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A MANIPULAÇÃO DA LINGUAGEM A PARTIR DO GOLPE DE ESTADO DE 1964

Ana Belén Vera

A linguagem tem sido sempre um objeto de estudo controvertido por causa da


dificuldade que envolve sua definição Porém, há várias teorias que coincidem no fato de ela
ser um instrumento que possibilita a comunicação entre as pessoas. A partir de essa noção,
há outras teorias que vão mais fundo, acrescentando que essa determinada linguagem,
usada em um determinado contexto, bem pode ser empregada para manipular o discurso
com algum objetivo específico.
Essa manipulação do discurso através duma linguagem direcionada
intencionalmente para isso foi frequente ao longo de toda a história brasileira, mas
acentuou-se notoriamente durante os anos prévios à ditadura militar e ao longo de esta.
O presente trabalho tenciona uma breve análise dos mecanismos de uso da
linguagem com fins políticos que entraram em jogo em dito momento histórico do Brasil,
tanto desde o lugar de quem apoiava o golpe de Estado de 1964, quanto daqueles que
lutaram contra dito regime. Além disso, far-se-á menção das atitudes que constituíram uma
clara violação ao direito de livre pensamento e expressão e ao correspondente direito à
informação que todo cidadão tem.
A partir de estudos históricos de corte revisionista, tem sido possível para os
brasileiros resgatar informações que contribuem ao necessário esclarecimento dos fatos que
derivaram no golpe de estado de 31 de março de 1964, dando início a um dos períodos mais
obscuros para os Direitos Humanos na história Brasileira. Numerosos documentos
históricos que tem sido encontrados provam cabalmente que nos anos prévios à ditadura,
durante o governo de João Goulart, o governo dos Estados Unidos teve influência decisiva
e participação concreta na preparação do golpe militar. (Galli Tavares, 2013)
Diante do sucesso da revolução cubana, temendo um espalhamento do Comunismo
nas Américas e receando a perda duma potencia econômica como foi e é o Brasil (na
medida do possível trabalhando para eles), o então presidente Kennedy, através do seu
braço executor, o embaixador Lincoln Gordon; pôs em funcionamento a operação destinada

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a derrocar Goulart.
A pergunta é: por quê é que só há pouco tempo que o povo brasileiro tomou
consciência de essa responsabilidade do país do Norte? Uma possível resposta é que o
plano foi muito bem elaborado por eles, pois a maior influência exercida foi através da
linguagem, um dos mecanismos mais sutis e efetivos conhecidos pelo homem. A
intervenção estadunidense no Brasil foi justificada por meio da instalação do medo, do
sentimento de inseguridade. Os termos “ameaça à liberdade e a democracia”, “reforma
agrária como política que leva ao comunismo feroz”, a associação de Cuba e China como
grandes inimigos da democracia, a sensação de “crise”, “desordem” “caos” foram as
ferramentas escolhidas pelos Estados Unidos para martelar no imaginário dos brasileiros
que a única salvação possível era a saída de Goulart (e com ele suas políticas de “extrema
esquerda”) e a aliança com os norte-americanos.
A influência da linguagem é tão imprescindível que Lincoln Gordon, ator
fundamental na implementação do programa yankee, foi designado embaixador porque,
além de sua ideologia vantajosa para os interesses estadunidenses, falava “um pouco de
português” (Galli Tavares, 2013).
A virada à esquerda do governo brasileiro que Gordon começou a reportar aos
Estados Unidos tem a ver com o fato de que durante os anos sessenta, o povo tomou
consciência da necessidade de mudanças de base nas políticas públicas, de modo a ampliar
os direitos e garantias sociais para um verdadeiro avanço do país e da democracia. Fazendo
uso do direito à livre manifestação de pensamento, expresso no artigo 9 da Constituição
Federal de 1934, retomado no artigo 5 da Constituição de 1946, é neste momento histórico
que o povo aproveita a linguagem para expressar suas demandas. Nascem assim
documentos fundamentais para a história brasileira, como a Declaração sobre a política do
Partido Comunista Brasileiro, a Declaração de Belo Horizonte (exigindo a implementação
da reforma agrária), o programa da Greve Geral de 5 de julho (exigindo reformas de base) e
o Documento Base da Ação Popular da Juventude Universitária Católica, entre outros.
Acompanhados, é claro, de manifestações massivas e ações concretas (Mondaini, 2009).
Somada à gravidade de estas manifestações, a resposta de parte do governo Goulart
foi favorável com respeito a assuntos fundamentais como a reforma agrária e a estatização

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das empresas de serviços públicos. Brasil estava se encaminhando para a autonomia e o
desenvolvimento sustentável, pois começava a contemplar a necessidade da equitativa
distribuição das riquezas.
O governo Kennedy decidiu então, que as “condições para o golpe” estavam dadas e
a intervenção no Brasil passou a ser uma questão de segurança dos próprios estadunidenses.
Uma das medidas adotadas dentro da chamada “Aliança para o Progresso”, para
começar a manipulação mediática por parte da CIA foi a abertura do IPES (Instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais), organismo que na realidade serviu para encobrir as manobras
de adulteração da informação, uma das violações mais graves ao direito à verdade que todo
cidadão tem. Assim foi que, também graças à resposta da Igreja Católica, cujos interesses
também se veriam afetados; o presidente João Goulart passou a ser “um ditador pessoal e
populista” e o Brasil estava a ponto de virar um país comunista e portanto caótico e
perigoso como Cuba ou China.
Foi neste contexto do terror semeado que As Forças Militares, a Igreja Católica e o
empresariado nacional e internacional tomaram o poder (Konder Comparato, 2014). Esse
foi o começo de 21 anos de ditadura na qual todos os Direitos Humanos foram pisoteados
da pior maneira; entre eles, o direito à informação e à livre manifestação do pensamento.
Novamente, o reino do medo e da desinformação foram mantidos através da manipulação
da linguagem.
A valerosa resistência ao regime, porém, também foi feita por meio da linguagem. É
este o período de proliferação da protesta através da música, da poesia, da literatura, da arte
em geral. Tudo através da linguagem, que possibilitou a criação de hinos de luta que
acompanham o povo até a atualidade e impedem que toda essa dor seja gratuitamente
esquecida. Porém, fora do Estado de Direito, esse uso da linguagem como veículo para
visibilizar o oprimido derivou no exílio, censura, tortura e morte de inúmeros cidadãos que
simplesmente queriam fazer valer seu direito de expressar-se.
Atualmente, nossa América do Sul parece estar passando por um processo de
autonomização com características que tentam aproximar-se das que constituíram a luta dos
sessenta. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos continuam a cobiçar muitas das nossas
riquezas e potencial e a estratégia de intervenção não tem variado tanto. Assim, a existência

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até hoje de monopólios da comunicação não é inocente. As mesmas forças que tem tomado
o poder da pior maneira toda vez que sentiram ameaçados os seus interesses continuam
manipulando a informação à que o povo tem acesso.
É preciso ampliar a participação de todos os setores sociais no serviço da
informação para que as diferentes perspectivas possam ser ouvidas, para que se estimule o
debate como prática cotidiana e para que se formem cidadãos tolerantes, capazes de
entender diferentes visões de um mesmo fato, refletir, argumentar e adotar uma postura
própria. Dita mudança, somada à união regional, é a única via para os nossos povos
realmente desfrutarem da vigência plena dos seus direitos e serem verdadeiramente livres.

Galli Tavares, C. (Dirección). (2013). O dia que durou 21 anos [Película].


Konder Comparato, F. (11 de Março de 2014). Compreensão histórica do regime empresarial-militar
brasileiro. Brasil de fato.
Mondaini, M. (2009). Direitos humanos no Brasil. São Paulo: Contexto.

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