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Demografia

e Epidemiologia
do Envelhecimento
1. Epidemiologia do Envelhecimento 4
Envelhecimento Humano 6
Envelhecimento Populacional 7

2. Transição Epidemiológica ou Demográfica 9


As Mudanças No Panorama da Saúde 12
Capacidade Funcional: Um Novo Paradigma
em Saúde 15
Avaliação Multidimensional do Idoso 18
Fatores de Risco para a Mortalidade 20

3. O Processo Demográfico do Envelhecimento


e suas Características mais Relevantes 24
A Situação Mundial do Envelhecimento 25

4. Aspectos Demográficos 28

5. Referências Bibliográficas 34

02
03
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

1. Epidemiologia do Envelhecimento

Fonte: Daily News Hungary1

A partir de considerações inici-


ais, é preciso conceituar idoso,
velhice e envelhecimento. O que é
alterações biológicas, processos de
desenvolvimento social e psicoló-
gico de um indivíduo e alterações em
ser idoso? Quem é idoso? A primeira funções podem ser observados. Pro-
constatação é a de que não é possível blemas de integração e adaptação
dar uma definição única, que possa social do indivíduo a essas altera-
ser útil em todos os contextos. ções tornam-se objeto de estudo
Fratczak, em 1993, afirma que também.
“envelhecimento significa um pro- San Martin e Pastor, em 1990,
cesso, um estágio que é definido de assim tentam definir: “Não existe
maneiras diferentes, dependendo do um consenso sobre o que se chama
campo de pesquisa e do objeto de in- velhice, porque as divisões cronoló-
teresse”. Biologistas definem este gicas da vida humana não são abso-
processo como um conjunto de alte- lutas e não correspondem sempre às
rações experimentadas por um orga- etapas do processo de envelheci-
nismo vivo, do nascimento à morte. mento natural; os desvios se produ-
Sociólogos e psicólogos chamam zem em ambos os sentidos. Isto é, a
atenção para o fato de que, além das velhice não é definível por simples

1 Retirado em https://dailynewshungary.com/

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

cronologia, senão e melhor, pelas do velho, quando começa a ter lap-


condições físicas, funcionais, men- sos de memória, dificuldade de
tais e de saúde das pessoas analisa- aprendizado e falhas de atenção, ori-
das, o que equivale afirmar que po- entação e concentração, comparati-
dem ser observadas diferentes ida- vamente com suas capacidades inte-
des biológicas e subjetivas em indi- lectuais anteriores. Economicamen-
víduos com a mesma idade cronoló- te, algumas vezes se define que uma
gica. Sucede assim, porque o proces- pessoa se torna idosa no momento
so do envelhecimento, em geral, é em que deixa o mercado de trabalho,
muito pessoal e cada indivíduo en- deixa de ser economicamente ativa.
velhecendo pode apresentar involu- Funcionalmente, quando começa a
ções em diferentes graus, no sentido depender de outros para o cumpri-
de que certas funções e capacidades mento de suas necessidades básicas
declinam mais rapidamente que ou- ou de tarefas habituais. A deteriora-
tras". ção da saúde física e mental, que
Como se vê, não é factível esta- ocorre com o passar dos anos, leva
belecer definições de aceitação irres- os demais indivíduos a considera-
trita, ou que se encaixem perfeita- rem tal pessoa como idosa. Cronolo-
mente em situações, lugares e épo- gicamente, há uma dificuldade em
cas distintas. Biologicamente, o en- se definir; a decisão torna-se arbi-
velhecimento começa pelo menos trária, pois, dependendo do desen-
tão precocemente quanto a puber- volvimento socioeconômico de cada
dade (alguns apontam já após a con- sociedade, os seus membros apre-
cepção) e é um processo contínuo sentarão os sinais inexoráveis do en-
durante a vida. Socialmente, as ca- velhecimento, com suas limitações e
racterísticas dos membros da socie- perdas de adaptabilidade, em dife-
dade, que são percebidas como sen- rentes idades cronológicas. A maio-
do de pessoas idosas, variam de ria da literatura geriátrica e geronto-
acordo com o quadro cultural, com o lógica aceita como referencial os 65
transcorrer das gerações e, princi- anos, idade a partir da qual, os indi-
palmente, com as condições de vida víduos seriam considerados idosos.
e trabalho a que estão submetidos os Esta é a faixa etária adotada pela
membros dessa sociedade, sendo ONU (Organização das Nações Uni-
que as desigualdades dessas condi- das) para os países desenvolvidos.
ções levam a desigualdades no pro- Para os países em desenvolvimento,
cesso de envelhecer. Intelectual- onde a expectativa média de vida é
mente, diz-se que alguém está fican- menor, adotou-se os 60 anos como a

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

idade de transição das pessoas para Historicamente, o homem foi


o segmento idoso da população o único animal que conseguiu mu-
(ONU, 1985). A Assembleia Mundial dar a própria expectativa de vida, a
sobre Envelhecimento, ocorrida em partir do controle ambiental. De iní-
1982, na cidade de Viena, Áustria, cio com as medidas de saneamento
definiu população idosa como o gru- e, posteriormente, com o advento
po de pessoas com 60 anos e mais. O dos antibióticos, vacinas, cirurgias,
critério cronológico é o mais utili- promoveu-se um aumento exponen-
zado sempre que existe a necessida- cial da expectativa de vida média do
de de delimitar a população em es- ser humano. A expectativa média de
tudo, ou para análise epidemiológi- vida na época áurea do Império Ro-
ca, ou com propósitos administrati- mano (cerca de 30 anos) não pode
vos, de planejamento e de oferta de sequer ser comparada à expectativa
serviços. Importante, também, para média na África de hoje (cerca de 45
a comparabilidade de dados em di- anos), nem muito menos ao Japão
ferentes épocas e lugares. (quase 85 anos). Daí podermos con-
Considerar-se-á, portanto, cluir que ser velho depende do refe-
como idoso o indivíduo de 60 anos e rencial histórico.
mais. Quanto ao conceito de popula- Na Roma antiga, um indivíduo
ção envelhecida, será utilizado aque- com 50 anos era um idoso. Hoje, na
le da Organização Mundial de Sa- maioria dos países desenvolvidos,
úde: população em que a proporção não se fala de velhice antes dos 75
de pessoas com 60 anos e mais na anos. Nos países em desenvolvimen-
população geral atinge 7%, com ten- to, como o Brasil, a velhice ainda
dência a crescer (OMS, 1984). tem como ponto de corte o início da
sexta década de vida (60 anos). Po-
Envelhecimento Humano rém, a tendência é de elevação desse
limite, na medida em que a propor-
Para que um indivíduo enve-
ção de idosos aumenta e os proble-
lheça, é essencial que ele viva o sufi-
mas associados à velhice vão sendo
ciente para ser considerado velho.
postergados para idades cada vez
Uma lógica elementar, que faz do
mais avançadas. Na verdade, limites
envelhecimento individual uma fun-
clássicos como 60 ou 65 anos ser-
ção simples da mortalidade - meca-
vem para determinar a idade de apo-
nismos que diminuam a mortalida-
sentadoria e auxiliar os demógrafos
de de uma população têm como con-
na comparação entre populações,
sequência o aumento da expectativa
quando a questão é o envelhecimen-
de vida média dos indivíduos.

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

to populacional. Nada impede que, população envelhece quando a pro-


no futuro, esses limites venham a ser porção de velhos aumenta e a pro-
ainda mais dilatados. porção de velhos só aumenta quan-
Porém, até onde irá aumentar do a proporção de jovens diminui.
a expectativa de vida do ser hu- Para tanto é preciso que haja uma
mano? Novamente do ponto de vista diminuição da fecundidade geral.
histórico, não se tem registro de ne- Em outras palavras, uma população
nhum caso de pessoa que tenha vi- só envelhece quando ela para de se
vido muito mais que 120 anos - a reproduzir na velocidade que a natu-
idade máxima vivida até hoje, com- reza impôs a cada espécie. Popula-
provada por certidão de nascimento, ções animais não envelhecem por-
foi de 125 anos de uma senhora no que simplesmente a relação mortes/
Japão. Na prática, o que tem havido nascimentos tende a manter-se
é um aumento considerável de pes- constantes, e possíveis desequilí-
soas vivendo até idades próximas do brios ficam por conta do aumento de
limite biológico. Em outras palavras, mortes e consequente extinção da
sempre existiram pessoas centená- espécie.
rias, desde os tempos mais remotos, O homem, por sua vez, vem
só que antes elas eram a absoluta ex- exercendo um controle cada vez
ceção e hoje vão se tornando a regra. maior sobre os riscos ambientais
Do ponto de vista biológico, no en- que influenciam às taxas de mortali-
tanto, vivemos numa época de gran- dade, e, até bem pouco tempo, pen-
des descobertas no campo da biolo- sava-se que o destino da humanida-
gia molecular e da engenharia gené- de era o superpovoamento da Terra,
tica, que podem vir a alterar esse li- por um número sempre crescente de
mite biológico prevalecido até o mo- crianças com expectativa de vida
mento. média em ascensão. No entanto, a
realidade mostrou que à queda na
Envelhecimento Populacional mortalidade se segue uma queda na
fecundidade, que termina por levar
Por outro lado, a lógica de que ao envelhecimento populacional.
“quanto mais os indivíduos vivem
em média, mais velha fica a popula-
ção” não é verdadeira. Isso porque o
conceito de envelhecimento popula-
cional é derivado de uma proporção,
e não de um número absoluto. Uma

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

2. Transição Epidemiológica ou Demográfica

Fonte: Medium2

O mran, em 1971, descreveu um


processo que se caracterizava
pela transição de uma situação com
ção de mortes por doenças infeccio-
sas, possibilitando maior sobrevi-
vência dos indivíduos até idades
altas taxas de mortalidade por doen- mais avançadas, onde aumentavam
ças infecciosas para outra onde pre- a prevalência das chamadas doenças
dominavam os óbitos por doenças crônicas-degenerativas. Se, aliado a
cardiovasculares, neoplasias, causas isso, houvesse diminuição das taxas
externas e outras doenças crônico- de fecundidade, haveria alteração da
degenerativas. Esse processo é cha- estrutura etária da população, com
mado de transição epidemiológica”. uma maior proporção de indivíduos
Dizia ele que à medida que ocorria o chegando à velhice, contribuindo,
desenvolvimento socioeconômico assim, para o envelhecimento popu-
de uma sociedade, melhorando as lacional. Daí o motivo pelo qual esse
condições de vida, trabalho e saúde, processo passou a ser conhecido
ocorria uma substituição no padrão também como “transição demográ-
de morbimortalidade. As condições fica”. Na “transição epidemiológica
mais saudáveis levavam à diminui- ou demográfica” parte-se de uma si-

2 Retirado em https://medium.com/

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

tuação de alta mortalidade e alta fe- Na América Latina, em parti-


cundidade para outra de baixa mor- cular, e nos países em desenvolvi-
talidade e fecundidade, com conse- mento, em geral, observa-se, hoje,
quente aumento da expectativa de uma transição demográfica concei-
vida e aumento relativo e absoluto tualmente idêntica à verificada na
do número de pessoas atingindo ida- Europa no início de século, porém
des mais avançadas. Assim, Brasil e com aspectos práticos fundamental-
outros países do Terceiro Mundo es- mente diferentes e com implicações
tão experimentando uma transição dramaticamente mais desfavorá-
epidemiológica e demográfica muito veis.
mais rápida do que a ocorrida na Eu- O primeiro aspecto a ser con-
ropa. siderado em relação à transição de-
A transição de uma população mográfica em países como o Brasil é
jovem para uma envelhecida - Tran- o momento histórico em que ela
sição demográfica (TD) - deu-se ori- ocorre. Diferentemente do que se
ginalmente na Europa, onde a fe- observou na Europa, as mudanças
cundidade declinou marcadamente, demográficas não se dão como fruto
muito antes de qualquer método an- do desenvolvimento social e, sim,
ticoncepcional científico estar dis- como consequência de um processo
ponível. Fruto do desenvolvimento maciço de urbanização, sem altera-
social gerado pela revolução indus- ções marcantes na distribuição da
trial houve uma queda gradual na renda e na estrutura de poder social.
mortalidade que, em longo prazo, le- Uma população eminentemente ru-
vou a uma queda na fecundidade e, ral, na década de 40 (apenas 20% da
consequentemente, ao envelheci- população vivia em zonas urbanas),
mento da população. Atualmente, passa, em menos de 40 anos, a ser
países como a Alemanha, por exem- eminentemente urbana (o último
plo, têm taxas de fecundidade abai- censo mostrou que mais de 80% da
xo do limite de reposição, ou seja, população brasileira está vivendo
menos de dois filhos, em média, por em centros urbanos). Alteram-se,
casal, uma situação em que as mor- com isso, as estruturas de trabalho e
tes passam a exceder os nascimentos de organização familiar, com a mu-
e a população começa a diminuir. lher sendo progressivamente incor-
Em geral, os países da Europa porada à força de trabalho e sendo
iniciam o século em curso com mais obrigada a delegar funções de cuida-
de um quarto da população na faixa dos da casa a familiares, sem que
dos 65 anos ou mais. haja uma estrutura de apoio social

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

que facilite o processo. Na verdade, anos para mulheres, a expectativa


a expectativa de vida média do bra- era maior na Inglaterra, com os mai-
sileiro aumentou quase 25 anos nes- ores diferenciais nos primeiros 5
tes últimos 50 anos até o último cen- anos de vida. A partir dos 55 e 60
so (2000), a expectativa ao nasci- anos, para homens e mulheres, res-
mento era de 63 anos para os ho- pectivamente, a expectativa de vida
mens e 65 para mulheres sem que, passa a ser maior em São Paulo. O
concomitantemente, tenham me- dado serve para ressaltar que a ex-
lhorado as condições de vida e de sa- pectativa de vida após os 60 anos é
úde da maioria da população. Gra- praticamente a mesma em todo o
ças aos avanços científicos e tecnoló- mundo; o que varia é a proporção de
gicos concernentes ao controle do pessoas atingindo essa idade. Em
meio ambiente e aos cuidados à sa- outras palavras, os cerca dos 20 anos
úde, hoje se morre menos de doen- que se espera viver após os 60 são
ças infecciosas, principalmente na realidade tanto para o idoso euro-
infância, porém as más condições de peu, por exemplo, como para o idoso
higiene e de trabalho, o baixo poder no Brasil.
aquisitivo e uma alimentação defici- A despeito do desenvolvimen-
ente continuam a afetar a maioria da to social incipiente de países como o
população. Com isso posterga-se a Brasil, a queda na fecundidade, que
morte, mas não se evitam doenças. se seguiu ao aumento da expectativa
Por outro lado, o nível socioe- de vida, superou qualquer previsão
conômico, que explica as grandes di- em termos de intensidade e veloci-
ferenças nas taxas de mortalidade dade. Considerando que a mortali-
infantil entre populações, parece in- dade no Brasil começou a declinar
fluenciar pouco a mortalidade entre na década de 40, com a versão tropi-
idosos. A expectativa de vida após os cal da revolução industrial a fecun-
60 anos não varia significativamen- didade seguiu a tendência apenas 30
te, por exemplo, entre países com di- anos depois (década de 70) e chegou
ferentes níveis socioeconômicos. Ao a níveis bem baixos em menos de 30
contrário do esperado, a expectativa anos (final do século) - na Europa,
de vida do idoso pode ser maior em por exemplo, a queda na fecundida-
países de nível socioeconômico mais de iniciou-se no final do século XIX,
baixo. Uma comparação entre a cur- mais de 100 anos após ter começado
va de expectativa de vida da Ingla- a queda na mortalidade, na época da
terra com a de São Paulo mostrou revolução industrial (final do século
que, até os 50 anos para homens e 55 XVIII). No estado de São Paulo, por

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

exemplo, a fecundidade caiu vertigi- que controlar as doenças crônicas


nosamente desde a década de 70, e nos idosos. No primeiro caso, temos
já atinge níveis de reposição- cerca o advento de vacinas, drogas e medi-
de 2,2 filhos por mulher em idade das de saneamento que só não resol-
fértil. Com isso, o ciclo do envelheci- vem a situação em definitivo por li-
mento, que, na Europa, levou quase mitações impostas pelo contexto po-
dois séculos, aqui estará terminado lítico-econômico. No segundo caso,
em meados do próximo século, ou o problema é bem mais complexo.
seja, na metade do tempo. Em ter- Não existem ainda medidas preven-
mos práticos, no ano de 2025 o Bra- tivas de alta eficiência, como as vaci-
sil terá a sexta maior população de nas, e as medidas existentes, são, em
idosos do mundo (cerca de 32 mi- geral, educativas, envolvendo mu-
lhões de pessoas com 60 anos ou danças de hábitos de vida, tarefa tão
mais). mais difícil quanto mais baixo o ní-
vel socioeconômico e o grau de esco-
As Mudanças No Panorama laridade da população-alvo. No to-
da Saúde cante ao tratamento, as perspectivas
são ainda sombrias já que, pratica-
Com a transição demográfica
mente, nenhuma DCNT que afetam
altera-se fundamentalmente o pano-
o adulto e o idoso é passível de cura.
rama epidemiológico relativo â mor-
O máximo que se consegue, em situ-
bidade e mortalidade de uma deter-
ações de vigilância competente e
minada população. As doenças in-
aderência total ao tratamento, é o
fectocontagiosas (DIC), altamente
controle da progressão dessas doen-
prevalentes em populações jovens,
ças, evitando- se complicações e
tendem a diminuir sua incidência,
agravamentos. Configura-se uma si-
enquanto as doenças crônicas não
tuação onerosa, qualquer que seja a
transmissíveis (DCNT) aumentam
resultante da atuação do sistema de
sua prevalência, expressando a
saúde: as doenças, se não identifica-
maior proporção de pessoas idosas
das ou mal tratadas - tendem a pro-
portadoras de doenças. A esse pro-
gredir e a gerar complicações, geral-
cesso de mudança do perfil de mor-
mente expressas por incapacidades
bimortalidade que acompanha o
físicas e mentais associadas â doen-
processo demográfico, denomina-se
ça original, que terminam por exigir
transição epidemiológica (TE).
medidas assistenciais de urgência,
Do ponto de vista prático, con-
muito frequentemente envolvendo
trolar as doenças infecciosas na in-
internação. As doenças precocemen-
fância é, hoje, muito mais simples do

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

te identificadas e adequadamente da urbanização. Países como o Bra-


tratadas podem permitir ao paciente sil, mesmo sem terem experimenta-
uma boa qualidade de vida e uma di- do um desenvolvimento social ple-
minuição mínima de sua expectativa no, vivem uma epidemia de DCV,
de vida. No entanto, para alcançar muito provavelmente explicada pela
essa situação de bem-estar que não é mudança de hábitos alimentares,
a cura, mas o nível mais próximo de- pelo excesso de estresse e de poluen-
la que se pode atingir, faz-se neces- tes ambientais, todos decorrentes do
sário um grande investimento em processo de urbanização. Na verda-
termos de rotinas de rastreamento, de, a persistirem os baixos níveis so-
exames diagnósticos e medidas tera- cioeconômicos e educacionais vi-
pêuticas, pelo tempo de vida restan- gentes, é provável que o custo social
te do paciente. Em outras palavras, desse aumento da incidência e pre-
quanto mais eficiente for o sistema valência de DCV seja ainda mais sig-
na detecção precoce, no diagnóstico nificativo do que o verificado em pa-
preciso e no tratamento adequado, íses desenvolvidos em meados do
maior a sobrevida do paciente livre século XX.
de complicações, porém maior será Dados do Ministério da Saúde
o investimento em longo prazo para mostram que a principal causa isola-
que essa situação se mantenha. da de internação no Brasil é a insufi-
No Brasil, à semelhança do ciência cardíaca congestiva (ICC).
que se observou com os coeficientes Trata-se de uma doença crônica, exi-
de mortalidade geral, houve uma gindo cuidados especializados e com
queda abrupta da mortalidade por prognóstico sombrio em longo pra-
DIC e um aumento concorrente por zo. Requer procedimentos caros pa-
DCNT, sobretudo as de origem car- ra fins de diagnóstico, acompanha-
diovascular. Num período de menos mento, e, frequentemente, gera in-
de 30 anos (1950-80), as DIC caíram ternações. Seu impacto no custo to-
do primeiro lugar para o terceiro, e tal do sistema é bastante significa-
as doenças cardiovasculares (DCV) tivo.
assumiram o posto da principal cau- Doenças cujo principal fator
sa de morte no país, em todas as suas de risco continua sendo a própria
diferentes regiões geográficas. idade, tendem a assumir dimensões
Antes consideradas doenças epidêmicas com o envelhecimento
do desenvolvimento, as doenças car- populacional. Um exemplo ilustrati-
diovasculares, hoje, podem ser mais vo é o da doença de Alzheimer (DA).
bem caracterizadas como doenças

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

Trata-se de uma doença neurodege- Existem evidências de que o


nerativa, com uma incidência des- grau de desenvolvimento intelec-
prezível antes dos 60 anos, e que tual, medido pelo nível de educação
cresce exponencialmente em impor- formal, possa ser um fator de risco
tância com o passar dos anos. Perdas para perdas cognitivas e quadros de-
cognitivas, com o comprometimento menciais, dentro de uma lógica de
da memória, estão entre os proble- reserva neuronal associada ao exer-
mas mais comuns trazidos pelo ido- cício das faculdades intelectuais. A
so ao consultório médico. Na verda- se confirmar essa hipótese, países
de, com a idade há uma menor pron- como o Brasil, com uma massa enor-
tidão da memória, o que muitas ve- me de analfabetos e quase-analfabe-
zes é confundido com perdas com- tos, terão que se preocupar com a
patíveis com demência. Estudos de educação da população não só por
prevalência em várias partes do razões éticas, morais socioeconômi-
mundo, na última década, mostram cas, mas também como forma de
que a prevalência de demência pode controlar o boom de idosos deme-
variar 0,3 a 1% entre 60 e 64 anos, ciados que se poderia prever. Num
aumentando para 42 a 68% em indi- estudo com idosos em São Paulo, a
víduos com 95 anos ou mais. Pode- prevalência de demência, estimada
se dizer que a prevalência de demên- em 1998, aumentou significativa-
cia quase dobra a cada 5 anos depois mente segundo o grupo etário e foi
dos 65 anos. Mais de 50% dos qua- mais alta entre indivíduos com baixo
dros demenciais são do tipo Alzhei- nível educacional.
mer. O declínio de memória associ- Os defensores dos hábitos de
ado à idade, que faz parte do enve- vida saudáveis postulam que medi-
lhecimento normal, é a condição que das de promoção e educação em sa-
mais frequentemente se confunde úde podem postergar o aparecimen-
com demência, uma vez que ambas to das DCNT e das incapacidades as-
as condições podem apresentar sociadas, levando a uma retangula-
queixa apenas de déficit de memória rização da curva de mortalidade jun-
recente. tamente com as curvas de mórbida-
Por ser uma doença evolutiva, de e incapacidades. Uma outra cor-
extremamente incapacitante e sem rente acredita que as curvas de mor-
medidas terapêuticas eficazes, ainda bidade e incapacidade jamais acom-
que paliativas, pode ser considerada panharão totalmente as curvas de
um dos grandes problemas de saúde mortalidade. Ou seja, quanto maior
pública no mundo.

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

a expectativa de vida de uma popu- que atenda à demanda de uma cres-


lação, maior será o número de pes- cente população de idosos com pro-
soas vivas, porém com DCNT e inca- blemas crônicos, requerendo proce-
pacidades associadas. Esta última dimentos caros e especializados,
corrente encontra respaldo na ação sem uma perspectiva de cura e com
das Unidades de Terapia Intensiva, a possibilidade sempre presente de
que hoje “salvam” muitas vidas que, agravamento devido às incapacida-
no passado, seriam perdidas, mas des associadas à doença de base.
que dificilmente restauram a condi-
ção de saúde prévia a admissão na Capacidade Funcional: Um
unidade. Novo Paradigma em Saúde
Se, por outro lado, os hábitos
de alimentação, atividade física, Embora a grande maioria dos
controle do estresse, tabagismo, al- idosos seja portadora de, pelo me-
coolismo têm sofrido mudanças em nos, uma doença crônica, nem todos
países desenvolvidos, e são, sem dú- ficam limitados por essas doenças, e
vida, fatores concorrentes para a muitos levam vida perfeitamente
queda verificada na mortalidade por normal com as suas doenças contro-
certas doenças, principalmente as ladas e expressa satisfação na vida.
cardiovasculares, não se tem ainda Um idoso com uma ou mais doenças
evidências de que a incidência des- crônicas pode ser considerado um
sas doenças esteja diminuindo. idoso saudável, se comparado com
Numa situação de escassez de um idoso com as mesmas doenças,
recursos e múltiplas prioridades, porém sem controle das mesmas e
não basta dizer que o problema do com sequelas decorrentes e incapa-
envelhecimento populacional existe, cidades associadas. Nesse sentido, o
tende a crescer e vai requerer gran- conceito clássico de saúde da OMS
des investimentos. É preciso dividir mostra-se inadequado para descre-
por onde começar e quais as medi- ver o universo de saúde dos idosos,
das de menor custo e maior impacto já que a ausência de doenças é privi-
em termos de benefício. O desafio, légio de poucos, e o completo bem-
neste início de século, será imenso: estar pode ser atingido por muitos,
terminar de sanear o meio ambiente independente da presença ou não de
e controlar definitivamente as doen- doenças.
ças infecciosas, e, ao mesmo tempo, Na verdade, o que está em jogo
desenvolver um sistema de promo- na velhice é a autonomia, ou seja, a
ção de saúde e assistência médica capacidade de determinar e executar

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

seus próprios desígnios. Qualquer tante comprometida, com depen-


pessoa que chegue aos 80 anos ca- dência física e mental para a realiza-
paz de gerir sua própria vida e deter- ção de atividades da vida diária mais
minar quando, onde e como se darão complexas, do tipo limpar casa, fa-
suas atividades de lazer, convívio so- zer compras, cuidar das finanças. No
cial e trabalho (produção em algum momento seguinte, o advento de um
nível), certamente será considerada acidente vascular cerebral ou infarto
uma pessoa saudável. Pouco impor- do miocárdio não fatais pode direci-
ta saber que essa pessoa é hiperten- onar essa pessoa para um novo pata-
sa, diabética, cardíaca e que toma re- mar de dependência, no qual será
médio para depressão - infelizmen- necessário assistência continuada
te, uma combinação bastante fre- para realização das atividades bási-
quente nessa idade. O importante é cas da vida diária, do tipo comer,
que, como resultante de um trabalho vestir ou tomar banho. Eventual-
bem-sucedido, ela mantém sua au- mente, o adequado tratamento des-
tonomia, é feliz, integrada social- sas doenças pode reverter o quadro,
mente e, para todos os efeitos, uma mas não a ponto de retornar o pata-
pessoa idosa saudável. mar inicial. Nesse caso, ninguém he-
Uma outra pessoa com a sitaria em caracterizar essa pessoa
mesma idade e com as mesmas do- como doente.
enças, porém sem controle destas, A capacidade funcional surge,
poderá apresentar um quadro com- portanto, como um novo paradigma
pletamente diverso. Inicialmente, da saúde, particularmente relevante
sob a influência da depressão, essa para o idoso. Saúde dentro dessa
pessoa poderá apresentar uma pro- nova ótica passa a ser resultante da
gressiva reclusão social, com ten- interação multidimensional entre
dência ao sedentarismo, déficit cog- saúde física, saúde mental, indepen-
nitivo, perda da autoestima e aban- dência na vida diária, integração so-
dono de autocuidados. Paralelamen- cial, suporte familiar e independên-
te, o diabetes e o problema cardíaco, cia econômica. Qualquer uma dessas
que a princípio não limitavam, pas- dimensões, se comprometida, pode
sam a limitar fisicamente, agravan- afetar a capacidade funcional de um
do o problema mental e aumentan- idoso. A perda de um ente querido, a
do o risco para complicações cardio- falência econômica, uma doença in-
vasculares. Nesse momento, a capa- capacitante, um distúrbio mental,
cidade funcional encontra-se já bas- um acidente, todos são eventos coti-

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

dianos que podem juntos ou isolada- quase todas as suas dimensões - ela
mente, comprometer a capacidade agora tem uma doença física (osteo-
funcional de um indivíduo. O bem- porose), uma doença mental (de-
estar na velhice, ou saúde num sen- pressão), está totalmente dependen-
tido amplo, seria o resultado do te no dia-a-dia e não tem mais con-
equilíbrio entre as várias dimensões tatos sociais. Resta a ela um bom su-
da capacidade funcional do idoso, porte financeiro, que ainda lhe per-
sem necessariamente significar au- mite permanecer em casa, e uma fa-
sência de problemas em todas as di- mília que, até o momento, não se
mensões. manifestou.
Um exemplo ilustrativo: uma Suponhamos que os filhos,
senhora de 70 anos sem doenças di- que nunca se preocuparam com a
agnosticadas, morando com o ma- mãe, que sempre foi pessoa inde-
rido, tem vida ativa e independente, pendente, resolvam buscar uma al-
cuidando da casa, exercendo ativi- ternativa. Por ordem médica, come-
dades comunitárias e passando fé- çam a tratá-la da depressão e com-
rias na casa de praia todos os verões. pram-lhe uma cadeira de rodas.
Um acidente a faz viúva, ela se torna Com isso, essa senhora volta a se in-
deprimida e diminui suas atividades teressar pelo mundo exterior, sai,
fora de casa. Sem ânimo para cuidar com ajuda de um cuidador, na ca-
da casa, o ambiente doméstico se de- deira de rodas, e passa a frequentar
sorganiza, começa a faltar com com- seus antigos círculos sociais. No pró-
promissos e, finalmente, sofre um ximo verão, faz questão de ir para a
acidente em casa ao tropeçar num praia. A essa altura, ela já recuperou
objeto fora do lugar de costume. Cai sua autonomia de decidir a própria
e fratura o quadril; é internada, mas vida, embora ainda seja bastante de-
se recusa a fazer a cirurgia protética pendente de outros e da cadeira de
por achar que não tem mais razão rodas para executar as ações neces-
para viver. Volta para casa restrita sárias. No momento seguinte, ela
ao leito, precisando de uma enfer- decide realizar a cirurgia repara-
meira para ajudá-la dia e noite, e, dora; fica então internada, passa por
pela primeira vez em muitos anos, uma reabilitação física, volta a andar
deixa de viajar para praia no verão. e retoma sua vida pregressa. Nesse
Essa história poderia evoluir rapida- caso, ela recupera também a sua in-
mente para a morte ou para a insti- dependência física, voltando a ter
tucionalização, já que a capacidade uma boa capacidade funcional, em-
funcional está comprometida em

17
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

bora portadora de uma doença crô- percepção subjetiva do idoso, a saú-


nica como a osteoporose. Finalmen- de física e mental (aspectos cogniti-
te, dentro de uma linha evolutiva, vos e emocionais), independência no
ela resolve tratar a osteoporose e, dia-a-dia, suporte familiar e utiliza-
além de caminhadas regulares, ini- ção de serviços. O objetivo desse ins-
cia uma terapia de reposição hormo- trumento é proporcionar um perfil
nal, que, eventualmente, lhe permi- de saúde multidimensional, identifi-
tirá ganho de massa óssea. cando quais as dimensões que mais
O caso exemplifica o tipo de diretamente comprometem a capa-
encruzilhada que, frequentemente, cidade funcional da população e,
surge na vida dos idosos, fruto de com isso, indicando soluções que
agravos físicos, mentais e sociais, transcendem uma linha pragmática
frequentes com o avançar da idade. baseada no aumento da cobertura
De um lado, temos o caminho do diagnóstica e terapêutica das DCNT
progressivo negligenciamento, le- que acometem o idoso.
vando a total dependência e morte, O primeiro estudo populacio-
e, do outro, temos o caminho da bus- nal com avaliação multidimensional
ca ativa de soluções que levem a uma de idosos residentes na comunida-
velhice saudável com preservação da de, no Brasil, foi realizado na cidade
capacidade funcional. de São Paulo em 1984. Os dados
desse estudo mostraram que o idoso
Avaliação Multidimensional residente num grande centro latino-
do Idoso americano apresentava um perfil
Com base no conceito do idoso muito semelhante ao que se espera-
enquanto capacidade funcional fo- ria de uma população de idosos resi-
ram desenvolvidos inúmeros instru- dente em um país desenvolvido, po-
mentos abrangendo as várias di- rém com algumas idiossincrasias
mensões pertinentes à avaliação glo- marcantes.
bal da capacidade funcional de um Em geral, a população de ido-
idoso. Um dos primeiros instrumen- sos apresentou uma alta prevalência
tos desse tipo foi o “OARS (Olders de doenças crônicas - quase 90% re-
Americans Research and Services) feriram pelo menos uma DCNT -,
Multidimensional Functional Asses- principalmente hipertensão arterial,
sment Questionnaire (OMFAQ)”, dores articulares e varizes; quase a
concebido nos EUA. Trata-se de um metade referiu precisar de ajuda pa-
questionário fechado que fornece ra realizar pelo menos uma das ati-
dados sóciodemográficos, avalia a vidades da vida diária instrumentais

18
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

ou pessoais (limpar a casa, ir ao ba- e netos. Esse tipo de domicílio, cha-


nheiro, comer, trocar de roupa, etc.); mado multigeracional, acomodava
e cerca de um quarto teve um scree- mais de 50% dos idosos, e, em me-
ning positivo para distúrbio emocio- tade desses domicílios, o idoso vivia
nal tipo distimia. Esses dados pode- com filhos casados e com netos. Esse
riam perfeitamente ser concernen- achado contrastava com o que se ve-
tes a uma população europeia, por rifica em países desenvolvidos, onde
exemplo. No entanto, alguns dados menos de 5% dos idosos vivem em
da caracterização sóciodemográfica, domicílios com os filhos e, muito ra-
em particular, eram bastante distin- ramente, com os netos. A maioria vi-
tos. ve com o cônjuge apenas, ou só. Em
A começar pela idade média São Paulo, apenas 10% dos idosos vi-
(72 anos), que era baixa quando viam sós, menos de um terço do que
comparada à de países desenvolvi- se espera em qualquer população
dos, e pela razão homens/mulheres, europeia, por exemplo. Os dados
que foi mais elevada do que em paí- aparentemente confirmaram a con-
ses desenvolvidos, onde a proporção cepção de que os idosos no Brasil,
de mulheres é bastante superior à assim como nos países latino- ame-
dos homens. No entanto, duas vari- ricanos em geral, teriam um suporte
áveis que se mostraram mais dife- familiar mais intenso do que os ido-
renciadas de um padrão europeu ou sos na Europa, evidenciando um tra-
norte-americano foram o nível soci- ço cultural que, de certa forma, com-
oeconômico e o arranjo domiciliar pensaria o desnível socioeconômico.
do idoso. Por outro lado, os diferentes
O nível de renda mostrou-se tipos de arranjos domiciliares abri-
fortemente associado com a saúde gavam idosos com características
física e mental. A proporção de ido- bastante distintas. Os idosos viven-
sos com DCNT, depressão ou depen- do em domicílios com filhos e netos
dência no dia-a-dia foi significativa- eram, geralmente, viúvas, de origem
mente mais alta entre idosos de rural, com uma renda muito baixa
baixa renda. ou inexistente. Apresentavam uma
O arranjo domiciliar, por sua prevalência acima da média de
vez, mostrou que o idoso, nessa re- DCNT, de maior dependência no
gião do Brasil, ainda vive majoritari- dia-a-dia e de distúrbio afetivo do
amente dividindo o domicílio com tipo depressão. Apesar da presença
os filhos e, muitas vezes, com filhos

19
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

física de vários familiares, eram ido- que uma opção sociocultural, tais ar-
sos que, com frequência acima da ranjos mostraram-se uma forma de
média, referiram sentir solidão. sobrevivência. Na verdade, os idosos
O idoso morando apenas com com nível socioeconômico mais alto
filhos era, em geral, do sexo mascu- viviam marjoritariamente apenas
lino, de origem rural, casado, mais com o cônjuge ou sós, reproduzindo
jovem, com melhor condição socioe- o modelo verificado nos países mais
conômica e mais independente no desenvolvidos. Vale referir que, nes-
dia-a-dia. No caso dos domicílios em ses casos, não havia, necessariamen-
que vivia apenas um casal, o idoso te, uma falta de suporte familiar e,
era geralmente homem, de origem sim, um esquema de intimidade e
urbana, também no grupo etário distância entre os membros da famí-
mais jovem, com poucas doenças lia, nos moldes do que se verifica nos
crônicas e total independência no países mais desenvolvidos.
dia-a-dia.
Os idosos vivendo sós eram, Fatores de Risco para a Morta-
em geral, mulheres de origem urba- lidade
nas, viúvas, de baixo nível socioeco-
A velhice é um período da vida
nômico, com várias doenças e um ní-
com uma alta prevalência de DCNT,
vel intermediário de dependência no
limitações físicas, perdas cognitivas,
dia-a-dia, já que os estados de acen-
sintomas depressivos, declínio sen-
tuada dependência mostraram- se
sorial, acidentes e isolamento social,
incompatíveis com a vida só. Alter-
No entanto, tem crescido o interesse
nativamente, essa idosa morando só
em estabelecer quais fatores que,
poderia ser uma solteira, com renda
isolada ou conjuntamente, explicam
pessoal mais alta e uma condição de
melhor o risco que um idoso tem de
saúde e independência acima da mé-
morrer em curto prazo, uma noção
dia.
útil do ponto de vista epidemioló-
A conclusão que pode ser ti-
gico e clínico. Para responder a essa
rada foi de que os arranjos domicili-
questão, no entanto, fazem-se ne-
ares multigeracionais, além de ex-
cessários estudos longitudinais, que
tremamente predominantes, associ-
acompanhem coortes de idosos con-
avam-se significativamente com um
trolando os possíveis fatores de
baixo nível socioeconômico, em ge-
risco.
ral afetando mulheres viúvas com
Estudos longitudinais com
várias doenças e grau moderado de
amostras populacionais, especial-
dependência no dia-a-dia. Mais do

20
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

mente desenhados para avaliar fato- de idosos que gozam de uma concor-
res de risco para mortalidade em dância entre os vários estudos são o
idosos, ainda são relativamente ra- grau de incapacidade, avaliado pela
ros na literatura. Alguns estudos dis- performance nas AVD’s, e história
cutem fatores de risco para mortali- de hospitalização prévia no último
dade em idosos, mas baseiam-se em ano.
amostras não-populacionais, ou Uma variável que tem mere-
analisam amostras populacionais cido considerável atenção nessa área
que não foram originalmente seleci- de determinantes entre idosos é a
onadas para estudar idosos. O prin- auto avaliação subjetiva de saúde do
cipal fator de risco para mortalidade idoso. Por ser uma variável simples
continua sendo a própria idade. de obter, com potencial de sintetizar
Quanto mais se vive, maior é a chan- uma complexa interação de fatores
ce de morrer. A maioria dos estudos envolvidos na saúde de um idoso, e
longitudinais com idosos residentes com alto valor preditivo de mortali-
na comunidade parece concordar dade, a maioria dos estudos dedica
que, além da idade, o sexo do indiví- atenção especial à discussão das im-
duo parece ser determinante no ris- plicações práticas dessa variável en-
co de morte, com os homens apre- quanto um indicador de saúde. En-
sentando um risco maior do que as tretanto, poucos estudos incluíram,
mulheres. Todas as demais variáveis entre as variáveis independentes do
são dependentes de uma complexa modelo multivariado de determina-
interação entre o indivíduo e o meio ção de risco de morte, a medida do
ambiente, a qual, por sua vez, varia estado cognitivo do idoso, e pratica-
de cultura para cultura e de tempos mente nenhum estudo avaliou o
em tempos. Mesmo o fator sexo po- grau de depressão do entrevistado.
de vir a ter sua relação de risco alte- Ambas as variáveis podem, em teo-
rada no futuro, com a evolução so- ria, confundir a associação entre
cial promovendo um aumento signi- auto-avaliação de saúde e o risco de
ficativo de mortes por DCV entre morte entre idosos.
mulheres, agora mais expostas aos Epistemologicamente, a morte
fatores de risco ocupacionais e am- vem associada com a doença física,
bientais devido à sua progressiva in- numa concepção, em geral, de que as
corporação à população economica- pessoas doentes morrem mais. No
mente ativa. Outros fatores objeti- entanto, os estudos sobre os deter-
vos da avaliação multidimensional minantes de mortalidade em idosos

21
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

têm mostrado que as doenças crôni- no), idade (avançada), autoavaliação


cas referidas ou diagnosticadas não subjetiva da saúde (negativa), histó-
afetam significativamente o risco de ria pregressa de sedentarismo,
morte. Provavelmente devido à vari- edentulismo, quedas, acidente vas-
abilidade com que a mesma doença cular cerebral e incontinência uriná-
afeta a capacidade funcional. ria; hospitalização e visita ao médico
Vale lembrar, no entanto, que nos últimos 6 meses; e positividade
nenhum dos estudos longitudinais para depressão, déficit cognitivo e
aqui referidos, sobre o risco de mor- dependência no dia-a-dia.
te em idosos, foi conduzido em país Utilizando-se um modelo mul-
em desenvolvimento, onde a pobre- tivariável de análise, com regressão
za, o baixo nível educacional e uma logística, poucas variáveis mantive-
estrutura familiar diferenciada po- ram um efeito independente e signi-
dem introduzir variações idiossin- ficante no risco de norte, a saber:
cráticas no modelo primitivo de sexo, idade, autoavaliação subjetiva
morte. de saúde, hospitalização e positivi-
O projeto EPIDOSO pode ser dade nos rastreamentos para déficit
considerado o primeiro estudo lon- cognitivo e dependência no dia-a-
gitudinal com idosos, na América dia. Na prática, os únicos fatores de
Latina, que avaliou pessoas, resi- risco mutáveis que poderiam dimi-
dentes na comunidade, com um ins- nuir o risco de morte foram o estado
trumento multidimensional, seguin- cognitivo e o grau de dependência
do a coorte em busca de fatores de no dia-a-dia, ambos avaliáveis atra-
risco para mortalidade. Há alguns vés de screenings simples, confiáveis
anos, pessoas que tinham 65 anos ou e validados, que poderiam ser incor-
mais em 1991 são seguidas no domi- porados ao protocolo clínico de
cílio e acompanhadas em ambulató- atenção à saúde do idoso em nível
rio, no município de São Paulo, na primário. Medidas de intervenção
área de captação do Centro do Enve- visando identificar causas tratáveis
lhecimento (CEE) da UNIFESP/ de déficit cognitivo e perda de inde-
EPM. A mortalidade por todas as pendência no dia-a-dia deveriam
causas, nessa coorte de idosos resi- tornar-se prioridade do sistema de
dentes em zona urbana, foi de quase saúde, dentro de uma perspectiva de
10% em dois anos. Os fatores que, reestruturação programática real-
aparentemente, influenciaram o ris- mente sintonizada com a saúde e
co de morte, resultado de uma análi- bem-estar da crescente população
se bivariada, foram: sexo (masculi- de idosos.

22
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

3. O Processo Demográfico do Envelhecimento e


suas Características mais Relevantes

Fonte: Bangornrc3

O fenômeno de envelhecimento
da população é um fato de
grande importância social, que tem
quase imperceptível, estamos teste-
munhando profundas mudanças na
estrutura por idades da população,
atraído à atenção de economistas, que levam a um aumento, em ter-
políticos, médicos, sociólogos e ou- mos absolutos e relativos, do grupo
tros pesquisadores. A preocupação de idosos com diminuição nos gru-
não é trivial e já é possível notar al- pos etários mais jovens. Há três dé-
gumas de suas consequências eco- cadas, nossas populações eram um-
nômicas, políticas e, inclusive soci- ito jovens, evoluindo primeiro a um
ais, que provavelmente se acentue processo de maturidade, para en-
nos próximos anos. De uma forma trar, numa segunda fase, em um

3 Retirado em https://www.bangornrc.com/

24
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

processo de envelhecimento. Tudo da população de idosos (devido a um


isto está modificando muitos de nos- aumento na expectativa de vida),
sos esquemas de convivência, geran- mas, sobretudo, pelo declínio na fer-
do novas demandas sociais que, por tilidade.
sua vez, têm implicações na econo- A grande heterogeneidade de-
mia, na saúde, na atividade, nas re- mográfica da população permite tra-
lações familiares e sociais, no lazer, çar, ao menos, seis cenários para o
no consumo, na política e demanda envelhecimento:
social. O Cenário africano: Suas caracte-
Abordaremos a demografia do rísticas são uma extraordinária ju-
envelhecimento e alguns de seus as- ventude de sua população, com 45%
pectos em termos quantificados, in- de pessoas com menos de 15 anos e,
cidindo nas causas que o determi- somente 3% acima dos 64 anos. A
nam com uma descrição a nível média na fecundidade é de 5,7 fi-
mundial enfocando a situação no lhos/mulher e, uma expectativa de
Brasil. vida que não ultrapassa 52 anos de
vida, sendo em alguns países ainda
A Situação Mundial do En- mais baixa.
velhecimento O modelo médio-oriental: mui-
to parecido com o africano, embora
É um engano pensar que o tanto a mortalidade como a natali-
mundo atual é, em seu conjunto, ve- dade são mais baixas. Há também
lho e que, portanto, não tem outra aumento na expectativa de vida, on-
possibilidade de evolução. No con- de as porcentagens de idosos estão
junto da população mundial a cada aumentando progressivamente.
100 habitantes 7 são idosos. O mun- O modelo latino-americano: se
do é jovem e algumas regiões como a encontra em um momento de acele-
África e Ásia são extremamente jo- rada transição demográfica, dado
vens, onde os idosos sequer alcan- que suas taxas de mortalidade são
çam 2 ou 3% da população e, em al- muito baixas e as de natalidade co-
guns países africanos e asiáticos não meçando a declinar. No conjunto, a
chegam a 6 ou 7%. população é muito jovem e os idosos
É um fenômeno próprio dos perfazem cerca de 5 ou 6% da popu-
países desenvolvidos. Embora nes- lação. Apenas em alguns países
ses países o envelhecimento da po- como a Argentina e Uruguai atingem
pulação comece a ser visto como um ou ultrapassam 10%.
problema, não tanto pelo aumento

25
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

Os países produtores de petró- ser muito parecidos, inclusive supe-


leo: tem um comportamento demo- riores, ao europeu.
gráfico peculiar, onde muitos são O modelo europeu: constitui o
formados por populações pouco nu- avanço do envelhecimento da popu-
merosas e com grandes recursos lação em termos da queda da natali-
econômicos. A particularidade é que dade, nas tendências da mortalidade
estes países não envelhecem, mas e no aumento da expectativa de vida.
tendem a rejuvenescer devido a uma A taxa de fecundidade, embora em
população imigrante nova, com alguns países tenha começado a au-
grande capacidade reprodutora. mentar depois de haver alcançado
Este é um fenômeno típico, também, níveis mínimos históricos, (como
das zonas periurbanas dos países tem ocorrido na Suécia), entretanto,
desenvolvidos, onde se concentra está ainda muito abaixo dos índices
casamento entre jovens, atraídos de reprodução, que no momento
pela oferta de moradia a preços aces- atual é de 2,1 filhos/mulher. O mes-
síveis. mo aconteceu com a mortalidade,
O modelo norte-americano: ex- caindo a porcentagens muito baixas,
tensivo também ao Canadá e Austrá- 7 a 8%. A expectativa de vida, reflexo
lia, se caracteriza por possuir estru- das normas de comportamento das
turas demográficas menos envelhe- populações, ultrapassou a barreira
cidas do que as europeias. A impor- dos 70 anos, alcançando em países
tância quantitativa da imigração e a do entorno europeu, 78 anos.
presença de grupos étnicos diversos A demografia dos países que
têm atrasado os processos de enve- integram a Europa é muito diversa,
lhecimento que, na lógica, deveriam e poderá ser vista resumidamente na
quadro 1.

Envelhecimento na Europa em termos percentuais

Norte da Europa Leste da Europa Europa Sul da Europa Oeste da Europa

19% 18% 19% 17% 20%

16% 15% 14% 15% 13%

26
27
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

4. Aspectos Demográficos

Fonte: Medium4

N o Brasil, para muitos, ainda


somos um país de jovens, sen-
do o envelhecimento populacional
mento como estas levaram pratica-
mente à duplicação da população a
cada 30 anos, de 1870 a 1980. No
associado aos países mais desenvol- entanto, já a partir da década de 70
vidos da Europa e América do Norte. a taxa de crescimento mostrou sen-
No entanto, nos dias de hoje, tal afir- sível redução, passando a 2,48%/
mação não corresponde por com- ano. E na década de 80 reduziu-se
pleto à realidade. Ela fazia sentido mais ainda, chegando a 1,93%, me-
até alguns anos, pois as taxas de nor que a prevista (2,1%). Ao mesmo
crescimento anual da população tempo, a distribuição etária da po-
brasileira mantiveram-se altas por pulação brasileira se alterou. No co-
muitas décadas, notadamente nas meço do século passado, 44,4% dos
de 50 e 60. Taxas altas de cresci- brasileiros estavam na faixa etária

4 Retirado em https://medium.com/

28
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

de 0 a 14 anos, 52,3% na de 15 a 59 economicamente ativa, ou prestes a


anos e os idosos (60 anos e mais), entrar no mercado de trabalho.
apenas 3,3% da população. Essa Portanto, já não se pode ra-
proporção de idosos foi aumentando ciocinar mais em termos de país de
gradativamente: 4,1% em 1940, 5,1% jovens. A sociedade brasileira tem
em 1970, 6,1% em 1980 e o censo de de se dar conta que está envelhecen-
1991 mostrou que os idosos brasilei- do e as pirâmides etárias se modifi-
ros já eram 7,4% da população. Ao cando (Figura 1).
mesmo tempo, a proporção de jo- Observa-se que em 1940 a ba-
vens vem caindo, constituindo em se era alargada, com poucas pessoas
1991 cerca de 34,7% da população. atingindo o ápice da pirâmide, re-
As estimativas indicam que as taxas tratando, assim um país com popu-
médias de crescimento anual vão lação jovem. Em 1990 a base estrei-
continuar caindo e a mudança na es- tou um pouco e uma maior propor-
trutura etária brasileira será profun- ção de pessoas atingiu o ápice. A
da, a tal ponto que a faixa etária dos tendência é a de se transformar ain-
60 anos e mais, chegará a 15,1% da da mais, assumindo a forma de um
população em 2025 (mais que o do- “barril”, um “cone”, a semelhança
bro em 34 anos). As pessoas mais jo- dos países que já sofreram o pro-
vens, de 0 a 14 anos, constituirão cesso de envelhecimento populacio-
apenas 23% nesse ano. Haverá ao nal.
longo do século um paulatino cresci-
mento da população de 15 a 59 anos, Pirâmides etárias em 1940, 1970,
de 52,3% em 1900 a 62% em 2025. 1990, 200 e projeção para 2025
Os idosos, que em 1980 per-
faziam 8 milhões de pessoas, já são
10,6 milhões (censo de 91), atual-
mente, esse número está na ordem
de 15 milhões e deverão ser 32 mi-
lhões em 2025. Números impressio-
nantes, pois, no começo do século
passado, apenas 575 mil pessoas ha-
viam ultrapassado a barreira dos 60
anos. Isso trás consequências para o
país. Por exemplo, a população pres-
tes a se aposentar e já aposentada
Fonte: Fundação IBGE. Censos
está crescendo mais que a população
demográficos

29
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

Esse processo está acontecen- 1960 6,3

do em todo o mundo, de forma mui- 1970 5,8


1980 4,4
to rápida. Estima-se que, atualmen-
1991 2,9
te, cerca de um milhão de pessoas 2000 2,4
cruza a barreira dos 60 anos de ida- 2004 2,2
de, a cada mês, em todo o mundo. 2005 2,1
Isto leva a uma mudança radical na 2006 2,0

estrutura etária das populações de Fontes: IBGE, Censo Demográfico


praticamente todos os países. 1940/2000 e Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios 2004-2006.
No Brasil e nos países em de-
senvolvimento, a proporção de ido-
sos é menor, só que o processo de Considerações Finais
envelhecimento de suas populações
vem ocorrendo num curtíssimo O Brasil passa por um proces-
espaço de tempo. so de envelhecimento populacional
O Brasil está passando por rápido e intenso, como se pode ob-
profundas transformações demo- servar neste início de século. Se, por
gráficas, inclusive por significativas um lado, o país tem um longo cami-
alterações na sua estrutura etária. A nho até que as doenças infecciosas
principal variável responsável por estejam totalmente controladas, re-
estas mudanças é a fecundidade, cu- duzindo a níveis aceitáveis a morta-
jo declínio de sua taxa inscreve-se lidade infantil, por outro lado o de-
entre os mais rápidos e intensos re- safio maior, no século XXI, será cui-
centemente observados entre os paí- dar de uma população de mais de 32
ses mais populosos do mundo. Foi milhões de idosos, a maioria com
somente a partir da década de 60, baixo nível socioeconômico e educa-
quando houve diminuição acentua- cional, ao lado de uma alta prevalên-
da da fecundidade, que alterações cia de doenças crônicas e incapaci-
significativas na estrutura popula- tantes.
cional brasileira vieram a ser obser- A principal fonte de suporte
vadas (Figura 2). para essa população de idosos ainda
é a família, principalmente a família
Taxas de fecundidade total, que coabita com o idoso em domicí-
segundo as Grandes Regiões - lios multigeracionais, os quais re-
1940/2006 presentam uma parcela da popula-
Ano Fecundidade ção de idosos que tende a ser mais
1940 6,2 pobre, com mais problemas de saú-
1950 6,2 de e mais dependência no dia-a-dia

30
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

do que a média dos idosos. Afora as citantes, como o infarto do miocár-


limitações financeiras para aderir dio e o acidente vascular cerebral.
aos múltiplos tratamentos necessá- Poucos são os profissionais de
rios, geralmente em bases crônicas, saúde com formação especializada
a disponibilidade de suporte fami- para o cuidado do idoso; a maioria
liar para o idoso dependente deverá atua dentro de um sistema mal equi-
decair marcadamente frente à dimi- pado para fazer frente à demanda
nuição do tamanho da família, ao multifacetada do idoso. Para que
aumento do número de pessoas esse descompasso entre a realidade
atingindo idades avançadas e a cres- demográfico-epidemiológica e o sis-
cente incorporação da mulher - tema de saúde possa ser corrigido
principal cuidadora - à força de tra- em médio prazo, será preciso esta-
balho. belecer indicadores de saúde capa-
O sistema de saúde terá que zes de identificar idosos de alto risco
fazer frente a uma crescente deman- e orientar ações concentradas de
da por sistemas diagnósticos e tera- promoção de saúde e manutenção
pêuticos das doenças crônicas não da capacidade funcional, ações que
transmissíveis, principalmente as tenham um significado prático para
cardiovasculares. Tomando como os profissionais atuando no nível
base a prevalência de hipertensão primário de atenção à saúde e uma
arterial não controlada, convenien- relação de custo-benefício aceitável
temente aferida, cerca de ⅔ dos ido- para os administradores dos parcos
sos residentes na comunidade te- recursos destinados à saúde.
riam que passar a receber tratamen- Estudos transversais já ha-
to higienodietético e/ou medica- viam demonstrado que os idosos,
mentoso adequados, além dos que já em um centro urbano como São
são medicados e mantêm níveis Paulo, apresentavam um alta preva-
normais de pressão arterial. Quase lência de incapacidades físicas men-
metade dos idosos residentes na co- tais geradoras de dependência no
munidade apresenta problema de dia-a-dia. O seguimento longitudi-
sobrepeso, embora o baixo nível so- nal mostrou que esses fatores au-
cioeconômico pudesse sugerir o con- mentavam significativamente o ris-
trário. Juntamente com a hiperten- co de morte nessa população.
são arterial, o excesso de peso cons- Frente ao imperativo demo-
titui-se num dos principais fatores gráfico vivido pelo país e suas pre-
de risco para eventos cardiovascula- visíveis consequências no campo da
res potencialmente letais ou incapa- Saúde Pública, cabe definir uma

31
DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

linha de ação prioritária visando cionais, psicólogos e assistentes so-


desenvolver uma estrutura de aten- ciais. A presença desses profissio-
ção primária, secundária e terciária nais na rede de saúde deve ser vista
à saúde do idoso. A experiência em como prioridade. No entanto, para
outros países mostra que o proble- que a atenção ao idoso possa se rea-
ma só tende a agravar-se, na medida lizar em bases interprofissionais, é
em que, com o tempo, mais pessoas fundamental que se estimule a for-
irão viver por mais tempo, acen- mação de profissionais treinados,
tuando cada vez mais as deficiências através da abertura de disciplinas
do sistema e gerando um círculo nas universidades, de residências
vicioso onde o idoso maltratado irá médicas e de linhas de financiamen-
demandar, progressivamente, mais to a pesquisas que identifiquem a
serviços e recursos. área da geriatria e gerontologia.
O objetivo principal do siste-
ma deve ser a manutenção da capa-
cidade funcional do idoso, manten-
do-o na comunidade pelo maior
tempo possível, gozando da maior
independência possível. Para tanto
será fundamental identificar perdas
cognitivas e de independência no
dia-a-dia, que atuam como fatores
de risco importantes pela perda da
capacidade funcional. Instrumentos
de avaliação cognitiva e indepen-
dência deverão constar do protocolo
de avaliação básica do idoso em
qualquer nível. Causas de perda cog-
nitiva e funcional passíveis de trata-
mento e reabilitação deverão ter
prioridade na alocação de recursos
diagnósticos e terapêuticos.
A manutenção da capacidade
funcional é, em essência, uma ativi-
dade multiprofissional para a qual
concorrem médicos, enfermeiras,
fisioterapeutas, terapeutas ocupa-

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DEMOGRAFIA E EPIDEMIOLOGIA DO ENVELHECIMENTO

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