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RESENHAS DE NOVA LISBOA A BRASILIA. A INVENGAO DE UMA CAPITAL (SECULOS XIX E XX) Laurent Vidal Brasfla: Editor Universidade de Brass, 2009 Carlos Roberio Monteiro de Andrade Professor Doutor do Instituto de Aruitetura e Urhanismo da Universidade de Sio Paulo/Sio Carlos O cinquentenitio de Brasilia, completado no ano passado, suscitou a publicagio de novos ctulos sobre nossa jf no Gio Nova Capita, ampliando, assim, a historiografia sobre aquela que talvcz tenha sido a rea- Tizagio mais emblemética do urbanismo modemo, nao apenas em plagastropicais, mas em ambitointernacio- nal. Dentte os livros langados, ainda em 2009, descaca- -se 0 do historiador francés Laurent Vidal, que trata dos projetos de mudanga da Capital que antecederam a construcio da cidade, desde sua primeira formulagio no inicio do século XIX, até os planos claborados para ‘0 concurso de 1957, que resultou na escolha do plano de Lucio Costa sua imediata implantagio, Percorre, assim, um arco cronolégico que vai da vinda para 0 Brasil da familia ral boa parte da nobreza, até a inau- sguragio da cidade, com a matcralizagfo — ainda que incompleta - do projeto e, portanto, seu fim. O livro, publicado originalmente em 2002 (Paris: IHEAL Ealtions, 344 p.), tem sua origem, como infor- ‘ma o autor em seu Prélogo, na sua tese de doutorado defendida na Universidade de Paris II em 1995 ~ sob orientagio de Guy Martine da Universidade de La Rochelle, onde Vidal ¢ professor arualmente ~ intitu- lada “Um projeto de cidade: Brasia a formagio do Brasil moderno, 1808-1960” (tradusio nossa). No en- tanto, no livro, Vidal amplia seu estudo, aprofundando as teméticas de tés dos sete capftulos, de modo que temos “um trabalho bastante diferente da tese" (p.9), além de inclir uma bil mais atualizada. Como outros estudos recentes sobre Braslafeitos por pesquisadorcs estrangeiros, este de Vidal também procurailuminar questées que a historiografia nacional sempre tergiversou, como a da construgio do mito da ‘Nova Capital e em especial, nesse sentido, a contribui- ‘slo da arquiterura ¢ do urbanismo modemistas, bem DOI: httpsfdx.coi.org/10.22296/2917-1529.2010v12n1p143 como 0 papel de Juscelino Kubitschek, que apenas recentementetém sido revistos. A epopeia nacional que foi aconstrugio de Bras vvida como tal por muitos de scus construtores - Oscar Niemeyer foi um dos que se entregou de corpo ¢ alma a essa epopeia, ao lado de tantos outros, todos se vendo como candangos em um cantcito de obras que estava longe de ser uma utopia, contamina ainda hoje as andlises de autores braslcitos, de tal modo que sempre foram poucas ¢ restitas as er ticas a Bras, e quando existiram, foram rapidamente postas de lado. Lembremos, nesse sentido, as critcas agugadas « pertinentes de Gilberto Freyre, que desancavam as justficativas dos defensores do plano de Lucio Costa incluindo © prdprio, em relagio & auséncia de uma abordagem em cscala regional, mas que no encontra- am maiores ressonaincias. Nao é de hoje que um certo escompromisso do olhar estrangeiro permite uma visio mais critica sobre a arquitetura ¢ © urbanismo de Brasfia.Jé em fins dos anos 1950, diversas vores sobretudo italianas, manifestayam_pontos de vistas destoantes da unanimidade nacional. De Bruno Zevi, com seu discurso dcido © pouco geatil, a Giulio Carlo Argan, estocando sutilmente a genialidade criativa de Niemeyer, foram diversas a critics dos italianos 4 arquiterura e a0 urbanismo de Bras, em especial em 1959, por ocasiso do Congresso Internacional Extraor- dinitio de Criticos de Arte. Em relagio a0 urbanismo, vale destacarmos as consistentes crticas de Cesare Chiodi em seu iltimo texto ~ “Brasilia (impresses urbanfsticas)", de 1969 — na mesma linha daquela de Freyre, interpelando a auséncia de uma perspectiva regional no plano de Costa No entanto, Vidal, ao contririo daqueles criticos do calor da hora, esgrimando argumentos no ardor de polémicas, disputas poiticas c estétcas, busca realizar um trabalho de historiador, dstanciado dos acontec- :mentos, até por conta de sua situacio como estrangei- 10, Assim, sua investigagdo apresenta uma perspectiva claramente gencaligica das propostas de construgio de ‘uma nova capital para © Brasil. Procura reconstituir 0 percurso de século e meio (1810 a 1960), em que regis tra scis momentos de formulagio do projeto de mudan- «a da Capital, procedendo & anilise de cada um dees, relacionando-os a seus concextoshistSricos expec ‘mas também ao “mesmo ntimero de ambigies politicas « socials diferentes” (p.17). O primciro momento de R. B. ESTUDOS URBANOS E REGIONAIS V.12, N.1 / MAIO 2010 M43, invengio da Capital assnalado por Vidal foi quando da presenga da corte pornuguess no Rio de Janeiro, e nele © autor destaca a proposta do Conselheiro Anténio Rodrigues Veloso de Oliveira, inclfda na sua “Memé- ria sobre o Mcthoramento da Provincia de Sio Paulo”, apresentada em 1810 ao Principe Regente Dom Joao, « publicada em 1822 pela Tipografia Nacional. Apesar de sua posigio destacada na administragio real, cm tuma colénia com 3% da populagio negra ¢ em pleno regime excravista, © Conselhciro Oliveira propunha a liberdade do ventre 60 anos antes de Abolicio. O mesmo espitito vanguardista, presente no projeto do Conselheiro ainda sob o jugo colonial, para a criagio do que sera a Capital de uma corte exilada, reaparece durante © petfodo da Independéncia por meio de José Bonificio, jf com forte marca iluminista, Tratava-se, entio, de construir uma cidade das Luzes, com o nome de Pedrilia. Um tercciro momento que Vidal assnala é 0 do projeto claborado no periodo Imperial pelo diplomata ¢ historiador Francisco Adolfo de Varnhagem para 0 que seria a Cidade Imperatéria. Com 0 advento da Repiiblica, temos outto momento, no qual a transfe- réncia da Capital ¢ insrita na Constituigio © se cria ‘uma comissio para decerminar 0 local daquela que se chamaria Tiradentes. Durance 0 Estado Novo, a idcia € retomada com o plano de Theodoro Figucira de Almcida para a construgio de Brasilia, “a cidade histrica da América", em 1930, Em 1955 ¢ formula- do 0 projeto de Vera Cruz pela equipe de arquitetos © engenhciros da comissio encarregada da localizagio da Nova Capital, coordenada pelo Marechal José Pessoa. Como as propostas anteriores, esta também no vinga, mas, em 1957, sob o Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, um concurso de projetos resulta na esco- tha do plano do arquiteto Lucio Costa ¢, finalmente, Brasflia & construida, e inaugurada em abril de 1960. Completa-seentio o ciclo de invengio da Nova Capi- tal. E,como destaca Vidal na sua conclusio: “O fim do projeto retra toda a dinimica de Brasilia". A epopcia

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