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O CORPO NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA E O PROBLEMA DA

IDENTIDADE DOS SUJEITOS NA ATUALIDADE

Roberto Batista Serra1


Dr. Prefº. Joaquin Hudson de Souza Ribeiro2

Resumo: O culto ao corpo é uma realidade difundida no contexto social contemporâneo, que
perpassa todas as relações entre as pessoas e a construção da identidade. Os pensamentos
filosóficos nos proporcionam condições para compreendermos este fenômeno em nosso
tempo e os fatos que corroboram para o desfecho dessa realidade. Este artigo objetiva
compreender o fenômeno do culto ao corpo na contemporaneidade tendo como princípio as
contribuições filosóficas como possibilidade de compreensão da identidade do sujeito.
Identificaremos a concepção de corpo no decorrer da história da filosofia. Descreveremos a
concepção de corpo construída nos tempos hodiernos. Apresentaremos ainda, o cuidado de si
como possibilidade de princípio de construção de identidade. A realização desse estudo
utilizou o método bibliográfico descritivo fazendo uso de diversas obras filosóficas e artigos
referentes ao tema, bem como o método de pesquisa hermenêutico-dialético. São inúmeros os
fatores que advém do culto ao corpo tanto para a sociedade em geral quanto para pessoa em
particular. O que muitas vezes, leva as pessoas a se descaracterizarem como seres viventes,
existentes e subjetivos.
Palavra-chave: Culto ao corpo. Identidade. Sociedade. Pessoa.

Sommario: Il culto del corpo è una realtà diffusa nel contesto sociale contemporaneo, che
permea tutti i rapporti tra le persone e la costruzione dell'identità. I pensieri filosofici ci
forniscono le condizioni per capire questo fenomeno nel nostro tempo e i fatti che confermano
il risultato di questa realtà. In somma, questo articolo si propone di comprendere il fenomeno
del culto del corpo nel mondo contemporaneo avendo come principio i contributi filosofici
come possibilità di comprendere l'identità del soggetto. Identificheremo la concezione del
corpo attraverso la storia della filosofia. Descriveremo la concezione decostruita nei tempi
moderni. Presenteremo anche la cura di sé come una possibilità di principio di costruzione
dell'identità. Pertanto, per la realizzazione di questo studio useremo il metodo bibliografico
descrittivo facendo uso di diverse opere e articoli filosofici che si riferiscono al tema. Avremo
anche come metodologia di analisi il metodo ermeneutico-dialettico della ricerca. Ci sono
innumerevoli fattori che derivano dal culto del corpo sia per la società in generale che per
l'individuo in particolare. Questo spesso porta le persone a s-caratterizzarsi come esseri
viventi, esistenti e soggettivi.
Parole Chiavi: Culto del corpo. Identità. Società. Persona.

1. INTRODUÇÃO
1
Acadêmico concludente da Faculdade Salesiana Dom Bosco-Leste: Manaus - AM. E-mail:
robertobatista61@gmail.com.
2
Doutor em Psicologia, Professor da Faculdade Salesiana Dom Bosco – Leste. Presbítero da
Arquidiocese de Manaus, AM. E-mail: jhudsonmanaus@hotmail.com. Tel: (92) 98108-7172.
1
A busca pela boa aparência corporal tem ganhado muito destaque na sociedade
contemporânea. O que traz implicações direta ao comportamento das pessoas, tanto no que se
refere às relações sociais, quanto as pessoas. Enquadrar-se nos padrões de beleza
estabelecidos pela sociedade significa, muitas vezes, perder sua identidade, sua subjetividade.
É antes de tudo diminuir-se e colocar-se somente como um ser exterior, ou seja, reduzir a
totalidade do seu ser apenas à matéria.
Nesta realidade encontramos inúmeros fatores que contribuem para este processo de
desconstrução do ser humano. Entre estes está a mídia, principal meio de divulgação da ideia
da aparência perfeita. As informações de corpo perfeito divulgadas na mídia, tem geralmente
uma conotação de cuidado com a saúde. A mídia esboça o discurso de que: ter corpo
malhado, sem gorduras localizadas é sinônimo de boa saúde. Tal sentença nos revela uma
sociedade que reproduz o discurso midiático, através da verbalização e da busca pelas práticas
de exercícios físicos. Não queremos negar a contribuição dos exercícios físicos para a
manutenção da boa saúde, mas devemos nos perguntar: até onde vai a compreensão das
pessoas quando reproduzem este argumento?
Na tentativa de serem aceitas pela sociedade, muitas pessoas aderem à ideia de corpo
perfeito. Essa ocorrência fez aumentar nos últimos anos, significativamente o número de
academias e locais destinados a prática de exercícios físicos. O mercado que responde a
produção de produtos para atender aos padrões de beleza estabelecidos pela sociedade, tem
alavancado seu crescimento. Neste setor podemos encontrar suplementos alimentares,
medicamentos que ajudam o processo de eliminação de gorduras, medicamentos que inibem o
apetite. Encontram-se também, produtos que estimulam o ganho de massa muscular, como os
anabolizantes.
Muitas vezes as pessoas que não conseguem atingir esses padrões de corpo perfeito
acabam tendo sequelas gravíssimas tanto na esfera física, quanto na psicológica. As pessoas
que vivem em função deste fenômeno, tendem não só a ter sequelas, mas também a destruição
total de sua vida. Como no caso de pessoas que se suicidaram por insatisfação com
aparências. Esta realidade tem atingido, em sua grande maioria, os adolescentes e os jovens,
os mais vulneráveis, pois estão em pleno processo de transformação, tanto corporal, quanto
psicológico.
O cuidado excessivo com o corpo traz como consequência a construção de uma
sociedade, cuja muitas não conseguem se identificar como seres singulares. A subjetividade
está seriamente comprometida, o cuidado de si tornou-se algo egoístico, egocêntrico,

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individualista. A identidade do sujeito virou recortes, isto é, seres sem identidade próprias,
que perdem a noção do seu todo.
Para nos ajudar a refletir este fenômeno, buscaremos fazer uma pesquisa de natureza
qualitativa, com procedimento técnico da pesquisa bibliográfica; e para a análise desse
material faz-se uso do método de pesquisa hermenêutico-dialético. Diante disto, procuramos
responder ao problema deste estudo, que é: qual o valor dado ao corpo na contemporaneidade
a partir da história da filosofia para a compreensão da identidade dos sujeitos?

2. O CORPO NA HISTÓRIA DA FILOSOFIA


2.1 Filosofia Antiga
A Idade Antiga é assinalada por filósofos que procuravam examinar e traçar a origem
das coisas. Tal ideia concentrou amplo destaque até o período socrático, em que à procura
pela compreensão do ser humano passou ocupar o centro dos pensamentos filosóficos. Este
período ainda é marcado pelo valor que a sociedade grega antiga oferecia aos aspectos
estéticos do corpo humano. Igualmente se atribuía os valores aos corpos, semelhantes às
virtudes apresentadas pelas pessoas desta época (NOGARE, 2008).
Na filosofia ocidental, Sócrates (1987) compreende o ser humano como corpo e
psyché (alma). O mesmo percebe o ser humano além de sua estrutura corporal, de modo que,
para este pensador, assim como para outros filósofos, o mais importante é cuidar da alma,
pois é aí que se encontra a essência do ser humano, uma vez que o corpo não tem tanto valor
quanto a alma. A partir daí outros filósofos passam a entender o ser humano como um ser
formado de duas substâncias: corpo e alma.
Um dos grandes expoentes deste pensamento neste período é Platão que, por sua vez,
despreza totalmente o corpo. Platão defendia que o corpo era uma prisão para a alma
(NOGARE, 2008). O filósofo acreditava que as paixões eram fruto do corpo, de tal modo que:
“os prazeres e os sofrimentos são como que dotados de um cravo com o qual transfixam a
alma e a prendem ao corpo, deixando-a corpórea e levando-o a acreditar que tudo o que o
corpo diz é verdadeiro” (PLATÃO 2002, p. 29).
Procurando compreender a natureza do corpo, Aristóteles contrapõe a ideia de seu
mestre Platão. Para Aristóteles (2009) o corpo é inseparável da alma. O pensador considerava
a alma como constituinte da essência do corpo, no entanto, ela é constituída da mesma
dimensão que o corpo.

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Destaca-se também, neste período da filosofia, o pensamento dos estoicos. Julaín
Marías (2004), afirma que os estoicos partindo de sua física materialista apresentaram o corpo
concebido de razão, sendo admitido como ativo e passivo. A autora ainda observa que “esse
princípio é corporal se mistura com a matéria como um fluido gerador ou razão seminal”
(idem, p. 101).
No período de transição entre a era pagã e a era cristã, outros filósofos também
buscavam dar suas contribuições para o conhecimento acerca do corpo humano. Sêneca
(1973), por exemplo, acreditava que o corpo era reclinado para as paixões, sendo responsável
pela prisão da alma, o que leva a alma a realizar as paixões. Ainda neste período, o imperador
romano Marco Aurélio descreve em sua obra Medições, que o corpo humano é separado da
alma, afirmando que do “corpo vem as sensações, da alma os instintos [...]” (idem, p. 282).
Numênio também buscou deixar sua contribuição, defendendo que não se pode identificar o
ser humano através do corpo, sendo este propenso a mudanças contínuas (REALE, 1999).
Ainda neste período, Plotino afirma que a alma estava em todas as partes do corpo,
sendo que para ele a matéria é a forma insignificante da alma (PRADEAU, 2011). Fílon
(1987) corrobora neste entendimento ao considerar methórios como natureza do ser humano,
isto é, o corpo era a natureza mortal e este se une à alma que por sua vez era natureza imortal.
Esta união é considera pelo filósofo como a união do divino com o terreno. O autor ainda
apresentava como a formação do corpo era dada, afirma ele, a partir do barro formava-se o
corpo, mas este corpo era animado por uma mente, a alma.
Orígenes também contribui com esta temática. Para este pensador o corpo era o meio
que regenerava a alma. Ele ainda defendia que o espírito era bom, mas o pecado fez com que
a alma passasse a viver em um corpo, sendo a mesma proteção para a alma (BOEHNER &
GILSON, 2012).
No sentido de compreender o corpo na concepção dos filósofos da Idade Antiga,
observa-se no texto acima que o corpo foi tratado por alguns filósofos como sendo uma
substância desprezível. Para outros este tem a mesma importância que a alma. O que se
destaca é a visão do ser humano a partir do corpo, sendo este alvo de investigação ainda na
Idade Média.

2.2 Idade Média

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No período medieval a discussão a respeito do corpo tem quase sempre a mesma
conotação. Devido à expansão do cristianismo, a alma ganhou mais ênfase que o corpo. Essa
valorização consistiu na crença de sua imortalidade, oriunda da Idade Antiga.
A ideia de Agostinho (1973) sobre o corpo humano era permeada pelo ideal platônico.
O mesmo afirma que a verdade era encontrada na alma. Para o pensador, Deus era a vida da
alma e esta era a vida do corpo. O filósofo destacava a unidade entre corpo e alma, esta era
considerada como a essência do corpo (idem).
Outro filosofo que busca contribuir para o entendimento do corpo é João Scoto
Erígena, o mesmo define que o corpo humano era um cárcere para a alma, ou seja, o corpo é
considerado como consequência do pecado. Este é tomado como punição pelos pecados
(BOEHNER & GILSON, 2012). Os autores ainda apontam a ideia de corpo de Erígena como
sendo um meio para a reabilitação da alma, e esta, depois de regenerada voltava para Deus.
Neste mesmo período Hugo de São Vitor (2007) corrobora para este entendimento, ao
afirmar que o corpo humano é orientado pela razão ou alma, e ao nascer esse não se difere dos
animais, pois o ser humano é formado por corpo. A formação integral do ser humano só se dá
segundo o autor, a partir do corpo e da alma.
Assim como Hugo de São Vitor, Alberto Magno tomou o corpo como sendo
administrado pela alma (BOEHNER & GILSON, 2012). Para ele, o corpo é uma forma
natural simples como dos animais, sua diferença ou superioridade se dá através da alma
(idem), que é responsável por conduzir o corpo.
Um dos filósofos que mais se destacou na Idade Média, foi- Tomás de Aquino, acerca
do conhecimento sobre o corpo. Tomás acreditava que o corpo humano fosse uma matéria
inanimada (NOGARE, 2008; BOEHNER, GILSON, 2012 &HUGON, 1998). Para dar vida a
tal matéria, seria preciso que a alma se unisse ao corpo, porque tudo o que vinha a ser
essência do ser humano como ser existente, vinha da alma. Os autores ainda apresentam a
linha do pensamento aristotélico como sendo inspiração para a filosofia de Tomás Aquino.
Assim como Aristóteles, Tomás acreditava que a alma tem a mesma forma que o corpo. No
entanto, o filósofo medieval difere-se de Aristóteles, por atribuir a alma à imortalidade,
entendida como superior ao corpo, onde podia transcender à matéria corporal.
Como se observa, a filosofia da Idade Média buscou valorizar alma e desprezar o
corpo. Este pensamento parece ter ganho espaço nos discursos dos filósofos deste período,
uma vez que já se vinha discutindo esta temática na Idade Antiga. Mas com o advento do
cristianismo e a ideia de que a alma poderia ter uma existência eterna, esta passou a ser mais

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valorizada que o corpo. Nesta época como se nota o corpo foi bastante hostilizado, e a alma
bastante exaltada.

2.3 Idade Moderna


Na Idade Moderna o pensamento filosófico se volta para a subjetividade do ser
humano, e toma-o como início organizador da realidade. Neste sentido, pode-se tomar as
ideias de Descartes, Kant e Hegel, que partem da subjetividade das pessoas como centro da
construção da realidade (NOGARE, 2008). Isto, segundo Tourane (1984), faz a modernidade
deixar de fazer suas transformações legítimas, passando a ser produto da atividade racional,
científica, tecnológica e administrativa.
Acentua-se, também, o pensamento de Hobbes (2005), que traz como expoente na
ideia de corpo uma matéria natural, mas não só matéria existe algo que o anima. Assim, o
autor afirma que o ser humano é corpo-animado-sensível-racional (idem).
Na perspectiva empirista, destaca-se John Locke (1999), que acreditava que a essência
do corpo não estava na alma, como muito foi afirmado pelos filósofos que o antecederam, a
alma era, tão somente, uma parte fundamental do corpo. Para este autor, a alma era fonte do
pensamento ou, a razão do ser humano (idem).
Um dos grandes expoentes da filosofia racionalista, Descartes (1983), procurou
estudar a questão do corpo, e pôde concluir que este tem uma essência que, no caso do ser
humano é a alma, contudo, o corpo e a alma são distintos um do outro, mas, para Descartes,
Deus os tinha unido. Esta união era fundamental para este filósofo, pois, o ser humano que
“deixasse de pensar, deixaria ao mesmo tempo de ser ou de existir” (idem, p. 8). Neste
sentido, o corpo sem a alma não tem muito valor.
Outro filósofo que contribuiu para o entendimento do corpo na idade moderna foi
Spinoza (2009), que defendia a tese de que a alma é a imagem do corpo, sendo a ela parte
finita de Deus. Assim, para autor a substância do ser humano é formada de corpo e espírito,
onde são separados por uma forma divina (Idem).
A novidade a respeito da discussão do corpo é apresentada neste período por Nicolas
Malebranche (2004). Este pensador apresenta uma formação de corpo e alma diferente os seus
antecessores. Para ele o corpo não era orientado pelo espírito, o corpo e o espirito são
desprovidos de qualquer poder. Neste sentido, o filósofo acreditava que Deus é responsável
por nossas ações (idem).

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A Idade Moderna trouxe uma ideia de corpo e alma semelhante à defendida pela Idade
Média, mas acrescenta ao ser humano a subjetividade do ser. No texto acima, se observa que
o corpo em sua grande maioria e orientado pela alma. No entanto, este período traz ainda o ser
humano racional. A subjetividade do ser humano torna-se o centro do pensamento filosófico,
aonde o ser humano passa a organizar sua realidade de acordo com seu desejo. Este
pensamento desemboca em uma realidade, na qual o ser humano passa a ser pensado a partir
da razão, isto é, o ser humano passa a ser racionalizado, tudo o que envolver as pessoas deve
ter uma justificativa cientifica.

3. PERCEPÇÃO DO CORPO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA


A sociedade contemporânea apresenta como sendo uma das suas principais
características o cuidado com o corpo (BERGER, 2010). Assinala-se também, por seu
materialismo, individualismo e consumismo (IRIART; CHAVES; ORLEANS, 2009). Os
autores destacam ainda que, onde há supervalorização do corpo, aí também encontra-se um
aumento nos tempos destinados ao cuidado com o corpo, tal realidade é presente tanto no
meio masculino quanto no meio feminino (idem). Neste sentido, Merleau-Ponty (2006)
garante que, essa realidade nem sempre foi assim.
Considerado por muitos intelectuais como sendo um dos principais expoentes do
pensamento filosófico contemporâneo, no que se refere ao debate a respeito do corpo humano,
Maurice Merleau-Ponty (2006) afirma que, a busca incansável dos estudiosos que procuravam
estudar o corpo, em sua grande maioria tivera como objetivo fazer a distinção entre o ser
humano e os animais. Este pensamento segundo o autor, culminou na ideia que adotou o
corpo como um simples objeto de estudo cientifico. Desde então, o corpo foi desvalorizado e
passou a ser considerado como matéria mercantil.
Essa compreensão, induziu Merleau-Ponty (2006) a estudar o corpo, que lhe levou a
dar para este um novo significado. Segundo o filósofo, o corpo não era uma simples matéria,
mas era a substância que percebia o mundo (Idem). Essa teoria desvinculou-se das teses
anteriores, as quais afirmavam ser a alma percipiente do mundo, o corpo nestas ideias
ocupava apenas o lugar de meio pelo qual a alma percebia o mundo.
Não obstante, Michel Foucault (2000) corrobora com a ideia de Merleau-Ponty, ao
assegurar que o corpo não se limita a uma mera concepção biológica, mas, é antes uma
substância que tem vários mecanismos. Para ele, o corpo e a alma são convenientes entre si. O
mesmo ainda acreditava que “foi preciso que o pecado tivesse tornado a alma espessa, pesada

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e terrestre para que Deus a colocasse nas entranhas da matéria” (idem, p. 24). “Nesse processo
o “o corpo se altera e se corrompe pelas paixões da alma” (idem, p. 25).
Para Merleau-Ponty (2006, p. 122), o corpo é um “veículo de ser no mundo, e ter um
corpo é para um ser vivo, juntar-se a um meio definido”. Meio este, que segundo Foucault
(2000), deixa impresso no corpo características históricas, que marcam sua genealogia. Neste
sentido, Mounier (2004) compreende que a história da idade moderna imprimiu no ser
humano contemporâneo o princípio para as mudanças de valores, que vem ocorrendo na
sociedade. Para o filósofo, a existência encarnada reduz o espirito humano à matéria.
A redução do ser humano a matéria ou objeto, para Marques (2012) é condicionar as
pessoas a hábitos que na maioria das vezes só lhes servem para satisfazer o desejo da
sociedade. Assevera ainda o autor, que tal realidade faz com que o sujeito perca a
compreensão de seus valores pessoais ou os sobreponham com ideias mercantis. Neste
sentido, Touraine (1994) observa que a ética e a estética, estabelecida na modernidade, fazem
um processo de desconstrução da imagem do ser humano, criada pelo cristianismo.
Segundo Marques (2012), a ideologia de corpo perfeito fragmenta o ser humano. O
autor ainda entende que, o ser humano está sendo construído a partir de padrões sociais, que
por muitas vezes desconfigura o sujeito humano como Ser. Quanto a isso, ele afirma ainda
que, a fragmentação do ser humano tornou as pessoas um sujeito Frankenstein, isto é, um Ser
sem identidade própria, pois estes perderam a compreensão do seu todo.
Para Berger (2010) a ideologia de corpo perfeito que a sociedade atual está
mergulhada, vende para as pessoas a ideia de que cada indivíduo vai prestar conta aos olhares
destinados para si, onde as obrigam a submeterem-se diariamente à balança e ao espelho, um
processo que exige delas uma conduta ascética e individualista. Com essa realidade, Cruz (et
al, 2008) acreditam que, os adolescentes e os jovens são os mais afetados.

Em um mundo onde os adolescentes passam e a vaidade não se esconde mais por


trás dos pilares de concreto, é impossível não perceber que a modelagem corporal e
a preocupação com a forma física transpiram atreladas aos pensamentos de cada
jovem que caminha nos corredores da vida (idem, p. 1)

A vivência e a percepção do mundo através do corpo (MERLEUA-PONTY, 2006), é


entendida por Daolio (1995) como sendo “mais do que uma aprendizagem intelectual” (p. 25).
O autor compreende este fenômeno como sendo um processo de aquisição de características
culturais, estas se abrigam no corpo, como expressão de hábitos, fazendo do corpo uma
representatividade da cultura.

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Para Rios (2008), a cultura predominante na sociedade contemporânea é a do
espectador. A autora afirma que, as pessoas participantes desta sociedade buscam fazer do
outro um espectador, e este deve perceber a presença do Eu como centro imprescindível de
admiração. Neste sentido, ela ainda assegura que, as pessoas tornaram-se avaliadoras uma das
outras (idem). Berger (2010) corrobora com Rios, ao dizer que, na sociedade, onde os olhares
são os principais julgadores de aceitação e de desejo, o corpo escultural tornou-se o principal
meio para as relações sociais e interpessoais.

3.1 Sociedade dos olhares


Na sociedade onde a valorização das aparências exteriores predomina, a busca por
tentar satisfazer os olhares, ganham o centro das vidas das pessoas (MARQUES, 2012). Para
Gauthier (Apud Melysse, 2002, p. 122) os “paramentos, pinturas, ornamentos roupas etc.,
traduz uma filosofia da existência, uma filosofia atravessada pela preocupação de satisfazer a
exigência do olhar”. Neste sentido, a busca pela satisfação dos olhares iguala-se a um
espetáculo, no qual os artistas devem buscar atender as expectativas do público para arranca-
lhes aplausos. Adotar a imagem corporal como sentido da vida, é fazer dela um espetáculo
concreto, para onde volta-se as expectativas de receber todos os olhares e todas as consciência
(DEBORD, 2003).
A sociedade contemporânea encontra-se em meio a um grande espetáculo: as
aparências. Neste espetáculo se sobressai o dito pular: “aquele que não é visto, não, é
lembrado”. Para Debord (2003), a sociedade do espetáculo olha as imagens retratadas no
mundo com autonomia, o que leva as pessoas a mentirem para si mesma. Desta forma, o
espetáculo ganha um movimento autônomo, mas não vivo, em que torna o sentido da vida
real, uma grande mentira (idem). Neste sentido, uma melhor forma de buscar compreender a
sociedade contemporânea é relacionando-a com a leitura que Michel Foucault (2000) faz do
quadro de Velásquez. Desta obra o filósofo relata:

O rosto que o espelho reflete é igualmente aquele que o contempla; o que todas as
personagens do quadro olham são também as personagens a cujos olhos elas são
oferecidas como uma cena a contemplar; o quadro como um todo olha a cena para a
qual ele é, por sua vez, uma cena. Pura reciprocidade que manifesta o espelho que
olha e é olhado, e cujos dois momentos são desprendidos nos dois ângulos do
quadro: à esquerda a tela virada, pela qual o ponto exterior se torna puro espetáculo;
à direita o cão estirado, único elemento do quadro que não olha nem se mexe,
porque ele, com seus fortes relevos e a luz que brinca em seus pêlos sedosos, só é
feito para ser um objeto a ser olhado (FOUCAULT, 2000, p. 17).

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Neste sentido, Debord (2003) compreende que a dinâmica da sociedade do espetáculo
encontra-se no movimento de aquele olha quer ser olhado o que exige entre si uma harmonia
nas trocas de tais olhares. O autor afirma ainda que, “o espetáculo não quer chegar a outra
coisa senão a si mesmo (idem). Neste processo, as pessoas admiram-se umas às outras, veem-
se sempre por outros olhares, e buscam sempre selecionam o que vai mais agradar seus
expectadores (MELYSSE, 2002). Esta relação constitui-se ainda, na busca de satisfazer os
olhares e seu próprio ego (MARQUES, 2012). Nesta perspectiva, compreendesse a sociedade
contemporânea como sendo objeto a ser admirado. Iguala-se ao cachorro da obra, não
conseguem perceber-se a si mesmo, estão totalmente alienadas pela luz que bate em seus
paramentos e os aplausos que lhes são atribuídos.
No quadro de Velásquez encontra-se duas realides, a primeira é a que concentra todos
os olhares para si, a outra cena quase não é percebida. Foucault (2000). Afirma que:

Reconhecemo-los, no fundo do quadro, nas duas pequenas silhuetas que o espelho


reflete. Em meio a todos esses rostos atentos, a todos esses corpos ornamentados,
eles são a mais pálida, a mais irreal, a mais comprometida de todas as imagens; um
movimento, um pouco de luz bastariam para fazê-los desvanecer-se. De todas as
personagens representadas, elas são também as mais desprezadas, pois ninguém
presta atenção a esse reflexo que se esgueira por trás de todo o mundo e se introduz
silenciosamente por um espaço insuspeitado; na medida em que são visíveis, são a
forma mais frágil e mais distante de toda realidade (FOUCAULT, 2000, p. 18).

Foucault (2000) apresenta também uma concepção de pintor, para ele o pintor é aquele
que só dirige o olhar para o espectador, quando o espectador se coloca no lugar de modelo.
Neste sentido, compreendesse que a sociedade se coloca como pintor, que direciona seus
olhares para as pessoas somente quando estas se fazem modelos, ou seja, quando elas
participam dos padrões sociais. O autor ressalta ainda que, o olhador e o olhado vivem
trocando de posição, uma hora é o espectador e em outra é o modelo. Berger (2010) salienta
que, o sujeito participante da sociedade não consegue perceber este movimento, este mesmo
não sabe quando se assenta como espectador ou modelo. Este movimento Melysse (2002)
compreende como sendo o processo de relação que a sociedade contemporânea tem nas
relações sociais e pessoais.
Estas relações, Debord (2003) asseveram serem falsas, para ele olhares que buscam a
aparências externas são falsos e traiçoeiros. Este ainda entende que o espetáculo criado pela
sociedade é o principal causador de pessoas alienadas, quanto maior for o envolvimento
menos é a compreensão da realidade. O autor ainda acredita que, o espetáculo é criado por
uma parcela da sociedade (idem). Para ele, o espetáculo é apresentado de forma grandiosa,

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onde não abre espaço para discussões, deixando esse inacessível (idem). O espetáculo traz
uma única mensagem: “o que parece é bom, o que é bom aparece” (idem, p.17). Neste
sentido, cada indivíduo mostra-se como sendo “o auto-retrato do poder” (idem, p. 21)
Esta realidade pode ser observada em meio aos jovens hodiernos (VIDAL; MOURA,
2013). Para os autores estes são ingênuos, deixam-se persuadir pelas informações
disponibilizadas pela mídia, sem nem ao menos questionar sua veracidade (idem). É neste
sentido que se constitui o poder, quando um consegue sobrepor o outro com sua ideia, e o faz
com que este a realize.
Neste sentido Marques (2012) diz que, as pessoas reconhecem um às outras através de
seus corpos, onde esta relação pode deixar umas ás outras vulneráveis ao poder de outrem.
Para Foucault (2006) o poder ninguém sabe onde está.

Atualmente se sabe, mais ou menos, quem explora, para onde vai o lucro, por que
mãos ele passa e onde ele se reinveste, mas o poder.... Sabe-se muito bem que não
são os governantes que o detêm [...]. Onde há poder, ele exerce. Ninguém é,
propriamente falando, seu titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em
determinada direção, com uns de um lado e outros de outro; não se sabe ao certo
quem o detém; mas se sabe que não o possui (idem, p. 75).

O filósofo acredita que na relação de sujeito e poder concentrar-se algo fundamental


que é o desejo (idem). A execução do poder precisa necessariamente de uma intenção ou de
um desejo, onde pode ser bom ou ruim, o resultado deste sempre dependerá do sujeito que o
detém (idem). A relação existente entre quem tem o poder e de quem vive sobre a lei deste,
englobam vários âmbitos da vida humana (idem). Neste sentido, compreende-se que,
ideologias como a do culto ao corpo quando ganham tamanha proporção, é uma forma de
poder, a qual submetem as pessoas a viverem sobre suas ideias e suas tendências.
A relação de poder do corpo para Foucault (2006) deu-se a partir do da consciência
sobre seu próprio corpo, explica o autor:

O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito
do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento
muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu
próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder
exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. Mas, a partir
do momento em que o poder produziu este efeito, como conseqüência direta de suas
conquistas, emerge inevitavelmente a reinvindicação de seu próprio corpo contra o
poder, a saúde contra a economia, o prazer contra as normas morais da sexualidade,
do casamento, do pudor. E, assim, o que tornava forte o poder passa a ser aquilo por
que ele é atacado... O poder penetrou no corpo, encontra-se exposto no próprio
corpo... Lembrem-se do pânico das instituições do corpo social (médicos, políticos)
com a idéia da união livre ou do aborto... Na realidade, a impressão de que o poder

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vacila é falsa, porque ele pode recuar, se deslocar, investir em outros lugares... e a
batalha continua (idem, p. 146).

Para Cruz, Nilson, et al (2008), o poder existente sobre o corpo na sociedade


contemporânea encontra-se principalmente na mídia, pois esta a cada dia ganha espaço na
vida da sociedade como formadora de opinião. Sendo responsável por fazer as pessoas
construírem para si uma subjetividade a partir de ideias midiáticas (idem). Foucault (2006)
afirma ainda que:

O corpo se tornou aquilo que está em jogo numa luta entre os filhos e os pais, entre a
criança e as instâncias de controle. A revolta do corpo sexual é o contra-efeito desta
ofensiva. Como é que o poder responde? Através de uma exploração econômica (e
talvez ideológica) da erotização, desde os produtos para bronzear até os filmes
pornográficos... Como resposta à revolta do corpo, encontramos um novo
investimento que não tem mais a forma de controle-repressão, mas de controle-
estimníação: "Fique nu... mas seja magro, bonito, bronzeado!" A cada movimento de
um dos dois adversários corresponde o movimento do outro. Mas não é uma
"recuperação" no sentido em que falam os esquerdistas. E preciso aceitar o
indefinido da luta ... O que não quer dizer que ela não acabará um dia (idem, p. 147).

Neste sentido Berger (2010) compreende que, o ambiente de poder instalado na


sociedade hodierna, monta um cenário em que a cidadania perpassa o ambiente do consumo,
onde inferioriza os que não podem participar deste cenário. A autora acredita ainda que, a
sociedade constrói uma existência, em que as pessoas se preocupam mais com as aparências
que com seu próprio Ser (idem).
O filósofo Merleau-Ponty (2006), ao viver em uma época em que o corpo era
desvalorizado e tratado como objeto de estudo pela ciência, buscou-o estudar e oferecer um
novo significado para ele, afim de valoriza-lo. Hoje, diante do fenômeno da supervalorização
do corpo, Campagna e Souza (2006) compreendem que tal realidade desvaloriza a
subjetividade das pessoas. Para Marques (2012), a supervalorização do corpo descaracteriza o
ser humano e o faz perder a própria identidade.
É de comum acordo que se deve cuidar do corpo. “Cuidar do corpo é muito bom,
afirmam os autores Cruz, Nilson, Pardo e Fonseca (2008), “querer um corpo magro e belo
também é bom, mas os limites que se tem ultrapassado para a conquista deste corpo é que
devem ser avaliados e discutidos” (p. 2). Os autores acreditam ainda que, o não cuidado com
o corpo pode acarretar no extremo da realidade do culto ao corpo, a obesidade. Neste sentido
assegura-se que, assim como o cuidado excessivo pode ocasionar vários danos às pessoas, o
descuido pode também causar sérios danos a saúde, tanto física quanto psíquica.

4. IDENTIDADE DO SUJEITO
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O ser humano é um ser que constrói sua identidade no decorrer de sua história. Para
Berger (2010) a construção da identidade esta intrinsicamente ligada à imagem corporal. A
autora assegura que, a supervalorização do corpo constrói uma identidade para as pessoas,
onde as introduzem no meio da sociedade fazendo com que esses sujeitos ocupem um lugar.
No entanto, assevera a autora que, a busca pelo corpo perfeito pode ocasionar também a
desconstrução da identidade pessoal. Essa perda ocorre no âmbito das características
genéticas, onde dilui o Eu e o substitui por figuras técnicas de beleza (idem).
Para Iriart, Chaves e Orleans (2009), as pessoas da sociedade contemporânea formam
sua identidade e sua autoimagem a partir de uma “verdade” construída através do consumo,
inclusive a que se refere aos cuidados com o corpo. Os autores afirmam que, a busca pela boa
aparência física tornou-se o maior meio de demonstração da subjetividade e da construção da
identidade (idem). Neste sentido, Melysse (2002) assegura que, a supervalorização do corpo
veio a ser um mecanismo para externalizar o “belo”, com o qual as pessoas buscam
aperfeiçoar sua identidade sexual e social. Berger (2010) salienta que, “o corpo será, ao
mesmo tempo, suporte e substrato da identidade: seja na conquista de parceiros, ou de
melhores empregos, autoestima fundamental para a construção de uma identidade positiva,
passa pelo corpo” (p. 84).
A perda da identidade faz com que o ser humano sofra vários danos, o que pode
acarretar a perda de seu reconhecimento como pessoa. De acordo com Campagna e Souza
(2006), a imagem corporal é um desenho da mente sobre seu próprio corpo, ou seja, é a forma
como ele se vê. Segundo os autores, a imagem corporal vai se desenvolvendo como um
produto da relação do indivíduo consigo mesmo e com os outros e, as alterações que ocorrem
neste determinado tempo de transformação ocasionam uma perda de identidade corporal, que
leva à construção de uma nova. Para Morin (2005) o ser humano não tem uma identidade
física imutável, pois a todo momento o corpo está passando por transformações; são
moléculas se decompondo e sendo substituídas por outras, são células morrendo e outras
nascendo. Para o autor, este processo é tão visível ao longo do tempo que uma pessoa
estranha não conseguira identificar a outra em uma fotografia. O filosofo assevera inda que,
neste processo o Eu permanece; “a qualidade do sujeito transcende as mudanças do ser
individual” (idem, p. 75).
Por identidade compreende-se o reconhecimento de si, ou seja, é reconhecer-se como
Ser subjetivo (FOUCAULT, 2006). Para Foucault (idem) tal conhecimento dá-se a partir do
cuidado e do conhecimento de si mesmo. O ser humano deve ser compreendido como um Ser

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formado de corpo e espírito, um Ser natural (MOUNIER, 2004). Neste sentido Morin (2005)
afirma que, a compreensão primeira de sujeito deve ser bio-lógica. Segundo o autor, esta trata
de uma autoafirmação de ser existente, este se entende como centro de seu mundo, o que a
princípio é egocêntrico. Assim, Mounier ainda assegura que, a realidade do outro não é um
pomar onde se vive tranquilamente, mas antes, é um lugar onde se precisa sobreviver e se
adaptar.
Para Mounier (idem) esta relação faz com que uma grande parcela da sociedade crie
estereótipos que mascaram e desconstroem lentamente a verdadeira imagem do sujeito,
chegando ao ponto em que as pessoas deixam de se reconhecerem como seres individuais,
detentora de uma identidade própria. Nesta relação egocêntrica Morin aponta para um
princípio de exclusão:

Ninguém mais pode ocupa-lo, nem mesmo um gênero univitelino, ao qual, contudo,
assemelha-se a ponto de confundirem-se, dispondo exatamente da mesma identidade
genética. Gêmeos univitelinos podem ter tudo em comum, salvo o mesmo Ego. Este
não se partilha (idem, p. 75).

O autor salienta ainda que, a distinção maior entre as pessoas não está no corpo, nem
nos sentimentos ou na psique, mas encontra-se no egocentrismo no Eu, na “qualidade do
sujeito” (idem, p. 75). Pois, afirma Morin (2005, p. 75) “nenhum outro indivíduo pode dizer
Eu em meu lugar, mas todos podem dizer Eu individualmente”.
Para Foucault (idem) o cuidado de si está intimamente ligado à construção do Eu.
Assim, a formação do Eu não tem como princípio excluir o outro, pois o Eu não é um ser
individual, mas torna-se um ser nele mesmo na relação com o outro (ALFIERI, 2024).
Mounier (2004) caracteriza este processo como “ser todo para todos sem deixar de Ser e de
ser Eu” (p. 47). Neste sentido, Morin (2005), entende o egocentrismo como um processo que
tem bifurcação, isto é, este pode conduzir tanto ao egoísmo quanto ao altruísmo. Assim,
assegura o autor, o ser humano tem duas possibilidades, ou age de forma egoísta, onde toma
tudo para benéfico próprio ou renuncia tudo em favor de outros. Para o autor:

A primeira pode levar ao antagonismo em relação ao semelhante e, no limite, ao


assassinato de Caim. A segunda pode suscitar uma fraternidade que incita a dar a
própria vida por um amigo, um irmão...a qualidade do sujeito carrega a morte do
outro e o amor do outro (idem, p. 76).

O autor assegura ainda, que o ser humano vive para si e também para o outro, este
movimento compreende aquilo que ele vai denominar de trindade humano indivíduo,

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sociedade e espécie (idem). Morin (idem) compreende que o “egocentrismo pode constranger
o altruísmo; este pode superar o egocentrismo” (p. 77).
Foucault (2006) entende esta ação como sendo a desconstrução do sujeito, em outras
palavras, para formular o sujeito como sendo um Ser de identidade própria, este precisa
desconstruir-se a si mesmo, colocando em jogo o Ser mesmo do sujeito, pois o sujeito só pode
encontrar a verdade a partir de uma nova formulação de seu Ser, “digamos muito
grosseiramente de um movimento que arranca o sujeito de seu status e de sua condição atual”
(FOUCAULT, 2006, p. 17). Quanto a isso, Mounier (2004) afirma que o sujeito só começa a
desenvolver-se quando consegue descontruir o indivíduo que nele já habitava.
Morin (2005) assevera ainda que o sujeito bem entendido, pode sofrer “a pressão de
duas forças contraditórias [...], uma imanente do egoísmo, a outra do seu altruísmo, uma
decisão dolorosa ou paralisado” (p. 77). Neste sentido, compreende-se o descontruir-se de
Foucault (2006) e de Mounier (2004), onde para que o ser humano haja para o bem da
sociedade, muitas vezes tem que esquecer seu egoísmo, tem que se desconstruir suas
necessidades buscando alcançar as necessidades da comunidade ou do outro. Morin (2005)
compreende que a subjetividade do sujeito, está sempre relacionada com a afetividade. O
autor afirma ainda que, ser bom ou mal vai depender da afetividade que o sujeito tem para
com o outro (idem). Autor assegura ainda que:

Por maior que seja nossa possibilidade de integração num Nós a equação subjetiva
Ego/Eu é pessoal e inalienável. Pode-se partilhar e viver por empatia a alegria e a
dor de outro, mas a alegria e o sofrimento, ainda que partilháveis, são intransferíveis
(idem, p. 77).

Ainda segundo ele, o outro é semelhante e dessemelhante, a característica do sujeito


permite ser percebido como semelhante ou dessemelhante (Idem). “O fechamento egocêntrico
torna o outro estranho para nós; a abertura altruísta o torna simpático. O sujeito é por natureza
fechado e aberto” (idem, p. 77). O filosofo entende ainda que, “o outro é uma necessidade
interna” (idem). Neste sentido, compreende-se que a identidade do ser humano está
intrinsicamente ligada à relação com o outro.

A relação como outro inscreve-se virtualmente na relação consigo mesmo; o tema


arcaico do duplo, tão profundamente enraizado em nossa psique, mostra que cada
um carrega um alterego (eu mesmo-outro), ao mesmo tempo diferente e idêntico ao
eu. [...] Por carregarmos essa dualidade, na qual “eu é um outro”, podemos, na
simpatia, na amizade, no amor, introduzir e integrar o outro em nosso Eu (idem, p.
78).

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Para o autor a qualidade do sujeito vai determinar sua autonomia (idem). Mas o ser
humano pode ser dominado, não em um sentido externo, mas interno (idem). O autor entende
que a submissão vem da potência da subjetiva, isto é, uma ideia ou outra força maior se
coloca sobre o egocentrismo do sujeito, este acaba sendo incluso dentro de si mesmo (idem).
Morin assevera que: “podemos ser possuídos subjetivamente por um Deus, um mito, uma
idéia, esse mito, que instalados como vírus no programa egocêntrico, nos comandará,
imperativamente, enquanto cremos servir voluntariamente” (idem, p. 79).
Neste sentido compreende-se o fenômeno Culto ao corpo como sendo uma ideia que
possuiu o Eu do sujeito, tornando este refém de suas próprias criações, e o ser humano coloca-
se como sendo de igual forma aos objetos. Mounier (2004) considera esse estado como sendo,
a figura do ser humano mais inferior. O ser humano não se resume a exterioridade ou a sua
matéria, mas é um ser que transcende toda sua forma material. Trata-lo como objeto é destruir
nele qualquer tipo de percepção consciente dele com o mundo. Tomemos o pensamento de
Stein como estrutura do ser humano. Para ela segundo Garcia (1988), “o ser humano se
realiza na integração harmônica de uma estrutura cujos elementos são corpos, a alma e o
espírito” (p. 58). O ser humano deve ser compreendido como um ser formado destes
elementos, onde todos merecem a mesma atenção, pois o sujeito só é completo no mundo se
seu Ser estiver em plena harmonia.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O corpo configura-se como sendo um importante meio para a compreensão da
sociedade, mas sua maior máxima encontra-se na construção da identidade do sujeito. O
corpo implica na compreensão do ser humano enquanto ser existente, implica também no
reconhecimento do outro como sujeito social, subjetivo e transcendente. Tal reconhecimento
despertou em Sócrates o desejo pelo conhecimento de si mesmo. Esta busca suscitou ao longo
da história da humanidade e da filosofia inúmeros debates acerca do sujeito. Na Idade Média
por exemplo, despertou o desejo ou necessidade de reconhecer o Ser transcendente.
No período medieval devido a auto expansão da religiosidade, o ser humano passou a
buscar resposta para a compreensão de si no mundo metafísico, o que acarretou na
relativização do corpo. Neste período, a ideia de identidade do ser humano concentrava-se na
alma, o corpo foi minimizado. Vimos ainda esta ideia de compreender o ser fugir do âmbito
religioso na Idade Moderna. Esta por sua vez, buscou tal compreensão na razão do Ser e

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colocou o sujeito no centro da realidade do mundo. Estas ideias serviram de fundamentos para
a formação do ser humano contemporâneo.
Na sociedade contemporânea o discurso que se segue é de um Ser subjetivo. Mas, a
realidade nos mostra que tal subjetividade esta comprometidas com ideias e ideologias que
dominam a sociedade. A ideologia do corpo “perfeito”, traz o ser humano consciente de sua
matéria, mas talvez não consciente do seu Ser. Essa realidade despreza o Ser transcendental, o
fixa como Ser matéria, onde reduzem-se a mero objeto. Nos tempos hodiernos, o Ter vem
antes do Ser, isto é, primeiro eu tenho (no sentido material), depois eu sou um Ser. A
identidade do sujeito nos parece ser formada a partir de objetos, o discurso de dignidade do
ser humano compreende-se um Ser reduzido ao materialismo.
Neste sentido, as relações do ser humano ficam abaladas, tanto social quanto pessoal.
O ser humano como afirma Morin (2005) é um Ser que tem uma identidade própria, que o faz
ser ele diferente do ouro, e na sua diferença o faz serem iguais. Compreender-se como Ser, é
encontrar-se ou perceber-se como ser subjetivo, é afirmar-se como Eu. É Cuida de si é
encontrando-se consigo mesmo, é poder perceber o outro, é viver em sociedade sendo
altruísta; “Eu e o outro”. A identidade do sujeito lhe proporciona ser bom ou mal, esta atitude
dependerá sempre de sua vontade, de sua intenção. Sendo esta algo que vai além da matéria,
no sentido que o corpo faz parte da identidade do sujeito, mas a identidade não se resume ao
corpo.

17
6. REFERÊNCIAS

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ANEXO

Velásquez (1656): Las meninas

Fonte: https://museodelprado.es

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