Introdução:
Procuraremos traçar aqui um esboço (sim, nada mais que um esboço) da relação entre
“Vocação” e “Comunidades Novas”. Não se pretende, portanto, exaurir um tema tão rico e
complexo como este. Trata-se muito mais de lançar um olhar sobre o mosaico do que Deus
tem realizado na Igreja nestas últimas décadas – no que se refere a estas novas realidades
eclesiais –, sem querer entrar em seus detalhes.
Para isso, iremos utilizar algumas indicações dos Papas João Paulo II e Bento XVI
vendo primeiramente a questão da Vocação das Comunidades Novas, para depois
passarmos à questão das diversas vocações nelas existentes.
* Renato da Silveira Borges Neto é licenciado em Filosofia e Teologia, mestre em Teologia Dogmática pela
Pontificia Università di San Tommaso d’Aquino - Roma/Itália - e está na fase final de seu trabalho de
doutorado pela mesma universidade romana. É professor universitário e conferencista. É autor de O
RENASCER DA ESPERANÇA: Movimentos eclesiais contemporâneos e Comunidades Novas no pensamento
de João Paulo II e Bento XVI. Agbook: Rio de Janeiro, 2010.
1
RATZINGER, J. I Movimenti ecclesiali e la loro collocazione teologica. In: PONTIFICIUM CONSILIUM PRO
LAICIS. I Movimenti nella Chiesa – Atti del Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali (Roma, 27 – 29
maggio 1998), p. 47.
1994 (talvez ainda sem a ambição de cunhar uma expressão própria para essa novidade
eclesial), o Papa João Paulo II mencionou o termo novas comunidades quando se referia ao
conjunto de novas formas de participação eclesial que estavam surgindo. De passagem,
disse o Papa: «Algumas destas novas comunidades têm uma linha propriamente monástica,
com um notável desenvolvimento da oração litúrgica»2. No entanto, foi só durante o sínodo
sobre a vida consagrada, e mais explicitamente, na exortação apostólica pós-sinodal Vita
Consecrata3, de 1996, que o termo Novas Comunidades foi, por assim dizer, “consagrado”,
pois ali essas novas realidades eclesiais tiveram que ser tratadas mais de perto, pois já
suscitavam grande interesse.
Mas qual seria a vocação, o chamado destas Novas Comunidades na Igreja? Podemos
procurar responder a essa questão partindo, dentre outras, de algumas palavras de João
Paulo II aos membros dos Movimentos eclesiais e Comunidades Novas durante a Vigília de
Pentecostes de 1998. Dizia o Pontífice:
Que necessidade tem-se hoje de personalidades cristãs maduras,
conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão
na Igreja e no mundo! Que necessidade de comunidades cristãs vivas! E
eis, então, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: estes são a
resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio de fim de
milênio. Vocês são esta resposta providencial.4
A vocação das novas comunidades eclesiais seria, segundo o Papa, a de gerar, com o
auxílio e a graça de Deus, personalidades cristãs maduras, conscientes da própria
identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! O Papa definiu
estas novas realidades eclesiais como resposta providencial de Deus para os desafios deste
tempo, indicando como motivo desta resposta do Espírito Santo o surgir de uma
personalidade cristã e batismal mais amadurecida e a força de uma fé vivenciada com
alegria e vigor na comunidade eclesial. Não se trata aqui, obviamente, de exclusivismos; o
Papa não se refere a uma única resposta de Deus para a Igreja, mas de uma resposta
providencial. Trata-se de um forte reconhecimento dos dons e dos carismas que são
próprios dos Movimentos eclesiais e Comunidades Novas.
Também Bento XVI pôde expressar, durante o II Seminário de estudo para os bispos,
em 2008, a sua ideia de Comunidades Novas:
A nós Pastores é pedido que acompanhemos de perto, com paterna
solicitude, de modo cordial e sapiente, os movimentos e as novas
comunidades para que possam, generosamente, colocar a serviço da
utilidade comum, de modo ordenado e fecundo, os tantos dons de que são
portadores e que temos aprendido a conhecer e apreciar: o impulso
missionário, os eficazes itinerários de formação cristã, o testemunho de
2
JOÃO PAULO II. Audiência Geral, n. 5. In: Observatório Romano, quarta-feira, 5-6 de outubro de 1994.
3
Idem. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (VC) sobre a vida consagrada e a sua missão na
Igreja e no mundo (25 de março de 1996), n. 62.
4
Idem. Agli appartenenti ai Movimenti Ecclesiali e alle Nuove Comunità nella vigilia di Pentecoste (27
maggio 1998), n. 7, p. 1123. In: InsGP-II, vol. XXI, 1 (1998), pp. 1119-1126.
fidelidade e obediência à Igreja, a sensibilidade às necessidades dos mais
5
pobres, a riqueza de vocações.
Assim, Bento XVI vai além de uma descrição genérica dessas novas realidades
eclesiais. Aponta o impulso missionário, a capacidade de formação cristã, o testemunho de
fidelidade e obediência à Igreja, a sensibilidade às necessidades dos mais pobres, a
riqueza de vocações. Esse é o âmbito que encerra o chamado dessas novas comunidades:
estar junto à Igreja, formando cristãos maduros, sensíveis às necessidades dos mais fracos e
pobres, agindo através da riqueza de seus dons e vocações. E é a partir daqui que podemos
entrar na segunda parte de nossa reflexão.
Assim, as Comunidades Novas – graça que traz como vocação própria a formação de
verdadeiros cristãos, como vimos – têm dentro delas uma enorme diversidade de vocações.
Essa realidade vem ao encontro do que afirma o documento Apostolicam Actuosiatatem, do
Concílio Vaticano II, que trata do apostolado dos leigos na Igreja. Diz o AA: «A partir do
fato de ter recebido estes carismas, mesmo os mais simples, surge para cada fiel o direito e
5
BENTO XVI. Discorso di Sua Santità Benedetto XVI ai partecipanti al Seminario per i vescovi ricevuti in
udienza nella Sala del Concistoro del Palazzo apostolico (Roma, 17 maggio 2008). In: PONTIFICIUM
CONSILIUM PRO LAICIS. Pastori e Movimenti Ecclesiali. Seminario di studio per i vescovi (Rocca di Papa, 15
– 17 maggio 2008). Città del Vaticano: LEV, 2009, pp. 13-16, p. 15.
6
JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata (VC) sobre a vida consagrada e a sua
missão na Igreja e no mundo (25 de março de 1996), n. 62.
o dever de exercê-los para o bem dos homens e a edificação da Igreja»7. Direito e dever! É,
sem dúvida, uma exortação feita pelo Concílio aos fiéis leigos para que façam bom uso dos
dons e carismas recebidos de Deus para o bem de toda a Igreja. Independentemente de um
pedido da hierarquia da Igreja, o apostolado é direito e dever de todos enquanto cristãos.
Como afirmou também Pe. Arturo Cattaneo, noto eclesiólogo suíço: «O apostolado não é
mais visto só como cooperação com a hierarquia, mas como específica missão de levar o
Espírito de Cristo a todas as realidades temporais, uma missão que está aberta a
inumeráveis iniciativas sejam pessoais, sejam comunitárias»8. As Comunidades Novas,
com sua diversidade de vocações (delas e dentro delas), são chamadas a assumirem como
sua a missão evangelizadora da Igreja.
Conclusão
7
Apostolicam Actuosiatatem, 3c.
8
CATTANEO, A. I Movimenti Ecclesiali: Aspetti Ecclesiologici. In: «Annales theologici» 11/II (1997), pp.
401-427, p. 404.
9
GIOVANNI PAOLO II. Ai partecipanti al convegno internazionale del “Movimento Umanità Nuova” (20
marzo 1983), n. 1. In: InsGP-II, vol. VI, 1 (1983), p. 775.
10
EN 14.
11
BENTO XVI. Omelia del Santo Padre durante la solenne Veglia di Pentecoste (03 di giugno 2006). In:
PONTIFICIUM CONSILIUM PRO LAICIS. La bellezza di essere cristiani. I movimenti nella Chiesa. – Atti del II
Congresso Mondiale dei Movimenti Ecclesiali e delle Nuove Comunità (Roma, 31 maggio – 2 giugno 2006).
Città del Vaticano: LEV, 2007, pp. 187-195, p. 194.