Você está na página 1de 20

LINGUÍSTICA TEXTUAL

E ENSINO

Aline Azeredo Bizello


Texto e os fatores
de textualidade I
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar os conceitos de coesão e coerência.


 Analisar aspectos de coesão e coerência em textos.
 Comparar diferentes gêneros textuais e sua forma de comunicar.

Introdução
Você já deve ter notado que um texto de qualidade apresenta caracte-
rísticas como originalidade, clareza e autoria. Mas você sabe construir
uma relação entre ideias e frases de tal forma que seu texto revele uma
sequência harmônica e uma organização interna? A coesão e a coerência
textuais são fatores significativos da textualidade; portanto, devem receber
atenção redobrada dos escritores.
Existem diferentes procedimentos e recursos de coesão que podem
contribuir com a unidade e a progressão temática. Nesse sentido, é pre-
ciso alinhar o gênero textual ao contexto e à finalidade comunicativa.
Neste capítulo, você vai estudar a coesão e a coerência e ver como elas
aparecem em textos. Além disso, você vai verificar as formas diferentes
como cada gênero textual comunica as suas mensagens.

Conceitos de coesão e coerência


A produção de um texto exige a formação de tramas entre cada ponto tratado,
ou seja, um texto se forma com várias palavras, orações e ideias amarradas
umas às outras. Nesse sentido, a elaboração de um texto costuma estar asso-
ciada à arte de tecer: quando se tece, um fio pode ser conduzido para lugares
diferentes, mas sempre está entrelaçado a outros fios, compondo a rede.
2 Texto e os fatores de textualidade I

A palavra texto tem origem latina: significa tecido. Essas palavras pertencem à mesma
família semântica de “textura” e “contextura”.

A forma como as ideias são articuladas, ou seja, a combinação entre palavras


e frases, determina se a estrutura da textualidade foi atingida. Isso significa que
a relação entre as ideias e as frases deve revelar uma sequência harmônica e
uma organização interna entre as partes do texto. Se não há textualidade, tem-se
apenas um amontoado de frases desconexas, e não uma unidade de sentido. Para
que uma palavra seja conectada a outra e uma oração se ligue a outra, formando
um entrelaçamento de ideias, é preciso coesão e coerência no texto.
Halliday e Hasan (1976, p. 4) publicaram um clássico sobre o assunto e
definiram coesão textual como algo que “[...] ocorre quando a interpretação
de algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um pressupõe o
outro, no sentido de que não pode ser efetivamente decodificado a não ser
por recurso ao outro”. Como se evidencia, os autores consideram a coesão
como parte do sistema de uma língua, pois ocorre uma relação no sistema
léxico-gramatical. Veja o que afirma Koch (2010, p. 12):

Para esses autores, a coesão é, pois, uma relação semântica entre um elemento
do texto e algum outro elemento crucial para a sua interpretação. A coesão,
por estabelecer relações de sentido, diz respeito ao conjunto de recursos
semânticos por meio dos quais uma sentença se liga com a que veio antes,
aos recursos semânticos mobilizados com o propósito de criar textos. A cada
ocorrência de um recurso coesivo no texto, denominam “laço”, “elo coesivo”.

Segundo Antunes (2005), a coesão é o mecanismo que unifica diversos


elementos textuais para dar sentido e proporcionar unidade temática no de-
correr do discurso. Já a coerência “[...] é uma propriedade que tem a ver com
as possibilidades de o texto funcionar como uma peça comunicativa, como
um meio de interação verbal” (ANTUNES, 2005, p. 176). A seguir, você vai
estudar esses conceitos de forma mais precisa.
A coesão é a própria costura entre os elementos do texto, pois os meca-
nismos coesivos estabelecem um entrelaçamento na superfície textual. Isso
ocorre tanto na inter-relação entre orações, períodos e parágrafos quanto em
segmentos maiores, como na relação entre o parágrafo de conclusão e os
parágrafos anteriores. Aliás, a coesão é decisiva para que o tema tratado se
Texto e os fatores de textualidade I 3

mantenha ao mesmo tempo em que progride, daí a sua ligação com a coerência.
O sentido do texto se constrói com o encadeamento de todas as suas partes.
Portanto, a função da coesão é promover a continuidade do texto, ligar (inter-
ligar) cada parte do texto para que não se perca o fio de raciocínio. É exatamente
essa unidade que favorece a interpretabilidade. Dessa forma, todos os segmentos de
um texto têm de estar presos uns aos outros. Nas palavras de Antunes (2005, p. 48),

Por causa das sucessivas ligações que se vão estabelecendo, a interpretação de


cada segmento, de cada período, por exemplo, vai sendo afetada pela interpre-
tação das outras anteriores ou subsequentes. Não há segmento que se baste a si
mesmo, que prescinda do concurso de outros segmentos. Tudo está em relação.

Associam-se à coesão mais dois elementos da textualidade: a intencionalidade


e a aceitabilidade. Travaglia e Koch (2007) defendem que o produtor de um texto
tem, necessariamente, determinados objetivos ou propósitos, isto é, intencionali-
dade. É por essa razão que o emissor procura, de modo geral, construir seu texto
de modo coerente e dar pistas ao receptor que lhe permitam constituir o sentido
desejado. Assim, na contrapartida, está a aceitabilidade: quando duas pessoas
interagem, esforçam-se para serem entendidas. Elas fornecem pistas do texto,
ativando o conhecimento de mundo do interlocutor. Portanto, mesmo que um texto
não se apresente, à primeira vista, como perfeitamente coerente, o receptor tenta
estabelecer a sua coerência, dando-lhe a interpretação que lhe pareça possível.
Outro princípio fundamental da coerência é a não contradição. Para que
um texto seja coerente, não pode apresentar contradições nem externas, nem
internas. Ou seja, não se pode afirmar algo que não coincida com a realidade
nem se pode apresentar afirmações contraditórias no mesmo texto.
Note que, se bem utilizada, a coesão contribui de forma decisiva para que
o assunto do texto se mantenha e progrida ao mesmo tempo. Assim, a coesão
acaba se tornando um dos recursos responsáveis pela coerência textual. Isso
significa que, concomitantemente, ocorrem as articulações possíveis de se
perceber na superfície e outros encadeamentos menos fáceis de se identificar
no nível semântico. Assim, se há ligações na superfície, é porque elas estão
de acordo com o sentido e com as intenções pretendidas.
Essas ligações, portanto, são essenciais para que o texto tenha sentido e para
que o leitor elabore interpretações. Afinal, não é apenas o valor semântico das
palavras que garante o sentido global do texto. É preciso ir e voltar às unidades
diferentes do texto a fim de estabelecer relações, ligações, encadeamentos. Dessa
forma, preserva-se a continuidade do texto, isto é, a sequência interligada das
suas partes. É desse modo que se efetiva a unidade de sentido e das intenções
da mensagem e se pode atingir o objetivo de comunicar com eficiência.
4 Texto e os fatores de textualidade I

A continuidade promovida pela coesão é uma continuidade semântica, ou seja,


os segmentos vão se ligando em sequência e se relacionando conceitualmente. Essa
continuidade que se instaura pela coesão se expressa pelas relações de reiteração,
associação e conexão. Você pode ver essas relações no Quadro 1, a seguir.

Quadro 1. Coesão textual

Relações
Procedimentos Recursos
textuais
(campo 2) (campo 3)
(campo 1)

Reiteração Repetição Paráfrase

Paralelismo

Repetição  de unidades do
propriamente léxico
dita  de unidades de
gramática

Substituição Substituição Retomada por:


gramatical  pronomes
 advérbios

Substituição Retomada por:


lexical  sinônimos
 hiperônimos
 caracterizadores
situacionais

Elipse Retomada por:


 elipse

Associação Seleção lexical Seleção de  por antônimos


palavras se-  por diferentes
manticamente modos de rela-
próximas ções de parte/
todo

Conexão Estabelecimento de Uso de  preposições


relações sintático- diferentes  conjunções
-semânticas entre conectores  advérbios
termos, orações, perí-  respectivas
odos parágrafos e blo- locuções
cos supraparagráficos

Fonte: Adaptado de Antunes (2005).


Texto e os fatores de textualidade I 5

Como você pode notar, todos os tipos de relações estabelecem ligações.


Elas se diferem pela forma como a ligação é feita. A seguir, você vai ver como
cada relação organiza essas ligações.
A reiteração ocorre pela retomada de segmentos anteriores. O desenvolvi-
mento do texto, nesse caso, depende do que foi dito antes. É esse movimento
que assegura ao texto a continuidade de seu fluxo. Assim, cada elemento
fornece o acesso aos outros. Um exemplo desse movimento é o uso de um
pronome ou de um sinônimo para reiterar a palavra expressa previamente.
Já a associação se estabelece na ligação de sentido entre as diversas palavras
presentes no texto. Um recurso muito utilizado nessas relações é a aplicação
de termos do mesmo campo semântico ou de campos afins. Esse tipo é o que
garante que nenhuma palavra fique solta no texto: há sempre uma relação
semântica, por mais tênue que seja, sendo estabelecida entre as palavras. Isso
significa que a associação contribui diretamente com a unidade temática, pois
ela condiciona a proximidade semântica entre as palavras do texto. Portanto,
as relações que garantem a coesão não são de cunho ortográfico ou fonoló-
gico, por exemplo, e sim de cunho semântico, pois a escolha das palavras que
compõem o texto depende da intenção do autor, daquilo que ele quer dizer.
A conexão refere-se à relação semântica entre as orações (ou ainda entre os
períodos e parágrafos). As conjunções, as preposições, as locuções conjuntivas
e as locuções prepositivas conectam os segmentos, por isso são chamadas de
“conectores”.

As conjunções ligam orações. Por exemplo: “Estudei muito, mas não passei no concurso”.
Algumas locuções também cumprem esse papel: “Vou à festa desde que não chova”.
Por sua vez, as preposições unem termos da oração. Por exemplo: “Desde dezembro,
não vejo minha irmã”. Novamente, as locuções também cumprem esse papel: “De
acordo com Beatriz, nada mais poderá ser feito”.

Os conectores indicam a relação semântica que o autor do texto pretende


estabelecer entre as orações, períodos e parágrafos. Nesse sentido, são respon-
sáveis pela condução da direção argumentativa do texto. Ou seja, ao funcio-
narem como elos entre as partes do texto, promovem relações de causalidade,
temporalidade, oposição, finalidade, adição, explicação, etc.
6 Texto e os fatores de textualidade I

Em suma, a coesão e a coerência dependem da articulação entre palavras,


orações, frases e parágrafos. Para que os procedimentos de reiteração, asso-
ciação e conexão se concretizem, são necessários alguns recursos coesivos,
que você vai estudar na próxima seção.

Recursos coesivos em textos


A coesão refere-se à sustentação do texto, ou seja, é seu alicerce gramatical e
semântico. A coesão gramatical é responsável pela articulação de elementos
linguísticos; logo, observa as regras das relações sintáticas e a estrutura. A
coesão semântica busca relacionar os elementos linguísticos que fazem refe-
rência a determinado campo semântico. Para que essas relações se estabeleçam
e se concretizem, há o auxílio de procedimentos e recursos.
Antunes (2005, p. 58) afirma que “[...] as relações de reiteração, associação
e conexão se realizam pelos procedimentos de repetição, substituição, seleção
lexical e conexão sintático-semântica”. O autor destaca que os textos falados e
escritos resultam da interação verbal e que “produzir um texto coeso e coerente
é muito mais que emitir palavras em cadeia ou interligar orações e períodos”.
Contudo, o que ocorre na superfície do texto é essencial para que ele seja
adequadamente interpretável. A seguir, você vai conhecer as características
e o funcionamento dos procedimentos e recursos.
Quando se pretende reiterar ideias e palavras, aplicam-se procedimentos
de repetição e substituição. O primeiro funciona com a volta a um segmento
prévio do texto, e o segundo retoma a ideia ou o antecedente com o uso de
variados termos constituintes do nexo textual. Nesses casos, é comum o uso
de pronomes, advérbios, sinônimos.
A repetição ocorre com os recursos de paráfrase, paralelismo e repetição
propriamente dita. A paráfrase é utilizada para dizer novamente algo que já
foi dito antes — a fim de poder explicar melhor, por exemplo. Nesse sentido,
a intenção é dizer de uma forma mais transparente algo que já foi dito. Essa
reformulação costuma ser introduzida por expressões como: “ou seja”, “isto
é”, “em outras palavras”, “em síntese”, etc.
O paralelismo é um recurso utilizado para coordenar segmentos sintáticos
idênticos; ou melhor, a unidades semânticas similares deve corresponder uma
estrutura gramatical similar. Antunes (2005, p. 64) afirma o seguinte:
Texto e os fatores de textualidade I 7

O paralelismo não constitui propriamente uma regra gramatical rígida. Cons-


titui, na verdade, uma diretriz de ordem estilística — que dá ao enunciado
uma certa harmonia — e constitui ainda um recurso de coesão — que deixa o
enunciado numa simetria sintática que é por si só articuladora. Vale ressaltar
que o paralelismo tem tanto função coesiva quanto estilística.

A repetição propriamente dita refere-se ao esforço de fazer reaparecer


uma unidade (palavra, sequência de palavras, frase inteira) que já tinha surgido
anteriormente no texto. É um recurso fundamental para a continuidade textual
exigida pela coerência, pois o caráter reiterativo do texto revela as articulações
entre as partes, que não permitem que se construa apenas um amontoado de
frases soltas. Isso significa que, ao contrário do que afirmam muitos manuais
de redação, a repetição é um recurso textual significativo. Ela só não pode
contribuir com a monotonia nem modificar o foco de atenção do leitor.
Antunes (2005) apresenta algumas funções da repetição: marcar a ênfase que se
pretende atribuir a determinado segmento; marcar o contraste entre dois segmentos
do enunciado; servir de gancho para uma correção; expressar uma espécie de
quantificação; e, principalmente, marcar a continuidade do tema em foco. Portanto,
voltar a usar uma palavra é um recurso natural para um texto que trata de um tema
específico, afinal é preciso manter a unidade e a continuidade temáticas.
Entretanto, repetir palavras não é a única forma de marcar a relação semân-
tica entre partes do texto. A substituição pode atingir o mesmo efeito por vias
diferentes: a substituição de uma palavra por um pronome, um advérbio ou
outra palavra com equivalência semântica é um recurso coesivo essencial para
a escrita clara de um texto. Esse recurso coesivo se subdivide em substituição
gramatical e substituição lexical.
Os pronomes são muito utilizados como mecanismos da substituição gra-
matical. A carga significativa plena dos pronomes pessoais, por exemplo, só
ocorre quando eles se relacionam a um substantivo. Logo, os pronomes revelam-se
uma peça fundamental na arquitetura da amarração de um texto. Dessa forma,
a grande função textual dos pronomes é assegurar a cadeia referencial de um
texto; assim, possibilitam a reiteração e a continuidade que o texto exige para
ser coerente.
O substantivo a que o pronome se refere pode aparecer antes ou depois desse
pronome. No primeiro caso, há uma anáfora, quando o termo antecedente é
retomado por um pronome. Veja um exemplo:
8 Texto e os fatores de textualidade I

Encontrei a casa dos meus sonhos! Ela é fantástica!

No segundo caso, há uma catáfora, isto é, o pronome antecipa o substantivo


que substitui. Veja:

Ela é fantástica! A casa de que te falei!

Segundo Antunes (2005, p. 88), é preciso:

[...] tomar consciência de que o procedimento da substituição pronominal é um


recurso altamente frequente em nossas interações verbais, faladas e escritas,
e que decidir por substituir ou não uma palavra por um pronome requer a
competência de saber avaliar seus efeitos. Com uma substituição, um texto
pode ficar mais conciso, mais enxuto, ou, ao contrário, pode ficar menos claro
e mais sujeito a ambiguidades ou a interpretações dúbias. As competências
para tomar decisões desse tipo é que são as verdadeiras competências textuais,
aquelas para as quais devíamos dirigir nossas maiores atenções.

A substituição de uma palavra por um pronome ou por um advérbio é uma


forma de criar a continuidade necessária à referência. Dessa forma, surge um
nexo de ligação entre o termo referente e o termo substituto; e a ocorrência de
vários nexos forma uma cadeia coesiva. Esses nexos podem ser constituídos de
pronomes demonstrativos, possessivos, relativos e indefinidos, ou seja, não só
de pronomes pessoais. O importante é que retomem ou antecipem referências
anteriores ou subsequentes.
Contudo, é preciso ter cuidado para não criar construções ambíguas ou
imprecisas. Para tanto:

 os pronomes possessivos devem associar a ideia de posse às pessoas


do discurso, relacionando a coisa possuída com a pessoa do possuidor;
 os pronomes relativos devem ser empregados de acordo com a estrutura
de cada tipo;
 os pronomes demonstrativos devem fazer referência ao substantivo que
preenche o significado da pessoa do discurso a que se relacionam, indi-
cando a posição do substantivo em relação ao que se declara sobre ele;
 os pronomes indefinidos precisam se referir a uma terceira pessoa de
forma imprecisa.
Texto e os fatores de textualidade I 9

Veja alguns exemplos:

A intenção era aproximar o aluno da sua realidade.


A instituição cujos princípios estavam sendo elaborados...
O pai conversou com o filho. Este pareceu alheio aos
conselhos paternos.
O jogador entregou a bola a outro e saiu do campo.

Há escolas que se preocupam em trabalhar as nomenclaturas e apresentar os aspectos


de classificação. Mas isso não basta. Saber gramática implica saber construir articu-
lações que façam sentido. No caso dos pronomes, é preciso remeter as retomadas
pronominais ao ponto certo.

Na substituição gramatical, portanto, os pronomes não têm autonomia


referencial, pois dependem do termo que retomam. Isso significa que eles
funcionam especificamente como substituidores.
Outro recurso de coesão textual é a substituição lexical. Nesse caso, há a ligação
entre dois ou mais segmentos textuais, ou seja, uma palavra é aplicada no lugar de
outra que seja equivalente no âmbito textual. Para que essa substituição seja feita
com adequação, é necessário um ato de interpretação, isto é, é preciso avaliar se
o termo substituidor atingirá o objetivo. Veja o que afirma Antunes (2005, p. 96):

Pela substituição se consegue [...] a volta a uma referência ou a uma predicação


já feitas no texto e, por isso, ela é reiterativa. Tal como a repetição, a substituição
é um recurso da continuidade do texto, ou, ainda, outra forma de se mostrar que
dois ou mais segmentos estão semanticamente inter-relacionados [...] Em relação à
repetição, a substituição oferece uma vantagem, que é aquela de se poder acrescen-
tar informações ou dados acerca de uma referência já introduzida anteriormente.

Geralmente, usam-se sinônimos, hiperônimos e expressões descritivas no


processo de substituição lexical. Veja um exemplo:
10 Texto e os fatores de textualidade I

A família precisava conter os gastos. As despesas domiciliares


estavam acima do que poderiam pagar.

Note que o uso do termo “despesas” garante a continuidade do tema do texto,


ou, no caso do exemplo, do tópico do parágrafo, pois se formou uma cadeia, uma
sequência. Além disso, a palavra “despesas” aumenta o grau de persuasão, pois
o leitor tem acesso a uma nova informação (as despesas eram domiciliares), o
que pode acentuar o seu interesse. Afinal, o uso de sinonímias vai além do valor
semântico: elas são “[...] os nós que ligam subpartes do texto. Elas tecem o texto;
elas são elementos de sua organização e construção” (ANTUNES, 2005, p. 102).
A substituição por hiperonímia põe em cadeia dois segmentos, que serão
interpretados como equivalentes. Justamente por sua versatilidade, os hipe-
rônimos podem assumir diferentes equivalências, mas isso não significa que
eles possam substituir qualquer palavra: existem algumas restrições. Esse
é o caso, por exemplo, de alguns designadores rígidos, como os nomes das
espécies naturais. A hiperonímia é um tipo de substituição que:

[...] além de constituir uma forma de ligar subpartes do texto, concorre ainda
para sinalizar as visões que as pessoas assumem ao dizer certas coisas [...]
esse tipo de retomada é também percebido como uma espécie de resumo, de
recapitulação de blocos anteriores (ANTUNES, 2005, p. 106).

A hiperonímia é uma relação estabelecida entre uma palavra de sentido mais geral
e outra de sentido específico, como “animal” e “vaca”.

A descrição situacional retoma um referente por meio de uma expressão


que descreve esse referente. Essa expressão, muitas vezes, aproxima-se da
hiperonímia, porém, ao contrário dela, tem função qualificadora a partir dos
elementos pertinentes na circunstância expressa. No Quadro 2, veja algumas
expressões qualificadoras consagradas.
Texto e os fatores de textualidade I 11

Quadro 2. Exemplos de substituições que exigem o acionamento do conhecimento


enciclopédico

o futebol o nobre esporte bretão

o papa João Paulo II o ex-bispo da Cracóvia


o papa peregrino

a contratação de servidores sem concurso o trem da alegria

São Paulo a quarta maior metrópole do mundo

a Igreja Católica o Vaticano

Rio de Janeiro esta Dinamarca tropical

o Governo Federal o Palácio do Planalto


o Planalto
Brasília

a fatia mais inexpressiva da Câmara o baixo clero

políticos mineiros a turma do pão de queijo

a cúpula do PSDB a alta plumagem do tucanato

o basquete a cesta

Marte o planeta vermelho

Terra o planeta azul

o reggae o novo porta-voz do protesto

Fonte: Adaptado de Antunes (2005).

Como você pode notar, esse tipo de retomada mobiliza o conhecimento de


mundo. Assim, ao sinalizar que determinado objeto tem certas características
em dada situação, essa forma de substituição está promovendo a continuidade
do texto. Muitas vezes, a escolha pelas palavras que constituem a expressão
de retomada revela o ponto de vista do locutor.
A substituição por elipse é uma das mais usadas e mais estudadas. Ela ocorre
com o ocultamento de um termo da oração, que pode ser identificado ou pelos
elementos gramaticais, ou pelo contexto. Segundo Antunes (2005, p. 119), “[...]
a elipse pode ser um indicativo de que algo continua em foco. Por isso mesmo é
que a elipse é considerada, na perspectiva do texto, uma espécie de reiteração”.
12 Texto e os fatores de textualidade I

Já o procedimento de associação semântica entre palavras refere-se às liga-


ções entre o significado e o léxico. A escolha do autor/falante será determinada
pelo tema do texto e pela sua finalidade. Entretanto, as relações semânticas
mais comuns são de: antonímia, co-hiponímia e partonímia. Em todas essas
possibilidades, atua o conhecimento de mundo: os esquemas de organização
da realidade são uma base significativa para as associações semânticas.
O procedimento de conexão é realizado pelo uso de conectores (conjun-
ções, preposições, advérbios e suas locuções), que promovem a sequência de
diferentes partes do texto, ou seja, a ligação estabelecida ocorre em pontos
determinados do texto. Em suma, há diferentes recursos para se estabelecerem
relações coesivas entre as palavras, as orações, os períodos e os parágrafos.
Para que tais recursos cumpram sua função coesiva, devem promover a con-
tinuidade do texto e auxiliar na clareza das informações.

Diferentes gêneros textuais e sua forma


de comunicar
No seu dia a dia, você se depara com vários tipos de textos, escritos e falados.
Mas o que os diferencia? Dois aspectos significativos para a diferenciação dos
gêneros são a situação e o contexto de produção. Além disso, cada texto
pode ter uma finalidade específica.

Gêneros textuais ou discursivos referem-se a tipos de textos que se repetem na


linguagem, no conteúdo e na estrutura. Os gêneros foram criados para atender a
determinadas necessidades de interação verbal.

Numa situação de interação verbal, a escolha do gênero tem relação com o


emissor, com o receptor, com a finalidade, com o momento histórico, etc. Essas
escolhas orientam a forma de comunicar. Consequentemente, alguns procedimen-
tos e recursos coesivos são privilegiados. A seguir, você vai ver alguns gêneros
textuais e analisar alguns exemplos para verificar como isso ocorre na prática.
Um dos gêneros mais utilizados no meio acadêmico é o argumentativo.
Como esse tipo de texto mobiliza o autor a explorar um assunto, explicando-o
Texto e os fatores de textualidade I 13

e persuadindo o leitor, leva à elaboração de uma tese e à construção de uma


opinião fundamentada. Os concursos vestibulares geralmente solicitam a escrita
de um texto dissertativo-argumentativo. Dessa forma, o candidato deve analisar
um assunto ou um problema e se posicionar, tentando convencer o leitor de seu
ponto de vista. Leia um parágrafo de uma redação que recebeu nota máxima
no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2018 (TAUMATURGO apud
CAMPOS, 2019, documento on-line):

Segundo as ideias do sociólogo Habermas, os meios de comunicação são


fundamentais para a razão comunicativa. Visto isso, é possível mencionar
que a internet é essencial para o desenvolvimento da sociedade. Entretanto,
o meio virtual tem sido utilizado, muitas vezes, para a manipulação do com-
portamento do usuário pelo controle de dados, podendo induzir o indivíduo
a compartilhar determinados assuntos ou a consumir certos produtos. Isso
ocorre devido à falta de políticas públicas efetivas que auxiliem o indivíduo a
“navegar”, de forma correta, na internet, e à ausência de consciência, de grande
parte da população, sobre a importância de saber utilizar adequadamente o
meio virtual. Essa realidade constitui um desafio a ser resolvido não somente
pelos poderes públicos, mas também por toda a sociedade.

Note que, nesse tipo de texto, as frases são mais complexas e as orações
mostram-se mais articuladas. Assim, é preciso estabelecer uma harmonia
que deixe o enunciado com uma simetria sintática. Esse é o caso do trecho
“Essa realidade constitui um desafio a ser resolvido não somente pelos po-
deres públicos, mas também por toda a sociedade” (TAUMATURGO apud
CAMPOS, 2019, documento on-line). As expressões “não somente” e “mas
também” revelam um processo correlativo de adição, um tipo de estrutura
paralela comum nos textos dissertativos.
Observe ainda a expressão “essa realidade”: ela descreve a situação de proble-
mas oriundos do mundo virtual em apenas duas palavras. É comum nos textos
longos, principalmente nos argumentativos, o uso de descrições situacionais
como forma de retomar um termo anterior. Além disso, a própria descrição
revela o ponto de vista da autora: os problemas citados na frase anterior são o
que ela considera uma realidade. Portanto, o uso dessa expressão é uma escolha
de ordem sociocognitiva e mostra determinada percepção acerca da realidade.
De qualquer maneira, é visível que um dos pontos fortes da organização
do texto analisado é o uso de conectores. Ao longo dos parágrafos e dos
períodos, encontram-se elementos que orientam o interlocutor na direção
pretendida. Observe:
14 Texto e os fatores de textualidade I

Visto isso, é possível mencionar que a internet é essencial


para o desenvolvimento da sociedade. Entretanto, o meio
virtual tem sido utilizado, muitas vezes, para a manipulação
do comportamento do usuário pelo controle de dados
(TAUMATURGO apud CAMPOS, 2019, documento on-line).

Atente ao uso de “entretanto”: essa conjunção não apenas estabelece uma


ligação entre duas orações e dois períodos, mas também introduz uma direção
argumentativa contrária à que vinha sendo apresentada. Aliás, mais do que orientar
para uma ideia oposta, o uso de “entretanto” demonstra uma relação de concomi-
tância entre as duas informações: o meio virtual é essencial para o desenvolvimento
da sociedade e contribui para a manipulação do comportamento do usuário.
Note que a unidade temática do texto é mantida com o uso de diferentes
termos da mesma família: “internet”, “meio virtual”, “usuário”, “navegar”.
Contudo, essas palavras só têm sentido dentro do contexto apresentado na
redação. Assim, evidencia-se que o usuário é aquele que acessa a internet e
que navegar é utilizar esse meio.
Agora, você vai analisar outro gênero: o jornalístico. Leia um fragmento
de uma reportagem sobre as eleições para a presidência da Argentina:

O resultado da eleição foi o mais balsâmico possível. Alberto Fernández der-


rotou, mas não varreu, o que permitiu que o macrismo se tornasse uma forte
oposição. Também o comportamento de Macri e Fernández foi balsâmico.
Diferente do áspero alívio de quatro anos atrás, em que Cristina Kirchner se
recusou a entregar os símbolos presidenciais a Macri, desta vez os dois rivais
deixaram de lado sua antipatia mútua e se declararam dispostos a trabalhar
juntos (GONZÁLEZ, 2019, documento on-line).

Observe que a repetição do termo “balsâmico” foi uma maneira que o


jornalista encontrou para marcar a falta de contraste entre os adversários
políticos. Nesse sentido, ele não apenas informou sobre a reação de cada
concorrente diante do resultado das eleições como revelou o teor de todo o
processo eleitoral. Portanto, a repetição pode ser um recurso coesivo importante
em textos que pretendem informar enfatizando alguns aspectos.
A repetição é comum também em poemas. Observe o poema de Carlos
Drummond de Andrade (2019, documento on-line):
Texto e os fatores de textualidade I 15

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Veja que a frase “E agora, José?” é um recurso que une as pontas do texto:
do começo ao fim do poema, há uma indicação clara de que o tema do texto
é o que José pode fazer diante de algumas situações difíceis. A pergunta se
repete, mas as demais partes do texto progridem, alterando as circunstâncias
em que cabe o questionamento a José. Nos textos científicos, também é comum
que apareçam palavras repetidas. Veja:

Como já mencionado neste trabalho, o Brasil é hoje o quarto país do mundo


em número de smartphones, com aproximadamente 70 milhões de aparelhos,
segundo dados da consultoria especializada Morgan Stanley, divulgados em
2013. Contudo, para que possamos entender o real impacto dos smartphones
na sociedade e em sua cultura, articulados com os conceitos já vistos, como
cibercultura, convergência midiática, redes sociais, crossmídia e transmídia,
e tentando responder aos objetivos específicos deste trabalho, importantes
perguntas devem ser colocadas em relação a estes dados: quem são estes usu-
ários? Quais são suas características? Como eles utilizam os smartphones e
quais são seus hábitos de consumo? (COUTINHO, 2014, documento on-line).

Nesse tipo de texto, a repetição se deve mais à especificidade do assunto.


Como a nomenclatura é bastante especializada, as possibilidades de substi-
tuição lexical são mais restritas.
Os textos explicativos, principalmente os de cunho didático, costumam
apresentar paráfrases para inserir as mesmas explicações de forma diferente.
Veja um exemplo extraído de um livro didático sobre signo linguístico
(NICOLA, 2006. p. 128):
16 Texto e os fatores de textualidade I

Entretanto, tal ligação entre representação (significante) e


ideia (significado) é totalmente arbitrária, ou seja, não há nada
que indique que deve haver uma relação entre elas.

Observe que a paráfrase funciona como um recurso para clarificar um


conceito. Essa nova formulação dos itens do enunciado permite uma ligação
entre os dois segmentos textuais por meio de palavras diferentes.
Em síntese, cada gênero textual está mais suscetível a determinados recursos
e procedimentos coesivos. Desse modo, conforme as intenções comunicativas
e as circunstâncias de interação, são mobilizados recursos que auxiliam na
continuidade e na articulação das partes de um texto.

ANDRADE, C. D. E agora, José? In: MARCELLO, C. Poema "E agora, José?" de Carlos Drum-
mond de Andrade. [S. l.: s. n.], 2019. Disponível em: https://www.culturagenial.com/
poema-e-agora-jose-carlos-drummond-de-andrade/. Acesso em: 14 nov. 2019.
ANTUNES, I. Lutar com palavras: coesão e coerência. São Paulo: Parábola, 2005.
CAMPOS, L. V. Confira redações nota mil do Enem 2018. Brasil Escola, mar. 2019. Disponível
em: https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/enem/conheca-as-redacoes-nota-mil-
-enem-2018/345063.html. Acesso em: 14 nov. 2019.
COUTINHO, G. L. A era dos smartphones: um estudo exploratório sobre o uso dos
smartphones no Brasil. Monografia (Graduação) - Universidade de Brasília, Brasília,
2014. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/9405/1/2014_GustavoLeu-
zingerCoutinho.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019.
GONZÁLES, E. Alberto Fernández vence Macri e será o próximo presidente argentino.
El País, out. 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/27/internacio-
nal/1572188885_484061.html. Acesso em: 14 nov. 2019.
HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Cohesion in english. London: Longman, 1976.
KOCH, I. G. V. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2010.
KOCH, I. G. V.; TRAVAGLIA, L. C. Intencionalidade e aceitabilidade. In: KOCH, I. G. V.;
TRAVAGLIA, L. C. A coerência textual. 17. ed. São Paulo: Contexto, 2007.
NICOLA, J. Língua, literatura e produção de textos. São Paulo: Scipione, 2006. v. 1.
Texto e os fatores de textualidade I 17

Os links para sites da Web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun-
cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a
rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de
local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade
sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links.

Você também pode gostar