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280 Transcrição de registos Sequência  1.

Fernando Pessoa

manual p. 79

A poesia de Álvaro de Campos 03 min 12 s

CD1
Faixa 10
Álvaro de Campos goza de um estatuto especial entre os heterónimos, não só por ser aquele

OEXP12 DP © Porto Editora


que tem um perfil biográfico mais completo, mas sobretudo porque Pessoa fez dele um poeta
atual, modernista e vanguardista, cuja obra – mais do que a de qualquer outro dos heterónimos
– tem sentido isoladamente, e independentemente daquele que ganha no contexto da encenação
5 poemodramática. As duas odes (Ode Triunfal e Ode Marítima) que publicou no Orpheu são duas
das obras maiores da produção poética do Modernismo português.
Na época em que foi criado, em conjunto com os outros heterónimos, a função de Campos
estava portanto circunscrita a um vanguardismo europeísta mas ao mesmo tempo nacional,
aproximando-se do Futurismo, no que respeita ao culto das tecnologias e da ciência moderna,
10 mas recusando, contudo, a iconoclastia estética, o combate à subjetividade e a apologia da guerra
e da violência. Ao contrário dos futuristas, não rejeitava a arte nem a cultura do passado, ainda
que tivesse consciência de que os novos Homeros e os novos Miltons, de que a sociedade indus-
trial carecia, haviam de chegar a partir de um novo paradigma estético, também ele fruto e con-
sequência dos novos tempos.
15 Foi igualmente a este heterónimo que Pessoa atribuiu a autoria de dois incisivos textos pro-
gramáticos do Modernismo: no Ultimatum, que foi publicado em 1917 na revista Portugal Futu-
rista, defende-se a “abolição do dogma da personalidade”, do “preconceito da individualidade” e
do dogma do “objetivismo pessoal” […]. Os Apontamentos para uma estética não Aristotélica, que
viram luz na revista Athena (1924-1925), contêm a proposta de uma nova estética, adaptada aos
20 tempos modernos, e por isso baseada na ideia de força em vez da aristotélica ou helénica ideia de
beleza. […]
O poema “Opiário” representa a época pré-modernista de Pessoa. Ficticiamente anterior às
grandes odes sensacionistas, foi realmente composto vários meses depois da Ode Triunfal. Esta
fase decadentista de Campos seria ainda enriquecida e completada com a escrita de alguns poe-
25 mas supostamente anteriores ao “Opiário”.
Depois de concluído o ciclo das grandes odes, e sobretudo a partir de meados dos anos 20,
Campos parece fugir ao controle do seu criador, transformando-se num verdadeiro alter ego exis-
tencial de Pessoa. Transforma-se então, como escreveu Jacinto do Prado Coelho, no “poeta do
cansaço, da abulia, do vazio, inquieto e nauseado”, parecendo contudo que o crescente senti-
30 mento de frustração lhe aguçava ainda mais a lucidez.

LOURENÇO, António Apolinário, 2009. Fernando Pessoa. Edições 70 (pp. 58-60)


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