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BENSON
e colaboradores
Platão
D837m
Dreyfus, Hubert L.
Michel Foucault, uma trajetória filosófica; (para além do estruturalismo e da
hermenêutica)/ Hubert Dreyfus, Paul Rabinow; tradução de Vera Porto
Carreto. Rio de Janeiro; Forense Universitária, 1995.
Tradução de: Michel Foucault beyond structuralism and hermeneutcs ISBN
85-218-0158-0
l. Foucault, Michel, 1926-1984. 2. Filosofia francesa.
I. Rabirow, Paul. II. Título. II. Série
95-1445 CDD194
CDU 1(44)
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Hugh H. PLATÃO
Benson Benson
CHARLES M. YOUNG
Autores Professor de Filosofia da Universidade de
Claremont. Autor de vários artigos sobre
HUGH H. BENSON (ORG.) Platão e Aristóteles, está atualmente
Professor e Chefe do Departamento de preparando uma monografia sobre virtude e
Filosofia na Universidade de Oklahoma; foi virtudes em Aristóteles, bem como
Samuel Roberts Noble Presidential Professor trabalhando no módulo sobre o livro V da
de 2000 a 2004. E o editor de Ensaios sobre a Ética Nicomaqueia de Aristóteles dentro do
Filosofia de Sócrates (1992) e autor de Projeto Archelogos.
Sabedoria Socrático (2000), bem como de
vários artigos sobre a filosofia de Sócrates, CHRISTOPHER JANAWAY
Platão e Aristóteles. Professor de Filosofia na Universidade de
Southampton. E autor de Imagens de
A. A. LONG Excelência: A Crítica de Platão às Artes e
Professor de Línguas Clássicas e Irving Stone publicou largamente na área de estética. Suas
Professor de Literatura na Universidade da outras publicações incluem Simesmo e
Califórnia, Berkeley. Suas obras mais recentes Mundo na Filosofia de Schopenhauer (1989),
incluem Estudos Estóicos (1996) e Epicteto: Schopenhauer: Uma introdução Muito breve
Um Guia Estóico e Socrático à Vida (2002). (2002) e Lendo Estética e Filosofia da Arte
Como editor e colaborador publicou O Guia (Blackwell, 2006).
de Cambridge à Primeira Filosofia Grega
(1999). CHRISTOPHER ROWE
Professor de Grego na Universidade de
C. D. C. REEVE Durham. Obteve um Cargo Professoral de
Professor de Filosofia com distinção Delta Pesquisa Pessoal do Fundo Leverhulme de
Kappa Epsilon na Universidade da Carolina do 1999 a 2004 e foi coeditor da Phronesis
Norte em Chapei Hill. E autor de Confusões de (Leiden) de 1997 a 2003. E autor de
Amor (2005) e Conhecimento Substancial: a comentários a vários diálogos de Platão e
Metafísica de Aristóteles (2000). Seu livro editou, com Malcolm Schofield, A História de
Reis-Filósofos: O Argumento da República de Cambridge do Pensamento Político Grego e
Platão será reimpresso em 2006. Romano (2000). Realizou a tradução de Ética
Nicomaqueia de Aristóteles (que deverá
CHARLES KAHN acompanhar um comentário filosófico por
Professor de Filosofia da Universidade da Sarah Broadie, 2001), editou Novas
Pennsylvania. E autor de Anaxlmenes e as Perspectivas sobre Platão com Julia Annas
Origens da Cosmologia Grega (1960), O Verbo (2002) e, com Terry Penner, escreveu uma
'Ser' em Grego Antigo (1973; reimpresso com monografia sobre o Lísis de Platão (2005).
nova introdução, 2003), A Arte e Pensamento
de Heráclito (1979), Platão e o Diálogo CHRISTOPHER SHIELDS
Socrático (1996) e Pitágoras e os Pitagóricos Membro Tutor da Lady Margaret Hall e Leitor
(2001). Universitário na Universidade de Oxford. E
THOMAS C. BRICKHOUSE
Professor de Filosofia no Lynchburg College e
co-autor (com N. D. Smith) de quatro livros e
numerosos artigos sobre a filosofia de
Sócrates. Escreveu também sobre Platão e
Aristóteles.
WILLIAM J. PRIOR
Professor de Filosofia na Universidade de
Santa Clara. Obteve seu título de doutor na
Universidade do Texas em Austin em 1975. E
autor de Unidade e Desenvolvimento na
Metafísica de Platão (1985) e Virtude e
Conhecimento (1991), editor de Sócrates:
Avaliações Críticas (4 volumes, 1996) e de
numerosos artigos sobre filosofia grega. Está
atualmente trabalhando sobre o problema
socrático e sobre a cosmologia grega.
resposta ............................................... 79
Sumário
A aporia socrática ................................. 81
Autores ....................................................... 4 O paradoxo da escrita ........................... 82
PLATÃO
Ap. Apologia
Chrm. Carmides
Cro. Crátilo
Cri. Críton
Erídano, com vistas a continuar seus II-V do nosso texto atual da República
estudos. Espeusipo de Mirrino, filho – foi publicada antes de 391, quando
de Potone, irmã de Platão, uniu-se ao Ecclesiazusae, a ousada peça de
grupo por volta de 390. O número de Aristófanes, parodiou seus elementos
nomes de matemáticos presentes em centrais (Thesleff 1982: 102-10). A
uma lista originalmente compilada Apologia, uma primeira versão do
por Eudemo na última parte do século Górgias, e o que é agora República I,
quarto a.C. é uma forte indicação que estava provavelmente também entre
o grupo de estudiosos amigos cresceu os diálogos que foram publicados
firmemente nos primeiros anos. É neste primeiro grupo. De tempos em
somente quando Eudoxo de Cnido tempos, Fedro e Lísis foram
chega, no meio dos anos 380, que considerados como também aí
Eudemo reconhece formalmente uma figurando – sobretudo em tradições
Academia. O bosque que iria mais fora da filosofia analítica anglo-
tarde ser a Academia, todavia, tinha americana desde a década de 1950.
um ginásio e amplos espaços abertos Há evidência abundante de revisão
frequentados por jovens intelectuais em vários diálogos, um obstáculo
– e não salas de aula ou anfiteatros insuperável para uma análise
para conferência. computacional definitiva do estilo de
Platão e, portanto, para a certeza
Platão já gozava de celebridade acerca da ordem em que os diálogos
fora de Atenas por volta de 385, foram escritos, exceção feita as
quando foi convidado à corte do últimos (Ledger 1989: 148-51).
tirano de Sicília, Dionísio I, que Contudo, a impressão de três
convidava regularmente atenienses períodos maiores em sua produção,
célebres ao seu palácio real com limites cinzentos, persiste na
fortificado em Ortigia, a península maior parte das tradições de
que se lança no porto de Siracusa. Isto interpretação (Nails, 1995, p. 97-114).
é uma indicação cogente que, ao lado
de seus estudos matemáticos e Platão nos diz que tinha quase 40
filosóficos, Platão tinha começado a anos quando viajou para a Itália, onde
escrever diálogos que eram copiados provavelmente visitou Árquitas em
e difundidos. Há evidência substancial Tarento, e para a Sicília, onde foi
que uma proto-República – que hospedado por Dionísio I, tirano de
compreendia a maior parte dos livros Siracusa. A viagem foi memorável, a
NOTAS
fazer filosofia e pensar coisas por nós somente como um termo útil para
mesmos antes que supor que contrastar com “cético”. Poucos
podemos encontrar o que precisamos leitores modernos tratariam Platão
em outros ou em livros. A última como de fato um “dogmático” por
perspectiva é a visão mais congênere conta das descrições explícitas do
aos naturais sucessores céticos processo filosófico que se encontra
modernos, os intérpretes educados nos diálogos.) O último tipo de leitura
na tradição analítica. é certamente atraente caso, por
exemplo, alguém se concentra nos
Contudo, se olharmos à inteira tipos de ideias que parecem ter sido
história da interpretação de Platão, os defendidas pelos sucessores
diálogos têm mais frequentemente imediatos de Platão na direção da
sido lidos como a fonte de um Academia, Espeusipo e Xenócrates. O
conjunto de teses altamente que poderia ser mais natural do que
significativas e conectadas acerca da supor que estavam seguindo os passos
existência e da natureza humana e de Platão e que suas perspectivas
acerca do mundo em geral, eram na realidade muito similares às
sustentadas com uma firmeza que de Platão, somente expressas de
cético algum poderia aceitar como modo mais explícito e direto, e não
justificada. Ou bem – assim mais escondidas por trás de diálogos
sustentaram seus leitores mais de ficção?
numerosos, na maior parte
“neoplatônicos” – estas teses estão lá Deve-se dizer de saída que a
em Platão para serem lidas, pelo balança de probabilidade parece
intérprete exímio, de cada e de todos estar do lado do tipo de interpretação
os diálogos, ou bem (em uma variante “dogmática” ou “doutrinal” antes que
relativamente recente deste mesmo do lado de sua contraparte “cética”.
modo “dogmático” de interpretação), Há simplesmente muitas ocasiões nos
elas se escondem por trás por diálogos em que mesmo Sócrates não
próprios diálogos, na forma do que somente parece comprometer-se
Aristóteles chamava “doutrinas não com ideias positivas (tanto quanto se
escritas”; para esta última compromete com algo), mas também
perspectiva, deve-se consultar, por não oferece razão para as rejeitar:
exemplo, Kramer, 1959; Szlezák, 1985; acerca da inconfiabilidade das
2004. (“Dogmático” é usado aqui avaliações ordinárias do que é bom e
Gláucon, é difícil ver por que deveria alma “saudável” será obviamente
nos satisfazer e, de fado, muitos preferível a vir a ter uma alma “não
leitores modernos se sentiram saudável”.
ludibriados, assim como se sentiram
ludibriados pela afirmação de Visto que nada disso é exprimido,
Sócrates, algumas linhas antes, sobre é improvável que seja o que convence
que a pessoa cujas partes da alma Gláucon: sua adesão ao argumento
fazem, cada uma, o que incumbe a parece ser muito mais superficial
elas – a definição de justiça, neste (podemos supor, por exemplo, que
contexto, que o caracteriza, para não está atraído pela analogia entre
dizê-la peculiar – muito justiça e saúde, especialmente depois
provavelmente será o menos afeito que a injustiça na alma foi associada
do que qualquer outro a cometer ao desvio de bens, roubo de templos,
coisas normalmente consideradas traição, quebra de palavra, adultério e
injustas. A situação, porém, fica assim por diante). Neste caso, como
inteiramente diferente se lermos o em muitos outros, Platão parece
argumento com base no contexto do operar em níveis diferentes, fazendo
tipo de psicologia socrática corrigida Sócrates oferecer a seus
que se acaba de supor que Platão interlocutores e talvez aos seus
tinha em mente, pois a alma próprios leitores que estão no mesmo
“saudável”, nos termos desta nível que os interlocutores de
explicação da alma humana, será Sócrates, um nível – ou pelo menos
exatamente aquela em que um tipo – de argumento que não é o
mesmo que interessaria a ele ou a
a) a razão vê corretamente que a Sócrates. No caso particular em
coisa justa é a melhor coisa a fazer questão, Sócrates de fato tinha dito
e próximo ao início do livro II que ele
b) não há fatores em contraposição, próprio estava satisfeito com os
na forma das partes irracionais argumentos que já tinha desenvolvido
indisciplinadas, que interfiram com no livro I em favor da justiça, como
esta compreensão correta. resposta a Trasímaco, mas diz que,
obviamente, terá de se esforçar para
E, se o que todos os agentes persuadir Gláucon e seu irmão
querem é o máximo bem (para si Adimanto, que se puseram, no início
próprios), então ter e manter uma do livro II, a retomar a defesa da
separa, a ele e a seu Sócrates, de seu tentar distinguir entre várias coisas
público, e os diálogos tipicamente, se diferentes: Sócrates falando in própria
não exclusivamente, representam persona; Sócrates adotando ou
uma conversa entre duas posições parecendo adotar a posição de uma
bem diferentes: uma conversa ao outra pessoa e Sócrates parecendo
longo da qual o Sócrates de Platão adotar um ponto de vista estrangeiro,
frequentemente parecerá tomar a quando de fato – a se reconstruir o
coloração e as premissas dos outros, argumento – ele mantém o seu ponto
enquanto de fato procura trazê-los à de vista. Acima de tudo, deve-se
sua posição, tanto quanto é possível sempre lembrar que o Sócrates de
trazê-los à sua posição sem uma Platão tem um ponto de vista (ainda
completa mudança de perspectiva. A que sutilmente mude ao longo dos
nova perspectiva envolverá o uso da diálogos, especialmente em relação
mesma linguagem, mas de um modo ao que tem a dizer sobre a ação
bem diferente, de modo que – para humana) e que é sempre provável que
tomar o exemplo mais óbvio – um esteja em jogo – mesmo quando não
conjunto bem diferente de coisas será nos está falando sobre ele. É nosso
denominado “bem” (porque são fracasso em reconhecer isso que
bons, ao passo que o tipo de coisas frequentemente nos leva a supor que
normalmente bem será no máximo há lacunas ou falácias simples
nem bom nem mau). envolvidas em seus argumentos,
quando simplesmente
As variações com que Platão joga compreendemos erradamente as
nesta estratégia são quase tão premissas que está usando (porque
numerosas quanto seus diálogos e esperamos dele que as exprima
não podem ser descritas aqui. Porém, sempre e ele não faz isso).
há certos princípios de leitura que,
aqui se propõem, deverão sempre ser No presente contexto, dada a
mantidos em mente por quem quiser ausência de demonstrações extensas
ler Platão. Primeiro, deve-se sempre sobre a utilidade destas proposições e
estar preparado a seguir o Sócrates de de sua capacidade em iluminar o texto
Platão, ou seus outros interlocutores de Platão, devem ser tomadas como
principais, aonde levam, por mais não mais do que um conjunto de
paradoxais que pareçam seus sugestões para leitura. Ademais, está
resultados. Segundo, deve-se sempre suficientemente claro a partir das
próprias posições, ele fez referência à parte” como fez Platão (Metaph.
às de seus predecessores, inclusive a XIII.4,1078b29-30). Estudiosos
Sócrates. Seu interesse principal ao tomaram esta passagem para marcar
proceder assim era mostrar que, uma distinção crucial entre Platão,
embora pensadores anteriores com sua doutrina das formas
pudessem ter antecipado alguns separadas, e Sócrates. Serviram-se
aspectos de seu pensamento, não o desta distinção para dividir os
levaram à perfeição. Sua tendência de diálogos em estágios de
ver os pensadores anteriores como desenvolvimento: um grupo socrático
prenunciadores de sua própria que não contém a doutrina das
posição gerou questões sobre a formas separadas e um grupo
objetividade de seu relato histórico. platônico posterior que a contém.
Portanto, como no caso de Platão, Todavia, o testemunho de Aristóteles
surge a questão se Aristóteles está gera mais questões do que as
relatando o que Sócrates disse ou o responde. Não é claro o que está
que ele pensava que Sócrates queria atribuindo a Sócrates: uma teoria de
dizer. Finalmente, alguns críticos de universais não separados, como a sua
Aristóteles como uma fonte sobre doutrina (que seria difícil de ser
Sócrates questionaram se havia algo conluiada com a profissão socrática
em seu relato que não se possa traçar de ignorância) ou meramente um
aos diálogos de Platão (Burnet, 1912, interesse metodológico na definição
p. xxiv). universal (ver o capítulo Definições
Platônicas e Formas). O testemunho
Os comentários de Aristóteles de Aristóteles sobre a autoria da
sobre Sócrates se restringem à sua teoria das formas separadas contradiz
filosofia e ele nos fornece várias duas passagens nos diálogos de
informações muito importantes. Vou Platão, nas quais Sócrates reivindica
aqui enfatizar duas. Primeiro, ele ser o autor da teoria: Phd. 100b 1-7 e
confirma o retrato de Platão de Prm. 130b 1-9. Isso levou John Burnet
Sócrates como alguém que e A. E. Taylor, no início do século
professava ignorância (SE 183b6-7). passado, a rejeitar o testemunho de
Segundo, ele nos diz que, embora Aristóteles. A maioria dos estudiosos
Sócrates buscasse definições e ficou do lado de Aristóteles sobre esta
centrasse sua atenção nos universais, questão, mas a tensão entre o retrato
ele não “fez os universais... existirem de Platão de Sócrates e o testemunho
É fácil imaginar, quando se está Isto nos leva à nossa questão final,
participando ou assistindo a um aquela que, mais do que qualquer
exame socrático, que Sócrates deve outra, deu origem ao problema
conhecer as respostas das questões socrático. Por mais que saibamos
que faz. Aqui novamente há acerca da vida de Sócrates, seu
desacordo entre as fontes. O Sócrates caráter, seus interesses e seu método,
de Platão insiste reiteradamente que os estudiosos ficarão insatisfeitos, a
menos que possam determinar quais com os outros, purificando suas almas
– se há alguma – doutrinas filosóficas de modo a estarem prontos para
Sócrates manteve. Aqui novamente, receber o conhecimento (230b-d). A
nossas fontes divergem; mais ainda, descrição que o estrangeiro de Eleia
há conflito internamente à nossa faz é um resumo preciso da atividade
fonte mais significativa, Platão. Nossa de Sócrates tal como descrita nos
incapacidade em responder a esta diálogos primeiros “socráticos”. Nem
questão a respeito da doutrina – vou o estrangeiro de Eleia nem nenhuma
argumentar – deriva desse conflito. outra personagem diz que a pessoa
De nossas fontes, Platão nos oferece assim descrita é Sócrates, mas
o retrato filosoficamente mais rico de dificilmente poderia ser outra.
Sócrates. Não somente nos primeiros Sócrates, neste relato, não é o
diálogos, mas também nas obras proponente de uma doutrina, mas
médias e tardias, Platão retoma alguém que examina as posições dos
sempre e sempre à questão da outros. Se ele tem suas próprias
importância filosófica de Sócrates. crenças, elas não estão em questão,
Três dos retratos platônicos mais pois seu interesse está inteiramente
significativos sobre Sócrates ocorrem ligado à purificação dos outros. Se há
em diálogos geralmente não uma verdade filosófica a ser
considerados pelos estudiosos como aprendida, o Sócrates aqui se limita a
socráticos. preparar o terreno para ela.
adolescentes e ao mesmo tempo sua Sócrates parece ser estéril porque ele
profissão de ignorância, assim como encobre sua fertilidade com uma
casos de ironia (ver o capítulo A máscara de ironia.
Ignorância Socrática). Não tão longe a
ponto de apresentar Sócrates como o Não vejo como resolver este
proponente de doutrinas filosóficas, conflito. Talvez se pudesse
mas diz que ele contém dentro de si argumentar que as duas analogias são
argumentos divinos, de raríssima compatíveis, no sentido em que
sensatez, que são construtivos para o nenhuma nos obriga a atribuir teorias
caráter: conduzem a pessoa ao filosóficas particulares a Sócrates.
verdadeiro bem. “Se você olhar para Tudo o que a analogia com Sileno
dentro dos argumentos de Sócrates”, requer, alguém poderia dizer, é que
diz Alcibíades, “você os verá repletos Sócrates possua argumentos que
de imagens de virtude” e o mesmo é podem ser usados para testar ideias
verdade se você olhar para dentro do filosóficas avançadas por outros.
próprio Sócrates. Assim, a riqueza destes argumentos
reside unicamente no poder que têm
A analogia com a parteira e a com de levar o interlocutor à verdade.
Sileno são poderosas e convincentes, Infelizmente, penso que esta
além de serem encontradas em nossa tentativa malogra. Ela ignora o fato
fonte de maior autoridade sobre o que a analogia com a parteira deve
Sócrates histórico. Porém, não tomar a profissão de Sócrates de
poderiam ser mais inconciliáveis. Uma ignorância como sincera, ao passo que
nos diz que Sócrates é infértil, que faz a analogia com Sileno exige que a
emergir nos outros verdades que ele tomemos como irônica. Também
não possui. A outra nos diz que ele requer o fato que, de acordo com
está repleto de argumentos divinos e Alcibíades, Sócrates, assim como suas
imagens de virtude de um modo que ideias e argumentos, está repleto de
é único entre os homens. Cada imagens divinas de virtude.
imagem explica a característica
central da outra como um tipo de Estamos diante de um “problema
ilusão: de acordo com a analogia com socrático” ao final, porque Platão nos
a parteira, Sócrates parece ser fértil legou duas imagens irreconciliáveis da
porque faz surgir rebentos nos outros; filosofia de Sócrates, imagens que
de acordo com a analogia com Sileno, nossas fontes não nos permitem
Parte I
O MÉTODO
PLATÔNICO E A
FORMA DE DIÁLOGO
você fosse conversar comigo, você como Sócrates. O que, então, fazer
pensaria que seria vantajoso falar mais com a rara referência ao próprio
alto para mim do que para os outros.
De mesmo modo, já que você tombou Platão, no início, quando Fédon,
com uma pessoa que tem pouca recontando a história ao seu amigo
memória, você terá de dar respostas Equecrates, lista os que estavam
curtas se eu devo seguir seu raciocínio. presentes? Muitos socráticos
(Prt. 334c8-d5; tradução de Lombardo eminentes são nomeados – então
e Bell)
Fédon diz: “mas Platão, penso, estava
doente” (59bl0). Ficamos
A observação de Sócrates vem ao
boquiabertos: se Platão estava
final de uma série de pontos acerca do
doente, como devemos tomar este
método e do procedimento, mas sua
relato do que ocorreu? Mas isso é
natureza extraordinária não nos deve
uma história premeditada, uma
passar despercebida: como poderia
elaboração, mesmo uma ficção, não
Sócrates, que pode nos dar um relato
um conjunto de minutas do encontro
aparentemente verbatim do inteiro
na prisão. E isso torna problemática a
encontro, alegar que tem pouca
relação de Platão com Sócrates se,
memória? Há por certo ironia aqui –
diferentemente dos outros socráticos,
mas por quê? A má concatenação
ele não escutou os argumentos finais
entre o relato de Sócrates sobre ele
de seu mestre. É a relação mais
próprio e sua habilidade em narrar a
complexa, menos direta, menos fácil a
história toda chama a atenção a como
ler do que a reprodução de doutrinas
o diálogo está sendo armado: por
escutadas da boca de seu mestre?
quê?
Uma outra característica do drama do
Fédon reitera a questão. O “quadro”
Outros diálogos são
do diálogo é o encontro direto entre
autoconscientes de modo similar.
Fédon e Equecrates, para quem Fédon
Pode-se tomar o Fédon como uma
narra os eventos na prisão. Porém,
tragédia, um relato emocionante do
por duas vezes o quadro interfere na
último dia de Sócrates, de seus
narração. Na primeira vez (88c8-
argumentos sobre a imortalidade da
89a9), o quadro reflete sobre o
alma e da devastação de seus amigos
argumento encartado, quando
no momento de sua morte. O diálogo
Equecrates comenta que ficou
tem um ar pietista e isso de novo pode
convencido por uma objeção à tese de
sugerir que Platão vê a si mesmo
Sócrates que a alma é imortal. Na
disso, ele só pode ser exemplificado cética, supõe-se também que isso seja
no malogro repetido das passível de generalização: a atividade
investigações filosóficas serem da filosofia está constantemente em
conclusivas. E isso pode ser evolução; inconclusiva, talvez, mas
generalizado: não somente os mesmo assim “a vida que não passa
diálogos “socráticos”, mas também por exame não vale a pena ser vivida”.
outros diálogos também fracassam Isso, assim como a interpretação
em produzir conclusões que sejam cética, repousa sua generalidade no
absolutas ou decisivas. Devemos fato mesmo que os diálogos são
notar – tal interpretação argumenta – multiformes, diferentes, com focos
que cada diálogo, não importa quão que discrepam enormemente uns dos
diferente pode ser um do outro, outros. E trata as questões filosóficas
termina com uma nota de indecisão. discutidas no interior dos diálogos
O Teeteto, por exemplo, depois de como de um modo ou outro
uma investigação exaustiva, malogra secundárias em relação à natureza
em explicar o que é o conhecimento; aberta do fim do processo de as
o Filebo se conclui com o relato discutir. A forma de diálogo, nesta
inacabado da melhor vida; mesmo a interpretação, está no coração da
República assinala seu fracasso em explicação platônica da filosofia.
produzir uma demonstração apelando
ao final ao mito. A forma de diálogo, O paradoxo da escrita
segundo esta interpretação, dá-nos
testemunho de um Platão cético. A natureza aberta do fim nos dá uma
explicação, ademais, de como os
De outro lado, talvez o que é diálogos escritos devem ser lidos. Os
importante seja a própria diálogos, como vimos, não
investigação. Mesmo se o ceticismo reivindicam estar exprimindo as
extremo não for o ponto da forma de opiniões de Platão; ao contrário,
diálogo – afinal de contas, nem tudo exprimem as opiniões das
que é dito ou defendido em um personagens retratadas por Platão. O
diálogo é refutado ou conduzido a um que o leitor deve fazer com tudo isso?
impasse –, a prevalência da aporia A posição do leitor, na verdade, pode
pode sugerir que cada diálogo é de ficar profundamente problemática,
um modo ou de outro “de final não menos porque o que ele lê está
aberto”. Assim como a explicação fixado de modo intratável:
Você poderia pensar que [as palavras provocar o leitor a pensar por si
escritas] estão falando como se mesmo. Todas as suas características
tivessem alguma compreensão, mas,
se você fez uma questão sobre algo peculiares e incongruências
que foi dito porque você quer ostensivas, então, devem ser
aprender mais, elas continuam a explicadas como armas do arsenal de
significar sempre exatamente a Platão para forçar a reflexão por parte
mesma coisa. Uma vez escrito, todo da pessoa que parece estar
discurso vai por todos os lugares,
atingindo indiscriminadamente os que
completamente fora da ação do
têm entendimento, não menos do que diálogo: aquele que o lê. Se a filosofia
os que não têm nenhum contato com exige discussão e diálogo, a filosofia
o entendimento, e não sabe a quem escrita pode afinal ligar-se a isso de
falar e a quem não falar. E quando é modo indireto – por meio da forma de
criticado e atacado injustamente,
sempre precisa do apoio de seu
diálogo.
gerador: ele sozinho não pode nem
defender-se nem vir em seu próprio Isto explica, então, por que Platão
apoio. (Phdr. 275d7-e5, tradução de não aparece nos diálogos: é para que
Nehamas e Woodruff) possa ganhar distância do que dizem
suas personagens e assim provocar de
As observações de Sócrates são melhor modo um diálogo com seu
paradoxais, obviamente, já que o leitor. Pode até explicar, como foi
ataque à palavra escrita é ele próprio sugerido, aquelas obras nas quais a
escrito em palavras. Porém, muitos forma de diálogo parece se ter
pensaram que o embaraço a respeito tornado uma formalidade vazia.
da escrita presta apoio às estratégias Platão pode fazer com que um diálogo
do autor Platão, à natureza proponha uma tese, mesmo uma tese
enigmática dos argumentos, aos que tem plausibilidade, quando o
encontros e às conclusões que Platão diálogo não ocorre mais (a explicação
apresenta, pois os diálogos, por mais da falsidade no Sofista, por exemplo),
complexos que sejam, exigem sem se comprometer absolutamente
reiteradamente uma interpretação; com sua verdade, sem declarar em
esta forma (esta forma somente?) sua própria voz que sabe que isso é
pode ser suficientemente flexível de verdadeiro. Esta distância que Platão
modo a proporcionar um embate toma das teses defendidas por suas
dialético com seus leitores. Assim, os personagens (lembre-se: no Fédon,
diálogos são inconclusos de modo a Platão estava doente) se ajusta bem
é melhor que não seja uma linha Dionisodoro não percebem ao longo
meramente cronológica: o Filebo, de todo o Eutidemo a insinuação de
comumente considerado como tendo Sócrates de que eles estão vazios
sido escrito na parte final da vida de daquilo a que deveríamos aspirar
Platão, é tão eticamente prenhe conhecer. Estes momentos irônicos
quanto se pode querer. não são diretamente representativos
porque eles operam ao
Segundo: esta ênfase no drama contrabalançar o que é representado
talvez não explique a relação entre o com aquilo que o leitor entende o que
quadro e o encartado. Pense na significa. Eles requerem interpretação
prática da ironia (socrática ou para além dos limites do próprio
platônica). Quando Sócrates é – ou é diálogo e fazem isso por meio do
acusado de ser – irônico, algo acerca quadro dramático.
do tom do que é dito ou alguma coisa
estranha no contexto indica que de Outro ponto de detalhe amplia o
algum modo Sócrates está escopo de um diálogo para além dos
escondendo de seu companheiro o confins da conversa representada: as
que realmente pensa (o que quer que conexões (frequentemente
se queira dizer ao afirmar que esta profundas e complexas) que são
personagem ficcional “realmente tecidas entre um diálogo e outro. Em
pensa” alguma coisa). Considere, por Phd. 72e3-73a3, por exemplo, Cebes
exemplo, este engano faz alusão à demonstração da
desconcertante do jovem Carmides reminiscência no Mênon (82b9-86b4).
levando-o a pensar que possui uma O cruzamento de referências serve
folha mágica que o livrará de sua dor não meramente como uma nota de
de cabeça: o leitor, mas não rodapé, mas a um objetivo filosófico
Carmides, pode pensar que talvez mais profundo. Com efeito, Sócrates
curar a dor de cabeça seja trivial em argumenta em seguida em favor da
comparação com a aquisição da teoria da reminiscência por meio de
virtude. Ou lembre-se das ocasiões uma discussão do fenômeno
quando Sócrates exprime surpresa cotidiano do ato de lembrar. Porém, o
extravagante quando alguém detalhamento deste fenômeno é
reivindica ter um saber especializado. imediato ao leitor somente se ele
Eutifro, por exemplo, fica surdo às lembrar a passagem do Mênon que
tiradas de Sócrates; Eutidemo e nos é pedido ter em mente e assim o
explicar, mas pelo menos não caíam ampará-las, como Grg. 464b2-465a7
em contradições. nos quer fazer acreditar, por exemplo,
acerca da alegação que, enquanto
Que tipo de explicação Sócrates doces são bons com leite e sonhos
pensa que um artesão pode dar e um com café, nenhum é gostoso com
poeta não pode? Seguindo uma pista uísque escocês. Ou pode ser que as
de Grg. 464b2- 465a7, podemos teses dos poetas podem ser
especular com plausibilidade que um adequadamente explicadas, mas não
médico do século quinto, por por seus proponentes, como um sábio
exemplo, tinha uma teoria acerca da idiota pode acreditar que
saúde humana que lhe fornecia 761.838.257.287 x 193.707.721 = 264 –
recursos conceituas para formular 1 sem ser capaz de realizar os cálculos
suas explicações. Poderia pesar, por necessários.
exemplo, que os corpos humanos são
feitos de terra, ar, fogo e água; que os A sugestão que isso é de fato a
seres humanos têm saúde quando o diferença que Sócrates vê entre os
calor, o frio, a umidade e a secura poetas e os artesãos se confirma pelo
associados a estes elementos estão fato que pensa que se deve dar uma
apropriadamente balanceados e explicação alternativa, em termos de
ficam doentes quando não há o talento natural ou inspiração, para a
balanceamento. Assim: “meu habilidade dos poetas em dizer
paciente está febril; isso deve “muitas coisas belas” em suas
significar que sofre de um excesso de composições. Esta é a prática padrão
calor; sangrá-lo retirará o excesso de de Sócrates nos casos em que alguém
calor e restaurará sua saúde”. A tem aparentemente o controle sobre
diferença entre os poetas e os algum assunto, mas não pode
artesãos, segundo esta sugestão, explicar-se adequadamente. Assim,
reside no fato que os artesãos no Górgias (464b2- 465a7), Sócrates
dispõem de uma teoria de amparo, ao alega que a arte de fazer doces não
passo que os poetas não. Por que passa pelo teste de explicação, visto
exatamente os poetas não dispõem que “não tem nenhum discurso sobre
de uma teoria de amparo não fica a natureza do que aplica pelo que
esclarecido. Pode ser que as “muitas aplica, de modo que é incapaz de
coisas belas” que os poetas dizem não exprimir a causa de cada coisa [que
são do tipo a terem uma teoria para faz]” (465a3-5, trad. Zeyl). Porém,
são inconsistentes (ver Kraut, 1984, p. (C)a (I) são equivalentes entre si e ao
285-8). Mais uma vez, Sócrates sabe supor que (I) e (B) acarretam que a
que pelo menos uma de (A), (B) ou (C) temperança não é calma, sem dar a
deve ser falsa, mas não tem razão Carmides, ou a nós, nenhuma razão
para abandonar nenhuma delas em para aceitar estas suposições que não
particular. são nem um pouco triviais. E, como
muitos já observaram há anos, o ar-
SÓCRATES ESTÁ TRAPACEANDO? gumento de Sócrates se aproveita da
ideia que o contrário de calmo é
Sócrates sustenta conjuntos de rápido, e não, como certamente
crenças que ele próprio sabe que não pretendia Carmides, tumultuoso,
podem ser elas todas verdadeiras. excessivo ou algo similar. É difícil
Porém, ao conduzir o elenchus, ele imaginar que Platão não estava
insiste continuamente para que o consciente de ambos os pontos, é
interlocutor largue a suposição que difícil imaginar que ele não está
ele estava questionando assim que representando Sócrates como
aparecer que a suposição é trapaceando.
inconsistente com outras coisas nas
quais o interlocutor acredita. É isso Porém, por vezes o que é difícil
correto? É isso trapacear, para pôr a de acreditar é verdadeiro; permitam-
questão como veio a ser posta depois me tomar um par de exemplos do Íon
da publicação de Vlastos, 1991, que, penso, são mais claros. Neste
especialmente cAp. 5, “Sócrates diálogo, o rapsodo Íon se atribui duas
trapaceia?” Se trapacear consiste em competências interligadas, uma
oferecer argumentos que se performativa e uma crítica. Ele alega,
reconhece ter uma base questionável primeiro, que é capaz de recitar os
ou se consiste em encorajar seus poemas de Homero com força,
interlocutores a abandonar as sentimento e efeito (530d4-5; cf.
suposições quando não se pode exigir 535b2-3). E alega, em segundo lugar,
tal coisa, parece-me claro que que é capaz de compreender a
Sócrates de fato trapaceia. Ele substância do pensamento de
provavelmente trapaceou no Homero (530c5) e de oferecer
argumento que acabamos de discutir observações críticas pertinentes a
do Carmides, ao supor que as este pensamento (530dl). Íon
formulações de também aceita a sugestão de
essas palavras com estas, tiradas da Porém, creio que, enquanto parte da
explicação que Aristóteles dá na agenda de Platão nos diálogos
Poética de sua tese que a poesia é socráticos consiste em explorar e
mais filosófica e séria do que a desenvolver várias ideias acerca da
história, já que está relacionada a explicação ou causalidade e abstração
universais, não a particulares: que impulsionam a dialética, ele evita,
com apenas algumas exceções (p. ex.,
“entendo por afirmação universal Euthphr. 5dl-5), dar uma
uma que dirá que coisa provável ou apresentação oficial destas ideias até
necessariamente fará um tipo de o Fédon. Por exemplo, em Chrm.
homem, o que é o alvo da poesia, 159b5- 160d3, como vimos, Sócrates
embora ela afixe nomes próprios aos supõe que:
seus personagens” (Poet. 9, 1451b8-
10; trad. Bywater ligeiramente I. Coisas rápidas não são menos
modificada). É a mesma ideia. Platão belas ou admiráveis do que coisas
retoma aos poetas em outro lugar, na calmas (160d2-3) e
República. Porém, ele reserva suas A. A temperança é uma das coisas
armas pesadas na “antiga batalha belas ou admiráveis (159cl).
entre poesia e filosofia” para o livro X, Implicam a falsidade da definição
depois de ter desenvolvido nos livros original de temperança de
IV e livros VIII-IX uma teoria do caráter Carmides:
humano que a torna província da B. Temperança é calma (159b5-6).
filosofia, não da poesia (ver o capítulo
Platão e as Artes). Ele não tem esta Por quê? (B) trata da temperança
teoria no Íon ou não pode, por alguma entendida como um estado do
razão, desenvolvê-la lá. Assim, a razão caráter: é pensada como algo que está
por que a Íon não é permitido dizer o (ou pode estar) em Carmides (veja,
que quer e reivindicar conhecimento por exemplo, 158e6- 159al). É claro a
do caráter humano é que Platão não partir dos argumentos de apoio a (I),
está em condições, no Íon, de em contraste, que é acerca de ações
responder a ele. rápidas e calmas. O que as conecta?
Se (I) e (B) devem ser de algum modo
Quanto a (a), (b) e (c), posso relevantes para a verdade de (A),
somente fazer sugestões (algumas temos de ler (I) como dizendo algo
das quais baseado em Johnson, 1977). acerca das ações que a temperança
e (C) como dizendo que é a coragem para isso teremos de dedicar muito
nas ações corajosas que toma estas mais estudo do que até agora fizemos
ações belas ou admiráveis, e a à dialética dos diálogos socráticos.
perseverança em ações (Passos decisivos nesta direção são
perseverantes sábias é o que as toma feitos por Dancy, 2004. Ver também o
belas ou admiráveis, assim como capítulo Definições Platônicas e
lemos que “o amor é cego” (com Formas.)
desculpas a Jessica no Mercador de
Veneza II virtude 36-9) como dizendo CONCLUSÕES
que o amor nas pessoas que amam os
toma cegos aos erros daqueles que Do modo como descrevi o elenchus
eles amam. Se lermos (G) e (C) deste socrático, ele se vale de um exame
modo e se somos ligados à ideia que cruzado para extrair contradições dos
interlocutores no intuito de expor ao
H. Características similares devem conhecimento suas teses falsas.
ser explicadas por referência a
fatores explicativos similares (cf. Sócrates tinha interesse em expor
PhD. 97a2-b3), estaremos estas teses porque acreditava que
inclinados a concluir, com falsas convicções acerca de questões
Sócrates, que: importantes da vida humana
I. Perseverança sábia é coragem bloqueavam o caminho da felicidade
(192dl0- 11). das pessoas que tinham estas
convicções e que suas falsas
E se notássemos que ações convicções deviam ser removidas se
justas, ações temperantes, etc. são devessem ter chance à felicidade.
também belas ou admiráveis, nos Porém, a agenda dos diálogos
encontraríamos, dado socráticos de Platão vai bem além da
agenda crítica de Sócrates. Alguns de
(H), já a bom caminho da unidade das seus itens são: fazer homenagem a
virtudes na ação. Sócrates e compreender tanto o
homem quanto suas posições
Creio, então, que pode bem ser positivas; distinguir Sócrates de
possível encontrar racionalidade nas outros com os quais poderia ser
inferências nas passagens (a), (b) e (c) confundido (sofistas, erísticos, Crítias,
listadas no início desta seção. Porém, etc.); examinar as credenciais de
universais que não são alguém faz, direi que é pio, e o que
suficientemente universais, como quer que não seja tal, direi que não [é]
pio.
observa Sócrates. O que ele diz é (6d6-
8):
Aqui temos não somente
... Porém, Eutifro, você diria que Substitutividade, mas também o
muitas outras coisas são também pias. Requerimento de
Eutifro: Pois elas também são [pias]. Explicação (que “forma ela própria
pela qual todas as coisas pias são
Até aqui, tudo o que temos é pias”), bem como o Requerimento de
Substitutividade, em particular (Nec): Paradigma (“servindo-me dela como
há outras coisas pias além de um paradigma, o que quer que seja
processar malfeitores, de sorte que tal como ele é... direi que é pio, e o
não nos dá uma condição necessária que quer que não seja tal, direi que
para a piedade. não [é] pio”). Porém, tudo o que
Sócrates requer no argumento contra
O que Sócrates diz a seguir vai (D^io) é (Nec); ele não faz uso algum
além disso (6d9-e7): desses requerimentos adicionais. Fará
isso mais tarde, e eles terão um
Sócrates: Então, você lembra que eu emprego separado (ver a seguir).
não lhe disse para ensinar-me uma ou
duas das muitas coisas pias, mas
Em outros diálogos, o
aquela forma ela própria pela qual
todas as coisas pias são pias? Você, Requerimento de Substitutividade é
pois, disse, eu penso, que é graças a empregado sem menção aos outros.
uma ideia [= forma: veja No Laques, a primeira tentativa
anteriormente] que as coisas ímpias (190e5-6) de definir a coragem como
são ímpias e as coisas pias, pias; ou
“fincando o pé” fracassa porque há
você não lembra?
ações corajosas que não envolvem
Eutifro: Lembro-me, de fato. “fincar o pé”, mas, de fato, recuar
(191a5-c6); Sócrates quer, diz ele, “o
Sócrates: Então, ensina-me esta ideia, que é o mesmo em todos os casos”
o que é, de sorte que, olhando para ela (191el0-ll). Aqui o definiens não logra
e servindo-me dela como um a Substitutividade ao malograr em dar
paradigma, o que quer que seja tal uma condição necessária. A segunda
como ele é entre as coisas que você ou
7b2-4, d9- e4) que os deuses belo ou qualquer outra coisa não
discordam entre si, e alguns aprovam relativamente, ao passo que qualquer
(o “amor) que outros desaprovam. ou todos os casos corriqueiros das
Sócrates generaliza isso, legitima- coisas pias e belas são meramente
mente ou não, na tese que as mesmas relativamente pias, este definiens não
coisas são todas amadas ou odiadas poderá ser substituído por “pio” ou
pelos deuses e conclui que as mesmas “belo” nos casos corriqueiros, pois
coisas são todas pias ou ímpias (7el0- este definiens não nos fornece um
8a9). Precisamos da Substitutividade termo coextensivo ao termo definido,
para isso, mas o que realmente solapa mas sim um termo que designa uma
(D2PÍ0) é isto (8al0-12): única instância do termo definido,
ainda que uma instância perfeita.
Sócrates: Você, então, não respondeu
ao que perguntei, surpreendente Uma das características do
amigo, pois não estava perguntando
por aquilo que é, enquanto é a mesma
discurso de Sócrates que tende a
[coisa], de fato pio e ímpio; porém, ao apoiar o Requerimento de Paradigma
que parece, o que é amado pelos é seu hábito não invariável, mas
deuses é também odiado pelos comum de se referir ao que quer
deuses. definir usando expressões nominais
genericamente abstratas como “o
A crítica não é que há uma pio” ou “o belo” no lugar de nomes
contradição na conclusão que as abstratos como “piedade” ou
mesmas coisas são pias e ímpias; “beleza”. (Por exemplo, o nome
antes, é que (D2pio) fracassa quanto abstrato “beleza” ocorre somente
ao Requerimento de Paradigma: o uma ou duas vezes no Hípias Maior
que é amado pelos deuses não é em 292d3 e provavelmente em uma
consistentemente pio, isto é, pio e citação de Heráclito em 289b5; em
sob nenhuma circunstância ímpio. todos os outros lugares neste diálogo,
ele emprega “o belo”.) Isto toma a
O Requerimento de Paradigma é
tese que o belo é belo parecer uma
problemático: não é em nada óbvio
tautologia; a tese que o belo é feio,
que uma definição possa ao mesmo
uma contradição. Assim, a
tempo satisfazer a ele e à
“Autopredicação” (esta expressão
Substitutividade. Claramente, se um
remonta a Vlastos, 1954) (ver
definiens nos fornece algo que é pio, também o capítulo Problemas para as
aceita por interlocutores que nunca observa que uma moça bela, ainda
refletiram sobre estas questões, que bela quando comparada a um
como (novamente) Protágoras no macaco, é feia quando comparada a
Protágoras (332b6-e2) ou, em um deus (289al-b7), e reformula isso
contextos de busca de definição, na seguinte objeção (289c3-d5,
Carmides e Hípias. omitindo algumas complicações):
papel. (Não é que não haja mais conhecimento é a única coisa boa que
pedidos de definição, mas é existe (87c5-89a7) (ver também o
abandonada a sugestão que, na capítulo O Método da Dialética de
ausência de uma definição, nada se Platão).
pode dizer a respeito.) E com isso é
abandonada a outra novidade a que Porém, ele então solapa seu
devemos prestar atenção: o próprio argumento ao sugerir que,
abandono da Suposição além do conhecimento, a crença
Intelectualista traz consigo um verdadeira também seria uma boa
método de lidar com questões não coisa (96d7-97cl0). Isso é atenuado
definicio- nais como a de saber se a pela sugestão ulterior que a crença
excelência pode ser ensinada, o verdadeira não é tão boa como o
“Método da Hipótese”, do qual conhecimento (97cll-98b6), mas,
Sócrates fornece agora uma descrição então, isso é, por sua vez, objeto de
sumária e bem obscura (86el-87b2). O retratação parcial (98b7-d3) e o
método certamente tem suas raízes diálogo termina, ao modo socrático,
na matemática, no Método de Análise sem conclusão.
da geometria empregado pelos
matemáticos gregos (para uma A Doutrina da Reminiscência, a
exposição, ver Menn, 2002). O retirada da Suposição Intelectualista e
método geométrico envolve iniciar o Método da Hipótese dificilmente
com uma questão cuja resposta é de são socráticos, caso tomarmos os
início desconhecida e funciona para diálogos discutidos anteriormente
trás, em direção às suposições que (se como a pedra de toque do
tudo funcionar corretamente) por fim socratismo. Assim, parece bem
são derivadas de coisas conhecidas, plausível que temos, no Mênon,
como os axiomas geométricos. Platão jogando sua cartada. Ele está,
Sócrates quer aplicar isso à questão de ao que parece, preparado agora a
Mênon sobre a excelência admitir que podemos usar termos
perguntando que suposições seriam sem uma definição explícita e que,
suficientes para nos dar a conclusão quando as definições são exigidas,
que a excelência pode ser ensinada nosso modo de as obter é devido à
(87b2- c3). Ele volta à suposição que a nossa apreensão pré-natal do que
excelência é um tipo de conhecimento deve ser definido.
e, daí, à suposição que o
que não esperamos tal complemento contraste entre ele e “o belo” a este
com “isto é belo”. Talvez, porém, as respeito. E talvez isso tenha a ver com
coisas não tenham soado assim para a familiaridade prévia com o
Platão, pois, como já vimos em pitagórico Filolao (ver 61d6-e4); os
conexão com o Hípias Maior, teria pitagóricos se ocupavam muito da
exigido complementar “isto é belo” noção de igualdade. (Isso é,
com uma cláusula explicando obviamente, uma conjetura, mas não
relativamente a que era belo, em que é uma conjetura, por outro lado, o
contexto, aos olhos de quem e assim contraste entre o conhecimento que
por diante. Dito sumariamente: Símias tem da definição de “igual” e
tomamos “igual” como um termo de sua falta de conhecimento para a
relação; Platão tomou “belo” como definição de “belo”.)
também sendo um termo de relação.
De qualquer modo, em 74b4-c6,
Por que passar a “igual”? Por que tendo gerado em Símias a pretensão
não manter sempre “belo”? Aqui de saber o que é o igual, Sócrates
devemos prestar atenção ao que diz continua argumentando que o igual é
Símias. Em 74b2-3, ele diz que sabe o distinto de quaisquer pedaços de pau
que é igual; isso deve significar que corriqueiros, pedras ou o que quer
está em posição de dar uma definição que seja que nos leva à reminiscência
do termo (definição que, dele. O argumento é, para exprimi-lo
lamentavelmente, ele não formula; esquematicamente (os detalhes são
para uma possibilidade, ver Prm. bem complexos), o que foi dado
161d). Em 76b5-c5, ele dá expressão acima como um exemplo do
ao temor que, uma vez Sócrates Argumento da Relatividade, mas com
morto, não haverá mais ninguém que “igual” substituindo “belo”:
possa dar definições de termos como
“o belo” (mencionado junto com (ARE) Há algo como o Igual.
outros casos em 75cl0-d4). Sócrates,
como todos sabemos, vai morrer ao (ARC) Uma [coisa] igual corriqueira é
final do Fédon, mas Símias não. Assim, também desigual.
deve ser que ele não sabe o que
(digamos) é o belo e não pode defini- (ARIgual) O Igual nunca é desigual.
lo. E, então, deve ser que a razão para
pegar “o igual” é precisamente o .•. (ARC) O Igual não é o mesmo que
8), algo vem a ser dois porque um exame mais aprofundado, ainda
participa da Forma da Díade (101cl-6) que as tomemos por convincentes. E
se você as analisar adequadamente,
e algo vem a ser grande porque seguirá, penso, o argumento tão longe
participa da Forma da Grandeza quanto o pode um homem e, se a con-
(100e5- 101a5). A partir deste clusão for clara, você não mais
princípio causai “seguro” (novamente inquirirá. (107b5-9).
presumivelmente com várias
premissas subsidiárias), Sócrates Esta última passagem torna
infere um princípio causai “mais sutil”, explícito que Sócrates supõe que está
de acordo com o qual uma coisa vem pondo em prática o tempo todo o
a ser o que é, digamos F, por possuir método que propõe. Ele pôs o foco, é
algo que implica F-dade. Por exemplo, verdade, no primeiro dos dois
três vem a ser ímpar por possuir processos que caracterizam o
Unidade que implica Imparidade, ou o método: o processo de identificar e
corpo vem a ser quente por possuir obter as consequências das hipóteses
fogo que implica Calor (105b5-c6). para a questão analisada, neste caso a
Neste ponto, Sócrates inicia seu imortalidade da alma. Porém, ele aqui
argumento final em prol da sustenta que o método não estará
imortalidade da alma, que pode ser completo até que se volte ao segundo
resumido como segue. O princípio processo de verificar e confirmar as
causai “mais sutil” implica que, se a hipóteses empregadas. Assim, aqui no
presença de uma coisa torna x F, Fédon, para o argumento final crucial
então esta coisa não pode ser não F. em prol da imortalidade da alma,
Por exemplo, se a presença de fogo na Platão parece estar apresentando
água torna a água quente, então o Sócrates pondo em prática o método
fogo não pode ser não quente. Dado que propõe, assim como no Mênon.
que a presença da alma torna o corpo
vivo, se segue que a alma não pode Obviamente, dito isso, o
ser não viva. Ela não pode morrer. Ela esquema deste argumento final em
é imortal. Depois de reconhecer que a prol da imortalidade da alma ignora
“hesitação privada” que permanece a um variegado de dificuldades em
Símias é aceitável, Sócrates conclui o torno do argumento e da
argumento do seguinte modo: interpretação do método proposto.
Por exemplo, talvez se objetasse que
Nossas primeiras hipóteses requerem não se pode derivar consequências
método que faz com que Sócrates entender um “primeiro princípio não
proponha e empregue nos livros hipotético de tudo” – algo diante do
centrais da República. O malogro de qual ele parece simplesmente fora de
Platão em apresentar Sócrates pondo propósito. Por agora, todavia,
em prática um método que confirme podemos concluir que um exame
suas hipóteses ao ponto do “primeiro completo do método da dialética em
princípio não hipotético de tudo” Platão não deve confinar-se às
justifica a condição de sucedâneo da afirmações explícitas de Sócrates a
prática de Sócrates nestes diálogos. O respeito do método nos diálogos
método se encontra em algum lugar centrais de Platão. Deve também
entre o método dianoético e o olhar para a prática de Sócrates nestes
dialético. Ele fracassa em confirmar diálogos. Para voltar à citação de
suas hipóteses ao ponto do “primeiro Robinson com a qual começamos este
princípio não hipotético de tudo”. capítulo, no Mênon, no Fédon e na
Porém, reconhece a necessidade de República Platão dá proeminência ao
fazer isso. Por que Platão prefere não método bem como à metodologia.
apresentar Sócrates confirmando
suas hipóteses até tal princípio, dado NOTA
que reconhece que precisa fazer isso,
exige uma resposta. Para dar início a As traduções de Platão foram tomadas de J.
M. Cooper (ed.) Plato: Complete Works
tal resposta é preciso um estudo
(Indianápolis: Hackett, 1997).
detalhado da explicação de Platão da
Forma do Bem, inclusive de por que REFERÊNCIAS E LEITURA
prefere discuti-la por meio de uma COMPLEMENTAR
analogia nos livros centrais da
República (ver o capítulo O Conceito Annas, J. (1981). An Introduction to Plato’s
de Bem em Platão). Também requer Republic. Oxford: Clarendon Press.
distinguir entre praticar filosofia como Bedu-Addo, J. D. (1984). Recollecdon and the
um método de descoberta filosófica e ar- gument from a hypothesis in Plato’s
praticar filosofia como um método de Meno. Journal ofHellenic Studies 104, pp. 1-
instrução filosófica, e considerar 14.
como escrever em filosofia (em forma Benson, H. H. (2003). The method of
de diálogo ou não) está relacionado a hypothesis in the Meno. Proceedings of the
ambos (ver o capítulo A Forma e os Boston Area Collo- quium in Ancient
Philosophy 18, pp. 95-126. Bluck, R. S. (1961).
Diálogos Platônicos). Por fim, requer
Parte II
A EPISTEMOLOGIA
PLATÔNICA
T3. Diga-me, então, o que é esta forma (1) nem (2) teriam um uso para
em si mesma, de modo que possa olhar determinar quais ações são pias e
para ela e, usando-a como um modelo
[molde ou padrão, paradeigmá], dizer quais não são. Assim, não podem ser
que toda ação sua ou de outra pessoa exemplos do que Sócrates está
que for deste tipo é pia e, se não for, procurando e ainda não encontrou. O
não é pia. (Euthphr. 6e3-6) que ele quer é algo que possa servir
como um “molde interno” para pôr os
Para compreender o que está candidatos a ações e pessoas pias
sendo introduzido pelo requerimento para ver se elas se qualificam como
expresso em T3, considere o que sendo pias.
ocorreria se alguém respondesse a
Sócrates dizendo: No diálogo Carmides, Sócrates
pergunta o que é sôphrosunê
1. Piedade é o que todas e somente (“temperança” ou “prudência”). Mais
as ações pias necessariamente têm adiante no diálogo, Crítias propõe o
em comum “autoconhecimento” como sua
resposta à questão “o que é
Ou dizendo: sôphrosunê?”. Ele desafia Sócrates:
“quero agora dar uma explicação
2. Piedade é o que justamente torna desta definição, a menos, é claro, que
pias as coisas pias. você já esteja de acordo que a
temperança seja conhecer a si
mesmo” (165b). Sócrates replica: você diz, estaria fazendo isso por algu-
ma razão outra que a que daria para
T4. Mas Crítias... você me feia como se uma investigação completa de minhas
eu declarasse conhecer as respostas às próprias afirmações – o medo de pen-
minhas próprias questões e como se sar inconscientemente que eu sei algo
pudesse concordar com você se quando eu não sei. E é isso que preten-
realmente assim o desejasse. Não é do estar fazendo agora, examinando o
isso – antes, por causa de minha argumento primariamente para mim
ignorância, estou continuamente mesmo, mas talvez também para meus
investigando em sua companhia o que amigos. (166c7-d4)
for proposto. Todavia, se eu refletir
sobre isso, estarei pronto a dizer se Minha sugestão é que saber o que é a
concordo ou não. Espere somente que piedade ou a temperança, no sentido
eu reflita. (165b4-c2) de ser capaz de dar de modo
informativo condições necessárias e
No diálogo, Sócrates deixa claro suficientes para que um ato ou pessoa
que não pensa que saiba como conte como sendo pia ou temperante,
responder satisfatoriamente à seria, de acordo com Sócrates,
questão “o que é a sôphrosunê?”. conhecer algo belo e bom. Se esta
Contudo, e isto é um ponto resposta estiver na direção correta,
interessante que temos de ter em então as diferentes peças da história
mente, ele se apronta a dizer se do oráculo passam a se ajustar bem
concorda ou não com a sugestão de umas com as outras.
Crítias, isto é, se pensa que se trata de
uma explicação satisfatória do que a A história da filosofia
sôphrosunê é, assim que tiver tido a subsequente mostrou como é
oportunidade para penar sobre isso. irritantemente difícil chegar a uma
análise satisfatória de qualquer
Um pouco mais adiante no conceito filosoficamente
mesmo diálogo, Sócrates liga a busca interessante. Entre os conceitos
pelo que é a temperança à sua decisão filosoficamente interessantes
de não pensar que sabe o que ele não incluímos os éticos, como bravura,
sabe. Novamente ele está se dirigindo virtude, piedade e temperança, todos
a seu interlocutor Crítias: nos quais Sócrates estava
interessado. Porém, devemos
T5. Ah sim!... como você pode pensar
que, ainda que eu refute tudo o que também incluir noções metafísicas,
como causa, tempo e número, para os Neste ponto, uma questão muito
quais filósofos posteriores tentaram importante surge. Se Sócrates não
encontrar, com grande engenho e de sabe o que a piedade é, a coragem ou
modo informativo, condições a temperança, pelo menos não no
necessárias e suficientes, bem como sentido forte de ser capaz de dar de
conceitos epistemológicos, como modo informativo um conjunto
verdade e o próprio conhecimento. satisfatório de condições necessárias
Ora, nenhum de seus esforços foi e suficientes para que uma pessoa ou
aceito universalmente. Não devemos, uma ação conte como pia, corajosa ou
portanto, nos surpreender que os temperante, como pode ele saber
cidadãos atenienses que Sócrates que tal pessoa ou tal ação é pia,
questiona não eram capazes de dar, corajosa ou temperante?
de modo informativo, as condições
necessárias e suficientes para que PRIORIDADE DO CONHECIMENTO
uma ação contasse como corajosa, DEFINICIONAL
pia ou justa. Por outro lado, não
devemos nos surpreender tampouco O próprio Sócrates se põe esta
de encontrar Sócrates pensando que questão em vários diálogos, inclusive
ser capaz de fornecer no Hípias Maior, onde a questão em
satisfatoriamente explicações deste discussão é “o que é to kalon.7” (isto
tipo para os conceitos morais em é, “o que é o belo, o bom ou o
particular seja tão importante para a nobre?”). Eis aqui parte da fala final
vida moral que nossa incapacidade de de Sócrates a Hípias:
fornecer tais condições é uma
ignorância fatal. Até mesmo T6. Se eu mostrar a vocês, homens
sábios, o quão sem saída [isto é, quão
reconhecer que não se é capaz de perplexo] estou, fico enlameado por
fornecer tais explicações para a suas falas quando o mostro. Vocês
virtude e para as virtudes individuais, todos disseram o que você acabou de
como coragem e piedade, poderia dizer, que estou perdendo tempo com
contar como uma forma de coisas que são triviais, pequenas e sem
valor. Mas quando sou convencido por
sabedoria. E seria plausível supor que vocês e digo o que vocês dizem, que a
“o deus” tenha dado a Sócrates a coisa mais excelente é ser capaz de
missão de gerar esta sabedoria nos apresentar um discurso bem e
outros. belamente e resolver as coisas em um
tribunal ou em uma reunião, escuto
T7. É o que ganho, como disse. Insultos qualquer um em algo, seria nisto, que,
e reprovações da parte de vocês; in- como não tenho conhecimento
sultos da parte dele. Mas suponho que adequado das coisas no mundo
seja necessário suportar tudo isso. Não inferior, então eu não penso que
seria estranho caso seja bom para tenha. Porém, eu bem sei que é errado
mim. Eu penso de fato, Hípias, que me e vergonhoso fazer o mal,
ter associado a vocês dois me fez um desobedecer a seus superiores, seja
bem. O provérbio diz: “o que é belo é ele deus ou homem. (29bl-7)
difícil” – penso que eu sei isso. (304e3-
9) Esta passagem inclui uma
alegação qualificada de ignorância
Em uma leitura natural e, penso, (“não tenho conhecimento adequado
correta de T7, Sócrates diz aqui que das coisas no mundo inferior”), assim
ele pensa que sabe que o que é belo é como uma alegação clara, e mesmo
difícil (mais literalmente: que “coisas insistente, de conhecimento (“porém,
nobres são difíceis” – chalepa ta kalá). eu bem sei que é errado e vergonhoso
Assim, ele pensa que sabe algo sobre fazer o mal, desobedecer a seus
o bom ou o nobre, no caso, que coisas superiores, seja ele deus ou homem”).
boas ou nobres são difíceis. Porém, se Sócrates não explica por que seu
ele de fato sabe isso, ele rejeita (D). Já conhecimento do mundo inferior é
esta passagem deve fazer-nos hesitar “inadequado”. Podemos especular
em atribuir que seria inadequado simplesmente
porque, até aquele momento, ele não
(D)para Sócrates. teve nenhuma experiência do mundo
inferior. Mas o que fazer com sua
Na verdade, há outras passagens
alegação de conhecer “que é errado e
que devem nos fazer duvidar que
vergonhoso fazer o mal [e]
Sócrates esteja comprometido com
desobedecer a seus superiores?” Se
(P) ou (D), e mais ainda com a
isso é algo que Sócrates sabe, por que
conjunção de (P) e (D). Considere a
não deveria contar como algo “belo e
seguinte passagem da Apologia:
bom”? Ademais, por que não deveria
T8. Por certo é a mais censurável igno-
contar como um contra-exemplo claro
rância crer que se sabe o que não se a (P)?
sabe. É talvez neste ponto e a este
respeito, cidadãos, que sou diferente
da maioria dos homens e, se fosse
reivindicar ser mais sábio do que
Sugiro que o “primeiro nível” que Assim, T8 parece renegar (P), assim
Sócrates alega ter aqui poderia ser como T7 parecia renegar (D).
sujeito ao mesmo tipo de
questionamento que ele põe a seus A LEITURA APORÉTICA
interlocutores nos diálogos
“definicionais” que estamos Haveria então um outro modo de ler
examinando. Ou seja, Sócrates estas passagens nas quais Sócrates
poderia perguntar “o que é errado?” parece comprometer-se com (P) e
ou “o que é vergonhoso?”. Se devesse (D)? Penso que sim. De fato, a leitura
responder estas questões a si próprio que tenho em mente é muito natural.
ou a outros, pode-se estar seguro que Podemos entender que Sócrates não
nem ele nem seus interlocutores está afirmando que o conhecimento
seriam capazes de apresentar, de definicional é anterior ao conheci-
modo informativo, as condições mento das instâncias e ao
necessárias e suficientes para que conhecimento das conexões
uma ação conte como errada ou como essenciais, mas somente perguntando
vergonhosa. Não possuindo esta como é possível saber, por exemplo,
compreensão, ele e seus que x é pio e y é justo, ou que piedade
interlocutores não possuiriam o tipo e justiça são virtudes, a menos que se
de conhecimento que ele admite não saiba já em um modo informativo, isto
possuir, e é sábio por admitir que não é, não trivial, o que são piedade e
possui, ao passo que outros nem justiça. Vou chamar esta leitura de tais
mesmo se dão conta que não o passagens uma “leitura aporética”.
possuem. Contudo, apesar disso tudo, Minha ideia é que Sócrates usa a
Sócrates claramente alega saber que é questão para exprimir uma
errado ou vergonhoso causar dano e perplexidade (aporia) sobre como se
desobedecer a seus superiores. pode ter conhecimento que x é F ou
que F-dade é G sem ter um
Assim, eis aqui um exemplo de conhecimento anterior do que é F-
Sócrates alegando conhecimento que dade.
uma ação é errada ou vergonhosa,
ainda que, como suspeitamos, tenha Vimos que Sócrates sente-se
de admitir que lhe falta o atraído pela ideia que reconhecemos
conhecimento (belo e bom) do que instâncias de F-dade fazendo apelo a
torna uma ação errada e vergonhosa. um paradigma ou modelo que temos
em nossas mentes. Dado este modelo é, se não for capaz de prover, de modo
de reconhecimento das instâncias, há informativo, as condições necessárias
somente um pequeno passo para a e suficientes para que algo seja bom
conclusão que eu posso saber que x é [ou belo]. Porém, não precisa ser
F se e somente se compreendida deste modo. Pode ser
tomada como uma questão de fato,
1. tenho disponíveis para mim, uma questão que exprime uma
imediatamente, de um modo perplexidade ou aporia acerca de
informativo, condições necessárias como alguém poderia saber que x é
e suficientes para que algo ou uma instância de F-dade sem ter
alguém seja F e determinado que x satisfaz os critérios
2. creio corretamente que x satisfaz para ser F Assim, em minha leitura
estas condições necessárias e aporética, Sócrates não está
suficientes. afirmando que o conhecimento
definicional é anterior; ao invés disso,
É importante notar aqui que, ele está exprimindo perplexidade
caracteristicamente, estas passagens sobre como poderia ser de outro
nas quais Sócrates é suposto modo, ou seja, como alguém poderia
comprometer-se com a Prioridade do reconhecer instâncias sem um
Conhecimento Definicional têm a conhecimento anterior dos critérios
forma de uma questão. Assim, em T6, apropriados.
Sócrates diz que seu parente lhe
perguntará: Se dermos à Prioridade do Conhe-
cimento Definicional a leitura que
T9. Como você saberá qual fala ou uma proponho, então não precisamos nos
outra ação está bem [ou belamente]
surpreender de encontrar Sócrates
apresentada, quando você ignora o
que é o bem [isto é, o belo]? (Hp. Ma. por vezes renegando (P) ou (D), ou
304d8-e2) ambos, como em T8. Considere uma
outra passagem da Apologia. Ela
Comentadores tendem a tomar esta ocorre depois que o tribunal decidiu
questão como uma questão retórica. que Sócrates é culpado das acusações
Ou seja, tomam seu conteúdo como que lhe foram feitas. Para
sendo isto: você não pode saber qual compreender esta passagem,
fala ou outra ação é boa [ou bela] se devemos compreender uma
for ignorante do bem [ou do belo], isto característica do sistema ateniense de
justiça (ver o capítulo Platão e a Lei). ainda que não possa dar, de modo
De acordo com este sistema, se o informativo, as condições necessárias
acusado é declarado culpado, a parte e suficientes para que algo seja um
que o acusou propõe uma pena e a mal. Assim, em minha leitura
parte declarada culpada propõe uma aporética do Princípio da Prioridade
pena alternativa. O tribunal tem então do Conhecimento Definicional,
de aceitar uma das duas propostas; Sócrates estaria autorizado a
ele não pode escolher uma punição de acompanhar a sua asserção em TIO
sua própria lavra. Meleto, o acusador com esta questão: “como posso saber
de Sócrates, propõe a pena de morte que a prisão seria um mal, se não
e Sócrates tem de propor uma pena posso dizer o que é ser um mal para
alternativa. Deve ele propor algum algo?” Porém, ele não estaria forçado,
período de prisão? O tribunal poderia sob pena de inconsistência, a negar
aceitar tal pena. Eis parte do que que tem tal conhecimento.
Sócrates diz:
DIZENDO UMA MENTIRA
TIO. Visto que estou convencido de não
ter causado dano a ninguém, não vou Meu modo favorito para ilustrar o uso
causar dano a mim mesmo dizendo
que mereço algum mal e fazer tal
aporético do Princípio de Prioridade
proposição contra mim mesmo. O que Definicional consiste em contar uma
devo temer? Que eu deva sofrer a história pessoal acerca de uma
punição que Meleto propôs contra tentativa de fornecer, de modo
mim, da qual digo que não sei se é boa informativo, as condições necessárias
ou má? Devo eu então escolher de
preferência a isso algo que eu bem sei
e suficientes para dizer uma mentira.
(eu oida) que é um mal e propor tal Em minha aula, meus estudantes e eu
punição? Prisão? Por que deveria viver propusemos o que chamo a “Análise
em prisão, sempre sujeito às ordens Padrão da Mentira” (APM), que é a
dos onze magistrados? (37b2-c2) seguinte:
sem supor que ele também atribui conhecimento, deve ser tomado ao pé
algum tipo de prioridade ao da letra: renunciou ao conhecimento e
contenta-se em reivindicar não mais
conhecimento não definicional. do que uma crença verdadeira.
(Vlastos, 1994, p. 34)
Volto-me, por fim, a uma breve
revista do que outros filósofos Após discutir estas duas
disseram recentemente acerca da alternativas
ignorância socrática. Início com a
posição sobre a ignorância socrática 1. Sócrates não está sendo sincero
pelo decano dos estudos socráticos de modo a puxar seu interlocutor à
do século XX, Gregory Vlastos. discussão e
2. Sócrates realmente quer dizer que
VLASTOS nada sabe –, Vlastos propõe uma
terceira alternativa.
Vlastos inicia seu artigo “A negação de
conhecimento por parte de Sócrates” Ele distingue dois sentidos dos verbos
estabelecendo duas posições opostas gregos relevantes para “saber”. No
sobre a questão de como devemos que poderíamos chamar “sentido
entender as alegações de Sócrates de forte” desses verbos, que Vlastos
ignorância. Ele escreve: marca com um “C” subscrito, só
sabemos aquilo de que estamos
Nos primeiros diálogos de Platão,
infalivelmente certos. No sentido
quando Sócrates diz que não tem
conhecimento, fala ou não fala fraco, que ele marca com um “E”
seriamente? A posição padrão é que subscrito, podemos saber tudo o que
não. O que pode ser dito em prol desta tiver sobrevivido ao exame elêntico.
posição está bem formulado em Gulley
(1968): a profissão de ignorância de De acordo com a proposta de
Sócrates é “um expediente para
encorajar seu interlocutor a buscar a
Vlastos, é do seguinte modo que
verdade, fazê-lo pensar que está se devemos entender as alegações de
juntando a Sócrates em uma viagem Sócrates de conhecimento e suas
de descoberta” (p. 69). Mais negações de conhecimento:
recentemente, a interpretação oposta
encontrou um advogado de grande Quando ele diz que conhece algo,
clareza: Terence Irwin. Em seu livro A refere-se ao conhecimentoE; quando
Teoria Moral de Platão, ele sustenta diz que não sabe nada –
que, quando Sócrates nega ter
369-82.
Gulley, N. (1968). The Philosophy of Sócrates.
London: Macmillan.
Irwin, T. (1977). Plato’s Moral Theory: The
Early and Middle Dialogues. Oxford: Oxford
University Press.
Kahn, C. H. (1996). Plato and the Socratic
Dialogue. Cambridge: Cambridge University
Press.
Vlastos, G. (1994). Sócrates’ disavowal of
know- ledge. In M. Bumyeat (ed.) Socratic
Studies (pp. 39-66). Cambridge: Cambridge
University Press.
às Formas (75b6. 76d9). E esta óbvio a Platão que ele nem sempre
posição também é sugerida pela cuida para que seja explícito (ver o
atenção às Formas de Igual, Maior e capítulo Aprendendo sobre Platão
Menor. No contexto da reminiscência, com Aristóteles).
a menção a estas Formas pode ser
vista como um comentário à lição de A REMINISCÊNCIA NO FEDRO
geometria do Mênon, onde são
precisamente os juízos de igualdade e A afirmação final da reminiscência no
desigualdade que são citados como Fedro é também a mais completa e a
evidência que o escravo está que é formulada de modo mais
rememorando “as opiniões (doxai) preciso. (O Fedro deve ser posterior
que estão nele”. Portanto, a discussão ao Mênon e ao Fédon, já que pertence
da reminiscência no Fédon, que é ao grupo de diálogos basicamente da
claramente introduzida como uma mesma época que a República –
continuação do tópico tratado no Grupo estilístico II, ao passo que o
Mênon, pode ser vista como uma Mênon e o Fédon pertencem ao grupo
expressão mais completa da doutrina pré-República – Grupo estilístico I. Ver
deste diálogo. A inovação crucial é a Kahn, 2002.) A doutrina é introduzida
conexão entre juízo de percepção, aqui não para explicar como ocorre a
como ilustrado no Mênon, e a aprendizagem (como no Mênon) nem
cognição implícita das Formas. Esta para provar a imortalidade da alma
referência implícita às Formas em (como no Fédon), mas antes para dar
todo juízo de percepção é o correlato uma explicação metafísica da
epistêmico da dependência experiência de amar (ver o capítulo
ontológica das qualidades sensíveis às Eros e Amizade em Platão). Esta
Formas correspondentes (Phd. lOOd: versão da teoria é a mais completa
“nada outro a torna bela senão a porque, de um lado, Sócrates oferece
presença ou participação ou outro uma explicação mítica da visão pré-
modo de conexão com o Belo em si natal das Formas que está de algum
mesmo”) (ver o capítulo O modo pressuposta no Mênon e no
Conhecimento e as Formas em Fédon, enquanto, de outro lado, este
Platão). Este paralelismo estrutural diálogo também contém uma
entre cognição e ontologia, entre afirmação explícita da noção de
referir-se às Formas e participar nas racionalidade humana que está,
Formas pareceu provavelmente tão sugiro, implicada pela explicação da
forma possível de vida humana, isto é, assunto, nem grande nem pequeno”
a mais virtuosa. O problema, contudo, (21bl-5). Contudo, reconhecendo que
é que Sócrates reconhece que não os pronunciamentos do oráculo não
falta em Atenas quem, por si mesmo podem ser falsos, ele se põe a
ou por outros, pense que possui investigar este enigma procurando
competência suficiente para falar indivíduos na cidade reputados pela
com autoridade nestes assuntos. Seu sabedoria e os interrogando para
projeto principal, então, consiste em determinar se, per impossibile, eram
encontrar modos de distinguir com realmente sábios e o oráculo estava
eficiência entre a competência moral errado ou se não tinham a sabedoria
genuína – a pessoa autenticamente que pensavam possuir.
sábia, cujo conselho em matéria
prática deve ser seguido – e os vários Dada a infalibilidade
pretendentes a esta posição. inquestionável do oráculo, o
resultado da investigação de Sócrates
Ao se dedicar a esta tarefa, muito é inteiramente previsível: ele nos diz
naturalmente Sócrates se põe a que cada um dele se revelava, após o
formular condições necessárias, ou exame, não ser realmente sábio. Uma
testes, para a posse de competência das coisas mais importantes destas
genuína em qualquer campo. passagens, todavia, é o quão pouco
Todavia, em muitos casos os testes aprendemos por elas acerca das
empregados de fato neste “programa razões de Sócrates para estas
conclusões negativas. Para dar
de certificação” socrático ficam quase somente um exemplo representativo,
inteiramente sem relato. Talvez o no caso de um Político não nomeado
mais antigo texto relevante seja Ap. que ele interroga, Sócrates diz
20e8-21d7, uma passagem bem somente, em 21c5-8, que, após “ter
conhecida em que Sócrates descreve conversado com ele” (dialego- menos
sua reação ao lhe dizerem o pro- auto(i)), concluiu que este homem
nunciamento do oráculo de Delfos parecia sábio, mas não era realmente
que “ninguém é mais sábio que sábio (einai d’ ou). Sócrates, porém,
Sócrates”. De acordo com Sócrates, não nos diz o que aconteceu durante
ele fica inicialmente intrigado por esta “conversa” para lhe dar esta
este dito, visto que pensa que ele impressão. Assim, ainda que estas
próprio “não é sábio em nenhum passagens na Apologia tornem
essas outras que usou como cavalo de ela própria conhecimento de um tipo
Troia para esta ciência. Meu particular (uma ciência, uma
argumento a seguir sugerirá que o competência). Isso deve ficar
principal objeto desta ciência suficientemente claro pelo modo no
aparecerá, na República, como a qual, na Apologia, Sócrates fala dos
Forma do Bem. artesãos (em contraste com os
Políticos e poetas) como finalmente
Observe aqui que a saúde em posse de algumas formas de
humana, como mesmo Sócrates terá conhecimento (algumas ciências,
pensado a seu respeito, é um objeto algumas competências) – embora
único – a exata mesma coisa que é não a ciência ou competência
estudada em todas as escolas de particular do bem que ele está
medicina, no intuito de lidar com uma buscando.
multiplicidade de pacientes em
qualquer lugar. A ciência da medicina Para resumir o ponto até aqui, as
não é acerca da minha saúde ou da coisas que são perguntadas nas
sua saúde, mas acerca da saúde em questões “o que é X?”, se existirem
geral – um objeto abstrato, um tais coisas a serem questionadas, se
“universal”, como diz Aristóteles revelam ser os objetos das ciências –
(usando um termo cunhado por ele). o bem sendo, no caso central, o
Assim, a virtude é um objeto único, e principal objeto do conhecimento,
também a justiça é um objeto único. É ciência ou competência que é a
porque estes objetos únicos não são virtude. Aristóteles certamente pensa
visíveis em todos os lugares ou não que Sócrates e Platão têm a mesma
são isolados espacialmente que eu os visão dos objetos das ciências, em-
digo objetos abstratos – mais uma bora Aristóteles também pense que
vez, mesmo para Sócrates (e para estes novos objetos das ciências em
Aristóteles). que Platão
parmenídica da existência. Tal tese terá de fazer, que “nada” é por dez
me parece ser não somente em muito vezes ambíguo – e irremediavelmente
superior à de Aristóteles, mas ambíguo? Se a sabedoria ou o número
também uma tese da qual o próprio 4 nada são, então cada um é um
Aristóteles não pode escapar. objeto. Daqui podemos mesmo
derivar um critério para que se possa
PLATÃO PARMENÍDICO declarar abertamente que algo não
existe (um critério negativo de
Para o Platão parmenídico (assim compromisso ontológico).
como também, sem dúvida, para
Sócrates) “existe” ou “ser” não é COMPONTNEG: Se você alega que um
ambíguo, significando coisas suposto objeto não existe, pare então
diferentes em diferentes categorias. de falar sobre ele, pois você não está
Antes, “existe” sempre se refere à se referindo a algo do qual você diz
mesma coisa. Comecemos com o que que nada é.
significa não existir. Platão sustentou,
seguindo Parmênides, que (Isso vai muito no espírito de
Parmênides e Platão.) Eis o critério
NEXNAD: Não existir é nada ser, de positivo correspondente para o
modo que, passando do negativo ao compromisso ontológico:
positivo, podemos atribuir também a COMPONTPOS: Se você vê que não
Platão a tese que EXOB: Existir é não pode evitar se referir a um suposto
ser nada, portanto ser algo (uma objeto, então seja franco e admita
certa coisa) – um objeto. que você pensa que ele existe.
“Sobre o que há” de Quine, de 1948, sem incoerência, ser mantidos ambos
embora em Quine haja uma “virada por Aristóteles, pois (1) requer que
lingüística” totalmente não platônica saúde e pessoas são existam: a saúde
(reduzindo aquilo com o que você se é mais uma coisa no universo, e assim
compromete àquilo com o qual sua na há ambigüidade em “um”
linguagem compromete você). Os tampouco; porém, (2) nega isso.
modos platônico/parmenídico de
pensamento estão implícitos em Eis aqui uma dificuldade paralela:
Frege e em muitos dos pensadores para Aristóteles, não deve ser nem
dos fundamentos da matemática, verdadeiro nem falso, mas sem
muitos não supondo que iriam tão sentido que a saúde é mais uma coisa
longe quanto Quine ao relativizar a além (algo que não é a mesma coisa)
ontologia à linguagem. do que todas as coisas sãs. Porém,
certamente toda teoria que torna
Dada esta descrição da distinção sem sentido a tese obviamente
que Aristóteles tenta estabelecer verdadeira que Sócrates e a saúde são
entre universais e particulares, duas coisas diferentes não é sem
retornemos ao argumento das sentido! E certamente toda teoria que
ciências e à objeção contra ele por diz isso será, na melhor situação,
parte de Aristóteles. Aristóteles nos duvidosa. Assim, a antecipação de
diz que Aristóteles da teoria dos tipos lógicos
(Beth, 1965) e da distinção
1. Platão está correto em que existe conceito/objeto de Frege (Sellars,
algo – saúde – além de todas as 1963) é
pessoas sãs; há uma coisa a mais no
universo do que supõem os a) inconsistente com os métodos de
reducionistas; por outro lado, argumentação com os quais ele
próprio se compromete e é, de
qualquer modo,
b) metafisicamente na verdade
2. Platão está errado ao pensar que a muito duvidosa.
saúde existe no mesmo sentido em
que as muitas pessoas sãs existem. Se Aristóteles estiver errado
neste ponto, a questão ainda surge: o
De fato, (1) e (2), não podem, que nos diálogos de Platão (ou em
algo que Aristóteles possa ter Platão do fluxo heraclíteo nos particu-
entendido de Platão em conversas lares sensíveis com o suposto erro de
com ele ao longo dos vinte anos da tratar os tais como istos. (Não há erro
permanência de Aristóteles na nesta identificação.)
Academia) leva Aristóteles a supor
que há uma diferença importante Duas coisas mostram que este
entre Sócrates e Platão sobre as uso do fluxo dos perceptíveis de fato
Formas? Uma outra passagem em representa um desenvolvimento das
Aristóteles (Metaph. XIII.9.1086a21- posições de Sócrates:
bl3) mostra que Aristóteles identifica
corretamente entre os diálogos a) pode argumentar que não há
jovens (excetuando o Banquete, o nenhuma menção do fluxo nas
Crátilo e o Fédon) e todos os outros partes socráticas dos primeiros
diálogos. A diferença é que Platão diálogos
argumentou em prol das Formas b) Aristóteles nos diz que Platão
alegando que os particulares per- estudou com Crátilo, discípulo de
ceptíveis estão em um fluxo Heráclito, o grande proponente da
constante, enquanto o conhecimento tese que o mundo perceptível está
requer universais (que não estão em em constante fluxo.
constante fluxo: ver o
Concluo que foi este contraste
capítulo Platão: uma Teoria da entre os perceptíveis em perpétuo
Percepção ou um Aceno à Sensação?). movimento no mundo do “vir-a-ser” e
Este contraste que envolve o fluxo, as Formas eternamente existentes no
sugiro, pode ser o que leva Aristóteles mundo do “ser” que foi a principal
– embora concorde que a ciência fonte para que Aristóteles enganasse
requeira universais – a pensar que a si próprio ao pensar que tinha
Platão está “separando” os universais ferrado Platão sugerindo que Platão
dos particulares (a36-b5) ou, como tinha erroneamente “separado” as
ele descreve em a32-4, a tomar os Formas dos particulares sensíveis.
universais como “separados, isto é
(fcat) como particulares”. Neste caso, Aristóteles pode também se ter
o erro de Aristóteles consiste em enganado pelo fato da ênfase de
identificar erradamente o uso de Sócrates recair sobre a objetividade
das ciências – como se poderia
esperar do esforço para mostrar que lógicos e, assim, é sem sentido dizer
a virtude é uma ciência ou que a saúde e as pessoas sãs existem
competência –, ao passo que a ênfase cada uma e são uma em diferentes
de Platão, talvez porque tivesse sentidos.
sentido uma necessidade crescente
de defender as posições de Sócrates Eis um exemplo claro da aborda-
do contra-ataque sofistico, passou a gem parmenídica de Platão da
ser validar a objetividade das ciências existência: um pequeno argumento
por meio da validação dos objetos das importante em R. 475e-476e. Platão
ciências. Estas diferenças de ênfase, faz com que Sócrates dê a Gláucon um
juntamente com o uso por parte de argumento que pensa que muitos não
Platão do fluxo como um modo de aceitariam, mas Gláucon aceitará. É o
argumentar em prol das Formas seguinte:
levaram
Belo e feio são opostos.
sonhar que a sensação de queda que não poderia haver duas entidades a
você está tendo em sonho é uma mais, os opostos belo e feio, cada um
experiência real de queda.) sendo um, além das muitas visões e
sons belos? O que Platão faz Sócrates
Então, o que dizer do suposto observar aqui é que tais reducionistas
“sonho” feito pelos amantes de visões podem pensar que pode referir-se a
e sons? Aqui o texto nos diz que oyeor opostos, mas eles não podem: ver
são o belo em si e as visões e sons COMPONTNEG anteriormente.
belos. Porém, como podem pensar (Incidentalmente, este argumento
que também mostra que a Forma da
Beleza é o outro “belo”.)
O belo em si é idêntico às visões e sons
belos? A visão reducionista que Platão
combate aqui é uma posição cabeça-
Eles nem mesmo creem em dura, direta, próxima do nominalismo
Formas! A posição que Sócrates lhes e do materialismo – uma posição
atribui aqui só é certamente sustentada por intelectuais e por
compreensível se supusermos que pessoas bem não intelectuais, impa-
eles sustentam que o belo em si se cientes com certas posições de
reduz a nada mais do que as visões e intelectuais e religiosos, por exemplo
sons belos! a respeito de forças e deuses
invisíveis. Parece ser uma posição que
Suponho aqui que “crianças” ou vale a pena combater no tempo e
“templos” belos são supostos lugar de Platão, especialmente para
contrastar com “o belo em si” – “belo” quem que, como Sócrates e ele
somente por si mesmo, sem os próprio, esteja comprometido com a
complementos “crianças” ou existência de verdades reais que
“templos”. (Compare a expressão nosso próprio bem requer que
“crianças belas” com a primeira busquemos sistematicamente,
palavra desta expressão por si mesmo que com resultados limitados.
mesma.) Como veremos a seguir,
tomo “o Belo em si” como mera Mencionarei dois outros
abreviação do atributo “ser belo”. exemplos deste tipo de argumento
antirreducionista que surgem em
Como, então, para tais reduções, conexão com a questão “o que é X?”.
comunicação e assim por diante. Mas que se quer é tido, de modo familiar,
não Sócrates – nem Platão. É verdade como idêntico ao que “se decide que
que Sócrates pensa que poderia se quer” ou “que se determina que se
quer”. Isso, como veremos, tem algo
haver pessoas que são competentes a ver com as razões de Sócrates para
em persuasão em um assunto negar que seja uma ciência.
particular, mas não antes de serem
também competentes (terem real Qual seria o objeto desta suposta
conhecimento) no assunto de que ciência da retórica? Sócrates sugere
estão persuadindo. Não é bem a ideia que seria “o que é persuasivo sobre
costumeira de retórica! Aqui Platão qualquer assunto” tomado como
está com Sócrates e contra estas “utilizável com sucesso mesmo por
ciências neutras como a retórica de aqueles que não têm conhecimento
Aristóteles. do assunto”. Isso sugere, naqueles
que (como os sofistas) veem esta
Na época de Platão e Aristóteles, suposta ciência como dando poder e
o tema da retórica, ensinada por obtendo o que se decide que se quer
professores itinerantes conhecidos na vida, certas linhas reducionistas de
como “sofistas”, era apresentado pensamento quase inteiramente
como um meio para adquirir muito novas para a cultura grega de seu
poder e para avançar na vida – es- tempo. Estas novas linhas de
pecialmente no interior das pensamento introduzem alternativas
democracias diretas, como a de sofísticas inovadoras às posições
Atenas, nas quais o sucesso dependia tradicionais do bem, justiça e
pesadamente de persuadir o Demos – similares, bem como sublinham a
os cidadãos. Aqui a persuasão é uma posição sofistica do que poderiam ser
persuasão que diz respeito a questões os objetos desta suposta ciência.
de justiça, sabedoria, guerra, vida
pública (e privada) e tem por desígnio Sof. 1: Todo o bem humano se resume
dar aos oradores (retóricos) o que no que você (decide que você) quer,
querem na vida – como implicado por de modo que todo o poder se resume
POD. na habilidade de fazer o que você
(decide que você) quer;
Um detalhe a mais deve ser
acrescentado aqui: para os sofistas, o
boa, ganhar o que, no meu caso, é Sócrates pressupõe que se possa ter
ganhar minha máxima felicidade para conhecimento autônomo de cada
o resto de minha vida, começando no uma das ciências, isto é,
ponto em que estou agora; no seu conhecimento de uma ciência sem ter
caso, sua máxima felicidade... e assim conhecimento do bem. Porém, tal
por diante para todos os outros. autonomia claramente não precisa
ser pressuposta se o propósito da
Tudo isso sugere que, para ter uma “analogia” consiste em trazer os
dada ciência e assim conhecer o bem interlocutores de Sócrates à ideia de
e o fim da ciência, deve-se conhecer uma ciência do bem.)
por que tal fim é um bem e isto vai
requerer conhecer o que é o bem A República torna claro que a
simpliciter. Assim é que Platão, no Forma do Bem é a peça central da
símile do Sol em R. 506e-509d, diz que Teoria das Formas. Mais ainda, a
nenhuma outra Forma pode ser Forma do Bem está intimamente
conhecida ou mesmo existir a menos conectada à ética da República (ver o
que se conheça a Forma do Bem capítulo O Conceito de Bem em
(assim como nenhum objeto Platão). Argumentei em outro lugar
perceptível pode existir no mundo do que uma compreensão apropriada da
vir-a-ser ou ser percebido sem o Sol divisão de Platão da alma em três
que o nutre e o revela à percepção). O partes, analogamente à sua divisão da
que é ser para uma lançadeira cidade ideal em governantes inte-
consiste em ser um certo bem padrão, lectuais, soldados (polícia) e
que está em uma relação apropriada trabalhadores, é suposta ser
com o bem simpliciter. Assim, a esclarecida por um “caminho mais
existência longo” (IV435c-d, VI.503e-504b) do
seguinte modo. A divisão da alma
serve para nos permitir dizer o que
são as virtudes: por exemplo, que a
e a cognoscibüidade do bem padrão justiça na alma individual é o fato que
(p. ex., a natureza real da lançadeira) cada uma das três partes cumpre sua
depende da existência e função própria. Porém, para entender
cognoscibüidade do bem sim- pliciter. então adequadamente esta
(Pode parecer que a “analogia das explicação, precisamos saber quais
artes” (“analogia da técnica”) de são as funções das partes,
teria aceito que existe uma tal que o próprio Aristóteles inventou.
entidade, um dos supostos objetos (Aristóteles, com efeito, sem dúvida
anotados anteriormente em (Sofl)- deve ter pensado que Platão tentou –
(Sof4) ou o suposto bem aparente em sem sucesso e muito
(SOF). Se for perguntado como ocorre assistematicamente – articular uma
que falamos sobre eles, a resposta é: ciência da lógica.) Aqui, a ideia é que,
no intuito ao predicar anthrôpos (homem, isto
é, o ser humano) ou “grandeza” de
de rejeitar estas criaturas cada coisa de uma multiplicidade, por
malformadas das imaginações exemplo, Alcibíades, Cálias e Aspásia,
sofísticas, “forçadas” com coisas estamos predicando algo em comum
como interesse, força e similares, que a eles três. Porém, este algo não é
de fato existem, mas somente fora idêntico a nenhum dos três. Portanto,
dessas combinações. Falar sobre tais esta coisa predicada em comum é
pseudoatributos é de fato não mais algo a mais: a Forma. Este argumento
do que falar de certas ilusões dos rapidamente geraria todo tipo de
sofistas, com os quais podemos predicado “forçado”, como o suposto
comparar ilusões mais familiares, universal trasimáqueo acima. (E
como o satanismo, o flogisto, a poderia usar este predicado em
bruxaria ou o Papai Noel. silogismos, como Sócrates o faz de
fato na República. Para Aristóteles, é
E AS OUTRAS RAZÕES DE PLATÃO suficiente torná-lo um universal.)
PARA ACREDITAR NAS FORMAS
(LÓGICAS OU MÍSTICO-METAFÍSICO- Porém, propõe Platão um argumento
TEOLÓGICAS)? E TAIS RAZÕES FARÃO deste tipo ou um argumento que o
DAS FORMAS ALGO MAIS DO QUE comprometa com atributos que
SIMPLES ATRIBUTOS? correspondam a tais predicados
“forçados”? Ou é o argumento um
No Das Ideias e em outros lugares, produto da extraordinária criatividade
Aristóteles também atribui a Platão de Aristóteles em oferecer
um Aristóteles “um-de-muitos”, o argumentos
qual, nos tempos modernos, poderia
ser referido como um argumento a
partir da predicação: um argumento
necessário, de fato, à ciência da lógica formais para posições que necessitam
(1991). Desire and power in Sócrates: F.G. Herrmann, and T. Penner (eds.)
the The Good and the Form of the Good in
Plato’s Republic (Procee- dings of the
argument of Gorgias 466a-468e that fourth biennial Leventis conference).
orators and tyrants have no power in Editor em vista: Edinburgh University
the city. Apeiron 24, pp. 147-202. Press. Penner, T. e Rowe, C. J. (1994).
The desire for good: Is the Meno
(2006). Plato’s Theory of Forms in the consistent with the Górgias?
Phronesis 39, pp. 1-25.
Republic. In G. Santas (ed.) The
Blackwell Guide to Plato’s Republic e (2005). Plato’s Lysis. Cambridge:
(pp. 234-62). Malden, Mass. e Oxford:
Blackwell. Cambridge University Press.
O DILEMA TODO-PARTE
dedo humano ou o cabelo humano? O (PRM. 130E4-131 E7)
platônico precisa de uma Forma do
Dedo ou do Cabelo, se houver uma Parmênides agora se volta à questão:
Forma do Ser Humano? Pode-se qual é a relação entre os objetos
explicar talvez o que é um dedo ou físicos e as Formas? As propostas de
cabelo caso se compreenda o que é Sócrates sobre isso e os argumentos
um ser humano (ver Ti. 76cl-d3 para que as acompanham, bem como as
uma explicação funcional do cabelo)? sugestões de Parmênides em bene-
fício de Sócrates também dizem
Este movimento provoca mais respeito a uma outra questão: que
questões: se uma entidade é tipo de entidades são as Formas?
composta de partes (como a lama é
composta de terra e água e um ser Parmênides inicia, como fizera no
humano é composto de várias partes início do primeiro movimento,
funcionais e não funcionais), qual é a aportando esclarecimentos sobre o
relação entre o todo e as partes? É o que pensa ser a posição de Sócrates e
todo o mesmo que o agregado das pedindo que Sócrates confirme:
- Porém, diga-me isto: é sua tese vantagem ser lido à luz daquela
que, como você diz, há certas discussão. No Fédon, Sócrates fornece
formas, das quais estas outras o que ele denomina explicação
coisas, por meio da participação “segura” de por que as coisas belas
nelas, derivam seus nomes são belas. Ele sustenta que a beleza
delas não é explicada por sua cor
como, por exemplo, se tomam brilhante, forma ou algo assim. Aquilo
semelhantes participando da sobre o que está seguro é que a Forma
semelhança, grandes do Belo as faz belas; isto é, ele é vago
participando da grandeza e acerca de qual é a relação entre a
justas e belas participando da Forma e as coisas cuja característica
justiça e da beleza? ela explica. Ele diz:
É bem assim, respondeu
Sócrates. (130e4-131a3) Nada outro a faz bela a não ser a
presença, comunhão ou outro
Sócrates nada dissera modo de ocorrência daquele
expressamente a respeito de nomes belo. Vou me refrear de afirmar
em sua fala, mas a proposta de isso e afirmar somente que é
Parmênides desdobra a tese de pelo belo que todas as coisas são
Sócrates que as coisas que participam belas. (100d4-8)
da Grandeza se tornam grandes. Se
tijolos e pedras vêm a ser semelhantes Para compreender como o Belo
por participarem da Semelhança, torna as coisas belas, precisamos
então, por participarem da compreender a relação entre a Forma
Semelhança, podem ser chamadas e as coisas cuja característica ela
pelo nome “semelhante”, derivado do explica. A relação conversa, entre os
nome da Forma (ver o capítulo Platão objetos físicos e uma Forma, é co-
e a Linguagem). nhecida como “participação”. Em
nosso diálogo, Parmênides força
A frase inicial de Parmênides, com Sócrates a dar uma explicação da
sua referência a nomes, lembra em participação.
muito o lance de abertura no
argumento final da imortalidade da
alma no Fédon, sugerindo que nosso
argumento presente pode com Parmênides propõe duas
uma coisa grande graças à coisas grandes indica que ele supõe
qual todas estas coisas que Sócrates considera a Forma como
parecem grandes? um universal: uma coisa presente em
muitos lugares ao mesmo tempo.
Parece que sim.
Esta interpretação tem uma séria
3. Então uma outra forma de desvantagem. A passagem sugere que
grandeza fará sua aparição, Sócrates faz uma inferência. Ele deve
tendo surgido junto com a concluir que
grandeza em si e as coisas que
participam dela, e mais uma o Grande é um com base no que
vez uma outra junto com observa a respeito das múltiplas
todas estas, graças à qual coisas grandes. O que ele observou foi
todas elas parecem grandes. uma característica. Se uma
Cada uma de suas formas não característica que ele observou é a
será mais uma, mas ilimitada Forma, que inferência ele fez quando
em número. (132al-b2) conclui que a característica é um?
argumentando mais uma vez que sua por que agora concorda em olhar para
Forma é muitas, desta vez por ela juntamente com suas instâncias?
reduplicação. Uma característica comum é o que
agora chamamos de universal. É a
Parmênides está provavelmente característica comum que
sugerindo o seguinte no estágio (1):
sempre que Sócrates olha para um
número de coisas que parecem todas
ser grandes, ele pensa que uma templos e elefantes partilham ela
característica (chame-a “o grande em própria grande? Exceto para certos
nós”) é a mesma em todos os casos e universais pouco usuais, como a
daqui ele infere que a Forma, que unidade e o ser, a maioria dos
corresponde a esta característica, é universais não são instâncias de si
um. No restante do argumento, próprios.
Parmênides mostra a inadequação
das razões de Sócrates para esta Vimos no Dilema Todo-Parte que
conclusão. Parmênides deriva os paradoxos no
caso do Grande, Igual e Pequeno
No estágio (2), o andamento fica pe- baseando-se em duas concepções das
culiar. Pergunta-se a Sócrates para Formas e das características
repetir o que fez no estágio (1), mas imanentes que entram em conflito no
desta vez com o olho da mente: assim caso das Formas das quantidades.
como olhou para as múltiplas coisas Uma delas era a Suposição de
grandes no início, ele deve olhar do Autopredicação: tanto a F-dade em si
mesmo modo (mas com o olho da quanto a F-dade em nós são F. Por
mente) para o Grande em si, jun- exemplo, a Grandeza em si e a
tamente com as outras coisas grandeza em Símias são grandes. Esta
grandes. Por que Parmênides propõe discussão, todavia, toma as Formas
isso como exequível e por que não como universais, mas como
Sócrates permite que ele derive as análogas a materiais. Não é estranho
consequências que propõe? Se, na pensar que a matéria ouro é ouro,
primeira parte, Sócrates tomou a mas é muito estranho pensar que o
Forma simplesmente como a universal ouro é dourado ou que o
característica comum (como na universal grandeza é grande. (Alega-
primeira interpretação do estágio (1)), se que a Autopredicação ocorre