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Resenha Critica de Corrupção e a Produção do Estado, de Marcos Otavio

Bezerra
Até que ponto o clássico ditado “política, religião e futebol não se discute” parece ser válido? No
Brasil parece ser extremamente ultrapassado e utópico, principalmente quando se trata do
primeiro item, uma vez que os caminhos que assuntos políticos tomam tem tamanha relevância
na vida de todo brasileiro médio. Mas, o que marca nosso país atualmente? Apenas duas palavras
parecem vir na mente de qualquer pessoa quando refere-se a política; corrupção. Nesse meio
termo, dentre as inúmeras obras de Bezerra sobre história, ciências políticas e econômicas sobre
inúmeros aspectos, encontra-se a Corrupção e a Produção do Estado.
O livro é dividido em três tópicos principais, onde o autor discorre sobre o quão a corrupção está
atrelada a construção do Estado Brasileiro e sua relação com as chamadas “Empreiteiras”.
Na Introdução, o autor começa apresentando um quadro geral do tema, reconstruindo o caso da
Construtora Norberto Odebrecht e como casos similares são extremamente comuns e comandam
os rumos da política brasileira em uma espécie de corporativismo. Adiante, na segunda parte do
livro, na Oficialização de interesses empresariais e práticas políticas, Bezerra trás um breve
histórico da Construtora e torna a explicar como funciona o orçamento em detalhes e como é
fundamentada a relação entre os políticos e as empresas. Por fim, no terceiro tópico, A
domesticação dos procedimentos administrativos, retorna a dizer o quanto o esquema das
grandes empreiteiras foi relevante para a formação do Estado brasileiro.
O autor inicia o texto lucidamente o texto afirmando que a corrupção não é uma novidade no
país. E de fato, o Brasil a cada ano piora sua colocação na lista da Transparência Internacional,
no chamado Índice de Percepção da Corrupção, o país ocupa a 106ª posição, sendo sua pior
colocação desde 2012. O que isso quer dizer além do obvio fantasma que assombra o país?
A corrupção é um assunto tão diário na vida de todo brasileiro, que a palavra quase se tornou
banal, tendo seu significado distorcido e sendo usado de forma imprópria. O foco do texto
claramente não é sobre como isso é alarmante, mas o autor usa interessantemente de pontapé
inicial para dizer que convivemos com ela. Tão presente ali, ao mesmo tempo que ela impede
que o país cresça ela também teve um papel crucial na construção do estado brasileiro, e sob esse
viés, Bezerra analisa a relação entre as grandes empresas e o Estado.
Então, para começar a desenrolar sua linha de raciocínio, o famoso caso da Construtora
Norberto Odebrecht (CNO), uma empresa brasileira de engenharia e construção civil
pernambucana, tornando-se uma das principais empreiteiras no Brasil. As empreiteiras
costumam a ficarem consolidadas através de doações (tanto legais quanto ilegais) para
campanhas políticas para que através dessas relações que criam, possam influenciar e funcionar
dentro da burocracia estatal.
Uma dos passos mais importantes para a frente da CNO é a elaboração e execução do orçamento,
é a chamada Lei Orçamentária Anual, que basicamente é dívida em três etapas, uma consiste em
na execução e elaboração do projeto que em seguida será analisada pelos parlamentares e
adaptada conforme as leis parlamentares, logo mais será encaminhado para a presidência da
República para que seja sancionado. Fato é que o Executivo utiliza disso como artificio para
obter apoio dos parlamentares. O autor enfatiza certeiramente o quão próxima deve ser a relação
entre o Legislativo e o Executivo com a empresa, utilizando-se da desculpa do
“acompanhamento de processos”.
Na parte seguinte do texto, Bezerra discorre mais detalhadamente como é o processo de fazer
com que a LOA se adeque aos interesses das empresas fazendo parecer que se assemelhem a
medidas do Estado. A expectativa de empresas como a CNO é clara; fazer com que os
parlamentares apresentem emendas que beneficiem seus interesses, o autor enfatiza também a
utilização de discursos como algo que a população necessita. Filgueiras aponta de forma certeira
que a corrupção está infimamente ligada a forma que o arranjo institucional permite o uso de
recursos públicos para interesses privados.
Bem adiante ao texto, após explicar minuciosamente o passo a passo da CNO ao longo dos anos,
Bezerra retorna ao ponto que o ocorrido só se deu em função da troca de cortesias e “gentilezas”
entre os funcionários públicos e as grandes empresas, não é a toa que a maioria dos documentos
apreendidos pela polícia eram exatamente dessa natureza. Ironicamente, em uma entrevista, o
dono da CNO disse as dimensões da corrupção e que a amizade e relações pessoais para
conseguir sobressair a leis e regras está no amago cultural brasileiro. Em um texto comentando
exatamente sobre um dos livros de Bezerra, Abreu afirma o caráter importante que a amizade
tem nesse tipo de esquema, uma vez que ela opera como o fundamento da confiança e segurança
entre parceiros.
Por fim, Bezerra reafirma o propósito do texto, que é mostrar que os interesses das iniciativas
privadas se encontram com os dos parlamentares. Setores como o da energia e principalmente da
construção civil ainda são poderosos no país, porém não tanto como anteriormente, em épocas
históricas (tal qual a Ditadura militar) que investigações acerca da confiabilidade dos projetos
dessa empreiteiras eram totalmente vetados. Infelizmente, o Estado corrobora para que tal ação
ocorra, por meio de incentivos e a possibilidade de ambiguidade interpretativa que as leis
brasileiras tem, por consequência, Bezerra afirma que essas empresas tem uma participação
extremamente ativa na formação do Estado tal como se dá atualmente.
O autor Marcos Otávio Bezerra é um antropólogo na Universidade Federal Fluminense, dentre
suas várias formações, destacam-se em seus livros assuntos extremamente importantes no
contexto atual tais como corrupção, militância, relações pessoais e sua conexão com o Estado. O
texto anteriormente resenhado faz parte de seu livro chamado Corrupção. Um estudo sobre
poder público e relações pessoais no Brasil, publicado em 2017.

Bibliografia
BEZERRA, Marcos Otávio. CORRUPÇÃO E PRODUÇÃO DO ESTADO. Repocs, v.14, n.27,
jan/jun. 2017
ABREU, Luiz Eduardo de Lacerda. A CORRUPÇÃO, A RELAÇÃO PESSOAL E A PRÁTICA
POLÍTICA. Anuário Antropológico/95. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996
FILGUEIRAS, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre normas
morais e prática social. Opin. Publica , Campinas, v. 15, n. 2, pág. 386-421, novembro de 2009.
TRANSPARENCIA INTERNACIONAL. Índice de Percepção de Corrupção. 25 de janeiro de
2017.

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