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O Problema de Plateau

Carlos Augusto David Ribeiro

1 Introdução

Comecemos com uma breve enunciado de nosso problema: Dada uma curva de Jordan Γ ⊂
Rn , que superfı́cie ⊂ Rn , possuindo Γ como fronteira, tem área mı́nima? Por exemplo, se nossa
curva Γ for planar, então é imediato que a superfı́cie procurada será a parte do plano delimitada
por Γ. Neste ponto surgem algumas perguntas: Será que sempre existe tal superfı́cie? Caso não,
quais condições sobre Γ temos que ter para que sempre possamos achar essa solução? O presente
trabalho se retrigirá a mostrar que tal solução existe quando colocamos certas restrições sobre a
curva Γ.

2 Por que ‘Problema de Plateau’ ?

J. Plateau foi um fı́sico belga, que dentre seus inúmeros experimentos está um que inspirou
os matemáticos a trabalhar com o problema tratado neste trabalho: ele mostrou que pelas
leis da tensão superficial a membrana de sabão formada pelo mergulho de um arame em uma
solução de sabão representava uma superfı́cie que era estável com relação a área, ou seja, mesmo
quando submetida a leves deformações a membrana voltava a seu estado original. Coube aos
matemáticos ’traduzir’ tal problema para a linguagem matemática. A primeira solução real para
o problema só foi dada em 1930 por Jessie Douglas e T. Rado em trabalhos independentes. A
solução abordada aqui é devido a Douglas.

3 Como enunciar?

Inicialmente, talvez esse tenha sido o grande problema: Como enuciar o problema de Plateau
de uma forma apropriada? Será que o enunciado dado na apresentação basta, ou será que temos
que fazer outra formulação? Todas essas questões pairavam sobre o problema de Plateau. Então,
vamos formular nosso problema como segue. Seja Γ uma curva de Jordan (i.e.,um subconjunto
homeomorfo ao cı́rculo) e ∆ = {(x, y); x2 + y 2 ≤ 1}. Um mapeamento Ψ : ∆ → Rn é dito C 1
por partes se ele é contı́nuo e se, exceto ao longo de ∂∆ e de um número finito de arcos e pontos
de ∆0 , Ψ é de classe C 1 . Um mapeamento contı́nuo b : ∂∆ → Γ é dito monótono se para cada

1
p ∈ Γ, o conjunto b−1 (p) é conexo. Definimos então o conjunto XΓ = {Ψ : ∆ → Rn ; Ψ é C 1 por
partes e Ψ|∂∆ é uma parametrização monótona de Γ}. Em outras palavras, Γ é nosso arame e
XΓ é nosso conjunto de membranas de sabão que concorrem para ver quem a possui a menor
área entre todas as demais. Para isso precisamos definir a função área. Esta será o seguinte
funcional linear A : XΓ → R+ ∪ {∞}
R R
A(Ψ) = ∆ |Ψx ∧ Ψy |dxdy

Nosso problema então resumi-se a achar Ψ ∈ XΓ tal que A(Ψ) = aΓ , onde aΓ = infΨ∈XΓ A(Ψ).
Podemos então enunciar nosso teorema assim:

Teorema 1. Seja Γ uma curva de Jordan em Rn tal que aΓ < ∞. Então existe um mapeamento
contı́nuo Ψ : ∆ → Rn tal que

1. Ψ|∂∆ mapeia ∂∆ monotonamente em Γ;

2. Ψ|∂∆0 é harmônica e quase conforme;

3. A(Ψ) = aΓ .

A função Ψ do Teorema 1 é chamada solução para o problema de Plateau para Γ.


Passemos agora à solução.

4 Trabalhar com energia é melhor!


R R
Definimos o fincional energia D : XΓ → R+ ∪ {∞} como D(Ψ) = ∆ (|Ψx |2 + |Ψy |2 )dxdy. A
partir de agora esta integral será chamada de integral de Dirichlet. Assim como para o funcional
A definimos aΓ = infΨ∈XΓ A(Ψ), para a D definimos dΓ = infΨ∈XΓ D(Ψ). O que será mostrado
adiante é que minimizar a área é o mesmo que minimizar a energia. Mas então fica a pergunta:
Por que trabalhar com energia é melhor que trabalhar com área? A resposta para esta pergunta
vem com a seguinte proposição chamada de Princı́pio de Dirichlet.

Proposição 1. Seja b : ∂∆ → Rn um mapeamento contı́nuo e defina Xb = {Ψ : ∆ → Rn ; Ψ é


C 1 por partes e Ψ|∂∆ = b}. Assuma que db = infΨ∈Xb D(Ψ) é finito. Então existe uma única
função Ψb ∈ Xb tal que D(Ψb ) = db . A função Ψb é harmônica em ∆0 e representa a solução
para o problema: ∇2 Ψ = 0,Ψ|∂∆ = b.

Essa proposição nos dá a possibilidade de trabalhar com funções harmônicas, que devido às
suas inúmeras propriedades, teremos uma tarefa menos árdua para provar o Teorema 1. Além do
mais, a quantidade de ”membranas de sabão”com que temos que trabalhar diminuiu, pois o que
os conjuntos Xb fazem é dividir em classes XΓ , onde para cada classe Xb temos um representante
que minimiza a energia. Basta, então, procurar nossa membrana entre os Ψb ’s.
Antes de provarmos o Princı́pio de Dirichilet, mostremos a relação entre aΓ e dΓ .

2
Energia
4.1 Área =
2

Como o enunciado da subseção já informa, vamos provar que aΓ = .
2
Prova.

Primeiro veja que para quaisquer vetores v,w ∈ Rn , temos:


(|v|2 + |w|2 )2
|v ∧ w|2 ≤ |v|2 |w|2 − < v, w >2 ≤ |v|2 |w|2 ≤
4
como igualdade se e só se |v| = |w| e < v, w >= 0. Donde é imediato que, para qualquer Ψ ∈ XΓ ,
temos
D(Ψ)
A(Ψ) ≤ . (4.1.1)
2
com igualdade se e só se Ψ for quase conforme em quase todo lugar de ∆. De (4.1.1) temos que
dΓ dΓ
aΓ ≤ . Resta-nos então mostrar que aΓ ≥ . Para fazer isso, seja {Ψn } uma sequência de
2 2
XΓ tal que A(Ψn ) → aΓ . Fazendo as aproximações apropriadas, podemos tomar Ψn de classe
C 1 em ∆0 . O que faremos agora é reparametrizar Ψn de tal forma que a nova parametrização
2
Ψn satisfaça D(Ψn ) ≤ 2A(Ψn ) + , o que prova o que queremos. Para cada r ≥ 0, considere o
n
mapeamento estendido Ψn,r : ∆ → Rn+2 dado por
Ψn,r (x, y) = (Ψn (x, y), rx, ry)
Apesar de Ψn,r ∈ / XΓ para r 6= 0, Ψn,r continua sendo imersão. Além do mais, é fácil ver que
1
A(Ψn,r ) depende continuamente de r. Portanto ∃ > 0 tal que |A(Ψn, )−A(Ψn )| < . Contudo,
n
pelo teorema das coordendas isotermais, podemos reparametrizar Ψn, de tal forma que a nova
parametrização Ψn, seja conforme,onde
Ψn, (x, y) = (Ψn (x, y), u(x, y), v(x, y))
2 2
Daı́, D(Ψn, ) ≤ D(Ψn, ) = 2A(Ψn, ) = 2A(Ψn, ) ≤ 2A(Ψn ) + = 2A(Ψn, ) + e segue a
n n
afirmação. 

4.2 Prova do Princı́pio de Dirichlet


Se u : ∆ → Rn é uma função harmônica em ∆0 , então, para 0 < r < 1,
1 R 2π r2 − |z|2
u(z) = u(reiθ ).
2π 0 |reiθ − z|2
∀z com |z| < r. Logo, se {un } uma sequência de funções harmônicas em ∆ convergindo para uma
função harmônica u uniformemente sobre compactos de ∆0 , então ∇un → ∇u sobre compactos
de ∆0 . Com isso, temos o seguinte lema.

3
Lema 1. Seja {un } uma sequência de funções harmônicas em ∆ convergindo para uma função
harmônica u uniformemente sobre compactos de ∆0 . Então
D(u) ≤ lim inf n D(un )
Prova.

Seja K um compacto de ∆0 e denote por DK a integral de Dirichlet sobre K. Pelo argumen-


tado acima, DK (u) = lim DK (un ) ≤ lim inf D(un ). Basta entaão aproximar K de ∆.
Agora, se ak ,bk são os coeficientes de Fourier de b, então para cada n ≥ 0 podemos definir a
função harmônica
a0 P
Ψn (reiθ ) = + 1≤k≤n rk (ak cos kθ + bk sin kθ) (4.2.1)
2
Essas somas parciais convergem uniformimente para uma função harmônica Ψ sobre com-
pactos de ∆0 . Além do mais, Ψ se estende para uma função contı́nua de ∆ tal que Ψ|∂∆ = b
(Convergência de Abel para a série de Fourier). Mostremos que D(Ψ) = db . Escolha Φ ∈ Xb
com D(Φ) < ∞,e para cada n, Φn = Φ − Ψn . Então para cada n, podemos escrever
D(Φ) = D(Φn ) + D(Ψn ) + 2D(Φn , Ψn ),
onde
R R ∂Φn ∂Ψn ∂Φn ∂Ψn
D(Φn , Ψn ) = ∆
(< , >+< , >)dxdy.
∂x ∂x ∂y ∂y
Onde, pela identidade de Green,
R 2π ∂Ψn R R
D(Φn , Ψn ) = 0 (< Φn , > |dθ
r=1 − ∆ < Φn , ∇2 Ψn >)dxdy.
∂r
Daı́, ∇2 Ψn = 0. Além do que, o primeiro termo do lado direito da expressão acima pode
ser expresso, usando (4.2.1), como uma combinação dos 2n primeiros coeficientes de fourier da
função b − Ψn |∂∆, cada um dos quais zero. Logo, D(Φn , Ψn ) = 0. Então segue que D(Ψn ) =
D(Φ) − D(Φn ) ≤ D(Φ) e pelo Lema 1,
D(Ψ) ≤ lim inf D(Ψn ) ≤ D(Φ)
Resta então mostrar que Ψ é única. De fato, se Ψ0 é tal que D(Ψ0 ) = db , com Ψ0 ∈ Xb , tome
u = Ψ − Ψ0 . Note que para todo  real
D(Ψ) ≤ D(Ψ + u) = D(Ψ) + 2D(Ψ, u) + 2 D(u)
Segue que D(Ψ, u) = 0 e então
D(Ψ0 ) = D(Ψ + u) = D(Ψ) + D(u).
Então, D(u) = 0 e portanto ∇u = 0. Desde que u|∂∆ = 0, temos u = 0,donde a unicidade
está provada.
Agora, tudo que temos que fazer para provar o Teorema 1 é achar um parametrização b de
Γ tal que db = dΓ . Para fazer isso, tomaremos uma sequência {bn } de parametrizações de Γ tal
que lim dbn = dΓ e mostraremos que existe uma subsequência que converge uniformemente.

4
5 Diminuindo ainda mais a quantidade de membranas de
sabão

É sabido que por transformações conformes do disco é possı́vel mapear quaisquer 3 pontos de
∂∆ em quaisquer outros três pontos distintos de ∂∆. Além do mais, tendo prescrito a imagem
dos três pontos, a tranformação está unicamente determinada. Normalizemos, então, nossas
superfı́cies. Escolhemos três pontos distintos p1 , p2 , p3 de Γ e três pontos distintos z1 , z2 , z3 de
∂∆. Definimos, então o seguinte conjunto.

XΓ0 = {Ψ ∈ XΓ ; Ψ(zk ) = pk }

Como a integral de Dirichlet é invariante por transformações conformes do Disco, segue que
inf D(Ψ); Ψ ∈ XΓ0 = dΓ . Ou seja, dimuı́mos ainda mais a classe de funções com que temos que
trabalhar. Mais com uma vantagem ainda maior, para essa classe de funções temos a seguinte
proposição.

Proposição 2. Seja M uma constante maior que dΓ . Então a famı́lia de funções

= = {Ψ|∂∆; Ψ ∈ XΓ0 e D(Ψ) ≤ M }

é equicontı́nua e sobre ∂∆. Portanto, pelo teorema de Ascoli-Arzelá, é compacta da topologia da


convergência uniforme.

Antes de mostrar a prova da Proposição 2, mostremos como ela resolve nosso problema:
Seja bn uma sequência de = tal que lim dbn = dΓ . Pela proposição 2, existe uma subsequência
{bnj }que converge uniformemente para um b ∈ =. Pelo Lema 1,

D(Ψb ) ≤ lim inf D(Ψbnj ) = dΓ

Consequentemente, D(Ψb ) = dΓ . Isso prova o Teorema 1. Provemos agora a proposição.

Prova da proposição 2.

Seja Ψ ∈ XΓ tal que D(Ψ) ≤ M . Para cada z ∈ R2 e cada r > 0 nós definimos Cr como
sendo ∂B(z, r) ∩ ∆, e denotamos por s o comprimento de arco sobre Cr . Através de uma conta
técnica, é possı́vel
√ mostrar que para cada δ < 1 positivo, existe um número r (dependendo de
Ψ) com δ ≤ r ≤ δ tal que

R (δ)
Cr
|Ψs |2 ds ≤ ,
r
onde
2M
(δ) = .
ln 1δ

5
Usando esse fato e a desigualdade de Cauchy-Schwarz, temos
p
l(Cr ) ≤ 2π(δ), (5.1)
R
onde l(Cr ) = Cr |Ψs |ds, que é o comprimento da curva Ψ|Cr .
Usaremos (5.1) junto com a geometria de Γ para estabelecer a equicontinuidade de =. De
fato, seja e > 0 dado. Por um argumento topológico, sabemos que existe d > 0 tal que para
todo p, p0 ∈ Γ com 0 < |p − p0 | < d, uma 0
p das componentes de Γ − {p, p } possui diâmetro menor√
que e. Então tomemos δ < 1 tal que 2π(δ) < d e de tal forma que ∀z ∈ ∂∆, |z − zk | > δ
para no mı́niom dois entre z1 , z2 , z3 . Assuma, wlog, √ que e ≤ mini6=j {|pi − pj |}. Mas sabemos
que para qualquer z ∈ ∂∆, existe r com δ ≤ r ≤ δ tal que l(Cr ) < d. A fronteira do disco
está então dividida por Cr em dois arcos: um menor ,A, contendo z, e seu complementar,A0 ,
contendo dois dos pontos z1 , z2 , z3 . Os arcos correspondentes em Γ são A, A0 , um dos quais tem
diâmentro menor que e, pois l(Cr ) < d. contudo, como A0 contém no mı́nimo dois dos pontos
p1 , p2 , p3 , Diam(A0 ) > e. Então Diam(A) < e. Logo, para |z − z 0 | < δ em ∂∆, temos

|Ψ(z) − Ψ(z 0 )| < e,

onde δ independe de z, z 0 e de Ψ. Segue a equicontinuidade.

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