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relatório sobre igualdade de 2020 do Fórum Econômico Mundial


aponta que a equidade de gênero no ambiente de trabalho ainda é
uma realidade distante. A área trabalhista foi a única a apresentar
retrocessos e o estudo estima que serão necessários
aproximadamente 250 anos para que haja igualdade entre
homens e mulheres no mercado de trabalho. Na melhor das
hipóteses, caso haja um desenvolvimento acelerado, esse número
baixa para 94,5 anos.

Não faltam dados para comprovar que existe, mundialmente, um


grande problema de desigualidade no ambiente de trabalho, mas o
quê empresas, trabalhadores e empreendedores podem fazer para
colaborar com o desenvolvimento da equidade de gênero no trabalho?

Debatendo a (falta da) equidade de gênero


Para Viviana Santiago, gerente de gênero e incidência política da Plan
International Brasil, a desigualdade de gênero deve ser considerada
pelas empresas como um grande problema. “Nesse sentido,
precisamos entender que é uma questão que afeta a sociedade como
um todo e que é produzida e alimentada pelo próprio meio social. É
necessário começar explicando para o setor corporativo o que a
equidade de gênero pode fazer e por quê os executivos deveriam
apostar nisso. Depois, começar a engajar as empresas com porta-
vozes”, indica.

A gerente ressalta que a equidade de gênero não é positiva apenas


para as mulheres, mas para todos. “A igualdade agrega valor
e diversidade. Em um ambiente em que todas as pessoas conseguem
se sentir contempladas e respeitadas, você tem um espaço mais
produtivo e é capaz de dialogar com mais públicos, trazendo um
produto ou serviço que contemple melhor as demandas sociais. Mas é
preciso compreender que colocar as mulheres para dentro não é o
ponto de chegada, mas o de partida. É essencial trabalhar as relações
de gênero dentro das empresas e nas políticas públicas”,
complementa.

Estratégias empresariais para a equidade de gênero


Gestora executiva do Movimento Mulher 360, grupo empresarial pelo
desenvolvimento econômico feminino, Margareth Goldenberg acredita
que o primeiro passo para que haja equidade de gênero no âmbito
organizacional é reconhecer que existe um problema. “As empresas
precisam entender que essa é uma pauta importante para elas, não só
pela questão da justiça social, mas também por causa do diferencial
competitivo que essa diversidade oferece”, analisa.

Em segundo momento, as lideranças precisam identificar onde se


encontra o problema. “Olhar para dentro mesmo, para os números, e
encontrar onde está a desigualdade de gênero. É importante observar
setores e níveis hierárquicos porque, em geral, as mulheres ficam
concentradas em áreas humanas ou em cargos de analista e
coordenação. Subindo na hierarquia, já começamos a ter homens
predominando. As empresas precisam saber onde essa questão se
concentra e depois traçar um plano tático com ações afirmativas para
reverter isso”, aponta.

Leia também: 50 líderes mulheres falam sobre igualdade de gênero


no mercado de trabalho
Como exemplos dessas ações para fomentar a equidade de gênero,
Margareth cita engajar a alta liderança e alinhá-la com o tema, tratar a
desigualdade de forma específica fazendo recrutamento por meio
de currículo cego, exigir um mínimo de presença feminina em
determinado nível hierárquico, identificar mulheres com potencial para
ascenderem à liderança, investir no desenvolvimento dessas
colaboradoras, entre outros. “O maior desafio ainda é a
conscientização e a mudança de mindset”, afirma.

Para Viviana Santiago, nem sempre as medidas adotadas por


empresas são sustentáveis. “Porque às vezes você precisa de um
tempo maior para que a realidade do ambiente se amadureça. Em
contrapartida, as corporações querem projetos que sejam rápidos e
fáceis de serem implementados. O trabalho de advocacy é tão
importante quanto implementar projetos porque garante a
sustentabilidade dessas iniciativas. E todo mundo dentro de uma
organização precisa ser capaz de entender as questões de gênero e
como isso afeta o dia a dia no trabalho”, esclarece.

Liderança feminina na vida real


CEO da plataforma de networking entre jovens lideranças brasileiras
LIDE FUTURO, Laís Macedo é a única mulher entre 12 executivos de
alto escalão. Com apenas 24 anos, já tinha assumido a gerência do
LIDE e, três anos depois, começou a empreender paralelamente. “Sou
mulher portanto, penso e me comporto diferente dos homens com
quem eu trabalho. Então, houveram momentos em que tivemos que
buscar um terreno em comum, mesmo com a desproporção da
equidade de gênero. Mas entre os doze, eu fui escolhida como CEO,
então houve uma confiança muito grande no meu papel como
executiva, independente do meu gênero”, observa.

Mas Laís relembra que foi difícil prosperar com clientes que eram, em
sua maioria, homens mais velhos. “Eu era uma menina. Tinha um
preconceito velado e até involuntário. Às vezes eu comparecia a
eventos e, se eu estivesse com algum colega homem, sempre
cumprimentavam e trocavam o cartão com eles, não comigo. Inclusive
mulheres faziam isso. Eu comecei a tentar me adaptar ao estilo de
liderança masculina para ser aceita e isso me preocupou. Eu tava
sendo um contra exemplo de todo o movimento ao renunciar às
minhas características femininas”, aponta.

Leia também: “Muitas mulheres precisam de um empurrão, porque


não somos acostumadas a ouvir que somos capazes”
A executiva percebeu que não precisava abrir mão de sua feminilidade
para ser uma boa líder. “Sim, sou mulher. Estou nessa posição porque
sou qualificada e o processo de aceitação tem que ser do outro, não
meu. Os homens, em geral, se sentem mais preparados para serem
líderes. A mulher não costuma se sentir merecedora e por ainda ter
um espaço pequeno dentro do mercado. Nosso papel na busca pela
equidade de gênero é desconstruir vieses que estejam enraizados, de
forma consciente ou não, em homens e mulheres. Isso parte muito do
diálogo e do bom exemplo. Além disso, trabalhar nossa autoconfiança
e acabar com a autossabotagem“, opina.

Para além do gênero


Editora chefe da Azminas, revista que busca promover a equidade de
gênero por meio da informação, Thais Folego chama atenção para o
fato de que, além do gênero propriamente, outras questões interferem
no desenvolvimento da mulher no ambiente de trabalho, como a raça.
“Olhando pesquisas sobre diferenças salariais, uma mulher branca
ainda está à frente de um homem negro. Mas uma mulher negra
ganha menos que um homem negro. A partir disso, conseguimos ver
que existem outros aspectos, que podem até ter um impacto maior”,
explica.
Para discutir a equidade, primeiro é preciso entender de que mulher
se está falando, segundo Thais. “Inclusive, o movimento feminista, que
luta pela equidade de gênero, começa pela perspectiva de mulher
branca, que ficava em casa sem poder trabalhar. A mulher negra
sempre trabalhou. Não podemos tratar a questão da mulher como
universal, porque existem diversas vivências que vão as diferenciar.
Mas, de forma geral, a desigualdade de gênero começa dentro do
ambiente familiar, na forma como os papéis são divididos e depois
extrapola para o mundo”, percebe.

O papel dos homens


Quando se debate a equidade de gênero, em geral, são as mulheres
que tomam a frente da discussão, por serem as mais prejudicadas.
Mas os homens também são um elemento essencial para criar esse
ambiente de equilíbrio. Viviana acredita que a equidade de gênero
parte do princípio de homens e mulheres recebam as mesmas
oportunidades e que a masculinidade que pressupõe uma
superioridade e uma autoridade de nascença precisa ser modificada.

“Não é um discurso contra os homens, mas contra uma dinâmica


social que excluiu as mulheres. Muitas vezes os homens se ressentem
por pensar que essas posições de destaque são só deles. Então,
primeiro de tudo eles precisam entender e reconhecer as mulheres
como pessoas de direito. Os homens precisam revisitar essa ideia de
direito ao poder que eles recebem a vida toda da sociedade e também
chamar atenção de outros que de algum forma tenham atitudes
machistas”, analisa.

E já que os homens geralmente estão em posições de liderança e


possuem poder e influência, eles precisam ser aliados nessa busca
por igualdade, segundo Margareth. “Eles também precisam se atentar
a vieses inconscientes, que muitas vezes levam as pessoas a dar
oportunidades para outros que sejam parecidos com elas, e
neutralizá-los”, complementa Margareth.

Leia também: “Se você é livre, precisa libertar alguém. Se você tem


poder, então seu trabalho é empoderar outra pessoa”
Para Thais Folego, é importante que os homens possam se ver como
aliados nessa causa. “Essas questões também oprimem os homens,
mas de forma diferente. O sexismo não é bom para nós enquanto
sociedade. De forma prática, os homens colaboram quando elogiam o
trabalho de uma mulher, não só para ela, mas para os pares,
superiores e para a empresa em geral”, exemplifica.

Como se empoderar para promover a equidade


de gênero
A frente do Programa ELAS, escola de liderança e desenvolvimento
pessoal de mulheres, Amanda Gomes e Carine Roos acreditam que a
desigualidade de gênero se deve a uma questão cultural, que sempre
colocou a mulher em uma posição de submissão. Para mudar esse
cenário, a dupla oferece conselhos para as mulheres se tornarem
protagonistas de suas carreiras e caminharem rumo a equidade de
gênero.

#1 Não cobre perfeição de si mesma


“As mulheres são cobradas para serem bonitas, perfeitas e
inteligentes tudo ao mesmo tempo. Elas tem que dar conta de tudo.
Se sair bem no trabalho e na vida familiar. Essa cobrança excessiva e
busca pela perfeição, que está historicamente atribuída às mulheres,
faz com que a autoconfiança dessas mulheres seja menor. E,
consequentemente, que elas desenvolvam a síndrome da impostora,
que faz com que elas pensem que não são boas o suficiente para
ocupar posições de destaque. Essas crenças somadas com o
ambiente predominante masculino faz com que as mulheres sejam
intimidadas a se manterem em segundo plano”, discorre Carine.

#2 Busque o autoconhecimento e a inteligência emocional


Desenvolver a autoconfiança e ser capaz de acreditar no seu potencial
é um grande diferencial para as mulheres. “Quando as mulheres são
capazes de lidar com suas emoções, elas começam a ter clareza do
potencial que tem, de onde quer chegar, o que ela não abre mão e
quais são seus pontos fortes para se reconectar com ela mesma e se
fortalecer. E com essa clareza, ela consegue entender qual vai ser a
estratégia dela para alcançar seus objetivos. Trabalhando também o
protagonismo e a ideia de que ela está no comando”, explica Amanda.

#3 Se una com outras mulheres


Para Carine, quando as mulheres se ajudam o ambiente todo
prospera. “Porque isso constrói um local seguro e as vulnerabilidades
das mulheres são muito particulares. Então, quando uma mulher apoia
a outra e juntas são capazes de refletir, debater e fazer demandas,
conseguem desconstruir vieses e limitações, que podem partir
inclusive de outras mulheres”, opina. Amanda complementa que,
dentro do ambiente de trabalho, elas podem discutir juntas pequenas
iniciativas que podem melhorar a convivência e promover a equidade
de gênero.

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