CAMPINAS
2017
AGRADECIMENTOS
This research aims at investigating working relations in the cultural industry, more
specifically in the field of music, through analysis of independent musicians’ activities.
The configurations of independent conditions in cultural productions have been
defined, mainly, by alternative financing to the State financing. In this study, however,
the proposal is to understand the independent musician as one who develops his/her
creative work, production, promotion and distribution in an autonomously from
recording companies and entertainment conglomerates. Considering musicians
professional category by the perspective of Sociology of Work collaborates with
clarifying a not so much investigated category in Brazil, which is working artist as
his/her own entrepreneur. Therefore, this research not only regards the artistic
activity as a profession, but also as a paradigmatic expression of the present labor
market changes. Rebuilding the music chain stimulates the production of
independent artists. This investigation, thus, focus on understanding musicians work
conditions through both the market, and the State perspectives, besides other
means. Analyzing the specifications that conveys a morphological design of
independent musicians is the basis for theoretical debate on the artistic work, as well
as the sectorial public policies, under their fundamental articulations.
Keywords: Cultural industry. Work in art. Cultural policy. Musicians – social aspects.
LISTA DE FIGURAS E TABELAS
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 13
INTRODUÇÃO
critérios para prioridades nas políticas públicas no que se refere aos incentivos, no
propósito de descentralizar a produção e a distribuição dos recursos culturais.
1 O engenheiro de produção Davi Nakano (2010, p. 629) explica que até o final do século XIX, o
consumo de música só era possível em apresentações ao vivo, já que não havia tecnologia de
gravação de som comercialmente viável. Naquele contexto, a produção e o consumo de música se
organizavam ao redor das editoras e publicadoras de partituras musicais. Com a invenção do
fonógrafo, durante as primeiras décadas do século XX, diversas empresas começaram a produzir e
comercializar equipamentos de reprodução, popularizando marcas como a Gramophone e a Victrola.
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exemplo, que contava com 170 empregados e 150 artistas em 1968, passou a ter,
em 1974, o contingente de 500 empregados para atender apenas 28 artistas.
2 Vicente (1996, p. 45) elenca a importância dos seguintes equipamentos tecnológicos relacionados à
produção: samplers, sintetizadores, drum machines, sequencers, módulos, multi-timbrais, módulos de
efeito, gravadores digitais, dawes, softwares, arranjadores. E explica algumas funções básicas: o
sampleamento: envolve a digitalização de quaisquer amostras sonoras e seu posterior
processamento, armazenamento e produção; a sintetização: incorpora as amostras sonoras e
equipamentos que permitem a execução de trilhas musicais complexas a partir de uma única fonte; o
sequenciamento: programação de diferentes trilhas instrumentais de uma música a partir de
programas de computador ou aparelhos eletrônicos (os sequencers), que podem então ser
reproduzidas em estúdios ou em apresentações ao vivo. Essas técnicas permitem uma ampliação do
grau de manipulação do som, uma vez que digitalizado ele pode ser copiado (e reproduzido em outro
trecho da música), acelerado, retardado, distorcido, transposto, afinado etc.
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3 Em 1929, Cornélio Pires tomou a iniciativa de produzir um disco de violeiros da região de Piracicaba
(interior de São Paulo). Em fins da década de 1970, passou a ser considerado o pioneiro no mercado
de música sertaneja além de símbolo da produção independente. Também é citada como iniciativa
independente a gravação do primeiro 78 r.p.m de Carmen Miranda pela gravadora Brunswick, em
1929.
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Segundo Eduardo Vicente (1996, p. 132), o grupo Lira Paulistana não foi
um movimento musical, mas uma iniciativa empresarial que consistiu na montagem
de um núcleo de produção e difusão artística formado por um teatro, uma gráfica e
um selo fonográfico, cujos músicos eram consequências mais diretas de uma falta
de opção mercantil, do que propriamente uma opção política e/ou estética. Em
primeiro lugar, porque não existia ligação clara entre a cena independente e algum
grupo político ou estético. Em segundo, porque os nomes de mais destaque da cena
independente, rapidamente aceitavam os convites feitos por grandes gravadoras,
como aconteceu com a Boca Livre que assinou com a EMI em 1981. Por grandes
gravadoras, também chamadas de majors, entende-se aquelas empresas
internacionais de produção, entre as quais destacam-se a Sony Music, Polygram,
EMI, WEA, BMG e MCA. Essas seis empresas detinham 74% da distribuição
mundial de música no início da década de 1972 (VICENTE, 1997, p. 178).
4 Vicente (1996, p. 61) relata que, entre os profissionais que saíram da Warner, muitos criaram suas
próprias empresas fonográficas, como Pena Schmidt (Tinitus), Conie Lopes (Natasha Records) e
Nelson Motta (Lux). Além deles, Mayrton Bahia, ex-Odeon e PolyGram, criou a Radical Records,
Marcos Mazzola, também saído da PolyGram, criou a MZA e Peter Klam, ex-diretor da Warner e da
PolyGram, criou a Caju Music. Entre os artistas que eram ou já tinham sido contratados de grandes
gravadoras e que criaram suas próprias empresas citam-se Ivan Lins (Velas), Dado Villa-Lobos
(RockIt!), Marina Lima (Fullgás), Ronaldo Bastos (Dubas), Egberto Gismonti (Carmo), entre outros.
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Diante desse desenho do setor musical, Vicente (1996, p. 79) explica que
existe também uma pequena fatia do mercado incorporada aos circuitos autônomos
de produção e consumo musical, resultado da emergência de diversas cenas locais
de música, cuja viabilidade comercial assegurara a sobrevivência de alguns músicos
e empresas independentes. Vicente (1996, p. 82) considera como circuitos
autônomos aqueles que, sem a presença de grandes gravadoras ou redes de mídia
de alcance nacional, fornecem condições para as apresentações musicais, produção
e divulgação dos artistas que os integram. Esses pequenos circuitos dispensam as
grandes gravadoras, uma vez que dentro deles toda a cadeia de produção musical
já está em funcionamento. Tal fatia do mercado frequentemente tem uma
localização geográfica definida ou relaciona-se a identidades étnicas, religiosas e
urbanas.
5 O tecnobrega foi analisado em 2006 por pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O
estudo entrevistou 76 bandas, 273 aparelhagens e 259 vendedores ambulantes de CDs e DVDs em
Belém do Pará. Segundo a pesquisa (LEMOS, 2008, p. 21), o tecnobrega se expandiu de maneira
independente das grandes gravadoras e dos meios de comunicação de massa, por meio da
multiplicação de estúdios caseiros e a produção musical de baixo custo, e se tornou um modelo de
negócio que criou novas formas de produção e distribuição. O processo de produção, circulação e
promoção dessa cadeia envolve uma estrutura complexa suficientemente articulada, composta por
casas de festas, shows e vendas nas ruas. Nesse contexto, a não ser por valor simbólico e como
forma de prestígio, pertencer à gravadora não é relevante. Quando os músicos percebem que as
vantagens de ter contrato com gravadora podem ser obtidas ou substituídas pela ação de outros
agentes – bom estúdio caseiro onde se possa fazer a produção e a estrutura de venda informal – o
contrato com empresas da indústria fonográfica deixa de ser a melhor opção. Diante disso, 88,37%
das 76 bandas de tecnobrega analisadas na amostra nunca tiveram contrato com gravadora ou selos.
Por fim, é importante destacar que, mesmo considerando a “eficiência locacional” do tecnobrega, a
maioria dos artistas não consegue viver “só” de suas atividades com as bandas.
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a) Oposição às majors
c) Liberdade artística
estruturação dessa atividade hoje envolve desde fazer o CD, até a capa, o
lançamento, os shows etc. Juçara afirma que, por acerto e erro, tem descoberto o
seu próprio caminho nesse contexto. E que, mesmo que haja tropeços, tem total
controle de sua expressão artística e isso “é o mais legal”, o que demostra a
satisfação com a situação de autonomia e controle do resultado final do seu trabalho
(MARÇAL, 7/5/2015).
d) Aura cult
A fala do músico paraense Felipe Cordeiro, por sua vez, traz uma certa
oposição entre independentes, mercado e mídias tradicionais. Felipe aponta que o
termo independente “está muito datado” e que há dois anos conheceu o termo de
um agente da música do Pará, Marcelo Damaso (Festival Se Rasgum), chamado
midstream, “e que seria exatamente isso que a gente chama, a grosso modo, de
mercado independente, música independente, mercado médio da música e os anos
90, lá trás, chamou de alternativa” (CORDEIRO, 14/4/2015).
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Felipe explica, então, que o midstream abarcariam esses artistas que não
estão nas rádios comerciais e/ou não tocam na grande mídia nacional, que é o caso
dele, mas que, conseguem manter a sua carreira e fazer show pelo Brasil inteiro,
graças, principalmente, à descentralização da informação por meio da internet, que
favorece a aproximação dos diferentes públicos. Aliado ao “poder da internet” Felipe
destaca também a “dependência” de muita gente, colegas e parceiros de profissão,
cujas relações possibilitam a sustentabilidade do seu trabalho. Percebe-se, em seu
discurso, uma saudação à internet e à ideia de rede, no sentido de favorecer um
público ativo, “que vai atrás do seu artista” e que promove um “feedback legal” do
seu trabalho (CORDEIRO, 14/4/2015).
e) Graus de independência
o seu disco sozinho, mas tem uma distribuidora e uma assessoria (CASTRO,
5/5/2015). Tais definições de Marcia compõem as escalas da independência, cuja
régua seria os níveis de mediações existentes na comunicação do artista com seu
público.
Porque não existe mais o contrato lá. Eu vou fazer o quê numa
gravadora? Eles não me querem e eu também... Ah, eu acho que
mais do que tudo eles não me querem! Eu acho, sabe? Nunca
ninguém me ligou e falou ‘Romulo, tudo bem? Aqui é da gravadora
tal... Quer fazer uma reunião?’ Eu acho que eu faria... Queria ir lá
ver, mas eles nem sabem que eu existo, então por que eu vou ficar
pensando neles? Eu tenho que pensar: como eu vou conseguir
fazer o que eu quero, a música que eu quero, por mais estranha
que ela seja, e pagar o aluguel ainda assim? Eu acho que esse é
um resumo da minha vida. Não é uma escolha ser independente.
Eu acho que é uma contingência. A grande novidade e a grande
felicidade é que, 15 anos depois de que quando eu comecei, é
possível fazer o seu disco do jeito que você quiser, tocar pra quem
você quiser... Você não vai ficar milionário, você não vai comprar um
avião, você não vai ser ouvido tanto... Mas você vai fazer o que você
quer. Não é a maior coisa da vida de alguém você fazer o que você
quer? Eu aprendi isso cedo... Você faz o que você quer... Eu não
conheço outra definição de felicidade pra mim (Grifos nossos)
(FRÓES, 30/4/2015).
Eu tenho uma colega nossa que ficou um ano com o disco pronto e a
gravadora segurou: ‘não, não está no momento adequado’. Tá, mas
em um ano você vive de quê? Você faz o quê? Além disso, daqui a
um ano sua cabeça, sua obra já é diferente, já não é a mesma
coisa.... Às vezes não faz mais nem sentido aquele arranjo ou aquela
letra... Não faz mais sentido às vezes porque você mudou... (LEÃO,
2/9/2014).
II TRAJETÓRIA E FORMAÇÃO
uma interpretação que se situa em um nível elevado de abstração. Para evitar esse
reducionismo epistemológico o capítulo se esforça para manter as singularidades
das narrativas, ao mesmo tempo em que relaciona a biografia individual dos músicos
às características estruturais globais da situação histórica datada e vivida, para dar
contas das suas lutas, dos seus pontos de vistas e das formas como foram
construindo as suas agências.
privilegiados que comungam através dos séculos um mundo de valores. Sua via de
acesso é a intuição e o inconsciente. A dificuldade de se entender os artistas como
trabalhadores deriva, desde então, da ideologia romântica da criação como algo fora
do mundo e, sobretudo, fora do mercado.
declaram negros) e sete são mulheres (das quais quatro se declaram negras e três
são mães). Têm, em sua maioria, menos de 40 anos. Estão predominantemente em
São Paulo e a maior parte se inscreve no ensino superior (completo ou incompleto),
quase sempre relacionada à área musical ou artística em geral. Em termos de
estratificação de classe, a maioria da amostra se declara privilegiada em termos
econômicos e/ou inseridas em famílias de históricos artísticos. Algumas trajetórias
individuais, de forma especial, informam importantes cruzamentos de todos esses
dados, inclusive no que toca às suas exceções.
Anna Tréa (12/2/2016) explica que sempre tocou desde muito cedo e
sempre trabalhou com música. Talvez por isso a questão da sua família entender a
música enquanto trabalho e profissão nunca foi uma questão muito complexa.
Mesmo assim, ela lembra que certo dia, ainda adolescente, estava na mesa com
seus pais. O tema da conversa era “escolhas profissionais”. Anna, então, torceu
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para que eles não lhes perguntassem sobre as suas próprias escolhas. Seu
pesadelo virou realidade e sua mãe lhe questionou sobre sua disposição
profissional. Nesse momento, Anna conta que chorou bastante. Sua mãe,
preocupada, perguntou o que estava acontecendo. Depois de muitas lágrimas Anna
enfim desvendou aquele mistério: “eu queria fazer música”. Sua mãe riu e disse
“mas isso é maravilhoso, qual o problema nisso?”.
nesse ambiente o incentivou a, em meio a algumas frustrações, dar vazão aos seus
sentimentos por meio da música. Caio, inclusive, queria ser jogador de futebol. A
música sempre esteve em sua casa por uma questão de “cantar no banheiro,
experimentar o corpo mesmo...”, explica. Assumir a música como ofício, como
atividade, como trabalho, por sua vez, depende de vários fatores e “de muita loucura
mesmo”, conta em entrevista na Rua Mamede, centro do Recife, em 4/3/2016. Caio
é formado em música pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Após um ano tentando tocar guitarra sem muito êxito (“eu ficava ali, ficava
em pé com a guitarra, mas não era uma coisa que ia muito pra frente”, afirma),
Fernando Catatau abandonou temporariamente a música para se dedicar ao skate,
participou de vários campeonatos pelo Brasil. Depois, se dedicou à fotografia. Após
esse tempo afastado da música, Fernando reencontrou alguns amigos e resolveu
montar uma banda. O músico conta que sua mãe pegava muito em seu pé porque,
segundo ela, ele não teria foco. Catatau explica que, no colégio, era um dos
desajustados, como vários são. “Aquilo de não prestar atenção etc. E você é tratado
assim, como lixo”. Ele explica que de ser tratado de forma pejorativa no colégio até
achar realmente um caminho profissional foi um percurso dolorido porque a
sociedade não lhe dá a opção de respeitar esse tempo acontecer. Por isso, embora
a sua mãe tenha lhe direcionado desde muito cedo para a música, Fernando só
mergulhou nesse universo quando sentiu que estava no seu tempo de fazer isso. Ao
falar em formação no âmbito da música, Catatau afirma que fez cursos, de acordo
com as necessidades da sua vida (CATATAU, 10/9/2015).
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A cantora recifense Isaar, negra, 42 anos, e mãe, afirma que o que mais a
influenciou na música foi o fato de sua família ser muito musical. Ela recorda de
muitas festas “arrodeada de música ao vivo”, em que seu avô cantava. Sua tia era
solista de um coral da terceira idade. Seu primo é o Marrom Brasileiro, cantor e
compositor de vários sucessos pernambucanos. Sua mãe escutava todo o tipo de
música o tempo todo. Issar, então, sempre teve interesse e vivência na área
musical. Mas apesar de estar inserida em uma “família musical talentosa”, com um
caso de “sucesso profissional”, Isaar conta que existiu uma cobrança doméstica e
pessoal relacionada à sua escolha profissional. Ela atribui essa cobrança ao fato de
sua família ter uma estrutura muito específica: suburbana, periférica e negra. Ela
conta que seu pai afirmava com frequência “esse negócio de artista é coisa de rico,
num te mete nisso não; termina teu curso, que isso num vai dar certo!”. Com essa
lembrança e lágrimas nos olhos, Isaar canta o seguinte trecho da música de
Paulinho da Viola:
Posso cantar?
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Isaar explica que quando decidiu fazer alguma coisa da vida, no sentido
de estudar e se profissionalizar, não foi em música. Fez faculdade de Rádio e TV na
UFPE. As primeiras pessoas que fizeram faculdades em sua família foi ela e os
irmãos, em seguida seus primos e as gerações que estão chegando agora. Isaar
sempre gostou de cantar. Quando adolescente, afirma que ia para luaus e cantava
bastante. Seus amigos diziam “ah, você canta bem”. Até que ela realmente acreditou
que poderia cantar bem. Em música, sua única formação foi algumas aulas de
canto, já depois do primeiro disco solo lançado (FRANÇA, 25/2/2016).
mim, pra essa carreira, sair e voltar disso, ter essa porta aberta
(FRANÇA, 25/2/2016).
muito cuidado de colocar sua condição e “militância” da maneira que mais lhe toque
e faça sentido para ela mesma. Juçara se sente pertencente a uma cultura negra e
popular e entende a arte, como parte da vida das pessoas, e uma forma de se
encontrar. Em suas palavras:
Depois disso, Marcia resolveu cursar Direito por influência do seu pai.
Relata que estava difícil fazer música em Salvador e não se enquadrar no axé
music... Pensou: “Meu Deus do céu, eu sou louca... Eu vou fazer o quê da minha
vida fazendo música aqui em Salvador? Cantando em bar... Não vai dar certo isso...
Aí daí eu fiz ‘Não. Vou fazer Direito’”. Cursar Direito, nesse momento, representou
para Marcia a possiblidade de uma garantia financeira, ao mesmo tempo em que
cogitava deixar a música em segundo plano ou correr em paralelo. Cursou Direito
durante um ano e foi suficiente para entender que não era o seu caminho. Marcia
conta que ficou um pouco angustiada nesse período, época em que teve vários
“apertos no peito” relacionados ao fato de fazer algo que não se identificava.
Nesse momento, a artista percebeu com mais veemência que “tinha que
fazer música”, seguir esse caminho e saber lidar com as questões de mercado, sua
principal aflição e também de sua família. Ela explica que fazer “arte em si” é sempre
“a delícia da coisa” quando se descobre que quer ser artista. Mas as questões
comerciais são muito mais complicadas porque dizem respeito a sua sustentação no
mundo: “A poder ir e vir, a poder investir na própria carreira, a poder fazer a coisa
girar, a poder fazer com que sua vida pessoal também possa existir a partir do seu
trabalho”. Desde então, ela afirma ter enfrentado tais questões comerciais com muita
coragem, alternado com momentos ainda de um pouco de dúvidas, não de dúvidas
da escolha profissional, mas de que caminho seguir pra que seja feliz no aspecto
financeiro da sua carreira (CASTRO, 5/5/2015).
ser negra, ser mulher e homossexual. Primeiro, ela explica que se considera negra.
“Porque aqui o negro não se acha negro”. Entende que essa negritude na sua
música e no Estado em que nasceu são muito importantes para sua construção
musical. Embora Marcia ache que a mulher tenha avançado um pouco no ambiente
de trabalho, e reconhecendo espaço para o gênero feminino na música (na música
popular o papel principal é da mulher cantora, segundo Marcia), existem
cruzamentos que explicam outras questões. Finalmente, a artista explica que sua
condição sexual não é um fato que releva como bandeira, mas não faz questão de
esconder. Gosta da prática do infiltrado e de cantar temas relacionados à
homossexualidade: “O De Pés no Chão, né? Que é o título do disco e que fala ‘Eu
nasci descalça, pra quê tanta pergunta?’” (CASTRO, 5/5/2015).
Na sua casa o fato de Rico querer viver de música nunca foi um fator de
desarmonia. Segundo o rapper, sua mãe sempre o enxergou como uma pessoa do
“eu quero, eu faço e faço dar dinheiro”. Ele sempre teve uma relação com moda e
com 13 anos começou a trabalhar como cabeleireiro. Depois foi trabalhar como
freeelancer. Rico não abriu mão, inicialmente, dos seus outros trabalhos para fazer
música. “Eu falei ‘eu vou ter dois empregos’” E se um não deixar eu ter o outro o que
eu quero ter é a música’”, relata (DALASSAM, 15/6/2016). Rico seguiu essa lógica,
até o momento em que não conseguiu atender todas as demandas. Hoje Rico afirma
que faz cerca de 8 shows por mês. Ao longo da entrevista, a narrativa do sucesso
via empreendedorismo, do empoderamento relacionado à estética da lacração e do
consumo, e a exaltação da passagem dos estratos de classes ficam bastante
evidente na fala do músico.
desejo era ser desenhista e depois artista plástico. Foi trabalhar com Nuno Ramos6,
de quem foi assistente 16 anos, e hoje é seu parceiro. A música sempre esteve
presente em sua vida. Seu pai gostava muito de música e Romulo chegou a ter
bandas no colégio e participar de alguns festivais, mas sua formação na área
musical não existia ou era muito precária. Ele conta que nunca estudou música de
forma “séria”. Fez uma aula de violão aqui, outra ali, e se preparou para ser um
artista plástico (FRÓES, 30/4/2015).
Romulo destaca que, por causa do Nuno Ramos, fez e estudou “muita
coisa”, e que essa convivência foi muito importante para o que ele faz na música
hoje. No âmbito musical, quando começou a se dedicar um pouco mais, Romulo se
descobriu um compositor, o que atrapalhou um pouco a sua formação como
instrumentista. Porque quando aprendeu a fazer dois acordes, fez quatro músicas.
Quando aprendeu mais outros dois, fez mais oito músicas. Ele esquecia o nome dos
acordes, mas fazia a música. Começou a perceber que, apesar da precariedade na
formação, tinha uma “voz ali” e um encanto. Romulo acha que o Nuno também viu
isso e começou a querer fazer música em conjunto com ele, processo que dura até
hoje.
6 Nuno Álvares Pessoa de Almeida Ramos, mais conhecido como Nuno Ramos é
pintor,desenhista, escultor, cenógrafo, ensaísta e videomaker brasileiro.
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não sei exatamente qual, mas a mulher tem uma complexidade”. Fica evidente em
sua fala a essencialização da condição feminina.
violências pela sua própria condição de existência: por ser mulher e por ser uma
artista.
resistência em se assumir artista enquanto principal profissão, seja pelo alto grau de
fragmentação do trabalho, de modo que a identidade profissional fica diluída frente
às inúmeras atividades exercidas. Esses fatores, por sua vez, variam de acordo com
a classe, a cor, a família (artística ou não), a região e o gênero dos artistas, assim
como o cruzamento de todos esses fatores.
raça, classe e gênero. Mulher e negra, da mesma forma que Marcia, Juçara não
conta com suporte familiar na área artística e/ou uma situação familiar que pudesse
sustentar a sua escolha em “ser artista”. Na ocasião da entrevista Juçara tinha, há
pouco mais de um mês, pedido demissão da faculdade em que dava aula. Porque
segundo a artista, toda a sua trajetória é permeada por “essa coisa de tá com o pé
em duas canoas”. E pela primeira vez, em Abril de 2015, com 52 anos, ela assumiu
pra si mesma e pra sua família que iria “viver com as coisas da música”. Nas suas
palavras: “Agora eu sou uma pessoa totalmente independente, digamos assim.
Vivendo só de música” (MARÇAL, 7/5/2015).
7Publicação amplamente difundida pelo Ministério da Cultura em 1995, uma espécie de cartilha sobre
o modo de investir em cultura no Brasil.
80
razão tutelar do direito do autor não é proteger a criação intelectual, mas sim, desde
o início, proteger os investimentos, ou seja, o mediador, de forma que há um
antagonismo entre os trabalhadores/criadores no campo das artes e a apropriação
privada dos mediadores por meio do direito autoral.
10 Segundo o IBGE (2013, p. 4), a concepção de cultura adotada nessa pesquisa está relacionada
com as atividades econômicas geradoras de bens e serviços. O setor cultural foi definido de acordo
com a referência da UNESCO sobre as atividades culturais. O ponto de partida do estudo
concentrou-se no levantamento das atividades culturais existentes na Classificação Nacional de
Atividades Econômicas (CNAE). Optou-se por excluir do âmbito da atividade cultural as atividades
econômicas estritamente ligadas ao turismo, esporte, meio-ambiente e religião, que compreendem
atividades culturais em alguns países. Consideram-se como atividades econômicas diretamente
relacionadas à cultura as atividades características que são típicas da cultura, tradicionalmente
ligadas às artes. Foram incluídas as atividades de edição de livros, rádio, televisão, teatro, música,
bibliotecas, arquivos, museus e patrimônio histórico.
84
que trabalham nesse setor no Brasil e no mundo. Esses dados fazem parte do
contexto em que o trabalho artístico é desenvolvido e contribuem para a
compreensão das suas configurações. A propósito da noção de modernidade de
Marshall Berman (1986, p. 34), o autor destaca que o capitalismo não pode se
desenvolver sem modificar fenomenologicamente, e não ontologicamente, suas
relações de produção. Nesse sentido, a reestruturação produtiva inclui uma visão de
“novo homem” criativo. Esse arquétipo moderno do homem recém-criado expõe uma
das dimensões da modernidade que possibilita a ênfase nas atividades, produtos e
serviços culturais, criativos e tecnológicos, no contexto de uma “nova economia”,
hipoteticamente centrada no imaterial.
11 O termo Terceira Itália é empregado para ressaltar especificidades frente a duas realidades que,
classicamente, eram opostas para afirmar o dualismo econômico e societal italiano. De um lado, o
triângulo industrial tradicional, ao norte. De outro, o Mezzogiorno, região marcadamente agrícola e
subdesenvolvida que compreende o centro-sul e as ilhas. A principal característica da Terceira Itália
está na consagração de pequenas empresas industriais com processos de trabalho flexíveis e alta
capacidade de inovação.
87
12 Nesse sentido, Lessa (2011, p. 77) destaca: “Se nos perguntarmos qual o fundamento da
possibilidade de consensos em uma humanidade não apenas dividida em classes, mas também em
países imperialistas e outros miseráveis, a resposta habermasiana é muito frágil: em última instância
pelo fato de termos por pano de fundo da relação comunicativa um ‘mundo da vida’, definido como
‘espaço transcendental no qual falante e ouvinte se saem ao encontro’”.
13 Se o trabalho assume a forma necessariamente assalariada, abstrata, fetichizada e estranhada,
essa dimensão histórico-concreta não pode ser tomada a-historicamente. A historicidade do trabalho
informa a sua dúplice e contraditória dimensão: o trabalho propriamente livre (trabalho concreto) e
trabalho-labor (trabalho abstrato). Apesar da existência dessa distinção, o trabalho-labor foi erigido à
categoria de trabalho-dever. Sua construção ideológica se deu desde a concepção como castigo na
estrutura greco-romana, passando pela construção da Idade Média, até a glorificação e consolidação
no sistema capitalista.
14 A concepção marxista concebe o homem como ser distinto por ter capacidade de trabalho,
entendido como prática humana criativa, por ser capaz de interagir com a natureza a ponto de
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modificá-la e produzir as condições de sua existência material e intelectual. Em Marx, o trabalho não
é algo negativo para o homem. Pelo contrário, o trabalho é o que torna o homem efetivamente
humano, traz a consciência de si e o diferencia dos outros animais. Constitui o salto ontológico das
formas pré-humanas para o ser social. É o que está, portanto, no centro da humanização do homem.
O capitalismo, contudo, perverte a noção de trabalho, uma vez que o instrumentaliza para a aquisição
do capital, transformando o trabalho concreto em trabalho abstrato.
15 Lessa (2011, p. 72) contesta os autores centrados no imaterial esclarecendo que “Marx tinha uma
concepção inteiramente distinta: as ideias não seriam ‘imateriais’, mas partes movidas e moventes de
uma nova materialidade [...] no [...] qual as ideias exercem força material decisiva. As ideias são parte
da porção subjetiva de uma nova matéria consubstanciada fundamentalmente pelo trabalho. A
oposição da qual se trata é entre a subjetividade e a objetividade do mundo material dos homens, e
não entre a ‘matéria’ e o ‘imaterial’. O mesmo autor (LESSA, 2011, p. 45) explica, então, que a ideia
do imaterial enquanto subjetividade como alternativa dentro do próprio capitalismo seria “uma mistura
ingênua, do ponto de vista metodológico, de um empirismo banal com um idealismo mal resolvido”.
Porque a questão decisiva é: como, de qual modo, por quais mediações pode-se constituir a rede de
relações do tipo “novo” no interior do capitalismo? E em que esfera? Na subjetividade (superação do
produtivismo, recusa da ética da acumulação) ou na objetividade (processo cotidiano centrado na
superação da propriedade privada dos meios de produção)? Segundo Lessa (2011, p. 49), o
movimento de “elevação da humanidade” em novos patamares de desenvolvimento pós-mercantil
que requerem a persuasão de todos os usuários – e não de classe – e que tem como categoria
fundante o “amor pelo tempo por se construir” seria uma impossibilidade histórica dentro do
capitalismo.
91
produtiva social. Por sua vez, dada as relações especificamente capitalistas, a força
de trabalho socialmente combinada gera mais-valia.
Dessa forma, embora o artista seja dono da sua voz, por exemplo, ainda
assim, não domina inteiramente as condições objetivas do seu trabalho, visto que
“não basta ter um controle dos meios de trabalho em sentido estrito, é necessário ter
o domínio dos meios de trabalho em sentido amplo, além do objeto sobre o qual se
trabalha” (COLI, 2006, p. 235). Trata-se, pois, de uma espécie de trabalho que
suporta relações sociais contraditórias: enquanto possuidor dos meios de produção,
o músico poderá até ser considerado capitalista, mas, segundo Coli (2006, p. 235)
“um capitalista precário, mais próximo das condições do trabalhador assalariado de
si mesmo ou assalariado indireto do capital”. Porque, mesmo como produtor
independente ou autônomo, o trabalhador da música é cercado pelas condições de
mercado que o colocam frequentemente na condição de um trabalhador informal,
sujeito a maior exploração, já que muitas vezes o valor da compra da sua força de
trabalho é camuflado pelo “salário por peça”16.
deve ser feita em relação à teoria do valor nesse contexto é: como o trabalho
imaterial entra no processo de produção do valor que valoriza o capital?
Nesse contexto, Anna Tréa destaca que a música é diversão pra quem
não trabalha com música. “Obviamente, que a gente se diverte também. Mas pra
que essa diversão da gente aconteça, a gente precisa trabalhar muito antes”, afirma
(TRÉA, 12/2/2016). Da mesma forma, Isaar sublinha as múltiplas dimensões da sua
atividade, enquanto diversão e trabalho, “muita disciplina e responsabilidade”
(FRANÇA, 25/2/2016). Juçara Marçal também destaca uma questão muito prática de
sua atividade artística: “preciso pagar as contas no final do mês, mas nem sempre
os contratantes lembram disso”, ri (MARÇAL, 7/5/2015).
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Tabela 2 - Comparação entre ocupados no Brasil, profissionais dos espetáculos e das artes,
por posição na ocupação | Brasil, 2011
Nos dados trazidos até aqui é possível concluir, por um lado, o acelerado
crescimento do número de artistas comparado com o mercado de trabalho no país e,
por outro, o reduzido índice de trabalho formal nessa esfera de ocupação. A
informalidade e a incerteza que caracterizam o setor, por sua vez, são traduzidas na
predominância da flexibilidade, a qual se converte em uma dinâmica de precarização
das mais diversas formas de trabalho. Nas duas bases de dados que permitem uma
referência ao trabalho artístico no Brasil (IBGE/PNAD e MTE/RAIS) os trabalhadores
das artes e dos espetáculos representam um grupo cujas condições de trabalho são
predominantemente informais, autônomas e flexíveis, composto majoritariamente
por homens (com exceção da dança), brancos, com faixa etária entre 25 e 39 anos,
103
Desde o início dos anos 1990, o Brasil vive uma redução sistemática dos
postos formais de trabalho para o artista da música. O ideário neoliberal na gestão
cultural vem realizando, por meio da reestruturação produtiva, a redução do papel do
Estado e o fortalecimento das parcerias público-privadas no âmbito das orquestras,
cuja lógica tem operado na supressão de diversos direitos vinculados aos contratos
de trabalho dos músicos. A pesquisa de Juliana Coli (2006) sobre o trabalho dos
músicos no Theatro Municipal de São Paulo constitui um exemplo significativo desse
contexto. A autora (COLI, 2006, p. 45) elucida que os músicos da Orquestra
Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) são contratados na condição de
prestadores de serviços temporários, situação extremamente instável de trabalho e
que faz com que 80% dos contratos de trabalho dos músicos sejam renovados (ou
não) a cada seis meses, dentro de um período de 11 meses por ano (durante o mês
de janeiro os músicos não recebem salários).
Indo ainda mais fundo das relações sociais do trabalho artístico, Segnini
(2014, p. 84) analisa as consubstancialidades de classe, gênero e raça/cor da pele,
tendo em vista especificamente o grupo dos profissionais da música. Sua pesquisa
informam diferenças quando se considera o lugar que ocupam as trajetórias de
homens e mulheres nas formas de vivenciar o campo artístico, seja no trabalho com
vínculos duradouros e formais (orquestras/corpos estáveis e docência), seja no
trabalho intermitente (trabalho artístico de curta duração, financiado por meio de
projetos, editais, cachês e outras formas). Em suma, a análise de Segnini (2014, p.
84) permite afirmar que o mundo da música é um espaço de homens brancos e, o
dos solistas, de homens brancos que pertencem a uma elite econômica e social.
Por fim, evidencia-se cada vez mais nas grandes cidades brasileiras a
presença de artistas de/na rua. Em pesquisa produzida por Celso Henrique Gomes
(1998) sobre músicos de/na rua em Porto Alegre, elucida-se as configurações de um
espaço ainda mais flexível, instável e precário de trabalho em que a remuneração é
garantida por meio de doações espontâneas. Em São Paulo, um estudo realizado
por meio do Instituto de Pesquisa, Estudos Capacitação em Turismo (IPETURIS),
fez um levantamento de artistas que realizam suas atividades nas ruas das regiões
da Paulista, Centro e Rua Teodoro Sampaio/Praça Bento Calixto. Nessa pesquisa
(SÃO PAULO TURISMO, 2014), foram aplicados questionários para uma amostra de
104 artistas e 20 grupos de artistas de/na rua. Os resultados confirmaram de forma
ainda mais acentuada os dados trazidos até aqui.
17Em São Paulo a Lei Municipal nº 15.776/2013 e o Decreto nº 55.140/2014 regulamentam a atuação
dos artistas de/na rua e especifica algumas regras, como limitações espaciais, autorizações prévias
para estruturas de palco, níveis de ruído, necessidade de cadastro municipal dos artistas de/na rua e
duração das apresentações (as quais não devem ultrapassar 4 horas). Por fim, o mapeamento dos
artistas na de/rua em São Paulo é realizado por meio da plataforma online
<http://www.artistasnarua.com.br/>.
109
invenção criadora não é uma exceção às leis do mundo político-econômico, nem aos
jogos estratégicos dos atores sociais. Na verdade, as análises sobre trabalho
artístico representam e reconfiguram com mais intensidade muitas das
ambiguidades presentes no mundo do trabalho contemporâneo. Em um contexto de
proeminência das atividades culturais e da lógica neoliberal (o mercado determina
não só o preço como as formas de contrato, de pagamento e as condições de
trabalho artístico) as especificidades desse tipo de atividade, frequentemente
relacionadas a termos como criatividade e autonomia, se traduzem em protótipos de
flexibilidade, polivalência, insegurança, heterogeneidade, individualização e
precariedade.
IV.I Distribuição
18Entre as ações de combate às cópias não autorizadas destaca-se o Digital Rights Management
(DRM). O DRM é também conhecido como trava tecnológica e pode ser instalado em hardwares ou
mesmo na mídia física e se utiliza de um código que criptografa os dados da mídia impedindo a
realização de cópias.
113
Segundo dados da IFPI (2012, p. 22), entre 2004 e 2010, houve retração
de 31% no faturamento da indústria da música mundial. Foi quando, em 2003, a
venda de fonogramas pelo meio digital iniciou seu processo de entrada nos circuitos
ampliados do capital. Os dados disponíveis sobre a receita de música digital são
fornecidos pelas gravadoras às suas associações representativas. No caso
brasileiro, quem coleta os dados e produz os relatórios sobre a indústria da música é
a Associação Brasileira de Produtores de Discos (ABPD)20. Os dados divulgados
pela ABPD apontam que o faturamento das principais empresas do setor fonográfico
brasileiro caiu de R$1,1 bilhão, em 1997, para R$ 360 milhões, em 2009. Nos
últimos anos, tem se esboçado uma interrupção deste movimento de queda,
observando-se taxas bastante modestas de crescimento. Esse aumento é apoiado,
sobretudo, pela ampliação do mercado de música digital. Segundo levantamento da
ABPD (2011, p. 9), as receitas relacionadas ao mercado digital representaram 16%
do mercado total de música em 2012. O mesmo relatório aponta também que, de
modo geral, houve crescimento em todos os formatos de negócios digitais21.
sua publicação pela IFPI. Entretanto, enquanto a ABPD reúne atualmente 10 gravadoras associadas,
existem mais de 160 gravadoras atuantes no país, de forma que as empresas vinculadas à ABPD
não representam nem 10% das gravadoras que atuam no mercado brasileiro. Mesmo assim, as
gravadoras agregadas à ABPD representam 75% das receitas totais da indústria musical nacional.
Por isso, os números levantados pela ABPD não deixam de ser relevantes. As filiadas à ABPD são as
grandes gravadoras que exercem controle sobre os meios de distribuição e promoções e apresentam
vendas expressivas. São elas: EMI Music, MK Music, Munic Brothers, Paulinas, Record Produções e
Gravações LTDA, Som Livre, Sony Music Entertainment, The Walt Disney Records, Universal Music e
Warner Music. Ou seja, a visão geral do mercado da música que elas fornecem é útil, uma vez que
permite identificar as tendências gerais do mercado.
21 Entre as novas formas de rentabilidade, o lançamento da loja iTunes pela empresa Apple tem sido
o marco mais citado quando à venda “a la carte” de arquivos de músicas digitais, vídeos de shows,
entre outros serviços. Além da iTunes, outras empresas vêm crescendo no setor, a exemplo da
Amazon, uma das maiores varejistas online do mundo, que em 2007 lançou seu serviço de
downloads de MP3 DRM-free, ou seja, sem travas tecnológicas.
116
acesso, outros fluxos de receitas estão sendo obtidos pelas gravadoras de forma
indireta, por meio do licenciamento de músicas que são veiculadas em redes sociais
ou em sites de streamings de vídeos – como o Youtube. A remuneração, nesses
casos, pode se dá tanto por taxas de licenciamento como por participação
percentual nas receitas desses sites, relacionadas à publicidade.
fonográfica, hoje mais do que nunca, realiza não apenas os processos de produção,
mas de distribuição dos seus trabalhos de forma autônoma às grandes gravadoras
intermediárias, embora ainda não represente a maior fatia de consumo das músicas
atuais. Seus mecanismos de organização e modelos de negócios vão de encontro
às estratégias das grandes indústrias/empresas fonográficas tradicionais.
Marcia Castro ainda reflete que, por enquanto é jovem e tem força de
trabalho para concentrar sua remuneração nos shows, mas que vai envelhecer.
Portanto, se sua geração não ajustar essas relações, que são de trabalho, vai
chegar um momento em que ela não poderá fazer shows e as coisas ficarão
bastante complicadas. “Daqui a pouco a gente vai tá cansado pra tá batalhando
show, né? E a gente faz discos, a gente faz músicas, e não é remunerado por isso
em quase nenhuma esfera, entende?”, conclui (CASTRO, 5/5/2015).
Juçara Marçal, por sua vez, afirma que realizou algumas participações de
trilhas em filmes, mas sempre na forma de “colaboração”, cujo sistema acontece
mais ou menos assim: “‘Olha, é um filme independente, a gente tá querendo tua
125
música...’. E aí a gente disponibiliza pra esse filme. Mas não é uma fonte de renda”,
explica Juçara (MARÇAL, 7/5/2015). É possível inferir que a economia das trocas
tem grande peso no meio independente, o que vem sendo sempre ratificado nesta
pesquisa das mais diferentes formas, sendo as dinâmicas de “colaborações” as mais
frequentes.
24Em 2015, o Spotify Brasil divulgou um ranking com os artistas brasileiros mais ouvidos no país. No
topo da lista encontra-se a dupla Henrique & Juliano, seguida da dupla Jorge & Mateus (MANNARA,
2015).
127
Alguns meios parecem que vão ser sempre difíceis, né? Algumas
coisas em TV, por exemplo... Essas coisas ainda realmente são bem
inacessíveis porque eu mesma não vou pagar R$ 50.000 pra tocar
no Faustão, né (risos)?! Isso realmente faz quem tem uma estrutura
enorme atrás. As rádios, a maioria, ainda é movida pelo jabá. Há um
tempo eu vi um estudo que a programação média de uma rádio
variava cerca de 40 músicas por mês. Era alguma coisa nesse
sentido... Mas minha gente! Como 40 músicas por mês? Claro que
eles devem colocar uma ou outra coisa ali perdida, mas é muito
pouco... Eu posso estar enganada nesses dados, mas de todo modo
é uma discrepância enorme. Porque as rádios e as TVs tocam o que
as grandes gravadoras produzem. E às vezes essas grandes
gravadoras não produzem nem 1/10 do que é produzido no mercado
nacional! [...]. A distribuição a gente faz muito pela internet também.
Mas aí também existe uma limitação. Também não é uma
distribuição ampla que cubra nacionalmente. Tem aquelas lojas, que
são lojas onde as pessoas naturalmente procuram a música que a
gente produz. Mas são pouquíssimas as que sobrevivem. Tem
capital hoje no Brasil que não tem loja de disco, não tem uma Passa
Disco, por exemplo25! Tem Lojas Americanas, tem supermercado...
Mas nas Americanas, por exemplo, o meu disco não entra. Só entra
com grandes distribuidoras.... Não entra assim direto não. Você não
chega na Americanas e diz ‘ó quero vender meu disco’! A FNAC
ainda abre a exceção quando a pessoa vai tocar lá de graça...
(LEÃO, 2/9/2014)
25A Passa Disco foi inaugurada em 2003 e permanece atuante no mercado de venda de discos em
Recife, especializada em música pernambucana. Atualmente a loja também tem funcionado como
selo e como espaço cultural.
129
Para a artista, quanto mais pessoas a ouvirem, melhor. Ela lamenta os entraves ao
acesso a esses meios de comunicação, sobretudo porque gostaria de ser mais
ouvida, bem como explicita as relações de poder nesses meios.
Saber que sua música está sendo ouvida e está sendo querida pelas
pessoas. Que existe o desejo pela sua música... Imagine que
maravilha isso! Enfim, às vezes eu penso que qualquer música é
suscetível do sucesso, que as coisas são uma questão de como se
mostra aquela música [...] Depende do acesso que você tenha a
esses veículos, né? Eu gostaria muito que minha música fosse vista
por mais pessoas, por muitas pessoas. Mas, assim, rádio, o mercado
independente já dá como perdido. Porque existe o jabá aí
violentamente. Algo que eu não sei se um dia vai acabar porque é
muito dinheiro que gira em torno disso, são muitos interesses, de
gente muito grande. Então, eu acho que pra minha geração, tocar na
rádio é um privilégio de poucos no mercado independente. Às vezes
acontece, assim, quando é um programador que gosta muito da sua
música, quando você tem uma relação de amizade com alguém
próximo de uma rádio e tal e coloca [...] Mas você tá na programação
de modo constante é realmente muito difícil (CASTRO, 5/5/2015).
rádio, internet, TV”. Romulo explica que estão limando com os poucos programas ao
vivo e que isso faz muita falta porque as poucas vezes que ele tocou em rádio foi
sempre uma alegria pra ele. Por considerar a cena independente a qual está incluído
uma geração de nincho, ele afirma que toca em programas de amigos, de uma
forma bastante específica. “Mas nunca liguei o rádio e tava tocando a minha música.
Só quando eu sabia que ia passar na Patricia Palumbo naquela hora, e aí eu
sintonizada” (FRÓES, 30/4/2015).
Devia ter uma lei, dizendo ‘É o seguinte, você tem que tocar num sei
quantas músicas por dia, dessas músicas você tem que tocar uma
variedade X e você tem que tocar pelo menos 5 músicas de artistas
novos e tal’. A mesma coisa vale pra TV (FRÓES, 30/4/2015).
uma indústria não mais fonográfica, mas da música, a qual não está propriamente
em crise, mas que reconfigura o tempo todo o seu poder de articulação no sentido
de manter e fortalecer os seus oligopólios. Em paralelo a esse poder de adaptação
da indústria que renova os seus mecanismos de concentração, emergem e resistem
espaços de mobilização alternativos e/ou independentes que sugerem todo um
campo de atuação do poder público na divulgação da cultura, que extrapole os
circuitos da internet.
A Lei nº 12.965/14, por sua vez, foi um dos últimos atos de Dilma
Rousseff como presidente da República. Sancionado em 23 de Abril de 2016, o
Marco Civil da Internet, como também é conhecido, estabelece princípios, garantia,
direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Entre os principais pontos da Lei
está a neutralidade, cujo conteúdo informa que a rede deve ser igual para todos,
135
sem diferença quanto ao tipo de uso, o que significa que os provedores de acesso
devem tratar todos os dados que circulam na Internet da mesma forma, sem
distinção por conteúdo, origem, destino ou serviço. Com a neutralidade, um
provedor, por exemplo, não pode beneficiar o fluxo de tráfego de um site ou um
serviço em detrimento do outro. Assim, a Lei garante a escolha do usuário sobre o
conteúdo que deseja acessar e a livre concorrência na rede. Mas a neutralidade
ainda precisa ser regulamentada por meio de decreto presidencial. Dilma, contudo,
foi impeachmada dia 31 de agosto de 2016 e o atual presidente da República,
Michel Temer, não demonstra qualquer interesse em avançar nesse debate.
O cara que vai ouvir o teu trabalho ele vai estar em contato com a
obra daquele artista mesmo. Ele pensou a capa, ele pensou a
comunicação, sabe? Antigamente era tudo montado, a roupa do cara
era montada, a capa do disco, o papo... Hoje é tudo muito franco.
Acho que essa franqueza é característica de nossa época. [...]
Antigamente o artista era mistificado... Não que o cara não fosse
bom, mas o cara tinha 15 produtores!!! Tinha milhões de reais
investidos... (CORDEIRO, 14/4/2015)
136
consome” para fazer distinção da sua. É preciso frisar, contudo, que a pretensa
superioridade da música considerada independente não é uma regra observada nas
entrevistas, mas passa por alguns entrevistados, em sua minoria.
Nesse sentido, o consumo dos produtos ditos cults, indies e/ou hipster,
além de cumprir um papel de distinção, são acessíveis, sobretudo, a uma parcela de
consumidores que executam a função de descobridores desse tipo de arte de
vanguarda. Ao mesmo tempo em que consome, o público cult também cumpre o
papel de instância de consagração. São esses fatores combinados que fazem com
que os fenômenos musicais autônomos massivos e populares (o tecnobrega
paraense, o arrocha na Bahia ou o funk carioca, por exemplo) não sejam
categorizados como parte de uma “cena independente” pelas mídias e festivais
especializados. O que está em jogo na conceituação do “independente”, portanto, é
um conjunto de posições e tomadas de posições pelos agentes de um determinado
universo simbólico que busca a distinção, relacionados, sobretudo, a uma fração de
classe dominante e privilegiada, em razão de um capital cultural específico, que
também é econômico.
139
V VIVER DE MÚSICA
afirma Guitinho: “a gente tinha uma ilusão de que quando a gente lançasse o disco
que ia resolver nossa vida e não resolveu. Então, a gente apura mesmo é durante o
show” (SILVA, 19/2/2016). Nessa direção, quando indagados sobre a estrutura de
renda básica que lhes possibilita viver de música, segundo a importância das
atividades exercidas, os 22 músicos entrevistados foram unânimes em destacar as
apresentações ao vivo como sendo a maior fonte de remuneração. “A sobrevivência
e a vivência musical migrou pro show, em torno dos shows”, explica Felipe Cordeiro
(14/4/2015).
Já recebi galinha! É bom até falar isso, sabe? É bom porque também
eu não sou advogado, eu sou músico... Faço música. Então quer
dizer: é bom que me paguem pelo meu trabalho. Porque se não, não
vai ter espetáculo. Só fiz música na minha vida toda. A única coisa
que eu fiz na vida mesmo foi música. Então eu quero que respeitem
isso, sabe como é? (GILA, 13/8/2014)
26Em 2014, pequenas casas de palco permanente de São Paulo, que priorizam criações autorais em
música, decidiram reunir-se para trocar experiências. As casas: Central das Artes, Rio Verde, Casa
do Núcleo, Casa do Mancha, Puxadinho, Serralheria, Zé Presidente, Mundo Pensante, Epicentro
142
Eles pagam bilheteria porque na verdade eles são que nem a gente.
Dá pra fazer um estudo desses com as casas de shows.. Eles
também são que nem a gente. Tem uma coisa de ajuda mútua,
assim... Eles também estão na batalha, sabe? Eles também
precisam chamar amigos pra ir na casa, também precisam divulgar
pra caramba porque as casas estão sempre que nem a gente, meio
na raça pra continuar (SEGRETO, 14/4/2015).
Cultural, Jongo Reverendo, JazzB e Jazz nos Fundos, uniram-se num coletivo batizado de P10-
Casas de Música Autoral SP, para discutir estratégias mercadológicas.
143
Então, a gente brinca que uma hora vai ter um roteiro, um mapa de
pessoas maluquinhas em várias cidades (risos) [...] São produtores que
têm essa mentalidade: ‘Bom, mudou o quadro. Como é que a gente vai
fazer pra coisa rolar?’ Porque, caso contrário, você fica ali esperando que
a prefeitura crie um teatro... O Metá Metá é um coletivo, mas que lida com
o Rodrigo Campos, tem o Marcelo Cabral, o Romulo (Fróes)... Um ajuda
no disco do outro, grava sem cachê, toca sem cachê... É isso... Um grupo
de pessoas que tem essa mentalidade de fazer a coisa rolar de alguma
maneira, né? Não ficar esperando sentado que o edital role pra você
gravar o seu disco [...] Não! Vai atrás, né? E esse povo das casas, tem
várias reuniões, eles conversam direto... Esse povo que tá achando
maneira de viabilizar a história... E estão sempre no vermelho, estão
144
Mas, em relação aos shows contratados pelo poder público, muitas são
as críticas dos artistas entrevistados. Desde os critérios de seleção dos artistas,
passando pelas condições de contratações, até a demora nos pagamentos dos
cachês e desvios de verbas. Em Recife, por exemplo, Guitinho (SILVA, 29/2/2016)
narra que o Bongar conseguiu um patamar artístico que elevou o seu cachê. E que,
por isso, a banda muitas vezes não consegue entrar nas grades dos grandes
festivais produzidos pelo Governo.
Como é que vai se pagar, por exemplo, quinze, vinte mil reais a um grupo
de coco? É inadmissível. O Tribunal de Contas do Estado não admite isso,
mas admite Sandy e Júnior chegar aqui e ganhar trezentos mil; Caetano
Veloso e tal. Isso é super normal. Pra eles, isso é normal. Então, eu
enquanto negro, enquanto artista que faz a música da comunidade negra,
a gente sente isso na pele mesmo. A propaganda de atração pro turista...
Se fosse aquilo ali, o carnaval realmente era a coisa mais linda, mas não é
nada daquilo que se propaga. Não é o caboclo de lança. O caboclo de
lança ta lá à míngua, dentro do busão, ferrado pra ganhar um pão com
manteiga27. Mas você vai ver os nossos gestores dando entrevistas com
27Em texto intitulado Realidade do maracatu rural para além do marketing cultural, Lula Marcondes
(2015) relata a experiências de um grupo de Maracatu Rural de Pernambuco em polos de carnaval.
Apesar de ser um relato sobre vivências recentes e específicas de apenas um grupo, elas têm um
caráter mais amplo e se reproduzem de forma sistemática na relação do Estado com outras
agremiações de Maracatu Rural. O texto expõe a maneira humilhante e abusiva com que alguns
governos municipais tratam os brinquedos de maracatu durante o ano e, principalmente, no carnaval.
Uma realidade bem diferente da que é proposta nos planos de marketing e publicidade para venda do
Maracatu Rural como produto cultural pelo mundo afora. Um maracatu com mais de 80 componentes,
145
que viaja quilômetros com um elenco formado de brincantes das mais variadas idades entre crianças
e idosos, chega a receber entre R$ 200,00 e R$ 300,00 por apresentação (MARCONDES, 2015, p.
2).
28 As bandas Cidadão Instigado e Academia da Berlinda (que foram entrevistadas por esta pesquisa)
receberam, cada uma, R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais) e R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais),
respectivamente. A banda Aláfia, que poderia estar na amostra desta pesquisa, recebeu R$
10.000,00. Os cantores Ney Matogrosso e Alcione receberam, cada um, 148.000,00 e 90.000,00,
respectivamente (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2016).
146
festivais chegaram a atingir público em torno de 300 mil pessoas, com shows de
pelo menos 600 bandas nacionais e internacionais. A partir do final de 2011, a
ABRAFIN passou por um processo de críticas, sobretudo à sua associação
(considerada excessiva) ao FdE, e sofreu uma desfiliação de 13 importantes
festivais, consolidando uma divisão no campo dos festivais independentes
brasileiros. Em julho de 2012, a ABRAFIN foi renomeada como Rede Brasil de
Festivais (RBF). Os festivais desfiliados à RBF/ABRAFIN, por sua vez, criaram em
Novembro de 2012 a entidade Festivais Brasileiros Associados (FBA) 29, a qual
passaria a atuar de forma autônoma ao FdE.
29Fazem parte do FBA: Abril Pro Rock (PE), Goiânia Noise Festival (GO), Porão do Rock (DF), Mada
(RN), Festival Demo Sul (PR), Rec Beat (PE),Festival Casarão (RO), Primeiro Campeonato Mineiro
de Surf (MG), Tendencies Rock Festival (TO), Festival El Mapa de Todos (RS), Psycho Carnival (PR),
Festival 53HC (MG), Festival Udirock (MG), Araribóia Rock (RJ), PMW Rock Festival (TO), TOME -
Tocantins Música Expressa (TO) e Flaming Nigths (MG)
148
Damasceno, Rafael Castro, Catarina Dee Jah (uma das entrevistadas desta
pesquisa), Maurício Fleury, Negro Leo, Karina Buhr, Thiago França, entre outros.
30 O primeiro curso de formação em gestão e produção cultural foi criado em 1995 pela Universidade
Federal Fluminense (UFF). Em 1996, a UFBA promoveu o bacharelado de graduação em
Comunicação Social com especialização em Produção em Comunicação e Cultura. Com mais de 20
anos, os dois cursos mais antigos ainda estão em atividade no país.
31 O relatório procurou mapear cursos no território nacional que, em sua nomenclatura,
Hoje mesmo preciso mandar (um CD) pra Manaus, que o rapaz comprou
ontem, já comprou pelo sistema PagSeguro, já caiu direto na minha conta,
tem gente que deposita... Fica fácil quando você pega o ritmo de tudo isso
aí. Mas tem que tá realmente disposto a fazer esse trabalho. Que é
responder pras pessoas, mandar o disco, autografar, ir nos correios...
Ocupa um tempo, mas é um tempo que... Basta acordar cedo, né? (risos)
E dá pra fazer tudo! Isso não tira a minha capacidade criativa, pelo
contrario, eu tô cada vez mais pilhado nesse ponto, eu faço tudo, nada me
impossibilita nada. Porque tem aquele pensamento ‘Ah, se eu for cuidar
disso tudo, onde vai ficar meu tempo pra criatividade?’ Pô, é balela.
Porque você vai fazendo, vai fazendo, vai ficando tão no automático que
você vai ficando muito mais intuitivo até na hora de criar. Porque você fica
ágil! Você tem que fazer muita coisa e você tira tudo de letra. Você vai
evoluindo... É muito massa... Às vezes vou ao cinema, ou tô curtindo a
noite e tal... Aí dou uma atualizada na minha conta... E ‘Ah, um novo
pedido’. É uma relação legal e saudável, né? (AEROPLANO, 30/4/2015)
Romulo destaca que está fazendo todos esses trabalhos de uma vez só
porque, para além do prazer estético, ele precisa sobreviver, “porque é preciso
ganhar dinheiro em várias coisas pra poder dar certo”. A multiatividade no campo
musical é explicitada por Romulo quando ele destaca que se dependesse apenas do
dinheiro do seu disco, ele não viveria de música: “E essa é a parte menos glamorosa
da história”, por muitas razões, como não ser instrumentista, e ter as sazonalidades
e inconstâncias relacionadas ao disco e aos shows. Por isso, Romulo se cerca de
grandes músicos, de grandes engenheiros de som e de vários trabalhos. Para ele,
as parcerias funcionam de forma primordial nesse mercado independente. O músico
157
também afirma que, “por ser metido a falar”, é chamado para palestras e debates.
Tanto que já fez um programa de televisão no Canal Brasil sobre a cena musical
independente de São Paulo. Ele também escreve artigos para jornais, assim como
participa de curadorias de festivais. Antigamente Fróes tinha até “um pouco de grilo”
do quanto uma coisa pudesse atrapalhar a outra, remetendo aos vários trabalhos e
projetos em que está envolvido. “Hoje em dia eu acho que tudo faz parte de tudo,
quando eu falo sobre música eu tô, na verdade, falando sobre meu trabalho
também”, afirma (FRÓES, 30/4/2015).
Não tem como você viver só de uma banda, embora como a gente é
uma banda de certa forma jovem, mas que conquistou muita coisa
bacana, então todo mundo prioriza a Orquestra, mas todo mundo
tem outros trabalhos [...] A gente entende que é muito importante
essa autoprodução, também. A gente é uma das bandas que se
autoproduz, inclusive em eventos. A gente faz nossas festas [...]
Então a gente sempre tá correndo atrás de projetos, de fazer esses
eventos... Nós somos 15 pessoas. Imagina 15 passagens de ida e
volta... E eu sou um defensor de que o músico, o artista em geral na
verdade, ele hoje em dia tem que ter... Ele é um empreendedor, né?
Ele é um microempreendedor [...] Então eu sou um cara que acredito
muito nisso. Acho que você tem que compor, tem que tocar, tem que
entender de produção, tem que conversar com os patrocinadores.
Não é a produção fazer isso como antigamente. Antigamente, na
época das gravadoras, o artista ficava em casa... Ficava compondo...
Hoje em dia não é só isso. Tem que fazer isso e tem que tá muito
antenado com o que tá acontecendo e tá buscando e tá produzindo
junto...É sua vida né? Não posso pegar minha vida e botar na mão
de uma pessoa e querer que ela resolva... O músico tem que ser
empreendedor senão complica e a coisa não anda (AMARAL,
12/11/2014).
Eu também tenho esse trabalho não só com minha banda, mas como
produtoras de festas. Bem, agora, por exemplo, eu tenho
desenvolvido um intercâmbio cultural-musical com uma cena da
Argentina que eu tomei conhecimento há dois anos. [...] Então eu
tendo me desmembrar de várias maneiras. Eu sou uma
empreendedora também, né? Uma coisa alimenta a outra. [...]
Carnaval mesmo eu não tenho confirmação se vou tocar oficialmente
nos editais, então eu já estou me mobilizando pra vender ‘Caipigala’
que é uma bebida que eu inventei (risos)... É uma maneira que eu vi
de sustentar a família pós-carnaval porque com os editais a grana
você não sabe quando vai receber. Então eu vou vendo se esse
dinheiro que eu vendo birita eu consigo sustentar pós-carnaval uma
família. E também vou discotecar, talvez no rec beat (ARAGÃO,
13/8/2014).
159
A grana que entra é pro meu trabalho musical... Vivo de uma maneira
simples, gasto pouco dinheiro, ando pra caramba a pé pela cidade, não
gasto nem com ônibus, quase... Então, eu sou um cara econômico nesse
ponto. E aí eu consigo com isso, com esse jeito simples de viver... Toda
essa grana que entra eu coloco já numa conta que eu chamo de conta-
disco, e tenho sempre o recurso pra poder trabalhar com isso [...] Então,
eu consegui entrar nesse lance cuidando de tudo mesmo. E trabalho
sozinho com tudo isso. Dá trabalho, mas é prazeroso, né? Se a galera
tivesse mais atenta a essa autogestão, as pessoas estariam muito mais
livres pra fazer os seus trabalhos (AEROPLANO, 30/4/2014).
32 Por outro lado, destaca-se também o fenômeno da pejotização enquanto nova forma de
precarização do artista-trabalhador formalizado como pessoa jurídica. A denominação pejotização
tem sido utilizada pela jurisprudência para se referir à contratação de serviços pessoais, exercidos
por pessoas físicas, de modo subordinado, não eventual e oneroso, realizada por meio de pessoa
jurídica constituída especialmente para esse fim, na tentativa de disfarçar eventuais relações de
emprego que evidentemente seriam existentes, fomentando a ilegalidade e burlando direitos.
162
Uma das músicas mais tocadas de Luísa Maita se chama “Alento”. Nela,
há uma representação da condição de vida na cidade de São Paulo: “Acordo cedo /
Com pé no freio / O mundo inteiro começa a girar...”, cujo clipe é composto por
imagens da cidade. A cantora e compositora explica que, como nasceu em São
Paulo e construiu sua vida nessa cidade, toda a sua trajetória profissional acabou se
desenvolvendo nessa metrópole. Ela destaca a dualidade da cidade. Por um lado,
São Paulo é uma cidade muito difícil, porque não “acolhe naturalmente” as pessoas
e é “hostil”, afirma. Por outro, a cidade é fundamental do ponto de vista profissional,
basicamente, por dois motivos: um estético, ligado à urbanidade, e outro
mercadológico, que consegue “caminhar, ser independente, colocar sua visão de
música e ao mesmo participar do mundo, não ficar num lugar tão oprimido”. Todas
essas questões comporiam uma “geração moderna” e inovadora paulistana, da qual
ela estaria incluída.
São Paulo, mesmo que tenha pouco, ainda é lugar que tem mais
mercado musical. Então, assim, no Rio, por exemplo, não tem SESC.
Acho que o único lugar que paga cachê no Rio é Oi Futuro, Banco do
Brasil talvez. Mas, assim, pro músico independente é ruim isso né?
Aqui em São Paulo ainda tem SESC, tem certos lugares onde dá pra
você conseguir cachê, dinheiro né? E fazer o trabalho andar...
(SEGRETO, 14/4/2015)
Nascida na Mooca, em São Paulo, Anna Tréa morou desde muito nova
em Diadema e depois no ABC. Hoje, na capital, Anna afirma que está em seu
momento mais “efervescente” da cidade, se sentindo cada vez mais encantada pela
dinâmica das ruas. Tanto que gravou um vídeo Uma canção chamada Paulista, em
homenagem à avenida que leva o mesmo nome. A artista explica que acontece
muita coisa ao mesmo tempo na cidade e que, graças a essa dinâmica e a esse
ritmo, conhece muita gente interessante e agiliza muitas atividades, o que é positivo
para o seu trabalho, ao mesmo tempo em que ela precisa “segurar a onda para não
dar uma pirada nisso tudo”. “A minha dificuldade é essa coisa de muito concreto e
eu sinto necessidade de um pouco de tranquilidade, mas tá tudo certo” (TRÉA,
12/2/2016).
nesse contexto, é mais fácil de lançar um disco e circular, por exemplo. Exalta que
na capital tem gente do Brasil inteiro fazendo arte e que é um ambiente propício
para trocas musicais e de mercado, de modo que sua vida em São Paulo é também
uma estratégia de trabalho. Ao mesmo tempo, Otávio diz que viver em São Paulo é
muito complicado, e que tenta viver cada dia, sem gastar tanto dinheiro porque o
“negócio é estreito”, no seguinte sentido: “Viver de música é um negócio que você
tem que ter uma capacidade muito grande de organizar tudo pra não se perder. Mas
São Paulo é uma cidade necessária, nesse ponto” (AEROPLANO, 30/4/²015).
Nascida no estado do RJ, Juçara Marçal foi pra São Paulo muito
pequena. A artista explica que sua ida para a cidade não representou uma escolha
em relação à sua atividade artística, no entanto a sua permanência foi muito
importante para a possibilidade de trabalho na área musical. Ela se considera “muito
paulista” porque construiu em São Paulo toda a sua trajetória profissional. Do ponto
de vista do mercado da música, ela afirma que São Paulo, dentro do Brasil, é onde
tem mais movimentação nesse sentido. Mesmo no Rio de Janeiro, que já foi a
capital da música, as pessoas têm dificuldades atualmente de se movimentar
mercadologicamente e ter sustentabilidade econômica. Juçara esclarece, ainda, que
São Paulo não é um paraíso, “não é que você ganhe fortunas... Não, não é nada
disso. Mas você consegue se mover, sabe?”. Assim como outros artistas, ela
destaca a rede de pequenas e médias casas de shows como essencial para o seu
trabalho.
Você tem que tá em vários lugares pra dar conta das coisas que
você precisa pagar no fim do mês. De um ponto de vista muito
prático. Muito prático... Não é só ‘Ah, uma viagem estética’. É uma
questão prática mesmo, sabe? (MARÇAL, 7/5/2015)
Para Graxa, Recife é uma cidade cheia de música, com uma população
musical, no sentido de produzir muita música o tempo todo. Com isso, a cidade
acaba oferecendo muito produto musical, mas não absorve essa quantidade: “a
oferta é muito grande e a demanda tende a ficar bem baixa”, explica. Essa não
absorção de demanda está ligada a falta de espaços de apresentação, o que
dificulta “viver de música” sem que seja possível “fazer bilheteria”. Graxa afirma que,
por isso, é “um tiro no escuro” se dedicar a música em Recife, restando o ciclo de
festas financiadas pelo Estado ou aprovar um edital no Fundo Pernambucano de
Incentivo à Cultura (FUNCULTURA), o que tem se tornado mais difícil a cada ano,
uma vez que as verbas têm diminuído. Por tudo isso, Graxa entende que o fluxo
migratório de artistas do nordeste pro sudeste, especialmente São Paulo, ainda é
uma realidade. “Quem não mora em São Paulo pelo menos vai constantemente”
(SOUZA, 26/2/2016).
O músico Caio Lima (4/3/2016), por sua vez, afirma que passou muito
tempo reclamando da cidade do Recife, frustrado com a dinâmica, “porque ninguém
chamava a gente pra tocar, por exemplo”. Entretanto Caio entende que é preciso
inventar os lugares. Nesse sentido, “a cidade, na verdade, ela não existe ainda. A
cidade está sempre por vir. É uma potência. A cidade tem muito a oferecer”. Então,
ele afirma que começou a pensar no que poderia fazer, no que ele poderia inventar
para multiplicar ou potencializar a sua experiência na cidade. Nesse sentido, Caio
defende que os músicos precisam, por exemplo, fazer shows na Rua da Aurora em
uma “suficiência intensiva”, radicalizando a questão do “pague o quanto puder”33,
33Em Recife, o Grupo de teatro Magiluth criou um festival para convidar artistas e público ao diálogo
entre as artes, o Pague Quanto Puder. Os atores colocam em debate a disposição financeira do
público em relação a uma obra artística. Como sugere o nome do evento, o grupo decidiu deixar as
167
organizar concursos, festivais etc., no intuito de sair um pouco dos esquemas que já
estão consolidados na indústria cultural. Quanto ao êxodo artístico, Caio afirma que
é algo histórico, mas sonha com o dia em que não seja preciso de um êxodo pra
outro centro econômico porque em Recife existiria todas as oportunidades.
Diante das narrativas dos artistas entrevistados, muitos fatores podem ser
citados para informar as especificidades regionais e suas contextualizações para o
trabalho musical independente. Essas especificidades, por sua vez, não indicam
uma oposição, mas muitas vezes uma relação de complementariedade, sobretudo
quando observados os trânsitos artísticos migratórios. Enquanto Recife está
caracterizada pela dependência aos investimentos municipais e estaduais diretos
(os quais diminuem a cada ano e se concentram no ciclo de festas), São Paulo se
destaca pela predominância dos investimentos federais na forma de Mecenato e
pelo domínio de pesquisas sobre produção, gestão e empreendedorismo cultural.
Além disso, em São Paulo, as especificidades da cena paulistana contribuem para a
relativa proeminência deste polo musical no cenário nacional. Destaca-se uma maior
consistência do mercado musical independente, em comparação com outras capitais
brasileiras, no que se refere ao tipo de mercado voltado para as produções mais
segmentadas e de nichos.
Isso pode ser explicado por diversos fatores que contribuem para a
geração de renda do artista independentes. Na fala dos artistas entrevistados
podem-se resumir os seguintes fatores: a) significativo circuito de casas noturnas e
espaços de shows voltados a públicos segmentados interessados nas propostas de
músicos independentes; b) um conjunto importante de equipamentos e instituições
culturais, entre os quais destaca-se o SESC; c) canais tradicionais de mídias
sediados na cidade, com espaços e programas voltados à cobertura especializada
pessoas livres para escolherem o preço de seus ingressos. Em entrevista à Revista Cardamomo,
Erivaldo Oliveira, um dos integrantes do Magiluth, afirma que fez a seguinte pergunta ao público:
“Quanto você acha que deve sair do seu orçamento mensal para a sua construção intelectual,
cultural?”. O grupo destaca que já teve pessoa pagando R$0,30, assim como teve pessoa pagando
R$ 50,00. Contudo, fazendo uma média, o grupo acaba tendo uma bilheteria como se fizesse uma
apresentação normal com ingressos com preços pré-combinados. A diferença é que essa proposta
do preço livre atrai mais gente. “A média de preço das três edições foi R$5, R$7 e R$10. Ou seja, a
gente está conseguindo valorizar o preço do ingresso”, além de formar público, afirma Mário
(MACAU, 2016, p. 1).
168
Lia Calabre (2009, p. 43) analisa que entre as décadas de 1960 e 1970,
as questões relacionadas à cultura ganharam maior importância dentro da área de
planejamento público e passaram a ser incluídas nas noções de desenvolvimento.
Na década de 1960, antes do golpe de 1964, o Governo Federal implementou
algumas ações visando estruturar uma política para o setor. Em 1961 foi criado o
Conselho Nacional de Cultura (CNC), diretamente subordinado à Presidência da
República, ocupado por Jânio Quadros. A visão de cultura presente na legislação do
Conselho estava limitada à área artístico-cultural, não contemplando, por exemplo,
questões de educação, lazer e esporte, presente na visão varguista. Em 1971, o
país contava com conselhos de cultura instalados e em pleno funcionamento em 22
estados. Durante este período destaca-se, ainda, a criação da Empresa Brasileira de
Filmes S.A. (Embrafilme), em 1969.
mandato do governo Lula, que aponta para o papel de um Estado ampliado no setor. O
antropólogo social José Márcio Barros (2014) se dedicou a estudar o tratamento dado
ao artista no documento, que contem 12 princípios, 16 objetivos, 14 diretrizes, 36
estratégias, 275 ações objetivos e 53 metas. Para Barros (2014) o PNC apresenta
apenas duas ações que recaem na dimensão do artista como trabalhador.
No âmbito das metas do Plano, José Márcio Barros (2014, p. 48) contabiliza
sete medidas que em suas generalidades estão indiretamente relacionadas ao universo
do trabalho e ao artista enquanto trabalhador, como por exemplo “o apoio e difusão de
atividades culturais”; “educação em arte”; “certificação de profissionais de caráter
cultural”; e a questão dos direitos autorais. Quando se trata de uma visão mais direta
para o trabalho artístico apenas duas metas podem ser citadas. A primeira ainda está
em estágio de formulação normativa e diz respeito ao Programa de Certificação
Profissional e Formação Inicial Continuada (CERTIFIC), cuja operacionalidade visa
promover a produtividade e inclusão social e profissional dos artistas. A segunda meta,
por sua vez, leva em consideração as demandas de reconhecimento e regulação
atreladas às leis trabalhistas.
Quando se trata dos planos setoriais nacionais, que têm como objetivo
garantir que as especificidades próprias de cada setor da cultura sejam observadas
e atendidas pelas políticas públicas, cita-se o Plano Setorial da Música. Nas 34 metas
expostas no documento apenas uma vez há uma menção direta da palavra trabalho
relacionada à atividade dos músicos. Por outro lado, o Plano coloca como diretrizes a
ser alcançadas o fomento do mercado de trabalho formal, o desenvolvimento da
formação musical e o incentivo desse tipo de atividade, sobretudo a independente (sem
conceituação). O documento encontra-se em fase de revisão, com intuito de reunir
ideias de ações que contribuam para realizações das suas metas.
36
A propósito desse entendimento, a seleção de discursos do Ministro da Cultura cubano organizado
pelo Sindicato Nacional de Trabalhadores da Cultura (HART, 1978, p. 177) destaca a estreita relação
do Ministério da Cultura com o Sindicato de Trabalhadores da Cultura do país, que conta com o dia
do trabalhador da cultura (correspondente ao nascimento de Raúl Gómez García) e diversas escolas
de formação descentralizadas. Segundo Armando Hart (1978, p. 187) toda a gestão é estruturada no
sentido de organizar, facilitar, estimular e proteger a atividade dos artistas, enquanto trabalhadores. O
Ministério da Cultura de Cuba desde 1976 procura aperfeiçoar normas do sistema contratual na
esfera laboral artística.
178
37 Antes de indicação de Calero, a intenção do presidente em exercício, Michel Temer, era nomear uma
mulher para dirigir a área cultural e, assim, responder às críticas de um governo exclusivamente
comandado por homens (brancos), mas nenhuma delas aceitou o cargo. A atriz Bruna Lombardi, a
jornalista e apresentadora Marília Gabriela, a antropóloga Cláudia Leitão, a consultora de projetos
culturais da FGV Eliane Costa e a cantora Daniela Mercury negaram o convite para administrar o
setor cultural.
179
Variação
Força de trabalho 2006 2007 2008 2009
2 % 2 % 2 % 3 % 2006/200
SCC/tipo de vínculo
9
Ativo permanente e
14,3 14,7 14,6 18,7
exercício descentralizado 9 11 12 14 55,6
% % % %
de carreira
Sem vínculo 4 6,3% 6 8,0% 8 9,8% 7 9,3% 75,0
Terceirizados (patrimonial 23,8 21,3 22,0 21,3
15 16 18 16 6,7
e ICP) % % % %
Consultores de
20,6 21,3 22,0 18,7
organismos nacionais e 13 16 18 14 7,7
% % % %
internacionais
Requisitados, em 28,6 28,0 24,4 28,0
18 21 20 21 16,7
exercício % % % %
Estagiários 4 6,3% 5 6,7% 6 7,3% 4 5,3% -
100 100 100 100
Total 63 75 82 75 19,0
% % % %
38A propósito, sabe-se que há ramos de negócios para os quais é mais aguda a necessidade de
reparar a imagem ou de reforçá-la positivamente por meio do marketing cultural: é o caso das
bebidas alcoólicas, tabaco e petroquímica, em sua ameaça à saúde humana e ao meio ambiente; ou
o caso dos bancos que trabalham uma mercadoria comum (dinheiro) e só podem se demarcar na
mente do público em termos da associação de seu nome com cultura, esporte e beneficência, por
exemplo.
182
com as dimensões dessa crise, se aposta na iniciativa privada. O que ocorre com a
questão sociocultural, enquanto território mais intensamente habitado pelo
empresariado, é a superação da dimensão “problema social” para tornar-se,
claramente, um campo de disputa de estratégia comercial entre as empresas. Nesse
sentido, a pesquisadora (DINIZ, 2011, p. 33) explica que a Lei Rouanet permite que
a empresa patrocinadora abata mais do imposto devido do que seu próprio
investimento em cultura. O exemplo que segue destrincha esse mecanismo.
39 A jornalista Alana Rizzo (2011, p. 1) relata que o do Rock in Rio é alvo de diligências desde agosto
de 2011. A equipe técnica da pasta encontrou irregularidades no projeto inicial, apresentado pela
empresa Dream Factory Comunicação e Eventos Ltda. No entanto, a captação de R$ 4,5 milhões foi
autorizada em 29 de outubro do ano passado. Os produtores conseguiram apoio de quatro
companhias privadas, além da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, um dos maiores
contribuintes, com R$ 1,2 milhão. Na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), o parecer
ressalta outra irregularidade: a de que os projetos não apresentavam informações suficientes sobre a
proposta. A CNIC apontava que grande parte do orçamento estava destinada à estrutura do evento,
incluindo lojas, bares, restaurantes e entretenimento, e não às atividades culturais. Os conselheiros
também alertaram que a proposta não apresentava todos os custos do Rock in Rio e incluía
despesas proibidas como passagens de primeira classe e refeições para pessoas que não estavam
diretamente ligadas à produção do evento.
184
40 Em 2006 o grupo canadense Cirque du Soleil obteve autorização para captar R$ 9,4 milhões em
sua apresentação no Brasil, cujos ingressos chegaram até R$ 370. Em outro exemplo, a peça da
Broadway Família Addams recebeu autorização para captar R$ 13 milhões via renúncia fiscal – o
faturamento da peça chegou a R$ 9 milhões. Cinco vezes mais do que a Região Norte recebeu em
2011 a título de financiamento cultural (GARCIA, 2015, p. 12).
187
Como é que alguém pode falar de um trabalho meu? A não ser que
viesse um jornalista, fizesse uma entrevista comigo pra desenvolver
um texto, coisa que não existe, não existe dinheiro pra isso... Pelo
menos na minha produção não tem. Então eu acabo mesmo
escrevendo minha ideia artística. E acho gostoso também. Porque a
partir do momento que eu escrevo, eu penso sobre o que eu quero
fazer. E na medida em que eu penso eu vou também aprimorando
um pouco aquele trabalho. É um processo de construção pra mim,
não só burocrático (CASTRO, 5/5/2015).
independentes”. Por tudo isso Marcelo infere que bandas “desse tipo” deveriam ter
prioridades de financiamento. Observam-se, nessa fala, dois pontos bastante
importantes. Primeiro, a necessidade de distinção ou critérios de independência.
Segundo, a de que o financiamento público não deve anular a
independência/autonomia, mas a viabilizar.
Dos músicos que afirmaram nunca ter recebido qualquer tipo de incentivo
público a maioria deles entende que o tipo de música que faz não é interessante
para as empresas bancarem via Mecenato, por exemplo, o que influencia
diretamente nas tentativas mal sucedidas de financiamento estatal indireto. Nesse
sentido, Romulo Fróes (30/4/2015) afirma que talvez o edital não seja pra ele
mesmo, da forma com que foi feita as leis de financiamento. Talvez os
patrocinadores “tenham outro tipo de coisa na cabeça”, explica. Ele acha que um
governo “teria que dá conta mesmo de uma música de invenção porque a música do
entretenimento já está tudo certo. Os caras tem avião, os caras tem agronegócio
bancando eles, tá tudo bem. Agora, o sujeito que faz um disco que se chama
Barulho Feio tem mais dificuldade mesmo”, afirma. Romulo também critica as
recentes ideias de que eles são bancados pela Lei Rouanet, uma vez que ele
mesmo nunca conseguiu um financiamento via tal mecanismo.
41 O cenário é positivo no que concerne à proliferação das atividades artísticas. Segundo o Plano
Municipal de Cultura da cidade (PREFEITURA DO RECIFE, 2008) nos últimos dois anos, mais de
82% dos municípios pernambucanos realizaram algum festival ou mostra artístico-cultural. Sendo que
em 71 municípios, esses festivais foram de música. Entre os principais eventos musicais realizados
anualmente no Recife, destacam-se: o Carnaval Multicultural do Recife e de Olinda, o Porto Musical,
a Feira Música Brasil, o Abril pro Rock, o São João Multicultural, a Mostra Internacional de Música em
Olinda (MIMO), o Coquetel Molotov, o Festival PE Nação Cultural, o Acordes para o Museu e o
189
Festival Rec Beat. Segundo levantamento feito por Fabio Cabral (proprietário da loja e selo Passa
Disco, especializada em música pernambucana), no ano de 2014, os músicos que moram no Estado
de Pernambuco lançaram 215 títulos (entre CDs, DVDs, LPs e álbuns virtuais) (OUTROS CRÍTICOS,
2015, p. 1).
42 Enquanto projeto estratégico de gestão, os princípios básicos que orientam suas ações atentam
43 Qualquer pessoa que tenha uma ideia de projeto pode cadastrá-la em um site de financiamento
coletivo, estipular uma quantia de dinheiro exigida para viabilizá-la e um prazo para a verba ser
arrecada. Embora na Europa e nos Estados Unidos esse tipo de atividade venha se tornando comum,
no Brasil o financiamento colaborativo ainda se desenvolve de forma tímida e está extremamente
longe de se constituir uma realidade palpável para a maioria dos artistas independentes. No site mais
conhecido no Brasil especializado em crowdfunding para música, o embolacha.com.br, até 2016, 15
projetos tinham sido realizados com sucesso, enquanto outros 5 estavam em andamento. Já no site
catarse.com, destacado por trabalhar com diversas linguagens de financiamento colaborativo, até
2006 havia 184 projetos em andamento, dos quais 27 eram de músicas (setor que só perde para o
cinema e vídeo com 38 projetos).
44 Quando se trata de constatar a atuação corporativa no trabalho artístico, destaca-se sua influência
em todas as fases da cadeia econômica, desde os editais de financiamento que atuam sobre a
produção e disseminação das atividades, até o patrocínio de festivais e os prêmios empresariais. São
indicativos do avanço dessa lógica os principais festivais de música hoje, como, por exemplo, Music
Festival Red bull, Natura Musical, Jack Daniel´s Festival, Oi Música, Tim Festival e Vivo Music
192
Festival. Já nos prêmios de destaque empresarial da música citam-se o Prêmio da Música Brasileira,
patrocinado pela Vale do Rio Doce; o Prêmio Shell de Música; e o Prêmio Multishow de Música
Brasileira, este último vinculado às Organizações Globo.
193
pro Rio... você se mantém e pronto. [...] Então hoje eu não acredito
mais nesse coletivo, nessa cena como um bloco ou como um grupo
que tenha uma decisão... (LEÃO, 2/9/2014)
O músico Romulo Fróes (30/4/2015), por sua vez, mesmo achando que é
preciso repensar as instituições e a própria noção de independência nas políticas
públicas culturais, afirma ter “uma certa preguiça” de participar de movimentos e
encontros políticos a que é constantemente chamado.
Recife e acha que a sua geração precisa se engajar nas discussões acerca da
política cultural, em sindicatos, estipular cachês, condições de trabalho, cobrar
transparência, eficiência e atualizações na arrecadação e distribuição de direitos
autorais.
45 A propósito de causas trabalhistas promovidas pelos músicos pesquisados por Juliana Coli contra a
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, é importante destacar que, segundo os entrevistados
por Coli (2006, p. 204), a OMB tem se mostrado absolutamente negligente na proteção e
representação de sua categoria.
46 No site <<http://p2.forumforfree.com/196>> que promove a discussão onde se questiona a utilidade
Pra mim a OMB não tem função nenhuma. Um órgão como a OMB
teria uma importância grande se tivesse uma aposentadoria, se
tivesse desconto nos equipamentos, nos instrumentos, plano de
saúde... Você só tem ônus, você não tem bônus nenhum
(ANDRADE, 21/7/2014).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
a maior parte da amostra que não vem de família privilegiada, ao mesmo tempo em
que são os que mais contam com formação superior na área artística e fora dela.
A pesquisa constata que, embora a internet seja o meio mais usado pelos
músicos que se compreendem como independentes para distribuírem e promoverem
suas músicas, não há uma dispensabilidade dos meios tradicionais – rádio e TV – na
dinâmica dos seus trabalhos. Pelo contrário, além dos limites da internet em relação
à remuneração do músico e alcance de público, há uma enorme lacuna no gargalo
da distribuição, fortemente monopolizada por uma indústria não mais fonográfica,
mas da música, a qual não está propriamente em crise, mas que reconfigura o
tempo todo o seu poder de articulação no sentido de manter e fortalecer os seus
oligopólios.
essas ideias se alojam de forma central nas indústrias culturais e/ou criativas e
assistem a um avanço do capital sob o trabalho de forma sofisticada e sem
precedentes. Nesse contexto, a constituição do trabalhador da cultura como
empreendedor faz parte da invizibilização do conflito entre capital e trabalho, cujo
caráter laboral se dilui simbolicamente, constituindo o artista independente um
precário de luxo por excelência ou, ainda, parte de uma precari-burguesia
contemporânea.
por essa classe média branca de músicos autônomos, cujo contexto de retirada do
Estado tem levado a um empreendedorismo precário. Embora a imagem do artista
possa se aproximar da imagem do herói, a modernidade heroica tem se revelado
como tragédia em que o papel do artista está disponível.
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Janeiro: FGV, 2009.
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profissão do cantor de teatro lírico. São Paulo: Annablume, 2006.
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RIZZO, Alana. Rock in Rio recebe irregularmente verba milionária da Lei Rouanet.
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Legislação
Entrevistas realizadas
13/4/2015.