade europeia, mesmo que
esse estado não a tenha. Para alem disso, a ordem pública – art. 12º. E depois o art. 13º que para
estados que não considerem o casamento valido não são brigados a pronunciar-se sobre o divórcio
– havera foros alternativos – Bruxelas II bis.

O regulamento dos regimes de bens:


Em termos de aplicação territorial são 18 estados-membros, mas não há justaposição entre
eles (ambos os regulamentos):
• Participam no divórcio mas não no regime de bens – Hungria, Roménia (…),
países bálticos – problema que tem que ver com uma norma de
reconhecimento de situações que pode implicar que eles reconheçam o que
não querem.
• Participam no regime de bens mas não no divórcio – Suécia, Países Baixos
(…).
• Depois há quem participe em ambos: Portugal, Espanha, França, Luxemburgo
(…).

Âmbito de aplicação temporal: 29 de janeiro de 2019 – art. 69º – “ações instauradas à data
ou após 29 de janeiro de 2019”. Se a ação tiver sido instaurada antes – saber se a decisão é
reconhecida quando a ação foi instaurada antes pode-se admitir desde que haja coincidência. O
n.º 3 implica que do ponto de vista temporal se eu quiser relativamente a uma ação, [ex, um divorcio
ou partilha de bens subsequente à morte ou até mesmo venda de um imóvel conjugal, qualquer
situação em que o regime de bens seja a causa de pedir – só se aplica aos casamentos
internacionais, podem até ser 2 portugueses, em Portugal, com bens no estrangeiro – e nesta
situação quer determinar a lei competente. Casamento celebrado em 1990, em princípio a lei
competente é a que resultar das regras de conflitos do CC, a não ser que os cônjuges tem celebrado
depois de 29/01/2019 façam um acordo de escolha d elei e mudam a lei aplicável. Percebem que
a lei aplicável pelo art. 53º não lhes convém e podem mudar de lei nos termos do regulamento, e
se a ação vier a suceder, a lei aplicável não sera a determinada pelas regras do CC, mas so podem
escolher depois de 29/01/2019. Se foi celebrado depois desta data, aplica-se o regulamento na sua
plenitude. Tem aplicação universal – art. 20º.
Âmbito material: a aplicação material, tal como no divorcio, a questão da validade do
casamento fica dependente do DIP do foro, mas há alguma coisa importante que tem que ver com
a comparação com as nossas regras do CC. Quando se fala em regimes matrimoniais, fala-se
apenas em regime estrito, nos termos do art. 53º ou falamos também no regime primário nos termos

62
do 52 e 53? O regulamento veio acatar uma visão ampla de regimes matrimonias que se percebe
desde logo pelo art. 3º n.º 1 a) – tudo, os efeitos dos bens no divórcio, ilegitimidades conjugais,
regras conjugais, os próprios regimes de bens, tudo isso que seja efeito patrimonial cai caqui,
menos a obrigação de alimentos que esta no seu regulamento próprio. Noção muito ampla. Art.
27º – âmbito da lei aplicável.
Isto aplica-se a todo o património, onde quer que ele esteja. Não há reenvio. E claro que
podem escolher a lei – art. 22º (antes ou depois da celebração – cônjuge sou futuros cônjuges), e
podem alterar. Há aqui uma seleção de leis que pode ser escolhida, mais uma vez não há
extracomunitarização nem internacionalização fictícia. Há aqui um certo confinamento á lei da RH
e da nacionalidade – ligação objetiva.
Se não escolherem a lei – art. 26º – supletivamente, a 1.ª residência habitual comum dos
cônjuges, depois da celebração do casamento (quanto tempo depois?) – sabendo que há toda uma
serie de formalidades para cumprir para se considerar a residência habitual. Nos considerandos
diz “pouco depois”. Tem de ser u juízo de razoabilidade – “short after”. Se já existir um plano
consistente da residência, pode até ser mais tempo, mas tem-se considerado até 6 meses. Mas
claro que eles podem dizer, daqui a 9 meses vamos adotar este residência (…) - isso parece que
pode ser aceite. E o problema desta não se determinar, passamos para a nacionalidade – aqui
invertem-se os elementos: residência habitual e só depois a nacionalidade. Se tiverem mais que
uma nacionalidade comum – art. 26º n.º 1 a) e c) – não se vai aplicar a lei da nacionalidade. A al.
c) – a ligação mais estreita. Depois temos uma clausula de exceção completamente atípica, não
funciona por iniciativa da autoridade judiciária, mas por iniciativa dos cônjuges.

Regulamento das sucessões (PowerPoint):


Quanto às sucessões mortis causa há uma uniformização cada vez maior. Também tem
regras de competência. Falamos de sucessões por morte: atos voluntários – testamentos e pactos
sucessórios e ainda a sucessão legal. O tal pacto renunciativo à sucessão é de sucessões ou
regime de bens? Ainda não se pronunciou o TJ. Não se aplica a várias matérias – art. 1º -
(diapositivo 2).
Territorialmente este não exige unanimidade, portanto aplica-se a quase todos – não se
aplica ao Reino Unido, Irlanda e Dinamarca.
Temos autonomia conflitual – muito mais restrita que nos regulamentos anteriores – art. 22º)
- a lei nacional no momento que faz a escolha ou no momento do óbito (ex: pode alguém ter
determinada nacionalidade e decidir regular essa sucessão pela lei dessa nacionalidade e pode,
antevendo que pode mudar de nacionalidade, dizer que que a lei aplicável será a da nacionalidade
que tiver quando morrer – pode mudar ou ser a mesma). Tendo nacionalidade múltipla, qualquer
uma dessas, não tem haver interferência das regras nacionais dizendo que uma prefere a outra,
como o nossos art. 27º da lei da nacionalidade.
Se não escolher ou se não respeitar as condições formais e substanciais da escolha, a lei
aplicável é a residência habitual no momento do óbito (diferente do art. 61º e 62º do CC) – art. 21º.
O n.º 2 é uma clausula de exceção – relação mais estreita com outro estado que não o do n.º 1 –
quando a residência habitual dura há pouco temo exemplo…
Temos depois duas regras que dizem respeito á validade quer formal quer substantiva das
disposições por morte. Art. 24º e 25º. O art. 24º, diferente da factos sucessórios, ex: os testamentos,
regem-se desde logo, para aferir a sua admissibilidade, pela lei que seria aplicável no momento em
que ele faz a disposição – a lei da residência habitual à abertura da sucessão, como se ele tivesse

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morrido nesse dia. Mas, é lhe permitido sempre escolher quando faz o testamento a lei que regulará
essa questão, desde que o faça nos termos do art. 22º. O mesmo para os pactos sucessórios – no
momento do pacto, a sua admissibilidade dá-se em relação a cada uma das partes do pacto como
se fosse a lei aplicável se a pessoa morresse naquele momento em que faz.
Exemplos (PowerPoint):
Ex. 1: A, de dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, de 70 anos, residente desde
há mais de 30 anos em Valladolid, Espanha, decide escolher, como lei aplicável à sua
sucessão, a lei brasileira. Em 2016, casa com B, italiana; o casal fixa a sua residência em
Milão onde A morreu meses mais tarde. Qual é a lei aplicável à sua sucessão? (diapositivo
5)
Será que esta lei italiana fará sentido supletivamente? Se a escolha de lei não fosse válida,
neste caos da lei brasileira? É aqui que pode intervir a cláusula de exceção – a lei da conexão mais
estreita será a lei espanhola – art.º 21/2. A validade da escolha em si mesma é apreciada pela lei
brasileira, independente desta admitir autonomia conflitual ou não. A escolha de lei é limitada, so
pode escolher a lei da nacionalidade, neste caso, nunca poderia escolher a lei espanhola que até
parece uma das leis mais próximas da situação.
Ex. 2: A., nacional e residente habitual em Inglaterra, país que admite os pactos
sucessórios, celebra um pacto e deixa a totalidade dos seus bens a um amigo; mais tarde
vem para Portugal e reside em Lisboa até ao seu falecimento. A lei aplicável à sucessão é a
lei portuguesa mas não será aplicável a proibição dos pactos sucessórios prevista no art.
2018º do CC porque a lei inglesa admite-os e os tem como materialmente válidos; se A
residisse em Lisboa quando decide fazer o pacto ainda poderia escolher a lei inglesa para
os admitir (art. 25.º, n.º3). (diapositivo 5)
Se é aplicável a lei PT, o pacto é invalido? A admissibilidade dos pactos é avaliada pela lei
que seria aplicável no momento em que ele faz o pacto – e ele residia ao momento em Inglaterra
logo seria a lei inglesa, logo o pacto seria válido. O objetivo do regulamento é evitar o conflito móvel
– imobiliza o elemento de conexão á data da disposição.
Ex. 3: A., espanhol, residente em Inglaterra, quer regressar a Espanha depois de
reformado e certificar-se que o testamento que fizera em Inglaterra através do qual privava
da legítima os seus herdeiros continuava a ser válido. (diapositivo 6)
As disposições por morte serão quanto a sua admissibilidade e validade reguladas pela lei
que seria aplicável se ele tivesse falecido ao momento que fez o testamento – este caso era a
Inglaterra, então seria valido, mas há aqui uma questão complicada – mas é inoficioso? Diz o art.
23º – estas conexão vai continuar a ser regulada pela lex sucessionis – o regulamento acaba por
não aprofundar a autonomia conflitual, não deixa que através da escolha de lei e da validade doa
factos se sobreponha ao problema da legitima. Aqui a autonomia conflitual só é assegurada para
garantir segurança e não para estimular a autonomia privada. A faz o testamento – residência
habitual nos termos do art. 24º o testamento é válido, mas a questão da legitima continua a ser
regulada nos termos do art. 23º e não o art. 24º. O art. 23º remete-nos para o art. 21º e portanto,
para a residência habitual ao tempo do falecimento. Se alguém faz um testamento confiante que o
testamento era válido se ele morresse naquele momento, mas se depois mudar de residência
habitual para uma país que considere esse inoficioso, é esse que se vai aplicar. O testamento pode
ser valido mas não pode afetar a legítima se a lei aplicável á sucessão determinar que há legitima.
Porque não escolhia logo a lei inglesa para regular não so a validade do testamento mas toda a
sucessão, incluindo a legítima, de modo a que quando vier a falecer se aplique essa – mas porque
não faz isto? Porque ele não pode escolher a lei inglesa é espanhol e o regulamento so permite a

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escolha a lei nacional. Criticam isto dizendo que a escolha à lei nacional não chega. Limitação que
é criticada pela doutrina.
Ex. 4: A, português, trabalha há dois anos em França onde reside. Vem a Portugal de
15 e 15 dias, onde residem a sua mulher e filhos. O seu património está dividido entre
Portugal e França. Qual é a lei aplicável à sua sucessão? (diapositivo 7)

Se ele não escolheu a residência habitual quando vier a falecer – a lei francesa – será a
residência francesa meramente profissional? Considerando 24. Pode não se considerar como
residência habitua aquilo que é efetivamente a sua residência habitual. Mas se a vida familiar
continuou em Portugal e só por razões profissionais está em França poder-se-ia dizer que a R. não
e em frança ou em alternativa nos termos do art. 21º/2, a clausula de exceção, a lei portuguesa
esta mais próxima da sua vida que a lei francesa. Duas vias com a mesma consequência – lei
portuguesa.
Quanto aos tribunais competentes ou órgãos jurisdicionais se a residência habitual for
afirmada ao tempo da morte em França, são os franceses; se dissermos que nos termos da clausula
de exceção a mais próxima é a portuguesa, os órgãos competentes são os franceses ainda que
devam aplicar a lei portuguesa (art. 21º/1). Se agora dissermos que a residência francesa é
meramente profissional, e se diz que a residência é a portuguesa, aí são competentes os órgãos
portugueses. É mas fácil considerar que é uma residência meramente profissional, do que usar a
cláusula de exceção. Tem de ser muito bem fundamentado para se dizer que é apenas profissional
– se dura há 10 anos, dificilmente será, passa a ser habitual. Ao fim de algum tempo, a estabilidade
sedimenta-se.
Ex. 5: A, alemão, morre em Junho de 2017. Residia habitualmente em Faro. É casado
com B, portuguesa, com quem reside. Fez um testamento em Faro atribuindo uma casa de
que é proprietário em Marselha a C com quem mantém uma relação extraconjugal. O
testamento foi feito num notário alemão com referência expressa ao direito alemão
(diapositivo 8).
Quanto à validade do estamento já vimos que essa é ma coisa, outra é a lei aplicável à
sucessão. Este casamento é válido porque ele o fez com referência expressão ao direito alemão,
e ele é alemão portanto pode fazer isso. A lei alemã não conhece o cúmplice do testador adultero
(art. 2196º). Não se pode invocar esta regra porque a lei é a alemã. Outra coisa é saber se a legitima
de B foi afetada com este testamento – se foi afetada temos de ir à lex sucessiones – podera ser
na mesma a lei alemã por se considerar que ao fazer o estamento por referência à lei alemã estava
a escolher a lei alemã, a sua nacionalidade para toda a sucessão – escolha tácita – art. 22º ex vi
art. 24º.
16/12/2019

O reenvio no regulamento das sucessões internacionais – art. 34º (diapositivo 9):

Nos outros regulamentos da EU, o reenvio foi refutado, entendendo-se que estava
minimizado na EU, já que temos EM que tem a mesma solução deixando de existir hipóteses de
reenvio – há harmonia jurídica. Se a lei mandada aplicar foi uma lei de um EM que esta vinculado
ao regulamento essa será a lei aplicada - não há problemas de reenvio. Mas os regulamentos são
universais, e a lei a aplicar pode ser uma que não seja de um EM. Aí temos a hipótese dos
regulamentos de cooperação reforçada (do divórcio, por exemplo), em que nem todos os EM
participam. A questão de se aplicar nos termos do regulamento uma lei que tenha uma diferente
solução conflitual não é totalmente evitada pelos regulamentos, mas foi decidido que não haverá
reenvio em todos eles. O reenvio em si também está muito diminuído porque a maioria dos

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regulamentos permite autonomia conflitual, e ao permitir esta autonomia, o art. 19º diz logo que em
causa de autonomia, não há reenvio. Como todos os regulamentos preveem autonomia conflitual
também aí deixaria de haver reenvio.

Neste regulamento foi diferente. Essencialmente por uma razão de tentar considerar a lex
rei sitae quando fosse a lei de um 3º estado aplicável por razões de efetividade permitiu-se o
reenvio. Estas situações acabam por ser residuais mesmo neste regulamento, por uma razão: a lei
de competência jurisdicional é por norma da residência habitual do de cujus, a lei do foro na maioria
das vezes é a residência habitual do de cujus, e das duas uma, ou se aplica a si própria (o critério
de competência jurisdicional coincide muitas vezes com o de competência legislativa) ou quanto
muito aplica-se a lei da nacionalidade mas como lei escolhida (e aqui também não pode haver
reenvio).

Praticamente as situações de reenvio vão coincidir com uma situação típica – alguém que
tem uma nacionalidade diferente da sua residência e a residência não é um EM – A, espanhol, que
reside na Suíça, Londres ou Brasil e deixa bens em Portugal. Qual o tribunal competente? O tribunal
competente não será o da residência habitual, Londres não é vinculado ao regulamento. Como
Londres, o RU, não é estado vinculado, não se lhe pode atribuir competência jurisdicional por foça
do regulamento.

Assim o regulamento tem uma regra de jurisdição alternativa - o lugar da situação dos
bens - o tribunal do EM vinculado onde os bens estão situados é competente – art. 10º: A, falece,
espanhol reside habitualmente em Londres e tem bens em Portugal. O tribunal competente seria
da residência habitual, mas o de cujus como residia à data a morte em Londres e não é um em
vinculado não se utiliza o mesmo critério, utiliza-se o art.º 10 – estado onde os bens estão situados
– desde que o interessado tenha nacionalidade desse EM – vamos antes considerar que é Portugal,
residência habitual em Londres e tem bens em Portugal e Espanha. O tribunal português é o lugar
onde parte dos bens estão situados, e pode regular toda a sucessão (mesmo o que estão em
Espanha). Temos L1, que é Portugal, que é a lei do foro e é a lex rei sitae de parte dos bens e
também a lei nacional, e a lei portuguesa aplica a residência habitual do de cujus (o regulamento
tem carater universal) – L2 (RU), como o RU não é um EM vinculado, mantem o seu DIP. E, neste
caos, as regras de conflitos do RU mandam aplicar a lex rei sitae – a lei portuguesa quanto aos
bens em Portugal e lei Espanhola com os bens em Espanha. Ou seja, uma L3 (espanhola) e uma
L1 (portuguesa). Tanto L3 como L1 são EM.

L1 (portuguesa) L2 (UK) L3 (espanhola)

Art. 34º – ao dizer “incluindo o DIP”, não é so aplicar as normas materiais dessa lei, mas
também o direito internacional privado desse estado. Se o DIP inglês manda aplicar L3, será a
aplicação de L3, se manda aplicar L1, será L1. “Na medida me que remeta para a lei de um EM” –
que é o caso tanto em L1 como L3 (al. a).

Al. b) – qual sera aqui a hipótese? Em vez de residência habitual em londres, residia na
Suíça, e L1 que é Portugal como competente pela lex rei sitae, aplica L2, suíça, e esta remete para
a lex rei sitae e tem bens no Brasil também (L3). Aqui temos a aplicação da lei da residência
habitual, so que agora esta é noutro estado terceiro, vai dar ao mesmo, a lei suíça não se considera
competente e remete para a lex rei sitae, mas agora não há bens em Espanha, mas no brasil. Já
não temos aplicação de uma lei de EM, mas de um estado terceiro que se considera competente
pelas suas próprias regras de conflitos. Estamos perante a al. b). Estas são as duas hipóteses do
art. 34º. O n.º 2 diz que não se aplica o reenvio, em caso de clausula de exceção, autonomia

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conflitual, questões de forma e normas de aplicação imediata. Aperta ainda mais a hipótese de
reenvio.

Qual o seu fundamento, a ratio da admissibilidade excecional do reenvio nos termos


do regulamento? Devolução simples, devolução dupla, como o nosso?

Temos de ler o considerando 57 – harmonia internacional de julgados – coerência


internacional. Aquilo que esta na base também na nossa solução de reenvio. Com base nesse
objetivo é que interpretamos.

Diapositivo 10:

Exemplo – a lei espanhola também remete para L2. Há quem diga que o objetivo do
regulamento é aplicar uma lei de um EM mas não é isso que diz o considerando. A lei espanhola,
sem dúvida manda aplicar, nos termos do regulamento, a lei Suíça (residência habitual), só que L3
aplica o regulamento então também aplica o art. 34º, aceita o reenvio que a lei suíça lhe faz, a
hipótese de retorno. L3 (espanhola), considera-se competente indiretamente. Se o legislador quis
admitir reenvio so quando havia coerência internacional, e considerou que haveria coerência se se
aplicasse a lei do EM, não só por ser EM, mas porque L3 iria remeter para L2 e considerar-se
indiretamente competente (claro considerando que L2 é de referência material). Se aplica o
regulamento aceita o reenvio, e considera-se competente indiretamente – há harmonia
internacional.

Se for a al. b), temos a residência habitual a remeter para um estado 3.º se essa se considera
comente, também temos harmonia internacional de julgados – a ideia de que as leis num circuito
aplicam todas a mesma lei. Há harmonia nos dois casos, seja na al a) ou b).

Temos de provar a harmonia internacional de julgados, e adaptar a letra do art.º 34 a esse


objeito – interpretação teleológica. A L2 tem de ser de referência material, tem de aplicar a terceira
legislação, a tal LN, como fazemos no art. 16º, que se considera direta ou indiretamente competente
(o caso se for um EM, através do regulamento). No caso do estado 3.º tem de ser pelas suas regras
de conflitos. No caso da lei brasileira, se L3 remeter para L2, mas for de devolução dupla a mesma
coisa, aplica-se indiretamente. No caso de estados terceiros tanto pode ser indireta como
diretamente. E L2 tem de fazer referência material. Se l2 for de devolução simples quando remete
para L3 aceita a sua solução e não haverá reenvio.

No caso: L1 (PT – art. 21º e 34º do regulamento) → L2 (RH) – devolução dupla → L1 –


temos retorno.
Mas L2 é devolução dupla logo faz o que L1 fizer logo aplica L2 também – há harmonia
internacional, logo aqui poderemos fazer reenvio. Não é como no art.º 18 que fala em referência
material, aqui não restringe, logo estando a harmonia atingida poderemos fazer reenvio. Ou seja,
o reenvio vai funcionar sempre que L2 seja de referência material ou sempre que L2 seja de DD e
faça retorno para a lei do EM.

Paralelismo com o nosso reenvio e com o os regulamentos, também é excecional e


também pretende a harmonia internacional de julgados.

A referência da al. a) é que é a mais estranha porque fala no EM, mas a verdade é que o
EM aplica o regulamento e por isso fará o reenvio e considerar-se indiretamente competente.

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CASO PRÁTICO:

A Tourisme en Iran, SARL, é uma “société à responsabilité limitée” de direito francês


(semelhante à sociedade por quotas de direito português), constituída em 2003, com sede
fixada em Paris, que se dedica à organização de estadias turísticas no Médio Oriente. Os
seus sócios são António, português, John, inglês, Mohammed, tunisino, e Annick, iraniana,
todos eles residentes no Porto, com a exceção de John, o único gerente da sociedade que
reside em Londres conduzindo, a partir desta cidade, os negócios da sociedade.
Para promoção das suas ofertas turísticas, a sociedade convidou o famoso músico
iraniano Shahram Nazeri, residente em Teerão, no Irão, para um concerto em Portugal, que
teve lugar em Junho de 2008, no quadro do certame “Serralves em Festa! 2008”, tendo o
cachet de Nazeri sido fixado em 50.000 Euros, a ser suportado integralmente pela Tourisme
en Iran, patrocinadora do evento, após negociações entabuladas pessoalmente entre John
e Sharam em Copenhaga, na Dinamarca, onde celebraram o contrato.
Num momento em que a sociedade, em virtude da crise mundial instalada, sofre
graves problemas financeiros, os restantes sócios pretendem responsabilizar John pela sua
gestão danosa, dado o cachet injustificadamente elevado que acordou com Shahram.
Supondo que:
a) a lei inglesa adota, quanto ao estatuto pessoal das pessoas coletivas, a teoria da
incorporação, praticando dupla devolução;
b) a lei francesa consagra a teoria da sede real, exceto no que toca à responsabilidade
dos gerentes que submete à lei do lugar da conduta desencadeadora da responsabilidade,
praticando devolução simples;
c)a lei dinamarquesa adota a sede real, não aceitando o reenvio, a não ser sob a forma
de retorno direto para as suas regras materiais;
d) a lei iraniana adota soluções conflituais idênticas às portuguesas;

1º De acordo com que lei deveria um Tribunal português, pressupostamente


competente, aferir a responsabilidade de John?

L1 é a lei portuguesa – tribunais portugueses são competentes. A lei portuguesa que lei vai
aplicar? Estamos numa questão de estatuto pessoal das pessoas coletivas – vimos que a
responsabilidade dos gerentes por gestão danosa, aplicávamos o art. 33º e concretamente por ser
uma SC - o art. 3º n.º 1 do CSC – sede real ou sede efetiva. Não se aplica o art.º 3 última parte.
Aqui o órgão de administração esta centrado em John – que dirige a sociedade Londres –
L2 (devolução dupla) - (Reino Unido - inglesa, neste caso – mas esta adota a teoria da incorporação
- o lugar onde foi constituída – diz-nos que e uma sociedade de direito francês, logo, supomos que
fi constituída em França. L2 aplica a lei francesa, devolução simples.
Lei francesa – sede real – em princípio deveria devolver para L2, mas exceto no que toca à
responsabilidade dos gerentes (…), ou seja, onde aconteceu a conduta que desencadeou a
responsabilidade – a lei dinamarquesa é a- L4.
A lei dinamarquesa se remete para a sede real (L2), o sistema de devolução de L4 em
princípio é de referência material já que não há reenvio, salvo no retorno direto, o que aqui não é,
apenas seria se L4 remetesse para L3.
Temos uma situação de transmissão de competência (não há retorno para a lei do foro)
– art.17º. L2 aplica LN que se considera direta ou indiretamente competente. L2 remete para L3, e
L2 faz o que L2 fizer, e L3 remete para L4, e aceita o sistema de conflitos de L4. L2 tem de aplica
ruma outra legislação, porque se se aplicar a si própria, não há reenvio. É preciso saber que lei L2
aplica. Os tribunais de L2, são de devolução dupla fazem o que L3 fizer. L3 remete para L4, mas é
de DS, aceita a solução conflitual de L4 que é aplicar L2. L2 fazer oque L3 fizer, e L3 irá aplicar L2.
Ou seja, L2 aplica L2. Não há reenvio. L2 não é uma LN. Não se verificam os requisitos do art.
17º/1.

R: seria a lei inglesa.

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2º Supondo que o montante acordado entre a sociedade e Sharam não foi ainda pago,
apesar de a data de pagamento ter sido a do próprio concerto, à luz de que lei deverá um
tribunal português determinar as consequências desse incumprimento? E se os factos
descritos ocorreram “Serralves em festa! 2018”, seria a mesma a lei aplicável pelo Tribunal
português?

Não é um ato que gera reps. por gestão danosa, mas sim reps perante terceiros, ou seja,
não é estatuto pessoal, mas sim responsabilidade contratual. O art. 33º pode induzir-nos em erro
– responsabilidade societária, o que é muito diferente da contratual que deriva das obrigações
assumidas pela própria empresa, que é o caso. A responsabilidade depois mediante o tipo da
empresa, sendo por quotas ou em nome coletivo…
Assim saímos do âmbito da lei pessoal para a lei aplicável às relações contrais – temos
sucessão de leis no tempo, antes de regulamento Roma I tínhamos a convenção de Roma I –
explicar a diferença entre o resultado das duas quanto á lei aplicável. A convenção de Roma não
tinha identificação da lei supletivamente aplicável. Aplciava.se aqui a convenção de Roma –
aplicação vaga da prestação característica.
Se fosse em 2018 já teríamos a o regulamento de Roma I – solução idêntica, diferente
fundamentação. Tínhamos de caracterizar o contrato como prestação de serviços, que há
identificação da lei.

17/12/2019
Caso prático – exame 2018 – época normal

I. A, luso-alemão, trabalha, desde 2015, em Munique. Reside nos arredores da cidade,


num apartamento cedido pela sua entidade patronal que também lhe paga as viagens a
Portugal, de 15 em 15 dias, para passar o fim-de-semana no Porto onde residem a sua mulher
e as filhas de ambos.
Em Julho de 2017, A falece subitamente, vítima de um acidente de viação. Aberto um
processo de inventário, a família vem a saber da existência de um testamento feito por A,
meses antes, em Munique, com referência a normas do direito alemão e nos termos do qual
A deixava a Z, com quem mantinha, em segredo, uma relação amorosa, uma casa que
adquirira junto ao lago Constança, na Alemanha.
A mulher e as filhas de A pretendem, perante os tribunais portugueses, impugnar o
testamento alegando que este não é válido atendendo ao art. 2196.º do Código Civil
português, solução que não tem paralelo no direito alemão. Z, por sua vez, invoca a
aplicação do direito alemão que considera competente uma vez que era a lei da residência
habitual de A e segundo a qual havia feito o testamento.
Quid Iuris?

Temos no fundo saber qual a questão controvertida, para depois admitindo que há aqui
elementos de internacionalidade suficientes para justificar a aplicação das regras de conflitos, saber
qual a regra de conflitos que se aplica à questão, e sabendo que há sucessão de regra de conflitos
no tempo na matéria das sucessões se aplicamos o CC ou o atual regulamento, justificando
(temporal, territorial e material). Ver qual a solução, atendo às regras do regulamento, para saber
qual tem rezão, herdeiros de A (invoca o direito português) ou a beneficiária do testamento que
invoca o direito alemão.

Questão controvertida – questão sucessória – a invalidade do testamento. Deixou uma casa


que a mulher e filhas nem sabiam da existência, e deixa a uma terceira pessoa, tudo está em saber
se esta disposição é valida ou não. Dependendo da lei aplicável, alemã ou portuguesa, a disposição
será válida ou invalida, respetivamente.

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Se temos a validade do testamento temos uma questão sucessória, mas há sucessão de
leis no tempo em termos conflituais. Aqui aplicávamos a regra do CC ou das sucessões? O
regulamento aplica-se a sucessões abertas depois de 2015 – esta sucessão abriu em julho de
2017, logo aplica-se o regulamento. A questão controvertida corresponde a uma relação privada
internacional, porque há elementos de internacionalidade, estraneidade,, nomeadamente as duas
nacionalidades de A, o local onde trabalha e reside, o local onde a mulher e os filhos residem, o
testamento feito na Alemanha. Temos elementos suficientes de estraneidade - pontos de contacto
com dois Ordenamentos Jurídicos, que justifica a aplicação das regras de conflitos.
Vamos justificar a aplicação do regulamento:
• Temporal – aplicação a partir de 2015, logo aqui aplica-se;
• Material – uma questão de sucessão por morte, não esta excluída nas regras
de exclusão do regulamento, e há mesmo regra especifica no regulamento
sobre validade das disposições sucessórias.
• Territorial – necessário que o estado português esteja vinculado ao
regulamento – este é um regulamento geral que foi aprovado por maioria, 3
estados que não particionam, mas Portugal é EM vinculado.
 Logo, aplicamos o regulamento.
Nos termos do regulamento temos lei aplicável supletivamente ou lei aplicável pelo exercício
da autonomia da vontade. Neste caso – ele refere normas de direito alemão, e aí é que deixava Z
a casa. Não se diz no texto que houve exercício direto da vontade, escolha direta da lei alemã, mas
há uma referência que todo o testamento é feito com base nas normas de direito alemão, o que
pode significar uma escolha tacita da lei. Essa escolha tacita da lei, se formos vendo so
considerandos do regulamento, estes admitem a escolha tacita no âmbito do regulamento, e a
escolha de lei pode ser feita, mas é uma escolha muito limitada, so pode ser feita em favor da lei
nacional, mas qualquer uma das nacionalidade que se tem se tem dupla nacionalidade - que é o
caso, ele também tem nacionalidade alemã, logo poderá fazer.

Sendo uma escolha valida, o testamento não sofria dessa invalidade. Qual a lei aplicável a
toda a sucessão para alem da validade material do testamento? Não havendo escolha de lei, aplica-
se a lei supletiva, ou faz escolha de lei, ainda que tacita, como o caso. Mas isso é quanto à validade
do ato de disposição sucessória, outra coisa é em relação aos demais aspetos da sucessão? A
legitima, a coação, (…), a capacidade sucessória, que tem que ver com o estatuto sucessório em
geral e não so o voluntário. Quanto a esses aspetos gerais da sucessão, aplica-se ou a residência
habitual ao tempo da morte ou a lei escolhida (escolha ou momento da morte). É duvidoso que
houvesse escolha tacita da sucessão em si mesma, o que é facto é a escolha quanto á validade
do testamento, mas se não há escolha quanto aos demais aspetos da sucessão, poderíamos logo
questionar se isto não afetaria a legitima da mulher e filhas, qual será a lei aplicável? A lei da
residência habitual ao tempo do falecimento – onde é que A residia habitualmente? No regulamento
há um considerando que se refere a uma situação como esta – em que a pessoa esta deslocada
por questões meramente profissionais e mantem a sua estrutura de vida, principalmente familiar,
no pais de origem. Tudo depende claro das circunstâncias.

Podemos dizer que a Alemanha era uma residência profissional, desde logo nem sequer tem
uma casa, é cedida pela entidade patronal, vem a Portugal com regularidade e a sua base familiar
está em Portugal. Temos muitos indícios para considerar que a residência habitual continua a ser
em Portugal, e em Munique é apenas profissional. Se assim for, a residência habitual é em Portugal,
aplicando-se a lei portuguesa à sucessão. O testamento em si continua a ser válido, mas se
eventualmente afetasse a legítima, aplicava-se o quantum de legitima previsto na lei portuguesa, e
não da alemã. Os direitos dos herdeiros legai seriam regulados pela lei Portugal. Em situações
como estas, em vez de considerar a residência habitual em Portugal, poder-se-ia, numa questão
muto discutível, admitir que a residência habitual era na Alemanha, mas por força da cláusula de
exceção do art. 21º/2, haveria uma relação mais estreita com o ordenamento jurídico português

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do que com o alemão. Se ele so viesse de 3 em 3 meses, com muito menos frequência, se até
tinha casa na Alemanha, seria difícil admitir que a residência era meramente profissional. Se a
residência habitual permanecer na Alemanha, e se aplicar a lei portuguesa à sucessão por ser a
mais próxima pela cláusula se exceção, os tribunais portugueses perdem a competência
jurisdicional, porque essa é regulada pelo regulamento – seria a alemã.

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