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A liberdade na obra O Livre-Arbítrio de Santo Agostinho diante da Modernidade

Líquida de Bauman

Anderson Macedo Inácio de Oliveira1

Conhece-te a ti mesmo2

Resumo: O presente artigo tem como objetivo trazer uma reflexão sobre a liberdade do homem,
com base na obra do filósofo e teólogo Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, trazendo seus
conceitos sobre liberdade, vontade e livre-arbítrio na busca de iluminar a sociedade atual no
que consiste ao uso de uma liberdade autêntica e suas consequências e, supondo sua existência,
como a liberdade pode influenciar para uma sociedade mais equilibrada e harmônica diante da
diversidade de uma modernidade líquida, segundo Zygmunt Bauman.

Palavras-chave: Liberdade; Livre-arbítrio; vontade; existência; sociedade; modernidade


líquida.

Abstract: The present article have as a goal to bring a reflection about the men’s freedom,
based on literary work of philosopher and theologian saint Agostinho, The Free Will, bringing
his concepts about freedom, will and free will on the search to ilumine the actual Society at
what depends on the autentic freedom and its consequences and, suposing its existency, how
the freedom cans influence in a Society more balanced and harmonic front of the diversity of a
liquid modernity, secund Zygmunt Bauman.

Key-words: Freedom; free will; will; existency; Society; liquid modernity.

Introdução

Falar sobre o livre-arbítrio em Santo Agostinho pode parecer algo repetitivo, dado as
inúmeras obras, artigos e TCCs que já se debruçaram sobre este tema, porém, na filosofia,
nenhum tema se esgota, dado o progresso da história, que não se repete e que, a cada geração,
renova-se surgindo novas problemáticas e discussões, aumentam as descobertas científicas,
históricas e filosóficas. E diante do momento histórico em que o mundo se encontra, onde o
homem parece não saber lidar com o que Santo Agostinho denomina de “livre-arbítrio”, pode
ser oportuno falar sobre o tema, pelo qual o homem se torna, se este existe, responsável e livre
pelos seus atos. Para contribuir à reflexão proposta, será utilizado também o conceito de
Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman, afim de estabelecer os pontos de partida para uma

1 Seminarista da Diocese de São José dos Campos-SP e aluno da Faculdade Dehoniana de Taubaté-SP, graduando em Filosofia.
2
Cf. PLATÃO, Fedro, 2004, p.60.
conclusão atual de liberdade. Apoiando-se, então, à posição de Santo Agostinho sobre a
liberdade e de Zygmunt Bauman sobre Modernidade Líquida, buscar-se-á uma reflexão sobre
as ações e decisões do homem que atinge a sociedade atual, e como o ser humano poderia
contribuir para uma sociedade mais equilibrada utilizando-se de sua liberdade.
Na primeira parte, será desenvolvido o pensamento de Santo Agostinho sobre o livre-
arbítrio e a vontade, como se dão essas potencialidades no homem tido como corpo e alma3.
Num segundo momento, será trazido o pensamento do filosofo e sociólogo Zygmunt Bauman
sobre Modernidade Líquida, para se estabelecer uma visão atual da sociedade. Por fim, buscar-
se-á uma reflexão sobre como o homem, suposto sua liberdade, pode contribuir para uma
sociedade equilibrada e mais justa.

1- O livre-arbítrio

Em suas obras, Santo Agostinho utiliza-se, em grande parte, de um método dialético,


onde, através de um diálogo com um interlocutor, busca resolver as questões levantadas.
Agostinho parte sempre de um dado da fé revelada para uma sistematização do dado tentando
mostrar, através da razão, que tal revelação da fé pode ser compreendida e aceita: “O que
Agostinho põe em relevo é uma interação entre a fé e a razão. De um lado, para crer é preciso
perceber de algum modo que se deve crer e que aquilo que se crê, pelo menos não é absurdo.
Para crer, é preciso de algum modo entender aquilo que nos é proposto como objeto de fé:
‘entende – minha palavra – para crer’.”4. Portanto, é relevante compreender o método
agostiniano para utilizar-se de sua filosofia, que nasce de uma teologia, pois o Bispo de Hipona
não tem intenção de fazer propriamente filosofia, como os antigos filósofos, mas para ele a
busca dá-se início com uma verdade já sabida e já revelada5.
Entre outros assuntos em que o Santo se debruça, em sua obra O Livre-Arbítrio, tem
como objetivo demonstrar como Deus não é o autor do mal, mas que, o mal é fruto da liberdade
do homem, ou mais precisamente, do seu livre-arbítrio que, usado de forma desequilibrada,
gera o pecado, que é o amor desordenado pelas coisas, dando a elas um valor que não lhes é
próprio. A solução para Agostinho se encontra na submissão das paixões do homem à sua razão,
que faz do homem o ser mais elevado em meio aos outros seres que possuem vida e existência,
mas não possuem entendimento, ou seja, não sabem que existem. Apenas o homem, na escala
de perfeição das criaturas sabe que existe e sabe que é dotado de razão6. Desta forma, o Teólogo

3 Étienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.29.


4 Carlos NASCIMENTO. O que é filosofia medieval, 1992, p.17.
5 Cf. Idem, p.61.
6 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.24-52.
desenvolve nesta obra como se dão no homem o uso da liberdade, vontade e livre-arbítrio e
como o homem é causa de muitos males devido sua liberdade. Esta doutrina, então, será
utilizada como base para fundamentação do presente artigo. Buscar-se-á então, uma reflexão a
partir do conceito de liberdade agostiniana com o que o pensador Zygmunt Bauman descreveu
como modernidade liquida, a fim de demonstrar que as ações do homem atual podem ser fator
fundamental para um real desenvolvimento humano.
Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco afirma que “geralmente toda arte e toda
investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso
foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem”7, já Sócrates,
segundo Mondin, afirma que “um homem pode amar a riqueza e considerá-la boa, um outro
pode considerar boas as glórias, um outro os prazeres; entretanto, nenhum dirá que o bem é o
mal e que o mal é o bem. Cada um procurará aquilo que ele considera bem e fugirá daquilo que
considera mal”8. Étienne Gilson interpretando Santo Agostinho diz que “o que há de melhor
para o homem não pode ser inferior ao homem, pois querer o que é inferior é diminuir-se”9. O
homem então, deseja a felicidade como fim último, e para isso precisa de liberdade para realizar
esta busca, mais ainda, precisa ter livre-vontade para desejar algo, pois é na vontade que o
homem encontra o motor para buscar a felicidade, se não fosse assim nenhum homem buscaria
ser feliz, se não houvesse em si o desejo de ser feliz. No entanto, ainda que o objeto de sua
felicidade possa variar, de acordo com as diversas opiniões dos homens, destarte, ninguém
discordaria de que todo homem deseja a felicidade. E para Agostinho ser feliz é possuir a
Sabedoria10, objeto da filosofia, que por definição é o amor a sabedoria11. Por este motivo, a
liberdade humana, se existente, parece que não tem outra finalidade para o homem do que lhe
proporcionar a felicidade, ou seja, o homem é livre para ser feliz. Buscar-se-á, no
desenvolvimento desta primeira parte, mostrar que no homem contém a vontade e o livre-
arbítrio e como se desenvolvem no homem estas potencialidades.
Em sua obra, O livre-Arbítrio, Santo Agostinho desenvolve uma análise sobre a
hierarquia dos seres criados onde o homem se encontra numa posição de perfeição superior às
outras criaturas, pois existem três realidades, a saber: a existência, a vida e o entendimento, em
que o homem é o único ser no qual se encontra estas três realidades. A pedra, por exemplo,
existe, mas não tem vida e nem entendimento. O animal também existe e ainda tem vida, mas
não tem entendimento. Já o homem existe, vive e entende12. O entendimento dá ao homem algo

7
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 1973, p.249.
8 Battista MONDIN, Introdução à filosofia, 1980, p.93.
9 Etienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.23.
10 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.106-107.
11 Cf. Geovanni REALE, História da Filosofia, 1990, p.21.
12 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.81.
superior, a capacidade de raciocinar logicamente, de analisar e fazer juízos sobre as coisas, e
ainda, concede a este a capacidade de perceber-se a si mesmo. O homem não só existe, mas
sabe que existe. Todas estas afirmações em Agostinho evidenciam como o homem é
privilegiado em relação às outras criaturas e que esta capacidade racional o coloca numa posição
favorável diante das outras criaturas deste mundo. Daí, Agostinho elabora o seu cogito. Se o
homem duvidasse de sua própria existência, a dúvida seria suficiente para reconhecer que
existe, pois não pode duvidar quem não existe, logo, quem duvida, existe13. A partir disto, o
homem pode, de fato, iniciar um processo de conhecimento seguro.
Portanto, desta afirmação conclui-se que existem princípios no homem que são
universais, por exemplo, que todo homem pensa. Estas universalidades, na obra ganham um
peso ainda maior, pois ao buscar a prova da existência de Deus, para então mostrar que o livre-
arbítrio do homem vem de Deus, Agostinho mostra que existem verdades eternas e imutáveis
que o homem pode alcança-las através de seu intelecto, ou seja, de sua razão. Isto conduz a uma
compreensão de que existem realidades – leis, normas, ordem – que não dependem do juízo do
homem, mas são extrínsecas a si mesmo, onde o homem apenas percebe estas realidades e é,
de certa forma, obrigado a reconhecê-las. Em sua Introdução ao estudo de Santo Agostinho,
Étienne Gilson explica: “uma verdade é sempre uma proposição necessária e, por isso, imutável.
Se digo que 7+3=10, não digo que a soma desses números foi ou deveria ser igual a dez, mas
que ela não pode não ser e que, consequentemente, é eternamente verdadeiro que a soma deles
seja igual a dez. Necessidade, imutabilidade, eternidade, tais são as características distintivas
de toda verdade”14. Aqui pode-se verificar que a liberdade do homem, ao menos no ponto em
que se depara com estas verdades imutáveis e eternas, tange um limite, não podendo ultrapassa-
las, pois isso seria danoso a sua própria natureza.
Os números, para Agostinho, são realidades onde a verdade se mostra de forma
inequívoca. E o cosmos se harmoniza numericamente. Em tudo há uma ordem que deve ser
obedecida, equilibrada, e no homem não é diferente. Ele é parte deste cosmos e é, mais do que
qualquer criatura, chamado a exercer suas potencialidades de forma livre, mas para um fim
comum, e não ter em si mesmo este fim. Por isso, sua liberdade é também para governar e
governar-se, exercendo sua faculdade racional15. Visto no início que a felicidade do homem
consiste em um bem ou Sumo Bem, quando ele deixa de governar sua liberdade através da
vontade não direcionando-as para um bem, ele gera um desequilíbrio, pois faz de sua própria

13 Cf. Idem, p.80.


14 Etienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.40.
15 Cf. Idem, p.230.
liberdade pretexto para apropriar-se de bens inferiores, porém, que geram um mal, seja para si
ou para outros.
Este mal consiste não necessariamente num mal metafísico, um exemplo simples seria
a de um desejo desordenado por um determinado alimento, o açúcar, que ingerido acima de
uma quantidade limite, pode gerar no seu consumidor uma doença diabética, gerando assim um
desequilíbrio, um mal em relação a saúde. Com isso não quer dizer que o açúcar em si é ruim,
usado na medida em que se deve usar, consiste em um bem para o homem, usa-o para adoçar
os alimentos, não havendo mal algum nesta ação. Analogamente, pode-se atribuir o
desequilíbrio do uso dos bens a causa do mal em si. Para a determinação do livre-arbítrio em si
é necessário considerar, em Agostinho, a existência de Deus, de quem toda lei reside e nasce.
O filosofo demonstra isso no livro dois da obra, onde busca provar a existência de verdades
imutáveis, cognoscíveis ao homem, em que não há necessidade de que o homem tenha a
experiência sensível para concluir estas realidades. Os números, por exemplo, são abstrações,
mas que em tudo o que é material são aplicáveis através do tempo e do espaço (comprimento,
largura, altura, movimento). Existem também leis naturais que regem as coisas materiais que
apesar de sua corruptibilidade, estas leis permanecem imutáveis. Há uma necessidade de que
estas leis sejam imutáveis e eternas, sem as quais não haveria possibilidade de desenvolvimento.
Porém, se tudo neste mundo é mutável e corruptível, a sua causa não pode ser mutável e
corruptível, e ainda, dado a comprovação da existência de realidades imutáveis, como as dos
números, é preciso então que haja a Verdade Imutável, de onde vem todas as outras verdades16.
O pressuposto da existência de Deus em Agostinho é fundamental para sua filosofia, pois, para
o santo é dele que derivam todas as coisas e também o livre-arbítrio, que é um bem em si
mesmo17.
O livre-arbítrio é tema grandemente desenvolvido pelos filósofos da Idade Média,
particularmente os filósofos cristãos18. Este tema surge com a indagação da Teodiceia, que se
pergunta sobre o paradoxo da coexistência de Deus e do mal. Se Deus existe, e por definição
ele é sumamente bom, não havendo nele o mal, por que existe o mal e de onde ele vem? O mal
é, de fato, uma privação em um bem, uma ausência de ato de ser nas coisas criadas. Por terem
sido criadas do nada, as coisas são na medida em que nelas contêm o ser, mas não sendo elas o
próprio ser, ou seja, Deus, são privadas de ser. Este não ser das coisas, que em si são boas, é
um mal. Esta ausência de ser das coisas faz com que elas se corrompam, que passem e morram.
E esta realidade em si não é ruim, pois tudo isso faz parte de uma ordem do universo, onde as

16 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.116.


17 Cf. Idem, p.134-136.
18 Cf. Philotheus BOEHNER; Etienne GILSON, História da Filosofia Cristã: desde as origens até Nicolau de Cusa, 2012.
coisas menos perfeitas se submetem às coisas mais perfeitas, naturalmente, afim de manter a
ordem do universo19. Porém, tudo isso explica o mal de ordem natural, mas e o mal moral, que
está diretamente ligado as ações do homem? Daí surge a doutrina do livre-arbítrio ou livre
vontade. Antes de Agostinho e da era cristã, já existiam esboços sobre a liberdade do homem.
Aristóteles, por exemplo, em sua Ética fala de liberdade como autodeterminação, ou seja, aquilo
que é causa de si mesmo, porém o homem, não é causa de si mesmo, mas em termos morais, é
a causa de seus atos. Assim, diz Aristóteles que “quando depende de nós o agir, também
depende o não agir, e vice-versa; de modo que quando temos o poder de agir quando isso é
nobre, também temos o de não agir quando é vil; e se não está em nosso poder o não agir quando
isso é nobre, também está o agir quando isso é vil"20. Aristóteles não pensava em um Deus
criador, como os filósofos cristãos, mas já atribuía ao homem um arbítrio de suas ações, ou seja,
o homem como juiz de suas ações, portanto, julgando-as, decide por fazê-las ou não fazê-las,
de forma livre, sem coação externa. Mais à frente, Santo Tomás afirmaria que “as substâncias
intelectuais têm livre-arbítrio no agir porque formam juízo pelo conhecimento intelectual sobre
o que irão fazer [...] e como têm domínio sobre seu próprio ato, necessariamente têm
liberdade”21. Que há o livre-arbítrio no homem, não se tem dúvidas e é bem aceito e
desenvolvido ao longo da Idade Média. Mas para quê o homem é dotado de livre-arbítrio se
este leva-o a praticar o mal? O homem, por ser dotado de razão, de livre-arbítrio e de outras
potencialidades que o fazem superior as outras criaturas - pois o homem existe, vive e é dotado
de entendimento, que o leva a experiência de reconhecer-se a si mesmo – se torna responsável
por seus atos de forma a regulá-los através de sua razão, não obstante, quando ele deixa de
exercer o domínio de suas ações através da razão, cedendo a desejos desordenados, deixa de
ordenar seus atos para o bem, ou seja, para sua felicidade, entretanto, o homem só pode escolher
o bem em relação ao mal se ele for dotado de liberdade para escolher, por isso, para o Santo de
Hipona, Deus ao conceder ao homem o livre-arbítrio concede a este um bem e em vista de um
bem maior, que é a posse da própria sabedoria, que em si não pode ser prejudicial a vida do
homem, pelo contrário, esta concede ao homem uma vida mais perfeita, por isso o homem sábio
é aquele que submete seus desejos à razão22.
O homem, mesmo dotado de razão e de livre-arbítrio, poderia errar o alvo e colocar
seu bem em coisas inferiores que a própria sabedoria, e desta forma causar um desequilíbrio na
sua vida e na natureza das coisas. Por isso, o legislador moral para o homem, ou seja, aquele
que diz ao homem o que é um bem superior e um bem inferior é uma lei eterna, dada por Deus

19 Cf. Etienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.271ss.


20 ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 1973, p.287.
21 Santo TOMÁS DE AQUINO, Suma contra os gentios, 2017, p.244.
22 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.48.
ao homem. Lei esta “que ordena conservar a ordem natural e impede que esta seja perturbada”23.
Esta lei, segundo Etienne Borne, pode ser dividida em duas, a lei natural ou “luz natural” e a
lei moral. A primeira é aquela lei contida em todas as criaturas, que regem-nas de forma natural
a fim de manter a ordem do universo. A segunda desrespeito apenas ao homem, que tendo a
capacidade racional e gozando de liberdade, precisa desta lei para ordenar suas ações, afim de,
como já dito, submeter as coisas inferiores às superiores24, mas também de fazer com que o
homem seja capaz de se tornar virtuoso. A busca do homem pelas virtudes se torna possível
pela iluminação divina, que dá ao homem os meios para se tornar virtuoso. As virtudes, por
outro lado, fazem com que o homem viva uma vida capaz de escolher entre o bem e o mal que
deve praticar, por exemplo, a virtude da prudência25. Tendo em vista sua felicidade, que não
está nas coisas, por serem corruptíveis, o homem deve ordenar suas ações afim de usar das
coisas inferiores, corruptíveis e passageiras para atingir o bem superior, eterno e imutável. Este
ser, em última análise é Deus, mas é através da verdade que o homem se aproxima de Deus,
que não pode ser percebido ou alcançado de forma simples, como as coisas deste mundo. Daí
mais uma vez pode-se afirmar que a liberdade do homem é “para” algo, não é uma liberdade
sem finalidade. Assim, quando o homem deixa de exercer sua liberdade de forma ordenada, se
distancia de sua própria felicidade, que só pode se dar através de uma vida onde as coisas
inferiores estejam submetidas as coisas superiores. Mas esta ordenação não se dá de forma
perfeita na vida do corpo, porém, o homem pode amenizar esta desordem através de uma vida
virtuosa. “O homem só se torna virtuoso ao conformar sua alma às regras imutáveis e às luzes
das Virtudes, que vivem eternamente na Verdade e na Sabedoria comuns a todos os homens”26.

2- A vontade

Do livre-arbítrio, tratou-se se o homem tem liberdade e como se dá essa liberdade.


Para Agostinho, o homem é livre para buscar a Sabedoria, e por uma promulgação da lei divina
e eterna, é por este caminho que o homem também alcança sua felicidade, que não consiste nas
coisas corruptíveis e passageiras, mas nas coisas eternas e imutáveis. Ao se deparar com
verdades imutáveis, como as realidades dos números e as leis imutáveis, por exemplo, o homem
se questiona sobre a origem destas realidades e a resposta se dá por meio de uma Verdade
imutável de onde emanam todas as outras verdades, sem a qual não seria possível a existência
de tais verdades, dado a corruptibilidade deste mundo. Esta Verdade se confunde com o próprio

23 Étienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.248.


24 Cf. Idem, p.249.
25 Cf. Idem, p.250.
26 Idem.
Deus criador, princípio deste mundo. Tudo que Deus criou é um bem. O homem também é
criatura de Deus e como tal, recebeu o livre-arbítrio de Deus, que é um bem em si. Mas poder-
se-ia perguntar se o homem, sendo parte desta ordem, estabelecida por Deus, tem mesmo livre
vontade, já que ele deve se submeter a estas leis imutáveis, sem as quais não atingiria sua
felicidade mesma. Afinal o homem, só seria livre verdadeiramente se este quiser com plena
vontade e sem coação estas leis, ou seja, segundo Borne “não se trata mais de submeter-se à lei,
mas de querê-la e de colaborar com seu cumprimento. O homem conhece a regra; a questão é
se ele a quer”27. Por isso, da liberdade do homem surge um questionamento mais adiante em
relação a sua vontade. A liberdade propriamente dita só se concretiza na medida em que o
homem é livre para realizar uma vontade ou exercer suas faculdades por vontade própria, no
entanto, a lei eterna impõe ao homem sua natureza. Então como o homem exerce sua liberdade,
ou seja, como pode ele querer algo diferente de uma lei imposta a sua própria natureza ou como
ele pode querer com liberdade uma lei imposta? Para entender o funcionamento da vontade no
homem é preciso conhecer em que consiste o homem para Santo Agostinho, pois segundo
Etienne Gilson em sua introdução ao Santo, citando P. de Labriolle em um comentário sobre as
confissões “assim como é a vontade, tal é o homem, a tal ponto que uma vontade partida contra
si mesma é um homem dividido contra si mesmo”28.
O homem é constituído de um corpo e uma alma, e à alma está a tarefa de conferir ao
corpo que anima a vida e o movimento29. Por ser a alma o princípio vital do corpo, de certo ela
é superior ao corpo e sua dignidade é maior em relação a este. Mas não há uma separação entre
ambas, estão tão unidas quanto não se pode distingui-las. Mas para entender o movimento da
vontade no homem, é preciso compreender que é através da alma que se dá o uso desta
faculdade, portanto deter-se-á na alma onde reside a vontade, e por alma Agostinho define como
“uma substância dotada de razão, destinada a governar o corpo”30. Para exercício de sua função,
a alma se serve de algumas potencialidades ou faculdades, que são “consubstanciais, embora
distintas, e iguais entre si em suas relações”31. Estas faculdades são a memória, a inteligência e
a vontade. Agostinho usa de uma analogia para explicar como se dá o funcionamento destas
faculdades, pois para ele, elas formam uma imagem da Trindade divina, onde cada uma em
particular, tem sua função na alma, mas elas estão sempre em função das outras duas faculdades,
e ao mesmo tempo formam uma única substância, no caso a alma toda. E assim se dá esta
relação entre elas:

27 Idem, p.252.
28 Idem, p.253.
29 Cf. Idem, p.24.
30 Cf. Santo AGOSTINHO, A grandeza da Alma, 2008, p.284.
31 Étienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.419.
Eu me lembro que tenho memoria, inteligência e vontade; compreendo que entendo,
quero e recordo; quero querer, lembrar-me e entender; e me lembro ao mesmo tempo
de toda a minha memória, minha inteligência e minha vontade, toda inteira. O que não
me lembro de minha memória, não está em minha memória. Nada, porém, existe tão
presente na memória como a própria memória. Portanto, recordo-me dela em sua
totalidade. Do mesmo modo, tudo o que entendo, sei que entendo, e sei que quero o
que quero, e recordo tudo o que sei. Portanto, lembro-me de toda minha inteligência
e de toda minha vontade. igualmente quando entendo as três faculdades, entendo todas
ao mesmo tempo. Nada existe de inteligível que não entenda, a não ser o que ignoro.
E o que ignoro, não recordo e não quero. E o inteligível que não entendo, não recordo
e nem quero. Tudo, porém, que recordo e quero de inteligível, também o entendo.
Minha vontade abrange também toda minha inteligência e toda minha memória,
quando uso do que entendo ou recordo. Concluindo: como todas e cada uma das
faculdades se contêm reciprocamente, existe igualmente entre cada uma e cada uma
das outras, e cada uma com todas juntas em sua totalidade. E as três formam uma só
unidade: uma só vida, uma só alma e uma só substância.32

A vontade na alma tem uma função específica, apesar de estar sempre em relação com
as outras faculdades, mas aqui percebe-se sua necessária existência para a vida da alma que,
como visto acima rege o corpo animando-o e governando-o. A vontade será, então, objeto de
análise para concluir se o homem possui livre vontade ou se é determinado ou destinado a agir
segundo um determinismo fechado e rígido, onde não possui espaço para uma ação refletida e
querida.
Foi visto em outra parte que existe uma ordem que nasce das relações das coisas
inferiores com as coisas superiores, uma ordem regida pelas leis naturais encontrada em cada
criatura, lei esta que nasce da lei divina, eterna e imutável. Porém, diferente das outras criaturas,
no homem existe algo que o torna superior a estas, sua capacidade racional e de entendimento.
Ao distinguir a alma do corpo, foi visto que na alma do homem existe também a faculdade da
vontade, que em relação com as outras, são a vida mesma da alma. Por isso, para o homem, a
lei natural se coloca de forma diferente a das criaturas, ela se coloca em forma de lei moral, em
que o homem decide agir segundo elas ou não “consequentemente, tudo depende da decisão
que o homem tomar ou não tomar, de fazer reinar em si mesmo a ordem que ele vê ser imposta
por Deus à natureza”33. Mas o que de fato é a vontade no homem? Citando santo Agostinho,
descreve Gilson que a vontade é o movimento livre da alma para adquirir ou para evitar algo 34.
É pela vontade que o homem adquiri conhecimento, usando de sua inteligência para entender e
da memória para reter.
O homem não conheceria aquilo que não se empenhasse com vontade, e também não
agiria se não quisesse agir, através da mesma vontade. em relação a ação, o homem não conhece

32 Santo AGOSTINHO, A Trindade, 1995, p.332-333.


33 Étienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.252.
34 Cf. Idem, p.253.
ou experimenta algum objeto simplesmente porque está em contato com ele, a vontade é
fundamental para que do experimento se adquira um conhecimento. Se o homem, em meio a
um diálogo, começasse a pensar em alguma coisa e não mais prestasse atenção no interlocutor
a sua frente, seu sentido de ouvir não deixaria de perceber um som, no entanto, pelo fato de não
estar prestando atenção no interlocutor, não saberia mais como responde-lo por não ter retido
as palavras em sua memória, teria, portanto, que se empenhar com vontade para reter e entender
o que o interlocutor está dizendo35. assim sendo, os sentidos também são governados pela
vontade, sem o qual, de nada valeria a experiência. Não levaria o homem a formar e a adquirir
novos conhecimentos, pois é através da vontade que o homem quer memorizar e quer inteligir
algo. Assim o homem também governa sua memória e inteligência através da vontade. pode-se
concluir então que “estando todas as operações da alma sob a dependência de nossas
determinações voluntárias, é verdadeiro dizer que a vontade é o homem”36. Eis a grande
importância da vontade no homem.
Mas Agostinho não para por aí e diz qual é o princípio da vontade. Se a vontade é
aquilo que move o homem e todas as suas potências e o faz sentir, imaginar e pensar, o que
move a vontade? Para Agostinho, é o amor que atrai a vontade, de forma análoga, como a
gravidade atrai as coisas para a terra, naturalmente. E o amor está sempre em função de um
bem, ou seja, o homem, porque ama um bem, deseja-o, e assim se move em direção a este bem.
Por causa do amor a um bem, o homem nunca está ocioso, este amor sempre produz alguma
ação no homem. Entretanto, o homem pode amar um bem inferior à um bem superior e isso faz
com que o leve a prática do mal.37 Na doutrina agostiniana, a felicidade do homem se encontra
na beatitude, e isto deveria ser o amor do homem, ou seja, aquilo em que o homem deveria se
orientar, para sua própria felicidade, através da virtude que é a única via que o conduz à
beatitude38.

3- Modernidade Líquida de Bauman

Na primeira parte foi desenvolvido os conceitos sobre livre-arbítrio e vontade em santo


Agostinho, mostrando que o homem é livre e que é movido por uma vontade livre, ao amar
algum bem, que por sua vez move sua vontade. Neste capítulo, será desenvolvido o conceito de
modernidade líquida em que Zygmunt Bauman faz uma análise da sociedade moderna e traz de
sua leitura uma visão atual da sociedade.

35 Cf. Idem, p.255.


36 Idem, p.256.
37 Cf. Idem, p.257-258.
38 Cf. Idem, p.260.
O mundo atual passa por um processo de globalização, onde as pessoas, em tempo
real, de forma particular, por meio da internet que é uma linha direta e continua, têm acesso a
um número de informações jamais tidas na história da humanidade. A globalização tem trazido
grandes mudanças na maneira de agir do homem, fazendo com que este forme novos conceitos
praticamente sobre tudo. Tudo se tornou planetário. O indiano com sua própria cultura, hoje
bebe de outras culturas e se torna, em certo ponto um brasileiro ou um americano, ou um
chileno, através apenas da internet, sem sair de sua terra natal, ou seja, um planeta atravessado
por “autoestradas da informação”39. Desta forma, o produto intelectual não tem mais fronteiras,
podendo todos terem acesso a terras e povos antes desconhecidos e incognoscíveis40.
Outro fator que Bauman aponta como sendo importante e que contribui fortemente
para a globalização é a abertura “à livre circulação de capital e mercadorias”41, em que as
relações globalizadas entre países tem se determinado por assuntos econômicos e de mercado,
e esta relação não é de forma alguma estável, ou pelo menos não por muito tempo. Os países
mais desenvolvidos sobressaem com relação a países menos desenvolvidos e essa vantagem de
um sobre o outro traz reflexos na maneira de como os países são governados. Um apontamento
feito por Jacques Attali, em La Voie humane mostra que “metade do comercio mundial e mais
da metade do investimento global beneficiam apenas 22 países que acomodam somente 14%
da população mundial, enquanto os 49 países mais pobres, habitados por 11% da população
mundial, recebem somente 0,5% do produto global – quase o mesmo que a renda combinada
dos três homens mais ricos do planeta”42. A globalização neste caso encontra-se no fato de que
os países mais pobres são afetados diretamente pelo mercado dos países mais desenvolvidos e
assim, a miséria de uns é consequência do desenvolvimento de outros. Portanto, a globalização
não trouxe apenas uma interação mundial e uma abertura positiva, para Bauman ela contribui
também para a desigualdade social presente hoje no mundo, ou seja, uma “globalização
negativa”43. A globalização traz algo de positivo quando esta respeita aquilo que é próprio de
cada país, como uma personalidade nacional ou características próprias culturais, intelectuais e
materiais naquilo que tem para ser oferecido e o que lhe falta, a receber. Porém, este “grau de
abertura”, termo utilizado por Karl Popper44 pode se transformar em algo incontrolável:

Se a ideia de “sociedade aberta” era originalmente compatível com a


autodeterminação de uma sociedade livre que cultivava essa abertura, ela agora traz à
mente da maioria de nós a experiência aterrorizante de uma população heterônoma,
infeliz e vulnerável, confrontada e possivelmente sobrepujada por forças que não

39 Zygmunt BAUMAN, Tempos Líquidos, 2007, p.11.


40 Cf. Idem.
41 Idem, p.12.
42 Idem.
43 Idem, p.13.
44 Cf. Idem.
controla nem entende totalmente; uma população horrorizada por sua própria
vulnerabilidade, obcecada com a firmeza de suas fronteiras e com a segurança dos
indivíduos que vivem dentro delas – enquanto é justamente essa firmeza de fronteiras
e essa segurança da vida dentro delas que geram um domínio ilusório e parecem ter a
tendência de permanecer como ilusões enquanto o planeta for submetido unicamente
à globalização negativa.45

Desta forma, é possível perceber o impacto gerado pela globalização em todos os


âmbitos humanos e sociais. Para Bauman, esta globalização negativa é responsável pela
injustiça presente no mundo atual. Condição para a paz, a justiça está sempre ameaçada, não se
tendo segurança, gerando assim a violência e conflitos em proporções locais, nacionais e
internacionais46. Estes conflitos, como a guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, por
exemplo, iniciada em 2001, após os ataques de 11 de setembro, geraram no mundo um
movimento de apreensão, de medo, e uma situação como esta gera no ser humano,
instintivamente, a auto defesa, um pensamento de que deve se preparar para um mal próximo e
inevitável. Todos estes fatores contribuem para uma instabilidade globalizada. Com este medo
instalado em grande parte da sociedade, os publicitários exploram deliberadamente os medos e
inseguranças e fazem disso verdadeiros motores para novos mercados, desde a venda de armas
bélicas às fechaduras que garantem a segurança contra a violência instaurada. “Tal como o
dinheiro vivo pronto para qualquer tipo de investimento, o capital do medo pode ser usado para
se obter qualquer espécie de lucro, comercial ou político”47. A consequência de toda esta
realidade – do acesso à informação, de um livre mercado, da violência, da insegurança e do
medo – é um individualismo crescente onde o indivíduo é forçado a buscar se defender de todos
estes ataques:

Com o progressivo desmantelamento das defesas construídas e mantidas pelo Estado


contra os tremores existenciais, e com os arranjos para a defesa coletiva, como
sindicatos e outros instrumentos de barganha, com cada vez menos poder devido às
pressões da competição de mercado que solapam as solidariedades dos fracos, passa
a ser tarefa do indivíduo procurar, encontrar e praticar soluções individuais para
problemas socialmente produzidos, assim como tentar tudo isso por meio de ações
individuais, solitárias, estando munido de ferramentas e recursos flagrantemente
inadequados para essa tarefa [...]. Elas excluem a possibilidade de uma segurança
existencial que se baseie em alicerces coletivos e assim não oferecem incentivo a
ações solidárias; em lugar disso, encorajam seus ouvintes a se concentrarem na sua
sobrevivência individual ao estilo “cada um por si e Deus por todos” – num mundo
incuravelmente fragmentado e atomizado, e portanto cada vez mais incerto e
imprevisível.48

45 Idem.
46 Cf. Idem, p.14.
47 Idem, p.18.
48 Idem, p.20.
Por fim, pode-se afirmar que a modernidade e a globalização geraram problemas antes
nunca vistos e enfrentados pelo homem. O que era para ser progresso, melhoramento e
qualidade de vida, se transformou em uma arvore, que plantada para enfeitar o jardim, cresceu
tanto ao ponto de precisar de poda, mas o homem moderno parece não ter as ferramentas para
executar tal tarefa. Dado a contribuição por parte de Zygmunt Bauman, chegou-se à conclusão
deste capítulo.

4- Uma análise da conjuntura social, entre Bauman e Agostinho

No primeiro e segundo capítulos foram desenvolvidos os conceitos de livre-arbítrio e


vontade em santo Agostinho para fundamentação deste capítulo, em que buscar-se-á uma
reflexão sobre a liberdade do homem diante da sociedade atual, trabalhada no terceiro capítulo
como sociedade ou “modernidade líquida”, tendo como base o pensamento de Zygmunt
Bauman.
É importante perceber que Santo Agostinho viveu em um contexto muito diferente do
atual, onde o próprio conceito de sociedade ainda não se conhecia como atualmente, e sua
doutrina se funda na fé revelada do cristianismo, atualmente rejeitada por boa parte da
sociedade, ainda que no contexto ocidental, toda a herança cultural seja cristã. Entretanto, o
bispo de Hipona sempre foi referência para seus predecessores e ainda hoje, é possível retirar
de sua doutrina inumeráveis ensinamentos para o mundo moderno. A própria liberdade, como
é trabalhada pelo hiponense coloca o homem numa posição única em meio ao universo.
A sua doutrina da vontade é possível ser experimentada por qualquer ser humano que
seja dotado de razão. Todo ser humano tem desejos e vontades, e muitas de suas ações só se
realizam por impulso de um desejo que move o homem para o fim desejado. Já o livre-arbítrio,
não seria possível ao homem ter sentimentos de desejo se estes mesmos sentimentos não fossem
livres, desejar alguma coisa pressupõe a liberdade desta mesma ação. O problema, então,
oferecido pela modernidade atual é se no homem existe de fato esta liberdade.
Bauman, ao desenvolver o conceito de modernidade líquida coloca em xeque esta
liberdade. O mundo atual produziu meios sem fins, meios em que o fim não é a felicidade do
homem, não buscam produzir dignidade, mas modernidade. O homem é um ser que em si tem
a necessidade de conhecer e de crescer, desenvolver-se, mas a modernidade trouxe avanços que
não fugiram destas realidades do homem. Por isso, a liberdade do homem encontra-se
ameaçada, não naquilo que tem de íntimo e pessoal, mas na sua exterioridade. O homem não
deixou de ter desejos e vontades, mas não encontra os meios necessários para realizar tais
desejos, e esses meios são aqueles que levem o homem a sua total dignidade.
Conclusão

O presente artigo trouxe em seu objetivo uma reflexão sobre a liberdade do homem
utilizando-se se da obra O Livre-Arbítrio de Santo Agostinho relacionando-a com o pensamento
do sociólogo Zygmunt Bauman sobre modernidade líquida. Desta forma, foram desenvolvidos
nos primeiros dois capítulos a visão sobre livre-arbítrio e sobre vontade na concepção de Santo
Agostinho. No primeiro capítulo, foi possível reconhecer como se dá a realidade do livre-
arbítrio no homem, no qual se pautam suas escolhas e decisões livres. Já no segundo capítulo,
foi aprofundado e desenvolvido o conceito de vontade, em que todas as ações do homem se
baseiam, ou seja, o homem age segundo suas vontades e aspirações, tendo no amor a algum fim
o motivo do seu agir.
Por fim, no terceiro capítulo tomou-se o pensamento de Bauman sobre modernidade
líquida afim de trazer uma visão atual da sociedade. Próximo de concluir o desenvolvimento,
no quarto capítulo, buscou-se uma reflexão sobre como a liberdade do homem atual sofre
influência da liquidez moderna e por isso passa por uma crise em que o homem parece não
gozar de uma liberdade em suas ações.
Ao longo do desenvolvimento notou-se que a visão de liberdade atual sofreu grande
mudança em relação ao pensamento agostiniano, onde o mundo atual, por meio de uma total
globalização gerou problemas humanos de magnitude social global, entretanto se exige do
indivíduo que ele busque soluções para estes problemas ou que procure conciliar sua vida ou
sua liberdade com o que não esta sob seu controle, devido as proporções, no entanto existe uma
parte da humanidade que exerce sua liberdade com largueza e estes são chamados assim a
trabalharem em prol daqueles que ainda não exercem sua liberdade de forma concreta, sem
terem voz diante de uma sociedade hedonista, levando a um paradoxo. Seria a sociedade de fato
um organismo ou são somente várias pessoas ocupando o mesmo espaço, mas cada um por si,
em suas espirações que não consideram nem os direitos nem o próximo?
O homem atual deve, portanto, buscar estabelecer novos pilares como dignidade,
liberdade, direitos e ética a fim de que a sociedade se torne de fato um organismo em que todos
são reconhecidos como membros e não como objetos. Talvez a alteridade seja o que os grandes
pensadores modernos devam se debruçar e buscar meios concretos para sua realização.
Ao fim, é preciso considerar o homem livre em suas ações, pois somente na liberdade
e na livre reflexão que o homem pode ser capaz de exercer o que tem de mais elevado em meio
a todas as criaturas: sua inteligência, seus sentimentos, sua superação e assim buscar um
desenvolvimento sadio, que não fira tanto sua própria integridade como dos meios que são para
si. Um olhar humilde e sincero para suas fragilidades e potencialidades levarão o homem a um
verdadeiro crescimento e desenvolvimento.

Referências
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Paulo: Paulus, 1995. (Patrística 8).
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ed. Campinas: Ecclesiae, 2017.
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Janeiro: Zahar, 2007.

GILSON, Étienne. Introdução ao estudo de Santo Agostinho. Tradução de Cristiane Negreiros


Abbud Ayoub. 2ª ed. São Paulo: Discurso Editorial; Paulus, 2010.

GILSON, Étienne; BOEHNER, Philotheus. História da Filosofia cristã: desde as origens até
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REALE, Giovanni. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 4ª ed. São Paulo: Paulus,
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