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MULTICULTURALISMO, FORMAÇÃO DOCENTE E O DESAFIO DA

ESCOLA: ALGUMAS PERSPECTIVAS

Flávia Ângela Zanin1 - UNICENTRO


Marília Dalla Vecckia Kaczmarek2 - UNICENTRO

Grupo de Trabalho - Diversidade e Inclusão


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O multiculturalismo é um tema atual que está presente nas discussões em que trata a formação
docente, visto que a sociedade tem demonstrado preocupações com perspectivas inclusivas às
diversidades. Este trabalho enfoca a problemática da diversidade cultural nas escolas, as
consequências dessa interação de culturas bem como os desafios que se colocam aos
professores. Aborda as estratégias que os Professores podem utilizar ou já utilizam em relação
às suas práticas educativas para facilitar uma maior integração de alunos de diversas origens
culturais nos estabelecimentos de ensino. Um conhecimento aprofundado da escola e do meio
em que está se insere, deve ser o princípio para garantir uma boa educação multicultural, onde
a informação relativa aos alunos dessa escola possa ser utilizada na organização da mesma,
valorizando a pedagogia diferenciada e a flexibilidade curricular, imprescindíveis para a
aprendizagem e sucesso escolar pretendidos pelos docentes e pela própria escola. Este estudo
também tem como objetivo ampliar as discussões sobre como o multiculturalismo se faz
presente no processo formativo dos professores. Pretende-se mostrar o que os estudos
produzidos revelam sobre o multiculturalismo na prática educacional. Como metodologia
optou-se pela revisão bibliográfica sistematizada, para o delineamento da presente pesquisa.
Por se tratar de um assunto relativamente novo, constatou-se que o multiculturalismo ainda
apareceu de maneira tímida nas produções, conclui-se que há um amplo espaço a ser
explorado, para pesquisas e estudos nesta área, para que possam dar suporte para a formação
dos professores, a fim de que aprimorem suas práticas educacionais, permitindo perceber o
que pode e o que está sendo feito, para receber e integrar crianças de classes sociais e culturas
diferentes na sala de aula e mostrar que a diversidade pode ser uma aliada para todos os
intervenientes do processo educativo.

Palavras-chave: Multiculturalismo. Diversidade Cultural. Formação Docente.

1
Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná, graduada em Letras – Português e Inglês; Arte e
Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional e Educação Especial com ênfase em
estimulação precoce. Mestranda em Educação pelo PPGE – UNICENTRO. E-mail: zanin,flavia@gmail.com
2
Professora da Rede Municipal de Ensino de Guarapuava, graduada em História e Pedagogia. Pós-graduação em
gestão escolar, atendimento educacional especializado.Mestranda em Educação pelo PPGE – UNICENTRO. E-
mail: MariliaKaczmarek@hotmail.com.

ISSN 2176-1396
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Introdução

O multiculturalismo é um tema muito atual e pertinente, tanto na sociedade como na


escola. O multiculturalismo se transformou em uma ideologia escolar. Com a rapidez de
informações e a facilidade no que diz respeito à interação entre os indivíduos, que
caracterizam o mundo globalizado, as relações interetnicas vêm sendo estabelecidas e
repercutindo no ambiente escolar. No Brasil, o interesse pelo tema nas escolas cresce
conforme as orientações e reformulações pelas quais passam a Educação Básica e apontam
para uma concepção de currículo que considere o caráter multicultural da nossa sociedade
(CANDAU, 2005). No contexto político brasileiro observa-se a abordagem do princípio
fundamental da dignidade da pessoa humana, sob a ótica do multiculturalismo, expressamente
previsto no artigo 1o, inc. III, da Constituição Federal de 1988, entre outros capítulos, que
também abordam a questão da diversidade. As políticas públicas, recentemente implementam
diretrizes legais e parâmetros curriculares que incorporam a diversidade cultural e/ou
linguística e que trazem, para o interior da escola questões antes silenciadas ou dissimuladas,
visto que segundo Silva e Brandim (2008), o Brasil, era acostumado a representar-se com a
imagem de paraíso racial, de “harmoniosa” convivência inter-racial, quando na verdade
sempre escondeu ou omitiu as dores e sofrimentos de grupos culturais como os negros e
indígenas, vítimas da miséria e da opressão branca.
No Plano Nacional, a primeira proposta educacional que emanou do Ministério de
Educação foram os Parâmetros Curriculares Nacionais publicados em 1997, no qual consta
que, no plano internacional, o Brasil participou de eventos importantes que se reconhece a
educação como instrumento proeminente de promoção dos valores humanos universais, da
qualidade dos recursos humanos e do respeito pela diversidade cultural. Os PCN’s suscitaram
grandes controvérsias quanto à sua concepção, processo de construção e estruturação interna,
incorporou entre os temas transversais o da pluralidade cultural. Esta opção não foi pacífica e
sim objeto de debates e de toda uma negociação na qual a pressão dos movimentos sociais se
fez presente.
A definição, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – 9.394/96, de
um capítulo específico para tratar da educação especial, de artigos direcionados à educação
indígena e do estabelecimento do dia 20 de novembro como dia da Consciência Negra revela
a mesma preocupação com a diversidade cultural. Vale mencionar ainda o Plano Nacional de
Educação de 2001, que destinou capítulos específicos para educação especial e a educação
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indígena. Desde que foi formulada, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira
9.394/96 sofreu muitas modificações. Modificações que afetam desde o conceito de Educação
e seus objetivos até a composição de nossos currículos e definição de nossas metodologias.
Essas mudanças não afetam apenas a LDB, mas o sistema de ensino brasileiro como um todo,
em decorrência de diversificadas ações em que resultam. Uma grande modificação ocorreu
em janeiro de 2003, com a implantação da Lei 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do
ensino e a valorização da história e cultura afro-brasileira e africana, além do estudo da
participação e contribuições do negro para a história do Brasil nas escolas públicas e privadas
de todos os estados brasileiros.
Em linhas gerais, a Lei determina que os conteúdos referentes à história e cultura
Afro-Brasileira e africana deverão ser abordados ao longo de todo o currículo escolar, com
ênfase nas áreas de Artes, Literatura e História. Neste sentido, fica implícito que temáticas
como a contribuição do negro na constituição do país e da identidade brasileira e a histórica
segregação desse sujeito venham à tona. Tudo deve contribuir para que o tema seja
trabalhado de forma significativa, sem contemplar apenas as misérias e as mazelas que
historicamente afligiram ou afligem os negros. Ademais, a Lei estabelece ainda, que o
calendário escolar contemple o Dia Nacional da Consciência Negra, comemorado em 20 de
novembro. Mais tarde, a Lei 11.645/08 alterou a 10.639/03 e estabeleceu a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” no currículo oficial do ensino
fundamental e médio nas escolas públicas e particulares de nosso país, pode se ter uma
interpretação ampla e complexa. Além de ser um exemplo de política voltada à educação, ela
pode ser vista como a tentativa de construção de uma sociedade mais igualitária. De acordo
com Munanga (2005, p. 15):

Alguns dentre nós não receberam na sua educação e formação de cidadãos, de


professores e educadores o necessário preparo para lidar com o desafio que a
problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de discriminação
dela resultadas colocam cotidianamente na nossa vida profissional. Essa falta de
preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial,
compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de
formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã. Com efeito, sem assumir
nenhum complexo de culpa, não podemos esquecer que somos produtos de uma
educação eurocêntrica e que podemos, em função desta, reproduzir consciente ou
inconscientemente os preconceitos que permeiam nossa sociedade.

A lei 11.645/08 pode ser neste contexto compreendida como um ponto de partida para
uma fazer pedagógico que destoe da situação que Munanga (2005) descreve como típica do
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contexto educacional brasileiro e que acaba por refletir pressupostos ideológicos vigentes em
toda a sociedade, além dos muros da escola.

Multiculturalismo e desdobramentos: sobre currículo

Sabe-se que nossas propostas curriculares ainda possuem vestígios eurocêntricos.


Estuda-se História Ibérica, Literatura Inglesa, Arte francesa e acaba-se deixando de lado
outras temáticas de similar importância. De acordo com a autora Leila Leite Hernandes
(2005) é fácil perceber os equívocos que permeiam o ensino da história da África, de suas
manifestações artísticas e suas especificidades. Tal fato remonta ao racionalismo dos séculos
XVIII e XIX, que trazia a formulação de princípios fundamentais ao colonialismo dos anos de
1800. Até hoje podemos observar seus efeitos, de acordo com Hernandes (2005, p.17):

Significa dizer que o saber ocidental constrói uma nova consciência planetária
constituída por visões de mundo, auto-imagens e estereótipos que compõe um “olhar
imperial” sobre o universo. Assim, o conjunto de escrituras sobre a África, em
particular entre as últimas décadas do século XIX e meados do século XX, contém
equívocos, pré-noções e preconceitos decorrentes, em grande parte, das lacunas do
conhecimento quando não do próprio desconhecimento sobre o referido continente.
Os estudos sobre esse mundo não ocidental forma, antes de tudo, instrumentos de
política nacional, contribuindo de moda mais ou menos direto para uma rede de
interesses político-econômicos que ligavam as grandes empresas comerciais, as
missões, as áreas de relações exteriores e o mundo acadêmico.

A educação constitui um dos principais mecanismos de transformação de


pensamentos e posturas. Na realidade brasileira a escola deveria ser um ambiente estimulador
de valores e hábitos que respeitassem as características e as diferenças de cada grupo sócio-
cultural que compõe nosso país. Ademais, uma das possibilidades para acabar com as
desigualdades educacionais do Brasil está em enfrentá-las e trabalhá-las dentro do próprio
ambiente escolar. Contudo, notamos que a escola, como ela está posta, não tem conseguido
acabar com a naturalização do preconceito e da desigualdade. A escola deve ser lugar de
debates, reflexões e diálogo, ela deve ser um ambiente multicultural.
Assim, percebe-se que no Brasil vem aumentando o interesse pela abordagem
culturalista e multiculturalista, na medida em que as orientações e reformulações por que
passam o sistema educacional e a revisão teórica sobre essas questões apontam para uma
concepção escolar que considere o caráter pluriétnico e pluricultural da sociedade.
Diante deste cenário, o docente tem um papel muito importante a desempenhar neste
âmbito intercultural, pois a sua atitude, prática e formação influenciam no processo educativo,
podendo favorecer ou mesmo criar obstáculos ao desenvolvimento cognitivo, social e
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emocional dos alunos como também ao desenvolvimento de competências e capacidades de


cada um.
A escola como local de socialização que realmente é, tem as suas portas abertas a
todos, independentemente das diversas origens, nacionalidades, classes sociais, culturais,
religiões, etnias, entre outras. Então o processo educacional converge cada vez mais para
identidades plurais, pois se sabe que a presença, nas escolas, de alunos de diversas origens
culturais tem vindo a diversificá-las, mas será que a escola está preparada para recebê-las e
será que a integração da diversidade cultural em contexto escolar não coloca grandes desafios
para os professores? E serão esses desafios considerados positivos ou negativos para os
professores, na sua prática docente? A cultura escolar dominante em nossas instituições
educativas, construída fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica
da modernidade, prioriza o comum, o uniforme, o homogêneo, considerados como elementos
constitutivos do universal. Nesta ótica, as diferenças são ignoradas ou consideradas um
“problema” a resolver. De acordo com Moreira e Candau, (2003, p. 161), “a escola sempre
teve dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferenças. Tende a silenciá-las e neutralizá-
las. Sente-se mais confortável com a homogeneização e a padronização”. No entanto, abrir
espaços para a diversidade, a diferença e para o cruzamento de culturas constitui o grande
desafio que está chamada a enfrentar.
Para Moreira (2001, p. 70), “o caráter homogeneizador da escola (justificado por meio
de um “discurso da igualdade” que acaba por provocar exclusões e reforçar desigualdades”. Já
Bourdieu em seus estudos afirma que a escola é um espaço de reprodução de estruturas
sociais e de transferência de capitais de uma geração para outra. É nela que o legado
econômico da família transforma-se em capital cultural. E este, segundo o sociólogo, está
diretamente relacionado ao desempenho dos alunos na sala de aula. Eles tendem a ser
julgados pela quantidade e pela qualidade do conhecimento que já trazem de casa, além de
várias “heranças”, como a postura corporal e a habilidade de falar em público. Os próprios
estudantes mais pobres acabam encarando a trajetória dos bem-sucedidos como resultante de
um esforço recompensado. Uma mostra dos mecanismos de perpetuação da desigualdade está
no fato, facilmente verificável, de que a frustração com o fracasso escolar leva muitos alunos
e suas famílias a investir menos esforços no aprendizado formal, desenhando um círculo que
se autoalimenta.
Em cada sociedade, tudo o que uma geração recebe da anterior, tudo o que ela cria e
tudo o que ela transmite para as seguintes, é cultura. A cultura é, pois, um todo onde se
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incluem os conhecimentos, as crenças, a arte, o direito, a moral, os costumes e outras aptidões


que o Homem adquire como membro de uma sociedade. O estudo das culturas revela que os
grupos humanos pensam, sentem e agem de maneira diferente, mas não existe nenhuma
norma científica que permita considerar um grupo como superior ou inferior a outro.
Numa sociedade que se percebe cada vez mais multicultural, cuja “pluralidade de
culturas, etnias, religiões, visões de mundo e outras dimensões das identidades infiltra-se,
cada vez mais, nos diversos campos da vida contemporânea” (MOREIRA, 2001, p. 41) o
multiculturalismo surge como um conceito que permite questionar no interior do currículo
escolar e das práticas pedagógicas desenvolvidas, a “superioridade” dos saberes gerais e
universais sobre os saberes particulares e locais.
É, portanto, preciso dialogar sobre as ideias, os preconceitos, para se conseguir um
plano de trabalho que leve a uma mudança de atitude em relação a certos estereótipos. Muitos
dos estereótipos estabelecidos hoje em nossa sociedade materializaram-se ao longo da história
a partir das diferenças, suficientes para causar hostilidade e dominação de uns sobre outros.
Com isso, percebe-se a necessidade de se ultrapassar a mera contemplação e ou a
folclorização das diferenças (GOMES, 2008).
Na escola, pode-se entender a diversidade como uma construção histórica, social e
cultural das diferenças, das individualidades, e não apenas como limites e estereótipos
biológicos, étnicos, raciais e linguísticos dos seres humanos. Neste sentido, é importante dizer
que as diferenças existem além das características físicas, capazes de serem vistas, e só podem
ser realmente percebidas quando nós, culturalmente e socialmente, as identificamos. Contudo,
é importante relembrar que para avançar nessa questão, é preciso que ter clareza a respeito do
conceito de educação que permeia a prática pedagógica. Há uma estreita relação entre a visão
pedagógica a respeito da diversidade e a concepção de educação que norteia a postura escolar.
Falar sobre a diversidade e tentar incluí-la nos currículos implica consequentemente na
compreensão e no reconhecimento das lutas, das reivindicações e as necessidades de
determinados grupos que de certa forma estão ou estavam curricularmente esquecidos ou
desconsiderados. Para Gomes:
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Por isso, a inserção da diversidade nos currículos implica compreender as causas


políticas, econômicas e sociais de fenômenos como etnocentrismo, racismo,
sexismo, homofobia e xenofobia. Falar sobre diversidade e diferença implica
posicionar-se contra os processos de colonização e dominação. É perceber como,
nesses contextos, algumas diferenças foram naturalizadas e inferiorizadas sendo,
portanto, tratadas de forma desigual e discriminatória. É incorporar no currículo, nos
livros didáticos, no plano de aula, nos projetos pedagógicos das escolas os saberes
produzidos pelas diversas áreas e ciências articulados com os saberes produzidos
pelos movimentos sociais e pela comunidade (2008, p. 25).

Para tanto, é preciso uma mudança de postura frente ao currículo, à diversidade e à


relação que se estabelece entre os dois. É preciso que se tenha sempre em mente o aluno, suas
necessidades e suas particularidades. Os alunos são o centro de toda e qualquer ação educativa
e escolar. Ademais, esses sujeitos precisam ser considerados enquanto seres sociais, culturais
e políticos e enquanto tal são eles que trazem ao currículo a diversidade. De acordo com
Gomes:

Aos poucos, vem crescendo os coletivos de profissionais da educação sensíveis à


diversidade. Muitos deles têm a sua trajetória marcada pela inserção nos
movimentos sociais, culturais e identitários e carregaram para a vida profissional
suas identidades coletivas e suas diferenças. Há uma nova sensibilidade nas escolas
públicas, sobretudo, para a diversidade e suas múltiplas dimensões na vida dos
sujeitos. Sensibilidade que vem se traduzindo em ações pedagógicas de
transformação do sistema educacional em uma sistema inclusivo, democrático e
aberto à diversidade (2008, p.27).

Pouco a pouco, a entrada de diferentes movimentos sociais enquanto grupos


identitários em nossa educação têm provocado várias mudanças no pensamento e nas práticas
pedagógicas de nossas escolas. Entretanto, não é suficiente que a diversidade esteja presente
apenas nos currículos. É preciso que ela ultrapasse o caráter da transversalidade e seja
contemplada nas práticas pedagógicas. A escola não deve ter dificuldade para aceitar a
diversidade que a compõe.
É preciso que a diversidade seja incorporada nas propostas curriculares e
metodológicas das escolas. Consequentemente é preciso superar as condições curriculares que
consideram a diversidade, mas que hierarquicamente a colocam em uma condição de segundo
plano. Sua incorporação não deve acontecer também como um modismo, mas sim ser
compreendida ideologicamente e politicamente pela educação.
O currículo e as práticas que possuem essa ou similar concepção de educação,
certamente abordam a diversidade e desenvolvem um trabalho multicultural significativo. A
diversidade é um componente do desenvolvimento biológico, cultural e social dos sujeitos.
Contudo, existe na sociedade uma tendência em apontar como melhores, como superiores
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algumas práticas e também condições biológicas, como a cor e condições econômicas, em


detrimento de outros, tendência tal que determina nossas relações. É justamente por isso que
nem sempre o trato positivo que deveria ser dado à diversidade acontece. A diversidade é uma
das particularidades dos seres humanos. Cada ser humano é biologicamente, culturalmente e
socialmente diferentes uns dos outros. Para Gomes:

Seria muito mais simples dizer que o substantivo diversidade significa variedade,
diferença e multiplicidade. Mas essas três qualidades não se constroem no vazio e
nem se limitam a serem nomes abstratos. Elas se constroem no contexto social e,
sendo assim, a diversidade pode ser entendida como um fenômeno que atravessa o
tempo e o espaço e se torna uma questão cada vez mais séria quanto mais complexa
vão se tornando as sociedades (2008, p.19).

A preocupação escolar entorno desta questão, deve ser a de considerar as diversas


manifestações culturais, e construir uma ponte entre estas e a realidade do cotidiano dos
alunos. Abordar desta forma a cultura e a diversidade é dar oportunidade de voz e vez a cada
sujeito, é colocá-los a par de reflexões acerca das multiplicidades e do próprio “eu”. Trabalhar
tais conteúdos, embutidos em valores, em representações e práticas sociais é trabalhar a
própria realidade, é realizar o que tanto se defende na educação: atribuir significado ao
aprendizado e possibilitar a humanização do processo educativo.
No Brasil, o mito da democracia racial bloqueou por muitos anos todos os tipos de
ações afirmativas, bem como o mito da democracia cultural impediu práticas pedagógicas
voltadas para a valorização da diversidade e do multiculturalismo.
Quando afirma-se querer uma sociedade igualitária corre-se o risco de limitar a
criatividade, impedindo a diversidade e afirmando as posturas tradicionais. Contudo, é
fundamental ultrapassar tal interpretação a respeito da igualdade. Não se deve apoiar a
homogeneização cultural dos alunos, mas propiciar e apoiar as relações e os diálogos entre as
diferentes formas de ser e as várias histórias singulares, próprias de cada sujeito.
A escola é a instituição por onde a diversidade mais circula, assim, ela deve refletir
bastante sobre como ela trabalha e prepara seus alunos, para conviverem com os diferentes,
exercerem uma cidadania crítica e a serem sujeitos de direitos.
Percebe-se que a escola tem se esforçado para reunir conhecimento e práticas que
primem pelos direitos e pela cidadania de seus alunos, resultando numa educação de
qualidade. Isso deve-se entre outros fatores, à formação dos profissionais da educação e à
legitimação que os movimentos sociais vêm conquistando. O que temos que ter em mente
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agora é a forma como a diversidade e a multiculturalidade estão presentes e vem sendo


trabalhadas na instituição escolar.
O multiculturalismo é o reconhecimento das diferenças, da individualidade, “do jeito
de ser” de cada sujeito. No Brasil, o convívio multicultural não deveria representar uma
dificuldade, afinal, nosso país é resultado de uma mistura híbrida entre negros, brancos e
índios, cada um com seus costumes, seus valores, seu modo de vida, e forma de adapta-se
umas às outras. Para tanto, para viver esse multiculturalismo é preciso que se reconheça e se
respeite as diferenças próprias de cada indivíduo. O reconhecimento da diferença é ponto de
partida para que se estabeleça uma convivência igualitária e justa entre os sujeitos.
O multiculturalismo, como campo teórico, se constitui numa tentativa de compreender
o processo de construção das diferenças dentro da diversidade cultural que se apresenta em
sociedades plurais. Trata-se, portanto, de um currículo de caráter inclusivo e emancipatório,
traçado entre lutas e reivindicações.
Atualmente, são variadas as abordagens sobre multiculturalismo em trabalhos e
pesquisas acadêmicas. No que se refere ao multiculturalismo, tem-se apontado vertentes
desde as mais folclóricas, mais conservadoras e pouco problematizadoras da realidade, que
apenas constatam a existência da diversidade, afirmando a hegemonia cultural já existente,
(que se limitam a tratar da diversidade cultural em termos de festas, receitas, costumes, ritos)
até outras mais críticas (que questionam relações desiguais de poder e preconceitos, buscando
desafiá-los). Esta postura crítica questiona os discursos que constroem a identidade e a
diferença, e em que a relação entre cultura e poder é trazida à tona. Nessas vertentes mais
críticas, a diversidade deve ser assumida dentro de uma política de crítica e de compromisso
com a justiça social. Isto significa desvelar, questionar e superar os mecanismos que forjam as
desigualdades e calam sujeitos e grupos oprimidos, privilegiando projetos, práticas e espaços
que permitam sua valorização, seu resgate e sua representação. Para tanto, destacam-se, nessa
abordagem, como categorias centrais, a identidade e a diferença, entendidas como construções
discursivas que se deslocam e se conflitam, “reinscrevendo” novos signos em sua composição
Hall (1999), Silva (2000). Desta forma, é importante salientar que o multiculturalismo em sua
vertente mais crítica, também denominada multiculturalismo crítico ou perspectiva
intercultural crítica McLaren (2000), trata-se de ir além da valorização da diversidade cultural
em termos folclóricos e exóticos. Partindo de uma perspectiva intercultural crítica ou
multiculturalismo crítico McLaren (2000) pressupõe-se que preparar discentes e docentes para
atuarem em sociedades cada vez mais multiculturais exigirá pesquisas que avancem nas
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questões teóricas e práticas envolvidas na formação de identidades multiculturalmente


comprometidas, mobilizadas no desafio a discursos pretensamente "universais" que
estereotipam, calam e interditam identidades plurais. Argumenta-se que pesquisas que
articulem a dimensão individual da construção identitária às questões relativas à pluralidade
cultural, ao desafio à construção das diferenças e à hibridização, possuem maiores potenciais
para avançar na construção do conhecimento na área do multiculturalismo. Observa-se que,
nas últimas décadas, envolvidos entre outras teorias, pela da multiculturalidade, começaram a
surgir novas formas de encarar as realidades culturais e sociais que nos cercam e novos
paradigmas começaram a se estabelecer. O ambiente escolar vem sendo constantemente
desafiado a contextualizar-se e oferecer condições de acesso e de permanência iguais para
todos os indivíduos. Além de contemplá-los enquanto sujeitos. Atualmente a escola, por se
configurar como espaço mais apropriado para o processo de socialização, é onde mais se
discute a questão da diversidade cultural, racial e social.
A multiculturalidade como fenômeno que implica a convivência num mesmo espaço
de diferentes culturas não é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica
decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins
comuns. Que demanda, portanto, uma certa prática educativa coerente com esses objetivos.
Que demanda uma nova ética no respeito às diferenças.
Para tanto, os processos de ensino e aprendizagem carecem muitas vezes da
flexibilidade necessária para satisfazer as diversas capacidades e interesses de uma população
de alunos heterogênea. O professor deverá incluir a interação da diversidade cultural em sala
de aula, gerando atividades que se ajustem a distintas capacidades e interesses. Deverá
favorecer a crítica e o aperfeiçoamento progressivo por parte dos alunos, na análise das
próprias atitudes e valores na busca de novas perspectivas compartilhadas. Deverá aplicar
estratégias que potencializem o enriquecimento intercultural, a planificação e o
desenvolvimento em cooperação, propiciem a participação ativa e a tomada de decisões dos
alunos que se possam aplicar a outros contextos. Para além destes aspectos a desenvolver nas
práticas pedagógicas, de que Moreira é apologista, também o professor, no seu papel, não se
deve limitar apenas a expor as suas ideias e conhecimentos, mas sim ser um mediador no
processo ensino/aprendizagem. Deve haver sempre uma intenção pedagógica onde as
aprendizagens sejam significativas e motivantes, que dêem sentido à vida de todos, o que irá
criar nos alunos uma certa tranquilidade.
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O professor deverá ter ainda um papel “multiculturalista”, ou seja, deverá ser um


professor que procura questionar os valores e os preconceitos. Precisa trazer para a sua sala de
aula, a preocupação com as diferenças culturais, sensibilizar-se para problemas de deficiência
física ou diferença étnica, social, religiosa, entre outras. Deverá esforçar-se por criar um
ambiente participativo e interativo entre a escola, a família e a própria comunidade e
desenvolver projetos que contem com o envolvimento dos seus alunos de forma a contribuir
para o desenvolvimento pessoal e social destes.
O professor, na vertente do multiculturalismo, necessita desenvolver atitudes e valores
face ao pluralismo e através da comunicação poderá conhecer melhor os outros e a sua
cultura, devendo proporcionar um meio onde surja a partilha de saberes, experiências e
vivências, onde se façam aprendizagens sobre a realidade social. As avaliações também
deverão ser feitas de acordo com a diversidade cultural e estilos de aprendizagem de cada um.
Para tanto, é fundamental e de relevante importância a formação dos professores na
temática multicultural. Moreira (2001, p. 43), questiona: que professores estão sendo
formados, por meio dos currículos atuais, tanto na formação inicial como na formação
continuada? Que professores deveriam ser formados? Professores sintonizados com os
padrões dominantes ou professores abertos tanto à pluralidade cultural da sociedade mais
ampla como à pluralidade de identidades presente no contexto específico em que se
desenvolve a prática pedagógica? Professores comprometidos com o arranjo social existente
ou professores questionadores e críticos? Professores que aceitam o neoliberalismo como a
única saída ou que se dispõem tanto a criticá-lo como a oferecer alternativas a ele?
Professores capazes de uma ação pedagógica multiculturalmente orientada?
Assim como destaca o autor supracitado, é impossível pensar numa educação
multicultural sem questionar sobre o professor e a sua formação. É, então, essencial saber-se
que formação é dada aos professores para que estes possam lidar com alunos oriundos de uma
sociedade onde há uma participação de diferentes populações, com diferenças a vários níveis,
impeditivas da uniformização dos currículos e das estratégias.
Citando mais uma vez Moreira (2001), este afirma que em síntese, quer queira ou não,
vive-se em um mundo inescapavelmente multicultural. Desse modo, mesmo que as reflexões
sobre o currículo e sobre formação de professores desconsiderem a multiculturalidade, ela
estará presente nos sistemas escolares, nas escolas, nas salas de aula, nas experiências da
comunidade escolar, afetando inevitavelmente as ações e as interações de seus diferentes
sujeitos.
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A necessidade de se formar professores preparados para lidar com a diversidade


cultural em sala de aula, mas acima de tudo, preparados para criticar o currículo e suas
práticas é essencial. Há ainda a necessidade de se formar professores reflexivos que busquem
modificar o ambiente escolar a fim de torná-lo menos opressor e que tenham um bom
entendimento do que são as culturas e a importância da diferença de cada uma.
A formação deve centrar-se, não apenas no acesso à informação e ao conhecimento
sobre teorias, modelos e estratégias de educação multicultural, mas também no
desenvolvimento de atitudes e valores que tornem os professores sensíveis face aos
preconceitos, aos estereótipos, às injustiças, ao racismo e à discriminação.
Pode-se concluir, perante as palavras do autor acima referido, que os conhecimentos
do professor devem ser articulados às mudanças gerais, sendo de extrema importância estar
alerta para o fato de que apenas formar o professor não é o suficiente pois, embora muitos
deles tenham uma certa noção da necessidade de enfrentar as questões que dizem respeito à
diversidade e até venham a tomar iniciativas nesse sentido, também fica claro que muito se
perde, se o projeto pedagógico da escola não incorporar essa perspectiva.
Segundo Moreira e Candau (2003, p.157), o papel da formação nesta temática é ajudar
os professores a desenvolverem uma nova identidade, uma nova postura perante a diversidade
cultural, assim como “novos saberes, novos objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e
novas formas de avaliação.” Desta forma, para além da extrema importância da educação,
também a diversidade e a flexibilidade do currículo são cruciais para MacLaren (1997, p.216),
segundo este autor:

[...] o currículo representa muito mais do que um programa de estudos, um texto em


sala de aula ou o vocabulário de um curso. Mais do que isso, ele representa a
introdução de uma forma particular de vida; ele serve, em parte, para preparar os
estudantes para posições dominantes ou subordinadas na sociedade existente. O
currículo favorece certas formas de conhecimento sobre outras e afirma os sonhos,
desejos e valores de grupos seletos de estudantes sobre outros grupos, com
frequência discriminando certos grupos raciais, de classe ou gênero.

Este pensamento do autor permite destacar que o currículo escolar não trabalha
unicamente com o conhecimento, mas também com diferentes aspetos da cultura. O currículo
deverá ser sempre um processo de seleção, de decisões acerca de quais conhecimentos e
saberes serão selecionados e passarão a constituir precisamente o currículo. Na construção de
um currículo, os objetivos visam normalmente os conhecimentos e valores da cultura em que
esse currículo escolar está implementado.
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Segundo o que escreveu MacLaren (1997), o currículo, na maior parte das vezes, está
mais ajustado aos indivíduos que pertencem a esta sociedade cultural, surgindo, desde logo,
um grande desajuste face aos alunos que pertencem às minorias, às subculturas e a estratos
sociais mais baixos.

Considerações Finais

Freire (1979, p. 21) diz que é preciso que a educação esteja, em seu conteúdo, [...]
adaptada ao fim que se persegue: permitir ao homem chegar a ser sujeito, construir-se como
pessoa, transformar o mundo, estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade,
fazer a cultura e a história.Analisando o que escreveu Freire (1979), pode-se concluir que a
educação intercultural propõe construir a relação recíproca entre indivíduos, uma relação que
se dá, não abstratamente, mas entre pessoas concretas, entre sujeitos que decidem construir
contextos e processos de aproximação, de conhecimento recíproco e de interação. Relações
estas que produzem mudanças em cada indivíduo, favorecendo a consciência de si e
reforçando a própria identidade. Sobretudo, promovem mudanças estruturais nas relações
entre grupos. Nesse contexto, é condição indispensável para a prática de uma educação
inclusiva, modificar olhares, rever posições pessoais e profissionais, mudar posturas e romper
barreiras de atitudes, se quiser realmente empreender uma educação que se efetive nas suas
concepções e práticas como articuladora e valorizadora dessa diversidade.

REFERÊNCIAS:

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1998.

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