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RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil.

São
Paulo: Companhias das Letras, 1995. 2°ed (p.106 – 140).

Maria Dariana de Lima Bessa

O antropólogo, ensaísta, romancista e político Darcy Ribeiro em seu livro


“O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil – capítulo 2: Moinhos de
gastar gente” nos proporciona certa visão histórica, sociológica e antropológica
da formação dos brasileiros. Segundo o autor, o surgimento de uma etnia
brasileira que agrupe os povos variados que vieram para o Brasil, passa por uma
anulação de identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como
também pela indiferença entre as formas de mestiçagem – mulatos, caboclos,
curibocas. Apenas por esse caminho é que todos eles se reconheceram como
uma gente só, pertencente a uma nova identidade (RIBEIRO, 1995, P. 133).
Esse livro é um ponto de partida útil, que fornece uma revisão geral da formação
do povo brasileiro, o que ocasionou o atual Brasil que vivemos e outras
indagações. Darcy Ribeiro, por meio de seus estudos profundos e experiências
nos fornece uma visão geral do Brasil e dos brasileiros.

O livro cobre uma ampla gama de tópicos relevantes, prestando atenção


especial ao capítulo 2: Moinhos de gastar gente, no qual o autor nos fornece sua
visão sobre a formação do povo brasileiro. Segundo o autor, os brasilíndios ou
mamelucos - os jesuítas começaram a utilizar esse termo para se referirem a
eles, e a forma brutal de como agiam- tiveram papel importante como agentes
para a formação do território brasileiro. Os mamelucos estavam concentrados
principalmente em São Paulo, mas por causa da pobreza e miséria começaram
a se deslocar pelas terras brasileiras, em busca da única mercadoria disponíveis
para eles: Os índios. Eles percorriam vários lugares e devastavam tribos
indígenas, para captura-los para si (realizavam tarefas como a pesca, caça,
plantam, carregavam as cargas nas jornadas dos mamelucos) e para vendê-los.
Os brasilíndios eram portadores de uma sabedoria sobre as terras, devido a
herança herdada pelos seus ancestrais. Então, eles se organizavam em bandos
em busca dos índios. Tal ato, acabou tornando-se um ofício de honra para os
paulistas, destacando-os pela sua bravura em postos de honra, chamados por
eles de "heróis", os melhores ganhavam vários privilégios. Esse ofício ficou tão
reconhecido que muitos dos jovens índios se juntavam a eles nessa caçada.
Contudo, eles foram rejeitados pelos seus ancestrais e pais. Eles não se
reconheciam como nenhum dos seus ancestrais, portanto, criou-se um novo
gênero humano, que não era e nem se reconheciam ou era reconhecidos como
índios, negros, europeus. Então, tinham sua própria língua e modo de viver.
Outro ponto destacado pelo autor, são os afro-brasileiros, se distinguem em três
grandes grupos, que se diferenciam em relação a cultura. Apesar da contribuição
do negro ter sido pouco relevante para a formação daquela protocélula original
da cultura brasileira, eles tiveram um papel mais passivo do que ativo, o negro
teve uma importância tanto por sua mão de obra, como por sua introdução na
cultura brasileira. Diferentes de algumas tribos indígenas, os negros não
puderam formar grupos que retivessem o patrimônio cultural africano. Devido à
grande diversidade linguística e cultural dos negros que vieram para o Brasil,
além da política de evitarem a concentração de escravos de uma mesma etnia.
Assim, eles foram incorporados ao pouco naquela cultura. Os que aprendiam a
falar português ensinava os que não sabiam. Os negros foram escravizados e
castigados severamente. Os neobrasileiros assumiram uma nova identidade,
criando comunidades novas que permitiu que eles abrangessem maior número
de membros do que as aldeias indígenas, e incorporar apenas uma identidade
étnica. Eles mantinham vínculos mercantis externos, para adquirir produtos que
não produziam – sal, metal, pólvora- em troca, inicialmente, do pau-de-tinta.
Utilizaram técnicas indígenas (caça, pesca) e algumas técnicas europeias
também (instrumentos de ferro, armas de fogo, animais domésticos, construção
de casas, etc). Enfim, o brasileiro, devido as diferenças existentes entre os
diferentes povos que habitavam o Brasil, surgiu a necessidade daqueles que não
se reconheciam nem como índio, africano e europeu buscar sua própria
identidade. Talvez o primeiro a dar esse passo tenha sido o mameluco, que não
se identificava com os seus ancestrais americanos e nem com os europeus.
Outros que tiveram essa necessidade de buscar uma nova identidade, etnia,
foram os mulatos – não se identificavam com os índios, africanos, brasilíndios.
Então, eles são forçados a criar sua própria identidade étnica: a brasileira.
Contudo, o processo da construção da etnia não deixa marcas tão reconhecíveis,
senão, alguns registros (RIBEIRO, 1995, p. 106 – 133).

As ideias expressas pelo autor ainda são relevantes para o mundo atual,
pois, em todas as épocas e lugares os indivíduos procuram saber suas origens,
sua história, a história do seu povo. Darcy Ribeiro nos fornece um pouco de
quem somos, pois, não tem como explicar em apenas um livro “quem somos”,
representamos uma mistura de torturador e torturado, de escravo e senhor, de
negro e branco. Ou seja, a história dos brasileiros é marcada por sofrimentos,
misérias, torturas, submissão, egocentrismo- por parte dos europeus. Se por um
lado o autor mostra que dar necessidade de querer pertencer a um povo, a ter
uma identidade, de fazer parte de algo, de se encaixar em algum canto, é daí
que surge o povo brasileiro. Nesse sentido, muitos desses mulatos, caboclos e
curibocas não tinham um povo a quem pertencer, eram desprezados por aqueles
que tinham uma identidade. No meu ponto de vista, eles deveriam sentir-se
solitários, em busca de algo que os preenchessem. Então, é dessa busca por
algo que surge a vontade de superarem tudo isso, sozinhos. Segundo Sérgio
Buarque de Holanda, em seu livro: Raízes do Brasil (2015, p. 37), para os
espanhóis o índice do valor de um homem infere-se, na extensão em que não
precise mais depender dos demais, em que não necessite de ninguém, em que
se baste. Dentro desse contexto, acredito que, os brasileiros se encaixem nessa
visão, justamente pelos mestiços não pertencer a nenhum povo, por estarem
solitários é que perceberam a necessidade de criar uma nova identidade. Os
mamelucos, talvez, foram os primeiros a pensarem dessa forma. Contudo, eles
não foram os únicos, os negros exerceram sua influência e importância para a
formação do povo brasileiro. A contribuição dos negros para a formação do
território brasileiro, ainda é um assunto muito debatido. Alguns estudiosos
ajudaram a difundir a ideia da inferioridade dos negros, e da sua contribuição
negativa para a formação dos brasileiros – por exemplo Nina Rodrigues e
Oliveira Viana- a difusão dessas ideias contribuiu para a efetivação do racismo
e do preconceito. Mas quando os africanos foram tirados das suas terras, eles
não tinham mais ninguém, não tinham mais um povo, uma língua. O mesmo
sentimento de “não pertencimento” aquele povo que os mamelucos sentiram, os
negros escravizados também sentiram. Ainda pior, pois, agora eles eram
tratados como “animais” que só serviam para o trabalho e para serem
castigados, e até mesmo como objeto sexual de seus senhores1.

1 FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala.

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