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Começa com a relação entre direito e poder. Tal é, sem dúvida, o ponto de
partida correto para a nossa investigação. Ser-me-á permitido substituir a
palavra «poder» pelo termo, mais rotundo e mais duro, «força»? Direito e
força são hoje, para nós, antagônicos. Não é difícil mostrar que o primeiro
brotou da segunda; se remontarmos aos inícios primordiais e observarmos
como tal primeiramente aconteceu, a solução do problema apresenta-se
sem esforço. Mas desculpe-me se, no que se segue, digo coisas
conhecidas e admitidas como se fossem novidades. O contexto a tal me
obriga. Os conflitos de interesses entre os homens são, em princípio,
solucionados mediante o recurso à força. Assim acontece em todo o reino
animal, do qual o homem não se deveria excluir; mas, no caso deste,
acrescentam-se ainda conflitos de opiniões que atingem as maiores
alturas da abstração e parecem exigir uma outra técnica para a sua
solução. Mas isto é só uma complicação relativamente recente.
Inicialmente, na pequena horda humana, a maior força muscular era a que
decidia a quem deveria pertencer alguma coisa, ou a vontade que se
deveria levar a cabo. A força muscular cedo é reforçada e substituída pelo
uso de instrumentos; vence quem possui as melhores armas ou as
emprega com maior habilidade. Com a introdução das armas, a
superioridade intelectual começa já a ocupar o lugar da força muscular
bruta, mas o objetivo final da luta persiste o mesmo: pelo dano que se lhe
inflige ou pela aniquilação das suas forças, uma das partes em litígio é
obrigada a abandonar as suas pretensões ou a sua posição. Tal obtém-se
do modo mais completo quando a força do adversário é definitivamente
eliminada, portanto, quando ele é morto. Semelhante resultado oferece a
dupla vantagem de o inimigo já não poder iniciar de novo a sua oposição e
de o seu destino desviar os outros de seguirem o seu exemplo. Além disso,
a morte do inimigo satisfaz uma tendência instintiva, que mencionarei
mais adiante.
Por agora, só podemos dizer: tudo o que fomente a evolução cultural atua
contra a guerra. Saúdo-o cordialmente, e peço desculpa se a minha
exposição o desiludiu.
Sigmund Freud