Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ESTADO E
POLÍTICAS PÚBLICAS
© 2019 POR EDITORA E DISTRIBUIDORA EDUCACIONAL S.A.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida
de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou
qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização,
por escrito, da Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Presidente
Rodrigo Galindo
Vice-Presidente de Pós-Graduação e Educação Continuada
Paulo de Tarso Pires de Moraes
Conselho Acadêmico
Carlos Roberto Pagani Junior
Camila Braga de Oliveira Higa
Carolina Yaly
Danielle Leite de Lemos Oliveira
Giani Vendramel de Oliveira
Juliana Caramigo Gennarini
Priscila Pereira Silva
Tayra Carolina Nascimento Aleixo
Coordenador
Giani Vendramel de Oliveira
Revisor
Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis
Editorial
Alessandra Cristina Fahl
Daniella Fernandes Haruze Manta
Flávia Mello Magrini
Hâmila Samai Franco dos Santos
Mariana de Campos Barroso
Paola Andressa Machado Leal
ISBN 978-85-522-1319-2
2019
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
2
ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
SUMÁRIO
Apresentação da disciplina 4
Democracia e Estado-nação 63
3
Apresentação da disciplina
4
Estado e Governo: conceito e
representações
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
5
1. Introdução
A instituição Estado, até que chegássemos aos dias atuais, passou por
inúmeras fases de transformação em suas estruturas de organização e
administração, algo que somente foi possível após sucessivas tentativas
históricas, nas quais o seres humanos, tomados por aquilo que seria
chamado na concepção aristotélica de “pulsão de gregária” – uma
propensão ao agrupamento, que tornaria possível a sobrevivência
prolongada dos seres humanos – terminariam por juntar-se ao redor de
instituições hierarquizadas, antes mesmo que as pudéssemos chamar
de Estado e governo, como as conhecemos hoje.
1
A primeira utilização da expressão Estado feita na obra O Príncipe aparece no Capítulo I, logo no primeiro pa-
rágrafo, quando Maquiavel afirma que “Todos os Estados, os domínios todos que existiram e existem sobre os
homens foram e são repúblicas ou principados”. In: BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe
– comentado por Napoleão Bonaparte. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977. p. 11.
6
expressão maquiavélico, quando se quer denominar alguém
ardiloso, cruel, capaz de agir de má-fé – fama injusta e
anacrônica quando se analisa o imenso legado daquele que
revolucionaria o pensamento político pelos séculos que se
seguiriam. Maquiavel escreveu “O Príncipe” em uma Europa
fragilizada e fragmentada, na qual qualquer análise atual
não prosperaria. DE SANTI, Alexandre. Os fins justificam os
meios. Superinteressante.
2
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora,
2012. p.19.
7
Alguns dos principais teóricos do Contratualismo são Thomas Hobbes3,
defensor do absolutismo, que associava o Estado soberano ao Leviatã,
monstro mitológico destruidor, atribuindo à instituição a característica
de ser “um mal”, mas “um mal necessário” e detentor do poder
soberano; John Locke4, que considerava o Estado, cujo representante
seria eleito pelo povo, responsável por proteger as liberdades individuais
e a propriedade privada – essa última tida como direito divino - e Jean-
Jacques Rousseau5, partindo da premissa de que a soberania era do
povo, que a concedia ao Estado em troca da garantia de promoção
daquilo que ele chamava de “vontade geral”.
3
HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edi-
pro, 2015.
4
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil. São Paulo: Edipro, 2014.
5
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. São Paulo: Martin Claret, 2013.
6
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora,
2012. p.13.
7
Idem. p.21.
8
Contudo, estamos falando apenas sobre Estado até agora. E o que se
entende por governo? São Estado e governo expressões referentes à
mesma instituição? A confusão entre as expressões é comum e, por isso,
precisamos compreender quais são as suas principais diferenças.
9
Soberania, confundida erroneamente por alguns autores com a figura de
governo, compreende, segundo Carré de Malberg, a qualidade do poder
de um Estado que não reconhece nenhum poder superior8, nem na
esfera interna, nem na esfera externa. Isso significa dizer que o Estado
tem poder sobre seus indivíduos e também que os outros Estados,
assim reconhecidos, o devem respeito.
ASSIMILE
Estado, portanto, é a estrutura de organização de poder
formada pela junção de três elementos essenciais
condicionantes, sendo estes: povo, território e soberania,
sem os quais, não se pode falar na existência de um Estado.
8
MALBERG, Carré de. Teoria General del Estado. Cidade do México: UNAM, 2001. p. 83.
10
10
2.2 Soberania e governo
9
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. Niterói: Editora Impetus,
2007. p. 13.
10
Idem.
11
No parlamentarismo, o governo é exercido através da presença de um
parlamento, órgão representativo responsável pela produção legislativa.
O chefe de governo no Parlamentarismo é o Primeiro-Ministro, havendo
distinção entre as figuras do chefe de Governo e do chefe de Estado.
De forma a tornar a diferença mais visível, o parlamentarismo é mais
frequente em regimes monárquicos, por sua formulação histórica11.
EXEMPLIFICANDO
Em alguns países, como é o caso do Brasil, as figuras do
Chefe de Estado, responsável pelas relações exteriores, e do
Chefe de Governo, responsável pela administração interna,
são representadas pela mesma pessoa, o que dificulta a
nossa visualização das diferenças entre Estado e Governo.
No entanto, a diferença é mais fácil de ser visualizada
em países que adotam o sistema parlamentarista, onde
Chefe de Governo e Chefe de Estado não são a mesma
pessoa, como é o caso do Reino Unido, onde há um Chefe
de Governo, na figura do Primeiro-Ministro, gabinete
atualmente ocupado por Theresa May, e um chefe de
Estado, responsável pelas relações diplomáticas, posição
ocupada há 65 anos pela Rainha Elizabeth I.
11
BONAVIDES, Paulo. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 416.
12
Idem.
12
12
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
Como pudemos perceber, o Estado, desde sua necessidade de ex-
pulsão do diferente em nome da unificação territorial em torno de
um único centro de poder – como no episódio histórico da expulsão
dos muçulmanos de Granada – até os processos de colonização e in-
vasão das Américas, se constituiu sobre uma dinâmica de exclusão e
supressão de diversidades. Reflita sobre os conceitos dos elementos
essenciais que formam o Estado e tente compreender como o surgi-
mento destes influencia as relações de poder até os dias atuais.
3. Considerações finais
13
• O conceito de soberania pode ser dividido em duas dimensões:
externa e interna. A soberania, sendo a qualidade do poder
supremo de um Estado, quando se manifesta em sua faceta
externa, tem a ver com as relações internacionais entre os Estados
e a capacidade de um Estado ser reconhecido perante os outros
como tal; já em sua faceta interna, a soberania se manifesta
através da expressão de governo, referindo-se a toda cadeia
hierárquica que compõe os órgãos da administração pública.
Glossário
14
14
de Estado. Trata-se de um conceito de identidade coletiva de fundo
emocional, etéreo, e não necessariamente relacionado à existên-
cia de um espaço territorial definido, embora, frequentemente, as
nações estejam inseridas em Estados.
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
15
e. Pela ausência de centralização de poder, formando-
se por inúmeras unidades pulverizadas de
administração, em razão da maior facilidade para se
garantir a proteção dos indivíduos, algo que Hobbes
denominaria de “mal necessário”, associando-o
ao Leviatã, um monstro mitológico, capaz de a
todos engolir.
a. Thomas Hobbes
b. Nicolau Maquiavel
c. John Locke
d. Jean-Jacques Rousseau
e. Aristóteles
16
16
Estado, possuindo como destinatários desse poder os
mesmos órgãos.
17
Referências bibliográficas
Gabarito
Questão 1 – Resposta: E
A alternativa incorreta é aquela na qual vem disposto que o Estado
Moderno seria caracterizado pela descentralização de poder, o que
não procede: o que caracteriza a transição do feudalismo para o
Estado moderno é exatamente o oposto, a centralização de poder
nas mãos de um único poder soberano, que a todos controlaria.
Questão 2 – Resposta: B
A questão 2 possui como alternativa correta aquela que indica a
utilização da expressão Estado como denotativa de unidade de
poder soberano, composta por elementos condicionantes de sua
própria existência, o diplomata florentino Nicolau Maquiavel, que
utilizou a expressão Estado pela primeira vez, conforme utilizamos
ainda hoje, na obra “O Príncipe”, escrita em 1512, porém publicada
postumamente, em 1532.
18
18
Questão 3 – Resposta: B
A alternativa correta à questão 3 é aquela na qual se encontra
a definição de soberania externa como sendo desdobramento
de relações internacionais e reconhecimento entre os Estados
e a soberania interna como dimensão interna, doméstica e
administrativa, dentro daquilo que denominamos governo.
19
Estado e formação: o Estado
Brasileiro
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
20
20
1. Introdução
1
DE CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial; Teatro das Sombras: A política
imperial. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, RelumeDumará, 1996, 436 p.
21
no cenário nacional, possuindo mecanismos de pressão sobre o
Estado, garantindo a manutenção do status quo colonial, apesar da
independência, e de seus interesses próprios. O Brasil emancipado
era interessante sob o aspecto econômico, mas a classe fundiária não
identificava qualquer relevância em abrir mão de seus privilégios.
22
22
descentralização de poderes, passando por sucessivas modificações
estruturais, até que assumíssemos a forma federativa, em 1891.
EXEMPLIFICANDO
São Paulo é uma unidade federativa, logo, um estado.
Percebeu a diferença sutil entre as denominações Estado
e estado? Quando falamos em Estado – assim, com a letra
“E” maiúscula – estamos nos referindo à União, ao todo
soberano, que já vimos no tópico anterior. Já a expressão
estado, com “e” minúsculo, será utilizada para referirmo-nos
às unidades federativas – salvo, logicamente, se a palavra
“estado” estiver iniciando a frase.
23
No entanto, a forma como o poder estava relacionado às grandes
propriedades de terra durante os séculos anteriores e, principalmente,
nas primeiras décadas do recém emancipado Estado Brasileiro,
seria fundamental para que a nova fase política se formasse, o que
influenciou o pensar representativo do Brasil por todo o século
seguinte, como veremos.
Voto censitário é aquele pelo qual vota-se pela aferição de renda, o que
significa que, novamente, a divisão de poder dos grandes latifúndios
seguiria determinante para a nova dinâmica política brasileira. Vale
mencionar, também, que apenas homens poderiam votar, o que
afunilava mais ainda a definição de quem era ou não cidadão em 1891.
24
24
No entanto, a figura do líder regional, que receberia um status maior de
destaque na nova república, ganharia outros contornos, com o poder
de influenciar o voto do povo através de mecanismos de controle que
ficariam conhecidos como “voto de cabresto”2. O período que se segue
entraria para a história da política brasileira através da figura dos
Coronéis, em um período marcado pela profunda dominação política
das classes não-dominantes, delineando a composição representativa e
social do Brasil até os dias atuais.
2
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: o município e o regime representativo no Brasil.
São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1975. p.23.
25
Os proprietários rurais locais permaneceriam como detentores da maior
parcela do poder no país, e agora ganhariam o nome de Coronéis – em
referência à Guarda Nacional. Quando de sua instituição, a Guarda
Nacional, em excerto das memórias do Barão do Rio Branco3, teria como
principal atribuição manter a ordem pública. Para que isso se realizasse,
cada município possuiria seu próprio regimento da guarda, e o chefe
político da comuna exerceria o papel de comando, o chamado Coronel.
Ocorre que o título era conferido, apesar de ser uma guarda militarizada
e fardada, aos mais ricos fazendeiros da época, o que já nos permite
compreender o porquê do surgimento de famílias tradicionalmente
políticas – se é que assim se pode chamá-las – nos rincões do Brasil.
ASSIMILE
O Coronelismo, portanto, foi uma prática da política
brasileira, que se estendeu por décadas, na qual o poder
político era exercido por grandes proprietários de terra, que
exerciam pressão sobre as classes dominadas – estas, que
não detinham poder econômico.
3
PARANHOS, José Maria da Silva. 18 de agosto. In: GARCIA, Rodolfo (org). Obras do Barão do Rio Branco VI:
Efemérides Brasileiras. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2012. p.469.
26
26
políticos seriam definidos pelas lideranças dos Estados com maior
concentração de latifúndios, Minas Gerais e São Paulo, algo que se
findaria apenas em 1930.
27
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
A partir da análise do conteúdo apresentado, é possível perceber
como as dinâmicas políticas, fortemente influenciadas pela presença
de grandes propriedades agrárias e do poder político dos latifundiá-
rios, além da ausência de direcionamento social pós-abolição da es-
cravidão, exerce força até hoje, no cenário político e social nacional,
sobre como o status quo segue mantido?
3. Considerações finais
28
28
democrática. Novamente, a classe dominante impõe seus interesses
econômicos a uma classe dominada, privada da possibilidade de se
emancipar através do voto, pois este é censitário e não é secreto,
dando origem ao “voto de cabresto” – dinâmica política que imperou
no Brasil até 1930 e ainda possui reflexos na política nacional,
através da presença de famílias dominantes.
Glossário
29
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
30
30
pensavam sempre no bem comum, para além de
interesses de classe;
31
federativas autônomas, dotadas de auto-organização e
autogoverno, as principais características da Federação;
Referências bibliográficas
32
32
Gabarito
Questão 1 – Resposta: B
As principais características de um Estado Unitário são a
centralização de poder e a ausência de divisões administrativas
autônomas, diferentemente do que ocorreria no Federalismo,
sendo correta a alternativa B.
Questão 2 – Resposta: A
O Coronelismo, sistema político surgido em razão das grandes
concentrações de terra, constituiu-se como mecanismo de
dominação das classes mais dominadas por décadas, durante a
nova República; porém, seu surgimento tem relação com práticas
fundiárias e distribuição de postos da Guarda Nacional, e nada tem
a ver com Bento Gonçalves, líder da Revolução Farroupilha. Apenas
a alternativa A está correta.
Questão 3 – Resposta: C
A Federação se caracteriza pela pulverização de poder em
unidades autônomas, dotadas de capacidade de autogoverno e
auto-organização, logo a alternativa que apresentava a resposta
correta é a letra C.
33
Globalização: unidade e
fragmentação
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
34
34
1. Introdução
1
HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780: programa, mito e realidade. São Paulo: Paz e Ter-
ra, 2016. p. 39-40.
35
decisões econômicas, algo que teria muito impacto nas décadas que
se seguiriam. Teóricos como Adam Smith e sua “mão invisível”, em A
Riqueza das Nações2, estabeleceriam que o mercado não dependeria
do Estado e possuía mecanismos de autorregulação, razão pela qual a
economia deveria ser livre.
ASSIMILE
A necessidade de expandir territorialmente o alcance do
Estado, em razão da necessidade de escoamento dos
excedentes de produção, levou a um dos últimos ciclos de
colonização da história, primando sempre pela máxima
fragmentação possível, como forma de facilitar a dominação
sobre os povos.
36
36
Tal fragmentação gerou, inicialmente, um grande fluxo de migração
dos “pontos quentes da modernização”4, ou seja, das regiões mais
industrializadas, para as menos desenvolvidas, “ainda intocadas
pelos processos modernizantes”, às quais eram vistas pelo
colonizador como “vazias”5, onde se operaria uma colonização
maciça, fundada no extermínio daquilo que fosse diferente e
problemático aos anseios das metrópoles. A homogeneização que
criaria uma sociedade de consumidores não poderia incluir quem
não se pudesse colonizar de forma lucrativa.
4
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.50.
5
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p. 51.
37
O descontentamento gerado pelo fim da Primeira Guerra seria
a motivação para Segunda Guerra, um conflito que surgiria,
novamente, como meio de se estabelecer a supremacia territorial
sobre os mercados. No entanto, o conflito de 1939 assumiria
contornos de limpeza étnica, sob o regime do III Reich da Alemanha
nazista – uma tentativa de segregar e exterminar aqueles que não
eram semelhantes aos alemães considerados puros e, portanto,
superiores, pelas políticas de governo.
38
38
socialismo era o modelo adotado, tornar-se-ia cada vez mais intenso e o
mundo conheceria um novo processo, denominado globalização.
2. Globalização
7
COUTINHO, Luciano. A terceira revolução industrial e tecnológica. As grandes tendências das mudan-
ças. Economia e sociedade, v. 1, n. 1, p. 69-87, 1992.
8
VALENTE, Valdemar. GLOBALIZAÇÃO, FRAGMENTAÇÃO, EXCLUSÃO. VIDYA, v. 19, n. 34, p. 14, 2015.
39
O ser humano universal dos discursos políticos encontraria limites na
expansão econômica, de cunho segregador, algo que reflete o processo
pelo qual o surgimento de grandes multinacionais, pulverizadas nos
países menos modernizados, criariam uma periferia global dependente
dos bens de consumo, e fornecedora de mão de obra barata e
produtora de matéria-prima, pois não tendo como investir na própria
industrialização, viam-se obrigados a comprar produtos dos países do
centro global9 e, ao comprá-los, cada vez mais teriam que produzir e
fornecer matérias-primas para pagá-los10.
EXEMPLIFICANDO
Ao promover a segregação da sociedade em setores e
grupos, contraditoriamente, essa segregação só é possível
9
A expressão “centro global”, aqui utilizada, refere-se às regiões do mundo compostas pelos países economi-
camente dominantes, centrais à economia mundial, e não ao centro geográfico, literal.
10
ESLAVA, Luis; OBREGÓN, Liliana; URUEÑA, René. Imperialismo(s) y derecho(s) internacional(es): ayer y
hoy. In: ANGHIE, A.; KOSKENNIEMI, M.; ORFORD, A. Imperialismo y derecho internacional: historia y legal.
Bogotá: Siglo del Hombre Editores, Universidad de los Andes, Pontificia Universidad Javeriana, 2016. p. 11-94.
11
Idem.
40
40
através da homogeneidade que há entre esses grupos: nas
periferias, permanece o que é periférico; nos centros, o
que é de centro; Na União Europeia, o que é europeu; No
MERCOSUL, o que é das Américas; e assim, sucessivamente.
12
VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18.
13
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.43.
41
campanhas publicitárias14. Assim, povos das mais diferentes origens
étnicas, históricas, culturais, passaram a adotar os mesmos hábitos.
EXEMPLIFICANDO
14
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.52-54.
42
42
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
Após compreender como a fragmentação territorial, que levou aos
dois maiores conflitos do século XX, foi gerada com o objetivo de am-
pliação de mercados, percebemos como a dinamização das frontei-
ras e de circulação de bens foi essencial para que o capitalismo e o
livre mercado se desenvolvessem; o que se refletiria no surgimento
da ONU e na produção normativa a nível internacional. No entanto,
também percebemos que se iniciou uma separação da sociedade,
da política e dos fluxos econômicos em blocos, compartimentando
iguais em grupos de iguais, e gerando mais segregação, ao contrário
da pretensão de universalidade advogada na seara política. Reflita
como essa segregação pode ter favorecido o aprofundamento das
desigualdades sociais, nosso próximo capítulo.
3. Considerações finais
43
entre as que eram mercados em potencial e as que possuíam
alguns obstáculos a essa modalidade de imperialismo de mercado,
determinante para o seu desenvolvimento;
Glossário
44
44
• Capital: é a expressão utilizada para definir recursos que sejam
utilizados na aquisição e produção de bens e serviços, passíveis
de acumulação e considerada a atribuição de lucro proveniente
da mais-valia15.
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
45
d. Trata-se de um sistema econômico no qual o Estado
se responsabiliza pela diminuição das desigualdades,
distribuindo as riquezas produzidas entre todos os
seus habitantes;
46
46
a. Liberalismo;
b. Socialismo;
c. Comunismo;
d. Globalização;
e. Militarização.
Referências bibliográficas
Gabarito
Questão 1 – Resposta: C
47
O liberalismo econômico possui como principal característica a
não intervenção do Estado na economia, o que significa que o
mercado, através de seus próprios mecanismos, possui meios para
se auto-organizar e regular, algo que se consagrou na literatura
sobre economia como o princípio da “mão invisível do mercado”. A
alternativa correta é a letra C.
Questão 2 – Resposta: A
A distribuição de territórios, em um período no qual havia
intensa disputa por novos mercados entre os países europeus,
causou insatisfação em países que se sentiram desfavorecidos
em sua parcela de colônias, fato que provocou a Primeira
Guerra Mundial. Ao fim da Primeira Guerra, com a assinatura do
Tratado de Versalhes, novamente, a Alemanha perderia alguns
de seus territórios para países como França e Dinamarca, o que
esteve entre as motivações para o surgimento de movimentos
nacionalistas radicais, que culminaram na Segunda Guerra Mundial.
A alternativa correta é a letra A.
Questão 3 – Resposta: D
Dá-se o nome de globalização ao processo de aceleração da
produção de bens e serviços em escala global, internacionalizando
o mercado e permitindo que países em regiões distintas do globo
façam parte de um mesmo padrão de consumo, incentivados pelas
grandes corporações. A alternativa correta é a letra D.
48
48
Globalização e suas características
na acentuação da desigualdade
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
49
1. Introdução
O que o pai da aviação não poderia prever, para além da utilização bélica
de seu invento, causa da angústia que tragicamente o levou ao suicídio,
era que os avanços em engenharia aeronáutica permitiriam um acesso
ainda maior a todas as regiões do globo e, consequentemente, uma
ampliação substancial de mercados.
1
BARROS, Henrique Lins de. Alberto Santos-Dumont: pioneiro da aviação. Exacta, v. 4, n. 1, p. 35-46, 2008.
50
50
fronteiras, pois a vida econômica não poderia se confinar a apenas
uma sociedade delimitada e “desde suas origens, o capitalismo é
internacional em escopo”2.
Até mesmo a vida local, nas cidades, passa a ser influenciada pelos
padrões de transformação visíveis no restante do mundo, como as
dinâmicas de mercado e o consumo de bens. Isso significa dizer,
por exemplo, que as zonas mais prósperas das grandes metrópoles
mundiais fazem parte da “metacidade”3 de Paul Virilio, já mencionada
anteriormente, para a qual não há fronteiras físicas, mas econômicas,
delineadas por diferenças sociais abissais, para aquela parcela da
população que não é vista como consumidora em potencial, nem produz
competitivamente para ser percebida pelo mercado.
2
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p.69.
3
VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18.
4
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1998. p. 50.
5
Idem. p. 53.
51
Dessa forma, a discrepância entre países desenvolvidos e pobres
se acentua, ao mesmo passo em que eufemismos para tratar a
desigualdade se proliferam: não há países subdesenvolvidos, mas “em
desenvolvimento”, o trabalho noturno ou aos finais de semana, passa a
ser “trabalho flexível” – ideias de um patronato arcaico, mas revestidas
de uma “mensagem muito chique”6. Ao mesmo tempo, em dados do
Banco Mundial para o ano de 2015, 700 milhões de pessoas ao redor do
mundo todo viviam abaixo da linha da pobreza7.
52
52
apoio familiar e comunitário, crédito e outros recursos produtivos, voz
ativa nas instituições e acesso a oportunidades8.
8
SEN, Amartya. Amartya Sen e as mil facetas da pobreza. In: BID AMÉRICA (Banco Interamericano de De-
senvolvimento). Amartya Sen e as mil facetas da pobreza. Disponível em: http://www.iadb.org/pt/noticias/arti-
gos/2001-07-01/amartya-sen-e-as-mil-facetas-dapobreza,9286.html Acesso em 19 ago. 2018.
9
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.38.
10
Idem. p.40.
53
PARA SABER MAIS
Assim como o prédio sede da Organização das Nações
Unidas em Nova York foi projetado pelo brasileiro Oscar
Niemeyer, o painel duplo de 14 metros que decora o hall
de entrada do prédio é de autoria do também brasileiro
Cândido Portinari, denominado “Guerra e Paz”. (PORTINARI,
Cândido. Guerra e Paz. 1957. Original de arte. Óleo sobre
madeira. Acervo da Organização das Nações Unidas.)
11
Idem. p.43.
54
54
nos primeiros anos do século XXI, o que correspondia a apenas um
sexto da população mundial12.
ASSIMILE
12
TUROLLA, Frederico Araujo. Globalização e desigualdade. GV-executivo, v. 2, n. 4, p. 17-21, 2004.
55
entre os elementos facilitadores dos conflitos armados modernos, que
sempre se operam nos não-lugares, onde impera a desigualdade.
EXEMPLIFICANDO
O subúrbio ocupa as telas apenas em momentos de
crise: quando se revolta, quando algo negativo ocorre,
testemunhando “o sentimento de exclusão de uma
parte da juventude fechada num protesto sem conteúdo
13
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.53.
56
56
ideológico particular”14, que somente se vê representada
nos espaços de consumo quando subverte a ordem. (AUGÉ,
Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/
Unesp, 2010. p.54).
14
Idem. p.54.
15
BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. p.12.
16
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um critério de classificação utilizado pelo Programa de Desen-
volvimento das Nações Unidas (PNUD) para, através de indicadores como acesso a serviços básicos, urbanização,
renda e expectativa de vida da população, comparar o nível de desenvolvimento dos países. O ranking atualiza-
do pode ser acessado em: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html
57
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
Reflita sobre como as desigualdades sociais surgiram no contexto
da globalização, a despeito da pretensão de universalidade dos
hábitos e práticas a nível mundial, pois o universal encontraria
limitação nas áreas que não eram consideradas regiões de
consumo, os não lugares do subúrbio global, alheios à cultura,
à arte, à ciência e ao entretenimento das grandes metrópoles,
asseverando a rivalidade entre os polos da sociedade: periferia e
centro, ocidente e oriente, norte e sul global.
3. Considerações finais
• A globalização, enquanto processo de integração a nível global,
fundado na expansão de capital e de mercados, possuía uma
pretensão de universalidade de hábitos de consumo, que
influenciou até mesmo a disposição das cidades no espaço;
• Surge uma espécie de “metacidade”, na qual, a despeito de
fronteiras, há um compartilhamento cultural, artístico e científico,
significando que as áreas elitizadas das grandes metrópoles se
assemelham, em nome da modernização;
• No entanto, essa pretensão de universalidade não atinge regiões
inaptas aos padrões de consumo, figurando como não-lugares do
sistema capitalista, onde impera a desigualdade;
• Tal dinâmica promove um fluxo migratório inverso ao do século
XIX e início do século XX, pois os habitantes das regiões exploradas
do globo anseiam participar dos espaços de consumo, em busca
de uma vida melhor.
Glossário
• Linha de pobreza: expressão utilizada para designar o índice pelo
qual se define quando a renda de um indivíduo, durante um ano, é
insuficiente à garantia de sua sobrevivência digna;
58
58
• Renda per capita: expressão em latim que significa renda “por ca-
beça”, trata-se da renda média dos indivíduos, quando se conside-
ra um determinado contexto, como o país. Assim, a renda per capi-
ta de um país é o índice de renda média por pessoa naquele lugar;
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
a. globalização;
c. metacidade global;
d. supermodernidade;
e. Europa.
59
2. O fato de que os padrões de consumo a nível global
não se espalham uniformemente por todos os espaços
é um dos elementos ensejadores de rivalidades entre
classes, regiões do mundo e culturas diferentes porque
as classes dominadas desejam se ver nos espaços de
consumo, normalmente ocupados pelas elites.
60
60
A que fenômeno econômico, que se reflete também na
difusão de arte, em razão da padronização de hábitos ao
redor do mundo todo, o trecho acima se relaciona?
a. Feudalismo;
b. Fragmentação territorial;
d. Globalização;
Referências bibliográficas
61
Gabarito
Questão 1 – Resposta: B
A única das expressões apresentadas como alternativas à questão
1 que representa um índice de desigualdade é a aferição de
renda per capita, ou renda “por cabeça”, através da qual é possível
compreender os padrões de renda média dos indivíduos em um
determinado local, anualmente. Logo, a alternativa B está correta.
Questão 2 – Resposta: A
De fato, um dos elementos ensejadores de rivalidades entre classes
é o desejo das classes dominadas de figurarem em espaços de
consumo como a televisão e as redes sociais, assim como as classes
dominadoras, fazendo com que, na hipótese da questão, não
apenas as duas afirmativas sejam verdadeiras, mas que a segunda
afirmativa justifique a primeira. A alternativa A está correta.
Questão 3 – Resposta: D
O trecho apresentado na questão se relaciona à globalização e
ao processo de massificação dos hábitos das elites a nível global,
algo que se manifesta também através das artes, pois as mesmas
exposições artísticas viajam pelo mundo todo, de museu em
museu, nos remetendo à ideia de metacidade global. A alternativa
correta, portanto, é a letra D.
62
62
Democracia e Estado-nação
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
63
1. Introdução
1
BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe – comentado por Napoleão Bonaparte. São Pau-
lo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977. p. 11.
2
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional. Curitiba: Juruá Editora,
2012. p.21.
64
64
O francês Ernest Renan faz em Qu’est-ce qu’une nation? 3 a primeira
tentativa de se conceituar esse sentimento, dividindo-o em duas
partes: uma, referente à memória coletiva daquele povo, e a segunda,
referente à perpetuação da história coletiva deste grupo, de forma
indivisível. Às duas facetas juntas, incorporadas às percepções de
Estado, Renan deu o nome de nação.
EXEMPLIFICANDO
Os países localizados na região dos Balcãs até hoje têm
problemas de identificação coletiva, após sucessivas guerras
e processos de emancipação de Estados, situações que
antecedem o surgimento do Império Austro-Húngaro, em
1867, e que perduram até os dias atuais, após a Guerra
da Bósnia, em 1994, que terminou com acusações de
genocídio, após também a guerra por independência
de Kosovo, em 2000, que ainda não obteve o resultado
desejado, e a separação de Montenegro da Sérvia, em 2009.
Nunca houve um período bem sucedido de unificação no
local, ainda que inúmeras tenham sido as tentativas.
3
RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation? (Conférence prononcée le 11 mars 1882 à la Sorbonne). Paris:
Presses Pocket, 1992. p. 54.
4
HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2013. p.33.
65
Em um primeiro momento, a burguesia, a classe mercantil crescente
durante o período, financiou a ascensão dos monarcas soberanos
e inúmeras foram as teorias que objetivaram justificar o poder do
monarca, como foi o caso do próprio Maquiavel e de Thomas Hobbes,
com seu Leviatã5. O Estado era um mal necessário.
5
HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edi-
pro, 2015.
6
SCHNEIDER, Luíza Galiazzi. O papel da guerra na construção dos Estados modernos: o caso da Etiópia,
2010. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Programa de Pós Graduação em Ciência Política, Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
7
CHINAGLIA, Pedro Henrique. VIANA, Waleska Cariola. Estado Westfaliano versos Estado-nação e seus refle-
xos nas colônias da América Latina. In: II Simpósio Pensar e Repensar a América Latina, 2016, São Paulo. Anais.
8
NAVARRO, Roberto. O que foi a Guerra dos Cem Anos? Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-
-estranho/o-que-foi-a-guerra-dos-cem-anos Acesso em: 28 ago. 2018.
66
66
a que se colocasse fim às inúmeras guerras ocorridas no período.
Surge um tratado que mudaria a história das relações entre Estados
para sempre: a Paz de Westfália, em 1648, composta pelos Tratados
de Münster e Osnabruque.
9
MAZUOLLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p.72.
67
superior a si, nem na esfera interna, nem na esfera externa. Isso
depende, necessariamente, de um limite de território – a circunscrição
na qual esse poder soberano será exercido e poderá ser facilmente
reconhecido por outros Estados.
ASSIMILE
10
CHINAGLIA, Pedro Henrique. VIANA, Waleska Cariola. Estado Westfaliano versos Estado-nação e seus re-
flexos nas colônias da América Latina. In: II Simpósio Pensar e Repensar a América Latina, 2016, São Paulo.
Anais.
68
68
desses movimentos. Uma delas, a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão11, fruto da Revolução Francesa, traria em seu texto que
“o princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação.
Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que
dela não emane expressamente”.
11
DO NASCIMENTO BRANCO, Francisco José. Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Intervenção
Social, p. 133-135, 2014.
12
MONDAINI, Marco. Guerras napoleônicas. In: MAGNOLI, Demétrio. História das guerras. São Paulo: Contex-
to, 2006. P.189.
69
Além de Bonaparte, as Revoluções Industriais que se seguiram e a
necessidade de expansão para novos mercados, nos séculos XIX e
XX, que culminariam nas duas grandes Guerras, em 1914 e 1939,
terminariam por reduzir ainda mais a figura do Estado estritamente
territorial em sua dinâmica de soberania nas relações internacionais.
A guerra de 1939 não seria apenas uma guerra marcada pelos anseios
de expansão territorial dos países que compuseram o eixo – Alemanha,
Itália e Japão. A Segunda Guerra deixaria um rastro de destruição
com motivações étnicas, com o extermínio de 6 milhões de judeus em
campos de concentração, em um dos mais trágicos capítulos da história
da humanidade, o holocausto.
70
70
população desde a publicação de Mein Kampf13 – do alemão, Minha
Luta – em 1925, livro escrito por Hitler quando esteve na prisão,
após a Primeira Guerra, e no qual deixava bastante claro que não
simpatizava com inúmeras minorias.
13
CAETANO, Tiago Lemanczuk Fraga. Mein kampf e o ideário nazista. Consilium Revista Eletrônica de Direi-
to, Brasília, v. 1, n. 4, 2010.
14
BOBBIO, N. Teoria geral da política: a filosofia política e a lição dos clássicos. Organizado por Michelan-
gelo Bovero. Tradução de Daniela B. Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p. 426-7
71
PARA SABER MAIS
Também em razão do fim da Segunda Guerra, surge a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, que
estabelece inúmeras garantias fundamentais à manutenção
da vida e da dignidade dos seres humanos. (UNICEF.
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
72
72
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias16.
3. Considerações finais
73
• No entanto, essa noção ainda seria fortemente ligada à
territorialidade, algo que em pouco tempo se dissolveria,
literalmente, após inúmeras guerras que colocaram em
questionamento a posição territorial dos Estados europeus,
principalmente após as invasões napoleônicas;
Glossário
74
74
a sacrifícios realizados através do fogo, conforme pode-se identi-
ficar no livro de Deuteronômio, 12:31, por exemplo. Por sua cono-
tação religiosa e contraditória ao que ocorreu durante a Segunda
Guerra, a expressão não é utilizada pela comunidade judaica. In:
HISTORIA LIVRE. Mudando conceitos: “holocausto” vs. “shoáh”.
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
75
2. A Paz de Westfália foi um divisor de águas para a
composição dos Estados e suas relações uns com os
outros, na Europa de 1648. Dentre as inovações trazidas
pelos tratados que a compuseram, encontra-se:
76
76
a. A Segunda Guerra Mundial e a gravidade das
agressões étnicas perpetradas por um governo que,
embora tenha se convertido em uma ditadura, teve
início em uma eleição, submetendo-se ao voto da
maioria, permitindo que a humanidade percebesse
que havia direitos que nem mesmo a vontade
majoritária, e até mesmo a vontade do Estado,
poderiam retirar do povo;
77
maioria, permitindo que a humanidade percebesse
que havia direitos que nem mesmo a vontade
majoritária, e até mesmo a vontade do Estado,
poderiam retirar do povo.
Referências bibliográficas
BOBBIO, N. Teoria geral da política: a filosofia política e a lição dos clássicos.
Organizado por Michelangelo Bovero. Tradução de Daniela B. Versiani. Rio de
Janeiro: Campus, 2000.
BONAPARTE, Napoleão; MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe – comentado por
Napoleão Bonaparte. São Paulo: Hemus-Livraria Editora Ltda, 1977.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 28
ago. 2018.
CAETANO, Tiago Lemanczuk Fraga. Mein kampf e o ideário nazista. Consilium
Revista Eletrônica de Direito, Brasília, v. 1, n. 4, 2010.
CHINAGLIA, Pedro Henrique. VIANA, Waleska Cariola. Estado Westfaliano versos
Estado-nação e seus reflexos nas colônias da América Latina. In: II Simpósio
Pensar e Repensar a América Latina, 2016, São Paulo. Anais.
DO NASCIMENTO BRANCO, Francisco José. Declaração dos direitos do homem e do
cidadão. Intervenção Social, p. 133-135, 2014.
GOUGES, Olympe de. Declaração dos direitos da mulher e da cidadã de 1791.
Tradução: Selvino José Assmann. Revista Interdisciplinar Interthesis, v. 4, n. 1.
HISTORIA LIVRE. Mudando conceitos: “holocausto” vs. “shoáh”. Disponível em:
http://www.historialivre.com/fanzine/fanzine_holocausto_shoah.pdf. Acesso em: 28
ago. 2018.
HOBBES, Thomas. Leviatã - Ou Matéria, Forma e Poder de Um Estado
Eclesiástico e Civil. São Paulo: Edipro, 2015.
HOBSBAWN, Eric. Nações e Nacionalismo desde 1780. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 2013.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Estado Plurinacional e Direito Internacional.
Curitiba: Juruá Editora, 2012.
MAZUOLLI, Valério. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2015.
MONDAINI, Marco. Guerras napoleônicas. In: MAGNOLI, Demétrio. História das
guerras. São Paulo: Contexto, 2006.
NAVARRO, Roberto. O que foi a Guerra dos Cem Anos? Disponível em: https://
super.abril.com.br/mundo-estranho/o-que-foi-a-guerra-dos-cem-anos. Acesso em:
28 ago. 2018.
78
78
RENAN, Ernest. Qu’est-ce qu’une nation? (Conférence prononcée le 11 mars 1882
à la Sorbonne). Paris: Presses Pocket, 1992.
SCHNEIDER, Luíza Galiazzi. O papel da guerra na construção dos Estados
modernos: o caso da Etiópia, 2010. Dissertação (Mestrado em Ciência Política)
– Programa de Pós Graduação em Ciência Política, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.
Gabarito
Questão 1 – Resposta: B
O conceito de nação corresponde ao sentimento de pertencimento
coletivo experimentado por uma dada população e independe
do vínculo territorial ou mesmo da presença de um Estado. A
alternativa B está correta.
Questão 2 – Resposta: D
Uma das inovações contidas na Paz de Westfália foi o surgimento
do princípio da igualdade formal dos Estados. A partir de então,
haveria equivalência de soberania entre os Estados na esfera
internacional, não existindo sobreposição hierárquica, por ser a
soberania a qualidade do poder do Estado que não reconhece
outro poder superior a si, nem internamente, nem externamente.
A alternativa D está correta.
Questão 3 – Resposta: A
O aprofundamento da proteção de garantias individuais a
todos os seres humanos se deu, entre outros fatores históricos
ocorridos durante o século XX, em razão das atrocidades
cometidas durante o período da Segunda Guerra Mundial, em
trágicos episódios como o holocausto, perpetrados por regimes
que ainda que totalitários, foram eleitos democraticamente em
um primeiro momento. Direitos como a vida não mais poderiam
estar sujeitos apenas aos anseios da maioria ou mesmo do
Estado. A alternativa A está correta.
79
Estado e globalização: por uma
outra democracia
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
80
80
1. Introdução
1
CHINAGLIA, Pedro Henrique. VIANA, Waleska Cariola. Estado Westfaliano versos Estado-nação e seus refle-
xos nas colônias da América Latina. In: II Simpósio Pensar e Repensar a América Latina, 2016, São Paulo. Anais.
81
Para além da flexibilização de fronteiras, apesar de ser fruto da
fragmentação territorial em mercados e zonas de influência,
a existência de uma economia global de mercado dependeria,
necessariamente, da homogeneização de hábitos de consumo, que,
como já vimos, refletiria na construção dos espaços urbanos, na arte,
na música, entre outros aspectos2.
2
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.52-54.
3
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. p. 74-75.
4
STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Porto Alegre: Livra-
ria do Advogado, 2003. p. 123.
5
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais, p. 35-48, 2001.
82
82
Essa representatividade se manifesta de forma direta ou através da
eleição de representantes, sendo a possibilidade de ter acesso aos
cargos públicos do país de sua nacionalidade, conforme disposto
no Pacto de Direitos Civis e Políticos, um tratado multilateral entre
Estados que compõe a trilogia de documentos constituintes da Carta
Internacional dos Direitos Humanos, composta também pelo Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pela
Declaração Universal de Direitos Humanos6.
EXEMPLIFICANDO
6
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/
pt/resources_10133.htm Acesso em: 25 set. 2018.
7
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais, p. 35-48, 2001.
83
a autonomia dos sujeitos8, em um século que conta,
hoje, com o maior fluxo de refugiados desde a Segunda
Guerra Mundial.
2. Cidadania e globalização
8
MEZZADRA, Sandro. Multidão e Migrações: a autonomia dos migrantes. Revista ECO-Pós, v. 15, n. 2, p. 70-
107, 2012.
9
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/
pt/resources_10133.htm Acesso em: 25 set. 2018.
84
84
PARA SABER MAIS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948 – e traduzida para mais de 500 idiomas
desde então – foi fundamental à consolidação de direitos
fundamentais a todos os indivíduos, conferindo aos sujeitos
caráter de universalidade quanto a própria proteção e
resguardo por parte dos Estados, cujas constituições
modernas seriam influenciadas pelo texto da DUDH. In:
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração
Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://
nacoesunidas.org/direitoshumanos/declaracao/ Acesso em:
25 set. 2018.
Fonte: cristianl/iStock.com.
10
Idem.
85
A aceleração dos processos globais de consumo favoreceu também a
aproximação dos espaços e os fluxos migratórios, antes decorrentes
apenas de processos bélicos, e que agora passam a se intensificar com
motivação econômica, em razão da busca por melhores condições de
trabalho realizada por aqueles que, provenientes de regiões menos
favorecidas do globo, em razão de séculos de exploração, sonhavam
com uma vida diferente – a vida global dos espaços de consumo,
invocando mais uma vez a noção de compartilhamento e universalidade
do capitalismo do fim do século XX.
11
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais, p. 35-48, 2001.
12
SOYSAL, Yasemin. Limits and Citizenship: Migrants and Postnational Membership in Europe. Chicago:
University of Chicago Press, 1994. p.4.
13
Idem. p.14.
86
86
ASSIMILE
14
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em
Ciências Sociais, p. 35-48, 2001.
15
SOYSAL, Yasemin. Limits and Citizenship: Migrants and Postnational Membership in Europe. Chicago:
University of Chicago Press, 1994. p.14.
16
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010. p.54.
87
PARA SABER MAIS
O fenômeno da xenofobia, historicamente, esteve
presente em inúmeras fases da existência humana, mas
tem se fortalecido nas últimas décadas em razão de uma
vinculação equivocada de que atos de violência sempre
estejam relacionados à figura dos migrantes. Episódios
como o ato racista no qual torcedores do time espanhol
Vilarreal atiraram bananas ao brasileiro e lateral-direito
Daniel Alves, então jogador do Barcelona, no ano de
2014. Revelam a proporção do sentimento de ódio a
estrangeiros, que se intensifica em momentos de crise
e possui desdobramentos psicológicos muito sérios a
quem sofre com tal preconceito, podendo desencadear
episódios psiquiátricos nas vítimas, como depressão e
síndrome do pânico.
Fonte: tzahiV/iStock.com.
88
88
aspecto, também faz uso de uma vinculação de soberania Estatal muito
própria do Estado-nação, uma percepção superada para o mercado a
nível transnacional, mas arraigada às noções de pertencimento de uma
sociedade conservadora, que tende, desde o advento do Estado moderno,
a excluir indivíduos para além de suas fronteiras.
3. Considerações finais
89
• O período histórico imediatamente seguinte ao início da
década de 1940 consolidou o posicionamento político a nível
global no sentido de elevar o ser humano ao status de sujeito
internacional, universal, o que se refletiria na redação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos e a formulação em
seu texto sobre a “família humana”;
Glossário
90
90
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
91
Porque
92
92
Assinale a alternativa que apresenta a sequência
CORRETA, respectivamente.
a. F - V - F;
b. V - F - V;
c. F - F - F;
d. V - V - F;
e. F - F - V.
Referências bibliográficas
AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp, 2010.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1999.
CHINAGLIA, Pedro Henrique. VIANA, Waleska Cariola. Estado Westfaliano versos
Estado-nação e seus reflexos nas colônias da América Latina. In: II Simpósio
Pensar e Repensar a América Latina, 2016, São Paulo. Anais.
MEZZADRA, Sandro. Multidão e Migrações: a autonomia dos migrantes. Revista
ECO-Pós, v. 15, n. 2, p. 70-107, 2012.
STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan. Ciência Política e Teoria Geral do
Estado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm. Acesso em: 25 set. 2018.
VIEIRA, Liszt. Notas sobre o conceito de cidadania. Revista Brasileira de
Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, p. 35-48, 2001.
Gabarito
Questão 1 – Resposta: C
A alternativa correta é a letra C. O livre fluxo de pessoas não é uma
realidade, a despeito do livre fluxo de bens e capitais promovido
93
pelos processos de globalização, havendo questões de segurança e
soberania envolvidas quanto ao posicionamento do Estado sobre a
temática de migração.
Questão 2 – Resposta: A
A alternativa correta é a letra A. A universalização de direitos, que
não considera a territorialidade, em contraponto ao fortalecimento
da soberania em razão da territorialidade, gera o paradoxo no qual
a soberania, de fato, esbarra com a amplitude de garantias. Uma
frase justifica a outra.
Questão 3 – Resposta: E
A alternativa correta é a letra E. A universalidade desconsidera
a noção de território, não possuindo relação com as políticas de
fronteira, mais relacionadas a questões de segurança nacional;
A xenofobia é a resistência por parte da população a tudo aquilo
que é estrangeiro; A cidadania, de fato, está relacionada ao vínculo
jurídico e político que indivíduos possuem com determinado
Estado, no qual exercem seus direitos civis e políticos.
94
94
O multiculturalismo e a ética
igualitária
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
95
1. Introdução
1
CHINAGLIA, Pedro Henrique. VIANA, Waleska Cariola. Estado Westfaliano versos Estado-nação e seus refle-
xos nas colônias da América Latina. In: II Simpósio Pensar e Repensar a América Latina, 2016, São Paulo. Anais.
2
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/
pt/resources_10133.htm Acesso em: 10 out. 2018.
96
96
influenciaria muito mais do que apenas os hábitos de consumo dos seres
humanos, mas encurtaria os espaços e promoveria o acesso a cantos do
planeta Terra que, até então, não teriam a possibilidade de se conhecer
– reflexo também do aprimoramento de elementos da engenharia
aeronáutica, permitindo viagens mais curtas a lugares mais distantes.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Migration Report, 2017. Highlights. Disponível em:http://www.un.org/
4
en/development/desa/population/migration/publications/migrationreport/docs/MigrationReport2017_Highli-
ghts.pdf Acesso em: 13 out. 2018.
97
PARA SABER MAIS
A Lei Áurea, assinada pela
Princesa Isabel em 13 de maio
de 1888, colocava fim a séculos
do tráfico de escravos, trazidos
da África para trabalhar nas
lavouras de cana-de-açúcar e
nas minas de ouro, durante o
período colonial. Ainda que sua
importância histórica seja
Fonte: JDawnInk/iStock.com.
incontestável, principalmente
quando nos recordamos que o Brasil foi o último país da
América Latina a abolir a escravidão, a Lei Áurea não foi
acompanhada de políticas públicas voltadas à população
liberta, tornando a abolição um processo imperfeito, como
veremos mais a frente.
5
SCHERER-WARREN, Ilse. Democracia e cidadania global. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 48,
2002.
98
98
que, para além da vinculação política atribuída exclusivamente pelo
Estado, são os membros da sociedade, reunindo-se em formas de
participação coletiva – como as organizações sem fins lucrativos –
aqueles que “com o seu trabalho, fertilizam a construção do futuro”6.
ASSIMILE
6
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro/São Paulo, Edi-
tora Record, 2001. p.26.
7
GAGNON, Alain-G; IACOVINO, Raffaele. Interculturalism: expanding the boundaries of citizenship. In:
MAÍZ, Ramon; REQUEJO, Ferran (org.). Democracy, Nationalism and Multiculturalism. Nova York: Frank Cass
Publishers, 2005.
99
A supressão das identidades próprias dos indivíduos, em nome da
equalização do nacional, passa a ser vista, com o avanço da globalização,
como uma espécie de violência simbólica, pois o reconhecimento da
identidade própria é pré-requisito para a realização pessoal8. Dessa
forma, “o ideal de igualdade não poderá ser alcançado se os indivíduos
forem forçados a se conformar a uma identidade cívica”9, o que significa
que a cidadania, muito mais do que uma vinculação territorial, possui
caracteres externos à representatividade formal, meramente jurídica. A
realidade da sociedade é, em si, plural.
8
Idem. p.26
9
Idem. p. 27
10
DA COSTA, Alexandre Emboaba. Reimagining Black Difference and Politics in Brazil: from Racial Demo-
cracy to Multiculturalism. Nova York: Palgrave Macmillan, 2014. p.23.
11
Idem. p.4.
100
100
PARA SABER MAIS
A Lei de Terras, criada em 1850, foi o primeiro documento
normativo acerca da distribuição agrária no Brasil, e surgiu
como reação ao crescente movimento abolicionista no país.
Como a abolição da escravatura parecia ser questão de
tempo, latifundiários precisavam garantir, de alguma forma,
que os negros libertos não tivessem mecanismos para
adquirir terras, restringindo também, pelo mesmo motivo, a
aquisição de propriedade por estrangeiros, de forma a que
não ascendessem socialmente, o que garantia que, mesmo
livres, permaneceriam dependentes dos grandes senhores12.
12
GADELHA, Regina Maria d’Aquino Fonseca. A lei de terras (1850) e a abolição da escravidão: capitalismo e
força de trabalho no Brasil do século XIX. Revista de História, n. 120, p. 153-162, 1989.
13
STEDILE, João Pedro (org.) A Questão Agrária no Brasil. O debate tradicional 1500-1960. São Paulo: Ex-
pressão popular, 2005. pp. 15-31.
101
EXEMPLIFICANDO
Fonte: UrsaHoogle/iStock.com.
102
102
Nesse sentido, surge a necessidade de combinar os múltiplos atores
sociais voltados não apenas a uma visão vertical de cidadania, entre
Estado e indivíduos, mas também uma visão horizontal, entre indivíduos
e indivíduos, reforçando a ideia de comunidade, de composição social, e
encampando os agentes de mudança14.
Fonte: PeopleImages/iStock.com.
SCHERER-WARREN, Ilse. Democracia e cidadania global. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 48,
14
2002.
103
QUESTÃO PARA REFLEXÃO
Reflita sobre a necessidade de ampliação da noção de
cidadania, de forma a incorporar mecanismos mais inclusivos de
representatividade, que não apenas os formais, ligados às restrições
de nacionalidade, mas uma forma mais ampla, relacionada aos
múltiplos atores sociais que compõem a atual realidade dos
regimes democráticos.
3. Considerações finais
104
104
sentido de promover o diálogo democrático entre indivíduos
em uma visão mais inclusiva.
Glossário
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
Porque
105
c. A primeira afirmação é falsa e a segunda é verdadeira.
106
106
a. Apenas as alternativas I e III estão corretas;
b. Estado-nação;
c. Política;
d. Poder;
e. Cidadania.
Referências bibliográficas
107
DA COSTA, Alexandre Emboaba. Reimagining Black Difference and Politics
in Brazil: from Racial Democracy to Multiculturalism. Nova York: Palgrave
Macmillan, 2014. p.23.
GADELHA, Regina Maria d’Aquino Fonseca. A lei de terras (1850) e a abolição da
escravidão: capitalismo e força de trabalho no Brasil do século XIX. Revista de
História, n. 120, p. 153-162, 1989.
GAGNON, Alain-G; IACOVINO, Raffaele. Interculturalism: expanding the
boundaries of citizenship. In: MAÍZ, Ramon; REQUEJO, Ferran (org.). Democracy,
Nationalism and Multiculturalism. Nova York: Frank Cass Publishers, 2005.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Migration Report, 2017. Highlights.
Disponível em: http://www.un.org/en/development/desa/population/migration/
publications/migrationreport/docs/MigrationReport2017_Highlights.pdf.
Acesso em: 13 out. 2018.
RODRIGUES, Luiz Eduardo Miranda José. Demoiselle – O Melhor Projeto de Santos
Dumont. Revista Eletrônica Aero Design Magazine, v. 1, n. 1, 2009.
SCHERER-WARREN, Ilse. Democracia e cidadania global. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, v. 17, n. 48, 2002.
STEDILE, João Pedro (org.) A Questão Agrária no Brasil. O debate tradicional
1500-1960. São Paulo: Expressão popular, 2005. pp. 15-31.
UNICEF. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em:
https://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10133.htm. Acesso em: 10 out. 2018.
VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. A sociedade civil na globalização. Rio
de Janeiro/São Paulo, Editora Record, 2001. p.26.
Gabarito
Questão 1 – Resposta: C
A alternativa correta é a letra C, a primeira afirmação é falsa e a
segunda é verdadeira. Não houve promoção de políticas públicas
de inclusão dos ex-escravos na sociedade brasileira, o que gerou
inúmeras questões sociais nos séculos seguintes, e a Lei Áurea,
apesar de se configurar como um marco histórico na conquista
de direitos sociais pelos negros, após séculos de escravidão, não
foi suficiente para promover uma sociedade mais igualitária e
livre de preconceitos.
108
108
Questão 2 – Resposta: D
A alternativa D está correta. Entre todas as alternativas, apenas
a opção III está incorreta, pois a tendência de supressão de
identidades a nível interno já tende a, cada vez mais, ser superada
por uma perspectiva mais inclusiva e igualitária de cidadania, de
forma a abranger grupos que ou não teriam possibilidade de se
ver abrangidos pelo conceito formal de cidadania, ou, ainda que
abrangidos, não possam se ver representados, em razão da regra
majoritária dos regimes democráticos.
Questão 3 – Resposta: E
A alternativa E está correta. Dá-se o nome de cidadania à
garantia de direitos civis e políticos conferida aos nacionais de
um determinado Estado, com o qual possuem vinculação de
nacionalidade, em uma perspectiva profundamente territorializada.
109
Movimentos multiculturais e suas
organizações políticas
Autora: Estela Cristina Vieira de Siqueira
Objetivos
110
110
1. Introdução
1
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p.75-76.
2
Idem. p.76.
3
VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. p.18.
111
Chegamos à culminância de séculos de promoção de um homem
universal, que, no entanto, embora universal em direitos, é multicultural
em suas origens: inclusive em nível de Estado, a diversidade surgiria
como fator determinante de organização da sociedade global, e o
princípio da autodeterminação dos povos, como reflexo do movimento
de descolonização, intensificado no século – uma evolução no sentido
democrático4, reafirmando a igualdade entre Estados e povos, um dos
requisitos necessários à construção de um espaço mundial mais igualitário.
4
ACIOLLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do; CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito
Internacional Público. São Paulo: Editora Saraiva, 2016. p.962.
5
VIEIRA, LISZT. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997. p.115.
6
GIDDENS, Anthony. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991. p.79.
7
WATERMAN, Peter. Globalization, social movements & the new internationalisms. Londres: Mansell,
1998. p.215.
112
112
PARA SABER MAIS
Um dos mecanismos
de compartilhamento
de informação a nível
internacional é a mídia,
que goza de um dos
mais importantes
princípios à salvaguarda
da democracia: a
Fonte: Mihajlo Maricic/iStock.com.
liberdade de imprensa.
Tal expressão se refere à garantia de atuação dos órgãos
de informação, sem que haja interferência do Estado
sobre seus conteúdos – salvo quando estes forem nocivos
à população, um conceito ainda assim, muito tênue e
delicado. Segundo dados liberados em 2016, pela ONG
Repórteres Sem Fronteiras, o Brasil se encontra em 104º lugar
no mundo, com relação à liberdade de ação da imprensa,
em um ranking estabelecido de acordo com o número de
ataques a repórteres, interferência na produção de mídia e
leis de restrição ao conteúdo.
8
VIEIRA, LISZT. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997. p.114-115.
113
ASSIMILE
Logo, não há necessária contradição entre as políticas
dos Estados e a possibilidade de agir democrático da
sociedade civil, que relativiza a relação tradicional entre
a função pública, soberana e estatizante, e a canalização
da vontade comunitária, através de organismos sociais de
promoção da equidade.
A função pública deve se aliar a essa função social, cada vez mais
fortalecida pelo regime democrático. Um padrão de interdependência
fica cada vez mais evidente com o surgimento de organizações
intergovernamentais9, como a Organização das Nações Unidas - o que
não reduz o Estado a um mero “ator de conexão”10, pois há relações
sociais que não se enquadram nas relações entre a função pública, as
ONGs e as organizações.
“La tentativa de conjurar la amenaza al medio ambiente mediante una política de desarrollo duradero puede
11
convertirse en el vehículo central de un desarrollo semejante, pues esa tentativa - emprendida en serio - implica
un nuevo orden económico y social a nivel mundial” In: HEIN, Wolfgang. El fin del Estado-Nación y el nuevo orden
mundial. Las instituciones políticas en perspectiva. Nueva Sociedad, Nro.132 Julio- Agosto 1994. p. 82-99.
114
114
EXEMPLIFICANDO
A atuação de organismos
como a ONG holandesa
Greenpeace ou a suíça
World Wildlife Fund for
Nature (WWF) serve
como mecanismo de
pressão quanto à atuação
sustentável dos Estados e Fonte: Tom Goossens
Photography/iStock.com.
à elaboração de políticas
públicas nesse sentido, além de promover a nível
internacional a conscientização da sociedade civil quanto à
necessidade de conservação e recuperação ambiental.
12
VIEIRA, LISZT. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997. p.117.
115
PARA SABER MAIS
No Brasil, a expressão
lobby adquiriu contornos
negativos, em razão de
situações nas quais a
pressão política exercida
por elementos externos
à função pública é feita
Fonte: Neydtstock/iStock.com.
através do poder
econômico e do tráfico de influência, como modalidade de
corrupção. No entanto, o lobby não possui essa conotação
e, de forma saudável à participação democrática, trata-
se apenas da pressão realizada pelo contato de grupos
de interesse com os grupos responsáveis pela tomada
de decisões. Para compreender melhor como funcionam
esses mecanismos de pressão, como o lobby e a advocacy,
acesse o site: http://www.cause.net.br/ainda-e-necessario-
esclarecer-conceitos-lobby-x-advocacy/
116
116
a. níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social;
b. a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e
conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e
c. o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião.
Fonte: Rawpixel/iStock.com.
117
da Cidadania”, pois a maneira com a qual conduzem as novas formas de
participação popular nos destinos coletivos se assemelha, na concepção
do autor, aos argonautas da mitologia grega, que heroicamente
conduziam sua nau em busca do Tosão de Ouro sagrado – assim como
os ativistas buscam a cidadania14.
Nas sociedades multiculturais, a diferença torna-se fonte de identidade
às pessoas humanas15. A privação de cidadania, nesse sentido, afeta o
direito de ser humano, colocando em contestação o fato de que todos
os seres humanos nascem iguais em direitos perante o Estado – “o
tratamento igual é injusto num meio social de desigualdades”16.
SITUAÇÃO-PROBLEMA
O país X, em um esforço recente para efetivar a disposição presente
na Carta das Nações Unidas no sentido da promoção do Direito ao
Desenvolvimento, dentro das hipóteses de criação de mecanismos
de cooperação econômica e social, resolve, voluntariamente, criar
um órgão consultivo com o objetivo de engajar sociedade civil e
poder público na promoção do direito à diversidade, através do
incentivo à organização de movimentos negros.
Tal atividade se insere no contexto de promoção da igualdade racial
e diminuição do preconceito, pois o país X possui altos níveis de
discriminação e constantes ataques violentos a minorias étnicas,
colocando-o em uma posição bastante delicada quanto ao cenário
internacional e causando inúmeras obrigações de reparar danos e
indenizar vítimas, após julgamentos na Corte Regional de Direitos
Humanos da qual o país X faz parte.
Além disso, dentro do contexto de colonização e formação
social, político e cultural do país X, as minorias étnicas se
enquadram em contexto de vulnerabilidade ampliada, pois
14
VIEIRA, Liszt. Os Argonautas da Cidadania. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
15
Idem. p.233-234.
16
Idem. p.236.
118
118
sempre estiveram à margem dos processos decisórios,
passando, inclusive, por um longo período de escravidão, motivo
pelo qual os movimentos negros no país ainda estão, passo
a passo, construindo suas identidades e promovendo uma
existência mais justa e equânime.
Considerando seus conhecimentos adquiridos a partir do conteúdo
apresentado, elabore o texto da resolução que dará origem ao
órgão consultivo, contendo tudo aquilo que você crê ser necessário
à justificação e estruturação do órgão, preenchendo os requisitos
de: 1) representatividade; 2) participação da sociedade civil; 3)
participação da função pública; 4) necessidade da criação do órgão;
5) importância para a realização do ideal democrático de igualdade,
porém, respeitando as diferenças.
Como forma de auxiliá-lo na elaboração da tarefa, você pode se
utilizar de exemplos bem-sucedidos de criação de conselhos e outros
órgãos consultivos relacionados ou não aos movimentos negros, e
também relacionados ou não à experiência do Brasil. Mãos à obra!
119
3. Considerações finais
Glossário
120
120
VERIFICAÇÃO DE LEITURA
121
2. Os seres humanos são iguais em termos de direitos,
em razão da promoção da universalidade de direitos
humanos, que não podem ser retirados de nenhum
indivíduo, mas são diferentes em suas características
especiais e identitárias
porque
122
122
a. O lobby consiste na prática fraudulenta de influência
política através da atribuição de valores à tomada
de decisões na esfera pública, pelos denominados
“grupos de pressão”;
Referências bibliográficas
123
VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997.
. Os Argonautas da Cidadania. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
VIRILIO, Paul. A bomba informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999.
WATERMAN, Peter. Globalization, social movements & the new
internationalisms. Londres: Mansell, 1998.
Gabarito
Questão 1 – Resposta: A
A alternativa A está correta, pois, de fato, as novas relações entre
seres humanos, proporcionadas pelas novas relações políticas
e sociais, em razão da maior velocidade de informações e o
encurtamento relativo das distâncias entre lugares remotos,
permitiram novas dinâmicas de interação, ampliando experiências
como a solidariedade entre os povos.
Questão 2 – Resposta: D
A alternativa D está correta, pois as duas afirmativas estão
corretas, mas não há relação de complementaridade entre
elas, pois a segunda afirmação apenas explica a existência
de diversidade dentro do mesmo espaço, não evidenciando
complementar a primeira frase.
Questão 3 – Resposta: C
A alternativa C está correta, pois o lobby não consiste em prática
fraudulenta ou relacionada à corrupção, sendo apenas um
mecanismo político de influência sobre a tomada de decisões,
através da pressão realizada por determinados grupos, como as
organizações não governamentais.
124
124
125