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Espiritualidade na Educação: Educação,


Espiritualidade e Emancipação Humana

Jairo Cardoso da Costa

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In Memoriam

Aos meus grandes amigos Paulo Rodrigues da Costa, Joelmo da Silva Justino, José
Aurilo Batista de Oliveira e Christian Rene Santoul.

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Apresentação

O Escritor Jairo Cardoso da Costa reúne neste livro o pensamento de algumas joias da
literatura pedagógica tais como Paulo Freire, Althusser, Mochocovitch, Saviani e Comenius
entre outros, permitindo-se mergulhar nos mares da Educação, da Espiritualidade, do conheci-
mento de Deus e, consequentemente, da Solidariedade Humana, umedecendo a leitura com
qualidades essenciais à formação do professor-educador, profissional humanitário.
Ele procura miscigenar ideias contemporâneas e mais antigas, compondo com os seus
textos um quê de antologias, já que os permeia com citações, posicionamentos e preciosidades
de pensadores consagrados pela civilização ocidental, através dos séculos.
Iniciando, nas primeiras páginas, com referência à Pedagogia do Amor, o autor de-
monstra sua preocupação primordial com a presença da ética e de valores morais na prática
docente.
Cabendo-me a mim a tarefa de apresentar o livro, proponho, ao caríssimo leitor, que a
leitura da obra seja viva e crítica, visando a um enriquecedor confronto entre a prática do seu
quotidiano, pelo cotejamento de certas ênfases e atividades sugeridas nos textos, tais sejam os
tons irisados de espiritualidade, politização e moralidade que contêm.
É claro e evidente o foco na força transformadora da afetividade e do respeito mútuo,
pérolas que devem entrelaçar as relações entre formador e formando, educador e educando,
indivíduo e grupo.
Em especial, com a leitura deste autor, o professor que enfrenta efetivamente dificul-
dades de aprendizagem, de concentração e déficits de memória pode encontrar um recurso
canalizador do encaminhamento de providências junto aos seus alunos; providencias estas que
demandam mais “posturas didáticas”, que propriamente “aulas”, “exercícios”, “atividades” e
“provas”.
Jairo Cardoso tem-se revelado, neste e no primeiro livro, um autor cristão atual, socio-
educacional e crítico ao gosto do 3º milênio.

Eusébio, 10 de maio de 2010.

Professora Marta Cordeiro Fernandes Vieira

Secretária de Educação do Município de Eusébio.

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Prefácio

“Só existe saber na invenção, na reinvenção, na


busca inquieta, impaciente, permanente, que os ho-
mens fazem no mundo, com o mundo e com os ou-
tros." (Paulo Freire)

Nós, leitores do presente trabalho do pedagogo Jairo Cardoso da Costa, estamos


diante de um ser que exercita sua “curiosidade epistemológica” em íntima relação com seu
engajamento no mundo.
Conheci o jovem Jairo nas atividades de extensão que desenvolvi na comunidade
do Tapuio – Aquiraz - CE de 2004 a 2006, junto às crianças e jovens que frequentavam e fazi-
am o Parque de Formação Integral do Tapuio, ONG dirigida pelo professor André Haguette e
pela psicóloga Regina Jaguaribe. Nos finais de semana, quando desenvolvíamos oficinas, pa-
lestras e atividades recreativas, lá estava o Jairo, sempre pronto a ajudar e disponível para co-
laborar na missão da instituição: compartilhar experiências e conhecimentos com a comunida-
de do Tapuio e circunvizinhanças, a fim de melhorar a qualidade de vida das pessoas por meio
da educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e trabalho voluntário. Apesar de sua
timidez, ele tinha uma presença ativa facilitada pela distribuição de mão em mão das edições
do jornal A Voz do Povo (Informativo idealizado pelo Jairo para divulgar os trabalhos comu-
nitários das Ongs, Igrejas e suas ideias) que registrava as ideias engajadas de uma juventude,
que, antes, parecia fadada a cumprir os enunciados daqueles que não veem nessas pessos seres
capazes de pronunciar sua palavra e de fazer cultura. As representações negativas sobre a ju-
ventude ainda são hegemônicas: os responsáveis pela gestão pública identificam nesse seg-
mento seres potencialmente em risco que precisam de monitoramento para se afastar dos peri-
gos da rua; a imprensa estigmatiza-os como rebeldes, desnorteados ou deliquentes; os educa-
dores, sobretudo os escolares, veem os jovens como promessa para o futuro. Porém, em cada
um dos setores citados, existem agentes inquietos, rebeldes e amorosos que identificam no ser
jovem sujeitos capazes de atuação autônoma e solidária. Seres que se formam buscando res-
postas para os problemas detectados, com outros sujeitos. A palavra pronunciada por um ser
consciente/engajado, já é ação – palavração - como nos dizia Paulo Freire.
Em 2007 reencontrei o autor do presente livro no Programa de Extensão Conexões
de Saberes/Escola Aberta/Educação Ambiental desenvolvido na Universidade Federal do Ce-
ará. Eu estava na condição de coordenadora do Escola Aberta e o Jairo como bolsista respon-
sável pelo planejamento, desenvolvimento e avaliação de oficinas nas escolas da Regional VI.
As bolsas de extensão eram concedidas a estudantes de graduação de origem popular, como
parte de uma política afirmativa para a manutenção, com sucesso, de estudantes egressos de
escola pública. Os jovens formavam-se desenvolvendo seus talentos e se envolvendo com as
necessidades e com as buscas de soluções das crianças e dos jovens do seu local de moradia.
O espírito do projeto era investir na formação de educadores populares comprometidos com
sua própria gente e capaz de, com eles, lutar para que mais jovens da escola pública tivessem
acesso à universidade pública. Jairo vestiu a camisa do projeto e se dedicou, não apenas a de-
senvolver oficinas, mas a refletir sobre as ações e produzir conhecimento. Deste modo ele es-
creveu sobre os temas: cultura de paz; processos de leitura; importância do ato de ler; educa-
ção ambiental; educação libertadora e espiritualidade.
Com emoção escrevo este prefácio, pois trago um exemplo vivo de que, diante de
oportunidades e, sobretudo, diante da acolhida de quem acredita na “vocação ontológica de
ser mais” dos seres humanos, os jovens respondem com criatividade e vida. O Jairo é mais um
jovem que, diante de relações brutais de desigualdades de renda e de oportunidades, responde
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positivamente, superando barreiras e preconceitos. De onde vem essa força? O que leva algu-
mas pessoas de origem popular a conquistar seu lugar numa universidade ainda elitista e nu-
ma sociedade opressora? Como alguém, diante da crise de paradigmas, das “verdades” mate-
rialistas e das incertezas de um mundo que transforma tudo em mercadoria, continua falando,
escrevendo e acreditando em educação, espiritualidade e emancipação?
Leiam o livro e descubram as respostas. Muitos aspectos podem ajudar a encontrá-
las, no entanto, um é estruturador: a fé em Deus e nos homens e mulheres atuando dialogica-
mente.

Fortaleza, maio de 2010

Ercília Maria Braga de Olinda

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Agradecimento

Agradeço a todos os amigos, colaboradores e leitores cujos nomes que tenho a


honra de citar em meu livro: Francisca Edileuma Lira, (Neuma), Josimar de Castro, Daniel
Holanda, Israel Martins, Francisco José Pinheiro, Maria Ercília, João Figueiredo, Adelson So-
brinho, Maria Clarisse Gomes, Augusta, Mônica, Almira, Tatiane Régis, Soraya Pessoa, Mar-
ta Cordeiro, Patríca, Helena, Bira, Aider Amaral, seu Déde, Dona Chiquinha, Erivando dos
Santos (Sula), Solange Bessa, Magna Colaço, Ivaneça (Mima), Joanice, Marleide, Façanha,
Júnior Tagino, Vera Lúcia, Lúcia Baltazar, Rafaela Falcão, Maria Falcão, Lúcia Bezerra, Ale-
xandre, Nilda Maria Gomes, Denise Campina, Luanda, Norma, José Filho, Janiele Torres,
Lúcia Nunes, Sávio Abreu, Francisca Núbia, Maria Jucilene, Juliana Floriano, Jorge Henri-
que, Juliana Floriano, Maria Leonir, Ângela Maria Félix, Raquel Lopes, Fabíola, Eliábia de
Abreu, Cristine, Irmãos Pedro e Silvia, Alexandra, Júnior (Cartório Sampaio), Jaqueline
(Drogajack), Renné Mazza, Alexandre Mota, Germisson, Silvana, Silvia Kátia, Sidália, Idália,
Tereza Cristina, Evandro, Jealisson, Magali, Terezinha, Vanda, Marcos Aurélio, Adriana Go-
mes, Ivoneide, Valquíria, Valdênio, Valério, Assis, Mael, Mara, José Afrânio, Thiago Alves,
Arimatéia, Ananias, Eliana Batista, Joel Rodrigues, Jerônimo Costa, Jair Cardoso, Mazé,
Mardoni Batista, Manezinho, Elenilce, Lourdes, Eliane, Pr. Oliveira, Paulo Cesar, Paulo José,
Carminha Ribeiro, Carminha Viana, Aldier, Matilde, Cristiano, Messias, Irmã Helena, Cleo-
nice, Vitória, Ana Gomes, Vânia, Vera, Rodrigo Bessa, Cleane Gomes, Mardones Alves, Ar-
thur (Belém), Henrique, Jucilene Muniz, Elias Muniz, Iolinda, Dayana Braga, Raquel, Ivanil-
do, Jorginho da PF, Rita de Cassia, Karine, Juliana, Clemilda, Iarley, Francilene, Maria Clei-
de, Ana Meire, Luciano Cunha, Vitor e Zaira, Salomão, Evane, Risalva, Lenira, Eliária, Dul-
cevânia, Helen, Kátia, Fernanda, Lilian, Francisco José dos Reis Geraldo Rodrigues, Francis-
co Edson, Carlos André, José Edilson, Aldaílo, Auricélio, João Batista, João Ferreira, José
Evandro, Manoel Alves, Cláudio Morais, João Abreu, Péricles, Sergio Luís, Edilson Mendes,
Paulo César, Reginaldo, Francisco Claudemir, Célio, Gerardo, José Hélio, Eliezer Vidal, Iva-
nildo Araújo, Carlos Márcio, Nacélio, Antônio Erivan, Carlos Alberto, Antônio Felipe, João
Batista, Francisco Edi, Luciano Guiramães, Damazio, Dionízio Cordeiro, Murilo Moura, José
Maria, Irineu Alves e a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a reali-
zação deste sonho.

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Pedagogia do Amor

“Num tempo em que a aparência vale mais do que a essência e a


competitividade impera nos relacionamentos, é imprescindível falar
com nossas crianças de companheirismo, amizade e amor”. Gabriel
Chalita.

Pedagogia vem do grego Paidaigogo, que significa: “aquele que conduz a criança”.
Atualmente, a palavra pedagogia tem como conceito “a ciência da educação.”
A palavra amor é originária de três palavras gregas: STORGE: amor familiar; família;
PHILIA: amor fraternal; amizade; EROS: amor físico, erótico; ÁGAPE: amor abnegado, o
amor divino. No latim amor, quer dizer “amizade, dedicação, afeição, ternura, desejo grande,
paixão, objeto amado”. Com base nestes pressupostos afirmo que Educar é um ato de amor,
que deve com isso despertar no educando o prazer de aprender, levando-o a descobrir o valor
da amizade e do respeito.
Desde o período da Idade Média os alunos tiveram uma aversão à educação, haja vista
as escolas da época em geral terem como praxe castigar os alunos desidiosos ou indisciplina-
dos. Isso não é somente algo daquele momento histórico, em pleno século XIX. Em nosso Es-
tado “podia faltar tudo, mas a palmatória era infalível e tão ativa que se constituía o terror dos
meninos. Além desse instrumento de tortura, havia os seguintes castigos: ficar de joelhos, no
chão ou sobre uma mesa, com o rosto no canto da parede, ou não; ficar de pé sobre o pavi-
mento ou sobre uma mesa; às vezes com uma cadeira na cabeça, dentro do salão de aulas, ou
à porta da rua, para que os transeuntes vissem o culpado sustentar uma tabuleta com o letreiro
– eu sou um estudante vadio e preguiçoso.” (Depoimento de José Tupinambá da Frota).
Quando falo em pedagogia do amor não estou trazendo nenhuma novidade, pois no
século XVI houve um educador que pensava além de seu tempo. Em seu pensamento ele ima-
ginava uma escola que visasse despertar nos jovens o prazer e o valor pela vida. João Amós
Comênio, considerado por muitos autores como o pai da didática, via a importância de traba-
lhar o aspecto cognitivo e afetivo dos jovens, algo que para a época era tabu.
É imprescindível que a educação leve em conta os conhecimentos prévios do educan-
do fazendo-o reconhecer sua cultura e conhecimento, somente assim sua leitura de mundo irá
ser complementada com a leitura da palavra. Nesta fundamentação o discente eleva seu saber
da doxa (senso comum) ao conhecimento organizado, ou seja, à episteme.
A pedagogia do amor contrapõe-se à concepção bancária de educação porque, nesta
perspectiva, a educação se torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários
e o educador o depositante.
Como bem expressa Paulo Freire, em lugar de comunicar-se, o educador faz
“comunicados” e deposita sobre os educandos, meras incidências, recebem pacientemente,
memorizam e repetem. Eis aí a educação “bancária”, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los.
A pedagogia do amor valoriza o educando como um sujeito de seu próprio conheci-
mento, considerando-o como um ser em potencial, isto é, aquele que é capaz, sabe aonde quer
chegar, e assim poderá se tornar uma pessoa que tem consciência de sua ação no mundo que a
partir de si próprio constrói a história e transforma o mundo.
Neste sentido a pedagogia do amor expressa uma educação libertadora, problematiza-
dora; já não pode ser um ato de depositar, ou narrar, ou de transferir, ou de transmitir
“conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação
“bancária”, mas um ato cognoscente.

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Com isto o papel do educador na perspectiva de Freire é com respeito ao mérito da paz
com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas os conteúdos, mas
também ensinar a pensar certo.
Na visão de Freire, pensar certo é contextualizar o que lemos com a realidade vivenci-
ada pelo sujeito, ou seja, estabelecer uma relação entre o que lemos e o que está ocorrendo em
nosso país, na nossa cidade, no nosso bairro.
Devemos ter amor pelo que fazemos, uma paixão que deve conduzir nosso trabalho
durante toda nossa vida, somente assim a vida terá um sentido uma razão de viver, de sonhar.
Este mesmo sentimento o educador deve ter pelo educando. Sabendo que através do diálogo
compartilhamos nossas experiências de vida, de forma que o educador aprenda ao ensinar e o
discente aprenda ao ser educado.
A nossa práxis pedagógica deve ter como princípio a coerência de tudo que falamos e
propagamos. Nossa fundamentação tem que ser o amor, o afeto pelo que nos leva a ensinar, e
ao ensinar temos que pensar no educando.
Somente o amor nos coloca no lugar do outro. Eu me refiro à virtude da empatia. Ao
compartilharmos do mesmo sentimento neste ponto temos um mestre que nos ensina por ex-
celência, Jesus Cristo (O Mestre dos Mestres). Para saber se colocar no lugar do outro precisa
primeiro vê-lo, enxergá-lo sem preconceito, sem segundas intenções e sem interesse próprio.
Assim, a pedagogia do amor realizada na escola abre espaços para a diversidade
(diferenças étnicas, raciais, religiosas e sociais). Requisita a presença de um valor que assegu-
ra o respeito e a convivência entre diferentes: a paz e a espiritualidade. Entenda-se que trazer
a espiritualidade para a educação não significa injetar ensinos religiosos no currículo; signifi-
ca incentivar os estudantes a envolver seu mundo com um sentimento de encanto pela análise,
pelo diálogo e pela criatividade.
Uma educação que tem como princípio o amor não deve dar lugar ao autoritarismo,
nem muito menos utilizar a avaliação como reafirmação deste ato infame contra o educando.
Nem muito menos desvalorizá-lo por ser pobre ou incapaz quando, bem da verdade, todos são
capazes, o que acontece é que foram tolhidos os seus direitos, e excluídos estão de certos di-
reitos básicos de sobrevivência.
Vivemos numa sociedade do consumismo, imediatismo, que valoriza o ter em detri-
mento do ser, apregoado pelo relativismo ético sem nenhum princípio. Mais do que nunca a
pedagogia do amor neste início de século deve se fazer presente na escola, não só como pre-
venção da violência ou da criminalidade, mas principalmente por amor à vida e valorização da
cultura e do saber popular. Somente assim, teremos uma educação realmente democrática,
ética e de qualidade para todos.

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Por uma Cultura de Paz e Espiritualidade nas Escolas

“Como as guerras se iniciam nas mentes dos homens, é nas mentes dos homens que as
defesas da paz devem ser construídas”. Preâmbulo, Constituição da UNESCO

A escola deveria ser um canteiro de paz que pudesse despertar nos jovens o prazer de
aprender, levando-os a descobrirem o valor da amizade e do amor. No entanto, é na escola
que eles conhecem as agruras de estudar em espaços deteriorados, sofrem com o descaso e
desrespeito de tantos professores e funcionários, se irritam com aulas desinteressantes e exer-
cícios sem sentido.
No Brasil é assim: os estudantes sonham com um futuro melhor do que o presente vi-
venciado por seus pais, pequenos comerciantes, pedreiros e trabalhadores rurais. (Nova Esco-
la, 2007)
Segundo pesquisa 1,7 milhão de jovens de 15 a 17 anos abandonaram a escola em
2005; 20,1% dos estudantes já sofreram agressões físicas dentro da escola; 33,1% dos estu-
dantes já foram admoestados por colegas, professores ou funcionários na escola. (Fonte: pes-
quisa do instituto SM para Educação em 55 escolas públicas e particulares de São Paulo/-
2006).
Todo final de ano ficava aliviado ao saber que fora aprovado para a série seguinte do
ano escolar, todavia para mim e muitos outros colegas era motivo também de apreensão pelo
fato de sempre nos perguntar: será que vou novamente passar de ano? A insegurança e o te-
mor são característicos em muitos jovens como trauma de infância devido à falta de empatia e
sensibilidade de muitos professores que utilizam a avaliação como uma ferramenta para punir,
garantir o controle e sua autoridade em sala de aula.
No século XVI houve um educador que pensava além de seu tempo. Em seu pensa-
mento ele imaginava uma escola que visasse despertar nos jovens o prazer e o valor pela vida.
João Amós Comênio, considerado por muitos autores como o pai da didática, via a importân-
cia de trabalhar o aspecto cognitivo e afetivo dos jovens, algo que para a época era tabu. Hoje
em pleno século XXI infelizmente ainda não avançamos muito.
No entanto, a aproximação de temática acerca da paz e espiritualidade é uma tendência
atual tanto nas escolas quanto na maioria das organizações em países da Europa, nos Estados
Unidos e no Canadá. Formular a compreensão da situação de paz no planeta passou a ser uma
questão emergencial.
Para os educadores holísticos contemporâneos, trazer a espiritualidade para a educação
não significa injetar ensinos religiosos no currículo; significa incentivar os estudantes a envol-
ver seu mundo com um sentimento de encanto pela análise, pelo diálogo e pela criatividade.
Entretanto, no tempo em que a escolaridade moderna estiver dominada por uma epistemologia
dualista, enquanto ela servir aos interesses econômicos mais do que as almas das crianças,
essa educação não será aceita.
Segundo YUS, a espiritualidade se refere à nossa verdadeira natureza, ou seja, o eu,
que está profundamente conectada com uma realidade espiritual maior. Às vezes, consegui-
mos vislumbrar a conexão entre o eu e a mais ampla realidade espiritual. MASLOW chama
esse vislumbre de “experiências culminantes”. Na experiência culminante transcendemos o
ego e captamos um vislumbre de como as coisas são na realidade [...] alguns dos que falam da
espiritualidade pensam em um sentimento mais metafórico que deísta; [...] usam a palavra pa-
ra se referir, simbolicamente, aos valores humanos, tais como a paz, a justiça, o amor e a com-
paixão. (YUS, 2002:111-112).
Educar para a paz requer a vivência da educação dialógica. Essa prática significa rom-
permos com o silêncio, pronunciando o mundo, ocupando o lugar de sujeitos críticos, capazes

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de promover transformações sociais, a partir do conhecimento dos processos dos quais ho-
mens e mulheres fazem parte (FREIRE, 2005).
Paulo Freire (2001:85) enfatiza a importância de se acreditar nos sonhos, tendo a espe-
rança de que o fatalismo deteriorou as possibilidades de ser e criar. Assim sendo, precisamos
ter sonhos e projetos para o presente e para o futuro, compreendendo que a paz só pode existir
se recusarmos a acomodação.
Segundo CURY (2007:64), os sonhos não determinam o lugar aonde os jovens vão
chegar, mas produzem a força necessária para tirá-los do lugar em que estão. Sonhando com
as estrelas, podem pisar pelo menos na lua. Sonhando com a lua, podem chegar ao menos aos
altos montes. Sonhando com os altos montes, podem chegar a ter a dignidade para atravessa-
rem os vales das perdas e das frustrações.
Todos os seres humanos, mesmo os alunos que tiram notas baixas na escola, têm um
potencial, ou seja, são capazes. Deve o educador motivá-los a desenvolver todo seu potencial,
levando-os a explorar a arte de pensar, aprendendo a duvidar das falsas verdades e criticar as
promessas políticas, a imprensa, o ensino em sala de aula. Assim serão como bem disse
CURY, líderes de si mesmos, verdadeiros pensadores que transformarão o mundo, pelo me-
nos o próprio. “É no fogo da dúvida e da crítica que o ser humano adquire sua estrutura”.
(CURY 2007:13).
Assim, a escola também passa por um momento em que é necessário ir além dos con-
teúdos, quando abre espaços para a diversidade (diferenças étnicas, raciais, religiosas e soci-
ais). Essa polifonia requisita a presença de um valor que assegura o respeito e a convivência
entre diferentes: a paz e a espiritualidade. É importante a divulgação de algumas experiências
nessa direção para sabermos que é possível e imprescindível construirmos a Paz e a espiritua-
lidade nas escolas em olhar espaços. (MATOS, 2006).
Desta forma, ao inserirmos uma cultura de paz e espiritualidade nas escolas, queremos
consolidar nelas processos de formação ética e cidadã, promovendo o acesso de jovens a bens
e serviços culturais e esportivos que vão além dos conteúdos curriculares, exercendo, por fim,
um papel que é inerente à própria escola: a promoção da cidadania, arte, cultura, espiritualida-
de e a paz.

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A Importância do Ato de Ler

“O mais difícil, mesmo, é a arte de ler” Mário Quintana

Segundo o IBGE, mais de 1,7 milhão de cearenses não sabem ler nem escrever. Desse
total, 326 mil são jovens entre 8 e 29 anos. Além do analfabetismo absoluto, o Estado enfren-
ta também o analfabetismo funcional, ou seja, a incapacidade de se compreender um texto
escrito. Muitos alunos são aprovados para séries mais avançadas sem ao menos serem alfabe-
tizados.
Conforme notícia veiculada no Jornal O Povo, no dia 12 de abril de 2007, em todo o
Ceará, o número de analfabetos era de 1.767.470, de acordo com o Pnad. Em Fortaleza,
431.169 pessoas estão nessa situação. A grande maioria dos cearenses não alfabetizados con-
centra-se na faixa etária acima de 30 anos. São 1,1 milhão de pessoas que, por vários motivos,
não tiveram acesso à alfabetização. Esse número aumentou se comparado com o levantamento
feito pelo IBGE no ano anterior, 2004, que registrava 1.682.437 analfabetos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cul-
tura (Unesco), o alfabetizado funcional é aquele que é “capaz de usar a leitura e escrita para
fazer frente às demandas de seu contexto social e usar essas habilidades para continuar a-
prendendo e se desenvolvendo ao longo da vida”.
Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (pisa), o Brasil ficou em
48º lugar entre 57 Países avaliados no quesito leitura. Nesse ranking o Ceará ocupa a 23ª posi-
ção, com 366 pontos, bem abaixo da média do País – 393.
Segundo a professora Lídia Eugênia Cavalcante, doutora em Educação e integrante do
departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceara (UFC), a leitura é
fundamental para a formação do aluno e deveria ser encarada como um prazer e não uma o-
brigação. Mas, infelizmente, argumenta a professora, lê-se muito pouco aqui no Ceará e no
Brasil como um todo. A opinião dela reflete bem a realidade do Estado – do País – com rela-
ção ao hábito de ler entre os jovens do ensino médio, como vimos na estatística supracitada.
(O Povo 13.12.2007. p.8).
A falta do hábito de ler acaba refletindo nas outras disciplinas. “A leitura puxa tudo.
Até para matemática o aluno precisa saber ler e interpretar os dados”. A leitura não é vista
como lazer, é vista como obrigação pelos alunos e até por professores, explica a professora
Lídia Eugênia que defende a inclusão de bibliotecários nas escolas e uma melhor qualificação
dos professores do ensino fundamental e médio.
Portanto, a leitura é um dos principais elementos para o desenvolvimento de habilida-
des cognitivas e de construção de sujeitos críticos.

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A Leitura como uma Prática Social

“A leitura é, fundamentalmente, uma prática social” Ezequiel Silva.


A leitura é um dos principais elementos para o desenvolvimento de habilidades cogni-
tivas e de construção de sujeitos críticos. Ela é fundamental para formação do aluno e deveria
ser encarada como um prazer, não uma obrigação.
Seria preciso, então, conforme Martins (2006), considerar a leitura como um processo
de compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de que lingua-
gem. Assim, o ato de ler se refere tanto a algo escrito quanto a outros tipos de expressão do
fazer humano, caracterizando-se também como acontecimento histórico e estabelecendo uma
relação igualmente histórica entre o leitor e o que é lido.
Em face disso, aprender a ler significa também aprender a ler o mundo, ou seja a dar a
ele e a nós próprios, o que, mal ou bem, fazemos mesmo sem ser ensinados. A função do edu-
cador não seria precisamente a de ensinar a ler, mas a de criar condições para o discente reali-
zar a sua própria aprendizagem, conforme seus próprios interesses, necessidades, fantasias,
segundo as dúvidas e exigências que a realidade apresenta. Assim, criar condições de leitura
não implica apenas alfabetizar ou propiciar acesso aos livros. Trata-se, antes, de dialogar com
o leitor sobre sua leitura, isto é, sobre o sentido que ele expressa, a respeito, de algo escrito, de
um quadro, duma paisagem, ou a sons, imagens, coisas, ideias, situações reais ou imaginárias.
Tematizando as condições em que se realiza a leitura na escola, as denúncias são tam-
bém, como diz Paulo Freire, anúncios que reiteram a leitura das quatro paredes da sala de aula
porque “não se forma um leitor com uma ou duas cirandas e nem com uma ou duas sacolas de
livros, se as condições sociais e escolares, subjacentes à leitura, não forem consideradas e
transformadas”. Daí o autor defender a leitura na escola como objeto de conquista que segue
junto à outra, a prática social.
Segundo FREIRE, a leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E a-
prender a ler, a escrever, enfim, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo,
compreender o seu contexto, não uma manipulação mecânica das palavras, mas uma relação
dinâmica que vincula linguagem e realidade. (FREIRE. 2006).
A leitura crítica é condição para a educação libertadora, e condição para verdadeira ação
cultural que deve ser implementada nas escolas. Segundo SILVA, a criticidade faz com que o
leitor não só compreenda as ideias veiculadas por um autor, mas o leva também a posicionar-
se diante delas, dando início ao cortejo das idéias projetadas na constatação.
A leitura crítica sempre leva à produção ou construção de um texto. O texto do próprio
leitor. Assim, este tipo de leitura é muito mais do que um simples processo de apropriação de
significado, ela deve ser caracterizada como um projeto, pois se concretiza numa proposta
pensada pelo ser-no-mundo, dirigido ao outro.
Conforme o autor supracitado, a leitura levanta-se como um trabalho de combate à alie-
nação, capaz de facilitar às pessoas e aos grupos sociais a realização da liberdade nas diferen-
tes dimensões da vida. A leitura, portanto, deve ser encarada como uma prática social a ser
devidamente encarnada na vida cotidiana das pessoas, e cujo aprendizado se inicia na escola,
mas que de forma nenhuma deve terminar nos limites da experiência acadêmica. Com isso,
tanto os professores, quanto os alunos precisam ler porque a leitura é um componente da edu-
cação e está sendo um processo que aponta para a necessidade de buscas constantes de conhe-
cimento. Porém, para que estas buscas se efetivem na prática e gerem benefícios sociais, pre-
cisamos de condições concretas para produzir diferentes tipos de leitura.

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Desta forma, a leitura como uma prática social proporciona ao educando uma visão
crítica da realidade, levando-o a posicionar-se diante dela, permitindo a realização de um pro-
jeto coletivo contra-hegemônico frente à realidade atual.

Projeto de Leitura nas Escolas Públicas

“A leitura, mais cedo ou mais tarde, sempre acontece, desde que se queira realmente
ler” Martins.

As escolas cearenses com o melhor desempenho no Índice de Desenvolvimento da Edu-


cação Básica (Ideb) possuem algo em comum: todas desenvolvem ações voltadas para a leitu-
ra. A consequência dessa estratégia pode ser medida numericamente. Todas elas obtiveram
nota de proficiência em português acima da média estadual na Prova Brasil, realizada pelo
Ministério da Educação (MEC) em 2005.
As escolas interligaram a escrita com a leitura, por meio de jornais, revistas e textos cur-
tos como os de fabulas. A produção textual é interligada por dinâmicas, o que facilita a com-
preensão do texto por parte do aluno e a participação coletiva deles na sala de aula interagindo
com seus colegas e o corpo docente.
Segundo Magda Soares (1998), aprender a ler e a escrever é fazer uso da leitura e da
escrita, pois transformam o indivíduo, levando-o a um outro estado ou condição sob vários
aspectos: cognitivo, linguístico, social, cultural etc.
E, é nesta perspectiva do letramento que a alfabetização deve acontecer. O ideal é alfa-
betizar letrando, ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais de leitura e escrita,
de modo que o indivíduo seja, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.
Tematizando as condições em que se realiza a leitura na escola, as denúncias são tam-
bém, como diz Paulo Freire, anúncios que reiteram a leitura das quatro paredes da sala de aula
porque “não se forma um leitor com uma ou duas cirandas e nem com uma ou duas sacolas de
livros, se as condições sociais e escolares, subjacentes à leitura, não forem consideradas e
transformadas”. Daí o autor defender a leitura na escola como objeto de conquista que segue
junto à outra, como prática social.
Segundo FREIRE, a leitura da palavra é sempre precedida da leitura do mundo. E a-
prender a ler, a escrever, enfim, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler o mundo,
compreender o seu contexto, não uma manipulação mecânica das palavras, mas uma relação
dinâmica que vincula linguagem e realidade. (FREIRE. 2006).
A prática da leitura deve estar presente na sala de aula desde a educação infantil, sendo
relevante a utilização dos mais diversos gêneros literários. Trazer o prazer e a importância do
envolvimento da leitura como prática social em que a criança não apenas aprenda a reconhe-
cer letras e palavras, mas possa compreender e fazer uso delas.
Para que o letramento aconteça, ou seja, para que o aluno realmente entenda o que lê, é
imprescindível que o corpo docente proporcione condições para que o educando saiba fazer
uso deste ler e escrever no cotidiano.

14
Alunos de Escola Pública

Muito embora em nosso Estado 88% do total de alunos de ensino médio sejam das
escolas públicas, eles são minorias na UFC. No concurso de (2008), eles representaram ape-
nas 15% dos aprovados (624 alunos). No vestibular de 2007, o percentual foi um pouco mai-
or, chegando a 21% (861 alunos). Podemos ressaltar ainda que no Ceará, segundo o Censo
Escolar 2006 do Ministério da Educação (MEC), a taxa de abandono na rede pública de ensi-
no (19,8%) é 18 vezes maior que a da rede particular.
Além disso, raramente vemos alunos de escolas públicas em cursos como Direito,
Medicina, Odontologia e Psicologia etc; cursos estes frequentados por jovens egressos da rede
privada.
Os jovens do interior do Estado, por sua vez, quando passam no vestibular têm di-
ficuldades financeiras de permanecerem na faculdade.
O programa de residência universitária cumpre o papel do Estado como política
de inclusão social ao dar aos universitários carentes oportunidades de moradia, alimentação,
não obstante. Ressalto, entretanto, que o programa deveria atentar também para a ajuda finan-
ceira, pois na faculdade o discente tem que arcar com transporte, xérox e demais despesas
pessoais.
Outra ação de inclusão é o projeto de lei que tramita no congresso destinando 50%
das vagas das universidades federais aos egressos de escolas públicas. Será interessante, pois
mudará substancialmente o quadro supracitado, porém o governo deveria favorecer somente a
alunos que cursaram todo o ensino básico e médio em escolas públicas, ou seja, simplesmente
o fato de terem o diploma de ensino médio (regular ou supletivo) em escola pública não lhes
assegura o benefício.
Na minha visão, o governo deveria conceder aos alunos de escolas públicas um
corpo docente bem qualificado e bem pago, escolas adequadamente bem equipadas e, princi-
palmente, investir no ensino das primeiras letras, ensino infantil e fundamental, o que seria
vital para que eles pudessem ascender socialmente através da educação e lutar contra as desi-
gualdades sociais.

15
O conceito de Pedagogia e Teologia em Comenius

Introdução
“A escola, portanto, erra na educação das crianças quando elas são obriga-
das a estudar a contragosto. [...] é imprescindível despertar nas crianças o
amor pelo saber e pelo aprender [...]. Nas crianças, o amor pelo estudo deve
ser suscitado e avivado pelos pais, pelos professores, pela escola, pelas pró-
prias coisas, pelo método, pelas autoridades”. (Comenius, 1997)

Meu interesse em estudar Comenius é motivado pelo fato de ele ser um autor que con-
seguiu romper com a forma tradicional da escolástica, verdadeiramente ele causou uma ruptu-
ra teórica no processo de concepção educacional.
Comenius viveu na Europa renascentista entre os séculos XVI e XVII. Naquela época,
os reformistas como Lutero e Juan Hus lutavam contra a inquisição criada pela igreja católica
na tentativa de reaver a fé e a pureza, recuperando a supremacia sobre os homens encabeçados
pelo Papa.
Juan Amós Comenius é um dos grandes cristãos que pouco se houve falar como tal.
Escreveu 154 livros, sendo que a maioria deles foram queimados durante a rebelião na Holan-
da.
Comenius foi um autor além de seu tempo, pois vivenciou um período de transição
entre a idade média e a moderna. Conseguiu com precisão traduzir para o cenário educacional
as mudanças políticas, econômicas e sociais.
Ele conseguiu ver na escola o que muitos ainda não viram, ou por outro, não enxerga-
ram, que a escola deve despertar nas pessoas o prazer pelo estudo, pelo conhecimento, pela
vida. Levando-os à eudaimonia, ou seja, a felicidade.
Ele atribuiu à educação categorias que somente vieram a ser pensadas séculos depois,
como o diálogo entre professor e aluno. Uma educação que se dava por meio do diálogo em
sala de aula, ou melhor, pela primeira vez naquela época, alguém disse que o aluno deveria
ser ouvido.
Outro ponto é a questão axiológica sendo tratada na educação, assim sendo Comenius
atribui como teleológica da educação os valores como o amor, a virtude, o bem e a valoriza-
ção do outro.
A dimensão ecológica é bem característica em Comenius, aliás, ele faz desta sua meto-
dologia e base de toda sua teoria. É dela que comenius inspira-se para elaborar a sua mais im-
portante obra a Didática Magna. O homem deve valorizar a natureza e não tomar posse dela,
destruindo-a completamente.
Outra categoria que consigo extrair de seu pensamento é a universalidade do saber his-
toricamente construído pela humanidade. Isso aliado ao seu pensamento a ideia de que todos
devem ter acesso a este saber, seja, pobre, rico, prostituta, louco, criança, jovens ou adultos.
______________________________________________
* Trabalho apresentado no IV Fórum Mundial de Teologia e Libertação no Estado de Belém
do Pára.

16
Direito à Educação: “Ensinar tudo a todos”.

Comenius viveu uma época marcada por muitas mudanças, como por exemplo, a liber-
dade de interpretação das Sagradas Escrituras, fomentada pelos reformadores cristãos, como
Lutero e Calvino etc. No início do capitalismo com o advento da moderna manufatura, quan-
do começava a se instalar a racionalização da atividade produtiva, e ainda, os novos métodos
de investigação da natureza preconizados por Francis Bacon. Conforme Oliveira, Comenius
foi uma voz quase solitária em seu tempo.

“Defendendo de forma veemente a escola como locus fundamental da educa-


ção do homem e lançando as bases da pedagogia moderna, esse bispo da Mo-
rávia (região que atualmente pertence à República Tcheca) sintetizava seus
ideais educativos na máxima “Ensinar tudo a todos”. À primeira vista, uma
afirmativa desse gênero pode parecer utópica ou mesmo extremamente pre-
tensiosa. Para Comênio (1997, p.95), porém, o “tudo” não significava o con-
junto de saberes relativos a todas as ciências e artes e sim os fundamentos, os
princípios que permitiriam ao homem se colocar no mundo não apenas como
espectador, mas sobretudo como ator. Formar o bom cristão, sábio nos pensa-
mentos, dotado de verdadeira fé em Deus e capaz de praticar ações virtuosas
era o objetivo central da educação comeniana, que deveria contemplar os ri-
cos, os pobres, as mulheres e os portadores de deficiências, desde que não
fossem, segundo o senso comum da época, criaturas monstruosas. O argumen-
to central de Comênio se sustentava na crença de que Deus, em sua infinita
bondade, colocara a redenção ao alcance da maioria dos seres humanos, mas
para tanto era necessário educá-los convenientemente. Em outras palavras,
para o autor, negar oportunidades educacionais era antes ofender a Deus do
que aos homens. Seu discurso estava, portanto, voltado para os reis, príncipes,
magistrados e autoridades eclesiásticas responsáveis pelos destinos dos que se
achavam sob seu poder de mando” (OLIVEIRA, 1998, p.2).

O Conceito de Pedagogia em Comenius

Para o pedagogo Comenius, teologia e pedagogia dependem uma da outra, visto que a
educação deve conduzir à piedade e, por extensão, ao verdadeiro conhecimento de Deus. Co-
menius partia do pressuposto de que a educação é a salvação comum do gênero humano.
Segundo Lopes (1993), Comenius preconizava a necessidade da instituição escolar,
entretanto fazia severas críticas quanto à maneira como estava funcionando. O problema não
estava na instituição, mas em alguns princípios que deveriam ser melhorados ou reformula-
dos.
Comenius considerava a escola enfadonha, severa e a disciplina, exercida como panca-
das. Ele estava consciente de que a arte de ensinar e aprender fora, em grande parte, desco-
nhecida nos séculos anteriores.
Depois de uma análise dos métodos didáticos presentes nas escolas de sua época, Co-
menius considerou-os violentos, obscuros, confusos, duros e intricados, o que tornava a escola
ineficiente e local de tortura para a mente das crianças, castigando-as com coisas inúteis (op.
Cit.).
“Além disso, na educação da juventude, usou-se quase sempre um método tão
duro que as escolas são consideradas como os espantalhos das crianças, ou
as câmaras de tortura das inteligências. Por isso, a maior e a melhor parte
dos alunos, aborrecidos com as ciências e com os livros, preferem encami-

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nhar-se para as oficinas dos artesãos, ou para qualquer outro gênero de
vida”. (Comenius 1997:149).

Para Comenius a educação da juventude deve estar voltada para todas as coisas que
podem tornar o homem sábio, honesto e piedoso. Essa formação, em sua concepção, é a pre-
paração para a vida, portanto deve ser concluída antes da idade adulta. E seja tal que se desen-
volva sem severidade e sem pancadas, sem nenhuma coerção, com a máxima delicadeza e su-
avidade, quase de modo espontâneo.
Essa educação não deve ser cansativa, mas facílima: que aos exercícios de classe não
sejam dedicados mais de quatro horas, de tal modo que um só preceptor possa ensinar até cem
alunos simultaneamente com um trabalho dez vezes menor do que o atualmente necessário
para ensinar apenas um. (Comenius, 1997:110).
Em sua construção epistemológica, Comenius dividiu seu método em três partes dis-
tintas: a síntese, a análise e a síncrise.
Esses métodos, ainda que distintos, são na visão de Lopes (op. Cit.) complementares,
todavia, há, conforme Gasparin, uma ordem na utilização de cada um deles, para que se torne
um único método na sua forma de operar

[...] cabe ainda falar sobre o modo ou o método de apresentar os objetos aos
sentidos, para que a impressão seja dourada. O método deve ser extraído do pro-
cesso visual externo: para que se veja alguma coisa de modo correto é preciso
que: 1) o objeto esteja diante dos olhos; 2) não longe, mas a justa distância; 3)
não lateralmente, mas perpendicularmente aos olhos; 4) não emborcado nem
torto, mas direto; 5) de tal modo que os olhos possam ver antes o objeto em seu
conjunto; 6) e depois passar em revista as partes uma a uma; 7) seguindo certa
ordem do princípio ao fim; 8) depois se detendo longo tempo em cada parte; 9)
até que todas as coisas sejam conhecidas com as respectivas diferenças.
(Gasparin, 1994, p.237 apud. Lopes 2003).

Síntese

Para Comenius, o que for dado ao conhecimento seja dado antes de modo geral, e de-
pois por partes. A síntese é integradora e globalizante e torna imensamente vantajosa para
consolidar o conhecimento das coisas.
Na concepção de Comenius, o método sintético tem prioridade em relação ao analíti-
co, uma vez que o objetivo do método sintético é mostrar o todo, para depois compreender-
mos as partes.

Análise

Na concepção de Comenius, a forma correta de chegarmos ao conhecimento é median-


te a distinção das partes. Assim, a análise faz desaparecer a confusão e as trevas e faz perceber
as coisas clara e distintamente:

Devem ser conhecidas as partes de um objeto, inclusive as mais miúdas, sem


negligenciar nenhuma, respeitando-se a ordem, a posição e os nexos recíprocos.
Nada é inútil, e ás vezes nas partes menores reside a força das maiores.
(Comenius, 1997, p.240).

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Entretanto, somente a análise e a síntese não são suficientes para garantir a eficiência
da ação docente e discente em sua totalidade, é necessária também, a síncrise.

Síncrise

A palavra síncrise procede etimologicamente dos elementos gregos syn, que expressa a
ideia de simultaneidade, podendo ser traduzida por “com, juntamente”, e de crinein, e de cri-
nein, cujo sentido básico é “determinar, julgar, comparar, decidir”. Trata-se conforme Lopes
(op. Cit.) de um método que confronta duas ou mais ideias, ou realidades, buscando compre-
endê-las dentro de uma totalidade.
Para Comênio, o método sincrítico consiste na ação da mente que compara uma coisa
com outra, fazendo-as passar por um crivo a fim de separar, discernir o que é o melhor de to-
do resto (Gasparin, 1994).

A natureza

A metodologia comeniana baseia-se totalmente na natureza. Ele a denomina de


“método natural”. É o primeiro autor que confere a natureza um papel pedagógico. Em sua
concepção, o conhecimento e a pedagogia devem ser construídos mediante a observação da
natureza.
Comenius critica severamente muitas das situações do processo ensino-aprendizagem
daquela época, o que, diga-se de passagem, encontra-se presente em escolas de hoje.
Na realidade, até agora as escolas nada fizeram para que as mentes se habituas-
sem a robustecer-se sobre suas próprias raízes, como fazem as árvores novas,
mas ensinaram-lhes a cobrir-se apenas de raminhos arrancados de outros lugares
e a vestir-se de pena alheias [...]. Ou seja, não mostrando as coisas como são por
si e em si, mas apenas o que disto ou daquilo pensa ou escreve fulano, sicrano,
beltrano etc. [...] Ocorre então que a maioria outra cosia não faz se não adejar de
um autor para outro, respingando frases, máximas, opiniões, atulhando-se de
uma ciência que não passa de uma manta de retalho. (Comenius, 1997, p. 190).

Comenius declara que a educação deve ser oferecida desde a tenra idade. Podemos ver
em seu ideal um dos precursores na defesa da educação infantil.
Deve-se dar inicio à formação do homem durante a idade primaveril, ou seja,
durante a infância (de fato, a infância é o símbolo da primavera; a juventude, do
verão; a virilidade, do outono; a velhice, do inverno), as horas matinais são as
mais propícias aos estudos [...]. Tudo o que será aprendido deve ser disposto
segundo a idade, para que nunca se ensine nada que não possa ser compreendi-
do. (Comenius, 1997, p. 148).

Comenius assevera que a escola ideal deve ensinar aos homens não somente para as
ciências, mas principalmente, para a vida piedosa. Nisto consiste que “nada se aprende apenas
para a escolaridade, mas para vida, de tal sorte que, deixada a escola, não seja tudo levado pe-
lo vento” (Comenius 1997, p.227).
Para Comenius. ensinar para vida é relacionar os conteúdos escolares com o cotidiano.
Esta, aliás, é uma das bases educacionais na Didática Magna.
Como vemos, a associação entre educação e o cotidiano do educando já fora algo pen-
sado por este brilhante autor. Comenius propõe que o professor deve utilizar todos os meios
possíveis para que a aprendizagem se realize de modo completo e global, visto que a natureza
ajuda a si mesma de todas as maneiras que pode.

19
Na visão de Comenius, o livro didático deve partir de alguns princípios: partir de prin-
cípios simples para complexos; deveria ser escrito em uma linguagem familiar e comum; de-
veria ser elaborado em forma de diálogo; Haveria uma necessidade de uma representação.
Sendo assim, Comenius propõe que, também nas salas, deveriam ser pintadas, nas paredes,
resumos ou ilustrações de textos com os quais os sentidos, a memória e o intelecto dos alunos
poderiam se exercitar.
A escola, por sua vez, deve ser um lugar tranquilo, bonito, bem iluminado, limpo, or-
nando por pinturas, retratos de homens ilustres, mapas, recordações históricas ou emblemas.
Deve haver, fora dela, nas imediações da escola, um espaço não só para brincar e andar, mas
também um jardim onde seja possível levar os alunos para que aprendam a admirar árvores,
flores, relva.

“A escola, portanto, erra na educação das crianças quando elas são obrigadas a
estudar a contragosto. [...] é imprescindível despertar nas crianças o amor pelo
saber e pelo aprender [...]. Nas crianças, o amor pelo estudo deve ser suscitado e
avivado pelos pais, pelos professores, pela escola, pelas próprias coisas, pelo
método, pelas autoridades”. (Comenius, 1997, p. 168-169)

Comenius é também um dos precursores do que podemos chamar de “educação dialó-


gica” que, embora reconheça a diversidade entre professor e aluno, nivela-os frente à comple-
xidade do objeto de conhecimento.

Desde o período da Idade Média os alunos tiveram uma aversão à educação,


haja vista as escolas da época em geral terem como praxe castigar os alunos
desidiosos ou indisciplinados. Isso não é somente algo daquele momento histó-
rico. Em pleno século XIX em nosso Estado (Ceará) podia faltar tudo, mas a
palmatória era infalível e tão ativa ela que se constituía o terror dos meninos.
Além desse instrumento de tortura, havia os seguintes castigos: ficar de joelhos,
no chão ou sobre uma mesa, com o rosto no canto da parede, ou não; ficar de pé
sobre o pavimento ou sobre uma mesa; às vezes com uma cadeira na cabeça,
dentro do salão de aulas, ou à porta da rua, par que os transeuntes vissem o cul-
pado sustentar uma tabuleta com o letreiro – eu sou um estudante vadio e pre-
guiçoso. Quando falamos em pedagogia do amor não estou trazendo nenhuma
novidade, pois no século XVI houve um educador que pensava além de seu
tempo. Em seu pensamento ele imaginava uma escola que visasse despertar nos
jovens o prazer e o valor pela vida. João Amós Comênio, considerado por mui-
tos autores como o pai da didática, via a importância de trabalhar o aspecto cog-
nitivo e afetivo dos jovens, algo que para a época era tabu. É imprescindível que
a educação leve em conta os conhecimentos prévios do educando fazendo-o
reconhecer sua cultura e conhecimento, somente assim sua leitura de mundo irá
ser complementada com a leitura da palavra. Nesta fundamentação o discente
elevar seu saber da doxa (senso comum) ao conhecimento organizado, ou seja, a
episteme. (COSTA, 2008 p. 32).

O Conceito de Teologia em Comenius

Para compreender o conceito de Teologia em Comenius é necessário atentarmos para


o aspecto antropológico com que ele constrói epistemologicamente seu pensamento. A con-
cepção teológica de Comenius a respeito do homem abrangia os seguintes aspectos:
1) a criatura mais perfeita de Deus, destinada a ser senhora das outras; “E disse Deus:
façamos o homem à nossa imagem, conforme à nossa semelhança; domine sobre os peixes do

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mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra”. (Gên. 1.26) 2)
dotada de livre-arbítrio para escolher e fazer; 3) por isso, provido da luz da razão para se ori-
entar com prudência em suas escolhas e ações. Esta, por certo, é a noção geral, mas funda-
mental, de homem porque lhe atribui todos os predicados necessários [...] (Comenius 1997,
p.240).
Então, conforme vimos, sua concepção quanto ao homem é a de que este é um paraíso
de delícias para Deus enquanto se mantiver no lugar que lhe foi determinado. (Comenius,
1997, p.22).
Todavia, com a queda do homem, registrado em Gênesis 3, o gênero humano dói lan-
çado na solidão da terra, despojado das abundâncias do paraíso, e o nosso corpo ficou à mercê
da dor (idem, ibidem).
Além da visão do homem como um ser criado por Deus, Comênio apresenta-nos, em
segundo lugar a ótica naturalista do rei da criação: “A princípio, com efeito, o homem nada é,
como nada era ab eterno; começa a desenvolver-se somente no útero materno, a partir de uma
gota de sangue paterno. Que é, portanto, o homem no princípio? Matéria informe e bruta. A
seguir, assume os movimentos. Depois, começa a se mover e, por força da natureza, vem à
luz... (1976:84 apud. Gasparin 1998).
Para Comenius, a educação é a salvação para o gênero humano, somente através do
ensino o homem, pós a queda, poderia ser restabelecido como paraíso de delícias para o seu
criador.
Para Comenius, essa educação abrangia a instrução, a moral e a religião. Essa trilogia
fundamenta a concepção de homem, direciona toda a proposta educacional de Comenius e
perpassa toda a sua obra como sendo o fio condutor, o leitmotiv da realização humana. Con-
forme Gasparin, para esse tema convergem todos os demais: elementos tais, como a escola, a
família, a didática, o método, os professores, os livros etc.
A trilogia é uma das características do pensamento comeniano. Conforme aponta Gas-
parin, é uma visão de mundo que concebe, analisa e trabalha toda realidade na perspectiva do
triádico. Ela está presente quando se refere ao mundo sobrenatural, bem como ao tratar do
mundo intelectual e do mundo prático.
Portanto, posso perceber que o tricotômico pensamento de Comenius contrapõe-se ao
dualismo filosófico de origem platônico-aristotélico. Consequência direta de sua teologia, de
sua fé na Bíblia como fonte segura de conhecimento, não excluindo outras fontes de ordem
filosófica, ou da observação, ou da experiência.

Considerações Finais

Creio que está correto o adágio “Regredir a Comenius é progredir”. Afinal, além de
ser precursor na defesa da democratização do ensino, Comenius elaborou sua didática univer-
sal em um período que guarda similitudes com o presente.
Com este estudo não pretendo transpor ou adaptar as soluções propostas por Comenius
para os problemas atuais da educação e da didática, mas, como afirmou Gasparin (op. Cit.),
saibamos apreender como podemos encaminhar as necessidades e os desafios que a prática
social e a educacional determinam.
Particularmente, estudar a obra de Comenius é gratificante. Um homem que conseguiu
pensar além de seu tempo, muito embora preso a escolástica. Como Teólogo e Filosofo conse-
guiu deixar sua contribuição a sua geração e a vindoura. Evidente que existem questões mais
amplas e abordagens que potencializam uma leitura mais ampla da relação do ser humano
com Deus e a natureza na atualidade. Entretanto, não podemos deixar de exaltar o contributo
importante que nos legou Comenius em seu contexto de vida.

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Referências Bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA, Ed. revista e corrigida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1987.
COMENIUS, J. A. Didática Magna. 4ª ed. Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, [s.d.].
______________. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
COSTA, Jairo Cardoso. Pedagogia do Amor. O Povo, Fortaleza, 12 de outubro, 2008, Espiri-
tualidade, p32.
GASPARIN, J.L. Comênio ou a arte de ensinar tudo a todos. Campinas: Papiros, 1994.
_____________.Comênio: a emergência da modernidade na educação. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 1998.
LOPES, E.P. O Conceito de Teologia e Pedagogia na Didática Magna de Comenius. São
Paulo: Editora Mackenzie, 2003.
OLIVEIRA, J.R. Educação dos excluídos: dádiva ou dívida? Rio de Janeiro, Eduerj, 1998.

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40 anos da Pedagogia do Oprimido: As contribuições de Freire para a Educação de Jo-
vens e Adultos*.

“A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a pedagogia dos homens empe-


nhando-se na luta por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos
próprios oprimidos, que se saibam ou cometam criticamente a saber-se o-
primidos, um dos seus sujeitos.”Paulo Freire

Em 1968 nascia uma obra que iria revolucionar o modo de ver a educação, particular-
mente aquela voltada para adultos, a educação popular, das massas e dos excluídos. Até então,
naquela época (década de 1950 e 1960), nosso país tinha um índice descomedido de analfabe-
tos. O analfabetismo, nesse período, era avaliado como principal fator que impedia o
„desenvolvimento‟ do Brasil. Tal análise gerava um enorme preconceito contra o analfabeto.
A Pedagogia do Oprimido tem suas raízes empíricas nas experiências vividas no período
que antecede 1964. Suas raízes epistemológicas se forjaram na história da formação social,
econômica e política brasileira, nas ideias de Marx, Engels e Lênin e de outros autores mar-
xistas, como por exemplo, Gramsci, e ganhou força junto com o movimento da Teologia da
Libertação, que surgiu primariamente na América Latina. Para Paulo Freire, esta teologia en-
fatiza o papel do ser humano como autor na luta permanente contra a opressão e a injustiça
social pela criação do Reino de Deus na Terra.
Podemos dizer que Paulo Freire revolucionou o processo pedagógico; pode-se inclusi-
ve afirmar que em nosso país houve uma educação de adultos antes e depois dele. Foi quase
uma revolução coperniana, pois até então, o adulto não-escolarizado era percebido como um
ser imaturo e ignorante, que deveria ser atualizado com os mesmos conteúdos formais da es-
cola primária (ações e características da educação infantil), percepção esta que reforçava ain-
da mais o preconceito contra o analfabeto.
Com o aparecimento de Freire no cenário educacional brasileiro, isto mudou radical-
mente. Ele partia do seguinte pressuposto: “Todo mundo sabe”, “Não há saber maior ou saber
menor, o que há são saberes diferentes”. Até aquele momento o alfabetizando não era ouvido,
pois era considerado como uma tabula rasa, na qual os alfabetizadores depositavam o conteú-
do a ser memorizado. Já com a Pedagogia do Oprimido era preciso ouvir a voz de quem vem
à escola para ensinar a partir da realidade deles.
Esse quadro de renovação pedagógica deve ser considerado dentro das condições ge-
rais de turbulência do processo político daquele momento histórico. Intensa movimentação
dos setores médios e de parte das camadas populares. Ou seja, ampliavam-se as manifestações
populares, os governos de Jânio-Jango favoreceram a efervescência deste clima.

_____________________________________
* Trabalho apresentado no XVI ENOEPE – Encontro Norte e Nordeste de Estudantes de Pe-
dagogia em Belém do Pará.

23
Foi dentro dessa conjuntura que os diversos trabalhos educacionais com adultos passa-
ram a ganhar presença marcante. Por meio desta nova metodologia de ensino, Freire contribu-
ía para que os oprimidos pensassem criticamente, refletissem. Deste modo a educação de a-
dultos ía além das preocupações existentes com os aspectos pedagógicos do processo ensino-
aprendizagem.
Só para termos noção de dados, somente no Nordeste temos “cerca de 15 milhões de
analfabetos para uma população de 25 milhões de habitantes” (WEFFORT IN FREIRE, p.10
apud. SABOYA 1980). Destarte, Paulo Freire, compromissado com as classes populares e,
por isso, extremamente atento com os índices de analfabetismo no país, lançou um novo para-
digma teórico de educação, que marcou o início dos anos 1960 e rompeu com a ideia de que o
analfabetismo era a causa da pobreza e da falta de desenvolvimento do país. Com um olhar
crítico, percebia que o analfabetismo era um dos frutos desta sociedade capitalista excludente.
Entre 1959 e 1964 houve vários movimentos, campanhas e programas no campo da
educação de adultos. Podemos citar entre outros: o Movimento de Educação de Base, da
CNBB; O Movimento de Cultura Popular do Recife; a Campanha De Pé no Chão Também se
Aprende a Ler, da Secretaria Municipal de Educação de Natal; e, também, o Programa Nacio-
nal do Ministério da Educação e Cultura, que contou com a participação do professor Paulo
Freire.
O educador Paulo Freire, inquieto com o problema do analfabetismo e da pobreza no
Brasil, dirigiu-se sempre às massas que alguns supunham “fora da história”. Este educador, a
serviço do esfarrapado, dirigiu-se sempre ás massas oprimidas, acreditou em sua liberdade,
em seu poder de criação e de crítica, enquanto os políticos só se interessavam por esta popula-
ção na medida em que ela pudesse, de alguma forma, se tornar manipulável dentro do jogo
eleitoral. Paulo Freire estabeleceu, a partir de sua convivência com o povo, as bases de uma
pedagogia em que tanto o educador como o educando, seres igualmente livres e críticos, a-
prendem no trabalho comum de uma tomada de consciências da situação que estão vivendo.
Em pleno século XXI esta realidade é ainda nefanda. Segundo IBGE (2000), mais de
1,7 milhões de cearenses não sabem ler nem escrever. Desse total, 326 mil são jovens entre 8
e 29 anos. Além do analfabetismo absoluto, o Estado enfrenta também o analfabetismo fun-
cional, ou seja, a incapacidade de se compreender um texto escrito. Muitos alunos são aprova-
dos para séries mais avançadas sem ao menos serem alfabetizados neste sentido.
Conforme notícia veiculada no Jornal O Povo, no dia 12 de abril de 2007, em todo o
Ceará, o número de analfabetos é de 1.767.470, de acordo com o Pnad. Em Fortaleza, 431.169
pessoas estão nessa situação. A grande maioria dos cearenses não alfabetizados concentra-se
na faixa etária acima de 30 anos. São 1,1 milhão de pessoas que, por vários motivos, não tive-
ram acesso à alfabetização. Esse número aumentou, se comparado com o levantamento feito
pelo IBGE no ano anterior, 2004, que registrava 1.682.437 analfabetos.
Necessitamos fazer uma reflexão para percebemos os condicionantes históricos que
produzem, ainda no século XXI, (século que se iniciou, diga-se de passagem, com um feno-
menal avanço da tecnologia, sob o simbolismo do “mundo globalizado” e da idílica sociedade
pós-moderna) as condições que levam a ter quase um terço da população brasileira com níveis
de escolaridade abaixo do ensino fundamental. Realidade que se contrapõe à crença tão disse-
minada, segundo a qual estamos vivendo na chamada “sociedade do conhecimento”. Nesse
contexto de números ainda tão alarmantes, faz-se necessário lembrar o que dizia Paulo Freire
em meados do século XX:

“É um absurdo que estejamos chegando ao fim do século, fim de milênio, os-


tentando os índices dos que ou das que, mal alfabetizadas, estão igualmente
proibidas de ler e de escrever, o número de crianças interditadas de ter escola-
rização e que com tudo isso convivamos quase como se estivéssemos aneste-
siados (FREIRE, 2003; 135).”
24
A Pedagogia do Oprimido contrapõe-se à concepção bancária de educação porque,
nesta perspectiva, a educação se torna um ato de depositar. Como bem expressa Paulo Freire,
em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e deposita sobre os educandos, me-
ras incidências, que recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a educação
“bancária”, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guardá-los e reproduzi-los. Freire entendia que a educação problematizadora e li-
bertadora só poderia se estabelecer a partir do desvelamento e desmonte da concepção e da
prática bancária de educação.

(...) o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito,
cuja tarefa indeclinável é "encher” os educandos dos conteúdos de sua narra-
ção. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em
que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas
dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma
em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. (Freire, 1987, 73).

Paulo Freire elabora sua tese num estudo antropológico do ser humano, valorizando-o
em seu aspecto ontológico de ser mais e epistemológico, levado pela curiosidade de compre-
ender a razão de ser das coisas. Ele estima em seu discurso a dialogicidade na relação de seres
cognoscentes mediados por saberes e movidos por um compromisso com as transformações
pessoais e coletivas. Práticas que, para serem desenvolvidas, necessitam que conheçamos os
nelas envolvidos e como deve se dar o relacionamento entre eles.
A pedagogia do oprimido valoriza o educando como autor de seu próprio conhecimen-
to, considerando-o como um ser criador em potencial, isto é, aquele que é capaz, sabe aonde
quer chegar, e assim poderá se tornar uma pessoa que tem consciência de sua ação no mundo,
que a partir de si próprio constrói a história e transforma o mundo.
Neste sentido a Pedagogia do Oprimido expressa uma educação libertadora, problema-
tizadora; como está explicitado, já não pode ser um ato de depositar, ou narrar, ou de transfe-
rir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da
educação “bancária”, mas um ato cognoscente ativo e próprio das relações.
Com isto, o papel do educador na perspectiva de Freire é, com respeito ao mérito da
paz com que viva, a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas os conteúdos,
mas também ensinar a pensar certo.
Na visão de Freire, pensar certo é contextualizar o que se lê com a realidade vivida
pelo que leitor(a), ou seja, estabelecer uma relação entre o que lemos e o que ocorre conosco
no nosso bairro, na nossa cidade, no nosso país, no mundo.
O amor pelos oprimidos é o que direciona a Pedagogia do Oprimido, pois sem este
sentimento não temos como ter a sensibilidade, a empatia de conduzir o oprimido a sua auto-
nomia e assim sua libertação como sujeito histórico.
Somente o amor nos coloca no lugar do outro. Eu me refiro à virtude da empatia. Ao
compartilharmos do mesmo sentimento neste ponto temos um mestre que nos ensina por ex-
celência, Jesus Cristo (O Mestre dos Mestres). Para sabermos nos colocar no lugar do outro
precisamos primeiro vê-lo, enxergá-lo sem preconceito, sem segundas intenções e sem inte-
resse próprio.
Uma educação que tem como princípio o amor não deve dar lugar ao autoritarismo,
nem muito menos utilizar a avaliação como reafirmação deste ato infame contra o educando.
Nem muito menos desvaloriza-lo por ser pobre ou incapaz quando, a bem da verdade, todos
são capazes, o que acontece é que foram tolhidos os seus direitos, e excluídos estão de certos
direitos básicos de sobrevivência.

25
O objetivo maior de Freire quando propôs a Pedagogia do Oprimido, para além de um
método para alfabetizar adultos era seu propósito propiciar formas de contribuir com a popu-
lação, em particular a analfabeta a organizar reflexivamente seu pensar de maneira a avançar
com suas reflexões e enfrentar o pensamento “mágico”, ingênuo, superado por meio de um
pensamento epistêmico que favorecesse no processo de tessitura dessa consciência crítica.
Para ele, em qualquer circunstância, numa sociedade opressora ou em processo de li-
bertação, educação deveria sempre ser concebida como um processo político e como ato de
criação do conhecimento.
Faz ainda necessário apresentar três categorias fundamentais para termos uma compre-
ensão inicial da teoria de Freire: o diálogo, a práxis e a conscientização. Paulo Freire acredita-
va fortemente numa educação dialógica em que, por meio do diálogo, o professor e os estu-
dantes deixam de existir de maneira dissociada e surge um novo termo: professor-estudante
com estudantes-professor. Por meio do diálogo se estabelecia o que Freire denominou de cír-
culo da cultura, no qual o diálogo se estabelecia dialeticamente.

O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pro-
nunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu- tu. Se é dizendo a pala-
vra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o transformam, o diálogo
se impõe como caminho pelo quais os homens ganham significação enquanto
homens. Por isto, o diálogo é uma exigência existencial. Somente o diálogo,
que implica num pensar critico, é capaz, também, de gera - lá. Sem ele, não há
comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A que, operando a supe-
ração da contradição educador-educandos, se instaura como situação gnosio-
lógica, em que os sujeitos incidem seu ato cognoscente sobre o objeto cognos-
cível que os mediatiza. (FREIRE, 1968).

Para além de aprender a ler e a escrever, deve-se levar em consideração uma oportuni-
dade para que mulheres e homens percebessem o que realmente significa dizer a palavra: um
comportamento humano que envolvia ação e reflexão. Neste momento, para Freire, a palavra
práxis entra em cena devendo ser entendida como a dialética entre a ação e a reflexão. Cabe a
educação libertadora, aqui conceituada num sentido extremamente amplo, a tarefa de contri-
buir com os indivíduos na elaboração e reelaboração dos conhecimentos, habilidades e valores
necessários para se tornarem inteiramente humanos. De forma que, tendo o domínio da leitura
e da escrita, tenham nas mãos o instrumento cultural, por excelência, propiciador de interven-
ções na realidade e consequentemente de colaboradores na constituição da sociedade que a
maioria deseja, ou seja, uma sociedade justa e solidária.
Para Freire, os homens se fazem na ação, na leitura da realidade e na expressão de sua
palavra, no trabalho, particularmente em seu aspecto ontológico, não alienado, como ocorre
comumente na sociedade atual, na ação e na reflexão e não no silêncio. A leitura e a fala se
dão no diálogo. Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo.
Nesta perspectiva Freire acreditava que (...) na medida em que os seres humanos atu-
am sobre a realidade, transformando-a, realizam-se e organizam a produção nesta ou naquela
sociedade, potencializando a superação do estágio de consciência condicionada e expressam
uma compreensão crítica desse mundo. Essa afirmação de Freire nos dar um desenho do que
seja a terceira categoria fundamental em sua teoria a conscientização, vejamos como ele a de-
fine:

A conscientização é isto: tomar posse da realidade; por esta razão, e por


causa da radicação utópica que a informa, é um afastamento da realidade. A
conscientização produz a desmitologização (...) é o olhar mais crítico possí-
vel da realidade, que a “des-vela” para conhecê-la e para conhecer os mitos

26
que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante
(Freire, 1980).

Freire defendia que toda prática educativa é, necessariamente, uma prática conscienti-
zadora. Ou seja, um processo em que pela leitura do mundo e a conseqüente leitura da pala-
vra, o ser humano vai paulatinamente transformando sua consciência ingênua em sua consci-
ência crítica.
É relevante a categoria da conscientização na concepção de alfabetização de Freire,
por intermédio dela é possível a emersão mais rápida e profunda desses níveis de consciência
alienada. Para que as massas possam se instrumentalizar com as condições necessárias para a
leitura da palavra e empreender formas de organização e luta em direção ao que, de acordo
com Gramsci, se considera como uma ação contra-hegemônica.
Vivemos numa sociedade predominantemente globalizada pela lógica do mercado e
do neoliberalismo, que atuam e se expandem como uma avalanche que vai deixando para trás
de si a fome, a miséria e a destruição material e moral dos povos do mundo inteiro. Com isso,
o mundo vive hoje um paradoxo: ao tempo em que vem se dando um estrondoso e galopante
avanço em relação à tecnologia e à modernização, como na época do feudalismo e da escravi-
dão, não se registra qualquer alteração significativa em relação às formas como os trabalhado-
res são concebidos e tratados, muito pelo contrário, a desempregabilidade e exclusão da pro-
dução consciente e do consumo, principalmente para os trabalhadores menos qualificados,
separa, dispersa e castra as formas de organização e diálogo entre os trabalhadores; fere a éti-
ca e desumaniza as relações afetivas e fraternas entre os povos.
Tudo isso se justifica por um discurso fatalista de que o desemprego e a miséria social
são inerentes aos processos de desenvolvimento e modernização das sociedades. Mascaram a
realidade de que, é antes de tudo, conforme Freire, uma globalização da economia e de avan-
ços tecnológicos dissociada da ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da
gulodice desenfreada de minorias que comandam o mundo. Mais do que nunca, a Pedagogia
do Oprimido, neste início de século, deve se fazer presente na educação, não só como preven-
ção da violência ou da criminalidade, mas principalmente por amor à vida e valorização da
cultura e dos saberes populares. Somente assim, teremos uma educação realmente democráti-
ca, ética e de qualidade para todos.

Referências Bibliográficas

_____________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários a prática educativa. 36ª edi-


ção – São Paulo: Paz e Terra, 2007.
_____________. Educação como prática da liberdade. 29ª edição – São Paulo: Paz e Terra,
2006.
_____________. Pedagogia da Esperança. 36ª edição – São Paulo: Paz e Terra, 2007.
_____________. Pedagogia do Oprimido. 36ª edição – São Paulo: Paz e Terra, 2007.

27
A contribuição da PER - Perspectiva Ecorrelacional para a Educação Ambiental e Edu-
cação Popular*.

“A Perspectiva Eco-Relacional - PER engloba a dialógica, a ecopráxis e a curiosida-


de epistêmica como uma integralidade indissociável, através da qual a tendência
ontológica do humano de „ser mais‟ se efetiva. A dialógica freireana, enquanto ins-
tância eco-relacional, se concretiza em relações horizontais balizadas pela fé no ou-
tro, instituída pelo afeto ao outro, viabilizada pela humildade e confirmada pela criti-
cidade”. Figueiredo

Introdução
O presente artigo pretende analisar a contribuição da Perspectiva ecorrelacional para a
Educação Ambiental. A PER se fundamenta nos estudos antropológicos de BRANDÃO
(1994), de forma mais particular, nos estudos que se referem à questão das relações sociais
entre humanos e não humanos, daí sua importância em relação à educação ambiental no cui-
dado com o meio sócio-ambiental.
Nos aportes de MATURANA (1998), podemos encontrar suporte para tratar da ques-
tão afetiva e da valorização do outro como legítimo e o outro nas relações; e, por fim, as con-
tribuições de MORAES (1998), ao destacar a dimensão relacional.
Para além da dimensão relacional e afetiva, conforme o pensamento de FIGUEIREDO
(2007) a PER traz ainda como metáforas categoriais fundamentais: a dialógica, a contextuali-
zação, a supra-alteridade, o saber parceiro, a compreensão do grupo-autor autor-grupo, as
multilinguagens e a ecopráxis, que contribuem para edificar um projeto de formação integral,
axiológico, ontológico no ser mais.
Meu interesse por este tema deve-se a minha experiência como monitor da disciplina de
didática, ministrada pelo professor João Figueiredo, autor deste novo paradigma educacional a
PER.
Nesta perspectiva os estudantes passaram a ter mais confiança em si mesmo e nos ou-
tros, e começam a perceber a compreensão da lógica do processo, de que o fundamental não é
ter domínio do caminho e sim a compreensão epistemológica do caminhar.
Nas observações constatei que, desde o primeiro dia de aula, o Professor João Figuei-
redo possibilitou aos discentes o diálogo na edificação coletiva e dialógica do desenvolvimen-
to da disciplina.

Nas aulas, não se priorizou o ensino em sua forma mecânica, com a reprodução de co-
nhecimento que não tivesse significado para os estudantes. Buscou-se, pelo contrário, o estí-
mulo à práxis criativa, produtora de conhecimentos, a curiosidade para o fazer, agir, pensar,
solucionar problemas, articular temas e assuntos vinculados à realidade, à natureza, à socieda-
de.
Isso foi importante para eles enquanto estudantes, bem como futuros professores, le-
vando-os a olhar a realidade no aspecto de totalidade, considerando o meio-ambiente, a comu-
nidade, o aspecto político-social.

______________________________________________
* Trabalho apresentado no IV Fórum Mundial de Teologia e Libertação no Estado de Belém
do Pára.

28
Breve Trajetória da Educação Ambiental

Segundo Figueiredo (1999, 2003), constatou-se que nos anos 50-60, o ambiente era
visto como um componente a mais no processo pedagógico. Nasceu efetivamente, na década
de 1960, o movimento ambientalista. Uma de suas marcas foi o livro Silent Spring, de Rachel
Carson.
Outro ponto destacado por Figueiredo é a fundação neste mesmo ano do Clube de Ro-
ma, com a intenção de estudar e refletir sobre as questões econômicas e ambientais. Daí resul-
tou o primeiro texto de investigação científica tratando da temática ambiental. “Os limites do
conhecimento”, publicado em 1968. (Figueiredo, 2007).
Na década de 1970 tivemos a I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desen-
volvimento, ocorrida em Estocolmo – Suécia, que produziu a Declaração sobre o Meio Ambi-
ente Humano (1972). Ali estiveram reunidos representantes de 113 países junto aos quais a
ONU pretendeu estabelecer uma visão global e princípios comuns que servissem de norma à
humanidade para a preservação e melhoria do ambiente humano.
Outros eventos foram destaques logo após este incentivo por parte da ONU, dentre
eles foram: Encontro Internacional sobre Educação Ambiental (1975), que redundou na Carta
Belgrado; I Congresso Mundial de Educação Ambiental (1977), que gerou a Declaração da
Conferência Intergovernamental de Tbilisi sobre a Educação Ambiental; em 1983 é publicado
o Relatório Nosso Futuro Comum, proposto pela ONU; no ano de 1992 ocorre no Brasil a E-
CO 92, no Rio de Janeiro, geradora da Agenda 21, na qual mais uma vez a Educação Ambien-
tal tem lugar de destaque aparecendo no capítulo 36. Foi requerido que cada nação e estado ali
representados elaborassem sua agenda 21. O último documento da década de noventa, elabo-
rado para a Educação Ambiental, foi a Declaração de Tessalônica, na Grécia em 1997. No
Brasil, a I Conferência Nacional de Educação Ambiental realizada em Brasília no ano de
1997, produziu a Declaração de Brasília para a Educação Ambiental (MMA, MEC, 1997).
(Figueiredo, 2007).
Nos dias atuais a Carta da Terra (Conselho da Terra, 1998) oferece uma inovadora e
aberta consolidação do processo que, certamente, pode contribuir para uma leitura de mundo
identificada com uma perspectiva aqui denominada de ecorrelacional e com uma atitude de
solidariedade para com todos os seres, para com a Terra.

A Perspectiva Ecorrelacional - PER

“Coisas isoladas não existem, existem apenas rela-


ções” (FIGUEIREDO, 1999).

O mundo todo passa por sérios problemas ambientais; é uma crise não somente econô-
mica, mas ecológica e social. Como afirmou Boff, é, acima de tudo, uma crise de humanida-
de.
Cerca de 50 milhões de brasileiros não dispõem de água de boa quali-
dade em suas casas, e mais de 90% dos esgotos não recebem tratamen-
to, indo direto aos rios. (DIAS, 1994b apud. Figueiredo, 2007).
Segundo Figueiredo (2003), a PER é uma tentativa de avançar com a Holística e o E-
cocêntrico, inserindo neles, de modo radical, a dimensão social, política e ecológica. Destaca
que a dimensão relacional permite que enfoque a própria dinâmica da vida, em sua abrangên-
cia e complexidade-simples.

29
Pela sua etimologia o termo ecológico significa: o cuidado, o zelo e a organização do
lugar, da casa ou habitação onde vivemos o mundo, incluindo os seres vivos humanos e não
humanos (plantas, animais etc.).
Para tanto Figueiredo aponta algumas metáforas categoriais que, segundo o autor, po-
tencializam vantagens interessantes para a educação contemporânea. Tal como, aprender a
valorizar o saber do(a) outro(a) no partejar do saber parceiro, que frutifica no seio da supra-
alteridade.
Inicialmente o autor chama de supra-alteridade o respeito à diversidade e pluralidade de
idéias e manifestação do outro diferente e por isso mesmo capaz de enriquecer o saber anteri-
or de cada um dos dialogantes. Envolve a dimensão cognitiva, afetiva, sensória e intuitiva.
O autor epistêmico traz a noção de que todos os envolvidos nas relações são simultanea-
mente autores aprendentes e ensinantes, capazes de reconstruir e construir novos conhecimen-
tos e saberes.
Grupo-sujeito – sujeito-grupo é um “conceito” que amplia na conveniência de se valo-
rizar tanto o grupo como os que compõem o grupo, com igual valor e importância; tanto os
interesses individuais quanto coletivos.
A eco-práxis é a ação refletida que considera o contexto mais amplo e todas as inter-
relações presentes e influentes, direta ou indiretamente, no ato e na reflexão. Amplia continu-
amente o horizonte de reflexão.
Ecopráxis é proposta ao se reconhecer a convivência de avançar como o concei-
to de práxis na direção de uma ação-reflexão mais ampla, que identifica à neces-
sidade permanente de alargar os horizontes, de permanecer aberto para as múlti-
plas influências e conseqüências simultâneas que ocorrem em torno da palavr-
ação. (FIGUEIREDO 2007, p.61)

A transposição informacional é a possibilidade de transitarmos com informações oriun-


das de múltiplas esferas e dimensões, desde que respeitamos a sua origem, significados múlti-
plos, o contexto de uso e a intencionalidade de sua utilização (FIGUEIREDO 2007).
A contextualização é o reconhecimento da importância do cotidiano do educando, que
através desse ganho possibilita a aprendizagem, viabilizando que se torne saber aplicável no
cotidiano (op. Cit).

A “perspectiva Ecorrelacional” (PER) é um neologismo proposto para atender


ao anseio de avançar com a perspectiva ecocêntrica numa ruptura epistemológi-
ca na direção de uma perspectiva mais ampla e abrangente e principalmente
pode ser caracteriza por alguns eixos fundamentais:
1) Prioriza o “relacional” como contexto básico e as relações como princípio do
real;
2) o termo “eco”, reforça a conjuntura ecossistêmica, as interações sociais entre
o vivo e o considerado não-vivo da natureza. Está interligada com o
“oikos” (morada), informando o contexto de manifestação das relações, o espa-
ço relacional. Tanto o micro quanto o macrocosmo são marcados pelas relações
universais. O próprio átomo, e mesmo as partículas subatômicas das quais é
composto, tem sua existência fundada nas relações intrínsecas. Os sistemas pla-
netários, as galáxias, o cosmos se mantêm por meio das suas inter-relações;
3) o “ecorrelacional” retrata o interativo de “tudo com tudo” e toda totalidade.
Na verdade é uma proposta que representa a compreensão do Universo, na qual
as totalidades são parcelas entremeadas, inseridas em totalidades ainda maiores,
estruturando, desde o nível mais simples ao mais complexo, uma ligação de in-
terdependência em busca da contínua co-evolução. Compreende como essencial
à dimensão efetiva, enquanto esfera propiciadora das grandes marcas evolutivas
da natureza. Desse modo, a amorização, fator que lhe caracteriza, significando o

30
respeito ao outro enquanto legítimo outro, torna-se o Elo capaz de produzir o
dever ser, na superação do ser em si, atualizando potencias latentes.
4) Explicita a complexidade e abrangência presente e representada no contexto
da evolução das formas de vida. Segundo, esse paradigma o ser humano é con-
cebido como uma unidade interativa: um todo interatuante, multidimensional
(inteligência cognitiva, emocional, cinestésica, intrapessoal e interpessoal), indi-
visível (corpo físico, sentimento e psique) embora interligado como o todo ao
seu derredor;
5) O argumento essencial dessa proposta é poder representar uma boa resposta
para a crise atual de paradigmas. O humano, enquanto ser que se edifica conti-
nuamente, tem na vivência sociopolítica o espaço privilegiado, na busca do e-
quilíbrio entre os interesses individuais e coletivos, em uma construção histórica
que inclui a transcendência;
6) Essa perspectiva crítica considera que toda amplitude, interior e exterior, ob-
jetiva, subjetiva e intersubjetiva se entrelaçam, se comunicam, podendo levar
desde o processo de sensibilização, “alfabetização” ecorrelacional, à prática e-
correlacional (ecopráxis);
7) A dimensão ética emerge como esfera essencial. Uma ética eco-relacional
que se estabelece no respeito à alteridade como legítima e importante no contex-
to da existência e da transcendência própria da coevolução. (FIGUEIREDO,
2007 p.59-60).

A Contribuição da PER para a Educação Ambiental e Educação Popular

“Entendemos que, para o [humano], o mundo é uma realidade objetiva, inde-


pendente dele, possível de ser conhecida. É fundamental, contudo, partirmos de
que o [ser humano], ser de relações e não só de contatos, não apenas está „no‟
mundo, mas „com‟ o mundo. Estar „com‟ o mundo resulta de sua abertura à rea-
lidade, que o faz ser ente de relações que é” (FREIRE, 2000; p. 47).

Figueiredo durante a concretização de sua tese associou Paulo Freire à Teoria das re-
presentações Sociais e à Educação Ambiental numa perspectiva popular e, desse modo, con-
tribuiu para o debate da problemática ambiental resultante da relação entre “Ser humano e Á-
gua”, que se apresenta como uma das grandes questões do século XXI.
Diante disso Figueiredo nomeou a educação ambiental de dialógica, definindo alguns
elementos axiológicos fundamentais no contexto de uma consciência ambiental, alicerçado
em uma ação ser humano-ambiente essencialmente relacional.
Na visão freiriana, o humano é um ser de relações plurais, por meio das quais se supe-
ra, humaniza-se, faz-se mais. Nas relações, o diálogo se faz existencial, com o sentido produ-
zido pela práxis e nela solidariamente compartilhado.
Figueiredo aponta, em sua tese, como indispensável na pesquisa, a valorização do ou-
tro como legítimo outro que se humaniza nas relações afetivas (MATURANA, 1998); a di-
mensão relacional pensada e vivenciada por Morais. (MORAIS, 1998); a superação de uma
leitura cartesiana das relações tradicionais com as esferas humanas próprias de algumas cultu-
ras autócnes (BRANDÃO, 1994).

Considerações Finais

Vivemos este momento histórico com a grande crise da civilização ocidental enraizada
no capital. É uma crise generalizada, mundial, de civilização, crise, no dizer de Figueiredo, do
projeto social humano assentado também na ciência moderna, pelas formas de construção do
conhecimento; utilizadas em apoio às estruturas de produção.

31
Pensar na perspectiva ecorrelacional é construirmos com o discente o desenvolvimento
de sua aprendizagem. Crente que isso é apenas o começo, despertou meu interesse em me a-
profundar nesta perspectiva e tentar transpor esse conhecimento para a práxis docente.
Ressalto a relevância deste meu aprendizado tanto para minha formação acadêmica,
bem como me levou a desconstruir e construir novos saberes acerca da educação ambiental e
da educação popular e desta forma ampliar meu saber com novos saberes, a saber que o mais
importante no processo não é o caminho em si, mas o caminhar.

Referências Bibliográficas

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Somos as águas puras. Campinas, SP: Papirus, 1994.
FREIRE, Paulo. Conscientização: Teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensa-
mento de Paulo Freire. São Paulo: Moraes, 1980.
_____________. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários a prática educativa. 36ª edi-
ção – São Paulo: Paz e Terra, 2007.
_____________. Educação como prática da liberdade. 29ª edição – São Paulo: Paz e Terra,
2006.
_____________. Pedagogia da Esperança. 36ª edição – São Paulo: Paz e Terra, 2007.
_____________. Pedagogia do Oprimido. 36ª edição – São Paulo: Paz e Terra, 2007.
FIGUEIREDO, João B. A. Educação ambiental dialógica: As contribuições de Paulo Freire
e a Cultura Sertaneja Nordestina. Fortaleza: edições UFC, 2007.
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizon-
te. UFMG, 1998.
MORAES, Edmundo Carlos de. Construção do conhecimento integrado diante do desafio
ambiental: uma estratégia educacional. In: NOAL, F. O. REIGOTA, M., BARCELOS,
Valdo H. L. Tendências da educação ambiental brasileira. Santa Cruz do Sul: EDUNISC,
1998.

32
Escola: O que reproduz? e o que produz?*

“Nunca haverá plena democracia no Brasil se a Escola Pública, que é a máquina que a pro-
duz, não funciona corretamente” Anísio Teixeira.

O objetivo deste artigo é apresentar uma reflexão inicial em torno da função exer-
cida pela escola para com sociedade, abrangendo a seguinte problemática: o que reproduz? E
o que produz? Segundo Althusser et al. o papel da escola consiste em transmitir a ideologia
dominante aqueles aos quais processa.
O grande pensador marxista italiano Antônio Gramsci, porém, nos diz algo dife-
rente sobre a escola e sua função: ela pode ser, em certa medida, transformadora, sempre que
possa proporcionar às classes subalternas os meios iniciais para que, após uma longa trajetória
de conscientização e luta, se organizarem e se tornem capazes de “governar” aqueles que as
governam. (MOCHCOVITCH, 1988, p. 7).
O interesse pelo tema é relevante não só por estes pressupostos, mas também, de-
vido ao fato de que a escola tanto reproduz quanto produz. Segundo Bernard, LAHIRE em
sua obra Sucesso Escolar nos meios populares, demonstra esta mesma perspectiva quanto ao
olhar da escola como produção. No Brasil a educação, historicamente, sempre esteve voltada
para os interesses da elite. Quando D. João chegou ao Brasil sua maior preocupação foi à cria-
ção da universidade. Tempos depois o governo federal assume esse papel deixando o ensino
infantil, fundamental e médio para as prefeituras e governos respectivamente.

A educação brasileira limitou-se ao longo de sua história, a tender aos


interesses das elites, visando formar entre elas os dirigentes, e tendo-
se voltado para o povo apenas nos limites da formação de mão-de-
obra e de inculcação ideológica para atender a escolha dos dirigentes
(SAVIANI, 1997, p. 56).

A educação das classes populares não foi prioridade no governo permeando um


ensino precário e professores mal remunerados.
Para Saviani, nestas circunstâncias, o papel da escola será preservar o tipo de soci-
edade prevalecente (os padrões dominantes) e garantir-lhes cada vez maior eficiência e produ-
tividade.
O que vemos hoje é resultado do passado, se não vejamos, muito embora, em nos-
so Estado 88% do total de alunos de ensino médio sejam das escolas públicas, eles são mino-
rias na UFC. No concurso deste ano segundo O Povo, eles representam apenas 15% dos apro-
vados (624 alunos). No vestibular de 2007, o percentual foi um pouco maior, chegando a 21%
(861 alunos). Podemos ressaltar ainda que no Ceará, segundo o Censo Escolar 2006 do Minis-
tério da Educação (MEC), a taxa de abandono na rede pública de ensino (19,8%) é 18 vezes
maior que a da rede particular.

______________________________________________
* Trabalho apresentado no III Encontro Internacional de Trabalho e Formação de Trabalhado-
res em Anais...

33
Por sua vez, Iael nos diz que a educação será utilizada como amortecedora do a-
nunciado e irrefragável confronto e conflito de classes que se desenhava, deslocando o proble-
ma do campo político-social e econômico-social para o educacional, como se a educação, por
si só, fosse capaz de resolver todos os problemas vividos e experimentados pela sociedade
brasileira. Todavia, isso não basta, como bem aponta a autora:

[...]numa estrutura social que mantém e se reproduz mediante a produção


social e apropriação individual dos bens e meios de produção, que são bens
e meios privados e privatizados por poucos e em benefício desses poucos,
excluindo e marginalizando a imensa maioria da população, tanto a brasilei-
ra quanto a mundial, basta estar na condição de força de trabalho, de classe
trabalhadora. (SOUZA, 2008, p. 28).

Há uma ideia difundida em boa parte dos educadores de que o papel da escola é
apenas o de adaptar as crianças ao meio social, Isto é, de ajustá-las as regras familiares, soci-
ais e ao exercício de uma formação da sociedade; ao contrario, deveria ser o de transformar a
realidade social, num papel contra-hegemônico. Quando um aluno não consegue aprender, e
abandona os estudos ou se interessa pouco pela escola, considera-se que são problemas indivi-
duais dele, descartando-se outras explicações como às condições sócio-econômicas, a desi-
gualdade social e a responsabilidade da própria escola. Está é a visão conservadora da escola.
Na verdade, entendê-la como meio da adaptação à sociedade é acreditar que esta é boa, justa,
que dá oportunidades iguais a todos; que o sucesso na vida depende somente do sucesso esco-
lar exclusivamente do esforço individual do aluno.
Não obstante, Libâneo (1992), aponta três razoes que rebatem esta visão. Primeiro,
porque numa sociedade marcada pela desigualdade social e econômica as oportunidades não
são iguais e muito menos são iguais às condições sociais, econômicas e culturais de ter acesso
e tirar proveito das oportunidades educacionais. Segundo, a educação não depende apenas do
interesse e esforço individual porque, por detrás da individualidade, estão condições sociais
de vida e de trabalho que interferem nas possibilidades de rendimento escolar. Terceiro, a es-
cola não pode ignorar que as desigualdades sociais são um real obstáculo ao desenvolvimento
humano e, por isso mesmo, precisa aliar sua tarefa de transmissão dos conhecimentos às lutas
sociais pela transformação do quadro social vigente.

A escola atual, que constitui expressão e manifestação do modo de produ-


ção capitalista, semelhante ao processo de trabalho realizado nesta socieda-
de, é enfadonho, repetitivo e desqualificadora. Se a escola estatal capitalista
é compatível com a base material produtiva que determina as condições de
existência do proletariado, não existirá reforma capaz de modificá-la. Tenta-
tivas nessa não passaram de sonhos. (FIOD, 1989, p. 20).

Desta forma, a escola reproduz a desigualdade social existente na sociedade. Os


filhos de operários não tem acesso ao ensino superior, voltando-se, então, ao ensino técnico
ou profissionalizante, em outras palavras tornando-se mais um operário.
A inculcação de valores inicia desde cedo quando as crianças são inseridas na es-
cola conforme Nosella em sua pesquisa As belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos
didáticos.

O aparelho escolar, ao desempenhar sua função de inculcação da ideologia


dominante submete a clientela tanto da classe dominante como, também, e
principalmente, da classe dominada, a uma visão de mundo em que a estru-
turação da sociedade em classes e a exploração de uma pela outra tornam-se
naturais. [...] A ação pedagógica desenvolvida na escola obriga os alunos a
34
interiorizarem ensinamentos e princípios, de maneira contínua e metódica,
formando neles um habitus, que permanece, mesmo quando cessa essa ação
pedagógica Tais ensinamentos e princípios, determinando esse habitus,
geram práticas e atitudes que favorecem o modelo socioeconômico-político
defendido pela classe dominante. (NOSELLA, 1989, p. 27,28).

Entre os fatores responsáveis dessa situação, muitos estudos e muitas pesquisas


têm apontado a baixa qualidade do ensino e a inadequação da escola aos jovens das camadas
populares que a frequentam majoritariamente. Seja porque desconhece esse publico, seja por-
que o professorado é submetido a condições de trabalho incompatíveis com a formação conti-
nuada e com aprimoramento pessoal, pode-se dizer que o ensino público no Brasil ainda não
garante aos seus alunos as condições necessárias e suficientes para o desenvolvimento de uma
relação significativa com o (s) saber (es), tão relevante para o êxito da aprendizagem.
Acredito que tanto a qualidade e a quantidade na educação podem e devem caminhar
lado a lado, ou seja, sendo um caminho, se não, vejamos o povo da camada popular precisa
ser educado, mas não da forma que hoje em dia temos a educação, isto é, onde os professo-
res não ensinam, e educadores que não educam. Há tempos no Brasil enfrentamos o proble-
ma do analfabetismo, seja o de indivíduos que não tiveram a oportunidade de aprender, seja
o de crianças que saem da escola não alfabetizadas.
A educação que os trabalhadores recebem visa principalmente prepará-los para o
trabalho físico, para atitudes conformistas, devendo contentar-se com uma escolarização defi-
ciente. Além disso, a minoria dominante dispõe de meios de difundir a sua própria concepção
de mundo (ideias, valores, práticas sobre a vida, o trabalho, as relações humanas etc.) para
justificar, ao seu modo, o sistema de relações sociais caracteriza a sociedade capitalista. Tais
idéias, valores e práticas, apresentados pela minoria dominante como representativos dos inte-
resses de todas as classes sociais, são o que se costuma denominar de ideologia. O sistema
educativo, incluindo as escolas, as igrejas, as agencias de formação profissional, os meios de
comunicação de massa, é um meio privilegiado para o repasse da ideologia dominante.

O papel da educação como ferramenta de desenvolvimento econômico é


uma ideia central a ser combatida, se efetivamente buscamos a transforma-
ção social. Ela reflete, implicitamente, a concepção de que o desenvolvi-
mento econômico, sob a forma de produção de capital e sua reprodução ne-
cessariamente ampliada, é o centro e o objetivo da vida social e, é claro,
deve constituir-se em objetivo principal do processo educativo. Uma educa-
ção sob este enfoque, centrado nas necessidades do capital, terá sempre ad-
jetivos restritivos que a tornarão dualista, socialmente desigual, e tendente
às perspectivas mecanicistas, funcionalistas e reificadoras dos indivíduos.
(ARRAIS, 2006, p. 32).

Como assevera ARRAIS, a educação não pode estar centrada nas necessidades do
capital, com perspectivas mecanicistas e funcionalistas, mas deve ser no interesse da emanci-
pação plena da classe trabalhadora, um processo humanizador de desenvolvimento de seres
integrais-plenos, possibilitando a realização de suas potencialidades pelo saber articulado ao
trabalho e à vida, levando-os à ruptura de seus limites, possibilitando o desenvolvimento de
toda sua potencialidade e anseios pessoais, solidariedade social e da liberdade. (Ibdem, p.33).

O ideal de formação humana completa, herdado do mundo helênico, enfra-


queceu à medida que o homem foi massificado, numa sociedade que deixou
de se perguntar sobre o fundamento e os fins últimos das coisas. Na prática,
uma racionalidade tecnocrática subordinou a ação educativa e, consequente-
mente, toda a formação humana, às exigências do mercado de trabalho, pau-
35
tando-se em critérios de produtividade, eficiência e racionalidade.
(OLINDA, 2004, p. 123)

A sociedade ocidental cindiu o homem em razão e sentimento com a supervalorização


do primeiro. O processo de industrialização não garantiu para a maioria o bem estar material,
moral e psicológico esperado. As sociedades modernas socializaram a ansiedade, stresse e
insegurança e nos legaram duas fontes de mal-estar, destacadas por Enguita:

[...]as necessidades artificialmente criadas pela publicidade cresceram mais


que nossa possibilidades; experimentamos uma sensação de fracasso, perda
de auto-estima e autoculpabilização pela não materialização do sucesso pro-
pagado pela idéia amplamente difundida da existência de oportunidades
para todos. (ENGUITA: 1995 Apud. OLINDA ibdem).

Professores e alunos dividem o espaço de uma sala, mas não se conhecem. Passam
anos muitos próximos, mas são estranhos uns para com os outros. Os animais não têm histó-
ria, pois não percebem que são distintos do mundo, mas o ser humano percebe essa diferença
e por isso constrói uma história e transforma o mundo (FREIRE, 2007). As escolas de peda-
gogia falham por não estimularem seus professores a se humanizarem em sala de aula. É fun-
damental humanizar o conhecimento, e primordial humanizar os mestres.

A escola deveria ser um canteiro de paz que pudesse despertar nos jovens o
prazer de apreender, levando-os a descobrirem o valor da amizade e do a-
mor. No entanto, é na escola que eles conhecem as agruras de estudar em
espaços deteriorados, sofrem com o descaso e desrespeito de tantos profes-
sores e funcionários, se irritam com aulas desinteressantes e exercícios sem
sentido. (COSTA, 2008, p. 48).

Portanto, saliento que a condição primordial para a realização de uma educação


emancipatória seria o desenvolvimento deliberado de se promover a capacidade de superar o
conformismo e a indiferença. Nesta perspectiva, segundo Adorno, no lugar da adaptação e do
adestramento, a ação escolar deveria desenvolver a autonomia. Essa é, portanto, a essência da
concepção adorniana de educação para emancipação. (ADORNO, 1995).
Vale ressaltar o conceito de emancipação de KANT em que este termo é o proces-
so de emancipação intelectual, resultado não apenas do processo histórico de superação da
ignorância e da preguiça de pensar por conta própria, mas, também, a capacidade de superar a
dominação de uma classe de opressores sobre a humanidade; a dominação política, econômica
e intelectual.
Analisando o lado oculto da instituição da escola fica compreensivo o entendimen-
to de como o capitalismo foi capaz de formar a escolarização. Segundo, ENQUITA isso foi
em virtude da forte influência sobre o poder político por parte das grandes empresas capitalis-
tas. Segundo, em grande número de iniciativa privada e, de preferência, como é lógico, as que
mais se ajustavam a seus desejos e necessidades. Terceiro, a escola sempre foi voltada para o
trabalho assalariado, por conseguinte, de boa ou má vontade, sua subordinação às demandas
das empresas. Em quarto, as escolas como organização tem elementos comuns como nas em-
presas que facilitam o emprego da primeira como campo de treinamento para as demandas.
Em quinto, as empresas sempre se mostraram como o paradigma da eficiência e gozaram de
uma sempre de uma grande legitimidade social, convertendo-se assim em um modelo a imitar
para as autoridades educacionais. E, por último, o autor aponta que as escolas de hoje não são
o resultado de uma evolução não conflitiva e baseada em consensos generalizados, mas o pro-

36
duto provisório de uma longa cadeia de conflitos ideológicos, organizativos e, em um sentido
amplo, sociais.

Que o objetivo da escola, ao contrário de seu discurso, não era ou havia dei-
xado de ser a instrução, é algo que havia sido colocado na polêmica entre os
métodos mútuos e simultâneos, na França, em princípios do século XIX. A
escola mútua havia mostrado ser capaz de ensinar o mesmo em menos tem-
po ou muito mais no mesmo tempo, e com uma maior economia de profes-
sores. Entretanto, o tempo veio a ser, não a variável dependente, mas a inde-
pendente. A questão não era ensinar um certo montante de conhecimento no
menor tempo possível, mas ter os alunos entre as paredes da sala de aula
submetidos ao olhar vigilante do professor o tempo suficiente para domar
seu caráter e dar a forma adequada a seu comportamento. (FERNANDÉZ
ENQUITA, 1989, p. 116).

É na sociedade de classes que surge a escola como espaço privilegiado do saber, des-
tinado para aqueles que detinham posse sobre propriedades e não precisavam trabalhar. Essa
relação é própria da Idade Antiga e Idade Média. Na modernidade, e, portanto com o capita-
lismo, o saber emerge como condição de possibilidade de manutenção do modo de produção
nascente. A educação escolar torna-se necessária ao padrão de acumulação que se instaura,
através do adestramento do trabalhador às funções e papéis estabelecidos pela institucionali-
dade burguesa e seu modo de produção capitalista. É através da educação escolar que a bur-
guesia busca manter sua condição de dominação, reproduzindo seus valores e visão de mun-
do.
Para Isaías, compreender a forma assumida pelo trabalho e suas exigências atuais, é
necessário compreender a forma societal vigente. A nossa sociedade está marcada por uma
profunda crise no conjunto dos valores, crenças, costumes, hábitos e representações em geral.
Tal crise é fruto da agressiva remodelação da nova organização de trabalho fundado em bases
tecnológicas cuja expressão tem sido a automação, a microeletrônica e a robótica. (BATISTA,
2004).
A saída para a crise hodierna tem duas configurações: uma política e outra econômi-
ca. No plano político, a exclusão é vista como fator natural numa espécie de “darwinismo so-
cial” submetido à lógica do mercado. É o Estado Mínimo. Na economia impera o economicis-
mo, pautado numa visão mistificadora e reificante do mercado como esfera fundamental de
regulação da sociabilidade em geral e das trocas sociais capazes de solucionar a crise posta.
(BRAGA, 1996, apud. ISAÍAS).
Ainda conforme Isaías, as modificações no mundo do trabalho têm gerado a necessi-
dade de um novo trabalhador. Ele tem que ter uma formação geral básica e sólida que o per-
mite ser treinado e retreinado conforme as exigências do mercado, subordinado à lógica da
exclusão social, cujas competências se definem pela capacidade de abstração, polivalência,
flexibilidade e criatividade, adequados às exigências da competição intercapitalista global.
A política neoliberal para a educação orienta-se pela lógica do mercado. Com isso a
educação de um direito público social, passa a ser caracterizada pela privatização, mercadori-
zação e massificação.
Como afirmei no início o governo federal reduziu sua esfera de ação transferindo de-
le a responsabilidade da educação básica entregando-a para o Estado e os municípios. E, por
outro lado, a decisão de fornecer subsídio do Estado à educação privada.
O Brasil vem seguindo à risca todos os preceitos ditados pelos governos mundiais
que controlam o capital, através de suas agências, no caso o Banco Mundial. A atenção à edu-
cação básica é um exemplo disso.

37
O Brasil assinou o “Plano de Ação” na Conferência de Jomtien (1990), que estabele-
cia que o ensino fundamental estivesse no centro das atenções. Emergiu então no cenário bra-
sileiro o discurso da prioridade da educação básica em que a formação docente é associada a
essa preocupação.
Evidencia-se uma definição da educação a partir de critérios técnicos gerenciais vin-
dos de fora. Luís Carlos de Freitas chama isso de influência neotecnicista na educação. Nesse
quadro se insere a formação de professores em serviço, como uma forma de reduzir o tempo
de formação que assume uma feição meramente pragmatista, o professor emerge então como
um prático de sala de aula.
A Conferência Mundial de Educação para Todos foi financiada pela UNESCO,
PNUD, UNICEF e Banco Mundial. Os 155 países que se comprometeram a assegurar uma
educação básica de qualidade para crianças, jovens e adolescentes.
Os nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo, dentre eles, Brasil, fo-
ram levados a desencadear ações para a consolidação dos princípios acordados na Declaração
de Jomtien.
Dentre as estratégias acordadas na Conferência, eis algumas: satisfazer as necessida-
des básicas de aprendizagem de todos, dar prioridade às meninas e mulheres, eliminando toda
forma de discriminação na educação, dar atenção especial aos grupos de desamparados e por-
tadores de necessidades especiais, incluir na educação o suprimento de necessidades referen-
tes à nutrição e à saúde.
Eis alguns dos procedimentos a serem adotados pelos nove países: promover um
contexto de políticas de apoio, mobilizar recursos financeiros, públicos, privados e voluntá-
rios, fortalecer a solidariedade internacional.
A UNESCO delineia a educação para o século XXI, Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI. O relatório Delors indica quais são as principais tensões a se-
rem resolvidas no próximo século: tornar-se cidadão do mundo, (cosmopolita) adaptar o indi-
víduo às demandas de conhecimento científico e tecnológico, conciliar a competição com a
cooperação e a solidariedade.
A educação nesta nova fase capitalista vem sendo pensada como meio estratégico de
prevenção da criminalidade e violência às classes subalternas. Como poderíamos citar o e-
xemplo do Programa Escola Aberta: Cultura de paz nas escolas e o projeto amigos da escola.
A educação aqui é apresentada como um “trunfo” para a “paz, liberdade e justiça social”, ins-
tância capaz de favorecer um “desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico” e
apta a fazer “recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as guer-
ras”. Numa perspectiva de controle social, contenção da perturbação do status quo da classe
hegemônica.
Para sobreviver na sociedade da informação ou sociedade cognitiva é necessário
que todos adquiram, atualizem e utilizem os conhecimentos. Conhecimento esse que é seg-
mentado, formatado o mínimo possível. O professor, tido como agente de mudança, é o res-
ponsável pela realização do ideário do século XXI.

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Considerações Finais

A educação escolar, de um modo geral, serve ao sistema, ou seja, se propõe a man-


ter a sociedade como ela está. Em nossa sociedade, pode-se notar que nas políticas educacio-
nais há a estruturação de um sistema escolar dual, ou seja, ele não é o mesmo para todos. Es-
pecificamente a educação voltada para as classes populares, a educação pública, as prepara
para atuar como simples mão-de-obra para o mercado de trabalho; - isso os que conseguem
um emprego -, tendo em vista que o modo de organização da produção e das relações de tra-
balho sob a égide do capital é bastante excludente, deixando milhões de desempregados em
todo o mundo inclusive nos países mais ricos. O que há é uma educação despolitizada, educa-
ção para a submissão, para formar o aluno padrão, isto é, aquele que é obediente, que não con-
testa nada, não faz perguntas, aceita facilmente as coisas etc. Infelizmente, a educação que
devia ser de qualidade para todos tem deixado muito a desejar: em pleno século XXI ainda
não dispomos, por exemplo, de professores bem qualificados e bem pagos e de escolas ade-
quadamente bem equipadas, o que seria fundamental para que as classes desfavorecidas de
nossa sociedade pudessem ascender socialmente através da educação e lutar contra as desi-
gualdades sociais, concentração de renda e de terra nas mãos de poucos.
Por fim, cabe a nós, educadores progressistas, atentarmos para o que afirmou FREIRE:

“O nosso papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas


também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não somos ape-
nas objeto da História, mas seu sujeito igualmente. No mundo da História,
da cultura, da política, constato não para me adaptar, mas para mudar. [...]
Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra
quem estudo?” (FREIRE, 2005, p. 77).

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Referência Bibliográfica

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41
Reflexões Sobre a Prática Docente

A Educação em nosso país perpassa um momento de mudança em que muitas concep-


ções e metodologias têm motivado diversas experiências docentes com resultados brilhantes,
mas infelizmente são realizações localizadas, sem abrangência nacional.
Em nível nacional o que temos visto é o atraso; não há um real apoio governamental
para a Educação no país. O que temos visto são dados quantitativos, muitas vezes mapeados,
que têm por objetivo quantificar os alunos.
Ao atuar como professor em sala de aula, pudemos enxergar um dado interessante: sé-
culos passados o docente exercia total autoridade em sala de aula, como citei no segundo arti-
go deste livro. Agora me parece que o poder fluiu do professor para o aluno, como se este fos-
se a prioridade governamental em termos quantitativos, sem levar em consideração a qualida-
de. Assim sendo, os discentes são ouvidos, se por um lado, eles não aprendem, por outro o
grande vilão são os professores, não importando as condições socioeconômicas vivenciadas
pelos mesmos.
Quanto mais alunos matriculados maior é a verba destinada à escola. Com isso eles po-
dem tudo. Nesse processo de mudança vemos uma inversão do modelo anterior em que o do-
cente exercia o papel autoritário em sala de aula. Neste modelo, o professor é subjugado pelo
aluno, uma vez que entre o discente e o docente a direção dá ouvidos ao primeiro.
Como introduzir informática nas escolas como prioridade para os alunos, se muitos dos
professores ainda não sabem sequer utilizar um simples computador?. O docente perdeu a vez
e a voz na escola o que por sua vez foi perpassado ao aluno.
Louvo Paulo Freire, cujas ideias de educação não só beneficiaram jovens e adultos, mas
também contribuíram para a educação em todos os níveis. Acredito que suas ideias foram mal
interpretadas. Segundo seu pensamento, professores e alunos aprendem em conjunto na con-
versação, ou seja, para que o diálogo se estabeleça ambos devem ter direito a vez e a voz. O
aprender e ensinar é uma parceria estabelecida entre o professor e o aluno juntos. Se não há
aprendizagem é que não houve esta parceria. Não pode haver um culpado, pois foi estabeleci-
da uma comunhão, um contrato um saber parceiro.
O que mais me incomoda é sermos usados como bode expiatório, como culpados por
falta da aprendizagem dos discentes. Se por um lado eles chegam ao ensino fundamental e até
mesmo ao ensino médio, por outro a grande contingência destes alunos não têm uma compre-
ensão leitora, muitos não sabem nem escrever uma redação que tenha começo, meio e fim.
Culpar-nos por isso é no mínimo bizarro; devemos fazer um breve resgate histórico e
lembrar que no início de nossa colonização a prioridade do governo foi a universidade, e não
o ensino das series iniciais, ou seja, o Brasil cresceu de cima para baixo. Investir nas séries
seria um primeiro passo para uma real transformação. Lembramo-nos de que até na década
de 50 nosso país tinha um grande contingente de analfabetos e que ainda hoje os analfabetos
totalizam 10%, somente em no Ceará são mais de 1 milhão.
Portanto, proponho um investimento pesado na carreira docente. Os professores devem
perceber um salário digno que os motive a verdadeiramente encarar o dia a dia com entusias-
mo, passando assim dar o máximo no trabalho. Por outro, que se estabeleça um elo entre os
docentes, coordenadores, diretores e secretarias das escolas. Para tanto é preciso que haja res-
peito, compreensão e principalmente amor e menos cobranças de todas as partes. Assim, e
somente assim, poderemos de fato ver uma educação de 1ª qualidade no Brasil, que reflita a
emancipação dos corpos docente e discente para que ambas as categorias atinjam a tão alme-
jada espiritualidade na educação.

42
Autor

Jairo Cardoso da Costa, cuja obra prima


é o livro Aprovado por Deus (2010), nasceu
em Messejana, Ceará, em 25 de dezembro de
1980, é funcionário público e Diretor da Asso-
ciação Jovens Evangélicos Servos do Senhor
dos Exércitos. Através desta entidade, o autor
coordenou os seguintes projetos: Educação,
Solução para o Brasil em parceria com o BNB
– Banco do Nordeste do Brasil e a ALFALIT –
Evangelização através da Literatura (2002); o
PROADEJE – Programa de Apoio ao Desen-
volvimento Espiritual do Jovem Evangélico
(2003) cujo objetivo é conceder aos que são
considerados a força da Igreja, os soldados da
linha de frente do Senhor, todo amparo neces-
sário para realização dos seus projetos de vida. É fundador do jornal Voz do Povo, veículo de
comunicação, por meio do qual conscientiza, edifica e evangeliza as pessoas do meio cristão e
da sociedade. É formado em Pedagogia pela UFC - Universidade Federal do Ceará e exerce a
função de professor efetivo da Prefeitura Municipal de Eusébio. Escreve artigos para o Jornal
O Povo (Espiritualidade). É Agente de Leitura pela SECULT – Secretaria de Cultura do Esta-
do do Ceará.

E-mail: jairocardoso_ufc@yahoo.com.br, jairocardoso.ufc@gmail.com

MSN: jairocardoso11@hotmail.com

Blog: www.aprovadopordeus.blogspot.com
Contato: (085) 87629435 / (85) 96576832

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