Você está na página 1de 6

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO
JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
PROFESSOR: ROGERIO PACHECO ALVES
ALUNA: LAURA BRANDÃO OSÓRIO SILVA - 120007032

Resenha crítica do texto “Direito e Backlash” de Samuel Sales Fonteles

Os fragmentos disponibilizados do livro “Direito e Backlash” possuem uma


linguagem simples e uma organização na forma de passar o conteúdo - em “tópicos” de
temas demonstrados com vastos exemplos - que instiga o leitor e torna a leitura mais
agradável. No primeiro capítulo, o autor discorre sobre a origem, a evolução e as
variadas abordagens acerca do conceito de backlash. Para isso, é realizada uma
decomposição analítica do fenômeno - a partir das respostas às perguntas “quem se
insurge”, “em face de quem se insurge” e “contra o que se insurge” - a qual auxilia na
compreensão geral do que se trata o texto de maneira não exaustiva. Na abordagem
sobre a evolução semântica do conceito é apresentada uma linha do tempo, que se inicia
com a definição de backlash como “pane mecânica nas rodas”, encontrada em
dicionários ingleses, passa a fazer referência a movimentos conservadores de reação a
lutas por direitos civis no século XX, e por fim alcança a noção mais atual, relacionada
ao fenômeno que compreende reações hostis para combater  decisões que envolvem
geralmente assuntos moralmente sensíveis que desagradam uma parcela da população.
Em seguida, o backlash começa a ser desenvolvido de forma mais complexa, a partir de
um paralelo crítico bastante interessante entre as definições sugeridas por autores como
Post e Siegel e Cass Sustein.

O primeiro ponto que o autor chama atenção ao apresentar os conceitos desses


estudiosos para responder à indagação “quem se insurge”, é que o backlash não
necessariamente é uma reação de grupos conservadores a uma decisão que ameaça o
status quo da sociedade. Isso porque, há também a possibilidade do backlash
“progressista”, o qual se apresenta justamente contra as medidas que visam a
manutenção de estruturas tradicionais, a exemplo de manifestações contra decisões
prejudiciais às minorias. Além disso, uma segunda ressalva importante analisada é a
possibilidade da existência desse fenômeno tanto no plano nacional quanto no plano
internacional. Enquanto no plano nacional o backlash seria resultante do
descontentamento de cidadãos, no plano internacional, o ordenamento interno se
voltaria contra decisões, diretrizes de Cortes Internacionais. Assim, o texto demonstra
que o conceito de Sustein ao limitar o backlash a uma manifestação de reprovação
social seria incompleto, por não englobar o backlash internacional.

Outra crítica ao conceito de Sustein exposta por sua vez ao responder à


indagação de “em face de quem se insurge”, relaciona-se ao trecho de sua definição que
afirma que o backlash seria um ato de rebeldia contra decisões judiciais. O autor
constata que na maioria dos casos o fenômeno social em estudo nascerá contra decisão
de uma Corte Constitucional, entidade não judicial, e que decisões vinculadas a órgão
quase judiciais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, também são
passíveis de criar controvérsias e originar o backlash. Portanto, conclui-se que um
conceito mais adequado deveria considerar a possibilidade de reações a entidades
diversas, e não somente às judiciais.

Dando continuidade ao esclarecimento de “em face de quem se insurge” e


demonstrando de forma mais clara e precisa a ampla abrangência desse fenômeno, o
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
PROFESSOR: ROGERIO PACHECO ALVES
ALUNA: LAURA BRANDÃO OSÓRIO SILVA - 120007032

texto afirma ainda que diferente do que pode-se concluir pelo senso comum, o backlash
ocorre não somente em tribunais hierarquicamente mais elevados, nem apenas a partir
de decisões colegiadas de tribunais - podendo surgir da decisão de um juízo singular - e
que o fenômeno social não é gerado exclusivamente por atos do Judiciário, já que
medidas do Legislativo e do Executivo podem igualmente suscitar reações que o
caracterizam.

Em resposta ao último questionamento proposto - “Contra o que se dá a


insurgência” - constata-se que de forma geral o backlash é desencadeado contra
decisões jurisdicionais, porém atos consultivos também poderão suscitá-lo.
Paralelamente, uma temática bem explorada no desenvolvimento dessa resposta é a
possibilidade de minimização dos impactos do backlash pelas Cortes ao adotarem
soluções intermediárias entre os dois lados que disputam a controvérsia. A partir disso,
utilizando do pensamento do estudioso Michael Klarman, o autor apresenta uma análise
extremamente relevante: a maioria das cortes possuem êxito em deferir decisões
conciliadoras, mas quando as Corte falham no alcance dessa posição intermediária, não
costuma tratar-se da ausência de capacidade jurisdicional, e sim da precariedade na
percepção dos valores populares, ou seja, tal fracasso seria fruto de uma espécie de
alienação de alguns juízes diante da realidade social.

Após o reconhecimento da possibilidade de variadas formas de empregar o


termo backlash a depender dos contextos expostos, o autor conclui a apresentação
realizada no primeiro capítulo propondo uma delimitação conceitual em um sentido
amplo e em um sentido estrito para esse fenômeno social. No sentido amplo, o
fenômeno é conceituado como reação social direcionada a hostilizar atos do Poder
Público como leis, atos políticos e decisões judiciais. Em um sentido estrito, o qual é
adotado na obra quando a palavra não é acompanhada de ressalvas, o conceito designa
relações sociais ou estatais, lícitas ou ilícitas, que hostilizam atos e decisões do
judiciário, Cortes Constitucionais, Tribunais administrativos ou Órgãos Internacionais,
que usualmente são conservadores do status quo.

Na segunda parte do texto disponibilizado o autor aborda acerca das formas de


exteriorização do backlash doméstico, trazendo uma visão mais completa de como as
variadas manifestações contrárias a decisões e atos se expressam e os seus possíveis
impactos para a sociedade. Um ponto importante citado nesse momento é que o
backlash não deve ser entendido como uma mera insatisfação social com um julgado,
mas deve envolver revoltas destinadas a enfraquecer ou até superar a decisão
hostilizada. O backash internacional, anteriormente mencionado no texto, é brevemente
definido como “a manifestação desmantelada quando uma gama de estados nacionais
orquestra um boicote contra um Tribunal.”

Retornando à apresentação das formas de manifestação do backlash, dez


sintomas mais recorrentes na sinalização da ocorrência desse fenômeno são elencados:
críticas públicas ou publicadas, manifestações sociais, eleições atípicas, reações
legislativas, atos de desobediência civil, insubordinação de agentes do poder público,
desconfiguração do perfil das Cortes Constitucionais, impeachment, ataques
institucionais e reações armadas. Uma noção essencial para evitar a simplificação,
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
PROFESSOR: ROGERIO PACHECO ALVES
ALUNA: LAURA BRANDÃO OSÓRIO SILVA - 120007032

exposta nesse momento e que durante todo o texto é reafirmada, é que por mais que seja
possível raciocinar esses sintomas de forma linear, não necessariamente a realização de
uma dessas etapas dependerá de outra “anterior” ou “posterior” para materializar-se em
manifestações que se caracterizem como o fenômeno do backlash.

Desse modo, se isoladamente considerados estes sintomas podem não evidenciar


o backlash, o texto tenta responder quando pode-se afirmar com mais segurança a sua
existência frisando a necessidade de uma análise composta. Nesse sentido, chama-se a
atenção para o fato de que a configuração do blacklash não dependerá da quantidade de
sintomas - já que um conjunto de sintomas conjugados apresentam grandes indícios do
backlash, bem como apenas um sintoma, quando expresso com muita intensidade, longa
duração, poderá também indicá-lo. Outra noção intrigante indicada no texto está
relacionada à capacidade que possuem os veículos da mídia e o  poder econômico em
manipular as manifestações sociais, de modo a fazê-las aparentarem muito mais
expressivas do que de fato são. Diante disso, e para concluir essa reflexão, o autor
afirma que há maior segurança em aferir a ocorrência do blacklash observando
diretamente o comportamento do povo.

O primeiro “sintoma” desenvolvido, as críticas públicas ou publicadas, ocorre a


partir da mobilização da opinião pública ao explicitar falhas, injustiças que
desqualificam a decisão, englobando manifestações em jornais, rádios e mídias em
geral, e declarações de autoridades públicas, que possuem um expressivo papel de
influência e, portanto, na formação de movimentos de revolta. Um dado interessante
apresentado é que, em face disso, principalmente Cortes Constitucionais recentes, mais
vulneráveis por estarem ainda em fase de consolidação da sua legitimidade, tem
buscado medidas como a expedição de notas públicas e os julgamentos televisionados,
para justificar suas decisões e aproximarem-se do público, a fim de protegerem a
instituição.

Já a expressão do backlash por meio das manifestações sociais, de acordo com o


texto, abrange movimentos populares como greves, comícios e carreatas, que possuem
grande poder de alteração de estruturas políticas nos Estados autoritários e,
principalmente, nos Estados democráticos, a partir da amplificação da voz dos que se
rebelam contra o julgado. Uma observação válida acerca desse “sintoma” é a
constatação de que as manifestações costumam acompanhar episódios de vandalismo e
depredação, porém somente quando o movimento possui um perfil nítido beligerante
será possível falar da migração para a reação armada.

Partindo para a explicação envolvendo as eleições atípicas, o autor afirma que o


backlash, nesse caso, é observado quando candidatos a cargos eletivos utilizem da
depreciação de um determinado julgado impopular a fim de impulsionar sua campanha
eleitoral, o que, dependendo da intensidade dessas manifestações, acaba alterando o
resultado usual das urnas. Em diálogo com esse trecho do livro, os movimentos de
cunho autoritário que ocorreram recentemente no país, exigindo o fechamento de
instituições como o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, reforçados pelas
constantes críticas do atual presidente aos atos dos ministros do Supremo Tribunal
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
PROFESSOR: ROGERIO PACHECO ALVES
ALUNA: LAURA BRANDÃO OSÓRIO SILVA - 120007032

federal - evidentemente realizadas a fim de mobilizar o seu eleitorado mais radical -


aparentam bastante familiaridade ao que o texto indica na abordagem desse “sintoma”.

No tópico relativo às reações legislativas vários conceitos de Direito


Constitucional são utilizados para explicar como essas reações podem indicar a
ocorrência do backlash em conjunto com comparações muito ricas entre os modelos
constitucionais Brasileiro e norte-americano que demonstram as variâncias desse
fenômeno conforme a divisão territorial do poder nos países. Após apresentar o conceito
de reação legislativa como a reedição de uma norma invalidada pelo Judiciário,
frequentemente utilizada para sepultar a decisão hostilizada motivadora do backlash, o
texto avalia, no caso brasileiro, um dado bem interessante sobre como o Supremo
Tribunal Federal tem distinguido as hipóteses de reação legislativa veiculada por lei
ordinária ou por lei complementar e as veiculadas por emenda constitucional. Enquanto
na primeira situação o enunciado com teor idêntico ao censurado já nasce com
presunção de inconstitucionalidade, no caso de reações por emendas, altera-se o
parâmetro da utilizado pela Corte para a interpretação constitucional, e, assim o papel
do STF se limitará a aferir se a emenda feriu as cláusulas pétreas.

Outra questão curiosa levantada pelo autor é a estrita relação entre o federalismo
e as reações legislativas, tendo em vista a possibilidade de as ordens parciais reagirem
contra decisões da Suprema Corte nesses Estados. Demonstra-se que no federalismo
norte americano a maior autonomia das federações, que podem se opor de modo mais
significativo às decisões da Suprema Corte, forma um cenário mais propenso para a
ocorrência de backlashes do que no Brasil, onde a constituição concentra a maioria das
competências legislativas na união. Ainda no desenvolvimento desse “sintoma”, a
imprescindibilidade de o diagnóstico vir acompanhado da análise de outras expressões
desse fenômeno é sinalizada quando o autor afirma a insuficiência da edição de lei que
contrarie precedente judicial por apenas um Estado ou até a edição de uma emenda
constitucional, de forma isolada, para concluir pela configuração do backlash nacional.

O próximo “sintoma” desenvolvido no texto são as indicações estrategicamente


ideológicas para o tribunal. Nesse trecho do livro, o autor afirma que a alteração da
composição das cortes, para ser caracterizada como backlash, deve ser protagonizada
por pressões populares e promovida pelo presidente para superar determinados
precedentes judiciais. Nesses casos, o papel do Chefe de Estado seria lícito e legítimo já
que resultaria da ampla demanda do povo, e não de um contexto de recessão
democrática.

A abordagem sobre a exteriorização do blacklash a partir do impeachment é


realizada brevemente. De maneira simplificada, somente é possível relacionar o
impeachment com esse fenômeno social se houver relação entre a destituição e a
decisão hostilizada. No que concerne à licitude, esta dependerá do fundamento que
origina o impedimento - se fundada em razões constitucionais adequadas será lícita, por
outro lado, será ilícita quando atentar contra o Estado de Direito.

No sétimo sintoma do blacklash, a desobediência civil, o texto traz uma


divergência bastante reflexivo existente acerca da desobediência civil às leis e às
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
PROFESSOR: ROGERIO PACHECO ALVES
ALUNA: LAURA BRANDÃO OSÓRIO SILVA - 120007032

decisões possuir um teor prejudicial, de ameaça, ou inovador para o Estado


Democrático de Direito, devido à ausência de consenso entre os juristas quando se trata
dessa temática. Isso porque, por um lado juristas como Luiz Roberto Barroso afirmam
que “deixar de cumprir uma decisão judicial é crime de desobediência ou golpe de
estado”, o Ministro Maurício Correa, por exemplo, ao asseverar que “ninguém é
obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter ainda que emanada de autoridade
judicial” elimina o teor de ilicitude em casos específicos de desobediência às leis.
Conclui-se no livro que de modo geral não há segurança jurídica para que os cidadãos
possam questionar ordens judiciais, porém decisões judiciais que ferem direitos naturais
são indiscutivelmente inaceitáveis, o que parece uma solução razoável para essa
controvérsia.

Ao desenvolver a exteriorização percebida pela insubordinação de agentes,


novamente o autor chama a atenção para a importância de uma análise sistêmica para
um “diagnóstico" mais preciso, afirmando que a simples insubordinação do agente não
configura backlash. Uma informação relevante apresentada é que embora essa
insubordinação seja mais comum em democracias emergentes ou híbridas do que em
democracias consolidadas (que já possuem um histórico de respeitabilidade às decisões
do Tribunal) há a possibilidade dessa insubordinação ocorrer também em democracias
consolidadas. Para exemplificar essa afirmação, é utilizado o caso norte-americano
“Brown vs Board of Education”, em que o governador do Estado do Arkansas instigou a
população a rejeitar e reagir contra a decisão que proibiu a segregação racial nas
escolas. A explicação desse “sintoma” é finalizada com uma reflexão sobre os perigos
que envolvem a sua exteriorização pelo fato da insubordinação de autoridades englobar
amplas ferramentas de poder e ser facilmente acompanhada de outros sintomas como a
desobediência civil, que intensificam o backlash.

O penúltimo sintoma, os ataques institucionais, são percebidos quando ataques


são direcionados ao Tribunal por meio de cortes no orçamento, suspensão de atividades
e alterações na composição da Corte a fim de enfraquecê-la. Para que haja a
configuração de backlash as medidas utilizadas para o desmantelamento do Tribunal
devem possuir origem em reações sociais a uma decisão proferida pela instituição
atacada, já que articulações envolvendo disputas de poder ou desconfianças em
magistrados, conforme exemplificado no texto, podem resultar no enfraquecimento de
juízes e tribunais sem que haja o fenômeno do backlash.

Por último, o sintoma mais radical indicado, a exacerbação da desobediência


civil expressa por meio das reações armadas, é apresentado no texto a partir do conceito
de “direito de resistência”. O direito de resistência se refere a um direito que rompe com
a ordem em vigor e, por isso, não se encontra diretamente expresso nas Constituições.
Assim, o autor opta por compreendê-lo como um direito natural ou, preferencialmente,
como uma situação de fato, já que nem sempre o backlash irá seguir o ordenamento
(casos de expressões ilícitas) e configurar-se como um direito.

Para finalizar, algumas breves observações podem ser realizadas para uma associação
mais completa do texto em análise com a judicialização e com o ativismo judicial.
Grandes nomes como Luiz Roberto Barroso e Tate e Vallinder indicam que uma das
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE DIREITO
JUDICIALIZAÇÃO E ATIVISMO JUDICIAL
PROFESSOR: ROGERIO PACHECO ALVES
ALUNA: LAURA BRANDÃO OSÓRIO SILVA - 120007032

principais causas da judicialização é a delegação de decisões sobre assuntos polêmicos,


os quais geralmente seriam resolvidos por outras instâncias políticas, para o Judiciário.
Essa transferência de competência abre margens para o ativismo judicial, ou seja, para
que os juízes resolvam decisões que envolvam, por exemplo, grandes desacordos morais
da sociedade de maneira mais proativa. Além disso, como o ativismo judicial pode ser
percebido em práticas como a violação de competências definidas pela constituição, que
resultam em um maior número de decisões controversas e sem precedentes, há uma
maior probabilidade dessas decisões serem hostilizadas e tornarem-se alvo de uma
reação backlash - quando na via política, as parcelas da sociedade insatisfeitas
ensejaram pela aprovação de medidas para enfraquecê-las. Portanto, conforme o texto
“Direito e Backlask” demonstra, a forma como a sociedade recebe os resultados da
judicialização e do ativismo judicial é bastante ampla e consiste em um objeto de estudo
extremamente relevante para o Direito.

Você também pode gostar