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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS
Disciplina: Diversidade Linguística e Direitos Humanos
Prof. Dra. Christiane Cunha de Oliveira
Discente: Ana Belén Vera

RESENHAS DE MATERIAL TEÓRICO

Resenha número 1: “Preconceito linguístico, variação e o papel da


universidade”. Mariângela Rios de Oliveira
Retirado de http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/36/artigo6.pdf em 5 de junho
de 2014.

Neste artigo a autora aborda o preconceito linguístico: o que é, como se


constrói socialmente e historicamente e como a universidade deve ser um espaço
onde surjam propostas que permitam o combate contra essas atitudes negativas e a
valorização das variedades linguísticas.
Oliveira começa com uma historização breve sobre a imposição do português
como língua hegemônica no Brasil durante o período colonial e a posterior defesa da
unidade dessa língua durante sob o governo de Getúlio Vargas. Diante desta
situação, a autora critica o enclaustramento dos acadêmicos universitários, que não
se pronunciaram ao respeito.
Em seguida, a pesquisadora realiza uma breve menção à história da
sociolinguística, surgida nos anos sessenta. A sociolinguística variacionista, que leva
em conta a influência dos fatores sociais nos fenômenos linguísticos, contribuiu
principalmente com os conceitos de “variação linguística” e “norma culta”. A partir
destas noções, “certo” e “errado” é relativo e os traços linguísticos são identitários
duma comunidade em particular e contribuem para a riqueza da língua. Por outro
lado, deixa em claro que a “norma culta” é definida por critérios de ordem econômica
e social. Explica também que a sociolinguística serviu de base para o
desenvolvimento de outras teorias, entre elas as que permitem a discussão sobre o
preconceito linguístico e o ensino-aprendizagem da língua materna.
Oliveira faz uma análise do livro de Marcos Bagno “Preconceito linguístico, o
que é, como se faz”, constatando algumas das suas afirmações e refutando outras.

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O primeiro que a autora aponta sobre as teorias do linguista é para sua
radicalização, o que continua aprofundando as dicotomias já existentes e não deixa
espaço para a controvérsia.
A pesquisadora apresenta brevemente a lista em que Bagno desmitifica: a
unidade aparente do português brasileiro e sua dificuldade, que os brasileiros não
sabem falar sua língua materna e que é impossível aprendê-la sem estudar
sistematicamente a língua padrão; que é, por sua vez, considerada um instrumento
de ascensão social. Bagno adjudica todas estas falsas crenças à enraizada
dicotomia língua falada x escrita, produto do elitismo dos gramáticos normativos que
também elaboram os materiais didáticos. Nestes reproduzem preconceitos
linguísticos que na verdade encobrem relações de poder e prestígio vinculados a
fatores socioeconômicos.
A autora discorda em alguns pontos: diz, por exemplo, que a proposta de
Bagno de criar uma ortografia que seja emulação das práticas orais é impraticável,
pois não está levando em conta a artificialidade da escrita e os processos históricos
que levaram a que os morfemas cheguem a serem os grafemas que conhecemos
hoje. Além disso, seria impossível escolher um modelo de fala que guiasse a
ortografia sem cair de novo no desprezo da diversidade linguística que os dois
defendem.
Diante da crítica de Bagno ao ensino da gramática normativa nas escolas
baseadas na norma considerada padrão, Oliveira contrapõe outra definição de
gramática, como um conjunto de estratégias sistematizadas e acordadas por uma
comunidade linguística, que é preciso conhecer para possibilitar a comunicação.
Por último, a autora refuta a afirmação do linguista de que o conhecimento da
norma padrão não necessariamente é um instrumento de ascensão social. Ela
sustenta que de fato é uma ferramenta que possibilita o pleno exercício da cidadania
e a inserção social nas comunidades de maior prestígio.
A continuação a pesquisadora defende as mudanças que têm sido
implementadas nas políticas educativas nos últimos tempos, tanto no ensino
fundamental como no ensino médio, apontam para a necessidade de apropriação
das diferentes normas e gêneros textuais, levando em consideração a situação
comunicativa. Assim, contribuiriam para a valorização da diversidade. Diante desta
postura perguntamo-nos: será que estas mudanças na teoria estão atualmente
configurando um motor de transformação nas práticas educativas cotidianas? Será

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que os docentes estão recebendo a formação necessária para mudar o modelo
historicamente empregado?
Oliveira encerra o artigo apontando as repercussões destas políticas na
universidade, que têm realizado adaptações nas características do exame vestibular
para adequar-se a elas. Embora a autora reconheça que isto tem causado certo
estranhamento na comunidade educativa, por acreditar que incluir outras normas e
variedades implica necessariamente deixar de lado a norma padrão por completo,
acredita que seja uma questão de tempo até serem aceitas.
Este artigo contribui para a nossa pesquisa na medida em que define a noção de
preconceito linguístico e aponta o valor das variedades linguísticas (conceitos
teóricos fundamentais para nosso trabalho) de forma menos radical que o nosso
outro referente, Marcos Bagno, colocando outras vozes na discussão.

Resenha número 2:
"Poder e preconceito"
Carolina Cantarino
Retirado de http://www.labjor.unicamp.br/patrimonio/materia.php?id=217 em 2
de junho de 2014

A autora defende a necessidade de reconhecer que o aparente


monolinguismo no Brasil é uma imposição, uma decisão política, mas que não
coincide com a realidade. Coexistem no território numerosas línguas indígenas,
línguas africanas, línguas europeias das diferentes comunidades que foram
imigrantes no seu momento e mantêm a sua língua. Porém, a autora faz questão em
dar a importância correspondente também às variedades que convivem dentro do
próprio Português, tanto do tipo diatópicas quanto diastráticas, que aportam à
riqueza da língua brasileira.
Segundo a autora, numa sociedade que apresenta níveis de desigualdade
social tão elevados quanto a brasileira, o domínio das variedades mais prestigiadas
da língua é sinônimo de poder. Por razões semelhantes, a variedade escrita é mais
valorizada do que a falada. Neste contexto, variação e mudança linguística
conformam ameaças à língua "certa", o que deixa o terreno propício para espalhar o
preconceito linguístico.
Cantarino cita a professora Marta Scherre, quem ressalta a importância de

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levar em consideração o contexto em que cada uma destas variedades se insere.
Nem todas as variações são estigmatizadas, já que aquelas que são empregadas
pelos grupos sociais prestigiados não sofrem condena alguma. Isto implica que o
preconceito linguístico encobre na verdade um preconceito de tipo econômico,
social, histórico, cultural de determinados grupos.
Os linguistas são acusados que buscar "corromper" a língua e sua opinião é
desrespeitada. Segundo Marcos Bagno, a Linguística não é considerada no seu
rigor científico, e prefere-se dar maior importância à opinião dos gramáticos
normativistas que oferecem fórmulas para combater a suposta ignorância dos
brasileiros a respeito de sua própria língua materna. A mídia e os gramáticos
reducionistas continuam assim disseminando mais preconceito.
A outra instituição que cumpriria esse papel é a escola. Segundo Bagno, as
ideias da Sociolinguística já foram, de fato, incluídas nas políticas educativas do
Ministério de Educação do Brasil. Porém, ainda não atingiram os cursos de
formação docente, pelo qual os professores estão despreparados para implementá-
las em sala de aula. O linguista acredita que a escola precisa atualizar-se com
urgência, começar a trabalhar a consciência sobre a diferença entre língua escrita e
língua falada e formar leitores em geral, já que a chamada norma culta não é só
gramática prescritiva. A leitura e a escrita possibilitam o contato do discente com a
norma-padrão e todas as outras variedades e gêneros textuais que circulam na
sociedade.
Por último, a valorização só da norma-padrão aumenta a distancia e as
diferenças hierárquicas entre docente e discentes. Cantarino exemplifica outro
caminho possível através da pesquisa da professora Ione de Silva Jovino sobre o
hip hop na escola. Esta manifestação artística forma parte do universo cultural dos
alunos e deveria ser aproveitado para facilitar seu acercamento à aprendizagem e
não fazer as diferenças maiores. A professora indagou sobre a opinião dos alunos a
respeito da escola e encontrou ideias muito positivas acerca dos valores atribuídos à
instituição como meio para conseguir ferramentas que permitam inserir-se no
mercado de trabalho e ter acesso a informação e conhecimento; igual que o hip hop.
Este artigo oferece uma visão muito interessante sobre por que cada
variedade diatópica e diastrática do português brasileiro deve ser considerada dentro
do seu contexto: é um produto histórico, que forma parte da identidade dessa
comunidade linguística e deve ser respeitada como tal. Além disso, apresenta

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argumentos e visões contundentes contra o preconceito linguístico e sua raiz no
preconceito social. Todos estes são pontos altamente relevantes para nossa
pesquisa.

Resenha número 3
"A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira"
Marcos Bagno
2003, Ed. Parábola, São Paulo. 8va edição (2010)

Marcos Bagno analisa o fenômeno do preconceito linguístico desde diferentes


perspectivas, concentrando-se no que está, segundo o autor, por trás dessas
atitudes.
Começa questionando a própria autenticidade do conceito, pois, para o autor,
só existe para encobrir preconceitos de outras naturezas que não seria politicamente
correto (ou até ilegal) exporem publicamente. Isso fica evidenciado no fato de que
algumas variações deixam de ser estigmatizadas quando adotadas por grupos
sociais mais poderosos.
No primeiro capítulo apresenta a definição de "norma culta", que segundo o
linguista foi um termo acunhado pela elite para deixar fora dele os grupos sociais
considerados "incultos" também segundo os critérios subjetivos desta elite
intelectual. O conceito de "culto" então foi arbitrariamente determinado em
contraposição ao considerado "popular", desprestigiando assim outros tipos de
manifestações.
Para alcançar uma definição que implique maior rigor científico, o autor
propõe a adoção de critérios definidos e mais objetivos. Assim, tomando o recorte
feito pelos pesquisadores que formaram parte do projeto NURC (Norma Urbana
Culta), adere à ideia de considerar como padrão da língua falada aquela empregada
por falantes urbanos com formação superior finalizada. Dentro desta tarefa
terminológica, Bagno sugere os termos "padrão", "prestígio" e "estigma", para
designar e caracterizar as diferentes variedades que convivem na realidade
linguística brasileira.
No segundo capítulo, o autor fornece uma historização do preconceito
linguístico. Remonta a história até os inícios coloniais do Brasil e a imposição do
Português de forma violenta e desigual. O autor descreve todos os esforços

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realizados pela mesma elite acima mencionada para imitar os modelos europeus e
evitar a instalação duma norma que representasse com mais autenticidade a
idiossincrasia brasileira.
A continuação analisa a mudança linguística, que ocorre no português como
em qualquer outra língua do mundo e não pode ser impedida por decisões políticas.
Considera a existência de diferentes forças que agem sobre a língua: as centrífugas
e as centrípetas. As primeiras são as forças naturais que impulsionam a língua para
mudar. As segundas são as forças geradas desde as instituições exteriores ao
sistema, que com diversas intenções tentam deter os processos naturais de
evolução.
Tomando como base o livro da linguista Stella Maris Bortoni Ricardo, Bagno
define, analisa e oferece exemplos de traços graduais e traços descontínuos. Os
primeiros incluem variações da língua (a respeito da norma padrão) que são
observáveis em todos os grupos sociais, independentemente de variáveis como
formação, classe social, idade, sexo, etc. Estes traços, também presentes nos
grupos prestigiados, não são considerados "erros". No entanto, os traços
descontínuos são característicos de determinados grupos sociais estigmatizados.
Quando a ocorrência se da nestes casos, são alvo de condena por parte dos
“guardiões da gramática normativa.”
Marcos Bagno faz questão de chamar a atenção para a necessidade de os
linguistas assumirem um papel ativo na luta contra o preconceito linguístico, a partir
da visão de quem foi formado e têm elementos empíricos para defender a
diversidade linguística.
Por último, o autor se volta para a necessidade de gerar uma mudança
profunda no imaginário da sociedade sobre o idioma, e isto só é possível através da
educação. Argumenta que as gramáticas normativas empregadas como material
pedagógico só exacerbam o preconceito por oferecerem uma visão maniqueísta da
realidade linguística e não considerar a validade de toda variedade como produto
histórico e elemento de identidade de uma comunidade.
Este trabalho é de enorme utilidade para nossa pesquisa, pois fornece uma
visão muito clara e fundamentada sobre o preconceito linguístico, como surge, as
atitudes e ideias que de fato encobre e as implicações que tem na realidade
brasileira.

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Resenha número 4:
"Da escravidão às migrações: raça e etnicidade nas relações de trabalho no
Brasil"
Ricardo Nóbrega e Verônica Toste Daflon
Retirado de
http://www.academia.edu/541987/Da_escravidao_as_migracoes_raca_e_etnicid
ade_nas_relacoes_de_trabalho_no_Brasil em 6 de junho de 2014

Os autores apresentam uma análise histórica da transição da ordem


escravocrata para o trabalho assalariado no Brasil, levando em consideração como
os fatores étnicos foram e são determinantes nas relações de trabalho que se
construíram nas origens do país e permanecem até hoje. Para realizar este exame,
os autores observam o caso dos trabalhadores negros, dos italianos e dos
nordestinos.
O texto começa apontando para uma generalidade: o "branco" e o "negro" são
categorias simbólicas, que já independem da cor da pele, mas continuam exercendo
influências na constituição das relações sociais e laborais no Brasil atual. Isso se
deve a que ditas categorias, associadas ao poder, determinavam e determinam as
possibilidades de cada indivíduo de desenvolver de fato tal ou qual papel na
sociedade.
Os autores tentarão demonstrar que a história das relações sociais no Brasil
esteve desde suas origens atravessada por uma luta de forças antagônicas: aquelas
que queriam abandonar o passado colonial e apontar para o progresso e aquelas
que queriam conservar o modelo e a ordem social (desigual) imperante.
Com esse intuito, realizam primeiro uma historização sobre o regime
escravocrata colonial, explicando como eram construídas as relações sociais neste
período, as aparentes possibilidades de ascensão dos negros, os tipos de
participação nas instituições que eles podiam ter, as relações de dependência e
paternalismo com os senhores. Porém, o que subjaz a todas estas variáveis são
sempre a desigualdade e a exclusão, inclusive dos negros livres.
Segundo os autores, a transição para a abolição da escravidão foi lenta e
difícil, pois se deu no seio de fortes tensões geradas por interesses múltiplos: os dos
senhores de escravos, que não queriam deixar de sê-lo; os abolicionistas e suas
posições conciliadoras, que no fundo encobriam medo de uma revolta geral; e a

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resistência dos escravos, cuja consciência sobre a sua própria realidade se
agudizou diante do ingresso dos primeiros trabalhadores imigrantes. A abolição,
então, teria sido uma formalidade que chegou quando o regime já estava acabado.
O racismo foi um dos fatores que levou à incorporação de trabalhadores
europeus. A elite dominante aspirava a um branqueamento da população brasileira,
como única via de progresso. Através de políticas públicas começa a estimular-se a
contratação de imigrantes brancos, que além de melhorar a genética do povo
brasileiro, trariam suas tecnologias avançadas e povoariam as regiões rurais.
Porém, suas técnicas se mostraram ineficientes para as condições tropicais e as
comunidades se isolaram, pelo qual também não houve tanta miscigenação como
era esperada. Os trabalhadores começaram a migrar para as áreas urbanas que
estavam começando a desenvolver-se e viraram operários industriais pobres.
Já na segunda República, diante da visão paternalista sobre os negros e o
fracasso da imigração europeia, o projeto de migração interna começa a ser posto
em prática, fundamentado em duas razões: os trabalhadores nordestinos são
considerados naturalmente resistentes e capazes de trabalhar e a mestiçagem
passa a ser o ideal da constituição dum autêntico "povo brasileiro".
Mas como os grupos detentores do poder precisam ter sempre um grupo que
represente a oposição em termos sociais, para eles poderem reafirmar
cotidianamente seu poderio, os trabalhadores nordestinos passam a ser alvo da
marginalização. Ficam por baixo dos trabalhadores brancos pobres por serem
mestiços e passam a ocupar seus lugares nos bairros pobres e posteriormente na
periferia das cidades. Esse estigma é observado até hoje. Os autores apresentam
pesquisas sobre a visão dos paulistas sobre os nordestinos, e os resultados são
alarmantes: os níveis de discriminação são altíssimos, os nordestinos são
associados ao crime e ao retrocesso social, considerados incultos e incapazes de
realizar qualquer atividade produtiva.
Este trabalho é fundamental para a nossa pesquisa, porque nos ajuda a entender
como foi constituído o imaginário sobre os nordestinos imperante até a atualidade, e
no qual se sustentam as práticas discriminatórias, entre elas o preconceito
linguístico.

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