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O APRENDIZADO DO PENSAR EM HEIDEGGER

LARISSA ALVES DE OLIVEIRA¹


JEANI DELGADO PASCHOAL MOURA²

RESUMO
Os escritos de Martin Heidegger (1889-1976) constituem um campo aberto de possibilidades para o
exercício do pensar. Apesar de Heidegger não ter investigado explicitamente temas sobre Educação,
ele apresenta importantes reflexões didáticas que demonstram a sua pedagogia em anos de
docência e como reitor universitário. Há uma educação radical na proposição heideggeriana, cujo
pensamento tem que acontecer em níveis cada vez mais elevados de aprendizagens, ou em saltos
qualitativos que levam o homem para algo novo. Mas, o que realmente é esse movimento do pensar?
A pesquisa se debruça na investigação pedagógica do significado do Dasein (HEIDEGGER, 2005),
do ser-no-mundo como presença, relação, participação e copertença na medida em que o ser-homem
experiencia o mundo da vida e produz a sua geografia, dando sentido e significado para a sua
existência (DARDEL, 2011). O homem não apenas é ou está, mas como ‘ser lançado’ se concretiza
como homo complexus, com seus antagonismos, sapiens e demens, empiricus e imaginarius,
prosaicus e poeticus, faber e ludens, economicus e consumans (MORIN, 2000), assim, interage
ocupando uma posição central no mundo da vida. O homem ‘é’, nesse mundo, moldado pelo seu
pensamento, particular e/ou compartilhado (LOWENTHAL, 1986). Ocorre que, uma das
características do modo de pensamento contemporâneo é a fragmentação, desmontam-se os
fenômenos para examiná-los em suas partes, o que gerou com o passar do tempo ações
independentes umas das outras, impactando não somente os modos de conhecer, mas de
compreender e de ser no mundo da vida. A metodologia de pesquisa, por meio da análise
documental investiga nas obras de Heidegger as possibilidades do ‘aprender a Pensar’ na busca por
respostas à questão: - Que significa pensar geograficamente? Reuniu-se registros geográficos para
se discutir o conceito de educação geográfica à luz do Dasein, concebendo a educação como
inerente à condição de ser-no-mundo, esta co-existe na medida em que os sujeitos são/estão no
mundo da vida. Como resultado preliminar, aponta-se para o diálogo entre ciência e educação
geográfica, entrelaçamento possível a partir da experiência dos sujeitos em seus mundos. Conclui-se
que, na busca por uma ciência geográfica mais humana, é crucial retomar as geografias em suas
singularidades seguindo caminhos para pensar o não pensado e repensar o que está imposto, o que
significa dizer que é preciso considerar o Dasein num esforço empírico-teórico de se atentar ao Ser-
homem de forma holística voltando-se não somente para o mundo exterior em sua materialidade,
mas, sobretudo, para o mundo que se ‘é’ capaz de enxergar, pois ‘o que é o mundo’ depende do
pensamento do Ser.

Palavras chaves: educação geográfica; experiência; ser-no-mundo.

ABSTRACT
HEIDEGGER’S LEARNING WAY OF THINKING

Martin Heidegger’s (1889-1976) writings constitute an open field of possibilities for the thinking
exercise. Although Heidegger did not explicitly investigate themes about Education, he presents
important didactic reflections that demonstrate his pedagogy during his years of teaching and as
university dean. There is a radical education in the Heideggerian proposition, whose thinking has to
happen at higher learning levels, or in qualitative leaps that lead man to something new. But what
really is this thinking movement? The research focuses on the pedagogical investigation of the
meaning of Dasein (Heidegger, 2005), of being-in-the-world as presence, relation, participation and
competence as the human being experiences life’s world and produces its geography, giving meaning
and significance to its existence (DARDEL, 2011). The man not only is, but also as ‘launched being’, is
¹ Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Londrina.
Bolsista CAPES. E-mail de contato: larissa-alvez@hotmail.com
² Docente do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Londrina. E-
mail de contato: jeanimoura@uol.com.br
concretized as homo complexus, with its antagonisms, sapiens and demens, empiricus and
imaginarius, prosaicus and poeticus, faber and ludens, economicus and consumans (MORIN, 2000).
That way, interacts occupying a central position in life’s world. Man 'is', in this world, shaped by his
private and/or shared thoughts (LOWENTHAL, 1986). It occurs that one of the characteristics of the
contemporary way of thought is fragmentation, dismantling the phenomena to examine them in their
parts, which generated over time actions independent of each other, impacting not only the ways of
knowing, but to understand and to be in life’s world. The research methodology, through documentary
analysis, investigates in Heidegger's works the possibilities of 'learning to think' in the search for
answers to the question: What does it mean to think geographically? Geographic registers were
assembled to discuss the concept of geographic education in the light of Dasein, conceiving education
as inherent in the condition of being-in-the-world, which co-exists according to way the subjects are in
life’s world. As a preliminary result, we point out to the dialogue between science and geographical
education, possible interweaving from the experience of the subjects in their worlds. It is concluded
that, in the quest for a more human geographic science, it is crucial to return to geographies in their
singularities by following the ways of thinking the ‘unthinkable’ and rethinking what is imposed, which
means that we must consider Dasein in an empirical-theoretical way of looking at the human being in
a holistic way, turning not only to the outer world in its materiality but above all, to the world that is
'able to see', because 'what the world is' depends on the thought of Being.

Key words: geographic education; experience; being-in-the-world.

Introdução
Diante de uma ciência consolidada, mas constantemente desacreditada pela
sociedade, retomar a essência do que torna a Geografia fundamental aos homens é
necessário. Este retorno possibilita pensar para além dos muros escolares, voltando-
se para uma formação que contribua na interpretação dos fenômenos do mundo,
bem como a compreensão da relação existencial de homem-mundo;
Heidegger não trabalhou com o ensino, tampouco com Geografia, no entanto,
seus anos como professor e reitor possibilitou a produção de ensaios sobre suas
aulas, bem como a aguçada crítica ao modus operandi das ciências. Nos escritos
deste filósofo encontramos reflexões sobre a essência de ser-no-mundo o que
instiga a traçar um paralelo sobre o significado do pensar geograficamente.
Este ensaio se debruça sobre a investigação pedagógica do significado do
Dasein (HEIDEGGER, 2005), na concepção do ser-no-mundo numa relação de
coexistência em que o ser-homem experiencia o mundo da vida e produz sua
geografia (DARDEL, 2011).
Como metodologia, a pesquisa foi realizada por meio de análise documental,
através da leitura das obras de Heidegger buscando respostas para a questão –
Que significa pensar geograficamente? Reuniu-se registros geográficos para discutir
o conceito de educação geográfica a luz do Dasein, entendendo que a educação é
inerente a condição de ser-no-mundo, sendo que esta co-existe na medida em que
os sujeitos são/estão no mundo da vida.
Neste ensaio, a primeira seção intitulada “Dasein e inquietações geográficas”
apresentamos o conceito principal na obra do autor de Ser e Tempo, o Dasein, bem
como a discussão sobre o conceito de mundo, em um diálogo com a Geografia. Na
segunda seção “Que significa pensar geograficamente?” discorremos sobre
elementos essenciais em Heidegger, como a surpresa e as experiências, como um
caminho para fazer uma Geografia mais humana.

1 Dasein e inquietações geográficas

Compreender que Heidegger não trabalhou diretamente com o ensino de


Geografia é uma abertura fundamental para vislumbrar em suas obras as
possibilidades de refletir os sujeitos a partir de uma profundida ao qual o filósofo
alemão se debruçou por tantos anos.
Heidegger superou a metafísica tradicional e em sua principal obra, Ser e
Tempo (2012), trouxe em sua reflexão principal o Dasein (ser-aí), pensando através
de sua complexidade e sob uma perspectiva fenomenológica ontológica. O autor, ao
finalizar esta obra, não apresentou uma síntese ou um conceito fechado sobre
Dasein, mas afirma: “O Dasein existe. Dasein é, além disso, o ente que eu sou cada
vez eu mesmo” (HEIDEGGER, 2012, p. 169). Dasein é concebido como o mais
profundo dos entes e o que expressa um eu puro e multifacetado.
A principio é necessário entender a propriedade com que Heidegger evidencia
a fenomenologia como caminho para pensar o Dasein. Em Ser e Tempo (2012, p.
123) o filósofo enfatiza que a Fenomenologia é o modo-de-acesso ao tema da
ontologia, e, portanto, “a ontologia só é possível como fenomenologia”, pois a díade
“ontologia e fenomenologia” não são disciplinas díspares, mas sim conexas e,
portanto, é necessário ter em mente a filosofia que conduziu os seus escritos e
reflexões, pois ambas “caracterizam a filosofia ela mesma, segundo o objeto e
segundo o modo-de-tratamento” (HEIDEGGER, 2012, p. 129). Não obstante, a
fenomenologia se manifesta como possibilidade do filosofar, e do filosofar em
Geografia. Na obra Introdução à Filosofia, Heidegger (2009) evidencia que sempre
filosofamos, mesmo que nada saibamos sobre filosofia, ela nos é inerente, está em
nós e nos pertence, porquanto existimos como homens. Ele salienta que a filosofia
pode permanecer velada ou manifestar-se de diferentes formas, seja no mito, na
religião, na poesia, nas ciências, etc. Em vista disso, o filosofar em Geografia passa
a ser recorrente, visto que na realidade cotidiana o homem se conecta a diferentes
formas geográficas, na materialidade ou nas relações sociais.
Um dos mais importantes conceitos da constituição do Dasein é o de ser-no-
mundo (a forma simplificada de ser-em-o-mundo), este conceito se apresenta como
fenômeno unitário, mas com composição em uma multiplicidade de momentos
estruturais constitutivos (HEIDEGGER, 2012). O ser-em em um primeiro momento
designa um ente que está “em” um outro ente, mas o ser-em não se refere a uma
espacialidade de “ser-um-dentro-do-outro”. Vindo do alemão ‘em’ e ‘in’ provém de
‘innan’ que é morar, habitare, desse modo, “Ser, como infinitivo de “eu sou”, isto é,
como existenciário, significa morar junto a... ser familiarizado com...” (HEIDEGGER,
2012, p. 173) e Ser em é uma expressão existenciária do ser do Dasein ao qual tem
como constituição fundamental o ser-em-o-mundo. O “ser junto” ao mundo no
sentido de absorver-se no mundo é fundamentado no ser-em.
Desse modo, é primordial pensar no conceito de mundo ao mencionarmos os
estudos de Heidegger. Tal qual, é improvável pensar em Geografia e não ponderar
sobre tal conceito podemos enfatizá-lo enquanto princípio para o ensino de
Geografia.
Em sua obra de Ser e Tempo (2012), Heidegger enfatiza essa conexão.
Porque o conhecimento-de-mundo representa no mais das vezes e de
modo exclusivo o fenômeno exemplar do ser-em e não só para a teoria do
conhecimento – pois o comportamento prático é entendido como o
comportamento “não teórico” e “ateórico” -, porque por essa procedência do
conhecimento se desencaminha o entendimento do seu modo-de-ser mais
próprio, o ser-no-mundo deve ser posto-em-relevo mais rigorosamente na
perspectiva do conhecimento-do-mundo e este mesmo deve se tornar
visível como “modalidade” existenciária do ser-em. (HEIDEGGER, 2012, p.
187).
É nessa essencialidade que o ser se evidencia, é por essa coexistência que o
ser-em se torna visível, de outro modo, os escritos do autor reforçam a
constitucionalidade do Dasein e a indispensável necessidade do pensar o conceito
de mundo.
Nestas palavras, para além da compreensão da perspectiva do mundo, ao
qual ainda retomaremos a seguir, enquanto coexistência do ser e enquanto acesso
ao pensamento geográfico, em evidência temos o que compete ao comportamento
prático entendido como “ateórico”. Nesta perspectiva, e pensando num ensino de
Geografia, nos voltamos à questão principal: Que significa pensar geograficamente?

2 Que significa pensar geograficamente?

Em um primeiro momento, é primordial retomarmos a ideia de que a conexão


dos escritos de Heidegger, no Dasein e sua coexistência de homem-mundo é aporte
para pensarmos o ensino de Geografia por um viés humanista, visto que para a
fenomenologia o mundo é compreendido a partir da relação primordial e original,
anterior até mesmo à cognição e teorização (DAL GALLO; MARANDOLA JR, 2015),
ou seja, essa coexistência é anterior à ciência e até mesmo a consciência, visto que
o homem vivencia e habita nesta relação.
No livro ‘Os conceitos fundamentais da metafísica’ (2011), no parágrafo 65,
intitulado "A abertura indistinta dos diferentes gêneros de ente enquanto entes
simplesmente dados e o adormecimento das relações fundamentais do ser-aí com o
ente da cotidianidade”, o filósofo mostra como elementos palpáveis aparecem,
enquanto entes, o que permite fazer as associações ao ensino de Geografia. De
início, o filósofo apresenta um pensamento fundamental "onde quer que o mundo se
dê, aí o ente está manifesto" (HEIDEGGER, 2011, p. 352). Nesse sentido, o mundo
não se trata apenas de um conceito a ser pensado pelas ciências ou, simplesmente,
um cenário das ações humanas, tampouco um elemento passivo das mudanças dos
homens. Transposto para o ensino de Geografia é pelos elementos materiais que
vem ao ente que se criam aberturas para o desencobrimento do ser-no-mundo.
Para Heidegger há uma multiplicidade de entes que estão abertos para nós
como a natureza material, inanimada, vivente, além da obra humana e da cultura.
Há o que Heidegger chama de “gêneros fundamentalmente diversos de entes”
estes, por sua vez, delineiam de antemão os contextos do que nomeia de “posições
diversas”. Na cotidianidade de nosso ser-aí não nos damos conta desta diversidade
de entes, apenas deixamos que estes se aproximem numa "estranha indistinção e
ser um ente simplesmente dado" (HEIDEGGER, 2011, p. 352). Para além dessa
característica, o autor salienta que somos sensíveis a multiplicidade de conteúdos
do ente que nos envolve e que somos ávidos por novidades e alteridade.
No entanto, o ente que nos envolve esta aí homogeneamente manifesto
enquanto o justamente presente como um dado no sentido mais amplo
possível - há terra e mar, montanhas e florestas, e, em tudo isso, há animais
e plantas; há homens e obras humanas, e, no interior de tudo isto, nós
mesmos também. (HEIDEGGER, 2011, p. 353).

De outro modo, na materialidade ou imaterialidade, o que vem a nós é a


representação de nós mesmos enquanto ser-em, e por assim ser, é necessário que
a compreensão de mundo não seja reduzida a cenário. Heidegger propõe uma
reflexão para a filosofia que ignora o ser-aí cotidiano. Tal problemática nos leva a
questão do aprender que faz parte do ser-aí cotidiano, o ambiente escolar faz parte
do habitar, da coexistência.
A geografia escolar é responsável, no mais das vezes, pelo primeiro contato
científico dos indivíduos com a Geografia, no entanto, usualmente encontramos nas
ciências e no modo como estas aparecem nas instituições de ensino, as excessivas
fragmentações. Como menciona Morin (2000), nas escolas nos ensinam a isolar
objetos de seu ambiente, a fragmentar disciplinas ao invés de identificar as suas
correlações, a dissociar os problemas em vez de integrá-los. De modo geral, ocorre
a redução e a fragmentação do complexo ao simples, buscando a eliminação do que
possa causar desordem e contradição ao pensamento humano.
Com essas considerações, Morin (2000) ajuda a compreender o quão difícil é
pensar geograficamente, isto porque a Geografia vai além dos conteúdos das
diretrizes educacionais. Esta última, enquanto orientação para o ensino formal,
funciona como equiparação ao que o estudante, em tese, deveria saber para
determinada idade escolar.
Na obra ‘Ensaios e conferências’ (2008), no capítulo intitulado ‘O que quer
dizer pensar?’, Heidegger mostra que a distância do pensamento para a ciência e a
relação entre pensamento e ciência só é frutífera e autêntica quando se torna visível
o abismo entre elas. Ressalta que das ciências para o pensamento não existe
nenhuma ponte, apenas um salto. É este salto que, buscando pensar
fenomenologicamente a Geografia, talvez seja possível ponderar um pensamento
geográfico.
Dardel (2011) em sua obra ‘O Homem e a Terra’ assertivamente desenvolve o
conceito de geograficidade para tratar dessa relação, uma relação motivada pela
inquietude do homem em conhecer o mundo para conhecer a si mesmo, uma
relação que antecede a preocupação do homem em conceituar o mundo numa
ciência exata, e, principalmente, que precede e sustenta tal ciência.
Retornar a essência da geograficidade é retornar a própria essência da
Geografia enquanto existência e experiência, e compreender a inquietação do
homem como o desvelar do ser-no-mundo.
Após leituras sobre Heidegger, em sua pesquisa, Lourenzo (2014) mostra o
quão confiante o homem é em suas teorias e o quanto somos surpreendidos com
elementos que antes desconhecíamos desse mundo, evidenciando que o mundo é
cambiante e inacabado para o Dasein.
Enquadrar o mundo para melhor compreendê-lo é tolher o Dasein do modo
como aquele lhe é revelado enquanto fenômeno, ou seja, a surpresa diante do
mundo é essencial para o desvelar. Desse modo, é essencial que para o ensino de
Geografia se faça a reflexão sobre o quão disposta a ciência está para receber tais
surpresas e a leitura dessas experiências.
O conceito de natureza é um exemplo que nos ajuda a compreender um dos
aspectos de leitura do mundo, no entanto, ela não constitui um modo exclusivo de
expressão desse fenômeno (LOURENZO, 2014), portanto, pensar geograficamente
é compreender que tais conceitos auxiliam na delimitação, mas não devem limitar a
compreensão de mundo, isto porque, limitar o mundo é limitar a sua coexistência.
Com Lourenzo (2014) e Morin (2000), retomamos um ponto fundamental
sobre a problemática da fragmentação do conhecimento de mundo, isto porque esta
demonstra uma fragilidade intrínseca.
O homem deseja estabelecer um estatuto para o mundo devido à
incapacidade de admitir o seu despreparo diante do conhecimento que
verse acerca de si mesmo. Conhecer o mundo, consequentemente, exige
de quem o conhece sobretudo um conhecimento de si. (LOURENZO, 2014,
p. 67).

As apreciações sobre a obra de Lourenzo (2014) ajudam a pensar na


materialidade dos escritos de Heidegger e sobre o modo como a ciência geográfica,
por vezes, caminha na contramão do que pode vir, do que pode surpreender,
entendendo as dúvidas como fragilidade e não como possibilidade.
Sobre a importância daquilo que vem a nós e seu desvelar enquanto essência
no pensamento Heidegger (2008, p. 115) escreveu que “este mostrar-se simples é
um traço fundamental do pensamento, o caminho para aquilo que, desde sempre e
para sempre, dá ao homem o que pensar”, portanto, pensar geograficamente é a
retomada exatamente do pensar, é o ser levado pelo salto ao qual Heidegger propõe
entre ciência e pensamento, é o sobressalto da surpresa e das diferentes formas do
devir.
Compreender que homem não apenas é ou está, mas como ‘ser lançado’ se
concretiza como homo complexus, com seus antagonismos, sapiens e demens,
empiricus e imaginarius, prosaicus e poeticus, faber e ludens, economicus e
consumans (MORIN, 2000), assim, interage ocupando uma posição central no
mundo da vida.
É nessa complexidade que a Geografia tem sua essência, e, portanto, é nela
que deve caminhar para sua difusão e compreensão, partindo do entendimento que
esta é inerente aos homens a partir de suas vivências. Dardel (2011, p. 3) escreve
que “o rigor da ciência não perde nada ao confiar sua mensagem a um observador
que sabe admirar, selecionar a imagem justa, luminosa, cambiante. Ele somente dá
ao termo concreto seu amparo e sua medida”. É este um dos caminhos para a
compreensão do que significa pensar geograficamente, é a surpresa do inacabado e
a busca que gera novas oportunidades de aprendizado.

3 Considerações Finais

As obras de Heidegger apontam possibilidade de um pensamento que vai ao


encontro ao diálogo entre a ciência e o ensino de Geografia. A realização desse
caminho é possível a partir da experiência dos sujeitos em seus mundos. O mundo
enquanto elemento fundamental no pensamento de Heidegger e crucial para a
Geografia se configura enquanto acesso a um pensamento que deve apresentar
novas oportunidades de inquietações para um avanço que impacte não somente as
salas de aulas, mas a compreensão dos sujeitos enquanto ser-no-mundo.
É necessário considerar o que vem ao encontro, nas sutilezas que se
apresentam e dão ao homem o que pensar, bem como as surpresas e
particularidades desses mundos para avançar nas discussões da própria ciência e a
compreensão dos elementos que a compõem.
Na busca por uma ciência geográfica mais humana é essencial a retomada
das singularidades, considerando o Dasein num esforço empírico-teórico de se
atentar ao Ser-homem de forma holística voltando-se não somente para o mundo
exterior em sua materialidade, mas, sobretudo, para o mundo que se ‘é’ capaz de
enxergar, pois ‘o que é o mundo’ depende do pensamento do Ser.

REFERÊNCIAS

DARDEL, Eric. O homem e a terra: natureza da realidade geográfica. Trad. Werther


Holzer. São Paulo: Perspectiva, 2011.
DAL GALLO, Priscila Marchiori; MARANDOLA JR, Eduardo. O pensamento
Heideggeriano na obra de Éric Dardel: a construção de uma ontologia da Geografia
como ciência existencial. Revista da Associação Nacional de Pós-graduação e
Pesquisa em Geografia (Anpege). p.173-200, V.11, n.16, jul-dez. 2015.
HEIDEGGER, Martin. Conferências e escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São
Paulo: Abril Cultural,
HEIDEGGER, Martin. Entrevista concedida por Martin Heidegger ao Professor
Richard Wisser. O que nos faz pensar. nº10, vol.1, outubro de 1996.
HEIDEGGER, Martin. Caminhos de floresta / Tradução e edição realizadas no
âmbito do projecto de investigação “Heidegger em Português. Investigação e
tradução da obra de Martin Heidegger”, sediado no Centro de Filosofia da
Universidade de Lisboa e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia
(programa PRAXIS/P/FIL/13034/1998) 1998.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo / Martin Heidegger; tradução, organização, nota
prévia, anexos e notas: Fausto Castilho. Campinas, SP: Editora da Unicamp;
Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2012a.
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências / Martin Heidegger; Trad. Emmanuel
Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Marcia Sá Cavalcante Schuback. – 8. ed. – Petrópolis:
Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2012. (Coleção
Pensamento Humano). 2012b.
HEIDEGGER, Martin. Os conceitos fundamentais da metafísica: mundo,
finitude, solidão / Martin Heidegger; trad. Marco Antônio Casanova - 2.ed. - Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2011.
LOURENZO, Douglas Ferreira de. O conceito de mundo em "Ser e Tempo" de
Heidegger / Douglas Ferreira de Lourenzo. 2014. Dissertação (mestrado) -
Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós Graduação em Filosofia. 106
f.
LOWENTHAL, David. Geografia, Experiência e Imaginação: em direção a uma
epistemologia geográfica. In: CHRISTOFOLETTI, Antonio (org.). Perspectivas da
Geografia. São Paulo: Difel, 1982. 318 p.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
Trad. Eloá Jacobina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

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