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É importante pontuar que a invasão das terras que hoje entendemos como
brasileiras se dá por diversos fatores. Segundo Caio Prado Júnior (1981), o que
antecedeu e impulsionou a colonização das Américas foi principalmente o fato de
que o comércio continental europeu era, antes das Grandes Navegações,
exclusivamente terrestre e limitado à navegação costeira e cabotagem.
Assim, iniciou-se o já sabido processo de invasão das terras do continente
denominado pelos europeus (principalmente espanhóis e portugueses) como
“América” - termo utilizado pela primeira vez pelo cosmólogo Martin Wakdseemüller,
em 1507 - também se iniciando o genocídio e etnocídio da população estimada
entre 57 e 90 milhões de habitantes originários que se distinguiam entre maia, kuna,
chibcha, mixteca, zapoteca, ashuar, huaraoni, guarani, tupinikin, kaiapó, aymara,
ashaninka, kaxinawa, tikuna, terena, quéchua, karajás, krenak, araucanos/mapuche,
yanomami, xavante entre tantos e tantas nacionalidades e povos originários desse
continente.
Em 1530 estreia a ocupação europeia e colonização efetiva do território pelos
portugueses, visto que a costa brasileira apresentava-se propícia para o cultivo da
cana de açúcar, tanto pelo clima quanto pelo solo. A divisão de terras do novo
território era feita de forma a abranger extensas áreas, já que seus donatários
correspondiam a pessoas detentoras de grandes posses na Metrópole, tendo,
portanto, pretensões de ocupar o território como servidores da Corte, não como
pequenos camponeses. A conjuntura foi favorável ao cultivo e produção de açúcar
principalmente no nordeste brasileiro, região mais próxima da Europa.
A partir da monocultura instala-se no Brasil o regime de mão de obra
escravizada. Em conformidade com Caio Prado Jr. (idem), além de Portugal não
contar com população suficiente para transferir para as colônias, os europeus
também não costumavam emigrar aos trópicos para trabalho assalariado. “A
escravidão torna-se assim uma necessidade: o problema e a solução foram
.
idênticos em todas as colônias tropicais e mesmo subtropicais da América” (idem, p
21). Esta dita necessidade se refere ao favorecimento do capitalismo mercantil
europeu, que se desenvolveu às custas da colônia e as subjugou a um capitalismo
de ordem dependente no cenário mundial das relações internacionais.
Nesse sentido, é através da escravização dos povos africanos e da
superexploração de países deste continente, e também da América e Ásia, que o
próprio sistema capitalista em sua totalidade se fundamenta, pois os países ditos
desenvolvidos basearam seus processos de acumulação primitiva de capital em
suas colônias.
A produção de uma economia colonial, e por isso destinada a um
mercado externo, cada vez maior, era fruto desse trabalho
negro-escravo. E essa economia, que passa pela produção
açucareira, pela mineração, produtos tropicais e termina na fase do
café, é feita pelo negro. No entanto, esse fato não contribui em nada
para que ele consiga um mínimo dessa renda em proveito próprio.
Pelo contrário. Toda essa produção é enviada para o exterior, e os
senhores de escravos ficam com todo o lucro da exportação e
comercialização (MOURA, 1992, p. 12).
Por diversos fatores, no século XVIII o Brasil experimenta o começo da crise
da colonização, período histórico marcado fundamentalmente pela ampla difusão
das ideias liberais; estas que ainda consistiam, como nomeadas por Clóvis Moura
(1992), num liberalismo escravagista que defendia o poder de propriedade de um
ser humano pelo outro e automaticamente excluia a “classe escrava” do direito à
cidadania.
Como os processos históricos não são lineares e a proposta presente não é
trazer um caminho único da “trajetória” brasileira, e sim chamar atenção às
influências entre infraestrutura e superestrutura na história, é importante salientar
ainda que mesmo no período de crise da colonização aconteceu uma variação
estratégica na economia de base agrária, seja com a ascensão da produção de
algodão, seja com a retomada da açúcar, arroz ou anil - também houve
desenvolvimento da pecuária nas regiões centrais.
O aumento da população europeia - e consequente aumento da população
consumidora -, a Revolução Industrial e sua reestruturação das forças produtivas no
âmbito mundial estabelecem a acumulação de capitais brasileira novamente com
base agrária, como destaca Furtado (2005). Este período é de suma importância
para nossa análise, dado o fato de que além de ser a primeira mudança na
configuração das relações de produção no contexto mundial - referente à Divisão
Internacional do Trabalho -, também se modificam as relações coloniais entre Brasil
e Portugal, com a fuga da Corte portuguesa para o Brasil motivada pela expansão
do Império Napoleônico. De fato, em 1807, devido ao Bloqueio Continental imposto
por Napoleão a Portugal, cerca de 10.000 pessoas da nobreza portuguesa vieram
às pressas para o Brasil, tomando casas populares para se estabelecerem no novo
lar. Assim, as relações entre Portugal e Inglaterra se modificaram, pois o reinado
luso precisava especialmente da proteção naval inglesa e acabou abrindo os portos
brasileiros, o que se representa como uma concessão que, mesmo de caráter
provisório, se assegurava pelos dominantes interesses ingleses. Então, “fazia-se
impossível o retorno ao passado. E o Brasil entra assim definitivamente na nova
etapa do seu desenvolvimento” (PRADO JÚNIOR, 1981).
Este foi um grande passo em direção à Independência brasileira, motivada
principalmente pelo fato de que Portugal se encontrava em ameaça de perder o
domínio no Brasil. Nesse sentido, a Corte portuguesa tinha intenção de submeter
novamente o país à situação de colônia, não mais de vice-reino, entretanto, Dom
Pedro achou prudente comandar um processo de Independência pacífico, com
portugueses nas classes dominantes. E assim se procedeu.
A perspectiva da agricultura colonial era favorecida largamente pela
conjuntura internacional e interna, já que o café estava valorizado, os concorrentes
debilitados e a mineração em vias de decadência. Porém, a liberdade comercial
consequente da vinda da Corte portuguesa e da abertura dos portos faz com que a
importação aumente, principalmente pelo maior consumo e influência social da
nobreza portuguesa presente no Brasil. Desta forma, é notável o enfraquecimento
das indústrias e do comércio local, já muito humilde, frente à toda sorte de produtos
estrangeiros (PRADO JÚNIOR, idem) . Todo este cenário envolve fortes movimentos
sociais e políticos, também impulsionados pela crise das finanças públicas, que
eram muito custosas a uma simples colônia.
Fortemente impulsionada pelas revoluções liberais que ocorriam em todo o
mundo, o Brasil se tornou independente em 1822. No que se refere à
superestrutura, como já foi dito, o domínio inglês nas terras brasileiras foram
avançando progressivamente com apoio das instituições e ações imperiais que se
aproximariam de políticas públicas, de forma que o desenvolvimento do Império
brasileiro foi condicionado à demanda inglesa (FONTES; PESSÔA, 2019). Bancos
ingleses se instauram no Brasil e abrem caminho para uma nova forma de
desenvolvimento capitalista: a especulação internacional, como o London and
Brazilian Bank e o London City and Midland Bank (SILVA, 2015).
A exploração das pessoas escravizadas também é amplamente legitimada
pelos bancos e empresas neste período, gerenciando as propriedades (agregando
senzalas, casas e escravos na mesma categoria) dos grandes latifundiários do
comércio cafeeiro. Neste momento o capitalismo industrial se desenvolve de forma
que faz surgir um novo elemento na luta de classes mundial, o proletariado industrial
- que teria sua gênese posterior no contexto brasileiro, tendo em vista seu
desenvolvimento ainda agrário.
Já estabelecido o Estado brasileiro, o regime servil entra em crise e expressa
a contradição que representava a escravidão para uma colônia “recém libertada” do
regime colonial. Como se isto não fosse parte da composição do colonialismo,
diversos teóricos (como Joaquim Nabuco) afirmavam na época que seria necessária
a superação do regime de escravidão para o alcance do real progresso e superação
da segregação de castas escancarada no cotidiano. Contudo, o que de fato ocorreu
foi o fortalecimento dos movimentos de quilombagem principalmente entre 1835 e
1845 (MOURA, 1992), cujo progresso demonstrou real ameaça, e a pressão da
Inglaterra para a consolidação da abolição do sistema escravagista ; situação
surpreendente para um país que até meados do século XVIII era responsável por
quase metade do tráfico de humanos. Resistentes ao abolicionismo, Portugal e
Brasil sofrem dura pressão inglesa para aderir ao movimento, que se firma em 1850,
com a interrupção da entrada de africanos escravizados.
Como muito bem atenta Clóvis Moura (idem), mesmo após este período a
prática da compra de escravos permanecia, entretanto, agora cercada pelo receio
às leis e à rentabilidade limitada do trabalho escravo, tendo em vista que com o
trabalhador assalariado a produção era maior. Assim, os investidores preferiam
investir seus capitais na especulação. Aqui, as políticas de eugenia tem grande
papel econômico, tendo em vista o forte incentivo à imigração de europeus e o
crescente aumento dessas populações nos centros urbanos (FERNANDES, 1978).
No que tange à República burguesa, sua consumação resultou
principalmente da ação de grandes proprietários em ocupar o poder por meio de um
novo regime, tendo como força apoiadora a insatisfação militar e o Exército. Esta
república surge principalmente para atender aos interesses de uma nova classe que
se pretendia dominante, “que necessitava dominar em partilha o aparelho de
Estado, para colocá-lo inteiramente a seu serviço” (SODRÉ, 1968, p. 274). Uma
classe média - representada pelos militares - interessada em reformas estatais e na
federalização para eleições “amplas”. Com o novo regime, dissolve-se o Poder
Moderador, o direito de representação censitária, a centralização e a indicação de
senadores e os governadores nomeados. Nota-se que,
A adaptação de uma estrutura colonial a uma estrutura externa de
capitalismo em fase imperialista só poderia ser desenvolvida por
uma sobrecarga atirada ao consumidor, às classes dependentes,
àquela que fornecia o trabalho e à classe média (idem, p.302).