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Fausto Macedo
Repórter

EM ALTA Operação Lava Jato Artigos Série ‘Não Aceito Corrupção’

Série ‘Ministério Público e Democracia’

Leia toda a delação de


desembargadora que implica o
senador Ângelo Coronel e outras
67 pessoas na Operação Faroeste
Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, do Tribunal de Justiça da Bahia, e o filho dela,
o advogado Vasco Rusciolelli Azevedo, apresentaram 39 anexos em colaboração
premiada; magistrada diz que senador coagiu produtores rurais e fez acordo para
beneficiar empresa do filho, o que ele nega

Bruno Luiz, Rayssa Motta e Fausto Macedo


15 de outubro de 2021 | 05h00

A Operação Faroeste, deflagrada em novembro de 2019, revelou suspeitas sobre um


esquema de venda de decisões judiciais Tribunal de Justiça da Bahia. Os investigadores
começaram apurando casos de sentenças favoráveis à grilagem de terras no Oeste do
Estado, que teriam movimentado milhões, mas a delação premiada de uma
desembargadora revelou que o grupo de magistrados e advogados pode ter fraudado
também acordos de recuperação judicial e processos envolvendo débitos de empresas
solventes.

Documento

LEIA A ÍNTEGRA DA DELAÇÃO   


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Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, e o filho dela, o advogado Vasco Rusciolelli
A d i i ã i d d d i i ã ó P lí i
Azevedo, tiveram a prisão preventiva decretada no curso da investigação após a Polícia
Federal flagrar suposta entrega de propina R$250 mil no apartamento da família. A defesa
dos dois apresentou a proposta de colaboração premiada, com 39 anexos, ao Ministério
Público Federal (MPF). O acordo foi homologado em junho pelo ministro Og Fernandes,
relator do caso no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo. Foto: Nei Pinto / TJBA

No documento, os Azevedo informam como dois grupos distintos teriam se formado para
vender sentenças em troca de propinas. As organizações contavam com participação de
desembargadores que recebiam pagamentos ilícitos para beneficiar partes em processos;
juízes, advogados e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia que trabalhavam como
operadores do esquema; e o suposto líder de toda a operação, o conselheiro da Guiné-
Bissau Adaílton Maturino. Ao todo, 68 pessoas são implicadas na delação. Além da venda
de decisões, o esquema também operava, de acordo com os colaboradores, para beneficiar
‘interesses pessoais de manutenção do poder’ dos envolvidos.

Em um primeiro momento, segundo o relato, o braço judicial do esquema teria sido


encabeçado pela desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, presa na
Operação Joia da Coroa, desdobramento da Faroeste. Na sequência, o
desembargador Gesivaldo Britto, ex-policial militar e presidente afastado da Corte, teria
passado a ‘dar as diretrizes’ e instituído um gabinete para coagir opositores, com ajuda do
ex-secretário de Segurança da Bahia, o delegado federal Maurício Teles Barbosa, diz a
delação. De acordo com com o documento, o ex-secretário ‘sempre deu suporte’ a Britto,
além de ‘ser muito amigo’ de Maria do Socorro. Barbosa foi afastado do cargo em dezembro
do ano passado por determinação do STJ.

“Quando contrariavam seus interesses, seu Assessor, Antonio Roque, fazia as ameaças e
coordenava as “investigações” contra seus oponentes. O Gabinete de Segurança
Institucional, criado com a ajuda do Secretário de Segurança Pública Maurício Teles
st tuc o a , c ado co a ajuda do Sec etá o de Segu a ça úb ca  au c o e es
Barbosa, passou a ser instrumento de coerção e coação contra quem afrontava os interesses
do grupo”, informa um trecho da delação.

A desembargadora alçada à delatora afirma que ela própria chegou a sofrer ameaças
dirigidas pessoalmente pelo assessor de Britto e anônimas por mensagem de celular do
Oeste baiano, região de interesse do grupo disposto a pagar propinas aos magistrados. Mais
de 366 mil hectares de terras da localidade – o equivalente a cinco vezes a cidade de
Salvador – foram transferidas a José Valter Dias, sócio do conselheiro da Guiné-
Bissau. Cerca de 200 produtores rurais passaram a ser pressionados a cumprir acordos
‘extorsivos’, segundo a Associação Nacional dos Produtores Rurais da Chapada das
Mangabeiras (Aprochama), que incluíam pagamento anual de parte de sua produção de
soja à holding JJF Investimentos, vinculada a Valter e Maturino.

Além da grilagem, o documento sustenta que o suposto esquema também operou com


a ‘venda de decisões no varejo’ para interesses tão distintos quanto a recuperação judicial
de empresas e a liberação de trio elétrico. A delação aponta ainda que a
desembargadora Maria do Socorro criou varas de recuperação judicial para nomear aliados
e receber vantagens em processos milionários.

Senador Ângelo Coronel (PSD) preside a CPI das Fake News Foto: Waldemir Barreto/Agência
Senado

Os colaboradores também apontam a ligação de magistrados do suposto esquema com a


política baiana. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das Fake News e
relator da Reforma do Imposto de Renda, também é citado nos anexos da delação. O
documento aponta que, enquanto foi deputado estadual pela Bahia, o parlamentar teria
coagido produtores rurais em troca de favorecimento pessoal. “Comentou-se abertamente
no TJ-BA que ele tinha recebido uma aeronave como pagamento pela sua atuação”, diz a
colaboração.

A desembargadora Sandra Inês também relata ter recebido R$ 50 mil para se declarar
incompetente e reconhecer a prevenção do desembargador Baltazar Miranda para julgar
um processo envolvendo a Sabore Cia, empresa ligada ao deputado estadual Diego Coronel
(PSD-BA), filho do senador. O desembargador, segundo a delação, teria um acordo com
Ângelo Coronel para beneficiar o filho dele.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO PEDRO FERNANDES DUARTE, QUE


DEFENDE A DESEMBARGADORA SANDRA INÊS E O FILHO DELA

“O processo ainda se encontra em sigilo, a defesa dos denunciados na APN1025 teve acesso
para garantir a ampla defesa e o contraditório, mas além de ter sido liberado integralmante
– o que é questionável – foi divulgado criminosamente pelos denunciados o inteiro teor do
acordo.”

COM A PALAVRA, O SENADOR ÂNGELO CORONEL

“Uma verdadeira mentira. Inclusive, a sentença dada contra a empresa foi contrária na
época. Isso é calunioso. Isso é a pessoa morrendo afogada que quer levar você junto no
abraço. Não a conheço, não conheço o filho e nem o advogado que patrocina a causa. Vou
abrir um processo contra a delatora por injúria.

Fui instado à época pelas associações dos produtores da região, que me solicitaram, quando
presidia a Assembleia, que promovesse o acordo para pacificar a região, que estava tendo
mortes, perseguições e violência. Fiz o acordo, as partes saíram satisfeitas. Promovi a
pacificação de uma região bastante beligerante. Faria tudo de novo.

Não recebi nenhuma benessse, nem de um lado nem de outro do acordo. A única coisa que
recebi à época foi votos – e muitos – na região. Quem delata, tem que provar.”

COM A PALAVRA, O ADVOGADO BRUNO ESPIÑERA LEMOS, QUE DEFENDE


A DESEMBARGADORA MARIA DO SOCORRO

“Ela faz afirmações com relação ao genro, à filha e à desembargadora sem um elemento de
corroboração que seja, sem uma prova ou pelo menos um indício do que se afirma. São só
afirmações soltas”, afirma o advogado. “É de uma leviandade, de uma falta de
credibilidade, pelo menos no que diz respeito à minha cliente e ao núcleo familiar, que não
faz o menor sentido. Resumidamente, eu considero como estapafúrdia essa colaboração no
p ç
que diz respeito aos fatos que imputa, sem qualquer prova, à minha cliente”, acrescenta.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO SÉRGIO HABIB, QUE DEFENDE O EX-


SECRETÁRIO MAURÍCIO TELES BARBOSA

“1. Maurício Barbosa era o Secretário de Segurança Publica da Bahia à época,


consequentemente, cabia a ele o cumprimento de ordens judiciais em ações de reintegração
que lhe eram determinadas, mas jamais participou pessoalmente de nenhuma
reintegração. 2. A dra Gabriela Macedo era sua assessora e nas vezes que ia ao Tribunal de
Justiça da Bahia era para resolver assuntos institucionais. 3. Quanto às demais narrativas
contidas na delação são totalmente inverídicas e tem o objetivo de obter benefícios e evitar
o cumprimento das penas de 20 anos e 22 anos a que os delatores foram condenados
respectivamente. Ele não tinha qualquer ligação com a desembargadora Socorro Santiago e
nega também amizade com o desembargador Gesivaldo Brito. A relação entre eles era
institucional. Os delatores inventaram uma série de narrativas para se livrar de uma pena
de 20 anos e de 22 anos respectivamente. A delação só tem valor se vier acompanhada de
provas e essas provas os delatores não apresentam até porque não existem. Meu
cliente confia na justiça onde provará a sua inocência. Lembrando que toda delação que
não reflita a verdade pode ser impugnada, conforme diz a lei.”

COM A PALAVRA, ADAILTON MATURINO


A reportagem entrou em contato com a defesa de Adaílton Maturino e aguarda


resposta. Após sua prisão, no final do ano passado, os advogados Miguel Pereira Neto e
Sóstenes Carneiro Marchezine, que defendem o conselheiro, sustentaram que ‘há absoluta
inversão nesta investigação, que foca na vítima’.

COM A PALAVRA, OS DEMAIS CITADOS NA DELAÇÃO


A reportagem busca contato com os citados. O espaço está aberto para manifestações
(rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).

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