Você está na página 1de 5

UMA ABORDAGEM DOUTRINARIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA

ANTICRESE

RESUMO: O presente trabalho visa refletir sobre a ferramenta legal anticrese, buscando
através da exploração doutrinária e jurisprudencial elencar suas principais características,
requisitos e formas de extinção, ainda que tenha caído em desuso e raramente seja utilizada.

1. Introdução

Em se tratando de direitos reais de garantia, o penhor, a hipoteca e a anticrese


apresentam-se como instrumentos obrigacionais acessórios aos contratos principais. Em que
pese a anticrese, objeto de análise deste estudo, entende-se ser a forma com que o credor
assumi a posse de um bem imóvel, dada pelo devedor, na qual aquele ficará responsável por
usar e fruir o bem até que o montante de sua dívida seja liquidada, momento em que é extinta
a obrigação.

De acordo com Ulhoa (2020), o devedor, para ressarcir a dívida contraída, repassa
o bem imóvel para que o credor possa fruir. Ainda neste sentido, Tartuce (2019) entende, que
a anticrese seja um direito real, adquirido por terceiro, sobre coisa alheia. Em suas palavras:
“por meio desse direito real de garantia, um imóvel é dado em garantia e transmitido do
devedor, ou por terceiro, ao credor, podendo o último retirar da coisa os frutos para o
pagamento da dívida, em havendo uma compensação.”

Originária do direito romano, a anticrese foi criada inicialmente como ferramenta


acessória aos contratos de hipoteca e penhor. No entanto, acabou caindo em desuso e hoje é
raramente explorada pelo direito. Para Tartuce (2019), trata-se de um instituto praticamente
dispensável e com quase nenhuma aplicação prática.

Ainda neste tocante, Ulhoa (2020) vai mais fundo, para ele a anticrese é
desfavorável economicamente, tanto para o credor, como para o devedor. No caso do
primeiro, porque para receber o montante da dívida torna-se responsável pela coisa alheia e,
no caso do segundo, porque, além de não poder fruir o bem, não pode usá-lo.
2. Requisitos da anticrese

Nos requisitos relativos aos direitos reais em garantia tem-se os formais, os


objetivos e os subjetivos. Em se tratando dos requisitos formais, pode-se observar o disposto
no artigo 1.424, do CC, no qual determina, sob pena de ineficácia, que deverá constar no
contrato o montante da dívida, ainda que seja valor estimado; o prazo para pagamento do
crédito; a incidência de taxa de juros, se houver e a identificação do bem dado em garantia,
com suas especificações.

Segundo Mamede (2003), apud Tartuce (2019), o prazo é importante para que se
abra a possibilidade de execução do bem em caso de inadimplência do devedor, sendo que sua
não previsão em contrato deve ser entendida que a dívida é à vista ou de excussão imediata.

Vale mencionar aqui o artigo 406 do CC, que deve ser observado quando não
houver no contrato a taxa de juros, ou seja, deverá ser aplicada a taxa de mora em vigência
para os impostos devidos à Fazenda Nacional. (TARTUCE, 2019).

Dos requisitos objetivos deve-se considerar o assentado no artigo 1.420 do CC, no


qual somente o bem alienável poderá ser dado em anticrese, do contrário será nulo, por
configuração de fraude ou impossibilidade, nos termos do artigo 166 do CC.

Segundo Ulhoa (2020), por ser direito real de garantia nota-se “uma extensão dos
poderes associados à propriedade, de modo a atribuí-los em parte também a quem não é o
proprietário.” Desse modo, mesmo que o devedor venha a alienar a coisa onerada, a garantia
ao credor permanecerá vinculada, nos termos do artigo 1.419 do CC.

Os requisitos subjetivos devem ser entendidos como a característica daquele que


possui legitimidade oferecer a garantia. Assim, o artigo 1.420, é claro ao dizer que apenas
aquele que pode alienar é que poderá constituir a anticrese, ou seja, o proprietário do bem
imóvel. Além disso, o bem que pertencer a dois ou mais proprietários é inalienável quando ao
menos um não concordar, mas poderá ser alienado o quinhão referente a determinado dono.

Neste diapasão vale trazer à baila o Conflito de Competência Nº 130.842 - DF


(2013/0358802-1), proferido pelo relator Ministro Raul Araújo sobre caso de constituição de
garantia hipotecária mediante fraude, in verbis:

2
Saliente-se, nesse passo, que, nos moldes do artigo 1.420 do Código
Civil, "só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese".
Por via de consequência, dois principais motivos recomendam seja declarada a
competência do d. Juízo do foro da situação da coisa. De início, porque a causa de
pedir é fortemente lastreada na existência de conluio para fraudar o proprietário do
imóvel em questão. Com efeito, indaga-se: Se somente o proprietário pode gravar
imóvel com o direito real de garantia em evidência, como, na hipótese em análise, o
imóvel foi onerado sem o consentimento de seu proprietário?

Outro ponto que deve ser considerado neste requisito diz respeito ao estado civil
do proprietário, uma vez que sendo ele casado, deverá constar no contrato seu regime de
separação, sob pena de anulação, posto que, nos moldes do artigo 1.647, inciso I, o mesmo
não poderá alienar sem autorização do outro, salvo regime de separação absoluta.

Com relação ao artigo 1.427 do CC, ainda sobre o requisito subjetivo, fica claro
que o terceiro que assumir dívida de garantia real alheia não será obrigado a assumir a
deterioração ou desvalorização do bem, uma vez que é estranho à relação contraída
originalmente. Isso não se aplica em caso culpa do terceiro, quando deverá arcar com aqueles
prejuízos ou quando houver cláusula em contrário.

Por fim, é de extrema importância se observar que, por se tratar de direito real, a
pactuação entre as partes surtirá efeito somente com após o registro do contrato no Cartório de
Registro de Imóveis. Neste sentido, tem-se o agravo regimental em agravo de instrumento n.
1.185.129 - SP (2009/0083080-5), na qual a Ministra Alderita Ramos de Oliveira
(desembargadora convocada do TJ/PE) proferiu a seguinte sentença:

Julgou-se à decisão agravada, que pretende a agravante a modificação


das premissas de fatos assentadas na origem, quais sejam: de que não houve a
constituição de anticrese, uma vez que esta se daria somente com o registro
imobiliário, o que não ocorreu (e-STJ, fl. 638), e que a percepção temporária dos
frutos e rendimentos não pode ser confundida com renúncia aos direitos do locador,
tampouco alteração de sua posição contratual (e-STJ, fl. 639).

3. Obrigações e deveres das partes

Como em toda relação contratual que se estabelece, as partes estão sujeitas a


obrigações, mas ao mesmo tempo possuem direitos.

3
Relativamente aos direitos do credor pode-se inferir a percepção de rendimentos e
frutos (artigo 1.506); reivindicação do bem contra terceiro adquirente, assim como dos
credores quirográficos e hipotecários, posteriormente ao registro da anticrese (artigo 1.509);
possuir o bem, assim como retê-lo em garantia até o pagamento da dívida (artigo 1.423) e
poderá arrendar o bem, mantendo o direito de retenção e ainda que este arrendamento não
esteja vinculado ao devedor (artigo 1.507, §2°).

Em contrapartida o credor não terá direito de preferencia em indenizações por


seguro de prédio destruído ou nas situações em que ensejar desapropriação, conforme §2°, do
artigo 1.509.

Os direitos do devedor podem ser assim elencados: deverá receber anualmente


balaço que demonstre o andamento da administração (artigo 1.507, caput e §1°); receber
indenização pelas deteriorações e pelos frutos e rendimentos perdidos por culpa do credor
(artigo 1.508) e ter o imóvel de volta quando dá quitação da dívida.

É importante esclarecer que pelo §2°, do artigo 1.507, o devedor poderá não
concordar com o balanço anual, podendo impugná-lo ou ainda, poderá solicitar ao juiz, que se
fixe um aluguel mensal, transformando a obrigação em arrendamento.

Com relação às obrigações do credor, assim como mencionado anteriormente,


artigo 1.508, este deverá responder pelas deteriorações do imóvel que transcorreram de sua
culpa, além de ser responsabilizado pelos frutos e rendimentos perdidos por negligência.
Ademais, conforme artigo 1.507, deverá prestar contas anualmente para o devedor e, por fim
cuidar da coisa como se sua fosse.

Por fim, as obrigações do devedor podem ser observadas no artigo 1.506, nas
quais deverá ceder ao credor a exploração dos frutos e dos rendimentos obtidos com o bem,
até pagamento total da dívida, ou seja, ele deve entregar o bem e quitar sua dívida.

4. Formas de extinção da anticrese

Conforme já foi abordado a anticrese é um instrumento acessório e por ser direito


real acompanha o bem, ainda que este seja alienado. De frente a isso, a extinção da obrigação
principal também recairá sobre ela.

4
O direito do credor em reter o bem, usá-lo e fruí-lo caduca pelo prazo legal
estabelecido no artigo 1.423 do CC, que é de 15 anos.

Além disso, tem-se também a extinção nos casos em que há renúncia do credor
anticrético; no admitido pelo artigo 1.509, §1°, com a execução do bem pelo não pagamento e
nos casos de desapropriação e perecimento da coisa (artigo 1.510, §2°).

5. Conclusão

Por todo exposto pode-se concluir que a anticrese é um direito real de garantia,
sendo requisito de validade seu registro em cartório.

Trata-se de uma forma de ceder o imóvel para outrem, o credor, em pagamento de


dívida contraída com a obrigação principal, podendo esse último usar e fruir do bem até a
liquidação do crédito.

Em função de seu caráter altamente oneroso, tanto para credor, como para o
devedor, não demorou cair em desuso e hoje é raramente utilizada na prática.

6. Bibliografia

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília: Senado,
[2002]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso
em: 22 mai. 2020.

STJ. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO n. Nº 1.185.129 - SP


(2009/0083080-5). Relator: Ministra Alderita Ramos de Oliveira. DJe: 13/03/2013. Supremo
Tribunal Justiça, 2019. Disponivel em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?
num_registro=200900830805&dt_publicacao=12/03/2013. Acesso em: 7 jul. 2020.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 130.842 - DF (2013/0358802-1). Relator: Raul Araújo.


2013. Disponivel em: orpus927.enfam.jus.br/inteiro-teor/pr91r49m9d6x. Acesso em: 7 jul.
2020.

TARTUCE, F. Direito Civil : direito das coisas. 11. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro:
Forense, 2019, v. 4.

ULHOA, F. C. Curso de direito civil : direito das coisas e direito autoral. 2. ed. rev. atual.
e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, v. 4.

Você também pode gostar