Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Líquida de Bauman
Conhece-te a ti mesmo2
Resumo: O presente artigo tem como objetivo trazer uma reflexão sobre a liberdade do homem,
com base na obra do filósofo e teólogo Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, trazendo seus
conceitos sobre liberdade, vontade e livre-arbítrio na busca de iluminar a sociedade atual no
que consiste ao uso de uma liberdade autêntica e suas consequências e, supondo sua existência,
como a liberdade pode influenciar para uma sociedade mais equilibrada e harmônica diante da
diversidade de uma modernidade líquida, segundo Zygmunt Bauman.
Abstract: The present article have as a goal to bring a reflection about the men’s freedom,
based on literary work of philosopher and theologian saint Agostinho, The Free Will, bringing
his concepts about freedom, will and free will on the search to ilumine the actual Society at
what depends on the autentic freedom and its consequences and, suposing its existency, how
the freedom cans influence in a Society more balanced and harmonic front of the diversity of a
liquid modernity, secund Zygmunt Bauman.
Introdução
Falar sobre o livre-arbítrio em Santo Agostinho pode parecer algo repetitivo, dado as
inúmeras obras, artigos e TCCs que já se debruçaram sobre este tema, porém, na filosofia,
nenhum tema se esgota, dado o progresso da história, que não se repete e que, a cada geração,
renova-se surgindo novas problemáticas e discussões, aumentam as descobertas científicas,
históricas e filosóficas. E diante do momento histórico em que o mundo se encontra, onde o
homem parece não saber lidar com o que Santo Agostinho denomina de “livre-arbítrio”, pode
ser oportuno falar sobre o tema, pelo qual o homem se torna, se este existe, responsável e livre
pelos seus atos. Para contribuir à reflexão proposta, será utilizado também o conceito de
Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman, afim de estabelecer os pontos de partida para uma
1 Seminarista da Diocese de São José dos Campos-SP e aluno da Faculdade Dehoniana de Taubaté-SP, graduando em Filosofia.
2
Cf. PLATÃO, Fedro, 2004, p.60.
conclusão atual de liberdade. Apoiando-se, então, à posição de Santo Agostinho sobre a
liberdade e de Zygmunt Bauman sobre Modernidade Líquida, buscar-se-á uma reflexão sobre
as ações e decisões do homem que atinge a sociedade atual, e como o ser humano poderia
contribuir para uma sociedade mais equilibrada utilizando-se de sua liberdade.
Na primeira parte, será desenvolvido o pensamento de Santo Agostinho sobre o livre-
arbítrio e a vontade, como se dão essas potencialidades no homem tido como corpo e alma3.
Num segundo momento, será trazido o pensamento do filosofo e sociólogo Zygmunt Bauman
sobre Modernidade Líquida, para se estabelecer uma visão atual da sociedade. Por fim, buscar-
se-á uma reflexão sobre como o homem, suposto sua liberdade, pode contribuir para uma
sociedade equilibrada e mais justa.
1- O livre-arbítrio
7
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 1973, p.249.
8 Battista MONDIN, Introdução à filosofia, 1980, p.93.
9 Etienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.23.
10 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.106-107.
11 Cf. Geovanni REALE, História da Filosofia, 1990, p.21.
12 Cf. Santo AGOSTINHO, Livre-Arbítrio, 1995, p.81.
superior, a capacidade de raciocinar logicamente, de analisar e fazer juízos sobre as coisas, e
ainda, concede a este a capacidade de perceber-se a si mesmo. O homem não só existe, mas
sabe que existe. Todas estas afirmações em Agostinho evidenciam como o homem é
privilegiado em relação às outras criaturas e que esta capacidade racional o coloca numa posição
favorável diante das outras criaturas deste mundo. Daí, Agostinho elabora o seu cogito. Se o
homem duvidasse de sua própria existência, a dúvida seria suficiente para reconhecer que
existe, pois não pode duvidar quem não existe, logo, quem duvida, existe13. A partir disto, o
homem pode, de fato, iniciar um processo de conhecimento seguro.
Portanto, desta afirmação conclui-se que existem princípios no homem que são
universais, por exemplo, que todo homem pensa. Estas universalidades, na obra ganham um
peso ainda maior, pois ao buscar a prova da existência de Deus, para então mostrar que o livre-
arbítrio do homem vem de Deus, Agostinho mostra que existem verdades eternas e imutáveis
que o homem pode alcança-las através de seu intelecto, ou seja, de sua razão. Isto conduz a uma
compreensão de que existem realidades – leis, normas, ordem – que não dependem do juízo do
homem, mas são extrínsecas a si mesmo, onde o homem apenas percebe estas realidades e é,
de certa forma, obrigado a reconhecê-las. Em sua Introdução ao estudo de Santo Agostinho,
Étienne Gilson explica: “uma verdade é sempre uma proposição necessária e, por isso, imutável.
Se digo que 7+3=10, não digo que a soma desses números foi ou deveria ser igual a dez, mas
que ela não pode não ser e que, consequentemente, é eternamente verdadeiro que a soma deles
seja igual a dez. Necessidade, imutabilidade, eternidade, tais são as características distintivas
de toda verdade”14. Aqui pode-se verificar que a liberdade do homem, ao menos no ponto em
que se depara com estas verdades imutáveis e eternas, tange um limite, não podendo ultrapassa-
las, pois isso seria danoso a sua própria natureza.
Os números, para Agostinho, são realidades onde a verdade se mostra de forma
inequívoca. E o cosmos se harmoniza numericamente. Em tudo há uma ordem que deve ser
obedecida, equilibrada, e no homem não é diferente. Ele é parte deste cosmos e é, mais do que
qualquer criatura, chamado a exercer suas potencialidades de forma livre, mas para um fim
comum, e não ter em si mesmo este fim. Por isso, sua liberdade é também para governar e
governar-se, exercendo sua faculdade racional15. Visto no início que a felicidade do homem
consiste em um bem ou Sumo Bem, quando ele deixa de governar sua liberdade através da
vontade não direcionando-as para um bem, ele gera um desequilíbrio, pois faz de sua própria
2- A vontade
27 Idem, p.252.
28 Idem, p.253.
29 Cf. Idem, p.24.
30 Cf. Santo AGOSTINHO, A grandeza da Alma, 2008, p.284.
31 Étienne GILSON, Introdução ao estudo de Santo Agostinho, 2010, p.419.
Eu me lembro que tenho memoria, inteligência e vontade; compreendo que entendo,
quero e recordo; quero querer, lembrar-me e entender; e me lembro ao mesmo tempo
de toda a minha memória, minha inteligência e minha vontade, toda inteira. O que não
me lembro de minha memória, não está em minha memória. Nada, porém, existe tão
presente na memória como a própria memória. Portanto, recordo-me dela em sua
totalidade. Do mesmo modo, tudo o que entendo, sei que entendo, e sei que quero o
que quero, e recordo tudo o que sei. Portanto, lembro-me de toda minha inteligência
e de toda minha vontade. igualmente quando entendo as três faculdades, entendo todas
ao mesmo tempo. Nada existe de inteligível que não entenda, a não ser o que ignoro.
E o que ignoro, não recordo e não quero. E o inteligível que não entendo, não recordo
e nem quero. Tudo, porém, que recordo e quero de inteligível, também o entendo.
Minha vontade abrange também toda minha inteligência e toda minha memória,
quando uso do que entendo ou recordo. Concluindo: como todas e cada uma das
faculdades se contêm reciprocamente, existe igualmente entre cada uma e cada uma
das outras, e cada uma com todas juntas em sua totalidade. E as três formam uma só
unidade: uma só vida, uma só alma e uma só substância.32
A vontade na alma tem uma função específica, apesar de estar sempre em relação com
as outras faculdades, mas aqui percebe-se sua necessária existência para a vida da alma que,
como visto acima rege o corpo animando-o e governando-o. A vontade será, então, objeto de
análise para concluir se o homem possui livre vontade ou se é determinado ou destinado a agir
segundo um determinismo fechado e rígido, onde não possui espaço para uma ação refletida e
querida.
Foi visto em outra parte que existe uma ordem que nasce das relações das coisas
inferiores com as coisas superiores, uma ordem regida pelas leis naturais encontrada em cada
criatura, lei esta que nasce da lei divina, eterna e imutável. Porém, diferente das outras criaturas,
no homem existe algo que o torna superior a estas, sua capacidade racional e de entendimento.
Ao distinguir a alma do corpo, foi visto que na alma do homem existe também a faculdade da
vontade, que em relação com as outras, são a vida mesma da alma. Por isso, para o homem, a
lei natural se coloca de forma diferente a das criaturas, ela se coloca em forma de lei moral, em
que o homem decide agir segundo elas ou não “consequentemente, tudo depende da decisão
que o homem tomar ou não tomar, de fazer reinar em si mesmo a ordem que ele vê ser imposta
por Deus à natureza”33. Mas o que de fato é a vontade no homem? Citando santo Agostinho,
descreve Gilson que a vontade é o movimento livre da alma para adquirir ou para evitar algo 34.
É pela vontade que o homem adquiri conhecimento, usando de sua inteligência para entender e
da memória para reter.
O homem não conheceria aquilo que não se empenhasse com vontade, e também não
agiria se não quisesse agir, através da mesma vontade. em relação a ação, o homem não conhece
45 Idem.
46 Cf. Idem, p.14.
47 Idem, p.18.
48 Idem, p.20.
Por fim, pode-se afirmar que a modernidade e a globalização geraram problemas antes
nunca vistos e enfrentados pelo homem. O que era para ser progresso, melhoramento e
qualidade de vida, se transformou em uma arvore, que plantada para enfeitar o jardim, cresceu
tanto ao ponto de precisar de poda, mas o homem moderno parece não ter as ferramentas para
executar tal tarefa. Dado a contribuição por parte de Zygmunt Bauman, chegou-se à conclusão
deste capítulo.
O presente artigo trouxe em seu objetivo uma reflexão sobre a liberdade do homem
utilizando-se se da obra O Livre-Arbítrio de Santo Agostinho relacionando-a com o pensamento
do sociólogo Zygmunt Bauman sobre modernidade líquida. Desta forma, foram desenvolvidos
nos primeiros dois capítulos a visão sobre livre-arbítrio e sobre vontade na concepção de Santo
Agostinho. No primeiro capítulo, foi possível reconhecer como se dá a realidade do livre-
arbítrio no homem, no qual se pautam suas escolhas e decisões livres. Já no segundo capítulo,
foi aprofundado e desenvolvido o conceito de vontade, em que todas as ações do homem se
baseiam, ou seja, o homem age segundo suas vontades e aspirações, tendo no amor a algum fim
o motivo do seu agir.
Por fim, no terceiro capítulo tomou-se o pensamento de Bauman sobre modernidade
líquida afim de trazer uma visão atual da sociedade. Próximo de concluir o desenvolvimento,
no quarto capítulo, buscou-se uma reflexão sobre como a liberdade do homem atual sofre
influência da liquidez moderna e por isso passa por uma crise em que o homem parece não
gozar de uma liberdade em suas ações.
Ao longo do desenvolvimento notou-se que a visão de liberdade atual sofreu grande
mudança em relação ao pensamento agostiniano, onde o mundo atual, por meio de uma total
globalização gerou problemas humanos de magnitude social global, entretanto se exige do
indivíduo que ele busque soluções para estes problemas ou que procure conciliar sua vida ou
sua liberdade com o que não esta sob seu controle, devido as proporções, no entanto existe uma
parte da humanidade que exerce sua liberdade com largueza e estes são chamados assim a
trabalharem em prol daqueles que ainda não exercem sua liberdade de forma concreta, sem
terem voz diante de uma sociedade hedonista, levando a um paradoxo. Seria a sociedade de fato
um organismo ou são somente várias pessoas ocupando o mesmo espaço, mas cada um por si,
em suas espirações que não consideram nem os direitos nem o próximo?
O homem atual deve, portanto, buscar estabelecer novos pilares como dignidade,
liberdade, direitos e ética a fim de que a sociedade se torne de fato um organismo em que todos
são reconhecidos como membros e não como objetos. Talvez a alteridade seja o que os grandes
pensadores modernos devam se debruçar e buscar meios concretos para sua realização.
Ao fim, é preciso considerar o homem livre em suas ações, pois somente na liberdade
e na livre reflexão que o homem pode ser capaz de exercer o que tem de mais elevado em meio
a todas as criaturas: sua inteligência, seus sentimentos, sua superação e assim buscar um
desenvolvimento sadio, que não fira tanto sua própria integridade como dos meios que são para
si. Um olhar humilde e sincero para suas fragilidades e potencialidades levarão o homem a um
verdadeiro crescimento e desenvolvimento.
Referências
AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. Tradução de Ir. Nair de Assis Oliveira. 1ª ed. São
Paulo: Paulus, 1995. (Patrística 8).
AGOSTINHO, Santo. A Trindade. Tradução de Agustinho Belmonte. 1ª ed. São Paulo: Paulus,
1995. (Patrística 7).
AGOSTINHO, Santo. A Grandeza da Alma. Tradução de Agustinho Belmonte. 1ª ed. São
Paulo: Paulus, 2008. (Patrística 24).
AQUINO, Santo Tomás de. Suma contra os gentios. Tradução de D. Odilão Moura, OSB. 2ª
ed. Campinas: Ecclesiae, 2017.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Leonel Vallandro, Gerd Bornheim. 1ª ed. São
Paulo: Abril Cultural, 1973. (Os Pensadores IV).
BAUMAN, Zygmunt. Tempos Líquidos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 2007.
GILSON, Étienne; BOEHNER, Philotheus. História da Filosofia cristã: desde as origens até
Nicolau de Cusa. Tradução de Raimundo Vier. 13ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
MONDIN, Battista. Introdução à Filosofia: problemas, sistemas, autores, obras. Tradução de
J. Renard. 2ª ed. São Paulo: Edições Paulinas, 1980. (Coleção filosofia 2).
REALE, Giovanni. História da filosofia: Antiguidade e Idade Média. 4ª ed. São Paulo: Paulus,
1990. (coleção filosofia v.1)
NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do. O que é Filosofia Medieval. 1ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1992.
PLATÃO. Fedro. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Editora Martin Claret, 2004.