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Linguística Histórica – Capítulo 3 – Características da mudança

Neste capítulo, o autor reforça o conceito de que as línguas mudam com o passar
do tempo e apresenta alguns conflitos no interior da Linguística sobre este conceito.
Faraco (2007) parte do pressuposto de que a mudança se dá em todas as línguas, assim
como em tudo na natureza, que passa por transformações de forma contínua e
ininterrupta.

Deste modo, o autor analisa que cada estado de língua é resultado de um longo e
contínuo processo histórico, e acrescenta que, se uma língua deixar de ser falada,
obviamente não passará mais por mudanças, pois estará aniquilada e completamente
assimilada por outra. “O desaparecimento total da língua interrompe o fluxo histórico”
(p. 45).

No entanto, segundo Faraco (2007), no caso do latim, o fluxo histórico nunca se


interrompeu, pois a língua sofreu inúmeras transformações que resultaram nas
diferentes línguas românicas. Deste modo, o autor destaca que a mudança, além de
contínua, é também lenta e gradual, pois nunca ocorre abruptamente. Portanto, não é
uma mudança discreta, já que em um mesmo processo histórico, ocorrem períodos de
coexistência e concorrência de formas em variação até a vitória de uma sobre a outra.

Assim, para Faraco (2007), no caso da Língua Portuguesa, por exemplo, as


características da mudança confluíram para esta forma de falar que hoje possui esta
denominação. O autor aponta algumas representações dos vários processos gerais de
alterações fonológicas da história de transformação do latim para o português. Deste
modo, Faraco (2007) reitera que “mudanças abruptas e repentinas são impossíveis, pois,
se ocorressem, destruiriam as próprias bases da interação verbal” (p. 48).

O autor demonstra que a Linguística costuma dividir a história das línguas em


períodos arcaico e moderno, mas estas divisões são cortes arbitrários, pois, segundo
Faraco (2007), o que ocorre é um longo e ininterrupto processo em que uma língua vai
passando por mudanças. No entanto, habitualmente, estes períodos são divididos com
base em períodos históricos, é comum ouvir-se falar em português do século XIII,
XVII, etc. Contudo, esta periodização é apenas uma atividade de análise.

Para o autor, um outro aspecto que caracteriza a mudança linguística é a


regularidade. Segundo Faraco (2007), as mudanças não são fortuitas, pois há tanto
regularidade como generalidade em seu processo. Essa regularidade permite estabelecer
correspondências sistemáticas entre duas ou mais línguas ou estágios de língua,
tornando possível a reconstituição histórica. Para Faraco (2007), percebe-se, a partir daí,
uma sistematicidade de correspondências entre línguas, que conduziu os pesquisadores
ao método comparativo.

A partir deste ponto, Faraco (2007) inicia a abordagem sobre leis fonéticas, que
são leis que não admitem exceção. Segundo o autor, os neogramáticos acreditavam que
havia uma interferência do plano gramatical sobre o plano fônico, ou seja, sempre que
ocorria uma mudança sonora, resultando em alterações no padrão gramatical, previa-se
o fenômeno oposto, por analogia.

Para Faraco (2007) criava-se, então, um paradoxo: uma mudança regular como a
mudança fônica poderia gerar irregularidades gramaticais e a analogia, de caráter
irregular, poderia ocasionar regularidades. Deste modo, o autor apresenta alguns casos
em que uma irregularidade gramatical é “retificada” a partir da regularidade das
mudanças sonoras, a exemplo de servus/servi, hortus/horti.

O autor avalia que, de modo geral, a regularidade é relativizada pelo modo não
uniforme como se dá a divisão de uma mudança no interior da língua e no universo de
falantes. Segundo Faraco (2007), por trás disso há uma variedade de vicissitudes sociais
e históricas das comunidades linguísticas em questão. Para o autor, todos estes fatores
podem alterar a regularidade da mudança. Sob esta perspectiva, as leis fonéticas tiveram
que ser reinterpretadas e tomadas não como uma expressão de processos fechados e
absolutos, mas como fórmulas que expressam correspondências fônicas entre dois ou
mais momentos da história de uma língua, auxiliando a investigação dos complexos
processos históricos, o que não consiste apenas na troca de um elemento por outro.

Em geral, o autor considera que as regularidades observadas terão sempre caráter


relativo. Faraco (2007) reitera que as mudanças não estão condicionadas apenas por
fatores linguísticos, ou seja, internos à língua, mas estão também relacionados a fatores
da história da sociedade que fala uma determinada língua.

De acordo com o autor, podemos tirar duas lições para quem se inicia em
Linguística Histórica. A primeira é que não se deve estudar os fenômenos isoladamente,
buscando abordá-los no conjunto de outros fatos da história da língua, da família ou
subfamília a que pertence, pois em verdade, o que ocorre é uma complexa cadeia de
mudanças interrelacionadas. A segunda lição é que, para abranger os fenômenos de
mudança, importa apresentar o encaixamento estrutural, mas também social das línguas
e suas comunidades de falantes. Segundo Faraco (2007), é preciso atentar para questões
como as relações etárias, socioeconômicas, o sexo (ou gênero), origem étnica e estilo de
fala.

O autor aborda que a Linguística Histórica costuma operar com a separação


entre história interna, o conjunto de mudanças ocorridas na organização estrutural das
línguas no eixo do tempo e história externa das línguas, a história das línguas no
contexto social, político, econômico e cultural das sociedades com que se relaciona,
compreendendo os conceitos de macro-história e micro-história, ou seja, grandes
eventos e eventos cotidianos que dizem respeito à história das línguas.

Por isso, Faraco (2007) propõe uma metodologia que integre história interna e
externa, ou seja, encaixamento estrutural e encaixamento social. Faraco (2007) lembra
que Saussure reconheceu que as duas histórias estão associadas e defendeu uma
separação estrita entre linguística interna e externa, desprezando as circunstâncias
externas em que uma língua ocorre.

Segundo Faraco (2007), o pressuposto de Saussure e outros linguistas


subsequentes é de que a língua goza de autonomia em relação ao contexto concreto da
interação social e que, por isso, as condições internas do funcionamento da língua têm
predominância. Faraco (2007) também menciona a forma integrativa, elaborada por
Labov e Herzog, que propunham a integração entre ambos os aspectos. Mais a frente,
com Meillet, a defesa de uma investigação histórica capaz de correlacionar as
especificidades. Em oposição, Voloshinov propôs a investigação da ordem social para a
linguística estrita, argumentando que as mudanças sociais, as interações verbais e atos
de fala se modificam, interferindo nas estruturas linguísticas.

Conforme Faraco (2007), a mudança emerge da heterogeneidade. Para o autor,


defender uma perspectiva integrativa não elimina as especificidades do linguístico no
social, pelo contrário, as reconhece. Faraco (2007) menciona que, no início do século
XX, os pesquisadores utilizavam as definições de substrato, superestrato e abstrato para
se referir às interações linguísticas, e explica cada uma: a) substrato – a língua que uma
população utilizava e é abandonada e substituída por outra. Ex: celta – latim b)
superestrato – língua introduzida na área de outra, mas que não a substitui. Ex: línguas
germânicas – latim. c) adstrato – língua falada em território adjacente à língua de
referência. Ex: espanhol – português.

No entanto, Faraco (2007) aponta que estes termos têm sido pouco utilizados,
porque os pesquisadores recorriam a eles indiscriminadamente. Segundo o autor,
contudo, a cautela atual não nega que o contato linguístico pode ser importante fator de
mudanças, tanto em línguas diferentes, como em variedades de uma mesma língua.

Faraco (2007) retoma Voloshinov e explica que o estudo feito por este
pesquisador sobre a história das diferentes formas de reportar o discurso de outrem em
línguas europeias abriu caminhos para a investigação das mudanças sob a perspectiva
das dimensões discursivas, pouco enfocadas pela Linguística Histórica.

O autor também comenta os conflitos básicos em Linguística que existem entre


diferentes concepções de linguagem e de mudança linguística. Faraco (2007) explica
que, em geral, os linguistas têm tratado a língua como objeto autônomo, seja de
natureza física, como um organismo vivo biologicamente determinado ou de natureza
formal, como um todo que se basta. Segundo o autor, da mesma maneira, a mudança
tem sido vista como motivada por fatores físicos ou imanentes, ou seja, como resposta a
razões anatômicas e fisiológicas ou razões de equilíbrio e reequilíbrio interno do
sistema.

Conforme Faraco (2007), a língua é tratada sob todas essas perspectivas como se
não possuísse falantes, abordados como dados periféricos e ausentes das análises
investigativas. Para o autor, sejam quais forem as razões da mudança, o falante é quem
as opera. Deste modo, Faraco (2007) avalia que este falante concreto, histórico, que é
construído e se constrói nas relações sociais é elemento estrangeiro na Linguística.

Faraco (2007) reitera, no entanto, que isso não significa entender a mudança
como mecanicamente determinada por fatores sociais, mas, que as mudanças sociais
alteram as relações interacionais e promovem mudanças nas línguas. Em outras
palavras, o autor propõe assumir que as condições da mudança se encontram na
complexa dinâmica social e na heterogeneidade da realidade linguística, envolvendo
múltiplos fatores que a Linguística Histórica ainda não revelou, especialmente por
prevalecer as percepções imanentistas da língua. Faraco (2007) aponta também que,
para a língua, também é possível não mudar.
O autor também apresenta as noções de causas e condições da mudança, mas
contesta a concepção de causa, pois considera que, sendo a língua uma realidade
humana, social e cultural não está submetida a determinismos, mas a possibilidades.
Deste modo, Faraco (2007) trabalha com a perspectiva de condições da mudança, pois
discorda que estes princípios possam ser aplicados categoricamente.

Segundo o autor, contrariamente, os imanentistas acreditam que as mudanças


ocorrem de forma discreta, ou seja, sem fases intermediárias ou áreas não abrangidas
pela mudança; e geral, com todas as ocorrências acontecendo ao mesmo tempo. Em
contraponto a isto, Faraco (2007) cita Labov, que registrou casos em que as fusões se
desfizeram, demonstrando que o princípio, apesar de ser geral, não é universal, pois a
reversão é possível, apesar de improvável.

Faraco (2007) descreve também que há tendências opostas dentro da Linguística


em considerar a mudança como progresso ou degeneração. A primeira tende a uma
atitude positiva, mas que simplifica o processo e esta última representa uma atitude
negativa com relação à mudança, que a enxerga como decadência. Segundo Faraco
(2007), essas são representações do senso comum que, embora já abandonadas pelos
linguistas, fizeram parte das concepções científicas do passado.

Conforme o autor, na perspectiva degenerativa, propõe-se que as línguas


estiveram em estágios superiores de desenvolvimento e degradaram-se com o tempo,
por isso a busca por uma suposta reconstituição das línguas do passado, a exemplo disso
tem-se o Romantismo alemão nacionalista, que apresenta uma concepção nostálgica do
passado.

Uma outra perspectiva citada por Faraco (2007) é a do progresso, conforme Otto
Jespersen, de que as mudanças caminham para o aperfeiçoamento, promovendo
progresso através de ganhos qualitativos. Segundo esta teoria, os processos históricos
tornavam as línguas mais aptas à expressão, por atribuir-lhes maior clareza e precisão.
De acordo com Faraco (2007), essa perspectiva foi bastante utilizada e acrescenta a
menção a Henry Spencer, que concebia a história das sociedades humanas como um
processo de evolução, em que a língua passaria de estágios mais primitivos para
estágios mais desenvolvidos. Essa teoria teve muitas vezes, como alvo o “alto” estágio
de desenvolvimento das línguas europeias.
De acordo com o autor, hoje, nenhuma dessas perspectivas é amplamente
utilizada. Para Faraco (2007), partindo do pressuposto de que há um equilíbrio solidário
entre todas as partes da história de uma língua, não se pode conceber a mudança como
degeneração ou progresso, mas como um processo em que as línguas passam de um
modelo de organização para outro. Na concepção saussureana, como os signos são
arbitrários, as relações podem mudar.

Segundo Faraco (2007), essa é uma concepção neutra da mudança. O autor


menciona Boas, que para contrapor essa teoria, associou a língua à cultura, como um
sistema integrado e uma realidade relativa a cada grupo humano. Conforme o autor,
nesta concepção, a cultura é vista como um todo único e singular no tempo e no espaço,
com características particulares, sem que esteja inscrita em uma hierarquia
primitivo/civilizado.

De acordo com Faraco (2007), nesta abordagem interessa ver a produção da


cultura a partir de peculiaridades históricas e ambientais e não a situar em qualquer tipo
de escala, vendo o outro apenas como diferente e não como superior ou inferior. As
línguas, para Faraco (2007), assumem idêntica organização, são sistemas equilibrados e
autorregulados que constituem um todo único e regular. Nesta perspectiva, o autor
enxerga a mudança como um remodelar contínuo da língua, na qual o progresso e a
degeneração não fazem mais sentido.

O autor cita Sapir, que fez a proposta da deriva interna para explicar a mudança,
que impulsionaria as línguas numa determinada direção. Segundo Sapir, haveria um
plano prefixado inexoravelmente seguido pelas línguas da família indo-europeia. Para
Sapir, o conceito de deriva é compatível com a concepção de que as línguas possuem
plenitude formal, já que pressupõe também uma autorregulação da mudança. Segundo
Faraco (2007), essa teoria confirma que as línguas não degeneram ou progridem, apenas
mudam, obedecendo a uma força interna.

Para o autor, a ideia de autorregulação da mudança é particular aos linguistas


imanentistas. Segundo o autor, Lakoff, por exemplo, apresenta a proposta da deriva
como condição geral para mudança estrutural de uma língua. Em linhas gerais, Faraco
(2007) aponta que os linguistas têm trabalhado com esse relativismo, pois continuamos
interagindo e dando manutenção à organização das línguas e sua estrutura, o que impede
a possibilidade de degeneração.
Faraco apresenta também uma outra concepção de mudança: a teleológica, que
compreende que a mudança pode resultar em distúrbios no equilíbrio sistêmico,
produzindo novas mudanças como respostas para reestabelecer o equilíbrio. Segundo o
autor, essa proposta foi desenvolvida pela Escola de Praga, tendo como representante
Roman Jakobson. Desta forma, para esta perspectiva, a mudança surge para corrigir um
desequilíbrio.

Segundo Faraco (2007), para seguir esta linha de pensamento, é necessário


admitir uma possibilidade de degeneração de partes do sistema, mas que responde a
forças regeneradoras que operam para restabelecer o dano, uma espécie de força
autodefensiva. Deste modo, a teoria também adota a perspectiva de uma força interna
que impulsiona a mudança, mas enquanto a primeira a atribui uma força neutra, que
respeita a plenitude formal da língua; a segunda atribui um princípio reparador.

De acordo com o autor, entre os gerativistas, há os que defendem também este


caráter regenerador da mudança. Chomsky foi quem criou a teoria de que a estrutura das
línguas segue a pressupostos de imanência biológica, ou seja, desenvolvem-se conforme
as nossas estruturas cerebrais. Segundo o autor, para esta perspectiva, importa pouco a
realidade interacional, pois lhes interessa mais construir um modelo de gramática
universal. Para Faraco (2007), é esta característica que restringe a gramática.

O autor afirma que, à primeira vista, pode-se pensar que tal teoria encontra
obstáculos ao se deparar com as variantes e variações linguísticas e mudanças, mas a
mesma admite que as estruturas mentais não são categóricas em sentido absoluto, mas
em sentido relativo, pois admitem caminhos alternativos. Por exemplo, a estrutura
silábica (consoante + vogal) seria mais natural e quando uma língua se modifica para
adequar essa estrutura, isso simbolizaria uma otimização.

Deste modo, o autor explica que esta abordagem propõe uma finalidade para a
mudança: a correção de realidades menos naturais ou a correção de efeitos de opacidade
estrutural, quando as estruturas deixaram de ser transparentes para os falantes ou para o
processo de aquisição da linguagem. De acordo com Faraco (2007), esta é a percepção
teleológica da mudança, que responde a um princípio da transparência (Lightfoot), que
limita o grau de opacidade estrutural tolerável.

Na avaliação de Faraco (2007), a proposta da mudança como


equilíbrio/desequilíbrio é insuficiente, por razões empíricas e também teóricas, pois
afirma que este tipo de mudança pressupõe uma ação categórica e abrupta, que
corrigiria todos os casos, de uma só vez. Segundo o autor, nas observações já feitas
sobre o processo de difusão das mudanças, a mutação avança por pequenos incrementos
e por meio de uma seleção gradual entre membros de um conjunto de variantes que
coexistem, podendo durar longos períodos de tempo.

Uma outra oposição feita por Faraco (2007) é a de que tais mudanças se
difundem por algumas variedades e não por outras, o que nos obrigaria dizer que
algumas variedades são mais naturais ou funcionais. Para Faraco (2007), se isto não tem
qualquer efeito, ou seja, os falantes continuam interagindo e sem falhas, tal
interpretação foge a qualquer fundamento empírico.

No entanto, o autor ainda menciona Lass, que apresenta a ideia de possíveis


disfunções, as quais denomina de estratégia nula. Contudo, mesmo Lass admite que não
é possível estabelecer as características de um estado natural ou perfeito de uma língua,
o pressuposto essencial da interpretação teleológica. De acordo com o autor, como não
há uma língua que não tenha cumprido essas funções, não se pode considerar qualquer
estado de língua como desequilibrado ou patológico.

O que Faraco (2007) conclui é que a mudança é contínua, lenta e gradual e


relativamente regular e emerge da realidade heterogênea das línguas, que está
correlacionada com processos sociais e culturais.

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