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ARTE-EDUCAÇÃO,

Deribaldo Santos é técnico em Em vistas do atual momento por que passa a sociedade, todas as MANIFESTO DE LANÇAMENTO

Deribaldo Santos - Arte-educação, estética e formação humana


eletrônica, formado por escola esferas da vida humana veem-se invadidas pela problemática de uma
técnica no modelo determinado pela crise jamais vista no mundo. Mergulhada em uma problemática sem Atravessamos tempos difíceis!

ESTÉTICA E
lei n° 5692/71, desempenhando a precedentes na história humana, denominada por Mészáros de Crise A tendência da crise estrutural
função por 11 anos como trabalhador Estrutural do Capital, o modo de produção capitalista passa a procurar vivenciada pelo capital é de
petroleiro. É graduado em pedagogia alternativas para atenuar problemas que são imanentes à própria agravamento. Consequentemente o

FORMAÇÃO
pela Universidade Estadual Vale do estrutura do capital. Considerando a moldura dessa crise, o que presenciaremos nos próximos
Acaraú (UVA/2001). Fez especialização presente livro traz como objetivo anotar algumas críticas sobre a cha- anos será um aprofundamento das
em Gestão Escolar pela Universidade mada arte-educação. A necessidade de apresentar uma crítica ao que desumanidades próprias desta ordem
Estadual do Ceará (UECE/2003), se convencionou chamar de arte-educação assenta-se, social.

HUMANA
mestrado em Políticas Públicas e principalmente, no fato de que a escola, destacadamente, pública de
Sociedade (UECE/2005), em 2006 fez nível básico, assumiu acriticamente a junção entre a educação e a arte A reprodução da sociedade capitalista só
estágio doutoral na Universidade do como uma necessidade inquestionável. Prova dessa assimilação acrítica é possível, hoje, na medida que
Porto (UP), e em 2009 concluiu o é a forma como os Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte (PCNs-Arte) extermina milhões de vidas humanas,
doutorado em Educação Brasileira pela ganharam o espaço escolar, alastrando-se por todas as localidades do por fome ou em guerras sem sentido.
Universidade Federal do Ceará (UFC). país, desde as regiões mais urbanizadas até as cidades mais distantes e Além disso, o capital, em crise,
Em 2015, concluiu estágio pós-doutoral interioranas. As notas críticas que aqui se expõem têm como principal encontra meios de expulsar um
em Estética na Universidad intenção esclarecer, mesmo que de modo preliminar e sintético, alguns número enorme de trabalhadores de
Complutense de Madrid (UCM) com dos equívocos mais comuns cometidos, sem as devidas mediações, seus locais de origem afastando-os
bolsa da CAPES. É professor adjunto pelos seguidores dos pressupostos que unem o complexo educativo ao de seus meios de trabalho e
da Faculdade de Educação, Ciências e artístico. subsistência promovendo, desta
Letras do Sertão Central (FECLESC- maneira, uma das maiores tragédias
UECE – campus de Quixadá). humanas de nossos tempos. Tudo isso
Atua como docente permanente no para que estes trabalhadores sirvam
Programa de Pós-Graduação em como mão de obra barata nos países
Educação (PPGE/UECE) e no Mestrado centrais a fim de garantir os lucros e a
Acadêmico Intercampi em Educação e As obras do Coletivo Veredas podem ser adquiridas pelo preço de manutenção do capitalismo.

Deribaldo Santos
Ensino (MAIE/UECE). É pesquisador do custo, acrescido do frete, em nosso site. Não aceite comprar as nossas
Laboratório de Pesquisas sobre Políticas publicações com aqueles que querem obter lucro. Diante desta realidade os trabalhadores
Sociais do Sertão Central (Lapps-UECE). começam a se movimentar em várias
Lidera o Grupo de Pesquisa partes do mundo. Podemos mesmo
Trabalho, Educação, Estética vendas no site: afirmar que estamos nos aproximando
e Sociedade (GPTREES). www.coletivoveredas.com de um período histórico de acirramento
Pesquisador do CNPq nível 2. e aprofundamento da luta de classes.
ISBN: 978-65-88704-05-9
Um dos aspectos mais importantes
desta luta é o combate ideológico. E é
para contribuir neste combate
(colocando-se na trincheira ao lado dos
trabalhadores) que nasce o Coletivo
Veredas.
Deribaldo Santos

arte-educação, estética e formação


humana
Diagramação: Thayná Omena
Revisão: Sidney Wanderley
Revisão técnica: Lenha Diógenes
Capa: Laura de Bona

Catalogação na Fonte
Departamento de Tratamento Técnico Coletivo Veredas
Bibliotecária responsável: Fernanda Lins de Lima – CRB – 4/1717
_____________________________________________________________

S237a Santos, Deribaldo.


Arte-educação, estética e formação humana / Deribaldo Santos.
– Maceió : Coletivo Veredas, 2020.
147 p.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-88704-05-9

1. Arte. 2. Educação. 3. Arte-educação. 4. Estética. 5. Formação


humana. I. Título.

____________________________________________________________
CDU: 7.01+37

Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição
4.0 Internacional. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecom-
mons.org/licenses/by/4.0/. Esta licença permite cópia (total ou parcial), distri-
buição, e ainda, que outros remixem, adaptem, e criem a partir deste trabalho,
desde que atribuam o devido crédito ao autor(a) pela criação original.

1ª Edição 2020
Coletivo Veredas
www.coletivoveredas.com
Deribaldo Santos

arte-educação, estética e formação


humana

1ª Edição
Coletivo Veredas
Maceió 2020
Sumário

Prefácio.........................................................................................7
Apresentação..............................................................................15
Introdução .................................................................................19
Capítulo 1 – A problemática e seus contornos .........................23
Capítulo 2 – Vida cotidiana e objetivação: o começo e o fim das
objetivações humano-superiores...............................................37
Capítulo 3 – Formação estética dos sentidos humanos: o que
esperar da educação e da arte?..................................................49
Capítulo 4 – Educação, arte e formação humana: inter-relações
necessárias..................................................................................61
Capítulo 5 – Formação humana como princípio educativo e o
princípio educativo da formação humana................................73
Capítulo 6 – Ana Mae Barbosa, Arte-educação e os PCNs-Arte:
uma síntese................................................................................85
Capítulo 7 – Educação, arte e sistema de sinalização 1’:
aproximações à formação estética dos sentidos huma-
nos..............................................................................................97
Capítulo 8 – Anotações críticas sobre arte-educação (arte/edu-
cação) no Brasil........................................................................105
Capítulo 9 – A catarse como elemento educativo....................117
Referências...............................................................................137
Prefácio

O convite para prefaciar este material chegou antes da tra-


gédia que afligiu e ainda aflige a história recente da humanidade,
cujos desdobramentos nos são, no presente momento, totalmente
desconhecidos. O prazo que me foi dado para a conclusão desta
apresentação, contudo, não pôde ser cumprido pela mudança na
rotina que a pandemia e as medidas para sua contenção trouxeram
consigo.
Os dias que seguiram foram de muita tensão e de muita in-
certeza. A compreensão do real, sem nenhum artifício, abalou-me.
Naquele momento, minha principal tarefa era cuidar da saúde física
e mental da minha mãe, tendo em vista seus avançados 84 anos.
Nada mais me importava e, obviamente, a conclusão deste prefácio
passou a ocupar um lugar secundário nas minhas tarefas cotidianas.
Nesse sentido, recorri à literatura que, ao tratar da frágil con-
dição humana, além de representar uma posição perante o mundo,
abriga também uma concepção de realidade que é expressa de for-
ma artística, dialética. Conforme a Grande Estética de Lukács, a obra
de arte coloca em movimento os conflitos, captando-os, através das
contradições e lutas de sua época para, em seguida, transformá-los
em uma fonte preciosa de compreensão da época histórica na qual
a referida obra foi produzida.
Em meio ao turbulento momento, repleto de notícias nada
alvissareiras, o bálsamo produzido pela literatura me permitiu dar
sequência às atividades guardadas na gaveta do tempo. Assim, eis o
que foi possível urdir no tear do tempo.
Em A desejada das gentes, Machado de Assis (2012, p. 11) nos
diz que “todos os homens devem ter uma lira no coração, – ou não
sejam homens”. Talvez, o Bruxo do Cosme Velho quisesse nos lem-
brar de que é doloroso atravessar os dias e as noites da nossa existên-
cia sem a força fecunda da arte, sem o amor. Como seria terrível o
cotidiano se não nos entregássemos “aos pequenos amores da gran-
de armadilha terrestre”!
Além de escritor comprometido, Deri, como carinhosamente
é conhecido entre os íntimos, exerce a docência na Universidade
Estadual do Ceará, na Faculdade de Educação, Ciências e Letras do
Sertão Central (Feclesc/Quixadá) e nos cursos de Pós-graduação da
Universidade Estadual do Ceará e da Universidade Federal do Ceará.
Nesses campos de luta, ele participa ativamente dos debates acerca
do pensamento estético-filosófico de Lukács, desbravando os áridos
percursos da estética a partir das reflexões literárias e das pesquisas
acadêmicas.
Com o rigor que a pesquisa exige, ele tem investigado as cone-
xões entre trabalho, arte, literatura e estética, interpelando as dimen-
sões estabelecidas pela sociedade burguesa. E, enquanto comprome-
tido militante, tem conjugado força e luta, questionando, através da
prosa e do verso, a lógica perversa da sociedade capitalista, potencia-
lizando investigações das coisas desconhecidas e produzindo novos
conhecimentos.
Através da crítica marxista, Deri debate a arte-educação, re-
cuperando a tradição crítico-dialética para oferecer uma inovadora
visão à academia e à escola pública, além de contribuir para o debate
sociopolítico do país.
Em Arte-educação, estética e formação humana, Deri investiga a gê-
nese sócio-histórica da arte-educação, apontando trajetos para novas
reflexões, distanciando-se das deformações próprias da dinâmica ca-
pitalista. O livro, composto por dez capítulos, traça um diálogo com
importantes estudiosos da área, a exemplo da professora Ana Mae
Barbosa e apresenta uma necessária crítica à convergência dos com-
plexos da arte e da educação, contemplando também os complexos
educativo, artístico e científico.
Debatendo a partir da ontologia materialista, Deri problemati-
za a relação arte-educação à luz da categoria fundante do ser social,
o trabalho. O escritor expõe com clareza e com profundidade temas

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como os desafios do ensino de arte no Brasil, as particularidades da
docência, o papel da escola nos processos de aprendizagem, entre
outros.
A análise da arte, enquanto forma de transcendência da ima-
nência do cotidiano, permite explorar uma multiplicidade de temas
e alcançar leitores de preferências e faixas etárias diversas. Quando
seu exame é comprometido com a classe trabalhadora, como acon-
tece com os escritos de Deri, tem-se um trabalho que atende às exi-
gências de uma comunicação clara, concisa e coesa, além de apre-
sentar uma ordenação bastante objetiva e articulada, facilitando a
leitura, quer em sua totalidade, quer em suas partes separadamente.
Considerando a gravidade dos problemas sociais que atingem
o conjunto da humanidade, o atual momento histórico é terrivel-
mente bárbaro. Nesse sentido, o livro apresentado ao público não
poderia deixar de contextualizar a discussão à luz da crise estrutural
do capital, que atinge por completo o conjunto da humanidade,
operando profundas mudanças no modo como o metabolismo so-
cial é controlado.
As condições objetivas da vida humana e o desenvolvimento
da mesma estão imersos em um caótico desenvolvimento do modo
de produção capitalista, afetando o planeta, as relações humanas e
produzindo, em escala crescente, a barbárie. Os aspectos conjun-
turais dessa crise envolvem o irracionalismo, o fundamentalismo e
o ultraliberalismo – defensores de um projeto social voltado para
a manutenção do conservadorismo das classes dominantes e dos
interesses particulares da burguesia. Nesse cenário, o ser social,
imerso na alienação e no estranhamento, vê as condições mínimas
de manutenção e existência da vida negadas, enquanto o capital
avança, fragmentando o homem e seu mundo.
Sob a égide das relações sociais capitalistas, essa crise – não
cíclica, mas estrutural – exige da classe trabalhadora a importante
tarefa de organização em torno do trabalho livremente associado/
emancipado, sob pena da completa destruição da atividade especi-
ficamente humana, frente à violenta investida do capital.
Nesse cenário, a burguesia, na luta desesperada para preser-
var seus interesses, reduz o valor da força de trabalho, através de
um conjunto de medidas, tais como: ajustes fiscais, supressão de
direitos, desmonte do serviço público, corte de recursos para os
problemas sociais e diminuição dos salários.
Por isso, no mundo contemporâneo, o papel dos trabalha-
dores em educação se agiganta. No campo educacional, nosso país
tem vivido intensas batalhas pela garantia dos direitos fundamen-

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tais. Ações em consonância com os poderes Executivo e Legislativo
são articuladas, objetivando o avanço do conservadorismo e o esva-
ziando da formação crítica e participativa que, a despeito de todos os
desafios, vem sendo construída dentro das escolas públicas.
Atualmente, nos currículos escolares, a arte aparece como dis-
ciplina obrigatória do Ensino Médio, devendo ser estudada conco-
mitante com a Língua Portuguesa. Ao professor, compete a tarefa
de distribuir, de forma proporcional, o tempo das aulas para abordar
os conteúdos dessas disciplinas, trabalhando-as de forma integrada.
Esses desafios têm mobilizado diferentes autores para a defesa
da tese segundo a qual a arte seria uma importante forma de eman-
cipação da humanidade. Esse argumento é duramente criticado pelo
professor Deribaldo, que, sem deixar de perceber a importância da
arte, não acredita que o complexo artístico tenha a obrigação, exclu-
siva, de transformar a realidade social.
Segundo ele, o discurso dos documentos oficiais publicados
pelo Ministério da Educação de que o ensino da arte, nas escolas,
é a chave para o êxito do fazer educativo está intimamente afinado
com os discursos postulados pelo “Movimento de Educação para
Todos”. Esse conjunto de políticas e diretrizes encampadas pelo Es-
tado absorve de modo significativo todos os conceitos disseminados
pelas reformas em âmbito nacional — cidadania, democratização,
autonomia, competências, qualidade total, gestão, descentralização,
entre outros.
De fato, isso faz parte de um conjunto de medidas impostas
aos países pobres pelos organismos internacionais, cuja centralidade
repousa sobre a formação de professores. O cerne dessas medidas é
apresentar a formação de professores como panaceia para todos os
males da educação e transformá-la em um dos eixos da reforma da
educação em âmbito internacional, nacional e local.
Contra isso, Deri recorda que esse tipo de proposta deixa de
cumprir, significativamente, a tarefa histórica da educação escolar,
que, conforme Saviani (2003) é de reproduzir em cada indivíduo sin-
gular a humanidade elaborada histórica e coletivamente pelo conjun-
to dos homens. Ela não passa de um reflexo do processo de conso-
lidação do modo de produção capitalista, que não deixa espaço para
a fruição da arte, transformando-a em mercadoria e restringindo-a a
um pequeno público, como objeto de luxo.
Embora a expansão do mercado capitalista promova a univer-
salização da arte, as condições de exploração do ser social não per-
mitem que o acesso aos produtos artísticos seja amplo e irrestrito.
Por outro lado, a capacidade de humanizar o mundo é bloqueada e

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drasticamente afetada, no que concerne à criação de formas que
permitam à classe trabalhadora tomar consciência de sua condição
de classe, tornando-se, como diz Marx, uma classe para si.
Por isso, pode-se dizer que, na sociedade capitalista, sobretu-
do na hodierna, a necessidade estética humana se faz pobre, ense-
jando a elevação do nível de sensibilidade que, conforme sabemos,
associa-se às necessidades humanas e aos comportamentos cultu-
rais, intimamente ligados às práticas sociais. A intolerância em rela-
ção às formas de arte que exigem o empobrecimento da existência
humana, a fetichização da realidade e a luta para que a arte, assim
como a literatura, seja capaz de mostrar ao homem seu lado huma-
no, rico em determinações, pleno nas suas múltiplas possibilidades
é parte da tarefa de nosso escritor.
O desenvolvimento da sensibilidade estética, nesse sistema
fundado na exploração, na desumanização e na desigualdade enges-
sa o artista e seu receptor, obstruindo o alcance do gênero humano
às objetivações superiores. Embora o homem que produz a obra
de arte possa ser revelado na sua criação, permanece em aberto
o desafio de entender como a arte pode auxiliar na construção da
sociedade comunista.
Como assegura Lukács (1966b, p. 533), somente o socialis-
mo é capaz de envolver “[...] todos os homens e não apenas uma
camada relativamente restrita dos cidadãos livres”. Nem a esponta-
neidade, nem o pragmatismo da vida cotidiana devem orientar essa
luta contra a superfície fetichizada que aceita, sem resistência, uma
sociedade embrutecida, totalmente reificada. Essa compreensão, na
medida em que resgata a possibilidade histórica de transformação
da vida, poderá empreender uma luta coletiva contra esse modelo
de sociedade.
A arte, por ser humana, expõe a vida dos homens de ontem,
de hoje e de amanhã, manifestando-se historicamente dentro de
uma determinada época, a partir de seus costumes de suas possibi-
lidades. Embora condicionada pelo desenvolvimento de seu perí-
odo histórico, a obra pode ultrapassar o seu tempo e permanecer,
revelando a luta dos homens pela sobrevivência e pela conquista
do reino da liberdade. É isso que o livro de Deribaldo Santos rea-
firma: a necessidade do enriquecimento das objetivações humanas
a partir das variadas expressões artísticas, tendo como fundamento
a compreensão marxiana sobre a constituição do homem enquanto
ser social, histórico. Aliás, essa compreensão está presente ao longo
de toda sua trajetória intelectual.
O esforço das reflexões de Deribaldo a respeito da arte é para

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que não fiquemos reféns das representações da sociedade burgue-
sa, das relações sociais estabelecidas. A alternativa apresentada pelo
autor é reafirmar a necessidade do enriquecimento das objetivações
humanas com base nas variadas expressões artísticas. Por isso, com-
preender a arte-educação pelo viés da literatura marxista é assinalar
como imperativo categorial a radical transformação do estado vigen-
te das coisas.
A denúncia já é a marca registrada dos trabalhos do professor
e poeta Deribaldo e funciona como um oásis, entre as crises e as
tragédias. Não se trata, note-se bem, de mais uma obra sobre arte-
-educação. Os leitores da obra de Deribaldo Santos, tenho certeza,
apreciarão esta publicação, acessível a todos. Sua história testemunha
a verdade dessas palavras e nos autoriza a firmar o compromisso de
usar seu material como fonte de pesquisa nos espaços acadêmicos e
nas escolas públicas, para a luta cotidiana.
A necessidade do enriquecimento das objetivações humanas
por variadas expressões artísticas evoca o pensamento de Antônio
Cândido (2004, p. 180), para quem a arte “desenvolve em nós a quo-
ta de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos
e abertos à natureza, à sociedade e ao semelhante”. Tal enriqueci-
mento só é possível pela via da perpétua transformação humana, tão
bem descrita por Goethe (1978, p. 150 apud Lukács) “surgir e mor-
rer, criar e anular, nascimento e morte, alegria e dor, tudo se mistura
no mesmo sentido e na mesma medida”.
Nesse obscuro momento da nossa história, Walter Hugo Mãe
(2016, p. 205) nos recorda de que “somos o resultado de tanta gente,
de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a
pessoa, que nunca estaremos a sós”. São essas secretas delicadezas
que respingam na nossa alma e na nossa formação, fortalecendo o
passo, potencializando-nos para a luta e nos lembrando de
[...] nunca cultivar a dor, mas lembrá-la com respeito, por ter sido
indutora de uma melhoria, por melhorar quem se é. Se assim for,
não é necessário voltar atrás. A aprendizagem estará feita e o
caminho livre para que a dor não se repita (MÃE, 2006, p. 187).

Para que possamos seguir firmes, nesse turbulento período da


nossa história, evoco às memórias literárias de Érico Veríssimo em
Solo de Clarineta:
Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me anima-
do até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode fazer,
numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender
a sua lâmpada, trazer luz sobre a realidade de seu mundo, evi-

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tando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos
assassinos e aos tiramos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito
da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica,
acendamos nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos
fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos
nosso posto (1978, p. 44-45, v.1).

Sinceramente, creio que é esta a principal função dos escritos


do professor Deribaldo Santos: “trazer luz sobre a realidade de seu
mundo”.

Boa leitura!

Lenha Diógenes
Fortaleza (CE), 18 de abril de 2020.

REFEÊNCIAS
ASSIS, Machado. A desejada das gentes. In: O casamento da lua: contos de
amor. –1ª ed. – São Paulo: Boa Companhia, 2012.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários Escritos. 4ª edição,
reorganizada pelo autor. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas cidades/Ouro
sobre azul, 2004.
LUKÁCS, Georg. Estética: la peculiaridad de lo estético. Problemas de la
mímesis. Trad. Manuel Sacristán. v.2. Barcelona: Ediciones Grijalbo,
1966b.
______. Introdução a uma estética marxista: Sobre a categoria da par-
ticularidade. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder.
(Coleção Perspectivas do Homem – v. 33 – Série Estética). Civilização
Brasileira. Rio de Janeiro, 1978.
MÃE, Walter Hugo. O filho de mil homens. 2.ed. São Paulo: Biblioteca Azul,
2016.
VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarineta. Volume I. Porto Alegre: Editora Glo-
bo, 1978.

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Apresentação

A gente não quer só comida


A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte
(Arnaldo Antunes/ Sergio Britto/ Marcelo Frome)

Entre agosto e dezembro de 2019, contando com o apoio da


Faculdade de Educação, Ciências e Letras do Sertão Central (FE-
CLESC) – uma das unidades sertanejas da Universidade Estadual
do Ceará (UECE) –, tive a oportunidade de ministrar o curso de
extensão: Formação estética dos sentidos humanos: a arte e a educação em de-
bate. O curso previa a discussão da relação entre as objetivações su-
periores (ciência e arte) e a formação estética dos sentidos humanos.
Essa extensão, destinada aos professores e professoras da rede bási-
ca de educação da região do sertão central cearense, possibilitou-me
o contato direto com uma significativa parcela dos profissionais que
atuam no cotidiano do chão da sala de aula dessa região. A vivência
com esse conjunto docente potencializou um interessante elo de
diálogo, pois à medida que o curso evoluía, as reflexões afloravam
com maior claridade.
A atividade ocorreu na cidade Quixadá, nos espaços abrigados
pelo Laboratório sobre Políticas Sociais do Sertão Central (Lapps)
que, por sua vez, articula-se ao Grupo de Pesquisas Trabalho, Edu-
cação, Estética e Sociedade (GPTREES). O Laboratório e o Grupo
seguem o objetivo de atuar na formação revolucionária dos trabalha-
dores e trabalhadoras.
Ficou patente que a maioria dos profissionais do chão de sala
de aula encontra dificuldade para enfrentar, no plano crítico, teóri-
co e prático, as determinações dos documentos oficiais exigidos, por
seu turno, pelas agências multilaterais, a exemplo do Banco Mundial
(BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ao final da experiência decidi redigir o presente livro!
A carência de suporte crítico que possibilite fundamentar uma
teoria e uma prática docente que, por sua vez, seja comprometida
com a emancipação humana, quase que se perdeu completamente
no cotidiano dos que vivem da sala de aula. A escassez de literatu-
ra crítica, que tenha como base os clássicos do marxismo, deixa os
profissionais da educação reféns da política educativa. Via de regra e,
mesmo que se mude, por meio do voto ou manifestação popular, a
tendência política do executivo estatal, mantém-se intacta a estrutura
democrático-cidadã que, por seu turno, é administrada sob o coman-
do do capitalismo burguês.
Como os profissionais da sala de aula da educação básica não
encontram um suporte para enfrentar o problema ou, ao menos, para
compreendê-lo e assim se posicionar, uma imensa sensação de impo-
tência abre as portas subjetivas ao adoecimento, entre diversas outras
consequências que não temos como apontar nesta publicação.
O presente livro não pretende, naturalmente, apresentar uma
receita pronta e acabada de como enfrentar essa problemática. O ob-
jetivo desta comunicação é expor alguns elementos que possibilite ao
professorado, mesmo que sinteticamente, compreender como se des-
dobram, desde as agências internacionais, passando pelo Ministério
da Educação com colaboração requintada de muitos intelectuais, os
problemas que lhes batem à porta todos os dias.
Escolheu-se a chamada arte-educação como exemplo típico do
“mais do mesmo”. Outras ilustrações poderiam ser abordadas dado
que, mesmo mudando as nuances, a estrutura essencial de como a
política educativa do capitalismo periférico cria suas reformas perma-
necem, essencialmente, democrático-cidadã, apesar das alterações no
governo central (independentemente que seja alinhado politicamente

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ao que se entende por centro, esquerda, direita ou qualquer outra
convenção nominativa).
A educação misturada acriticamente com a arte apresenta, por
sua peculiaridade, problemas seríssimos. Como nosso curso abor-
dara exatamente a relação entre a formação estética dos sentidos
humanos, casou-se a necessidade de analisar a problemática da polí-
tica educativa em sua totalidade, associando-a, dialeticamente, a um
problema específico que permeia a vida daqueles que enfrentam, no
cotidiano profissional, as numerosas salas de aula pelo Brasil afora.
Antes de concluir esta apresentação, tenho que honrar meus
mais sinceros agradecimentos às professoras Lays Sousa, Lenha Di-
ógenes e Vanessa Mariano. A primeira e a última leram antecipada-
mente os manuscritos que resultaram na presente publicação. As
sugestões e críticas apresentadas demonstram como a exposição é
fruto de um trabalho coletivo. À Lenha Diógenes, devo o regozijo
de tê-la como prefaciadora e revisora técnica desta edição.

Dedico este pequeno livro às professoras e


aos professores que atuam nas salas de aula da
educação básica do Sertão Central!

Quixadá, estação chuvosa de 2020.

Deribaldo Santos

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Introdução

Mundo velho e decadente mundo


Ainda não aprendeu a admirar a beleza
A verdadeira beleza
A beleza que põe mesa
E que deita na cama
A beleza de quem come
A beleza de quem ama
A beleza do erro puro, do engano, da imperfeição
(Zeca Baleiro)

O presente livro traz como objetivo anotar algumas críticas so-


bre a chamada arte-educação. A necessidade de apresentar uma crítica
ao que se convencionou chamar de arte-educação assenta-se, princi-
palmente, no fato de que a escola, destacadamente, pública de nível
básico, assumiu acriticamente a junção entre a educação e a arte como
uma necessidade inquestionável. Prova dessa assimilação acrítica é a
forma como os Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte (PCNs-Arte)
ganharam o espaço escolar, alastrando-se por todas as localidades do
país, desde as regiões mais urbanizadas até as cidades mais distantes e
interioranas. As notas críticas que aqui se expõem têm como principal
intenção esclarecer, mesmo que de modo preliminar e sintético, alguns
dos equívocos mais comuns cometidos pelos seguidores, sem as devidas
mediações, dos pressupostos que unem o complexo educativo ao artís-
tico.
A demanda a que os Parâmetros orientadores do ensino de arte
nas escolas procuram atender não é exclusiva do espaço escolar. Em vis-
tas do atual momento por que passa a sociedade, todas as esferas da
vida humana veem-se invadidas pela problemática de uma crise jamais
vista no mundo. Mergulhada em uma problemática sem precedentes na
história humana, denominada por Mészáros (2009) de Crise Estrutural
do Capital, o modo de produção capitalista passa a procurar alternativas
para atenuar problemas que são imanentes à própria estrutura do capital.
Qualquer pesquisa que, na atualidade, procure problematizar a re-
lação entre a educação e a arte situa-se no contexto dessa crise, pois ela
invade todas as esferas da vida social, abarcando, consequentemente, o
complexo educativo, o artístico, o científico, bem como as demais esferas
sociais.
Para usarmos os termos de Mészáros (2009), a crise estrutural do
capital é qualitativamente diferente das crises anteriores, pois estas eram
cíclicas e aquela é estrutural. Há, na crise atual, ainda segundo o filósofo
húngaro, algumas características que a tornam perigosamente mais agres-
siva no que se refere à degenerescência do gênero humano: ela é univer-
sal, não se restringe a uma esfera particular, financeira ou comercial; seu
alcance é verdadeiramente global, em vez de limitado a um conjunto par-
ticular de países; sua escala de tempo é extensa, contínua, permanente,
não mais limitada e cíclica como foram as crises anteriores; seu modo de
se desdobrar poderia ser chamado de rastejante, pois requer a ativação de
uma complexa maquinaria empenhada na “administração da crise” e no
“deslocamento” ideológico das contradições para esferas fora da relação
capital-trabalho1.
O complexo educativo de modo geral e a escola em especial, moti-
vados por uma dialética histórica, não pode se isentar dos efeitos da crise
estrutural do capital. Como demonstra o professor Ivo Tonet (2012), a
educação frente às exigências do novo padrão de produção, exigido, por
sua vez, pela crise capitalista, precisa readequar teorias, métodos, formas,
conteúdos, técnicas, currículos, modelos avaliativos, entre outros elemen-
tos do processo escolar. Em consequência desse cenário, as políticas edu-
cacionais são consideradas envelhecidas, precisando, desse modo, serem
modificadas com vistas à missão de preparar os indivíduos para a nova
realidade.

1 Cristina Paniago (2012) aprofunda as teses meszarianas sobre a crise estrutural do capital.

20
Como consequência direta dos problemas na estrutura do ca-
pital, a educação de maneira geral e especificamente o espaço escolar,
entram em crise. Essa problemática questiona os modelos educativos
vigentes, exigindo que sejam operadas mudanças no contexto interno
da escola. Diversas correntes intelectuais procuram alternativas que
possam atender a essa mudança de modelo e, com isso, questionam a
relação aprendizagem-ensino.
Não há nenhum problema em se perscrutar novas formas poten-
cializadoras para a relação aprendizagem-ensino. O problema se com-
plexifica de dois modos distintos que se complementam entre si. Por
um lado, as diversas correntes teóricas empenhadas em resolver a crise
no interior da escola não consideram a totalidade em suas análises, iso-
lando-a, principalmente ou exclusivamente, no interior do espaço esco-
lar, desconsiderando que há uma crise sistêmica que abrange a estrutura
do capital. Por outro lado, para equacionar uma crise educacional que,
para tais analistas, não tem raiz na sociedade como um todo, aplica-se
um ecletismo teoricamente colorido que apresenta como subproduto
uma bricolagem de alternativas didáticas. Entre elas surge, como justifi-
cativa de que a arte tem muito o que contribuir com o método aprendi-
zagem-ensino, a mistura acrítica entre a educação e a arte.
Um dos resultados dessa bricolagem discursiva é a chamada ar-
te-educação!
Nascida do mesmo cenário que deu à luz aos denominados “no-
vos paradigmas educativos”, a arte-educação surge amparada pela res-
ponsabilidade de encontrar uma solução para a crise da escola. Mudan-
do o que deve que ser mudado, esses “novos paradigmas educativos”
partilham do mesmo substrato teórico que ampara o que se conven-
cionou chamar de arte-educação, uma vez que, via de regra, em suas
análises, é comum a falta de centralidade do trabalho em articulação
com os complexos que compõem a superestrutura social. Desse modo,
as abordagens que se vestem dessa bricolagem colorida estão impedidas
de atender às especificidades educativas, bem como às artísticas. Haja
vista que tanto a educação como a arte, cada uma com seu caráter espe-
cífico, partilham com a base econômica uma relação de reciprocidade
dialética e autonomia relativa.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte, publicados pelo
Ministério da Educação (MEC), em 1997, acabam por ser um refletor
exemplar de como as políticas educacionais procuram adequar a escola
ao novo cenário de crise por que passa o capitalismo contemporâneo.
Para que possamos demonstrar as contradições presentes nes-
sa união acrítica, tomaremos como base, naturalmente, as distinções
existentes entre a educação e a arte. Precisaremos, portanto, especificar

21
a função social de cada um desses complexos. Para que se possa, com
efeito, dimensionar a importância para a vida humana da educação e da
arte, é necessário tomar o trabalho como categoria fundante do ser so-
cial. Com o intuito de atender aos objetivos anunciados, consideraremos
os pressupostos da ontologia materialista consubstanciada na dialética
histórica elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels, recuperados, por
sua vez, por Georg Lukács2.
Pretendemos explicitar, ainda que de modo lacunar, a natureza es-
pecífica da educação e da arte. Como a ontologia materialista é a base das
considerações do presente livro, reafirma-se a centralidade do trabalho
como categoria fundante do mundo humano, motivo pelo qual a base
explicativa para as problemáticas que envolvem as distinções entre a edu-
cação e a arte será, desse modo, o trabalho.
Por fim, visto que nossa exposição prioriza a onto-metodologia
materialista, o objeto é o guia do percurso do livro. Isto quer dizer o
seguinte: a sequência dos capítulos e o tratamento dado às categorias
são determinadas de modo que possamos atender à finalidade de apre-
sentar, com a devida sustentação, uma crítica ao que se convencionou
chamar no Brasil de arte-educação. Esse é o motivo que nos obriga a
tratar de questões como Decadência Ideológica Burguesa, Cotidiano,
Ciência, Objetivações Superiores, Reflexo Artístico, Antropomorfização,
Desantropomorfização, Ensino, Formação Humana, Omninilateralida-
de, Formação Estética dos Sentidos Humanos, Catarse, Terceiro Sistema
de Sinalização, dentre diversas outras tematizações sem as quais o livro
não poderia sustentar sua crítica.

2  Chamamos, sucintamente, de ontologia materialista, método onto-histórico ou onto-


metodologia, o processo de pesquisa que se orienta pelo objeto e que pressupõe o processo
do conhecimento como uma síntese ontológica entre objeto e sujeito em que aquele tem
prioridade sobre este.

22
Capítulo 1 – A problemática e seus contornos

Para melhor estabelecer a crítica, é necessário esclarecer a re-


lação existente entre as objetivações superiores (ciência e arte, por
exemplo) e a formação estética dos sentidos humanos. Como já de-
clarado, o trabalho será a conexão que nos possibilitará aproximar
e distanciar a ciência da arte e funcionará como elo de articulação
explicativo entre estes dois complexos e a educação.
O atendimento desse pleito, não obstante, precisa vencer al-
gumas limitações de fundo.
Uma dessas limitações é o fato de não podermos atender com
a devida profundidade às motivações que conduzem a reflexão aca-
dêmica, sobretudo as alinhadas às produções que têm por finalidade
contar pontos para o Currículo academicista, a menosprezar – quan-
do não, a abandonar completamente – o trabalho como categoria
fundante para a compreensão da realidade. O que podemos fazer
aqui é indicar que há uma convergência entre o cenário de (des)ra-
zão inaugurado pelo processo de decadência ideológica burguesa e a
irracionalidade da maioria das análises acadêmicas alinhadas ao que
se chama de pensamento pós-moderno. Tais análises, por abando-
narem a materialidade dos fatos, ficam impedidas de compreender a
problemática que envolve a relação entre a educação e a arte.
Os denominados novos paradigmas educacionais, que in-
cluem a conhecida arte-educação, como adiantado, ganham destaque
exatamente por soprarem os ventos dos moinhos desse irracionalis-
mo. Lamentavelmente, por meio de documentos oficiais, a exemplo
dos PCNs-Arte, essas concepções ganham o espaço escolar e, muni-
das de suas bricolagens discursivas, seduzem os professores que estão
no chão da sala de aula.
O resultado desse cenário é que os currículos dos cursos de
formação de professores, ao invés de se posicionarem criticamente
quanto ao que se denomina arte-educação, são adaptados e passam
a ofertar disciplinas que procuram orientar o trabalho docente dos
futuros professores no chão da sala de aula. Naturalmente, mesmo
que existam exceções, a regra que passa a vigorar nos cursos de peda-
gogia é didatizar a ação docente, ou seja, preparar os professores para
agirem como arte-educadores ainda que não haja estrutura escolar
para tal.
Mesmo que não possamos apresentar adequadamente os fun-
damentos dessa (des)razão, precisamos apontar, ainda que apenas de
modo indicativo, o que Marx compreende como decadência ideo-
lógica burguesa. A indicação dos limites ideológicos da burguesia,
embora genérica, deixará o nosso livro em melhores condições de
sustentar suas ulteriores inferências.
Com base em Marx, Lukács (2010a, p. 93) aponta que a deca-
dência ideológica burguesa
surge quando as tendências da dinâmica objetiva da vida cessam
de ser reconhecidas, ou são inclusive mais ou menos ignoradas,
ao passo que se introduzem em seu lugar desejos subjetivos, vis-
tos como a força motriz da realidade. Precisamente porque o
movimento histórico objetivo contradiz a ideologia burguesa, até
mesmo a mais ‘radical’ e ‘profunda’ introdução de tais momentos
puramente subjetivos transformam-se objetivamente num apoio
à burguesia reacionária.

Para o autor húngaro, com o esgotamento das tentativas postas


a cabo pelos mais notáveis ideólogos burgueses – com culminância
em Hegel –, processa-se “[...] o fim da última grande filosofia da so-
ciedade burguesa” (p. 51). Para ser preciso, a decadência ideológica
burguesa tem nascedouro quando a “[...] burguesia já domina o poder
político e a luta de classes entre ela e o proletariado se coloca no cen-
tro do cenário histórico” (p. 51).
Entendemos que na produção acadêmica atual, de maneira
geral e, mais especificamente, na que se produz especialmente para
alimentar a produtividade academicista, não é recorrente o uso de
categorias como luta de classes, proletariado, entre outros conceitos

24
caros à tradição do marxismo clássico. Insistimos, com efeito, que
não temos como tentar explicar a realidade sem lançar mão dessas
categorias. Por isso, como Lukács, recorremos a Marx para enten-
der o caráter que marca definitivamente a decadência ideológica da
burguesia.
Para o revolucionário alemão, em 1830 começa “a crise que
se tornou, de uma vez por todas, decisiva” (MARX, 1996, p. 135).
Depois que a burguesia conquista o poder político na França e na
Inglaterra, a luta de classes assume, “na teoria e na prática, formas
cada vez mais explícitas e ameaçadoras” (p. 135). Com o poder po-
lítico em seu colo, a burguesia faz ecoar o sino do funeral da econo-
mia científica burguesa, “Já não se tratava de saber se este ou aquele
teorema era ou não verdadeiro, mas se, para o capital, ele era útil
ou prejudicial, cômodo ou incômodo, subversivo ou não” (p. 135).
Em consequência dessa opção, no lugar de uma pesquisa desinte-
ressada, entra em cena a luta mercenária, expondo toda uma série
de investigações que não se interessam mais pelos reais problemas
humano-sociais. Nas palavras do fundador do marxismo: “no lugar
da pesquisa científica imparcial entrou a má consciência e a má in-
tenção da apologética” (p. 135-36).
Como compreende o marxista magiar, “o processo espontâ-
neo da decadência científica opera em estreito contato com a apo-
logia consciente e venal da economia capitalista” (LUKÁCS, 2010,
p. 53). Para que possamos resumir a tendência geral da decadência
ideológica burguesa, leiamos as palavras desse autor: a “fuga numa
pseudo-história construída a bel-prazer, interpretada superficial-
mente, deformada em sentido subjetivista e místico, é tendência ge-
ral da decadência ideológica” (p. 53).
O relativismo e o ecletismo são dois dos maiores traços que
Lukács critica no interior da ciência, fundada na decadência. Para
o autor húngaro, Marx e Engels já percebiam que a decadência se
aprofundaria com o desenvolvimento do capitalismo. Os fundado-
res do marxismo, sustenta Lukács (2010, p. 61), nutriam completo
desprezo pelas “sopas ecléticas que são agora preparadas na cozinha
da imbecilização ideológica das massas”. A evolução do capitalismo
e a mistura eclética com que seus intelectuais tratam a questão eco-
nômico-social, para o esteta magiar, fornecem o elemento para que
possamos compreender os pensadores modernos.
São muitas as pesquisas que atribuem à globalização e ao neo-
liberalismo a responsabilidade pela crise atual do capitalismo3. Bo-

3  Caso os leitores necessitem de maiores aprofundamentos, indicamos a leitura de Santos

25
aventura de Sousa Santos (2005) é um exemplo de sucesso midiáti-
co-acadêmico, porém, podemos somar muitas outras investigações
que seguem esse caminho. Não temos tempo, felizmente, para tal
empenho. Não há, pelos motivos aqui expostos, como pesquisas com
essas finalidades entenderem que haja uma conexão entre os desdo-
bramentos espirituais da decadência ideológica e o modo de pensar
predominante, há pelo menos meio século, nos corredores acadêmi-
cos.
Na contemporaneidade, não há dúvidas, pois até mesmo com a
névoa que impede de compreender a realidade em si, pesquisas como
as de Boaventura de Sousa Santos (2005) conseguem censurar a exis-
tência de uma crise na sociedade que se espalha pela produtividade
academicista.
Maria Orlanda Pinassi (2009), por ter como base o marxismo
clássico, percebe o elo que existe entre a decadência ideológica e a
crise estrutural do capital. Para a investigadora, são aproximadamente
130 anos que separam os dois eventos. Ela entende que a nascente do
processo de consolidação da hegemonia ideológica burguesa data do
período pós-revolução Francesa. Com o arrefecimento do momento
revolucionário, impõe-se, pela necessidade classistas burguesas do fi-
nal do século XVIII, as “ideologias apologéticas” (p. 11).
A crise estrutural do capital iniciada, como registrado pro Més-
záros (2009), em finais dos anos de 1960 e início de 1970, ainda se-
gundo Pinassi, desdobra-se vinculada ao que Lukács chama de ten-
dência geral da decadência ideológica: apologia consciente e venal da
economia capitalista, agora, em sua versão de crise estrutural.
Mesmo que não tenhamos as condições que permitem indicar
com a devida profundidade a conexão entre a decadência ideológica
da burguesia e a crise estrutural do capital, como fez Pinassi, temos a
segurança que entre os dois eventos há um traço comum. Este cará-
ter de permanência entre os dois momentos interessa, decisivamente,
para os desdobramentos da presente exposição. A irracionalidade é
a característica que liga os intelectuais da decadência ideológica bur-
guesa e os partidários do pensamento pós-moderno, modelo intelec-
tual por excelência dos pensadores burgueses da crise estrutural do
capital.
Para não ocuparmos espaço demasiado com palavras que es-
crevemos em Santos (2017a), basta indicar que a globalização, o neo-

(2017a). Nesse livro, apontamos, com François Chesnais (1996), que mundialização seria um
termo mais adequado que globalização, uma vez que aquela expressão teria mais dificuldades
de encobrir o caráter ideológico que a ideia de globalização carrega.

26
liberalismo e o pensamento pós-moderno ocupam, dentro da crise
estrutural do capital, papeis de extrema importância. Esses três ele-
mentos são partes constitutivas da crise e não fenômenos isolados
que agem independente da totalidade social.
À globalização “caberia a responsabilidade de assegurar a con-
dição ideológico-cultural capaz de fazer com que todos os habitan-
tes de uma suposta aldeia global se sintam incluídos no mar de usu-
frutos dos bens produzidos pelo capitalismo” (SANTOS, 2017a, p.
41). Ao neoliberalismo, caberia o papel de apresentar respostas à
falência das políticas totalizantes do Estado de Bem-Estar Social.
Operacionalizadas pelo Estado Providência, como registra Mészá-
ros (2009), tais políticas são transferidas aos governos: gerenciar as
políticas focalistas, parcelizadas, fragmentadas, contingencialistas e
particularistas. Caberia, ainda, ao neoliberalismo uma leitura políti-
co-econômica da realidade que atendesse aos desejos imperialistas,
bem como a seus ventrículos nos países pobres. Esse quadro polí-
tico-social adapta-se melhor às necessidades atuais do capital, visto
que fornece elementos que permitem a “aceitação passiva à entrega
total do público à iniciativa privada” (SANTOS, 2017a, p. 42).
A teoria pós-moderna, articulada ao binômio global-neoli-
beral, entra em cena, exatamente para acalmar os ânimos dos que
acreditam em uma pesquisa que forneça elementos de compreen-
são e transformação do mundo do valor de troca. Entra em cena,
fortemente, assegurados por tais pressupostos teóricos, a apologia
acrítica a uma suspensa sociedade do conhecimento, da informação,
da tecnologia, entre outras alcunhas que procuram sepultar definiti-
vamente a luta de classes (SANTOS, 2017a, p. 42).
Foi no campo da estética, de maneira geral, e nas manifesta-
ções artísticas, de modo destacado, como documentado em Santos
(2018b), que o pensamento pós-moderno deu suas primeiras ma-
nifestações. Em resumo, essa (des)razão pode assim ser expressa:
“O pensamento pós-moderno é a atitude teórica e/ou política em-
penhada em negar a existência da unidade do sujeito humano, ao
mesmo tempo em que contesta a validade universal do saber, ques-
tionando normas e princípios éticos universais.” (SANTOS, 2018b,
p. 35).
Esse modelo de pensamento, para Rouanet (1993)4, direcio-

4  Rouanet lista que Nietzsche, Heidegger, Derrida e Foucault são os quatro profetas
principais do pensamento pós-moderno, considerando que eles “[...] anunciam o reino
do fragmento, contra a totalização, do descontínuo e do múltiplo, contra a teleologia das
grandes narrativas e o terrorismo das grandes sínteses, do particular contra o geral, do

27
na-se, sinteticamente contra três elementos principais:
1) Contra o sujeito humano em geral, pois suas abstra-
ções são a-históricas e, consequentemente, vazias;
2) Contra o saber universal, dado que toda verdade é re-
lativa e apenas ganha validade se inserida numa determinada cronolo-
gia;
3) Contra a moral universal, uma vez que as normas de
um período só valem nele, perdendo relação com as de outros perío-
dos.
Marx (1996), referindo-se ao contexto alemão nos dá uma pis-
ta dos dois grupos de intelectuais que ocupam o espaço da ciência
burguesa após a instalação da decadência. Para o pensador alemão,
um dos grupos é formado pelos “astutos, ambiciosos e pragmáticos”
(MARX, 1996, p. 136). Aqui, aglutinam-se, segundo o autor, o que
é mais superficial e, “por isso mesmo, o [grupo] mais bem-sucedido
representante da economia apologética vulgar” (p. 136). No segundo
agrupamento, encontram-se aqueles que, para o nosso autor, preten-
dem “reconciliar o irreconciliável” (p. 136).
Cientes de que a irracionalidade é um traço comum entre os
intelectuais do início da decadência ideológica burguesa e os que dão
eco ao pensamento pós-moderno, intérpretes burgueses da crise es-
trutural do capital; precisamos perceber uma marca distintiva. Os ide-
ólogos de hoje, como denuncia Lukács (2010, p. 67), “enfeitam este
irracionalismo com as mais sedutoras cores, evocando as ‘profundi-
dades abissais’”. Esses intelectuais contemporâneos, perante as neces-
sidades da sociedade capitalista, usam o racionalismo como a mais
covarde, direta e vergonhosa capitulação. Neles, o irracionalismo pode
até ser um protesto contra as necessidades do grande capital, porém,
“igualmente impotente e vergonhoso, igualmente vazio e pobre de
pensamento (p. 67)”.
Essa sedução discursiva inebriante é o que nos interessa para o
problema da relação entre a educação e a arte, que adentra o currículo
escolar sob o título de arte-educação. Como informado, os chamados
novos paradigmas educativos são repletos desse colorido e orgulham-
-se de seus discursos embriagadores. É nesse contexto de mistura que
“a bricolagem científica ou epistemológica pode ser vista como manei-
ra pós-moderna de fazer pesquisa que, de certa forma, contribui para a
profanação ou o questionamento da ciência como campo fechado, in-
transponível e restrito a círculos seletos e reservados” (RODRIGUES

corpo contra a razão”; em síntese, a hierarquia da estética sobre a ciência (ROUANET, 1987,
p. 240). Nossa crítica aos estudos de Rouanet encontra-se em Santos (2017a).

28
et al, 2016, p. 969). A pesquisa de Rodrigues e colaboradores, com
base nas investigações dos canadenses Joe Lyons Kincheloe e Kath-
leen S. Barry, define a bricolagem como “uma forma de fazer ciência
que analisa e interpreta os fenômenos com origem em várias pers-
pectivas em curso na sociedade atual, sem que as relações de poder
do cotidiano sejam desconsideradas” (p. 972).
A publicação de Marcos Garcia Neira e Bruno Gonsalves Li-
ppi (2012, p. 610) não deixa dúvidas sobre a origem da bricolagem:
“Oriundo do francês, o termo bricolagem significa um trabalho manual
feito de improviso e que aproveita materiais diferentes”. Para esses
autores, foi Claude Lévi-Strauss quem definiu o conceito de brico-
lagem “como um método de expressão através da seleção e síntese
de componentes selecionados de uma cultura”. Por sua vez, Jacques
Derrida “ressignificou o termo no âmbito da teoria literária, ado-
tando-o como sinônimo de colagem de textos numa dada obra” (p.
610). Por fim, coube a Michel de Certeau utilizar “a noção de bri-
colagem para representar a união de vários elementos culturais que
resultam em algo novo” (p. 610).
Já no campo da pesquisa educacional, os investigadores es-
clarecem que Joe Lyons Kincheloe foi o responsável por “definir
a bricolagem como um modo de investigação que busca incorpo-
rar diferentes pontos de vista a respeito de um mesmo fenômeno”
(NEIRA; LIPPI, 2012, p. 610). Essa definição, ainda segundo a dupla
de pesquisadores brasileiros, é ampliada pelo investigador canadense,
que, em pesquisas posteriores chega à seguinte definição:
bricolagem é uma forma de fazer ciência que analisa e interpreta
os fenômenos a partir de diversos olhares existentes na socieda-
de atual, sem que as relações de poder presentes no cotidiano se-
jam desconsideradas. Adotando uma postura ativa, a bricolagem
rejeita as diretrizes e roteiros preexistentes, para criar processos
de investigação ao passo em que surgem as demandas (NEIRA;
LIPPI, 2012, p. 610).

Esses autores entendem que “a bricolagem permite que as cir-


cunstâncias deem forma aos métodos empregados” (NEIRA; LI-
PPI, 2012, p. 610). Para os investigadores, Edgar Morin explica a
existência da bricolagem, pois essa “colcha de retalhos” é tecida a
partir da epistemologia da complexidade, “cujo propósito é manter
a confluência da pesquisa moderna e pós-moderna e alimentar os
discursos conflitantes entre elas sem delimitar fronteiras conceituais
ou o predomínio de uma sobre a outra” (p. 610).
Legal, não é?

29
Ana Paula de Carvalho (2019, p. 21) sintetiza da seguinte ma-
neira sua crítica a essa mistura discursiva que se denomina bricola-
gem.
As tentativas de solucionar os becos sem saída do subjetivismo
produziram abordagens teóricas que fizeram aglutinações bem
heterogêneas, chamadas de bricolagem, que ora, se dão ao traba-
lho de alinhar diversas abordagens juntas, ou simplesmente não
identificam formalmente nenhum referencial teórico.

As pesquisas guiadas por essa colagem colorida de parte de


coisas dispersas, para Carvalho (2019, p. 21), não “devem mesmo
chegar a nenhuma conclusão”. Para esta pesquisadora, tal colcha de
pedaços soltos apenas pode apresentar, e quando muito, um “pano-
rama pluricultural, sem nenhum fio condutor ou uma base que as
sustentem” (p. 21). As conclusões de Carvalho (2019) a respeito das
investigações, ancoradas nesse colorido discursivo, muito interessam
ao desenvolvimento de nosso livro, pois para a pesquisadora, na bri-
colagem, “a verdade é sempre uma invenção do discurso hegemôni-
co, expressão do neoliberalismo” (p. 21).
Embora amparados em tentativas críticas, em alguns casos
até honestas, os adeptos a essa epistemologia que, ao mesmo tempo
consegue ser idealista e positivista, estão impedidos de produzirem
qualquer crítica ao neoliberalismo. Ao contrário, “por reduzirem o
conhecimento ao exclusivo processo subjetivo [...]”, acabam por re-
produzem o inverso (CARVALHO, 2019, p. 22). Ou seja, a tentativa
de crítica sem raiz científica reproduz, por sua completa miopia, a
realimentação das relações reificadas no capitalismo que, sob a orien-
tação neoliberal, ganha o chão da ciência academicista nas asas do
pensamento pós-moderno.
Falamos, linhas acima, que um dos limites de nossa investi-
gação se assenta na impossibilidade de aprofundar os reais motivos
pelos quais as pesquisas acadêmicas, destacadamente aquelas que têm
como finalidade ganhar pontos no Currículo do carreirismo acade-
micista, menosprezam e/ou abandonam o trabalho como categoria
que funda o ser social e, por consequência, a sociedade. Agora, pre-
cisamos apontar para outro limite que cria obstáculo ao tratamento
adequado da tematização que une a educação e a arte como proposta
para a relação aprendizagem-ensino. Esse segundo limite é a carência
de estudos prévios sobre a formação estética dos sentidos humanos.
São raras as pesquisas que se dedicam à formação estética da sensi-
bilidade.
Schiller (2002) foi o primeiro a lançar luz sobre a formação es-

30
tética da humanidade. Como esclarece Mészáros (2006), o conceito
de “educação estética” de Schiller ganhou fama com as Cartas sobre a
educação estética do homem, escritas pelo poeta e filósofo alemão, entre
1793 e 1794, e publicadas um ano mais tarde. Evidentemente, en-
tende Mészáros (2006), que a ideia do autor de Cartas era formular
um possível antídoto contra a “racionalidade” capitalista que, por
sua força mercadológica, criava problemas para o desenvolvimento
humano. Isto é, Schiller pretendia eliminar a oposição existente en-
tre o “racionalismo” moderno, inerente ao modo de produção capi-
talista, e as demandas da arte que, segundo ele, poderiam recompor
o elo que a “racionalidade” capitalista faz se desconectar. O poeta
“queria eliminar os efeitos negativos dessa oposição por meio de
uma ‘educação estética da humanidade’, com um mero apelo educa-
cional restringido a consciência dos indivíduos [...]” (MÉSZÁROS,
2006, p. 173). Para o autor, essa proposta continuou apenas uma
ideia, não podendo, portanto, encontrar rebatimento significativo
nos sistemas de educação subjugados ao modo de produção capi-
talista.
Não se pode retirar de Schiller (2002) o mérito de ter denun-
ciado, mesmo que por arrodeios idealistas, a desconexão entre a
razão e a sensibilidade, operada pelo modelo produtivo capitalista.
Mészáros (2006) compreende, todavia, que a intenção do poeta ale-
mão de recompor, por meio da “educação estética da humanidade”,
o elo que a “racionalidade” capitalista desfaz, é mais uma entre as
muitas utopias educacionais idealistas. Já para Vitor Marcel Schühli
e João Henrique Rossler (2011, p. 702): “Várias das propostas atuais
de educação artística e estética trazem, por exemplo, marcas dos
ideais da educação moral de Kant ou do subjetivismo da educação
estética de Schiller”. O debate educacional contemporâneo brasi-
leiro, para esses autores, perde-se entre dois polos. De um lado, a
educação estética e, do outro, a educação artística.
Concordamos com os dois autores que a divergência principal
para o devido tratamento do campo estético é a polarização entre
idealismo e materialismo. Essa dualidade é apresentada por Lukács
(1966a), que faz uma defesa declaradamente apaixonada pelo trata-
mento histórico-materialista da esfera estética. Quando Schühli e
Rossler (2011, p. 702), no entanto, afirmam que “atualmente parece
não existir divergência quanto à influência da estética e, mais espe-
cificamente, da arte na formação dos indivíduos [...]”, nos posicio-
namos de modo distinto. Entendemos, como os autores, que em
determinadas pesquisas situadas no campo do marxismo – mas nem
todas –, há certo acordo de que é preciso atentar para a formação

31
estética dos sentidos humanos e que a arte seria o meio, por excelên-
cia, para conduzir esta formação.
Fora do marxismo não é bem assim!
As pesquisas que ganham abrangência no debate contemporâ-
neo brasileiro, quase que em sua maioria, se inclinam para o que se
convencionou chamar no Brasil de arte-educação. Uma prova con-
sistente é a publicação dos PCNs-Arte (BRASIL, 1997) que adotam
os pressupostos de Ana Mae Barbosa (1978, 1982), Barbosa e Sales
(1990), entre outras proposituras aproximadas ao pensamento pós-
-moderno e distanciadas, assim, do marxismo clássico.
Tanto em Mae Barbosa como no documento oficial, o debate
sobre estética, quando não é secundarizado, continua sendo enfren-
tado de modo idealista. Nos PCNs-Arte, por exemplo, a expressão
estética aparece 51 vezes, no entanto, em momento algum há uma
definição que aproxime o reflexo estético de seu lugar no debate fi-
losófico. Não há esclarecimento algum que diga explicitamente que
estética não é a mesma coisa que cosmético, implante dentário e ma-
lhação, por exemplo. Pior: desconsidera-se completamente o debate
da relação existente entre beleza e estética, em que esta não pode se
reduzir àquela.
Schühli e Rossler (2011), para indicarem a não existência de
divergência em relação à influência da estética e da arte na forma-
ção dos indivíduos, tomam como base a pesquisa de Maria Eugênia
Castanho (2005). A autora é mais uma que se esforça em “articular
o campo da arte com o da educação”, nomeando tal articulação “de
Arte-Educação” (CASTANHO, 2005, p. 86). Para que não fiquem
dúvidas sobre tal definição, a investigadora, no parágrafo seguinte,
acrescenta: “Por Arte-Educação entende-se o ensino de arte em seu
duplo aspecto de educação artística e educação estética” (p. 86).
Reconhecemos, entretanto, que o espaço do artigo de Casta-
nho (2005) é pequeno e não permite que ela faça os devidos aprofun-
damentos e, por esse motivo, talvez não tenha realizado as devidas
distinções entre o que é estética e o que é arte. Mesmo perante este
limite de espaço, que não permitiu à investigadora se preocupar em
definir estética e arte, apoiada em Dewey, Castanho (2005, p. 86) ad-
verte que “a distinção entre ambas as formas não pode ser levada
tão longe a ponto de separá-las”. O objetivo do artigo, com efeito, é
cumprido, uma vez que a autora crava que a educação artística deve
ser “ligada ao fazer arte, à produção de objetos de arte”, e por educa-
ção estética deve-se entender “a apreciação e fruição de arte” (p. 86).
Não avaliamos as demais produções da autora para verificar se,
em outras publicações, ela indica quais as mediações de proximidade

32
ou de distanciamento entre estética e arte, ou entre educação e arte.
Seguro é que o limite alcançado por Castanho (2005) é advertir,
com Dewey, que não se pode levar muito longe a separação entre a
estética e a arte. Usando as palavras do pesquisador estadunidense
para embasar essa advertência, a autora escreve: “para ser verdadei-
ramente artística, uma obra tem também de ser estética – isto é, feita
para ser gozada na percepção receptiva” (DEWEY apud CASTA-
NHO, 2005, p. 86).
Mesmo que não tenhamos analisado outras produções suas,
é certo que, embora não cite as investigações de Ana Mae Barbo-
sa Maria Eugênia Castanho (2005), de maneira geral, alinha-se aos
defensores da chamada arte-educação, dado que, para desenvolver
suas considerações, utiliza várias fontes ligadas à união da educação
com a arte para facilitar processos de aprendizagem-ensino.
O que queremos destacar com esse preâmbulo é o seguinte:
o debate sobre estética, mesmo quando se consideram pesquisas
que tematizam a arte, geralmente, é escamoteado, tergiversado, ou
desconsiderado quase que completamente. Verifica-se que mesmo
as pesquisas sistemáticas acerca do que se convencionou chamar de
Arte-Educação não consideram, numa quantidade significativa de
casos, a análise rigorosa da estética como esfera que abriga, por seu
desenvolvimento como disciplina filosófica, o estudo da arte. Quan-
do a problemática se refere à polêmica articulação entre sociedade e
arte, os questionamentos sobre a estética, de modo geral, ficam cir-
cunscritos à periferia do problema, quando não são empalidecidos
ou completamente abandonados. Como agravante, podemos citar
o fato de uma significativa parcela das investigações que abordam a
temática optar por fazê-la de modo idealista e ou mecanicista.
Importa registrar inicialmente, por meio das páginas dos PC-
Ns-Arte, a abordagem superficial, fragmentada e frágil com a qual o
texto oficial trata teoricamente questões tão relevantes para o ade-
quado tratamento da união entre a educação e a arte.
O presente livro, por ter como base teórico-metodológica a
Estética lukacsiana, não pode dar às costas às tematizações sobre o
campo estético que, de maneira geral, necessitam de investigações
mais profundas e rigorosas. Aqui, também, se anota mais um limite
de nosso livro: a escassez de estudos sobre os escritos estéticos de
Lukács.
Embora a Estética desse autor seja sua obra – publicada em
vida – de maior importância, nem sequer foi traduzida para o por-
tuguês, havendo, como registrou Celso Frederico (2005), um único
livro dedicado exclusivamente a ela. Coube a Béla Kirâlyfalvi publi-

33
car The aesthetics of Gyorgy Lukács, editada pela Princeton University
Press da cidade estadunidense de New Jersey, em 1975. Em Santos
(2018a), publicamos o livro Estética de Lukács: a criação de um mundo
para chamar de seu, configurando, portanto, o segundo livro dedicado
exclusivamente à Grade Estética do marxista húngaro.
Mesmo sem Lukács se referir ao filósofo alemão Alexander
Gottlieb Baumgarten, é preciso pontuar, ao menos em largos parâ-
metros, que aqui se considera como estética a definição desse filósofo.
Adepto de Gottfried Leibniz e aluno Christian Wolff, Baumgarten,
no trabalho Meditações filosóficas sobre as questões da obra poética, publi-
cado em 1735, foi quem, pela primeira vez, apresentou a expressão
estética. Sua intenção era criar uma ciência que pudesse se dedicar
às coisas sensíveis. Com base na lógica clássica, como documenta
Carvalho (2010), o alemão pretendia alinhar os domínios da arte com
os da beleza e articulá-los à esfera da sensibilidade. Isso resultaria,
como entende o historiador brasileiro, na captura da verdade estética.
Como ciência filosófica, a estética não é fundada por Baumgarten,
mas a expressão criada por ele concentrou filosoficamente questio-
namentos para algumas necessidades das investigações sobre a arte.
Ele parte do substantivo grego (αίσθηση: sensação/sentimento) para
chegar ao adjetivo (αισθητική: estético). Baumgarten, com essa sínte-
se, põe em uma expressão as reflexões acerca do belo e da arte que,
por sua vez, já perpassavam o mundo antigo, chegando até a Idade
Moderna (SANTOS, 2019b).
Há evidências dessa problemática por todos os lados da vida
cotidiana. Para exemplificar, podemos observar que quando algum
orador ou escritor, em espaços corriqueiros ou mesmo acadêmicos,
utiliza a expressão estética, os ouvintes ou leitores remontam aos cos-
méticos, aos espaços das salas de ginástica e musculação – hoje deno-
minadas de Fitness – ou, no máximo, à beleza5.
Estando claro os limites de partida de nossa investigação: por
um lado, o menosprezo pela consideração de que o fundamento hu-
mano é o trabalho e, por outro, a escassez de estudos sobre a forma-
ção estética dos sentidos humano (somado às poucas investigações
acerca da Grande Estética de Lukács, base teórico-metodológica do
presente livro), podemos agora adiantar nossa exposição.

5  Existe uma grande diversidade de cursos concomitante, integrado a ou subsequente ao


nível médio, que são denominados de técnico em estética. Sem muita dificuldade, é possível
encontrar as graduações em estética. Há muitas pós-graduações em estética, inclusive
existem cursos de mestrado em odontologia com ênfase em estética. Em nenhum dos casos
se tematiza com o devido rigor o que vem a ser estética.

34
Começaremos, depois de delineados os marcos principais que
contornam a problemática, pelo estudo do cotidiano e sua relação
com as objetivações superiores. Como se notará nas páginas seguin-
tes, essa organização possibilitará uma melhor estrutura de nossa
crítica.

35
Capítulo 2 – Vida cotidiana e objetivação: o começo
e o fim das objetivações humano-superiores

2.1 O solo da contradição


Depois de apresentada a problemática, seu contorno e alguns
limites da análise, precisamos expor os elementos que embasam o
adequado tratamento da questão. Para dar conta desse plano, opta-
mos por seguir as sugestões encontradas na Estética de Lukács que,
por sua vez, toma como base o que o autor chama de “umas breves
sugestões” de Marx. Segundo o marxista húngaro, o pensador ale-
mão distingue três períodos essenciais da divisão social do trabalho.
O primeiro caracteriza-se pelas primeiras formas do trabalho,
de tipo animal e instintivo, que funcionam como estágio prévio de
desenvolvimento para a simples e pouco articulada circulação de
mercadorias. No segundo, o trabalho é profundamente vinculado
às capacidades pessoais dos trabalhadores. O filósofo húngaro de-
nomina essa fase, com Marx, de período do artesanato, em que há
certa proximidade entre arte e artesania. Neste estágio, tem lugar um
desenvolvimento do trabalho em um nível maior do que o anterior
e menos complicado que no terceiro.
Por fim, o terceiro estágio, que apenas pode surgir sobre o
desdobramento histórico do segundo período, registra a variedade da
economia mercantil desenvolvida pelo capitalismo, na qual a irrup-
ção da ciência aplicada ao trabalho produz transformações decisivas.
Nessa fase, o trabalho passa a determinar-se, primariamente, pelas
forças somáticas e intelectuais do trabalhador (período do trabalho
maquinista, crescente influência da ciência no trabalho).
Calçados na divisão social do trabalho, portanto, com o esteta
magiar, necessitamos esclarecer a relação entre as objetivações supe-
riores (ciência e arte) e a formação estética dos sentidos humanos. O
ponto inicial é o reconhecimento de que as objetivações superiores
guardem independência relativa em referência ao complexo do tra-
balho.
Mais uma vez, a Grande Estética do autor de Budapeste estrutura
o debate. Como entende o filósofo magiar, o pensamento cotidiano
tem como base o trabalho humano e é do solo da cotidianidade que
brotam as objetivações superiores. Debatendo, desse modo, a relação
entre as objetivações superiores e a forma de pensamento da vida
cotidiana, teremos condições de extrair, mesmo que de modo inicial,
a peculiaridade qualitativa de cada complexo particular cuja determi-
nação possibilita aclarar sua função social.
Esses são os elementos teórico-metodológicos que possibili-
tam uma adequada distinção entre as categorias: cotidiano, ciência,
educação e arte. Com os desdobramentos retirados dessas diferencia-
ções, torna-se possível uma melhor aproximação à formação estética
dos sentidos humanos, isto é, refletir como as formas superiores de
objetivação, sobretudo a ciência e a arte, contribuem para o processo
da formação estética dos sentidos humanos. Não podemos esquecer,
com efeito, que as formas superiores de pensamento se desprendem
do cotidiano que, por sua natureza, é o solo comum das atividades
humanas superiores.
A onto-metodologia materialista, de forma distinta do ecletis-
mo vulgar, utilizado de modo utilitarista nos corredores universitá-
rios contemporâneos, embora compreenda a dificuldade de precisar
o surgimento da educação, bem como o da arte, pressupõe que, como
esses complexos são fundados pelo trabalho e possuem o cotidiano
como solo comum de nascimento, a germinação de cada um, com
suas distintas peculiaridades, ocorre a partir da divisão social do tra-
balho6.

6 Neste caso, a educação tem caráter abrangente. Lukács (2018) denomina essa especificidade
educacional de educação em sentido lato. Adiante teremos oportunidade de debater um
pouco mais essa especificidade do complexo educativo.

38
Para que nosso livro não careça de claridade, portanto, neces-
sitamos retomar o conceito de trabalho. Do entendimento de que
o trabalho garante a vida humana, partiremos para delinear, mesmo
que brevemente, o comportamento cotidiano do sujeito humano.
Lukács (1966a) indica que o cotidiano é o começo e, ao mesmo tem-
po, o fim de toda atividade humana. Para o autor, se comparamos a
cotidianidade com um grande rio, pode-se dizer que da cabeceira de
onde saem as águas, se desprendem os reflexos da ciência, da arte,
da religião, entre outras formas superiores de recepção e reprodução
da realidade. Ao se desprenderem do cotidiano, tais formas, guiadas
por suas finalidades sociais específicas, diferenciam-se entre si até
atingirem, em suas especificidades, formas puramente diferenciadas.
Quando essa constituição diferenciada alcança o patamar de
uma objetivação superior, os seus efeitos autênticos desembocam
novamente na correnteza da vida cotidiana e, em consequência da
eficácia de tais efeitos, passam a influenciar a vida dos homens e das
mulheres que agem na cotidianidade. Essa dialética mostra como a
esfera cotidiana se enriquece constante e crescentemente com os
resultados plantados no dia a dia, mas que são alçados a patamares
superiores de objetivação, e quando seus resultados retroagem so-
bre as necessidades cotidianas práticas, dão lugar a novas questões
e a novas exigências, criando uma gama de novas ramificações que
alimentam, por sua força imanente, as formas superiores de objeti-
vação.
Como adiantado, destarte, o cotidiano é quem alimenta os re-
flexos científicos, bem como os artísticos. Acerca desses pressupos-
tos, estudar-se-á com mais atenção as interrelações entre os resulta-
dos da ciência e da arte e as necessidades sociais que despertam tais
resultados, ou seja, analisar-se-á como o cotidiano cria o ambiente
que origina o complexo científico e o artístico.
Para cumprir esse plano, teremos que debater a relação entre
o trabalho e o reflexo. Estando clara essa relação, retomar-se-á a te-
matização acerca das objetivações superiores. Acreditamos que esse
planejamento permite uma melhor apreciação da relação existente
entre o complexo científico, o artístico e o educativo.

2.2 Trabalho, reflexo e objetivações superiores: a base da questão


Como ficou claro que as objetivações superiores têm nasci-
mento no cotidiano e que este se organiza por sobre a divisão social
do trabalho, há, consequentemente, entre essas formas superiores
de pensar e o trabalho, uma relativa independência dialética, em que

39
a prioridade recai sobre o trabalho. Por isso, para que nosso livro
possa ganhar clareza na exposição de seus objetivos, precisa-se expli-
car a relação que o trabalho e o reflexo da realidade que, por sua vez,
sai desta atividade, mantem com as formas básicas de objetivações.
Estando clara tal relação, abrir-se-á a possibilidade do devido trata-
mento das objetivações superiores e sua relação com a cotidianidade.
Comecemos, por sua abrangência e sua importância para o de-
senvolvimento do trabalho, pelo reflexo científico. Desse modo, já
iniciamos por relacionar o reflexo a uma das formas superiores de
objetividade: a ciência.
O reflexo, como define Lukács, é a tentativa consciente de cap-
tação da realidade. Ele é a representação, na consciência do sujeito,
da realidade. O reflexo, com efeito, é a imagem do real refletida sub-
jetivamente pela consciência.
Para que essa definição se complete, é necessário, contudo,
apontar para a separação entre o Ser e a Consciência. Pois, como ar-
gumenta nosso autor, “[...] no reflexo da realidade, como pressuposto
para a finalidade e o meio do trabalho, é consumada uma separação,
um destacar, do ser humano de seu entorno, um distanciamento cla-
ramente mostrado no estar-contraposto de sujeito e objeto” (LUKÁ-
CS, 2018, p. 30). Isto é, a separação propriamente dita entre o reflexo
da realidade e sua reprodução na ideia do sujeito, coagula-se numa
nova “realidade” dentro da consciência subjetiva. A palavra realidade
precisa estar em destaque, uma vez que, na consciência, o objeto re-
produzido não é a realidade objetivamente dada. Ela é a manifestação
do objeto real plasmada subjetivamente pelo pensamento.
Isso não quer dizer, como idealiza o irracionalismo travesti-
do de teoria que atende pelo nome de pensamento pós-moderno,
que não existe realidade. A realidade existe, no entanto, independe
da consciência subjetiva ou, como diria Hartmann, o ser real é indi-
ferente ao sujeito pensante. Ou seja, o conhecimento é um problema
do pensamento, não do em-si do objeto real, a realidade não se inte-
ressa pelo conhecimento, senão o sujeito pensante é que tem que dar
conta, no pensamento, da realidade concreta (HARTMANN, 1954).
A reprodução do objeto na consciência do sujeito é uma nova
forma de objetividade, nunca a realidade concreta mesma. É impossí-
vel, quando se considera o fenômeno ontologicamente, que o repro-
duzido na consciência seja o mesmo que o objeto que se reproduz;
tampouco idêntico a ele.
No plano ontológico, o ser social é a subdivisão sintética de
dois momentos heterogêneos contrapostos entre si, dado que, de um
lado, temos o ser objetivo e, do outro, o seu reflexo na consciência

40
subjetiva. Diferente das esferas inorgânica e orgânica, que são ri-
gidamente unitárias, na esfera do ser social, a dualidade produzida
entre ser e consciência – com prioridade daquele sobre esta – é um
fato fundamental. Por isso, importante verificar, como argumenta
Lukács (1966b), que o fundamento da tendência evolutiva dos refle-
xos encontra-se, precisamente, na mobilidade e no distanciamento
que, por sua vez, são condicionados pela interação entre o objeto e
a recepção subjetiva7.
Segundo a análise lukasciana sobre as pesquisas de Pavlov,
como já escrevemos em outras oportunidades (SANTOS, 2018a;
SANTOS, 2018b), foi o cientista russo quem, acertadamente, apon-
tou que somente o sujeito humano possui o sistema de sinalização
8
que, por sua natureza de produzir afastamento em relação à reali-
dade, cria a possibilidade para que a consciência humana reproduza
essa realidade de modo errôneo. Como o reflexo se dirige sempre à
totalidade de um objeto, intensivamente infinito, que independe da
consciência humana para que possa ser capturado no seu ser-em-si,
a possibilidade de erro se produz em função da distância necessária
para que haja, na consciência, a tentativa de captação do objeto.
Por meio do trabalho, o objeto, para ser conhecido, estabelece
com o reflexo uma articulação em constante e ineliminável relação
dialética. Essa relação, naturalmente, desenvolve-se sob a dualidade
que subjaz à relação objeto-sujeito. Tal dualidade, no entanto, mes-
mo em processos em que as mediações sobre o trabalho sejam bem
mais amplas, como no capitalismo desenvolvido, não tem como
apagar o fato de que o reflexo é determinado pelo objeto.
Em síntese, é por meio dessa dualidade que o ser social se
afasta da natureza ao mesmo tempo em que permanece a ela atado.
Isso significa dizer que o afastamento das barreiras naturais é um
processo contínuo de criação de um mundo propriamente humano
(SANTOS, 2018a). Com o surgimento dos sistemas de mediação e
sua articulação com o reflexo, o sujeito ganha um componente que
lhe auxilia na compreensão e atuação sobre a realidade.
A analogia, para resumir em poucas palavras, é uma das for-
mas originais de mediação que age no pensamento cotidiano. Inde-
pendente de que tal ação se dê no modo de produção primitivo ou
no capitalista, a analogia é uma mediação importante entre a consci-

7  Esse é um dos motivos pelos quais optamos por escrever a relação entre o objeto e o
sujeito com aquele em primeiro termo.
8  Mais adiante apresentaremos brevemente o sistema de sinalização de terceira ordem, ou,
como denomina Lukács (1967a) Sistema de sinalização 1’.

41
ência do sujeito pensante e o ser real (LUKÁCS, 2018). Tal categoria
funciona como o modo predominante de enlace e transformação do
reflexo imediato da realidade objetiva. A peculiaridade da analogia
está em sua dificuldade de se desligar do pensamento cotidiano. Pela
natureza do pensamento analógico, ele é realmente decisivo no modo
de vida primitivo, visto que consegue, sobretudo no período mágico,
um absoluto domínio sobre as formas de comunicação. É evidente
que a importância dos nomes, em sua mistificada forma primitiva, é
um exemplo que demonstra um favorecimento ao desenrolar dessas
tendências.
A inferência analógica, por sua vez, já é um desdobramento
do processo de analogia. As analogias e inferências analógicas são
as ferramentas intelectuais, imaginativas, emocionais e espontâneas
que o ser social primitivo possui para agir em sua vida, tendo como
elemento decisivo a imediatez. No trabalho, como registra Lukács
(2018, p. 409) “os resultados mostram imediatamente se e quanto um
analogismo que tem imediatas consequências materiais corresponde
a algo na realidade, ou não”. A analogia, portanto, “é essencialmente
um trampolim para a formação de categorias reais, que expressam
realmente o comportamento, as conexões, etc., do mundo material.”
(p. 410).
O pensamento analógico e a inferência que se realiza por meio
da analogia (inferência analógica), contudo, não desaparecem nas for-
mas de pensamento mais desenvolvidas, sejam as que se manifestam
nas formas cotidianas de reflexo ou nos reflexos vindos das objetiva-
ções superiores; sejam elas no mundo primitivo ou contemporâneo.
Com o desenvolvimento das forças produtivas, esses sistemas
de mediações, que inicialmente se resumem à analogia, transformam-
-se em sistemas homogeneamente mais fechados em si. Podemos
apontar, por exemplo, que a matemática, a lógica, a geometria, entre
outras mediações mais complexas, vão paulatinamente assumindo o
lugar que, no mundo primitivo, era quase que exclusivamente da ana-
logia a qual, como dito, não desaparece completamente nas socieda-
des mais avançadas9.
9  Mesmo diante desse avanço que, por sua essência, é desantropomorfizador, permanece
intacta a possibilidade do erro. Há de se considerar, sempre com Lukács (2018), que algumas
possibilidades de equívocos são relativamente excluídas do processo de apreensão do real.
Outras, por serem mais refinadas e complexas, entretanto, permanecem no horizonte da ação
humana e são impossíveis de serem extintas. Essas possibilidades de insucesso, motivadas
pelo maior distanciamento operado pelos sistemas de mediação entre ser e consciência –
mesmo nos processos matemáticos –, acabam por serem incorporadas ao processo ativo,
garantido, desse modo, no qual sempre há a possibilidade, ainda que só a possibilidade, de

42
Não podemos considerar, contudo, que esses processos de
objetivação e de distanciamento tenham como resultado que, na
consciência subjetiva, haja a reprodução de cópias fotográficas
que reproduzam a realidade mecanicamente. Os atos humanos são
orientados pelas finalidades postas pelo antropomorfismo do sujei-
to ponente, ou seja, por quem tem a intenção. Em termos genéticos,
é a reprodução social da vida, guiada pelo princípio do trabalho, que
decide a eficácia final de tal processo. Essa orientação concretamen-
te teleológica do reflexo é a fonte da força de sua fecunda e contí-
nua tendência ao conhecimento, o que garante o descobrimento de
novidades.
Com esses elementos apresentados, podemos tematizar o que
Lukács entende por objetivação e teremos melhores condições de
relacionar o trabalho e o reflexo às objetivações superiores. O autor
húngaro, para definir objetivação, dialoga com a clássica formulação
de Marx contida n’O Capital. Pela grandeza e importância dessa pas-
sagem, vale lembrá-la:
Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusi-
vamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhan-
tes às do tecelão, e a abelha envergonha mais de um arquiteto
humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o
que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é
que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em
cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado
que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e
portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação
da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na maté-
ria natural seu objetivo, que ele sabe que determina, como lei, a
espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar
sua vontade (MARX, 1996, p. 296-7).

Com isso, segundo Lukács (2018, p. 12), “é enunciada a cate-


goria ontológica central do trabalho: através do trabalho é realizada
uma posição teleológica no interior do ser material como o nasci-
mento de uma nova objetividade”, isto é, o nascimento de uma nova
objetividade realiza uma posição de finalidade. Em uma expressão:
por meio da objetividade se produz a realização da finalidade teleo-
logicamente posta pelo sujeito.
Como interpreta Sergio Lessa (2015), quando o sujeito leva à
prática uma determinada teleologia, materializando-a em um objeto,
chega-se à objetivação do ato teleológico que idealmente se pensou
como finalidade. Nas palavras de Lessa (2015, p. 23): “O processo
erro.

43
que articula a conversão do idealizado em objeto – sempre com a
transformação de um setor da realidade – é denominado por Luká-
cs de objetivação”. O autor prossegue informando que Lukács, após
Marx, afirma o seguinte: “o objeto socialmente posto é subjetividade
objetivada [...]” (p. 25). E mais: o objeto que é posto socialmente ape-
nas poderia sê-lo pela objetivação de uma posição de finalidade, por
uma teleologia. Por isso, ontologicamente, o que é objetivado distin-
gue-se de quem o planejou idealmente: o sujeito. Donde se conclui a
recusa marxiana da identidade objeto-sujeito, ser-consciência.
A objetivação, como entende Lukács, é o que procura, agindo
em sentido oposto, corrigir o resultado da síntese entre objeto e su-
jeito. Como acontece sempre nos complexos, o resultado, portanto, é
fruto de uma interação, de uma síntese entre opostos. Como descreve
Lessa (2015, p. 467): “Na objetivação, o que pensamos do mundo
se exterioriza e se confronta com o mundo objetivo”. Disso resulta,
ainda na compreensão deste intérprete, que novos conhecimentos e
novas habilidades são produzidos, possibilitando que os indivíduos
transformem a própria existência material.
O reflexo, com efeito, tem uma natureza contraditória. O que
lhe garante essa peculiaridade é o fato, por um lado, de existir em
oposição a qualquer ser e, por outro, mas em concorrência com o
primeiro momento, é o meio pelo qual, para que haja a reprodução
do ser social no mesmo nível ou em um nível mais desenvolvido de
consciência, se constituem novas objetividades no próprio ser social.
Ou seja, o reflexo é uma síntese contraditória, dado que, justamente
por se constituir em reflexo, não é um ser, senão a projeção do ser na
consciência subjetiva do sujeito.
Nas palavras de Lukács (2018, p. 31):
O resultado é, portanto, como sempre em complexos, um resulta-
do da interação de opostos. Com tudo isto, contudo, não demos
ainda o passo decisivo para a compreensão da relação ontológica
entre reflexo e realidade. O reflexo possui, portanto, uma peculiar
posição contraditória: por um lado, é estrita oposição de todo ser
justamente porque é reflexo e, não, ser; por outro lado e ao mes-
mo tempo, é o veículo para o surgimento da nova objetividade
no ser social, para a reprodução deste em um patamar igual ou
superior.

Para prosseguirmos, sem nos distanciar do que importa, ou-


çamos o que alerta Sergio Lessa (2015, p. 30): “Desse conjunto de
problemas, o que nos interessa é um aspecto bastante particular, mas
fundamental [...]. Um processo de objetivação, para ter êxito, deve ter
por base um efetivo conhecimento do setor da realidade que pretende

44
transformar”, ou seja, que a objetividade “é, justamente, uma inten-
ção do pensamento ao em-si dos objetos e suas conexões, não adul-
terado por ingredientes subjetivos, projeções, etc., à qual a qualidade
pertence tanto quanto a quantidade” (LUKÁCS, 2018, p. 381). Disso
se desprende que devemos recusar, principalmente para o caso do
reflexo científico, qualquer subjetivismo, pois: “o tipo de sua reali-
zação depende, portanto, da qualidade dos objetos, do seu ser-em-si
que deve ser apreendido, da adequabilidade do tipo de posição a ele”
(p. 381).
Resumindo, em relação ao problema ontológico do ser e do
reflexo, este último mesmo não sendo um ser, carrega, apesar disso,
a condição decisiva para que se ponha em movimento as séries cau-
sais necessárias ao conhecimento, ao descobrimento do novo.
Sobre a apresentação, mesmo que com brevidade, da proble-
mática relacional entre o trabalho e o reflexo, já podemos retomar a
questão do cotidiano. Por meio dessa retomada, será possível anali-
sar alguns de seus desdobramentos sobre a relação entre a educação
e a arte.
A articulação entre cotidiano e reflexo é importante, dado que,
como argumenta Lukács (1966a, p. 35): “se quisermos estudar o re-
flexo da vida cotidiana, na ciência e na arte, nos interessando por
suas diferenças, teremos que recordar sempre claramente que as três
formas [ciência, arte e cotidiano] refletem a mesma realidade”.
Como a vida cotidiana alimenta as aspirações superiores, a
análise da relação entre cotidiano e reflexo se justifica, pois o reflexo
artístico, quando se compara com o reflexo científico da realidade,
surge tardiamente. O reflexo estético, como escreve Lukács (1966a,
p. 251), “supõe materialmente uma determinada altura da técnica, e,
ademais, um ócio para a criação de ‘superfluidade’, determinado pelo
aumento das forças produtivas do trabalho”. Mesmo de nascimento
tardio, para nosso autor, é evidente o incremento qualitativo que a
atividade artística propicia nas tendências nascidas do trabalho, in-
clusive desenvolvendo-as.
O pensamento, o sentimento, a prática e a reflexão da vida hu-
mana são inimagináveis, como ficou claro, sem objetivações. As for-
mas básicas de objetivação da vida cotidiana, a exemplo do trabalho
e da linguagem, apresentam, segundo entende Lukács (1966a, p. 39),
“essencialmente em muitos aspectos o caráter de objetivações”. Para
o autor, a vida cotidiana não pode prescindir da importância que au-
tênticas objetivações têm na cotidianidade. Podemos adiantar, com
Lukács (1966a, p. 74), “que o modo de comportamento dos homens
depende essencialmente do nível de objetivação de sua atividade”.

45
Diante do que já foi exposto, cremos ser possível tratar da rela-
ção existente entre as objetivações superiores e o cotidiano. Haja vista
que, como mostrado, há uma intensa dialética histórico-social entre
a vida cotidiana – com sua forma de pensamento – e as objetivações
superiores. Essa dialética, naturalmente, é fruto de uma dada contradi-
ção existente entre duas partes: a cotidianidade, por um lado, e as obje-
tivações superiores (ciência e arte, por exemplo), por outro. O desdo-
brar dessa relação contraditória trata-se sempre de situações concretas
e histórico-socialmente condicionadas. Sobre situações concretas e
histórica-socialmente determinadas, o pensamento da vida cotidiana
é quem avalia se a sua prática, em confronto com as objetivações su-
periores, tem ou carece de razão. Para que não pairem dúvidas sobre a
relação entre a forma de pensar do cotidiano e a forma de pensamento
das objetivações superiores, consideremos o que descreve o autor:
O comportamento cotidiano do homem é o começo e ao mes-
mo tempo o fim de toda atividade humana. Se representamos
a cotidianidade como um grande rio, pode-se dizer que dele se
desprendem, em formas superiores de recepção e reprodução da
realidade, a ciência e a arte, e estas se diferenciam e se constituem
de acordo com suas finalidades específicas, e alcançam sua forma
pura nessa especificidade – que nasce das necessidades da vida
social – para, então, a consequência de seus efeitos, de sua influ-
ência na vida dos homens, desembocar novamente na correnteza
da vida cotidiana. Esta, por sua vez, se enriquece constantemente
com os resultados superiores do espírito humano, assimila-lo a
suas necessidades cotidianas práticas e, assim, logo dá lugar, en-
quanto questões e exigências, a novas ramificações de formas su-
periores de objetivação. (LUKÁCS, 1966a, p. 11-12).

Por isso, é necessário o estudo rigoroso das complicadas inter-


relações existentes entre a consumação imanente das criações vindas
da ciência e da arte e as necessidades sociais que as fazem nascer.
Estando definidos os principais parâmetros da relação entre a
cotidianidade e as objetivações superiores, fica posta a condição para
que possamos melhor entender o que o autor define por forma supe-
rior de pensamento.
Quando algumas atividades logram um nível elevado de obje-
tividade – o que ocorre com a ciência e com a arte –, quando suas
leis objetivas passam a influenciar decisivamente o comportamento
da pessoa humana que vive na cotidianidade, pode-se dizer que aí se
encontra a ação das objetivações superiores. Isto é, quando todas as
faculdades do sujeito humano exigem uma orientação para que sejam
cumpridas todas as legalidades brotadas no mundo pelas objetivações
superiores, confirma-se a existência de que há a produção de um com-

46
portamento humano distinto do vivenciado no cotidiano. Em uma
expressão: um comportamento tomado pelas objetivações superio-
res.
É preciso advertir que se produzem muitas transições entre o
sujeito cotidiano e o que é tomado pelas objetivações superiores. A
atividade do trabalho já carrega em sua natureza muitas transições
que chegam, por exemplo, até a ciência e a arte. Isso força a necessi-
dade de distinguir claramente o que caracteriza as ações geradas pelas
objetivações superiores. Para usarmos o caso da ciência e da arte,
podemos dizer que, nesses exemplos, os critérios de seleção, agrupa-
mento, intensidade etc., das atividades subjetivas postas na ação hu-
mana “estão muito mais delimitados e determinados que nas demais
manifestações da vida” (LUKÁCS, 1966a, p. 74).
O reflexo da realidade do pensamento cotidiano é dotado de
uma insuperável ambiguidade que tem como fonte a relação imediata
entre teoria e prática. Diferentemente da forma do pensamento co-
tidiano, as objeções superiores são mais complicadas e possuem um
grau mais elevado de mediações. Quando, no entanto, as formas su-
periores de objetivação passam a se submeter a elaborações fechada
em si, começam a correr o perigo de não saírem de si, o que resulta
no abandono de um comportamento superior.
O fato de que essa contradição não pode ser resolvida fora do
processo histórico-social, mostra que as objetivações superiores são
produtos da evolução humana que, para conseguir um domínio cada
vez mais rico e profundo sobre os problemas concretos da vida coti-
diana, precisa produzir formas superiores de refletir a realidade. Isso
implica dizer que a autonomia e a independência – sempre relativas
– dessas formas superiores estão a serviço da mesma vida cotidiana
que lhes possibilitam o nascimento. Caso se perca o vínculo entre as
objetivações superiores e o pensamento cotidiano, ou se houver uma
adaptação acrítica daquelas a este, perde-se a justificativa da existên-
cia de tais formas superiores de pensamento.
Essa contradição, por sua vez, enfatiza “que o fluxo ininter-
rupto, para cima e para baixo, que vai da vida cotidiana à ciência e à
arte e vice-versa, é necessário, é uma condição do funcionamento do
movimento progressivo das três esferas vitais10 ” (LUKÁCS, 1966a,
p. 81).

10  Importante advertir que não há como retornar até a gênese das objetivações. Por isso,
como comenta Lukács (1966a, p. 84), “buscamos como ponto de partida não a gênese
das objetivações em general, senão meramente a um nível de desenvolvimento com um
mínimo de objetivações”.

47
Foi necessário atender ao tratamento das objetivações superio-
res, uma vez que a ciência capitalista se contenta, na maioria das ve-
zes, na mera coleção de fatos que são ordenados mediante hipóteses
místicas e idealisticamente postos na cabeça do investigador. A epis-
temologia burguesa decadente, envolvida em seu misticismo irracio-
nal, que apenas olha para o preenchimento do currículo academicista,
não tem como reconhecer que as formas de objetivação superiores,
a exemplo da ciência e da arte, possuem origem evolutiva e histó-
ria distintas. Desse impedimento brota uma série de equívocos; por
exemplo, acreditar que a ciência e a arte são inatas ao ser social e não
uma construção histórica. Ou seja, “que houve estágios da humani-
dade que [as objetivações superiores] ainda não se haviam desprendi-
do do fundo comum da vida cotidiana, nem haviam conseguido uma
própria forma de objetivação”11 como define Lukács (1966a, p. 83).
Averiguamos, mesmo que perante as necessidades específicas
do presente livro, a relação entre cotidiano e as objetivações supe-
riores. Vimos que a forma do pensamento da vida cotidiana possui
o traço de agir na união imediata entre teoria e prática, o que o deixa
preso à imediatez. Verificamos que, diferentemente, a ciência e a arte
são consideradas, pela forma como delimitam as ações de suas res-
pectivas atividades, formas de objetivação superiores.
Com esse plano atendido, partimos com nosso autor para
averiguar como, a partir de que solo comum de atividades, relações,
manifestações etc., do sujeito humano, desprenderam-se as formas
superiores de objetivação. Para nosso caso, naturalmente, o que mais
interessa é o caso da ciência e o da arte. Pleiteia-se entender como
essas formas lograram uma independência relativa ao ponto de se
constituírem como complexos substantivos e imprescindíveis para a
evolução humana. Isso garantirá extrair, mesmo que de modo inicial,
a peculiaridade qualitativa de cada complexo particular, cuja determi-
nação possibilita aclarar sua função social.
Com base, portanto, nas articulações entre cotidiano, ciência e
arte situar-se-á, no próximo capítulo, o complexo educativo em rela-
ção ao científico e ao artístico.

11  Lukács (1966a) lembra que na Estética trata, principalmente, dos casos da ciência e da
arte. O autor deixa “de lado objeções institucionais, como Estado, sistema jurídico, partido,
organizações sociais etc.” (p. 82). A falta desses complexos aqui, contudo, não dificulta a
compreensão acerca das objetivações superiores.

48
Capítulo 3 – Formação estética dos sentidos
humanos: o que esperar da educação e da arte?

Já sabemos que o cotidiano alimenta os reflexos científicos,


bem como os artísticos. Com Marx (2015), verificaremos que o su-
jeito humano se torna social quando se encontra na humanidade de
seu objeto. Conforme Marx (2015, p. 350), são “os objetos que rea-
lizam e confirmam a sua individualidade [do sujeito], enquanto ob-
jetos seus; i. e., ele próprio se torna objeto”. Como insiste o pensador
alemão, é o encontro com o objeto que garante a humanidade do
sujeito. Para Marx, o sujeito humano se afirma no mundo objetivo,
não só por seu pensamento, mas com todos os seus sentidos; sobre
isso, escreve: “Para o olho, torna-se um outro objeto do que para o
ouvido, e o objeto do olho é um outro objeto do ouvido. A peculia-
ridade de cada força essencial é precisamente a sua essência peculiar,
portanto, também o modo peculiar da sua objetivação, do seu ser
vivo real, objetivo” (MARX, 2015, p. 350).
Do ponto de vista do desenvolvimento da subjetividade:
[...] tal como só a música desperta o sentido musical do ho-
mem, tal como para o ouvido não musical a mais bela música
não tem nenhum sentido, não é nenhum objeto, porque o meu
objeto só pode ser a confirmação de uma das minhas forças
essenciais, portanto, só pode ser para mim assim como a mi-
nha força essencial é para-si como capacidade subjetiva, porque o
sentido de um objeto para mim (só tem sentido para um sentido
correspondente a ele) vai precisamente tão longe quanto que vai o
meu sentido, pelo que os sentidos do homem social são outros senti-
dos que não os do não social; somente pela riqueza objetivamente
desdobrada da essência humana é em parte produzida, em parte
desenvolvida a riqueza da sensibilidade humana subjetiva – um ou-
vido musical, um olho para a beleza da forma, somente, em suma,
sentidos capazes de fruições humanas, sentidos que se confirmam
como forças essenciais humanas (MARX, 2015, p. 352).

Os sentidos espirituais, para Marx, têm grande relevância no de-


senrolar da humanidade: “Pois não só os cinco sentidos, mas também
os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade,
amor etc.), numa palavra, o sentido humano, a humanidade dos senti-
dos, apenas advém pela existência do seu objeto, pela natureza humani-
zada” (p. 352). A formação dos cinco sentidos, portanto, é um trabalho
de toda a história do mundo até hoje.
O sentido preso na necessidade prática rude tem também somente
um sentido tacanho. Para o homem esfomeado não existe a forma
humana da comida, mas apenas a sua existência abstrata como co-
mida; ela podia estar aí na forma mais rude – e não se pode dizer
em que esta atividade de nutrição se distingue da atividade de nu-
trição animal. O homem necessitado, cheio de preocupações, não
tem sentido para o espetáculo mais belo; o comerciante de minerais
vê apenas o valor mercantil, não a sua beleza nem a natureza pe-
culiar do mineral; ele não tem qualquer sentido mineralógico; por-
tanto, a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista
teórico quanto do prático, é requerida tanto para fazer humanos os
sentidos do homem como para criar sentido humano corresponden-
te a toda riqueza do ser humano e natural. (MARX, 2015, p. 352-3)

Com base na teoria fornecida por Marx, Lukács (2018, p. 244)


conclui que “a socialização dos sentidos não supera o seu ser-preci-
samente-assim12 de cada ser humano singular, mas, ao contrário, o
torna mais refinado e profundo, não requer nenhuma fundamentação
detalhada a mais”.
Todo esse refinamento dos sentidos humanos, apenas pode se
dar por sobre a divisão social do trabalho. Lukács, em dialogo com Ar-
nold Gehlen, registra sobre o desenvolvimento do trabalho, que a vi-
são humana assume, cada vez mais e de modo crescentemente intenso
12  Sergio Lessa (2018, p. 17), explica o seguinte sobre a categoria ser-precisamente-assim
em Lukács: “Geradesosein tem uma tradução já estabelecida e provada por décadas nos mais
diversos textos e autores marxianos: ser-precisamente-assim. Seu conteúdo também é claro
e preciso: o que existe fora da consciência e, desta, independente.

50
e diferenciadamente, as funções do tato: “Graças à percepção visual
de peso, dureza etc., o sentido do tato é aliviado, e a mão consegue
liberdade suficiente para executar operações mais finas e precisas do
que as que podiam se dar sem essa liberação de suas formas primiti-
vas de função tátil” (LUKÁCS, 1967a, p. 21).
Quando se tomam como referencial de análise o produtor e
o receptor artístico, o marco da história e o desenvolvimento dos
cinco sentidos humanos devem figurar em primeiro plano. Não se
pode desprezar que o desenvolvimento, a formação, o refinamento
e a diferenciação desses sentidos dependem da divisão social do tra-
balho. Na comunidade primitiva, com o incipiente desenvolvimento
da ciência e um determinado nível de ócio, entre outros fatores, o ser
social consegue elaborar certa reflexão sobre seu entorno e sobre si
próprio. Ao refletir sobre sua atividade, o trabalhador, “produz uma
certa técnica do trabalho e, com ela, certa elevação do homem que
trabalha sobre seu nível anterior de domínio de suas próprias capaci-
dades somáticas e mentais” (LUKÁCS, 1966a, p. 218).
Ao elaborar determinado nível de técnica, que assume impor-
tância destacada no desenvolvimento social, o trabalhador sente os
efeitos da técnica que retroagem sobre ele. Esse desenvolvimento,
mesmo que seja esteticamente inconsciente, é pressuposto para que
se comece com a atividade artística. Tomando a ciência como exem-
plo, Lukács (1966a, p. 219), esclarece que “a fase na qual se buscam
e conservam pedras adequadas para algum uso supõe já tentativas
do tipo de reflexo da realidade de que logo nasce a ciência.” Isso
confirma que a arte, em relação à ciência, é tardia, pois, nessa fase da
história, “faltava certa capacidade de abstração, de generalização das
experiências do trabalho, de rebaixamento das impressões subjetivas,
pouco ordenadas, para poder apreciar claramente a conexão entre
a forma de uma pedra e sua adequação para determinadas ações”
(LUKÁCS, 1966a, p. 219).
Nesse nível de desenvolvimento das capacidades humanas,
portanto, é impossível se pensar em arte. Para que o trabalhador pos-
sa se constituir como artista ou como receptor da arte, era preciso,
tendo em vista o nível de desenvolvimento das forças produtivas,
atender à seguinte exigência: “que a pedra fosse já esculpida ou po-
lida, transformada em ferramenta pela mão humana.” (LUKÁCS,
1966a, p. 219). Porém, mesmo que isso bastasse, a técnica utilizada
nesse nível da evolução social imporia obstáculos a uma recepção
de motivos artísticos. Tal recepção apenas torna-se possível em um
nível relativamente alto de desenvolvimento social.
Sobre a compreensão do cotidiano como solo alimentador

51
dos reflexos científicos e artísticos e sabendo que o ser social se so-
cializa objetivamente no encontro com seu objeto, resta-nos estudar
as interrelações, nada simples, entre a consumação imanente dos re-
sultados da ciência e da arte – cada uma a seu modo específico – em
relação ao complexo educativo.

3.1 Anotações abreviadas sobre educação e reprodução social


Importa esclarecer, antes de efetivamente iniciar, para não repe-
tirmos demasiadamente palavras escritas em Santos (2019a, 2019b),
que optamos por sintetizar aqui o que ali foi desenvolvido.
Calçado nos pressupostos da onto-metodologia materialista,
portanto, iniciemos procurando determinar a peculiaridade do com-
plexo educativo. Para vencer a dificuldade inicial apresentada pela
ausência de fontes etnográficas seguras, tomamos como ponto de
partida que a educação surge junto com o aparecimento das primeiras
formas, mesmo que ainda instintivas, de trabalho. Em face das difi-
culdades acerca do acesso a fontes etnográficas confiáveis, tomemos,
então, o momento histórico em que o trabalho era incipiente. Ou
seja, o primeiro dos três estágios apresentados por Lukács, com base
em Marx, e transcritos por nós anteriormente.
Lukács (2018), ao usar analogias entre os animais superiores e
os seres humanos, relata que naqueles se verifica que a educação entre
os mais velhos e os filhotes se resume ao ensinamento de compor-
tamentos determinados que possam lhes garantir certas habilidades
ligadas à sobrevivência imediata. Quando se educa pessoas, mesmo
que se tenha como base o comunismo primitivo, o processo educa-
cional não pode se restringir ao aprendizado de certas habilidades.
Quando a educação se direciona para seres sociais, o essencial con-
siste em dotá-los de condições adequadas para que possam reagir a
situações novas, a eventos imprevisíveis que se apresentam cotidiana-
mente ao ser social, dado que a educação humana jamais se completa
por inteiro (LUKÁCS, 2018).
A própria atividade do trabalho obriga o devir humano a ser
constituído continuamente pelo novo, o que exige, por seu turno,
o cumprimento irrevogável de novas tarefas por parte do processo
educativo.
Da comparação com os animais superiores, o autor distingue
a educação em duas especificidades distintas, mas não excludentes.
Por um lado, há a educação em sentido lato e por outro, a educação

52
em sentido restrito13. Conforme comenta o autor, entre as duas não
se pode traçar uma separação idealmente precisa, nem uma divisão
mecânica. A educação em sentido lato é mais geral e sua forma, em
relação à educação em sentido restrito, é mais relaxada, o que possi-
bilita que ela ocorra corriqueiramente no cotidiano e, inclusive, em
espaços com maior nível de exigências sistemáticas como indústrias,
laboratórios, centros de pesquisa, sindicatos, igrejas, entre outros
locais. Sua marca principal, por possuir natureza abrangente, é a es-
pontaneidade. Já a educação em sentido restrito, desenvolve-se de
modo a atender à sistematização do ato educativo. A marca principal
desta especificidade educacional é institucionalizar conhecimentos
sistematicamente.
A educação em sentido restrito, ainda segundo Lukács (2018),
por nascer com o fim do modo de produção primitivo e, conse-
quentemente, com o nascimento da luta de classe, tem como função
social institucionalizar o processo educacional. Para cumprir essa
função, formula uma didática que se preocupe, por sua vez, com o
ato de ensinar. Concomitante a isso, precisa propor a organização
de um currículo que, por sua orientação, atenda a determinado per-
fil de educando. Para que possa cumprir a demanda de formar um
determinado perfil de sujeito, a educação em sentido restrito, con-
sequentemente, necessita subdividir o processo educativo em par-
tes. Surge, assim, para atender a necessidade de manter duas classes
distintas, os seguintes elementos educacionais, não necessariamente
nesta ordem: objetivos, planejamento, conteúdos, metodologia, ava-
liação, entre algumas outras características que compõem o que a
pedagogia chama de processo de ensino.
Antes da dissolução do comunismo primitivo, a educação era
somente espontâneo-cotidiana, ganha, com o surgimento da luta de
classes sobre o modo de produção escravo, uma dualidade. Passa a
ser dividida em dois sentidos distintos, mas que se complementam.
De um lado tem-se a educação em sentido lato que é abrangente e
espontâneo-cotidiana, do outro, mas sem se desligar completamente
daquela, surge a educação em sentido restrito, que, por ser institu-
cionalizada pela luta de classe, tem interesse em sistematizar conhe-
cimentos por meio de processos que, mais tarde, serão chamados
de escolares.
Depois de inaugurada a luta de classes, os trabalhadores e seus
filhos continuam se educando de forma espontâneo-cotidiana. Uma

13  Marteana Lima e Susana Jimenez (2011) produziram esclarecedora exegese sobre como
Lukács trata a relação entre a educação em sentido lato e restrito.

53
forma que, embora possa em alguns casos sistematizar conhecimen-
tos, não os institucionaliza. Esta especificidade educativa ocorre no
convívio cotidiano e diretamente ligada ao processo de produção da
existência material que garante a manutenção das duas classes. Já a
classe que se autoproclama proprietária dos meios de produção –
terra –, por ter a seu favor a possibilidade de desfrutar do ócio, realiza
sua educação de modo a determinar suas finalidades. Para que possa
atender a isso, essa classe institucionaliza a sistematização de conhe-
cimentos orientados por um currículo e pelos demais elementos do
processo de ensino para resolver problemas de interesse de sua espe-
cífica classe.
A classe trabalhadora se educa concomitantemente ao ato de
trabalho sem que possa se afastar das necessidades imediatas da pro-
dução e sem que possa criar procedimentos que sistematizem, em um
processo educativo determinado, a especificação e ou qualificação de
certos conhecimentos ou saberes. Os proprietários da terra elaboram
um meio educacional afastado do cotidiano, em que os estudantes
dispõem do privilégio de um local exclusivo para desenvolver a rela-
ção aprendizado-ensino. Naturalmente, esse processo educativo que
se institucionaliza com a luta de classes apenas pode ser ocupado
por uma elite ociosa, ou seja, por quem detém a potência do tempo
livre. Esse distanciamento do processo educacional em relação ao
cotidiano, como já anotado, guarda o germe do que mais tarde vai se
chamar escola14.
Com o desenvolvimento das forças produtivas, a divisão social
do trabalho chega em um momento denominado por Marx, como
visto acima, de período do trabalho maquinista, em que há crescen-
te influência da ciência no desenvolvimento do trabalho. Essa fase,
como se comprova pela história, apenas pode ter amparo para se
erguer materialmente com o modo de produção capitalista, portanto,
após a Revolução Burguesa. Nesse estágio, o trabalho passa a ser
determinado, primariamente, pelas forças somáticas e intelectuais do
trabalhador. Esse é o contexto em que a burguesia precisa responder
qual caminho que o processo educativo destinará para a classe traba-
lhadora.
Como escrito em Santos (2017a, p. 52), mesmo que a classe
dos proprietários tivesse o “bom discernimento de oferecer educa-
ção bancada pelo Estado burguês, laica, gratuita e de qualidade para

14  Em texto considerado clássico, Dermeval Saviani (1994, p. 2), sobre o surgimento da
escola, escreve: “A palavra escola em grego significa o lugar do ócio. Portanto, a escola era o
lugar a que tinham acesso as classes ociosas.”

54
todos os trabalhadores, a natureza ontológica do capitalismo impe-
diria que o suposto bom-senso da burguesia assim agisse”.
Os imperativos imediatos da produção, no entanto, exigem
que a burguesia atenda à seguinte relação: instrução para os traba-
lhadores, de um lado, e trabalho produtivo para garantir os lucros
capitalistas, de outro. Como forma de tirar proveito dessa necessi-
dade histórica, a intelectualidade burguesa se apoia na retórica, ainda
hoje vigente, de que o capitalismo universaliza a educação. A apa-
rência enganosa dos fatos indica ser verdadeira essa universalização.
A opção onto-materialista ora adotada não permite que se acredite
acriticamente nessa falácia.
A universalização propalada pela teoria burguesa decadente
apenas circunscreve seus interesses imediatos. Isto é: a burguesia, ao
necessitar do processo educativo como elemento de realimentação
para a produção capitalista, que se faz necessário após a Revolução
Burguesa, universaliza seus interesses particulares. Conforme expli-
cado em Santos (2017a, p. 52-3): “O padrão propedêutico educativo
é guardado para si. Já para resolver os problemas demandados pelos
imperativos da produção, a burguesia apresenta a generalização dos
seus interesses”, apresentando-os, contudo, como se fossem univer-
sais: particulariza seus interesses educacionais, discursando que os
universaliza.
A opção da classe dirigente para atender às necessidades do
lucro capitalista é, portanto, disponibilizar para a classe trabalhadora
a possibilidade de que ela tenha a instrução minimamente necessá-
ria, cuja exigência principal tem como base garantir os imperativos
imediatos da produção do capital na versão capitalista. Como essa
exigência capitalista burguesa é qualitativamente diferente das neces-
sidades nascidas com a luta de classes, em que se dividiu a educação
em dois ramos – amplo e restrito –, a solução que a classe detentora
dos meios de produção capitalistas encontra para a problemática
educativa é necessariamente outra.
Para que se esclareça a distinção com que a burguesia opera
sua dicotomia educacional, há a necessidade de se enfrentar outro
conjunto problemático, que é a relação entre estrutura e superes-
trutura. Isso se justifica dado que a divisão processada na educação,
após a Revolução Burguesa, é qualitativamente diferente da dualida-
de estrutural ocorrida após a dissolução do comunismo primitivo.
Enquanto o escravismo divide a educação em sentido amplo para os
trabalhadores, e em sentido restrito para os proprietários, o capita-
lismo separa o ramo restrito em duas metades: propedêutico para os
proprietários e seus prepostos, de um lado e, profissionalizante para

55
os trabalhadores e seus filhos, de outro. Sobre a relação educação e
reprodução da totalidade social, Lukács (2018, p. 79) esclarece:
Em nossas considerações anteriores apontamos que a diferença
decisiva entre as alternativas originárias no trabalho meramente
dirigido ao valor de uso e naquele de um patamar mais elevado
se baseia, acima de tudo, que aquele contém posições teleológicas
que convertem a própria natureza, enquanto neste a finalidade é,
primariamente, o efeito na consciência dos outros seres humanos
para induzi-los a posições teleológicas desejadas.

Na passagem supracitada, Lukács precisa a distinção funda-


mental entre a função social do trabalho e dos outros complexos so-
ciais. Ao primeiro cabe modificar a natureza e aos demais a exigência
é agir sobre as consciências de outros sujeitos com a finalidade de
que esses seres sociais atendam a finalidades planejadas por outras
consciências.
Um pouco mais à frente, o autor esclarece que essa unidade na
diferenciação entre alternativas econômicas e não mais econômicas,
humano-morais, não se deixa demarcar tão aguçadamente como no
caso do trabalho no mundo primitivo, que não é nada além do sim-
ples metabolismo com a natureza.
Com essa diferenciação, voltemos a Marx (2008) para analisar
como a produção da materialidade humana, independentemente de
ser de outra ordem política, educacional, jurídica, religiosa, artística
ou intelectual, condiciona o processo de vida social.
Para o pensador alemão, a consciência não tem o poder de de-
terminar o ser. De modo contrário, é o ser social objetivamente posto
no mundo e com os pés ‘bem plantados’ no chão que determina a
consciência. Disso se desdobra o fato de que a transformação pro-
duzida na base econômica modifica toda a gigantesca superestrutura.
Essa transformação dá-se, dependendo de cada caso dado, de modo
lento ou rápido. Nas palavras de Marx (2008, p. 47):
na produção social da própria existência, os homens entram em
relações determinadas, necessárias, independentes de sua vonta-
de; essas relações de produção correspondem a um grau deter-
minado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.
A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura
econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma
superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência.

O pensador alemão adverte que é preciso distinguir as trans-


formações que ocorrem na produção da materialidade econômica das

56
modificações ocorridas nas formas jurídicas, políticas, religiosas, ar-
tísticas, educativas, filosóficas, entre outras formas “ideológicas sob
as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam
até o fim” (MARX, 2008, p. 48). O autor também complementa que
é necessário explicar as formas ideológicas de consciência “pelas
contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as for-
ças produtivas sociais e as relações de produção” (p. 48).
Os modos de produção escravista e feudal não necessitavam
de uma articulação direta entre educação específica e produção eco-
nômica. Mesmo com muitas diferenças entre os modos de produção
que antecederam o capitalismo, tanto no escravismo como no feu-
dalismo – e inclusive no modo de produção asiático –, a educação
existente, dividida entre sentido amplo e restrito, atendia à estrutura
econômica, visto que os escravos e os servos não tinham acesso ao
estudo institucionalizado-sistematicamente, pois a própria estrutu-
ra econômica dispensava a necessidade de educar os trabalhadores
sistematicamente para as especificidades da produção. Com o sur-
gimento do capitalismo, esse quadro muda radicalmente. Pela pri-
meira vez na história, com a Revolução Burguesa, há a necessidade
de educar, especificamente, o trabalhador. Com essa exigência, a
burguesia, detentora dos meios de produção, cria dois modelos pa-
ralelos e distintos de educação institucionalizada-sistematicamente.
A novidade é qualitativa. Com base na educação em sentido
restrito, os proprietários dos meios de produção criam, para a classe
trabalhadora, um ramo educativo que a ciência educativa denomi-
na de ensino profissionalizante. Já para si e para os seus eleitos, a
burguesia reserva o que se denomina de ensino propedêutico, man-
tendo neste ramo os ensinamentos das disciplinas clássicas voltadas
para o desenvolvimento científico.
Não é redundante relembrar que um sistema educativo restrito
sistematiza conhecimentos institucionalizados e, para isso, necessita
de um currículo específico para uma dada finalidade. Essa organiza-
ção curricular, para atender tal finalidade, elege também uma deter-
minada metodologia de ensino que acompanha, por seu turno, os
objetivos e os conteúdos a serem ensinados, bem como o modelo
avaliativo. Como certifica Lukács (2018, p. 134): “Toda sociedade re-
quer uma determinada quantidade de conhecimentos, habilidades,
modos de comportamento, etc., de seus membros; conteúdo, méto-
do duração, etc., da educação em sentido estrito são consequências
das necessidades sociais que assim emergem”. Para atender às especí-
ficas necessidades educativas de determinada estrutura econômica de
dada sociedade, portanto, exige-se determinado modelo educacional.

57
A sociedade capitalista cria, para atender às suas necessidades,
o que a pedagogia chama de educação profissionalizante.
Em face dessa conjunção de fatores, conforme anotado em
Santos (2017a), a organização curricular que a burguesia requisita para
o ramo propedêutico é marcada pelos ensinamentos das ciências, das
letras, da oratória, entre outras disciplinas voltadas para a formação
dos dirigentes e seus prepostos. O ramo específico – profissionali-
zante – que se destina aos trabalhadores e seus filhos é organizado
mediante currículos voltados para resolver demandas pragmáticas
decididas, por sua vez, pela classe burguesa. Essa classe, aproveitan-
do-se da necessidade educacional imposta aos trabalhadores, utiliza
o aparato educativo, em sua versão profissionalizante, não só para
formar os trabalhadores que vão operar o aparato produtivo, mas
também para se apoderar das ideologias de dóceis empregados, bem
como de pessoas empregáveis.
Com o intuito de passar ao conjunto problemático que envolve
a arte, é preciso registrar que entre esses dois modelos de educação
restrita, propedêutico e profissionalizante, instala-se uma espécie de
cunha – nunca metafisicamente separada – que procura dividir defini-
tivamente a educação escolar em dois lados (SANTOS, 2017a).
Assim, já é possível explicar como surge uma dicotomia den-
tro de uma dualidade. Como reforço aos nossos pressupostos, recu-
peramos o que Marx, nas Instruções para os delegados do Conselho Geral
Provisório da Associação Internacional dos Trabalhadores, em agos-
to de 1866, apresenta como articulação entre educação e trabalho
produtivo. Assim foram proferidas as límpidas palavras do pensador
sobre os três elementos pelos quais se constitui a educação: “Primei-
ramente: Educação mental [intelectual]. Segundo: Educação física, tal
como é dada em escolas de ginástica e pelo exército militar. Terceiro:
Instrução tecnológica, que transmite os princípios gerais de todos
os processos de produção” (MARX, 1982, p. 4). Para o autor, este
terceiro passo “simultaneamente, inicia a criança e o jovem no uso
prático e no manejo dos instrumentos elementares de todos os ofí-
cios” (p. 4).
Objetivando ir além do que foi escrito em Santos (2019a), es-
clarecemos que aqui há o nascimento de uma dicotomia que surge
tendo como base uma dualidade. A dualidade refere-se ao que é du-
plo, ou seja, é o que concentra a natureza de duas coisas: refere-se a
dois princípios distintos. A dicotomia, por sua vez, relaciona-se com
dois elementos que, de modo geral, são divididos. Abbagnano (2007,
p. 294), escreve que, em filosofia, a palavra dualidade “não tem signi-
ficado tão preciso: indica em geral um par de termos entre os quais

58
haja uma relação essencial: p. ex., matéria e forma, etc.”. Sobre di-
cotomia, Abbagnano (2007, p. 275), assim esclarece: é a “divisão de
um conceito em duas partes segundo o método diairético – subdivi-
são de ideias particulares – da dialética platônica”.
Essa divisão consagra definitivamente a marca da escola ca-
pitalista, por isso, aqui se opera uma dicotomia dentro de uma dua-
lidade educacional. A dualidade que se processa com o surgimento
da luta de classes é da natureza da educação, seu caráter é separar
a educação em sentido amplo, de um lado, e em sentido restrito de
outro. Já a dicotomia, nascida, por sua vez, da dualidade, apresenta
caráter de restringir o que já era institucionalizado-sistematicamente
e assim, determinadamente restrito: por um lado, segue para a bur-
guesia a escola propedêutica e, por outro, é destinado aos trabalha-
dores o ramo especificamente profissionalizante.
Essa separação, além de consolidar o preconceito em relação
às atividades manuais, destinadas como exclusivas à classe traba-
lhadora, caracteriza a impossibilidade de a burguesia universalizar
a educação, uma vez que a dicotomia inaugurada com o capitalis-
mo evidencia que universalizar a educação representa universalizar
a produção. Óbvio que essa missão histórica não cabe à burguesia,
pois essa classe se alimenta da exploração sobre o excedente produ-
zido pelo trabalho humano. Desse modo, o lucro embolsado pelo
capitalista apenas pode existir, concomitantemente, à existência da
miséria.
Para concluir esse capítulo, é relevante reforçar que a existên-
cia da miséria garante o lucro capitalista e para que isso permaneça e
até se fortaleça, a dicotomia educativa exerce um papel fundamental.
É impossível, ao modo de produção capitalista, portanto, eliminar
a dicotomia educacional. Isso representaria eliminar a existência de
duas classes distintas.
Depois de apresentados alguns parâmetros sobre a educação
e suas especificidades, nosso livro parte para aprofundar a relação
existente entre educação, arte e formação humana. Para atender a
esse planejamento, teremos que demonstrar o que o marxismo en-
tende por formação humana. O capítulo que se segue tem a missão
de introduzir essas discussões.

59
Capítulo 4 – Educação, arte e formação humana:
inter-relações necessárias

Para atender a tarefa de relacionar educação, arte e formação


humana, torna-se necessário debater, mesmo que resumidamente,
o que em Santos (2018a) chamamos de categorias nodais, ou seja,
antropomorfização, desantropomorfização, imanência e transcen-
dência. Com base nas articulações que essas categorias possibilitam,
avançaremos para apreender com mais clareza o complexo artístico
em relação, principalmente, ao científico. Com os desdobramentos
retirados dessa tematização, tornar-se-á possível aproximar e distan-
ciar a educação da arte. Ao final, sobre essa base, apresentaremos a
categoria da formação humana em relação a educação dos sentidos
estéticos.
Como se sabe, o reflexo científico da realidade, para cumprir
sua função de elo do conhecimento, necessita se libertar de todas as
determinações antropológicas e antropomórficas, independente que
venham dos sentidos ou da intelectualidade humana. Essa classe de
reflexo empreende seu esforço para recriar, na consciência subjetiva,
os objetos como são em-si. Embora na consciência não chegue o
objeto mesmo, mas sua imagem projetada pelo sujeito humano, essa
imagem precisa, independente da consciência subjetiva, ser projeta-
da o mais fielmente possível como o ser é em seu ser-em-si real e
concreto. A esse processo, Lukács (1966a) denomina de desantropo-
morfização.
Já a palavra antropomorfização, analisada etimologicamente,
associa-se ao substantivo masculino antropomorfismo que, por sua
vez, deriva da união das palavras gregas, anthropos (homem) e morphe
(forma). Esse conceito é utilizado, de modo geral, para atribuir ca-
racterísticas humanas – físicas, comportamentais, emocionais etc. – a
animais, entidades místicas, mitológicas, religiosas e até ao meio natu-
ral, entre outras atribuições.
O verbete antropomorfismo (in. Anthropomorphísni; fr. An-
thropomorphisme, ai. Anthropomorphismus; it. Antropomorfismó) é assim
registrado por Nicola Abbagnano (2007, p. 68): “Indica-se com este
nome a tendência a interpretar todo tipo ou espécie de realidade em
termos de comportamento humano ou por semelhança ou analogia
com esse comportamento”. O filósofo italiano reforça que “‘Crenças
antropomórficas’ ou ‘antropomorfismos’ são chamadas, em geral, as
interpretações de Deus em termos de conduta humana” (p. 68). Para
esse autor, foi Xenófanes de Colofonte o primeiro filósofo a intro-
duzir o termo.
Sobre a antropomorfização, como lembra Lukács (1967b), po-
demos dizer que o vivente humano possui um eixo vertical em rela-
ção ao sistema de coordenadas de um espaço determinado que, por
meio da força da gravidade, aponta ao centro da terra. Por isso, a
experiência imediata do sujeito humano no cotidiano tem a tendência
geocêntrica. Esses elementos, em relação ao ser social primitivo, são
preponderantes, dado que, por exemplo, a marcha ereta é fator decisi-
vo para o processo de hominização e a consequente humanização do
ser social (apenas o sujeito humano anda em pé). Essa conjunção de
fatores, mesmo sem o sujeito humano primitivo estar munido plena e
conscientemente de um sistema de coordenadas, dota-o de condições
cada vez mais diferenciadas de lidar com o mundo circundante. Isso
lhe garante uma melhor condição de se movimentar em referência ao
seu entorno, observar melhor, por exemplo, o que está à sua frente
ou atrás de si (LUKÁCS, 1967b), haja vista que a antropomorfização
é o que caracteriza o humano.
Assim, podemos sintetizar essas duas categorias nodais para
a Estética de Lukács. A desantropomorfização é o que independe da
consciência subjetiva para existir: existe com independência do sujei-
to; a antropomorfização, por ser o que caracteriza o sujeito humano,
depende da consciência para ter sua existência no mundo.
Se o reflexo científico é desantropomórfico, o reflexo estético,
por sua natureza de se originar nas pessoas e orientar sua finalidade

62
para elas, é peculiarmente distinto. Esta classe de reflexo parte do
mundo humano e volta para ele. Seu tráfego, por depender da von-
tade humana, dá-se entre dois sujeitos, de um vivente para outro.
Sintetizando: enquanto a desantropomorfização parte do ser-em-si
para se projetar na consciência subjetiva, a antropomorfização parte
da consciência humana em direção ao ser-em-si, que pode ser outro
sujeito envolto com a problemática do destino (alegrias e tristezas)
da humanidade.
Para que possamos definir imanência e transcendência, pode
ser dito que a primeira representa a lei que movimenta o objeto, ou
seja, o que é próprio do ser. A transcendência, por sua vez, é algo
que não está no objeto, vem de fora para tentar movimentá-lo; é
uma força, externa ao ser, que tenta controlá-lo. A obra de arte serve
de exemplo típico do que é imanência, uma vez que, como entende
Lukács (1966a, p. 28), ela demonstra a imanência humana: “a ima-
nente obstinação, o descansar-em-si-mesma de toda autêntica obra
de arte – espécie de reflexo que não encontra analogia nas demais
classes de reações humanas ao mundo externo – é sempre por seu
conteúdo”, testemunho da imanência humana. A ciência é outro
exemplo figurativo de imanência humana, uma vez que apenas ao
sujeito é possível conhecer e, assim, ao operar sobre a matéria so-
cial/natural, transformar conscientemente o mundo.
Somente ao sujeito humano, como afirma Marx (2011a), sob
as contradições da evolução social, é possível produzir a si próprio,
ou seja, é possível fazer a história, dado que ela é imanente ao sujeito
histórico e este àquela. Impossível, portanto, que arte e ciência pos-
sam surgir de alguma forma de transcendência. Essas duas classes
de reflexos são imanentes ao sujeito humano, uma vez que apenas à
ação humana é possível produzir ciência e arte. Qualitativamente, no
entanto, são distintas. Enquanto a ciência reflete os objetos como
são em-si: desantropomorfizadamente; a arte reflete seus objetos
antropomorfizadamente, visto que, como é uma forma especial da
relação objeto-sujeito, seu elã se realiza de um sujeito vivente para
outro que, por sua vez, vive com os pés no chão de um mundo com-
partilhado, humanamente, por ambos.
Com os parâmetros de aproximação e distanciamento entre
cotidiano, ciência e arte, temos, agora, que parametrizar também
a educação, ou seja, perante as categorias nodais, planeja-se agora
especificar o caráter do complexo educativo.
Antes, porém, é importante relembrar com Lukács (2018, p.
134) que para o tratamento ontológico da problemática educacio-
nal, é necessário retornar ao seu momento fundante; isto é, “sua

63
essência consiste em influenciar os homens para que reajam de modo
socialmente intencionado às novas alternativas da vida”. É preciso
relembrar que o processo educativo nunca se completa totalmente,
ele se processa de modo contínuo, pois a transformação do ser social
também é perene.
Mesmo a educação mais consciente, como alerta Lukács (2018,
p. 134), apenas consegue preparar o ser social de maneira insuficien-
te “para os momentos sempre novos e plenos de contradição, mas
também em que nesses novos momentos – de modo desigual e pleno
de contradição – alcança expressão em sua reprodução o desenvol-
vimento ascendente objetivo do ser social”. O filósofo húngaro quer
destacar que a educação é, antes de tudo, um processo puramente
social; o formar e tornar-se formado apenas é possível no tecido das
contradições sociais. Como explica Lukács (2018, p. 134):
[...] por um lado, nenhuma educação pode impor a um ser hu-
mano qualidades completamente novas, por outro lado, como
igualmente já vimos, as próprias qualidades não são rígidas, de-
terminações fixadas de uma vez para sempre, mas possibilidades
cujo tipo específico para se tornarem realidades é impossível de
ser concebido independentemente de seu processo de desenvol-
vimento, do tornar-se-humano socialmente executado do ser hu-
mano singular.

O mais importante para a proximidade e o distanciamento en-


tre o complexo educativo e o artístico é a formação mais geral do
indivíduo. Para isso, deve-se considerar a articulação entre a educa-
ção em sentido amplo e em sentido restrito. Como denuncia Lukács
(2018, p. 243), contudo, cristalizou-se o hábito de se “considerar ape-
nas os efeitos positivos como resultado da educação”. A finalidade
educativa pode resultar diferente e até contrária ao que se planejou
com determinada educação, independente de que seja em sentido
lato, restrito ou mesmo a articulação de ambas.
Como justifica o autor, isso ocorre dado ser teoricamente, ao
menos em princípio, impossível determinar antecipadamente, com
precisão, como esse ou aquele aprendizado retroage sobre cada indi-
víduo específico. Dado que, como a predominância educativa é social
e não biológica, os determinantes do processo educacional como um
todo prescindem de interações e interconexões cuja dialética do real
faz emergir a inseparável “unidade de determinações psíquico-corpó-
reas e sociais no ser humano singular, que é o mais profundamente
caracterizadora de seu ser-humano”, mesmo que repleta de contradi-
ções (LUKÁCS, 2018, p. 243). Cabe, principalmente, ao processo de
formação humano-social, a tarefa de garantir ao indivíduo singular

64
a transmissão dos principais elementos pelos quais ele se constitui
como gênero.
Sobre esses elementos, resta-nos, agora, aproximar a educa-
ção e o complexo artístico no intuito de poder avançar no debate
sobre a chamada arte-educação. A ciência, não obstante, apresenta
um parentesco maior com a educação, uma vez que, como o cam-
po científico, o complexo educativo também repousa seus reflexos
sobre a realidade em-si, logo, desantropomorfizadamente. Já entre a
arte e a educação há a distinção da primeira processar-se por meio
de um reflexo antropomórfico, enquanto a segunda, por ter como
necessidade a revelação do real em seu em-si, orienta-se por inter-
médio da reflexão desantropomórfica.
Mesmo que os animais superiores eduquem seus filhotes, a
educação humano-social, como registrado, tem caráter qualitativa-
mente distinto, pois é um processo que se destina a formar – in-
dependente que seja em sentido amplo ou restrito – a humanidade
no sujeito humano singular. Isso permite-nos indicar que as três
formas de reflexos agora debatidas (educação, ciência e arte) têm
em comum o fato de serem imanentes, uma vez que apenas podem
se constituir como tal se refletirem o mundo natural e humano: a
mundanidade pedestre. A educação e a arte, portanto, partilham da
qualidade de serem imanentes, no entanto, enquanto a primeira, as-
sim como a ciência, é desantropomórfica, a arte, diferentemente, é
antropomórfica.
Enquanto ciência e educação coincidem, dado que são ima-
nentes e desantropomórficas – mesmo que tenham estatutos on-
tológicos distintos –, entre o complexo educativo e o artístico, to-
mando como referência as categorias nodais, há uma coincidência
parcial, pois, reforçando, a educação é desantropomórfica e arte é
antropomórfica.
Para o presente livro, essa parcialidade é decisiva, uma vez
que faz parte da educação o ato educativo sinonimizado como a
forma de ensinar, ou seja, o ensino. Este, de modo geral e às vezes
acriticamente, é visto como sistematização da ação de transmitir co-
nhecimentos entre dois seres sociais.
Benito Almaguer Luaiza (2008) considera que ensinar é a oti-
mização do processo educativo. Para ele, enquanto a educação se di-
reciona para a formação do ser humano, o ensino se direciona para
o processo de otimização da aprendizagem. O autor entende que o
ensino é uma atividade direcionada por docentes à formação qua-
lificada dos discentes, cuja consecução apenas ocorre quando um
determinado professor realiza uma atividade que resulte em apren-

65
dizagem. John Passmore (1965, p. 18), por sua vez, ao investigar o
conceito de ensino, chega à seguinte conclusão: “Uma pessoa ensina
quando transmite factos, cultiva hábitos, treina habilidades, desen-
volve capacidades, desperta interesses, ensina alguém a nadar ou a
apreciar música clássica, mostra como funciona um foguetão lunar
ou que, e porquê, os planetas se movem em volta do Sol”.
O espaço que agora dispomos não permite tematizar, com a
devida profundidade, nossas discordâncias mais fundamentais sobre
a forma e o conteúdo como os autores supracitados defendem suas
posições a respeito do ato de ensinar. Não temos como debater o
lamentável fato de que hoje, na esmagadora maioria dos cursos de
formação de professores, a didática ganha centralidade sobre os con-
teúdos a serem ensinados. Registramos, apenas de passagem, que não
pode haver didática alguma que não se realize dialeticamente com um
determinado conteúdo. E mais: esse conteúdo não pode ser dissocia-
do das condições materiais da existência social. Desconsidera-se, na
maioria esmagadora dos casos, as péssimas condições estruturais das
escolas, sobretudo as que estão situadas longe dos grandes centros
urbanos. Qualquer pesquisa que se lançar a visitar as escolas, confir-
mará o que indicamos aqui a olhos nus. Salas mal iluminadas, ausência
de bibliotecas, banheiros sem as mínimas condições de atendimento
a crianças, adolescentes e jovens, falta de infraestrutura esportiva e de
lazer, entre diversos outros problemas que, mais uma vez, lamenta-
mos ter que registrar.
O que nos importa dos apontamentos desse grupo de autores
é suficiente para clarear a existência de uma distinção entre educação
e ensino; destacadamente o que muito nos interessa agora. Isto é,
enquanto a educação tem caráter desantropomórfico e, por isso, dis-
tancia-se da arte e aproxima-se da ciência, o ato de ensinar apresenta
natureza antropomórfica, dado que se dá entre sujeitos humanos15.
Ainda que diante de algumas limitações e desvios que nossa
exposição teve que assumir, acreditamos que foram plantados alguns
dos principais elementos pelos quais já podemos, adequadamente,
problematizar a relação existente entre educação e arte. Com esses
elementos apresentados, temos enfim condições de articular o que
se debateu até aqui com o que se convencionou chamar no Brasil de
arte-educação.

15  Advertimos a impossibilidade de debater a chamada Educação a Distância, em que a


ação de ensinar é mediada por um meio tecnológico desantropomorfizado em sua essência.
Esperamos que uma investigação específica possa apreender esse importante problema
educacional contemporâneo.

66
Para que possamos, com segurança ontológica, cumprir esse
projeto, precisamos destacar a diferença entre a educação e a forma-
ção humana, haja vista que essa distinção expõe que a educação se
subdivide entre lato e restrita. Este último ramo, por imposição do
modo de produção capitalista, subdivide-se entre profissionalizante
e propedêutico. Já a composição da formação humana é algo mais
amplo. Abarca, por sua amplitude omnilateral, além da educação,
outros elementos necessários para formar o indivíduo em conexão
com o gênero em que este é partícipe.
Com essas questões adequadamente tratadas e com o debate
sobre as categorias nodais adiantado, podemos adentrar definitiva-
mente nos PCNs-Arte e a suas principais influências teórico-meto-
dológicas. Pela importância que tem a definição de arte para os ob-
jetivos que pleiteamos, contudo, necessitamos problematizar o que
entendemos por arte. Essa tematização é necessária, aqui, pois além
da exigência objetiva de se definir arte antes da problematização dos
Parâmetros escolares oficiais sobre arte, tal definição elimina qual-
quer possibilidade de bricolagem epistemológica. Insistimos que,
por meio das inúmeras misturas conceituais que montam novos
conceitos como se eles estivessem dispostos em self-service concei-
tual, essas montagens idealistas embaralham a realidade, o que cria
uma maior dificuldade para que se compreenda a arte e consequen-
temente seu papel na vida humana.
Já esclarecemos, ainda que de modo lacunar, o que a filosofia
entende por estética e, como recentemente explicamos as nossas
categorias nodais, é necessário adiantar, portanto, o nosso entendi-
mento acerca da definição de arte.
Como fizemos em Santos (2019b), recorremos também a
Lukács (1967a), que lembra ser atribuída à expressão “arte”, fre-
quentemente, a habilidade ou a capacidade de um sujeito realizar
alguma coisa em sua vida cotidiana. O sentido linguístico da autenti-
cidade da arte, contudo, deve ultrapassar a mera capacidade ou habi-
lidade de realizar determinada atividade corriqueira ou profissional.
Cabe ao criador artístico ir além do domínio médio das técnicas
correspondentes. O produtor de arte tem que superar o controle do
ofício imediato. A prática de um artista é diferente das atividades de
um praticante de determinada prática corriqueira ou cotidiana. Em-
bora em ambas as atividades sejam exigidos rigor, ritmo, disciplina,
dentre outros atributos, para que se possam fixar os reflexos condi-
cionados necessários à execução de determinado exercício, elas são
práticas distintas.
Para Lukács, o distintivo de artista é atribuído a um determi-

67
nado sujeito quando ele manifesta em seu campo de atuação, geral-
mente, um talento inventivo e, desse modo, consegue impor ao ma-
terial que opera uma novidade, reagindo rapidamente e com elevado
nível de acerto a ocasiões imprevisíveis.
Vejamos os exemplos fornecidos por Lukács (1967a, p. 36): “se
chama arte a prática de um cirurgião, de um médico, de um futebo-
lista, de um cozinheiro etc.” quando se alude precisamente ao modo
como determinado indivíduo reage a situações novas e inesperadas
em suas atividades. Independente do fato desse processo ser bom ou
ruim, exitoso ou equivocado, corriqueiro ou profissional, esse tipo de
atividade, mesmo em seu sentindo mais geral, não pode ser conside-
rado arte.
Não se põe em dúvida que a arte, em sua mais profunda auten-
ticidade, alimenta-se da destreza e da habilidade corriqueira pratica-
da também por alguns sujeitos na atividade mecânico-espontânea do
cotidiano. O artista, ao dar vida a sua obra, entretanto, vai além das
atividades desenvolvidas corriqueiramente no cotidiano ou mesmo
na prática profissional.
Embora seja possível e necessária a definição da arte, fechá-la
em um conceito apresenta muitas dificuldades. A multiplicidade ar-
tística não permite que haja um conceito que a abarque com precisão
silogisticamente inequívoca. A obra, apenas ela, pode exemplificar o
fenômeno artístico.
Em resumo, a dificuldade de encaixar a arte em um conceito
fixamente rígido relaciona-se com sua capacidade de ser produzida
por sobre uma objetividade indeterminada, isto é, tem como solo a
imanência concreta do mundo humano, suas alegrias e tristezas e, ao
mesmo tempo, não é a realidade dada em seu ser-em-si, senão a re-
figuração do real: representa, com base na realidade, o que o mundo
pode vir a ser.
Para que possamos nos apoiar na literatura, lembremos de
Eduardo Galeano (2002, p. 12), que escreveu em O livro dos abraços
um pequeno conto:
“Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-
-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava
do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de
areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos.
E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o me-
nino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar,
tremendo, gaguejando, pediu ao pai: — Me ajuda a olhar!”
A arte é esse aporte especificamente humano que ajuda a des-

68
cobrir a humanidade de cada indivíduo encoberta pela névoa do
cotidiano.
Não se pode deixar de mencionar, mesmo sem o necessário
aprofundamento, que para se problematizar a arte, bem como qual-
quer outro complexo espiritual, há de contextualizá-lo em relação
ao desenvolvimento social internacional do trabalho. Na atualidade,
em virtude do desesperador estado de crise pelo qual passa o capi-
talismo contemporâneo, não se pode debater o complexo artístico
sem relacioná-lo ao contexto que Mészáros (2009) denomina, como
indicado, de crise estrutural do capital – haja vista que tal crise inva-
de todas as esferas da vida social, abarcando, consequentemente, a
arte e qualquer outro complexo humano, a exemplo do educativo e
do científico.
A arte autêntica não pode abrir mão de causar catarse nos
seus receptores. Essa importante afirmação de Lukács, porém, é
completamente esquecida pelos PCNs-Arte. O documento oficial
acredita que pode tratar da problemática da arte sem fazer, ao me-
nos de modo aproximativo, uma articulação entre a arte e a catarse.
O documento, com efeito, despreza totalmente a relação existente
entre a arte e a catarse, pois não há nenhuma referência sobre tal
articulação em suas oitenta e seis páginas.
Perante essa triste constatação, uma vez que a catarse, como
registra Lukács (1967b, p. 77), é a categoria geral do efeito artístico,
temos que recuperar o que nosso autor entende por catarse.
No conto de Galeano, o menino está sob o efeito da catarse.
A personagem, pelo fato de ver o mar pela primeira vez, sente uma
comoção, uma sacudida. A natureza, como debate Lukács (1967b),
também pode causar catarse. Essa classe de comoção catártica, to-
davia, é distinta da catarse artística.
Para o marxista húngaro, desde a Antiguidade que a saudável
sensibilidade humana reconhece que o efeito da arte se dá por meio
da catarse. Para o caso artístico, a catarse é o efeito evocador que a
obra tem sobre o sujeito humano. Tal efeito, funciona como uma
purificação, uma purga que desperta novas experiências no vivente,
cuja capacidade “amplia e aprofunda sua imagem de si mesmo, do
mundo no qual tem que ver no mais amplo sentido da palavra”
(LUKÁCS, 1966b, p. 334).
Sob esse efeito depurador, homens e mulheres se defrontam
com vivências que os fazem reprovar o que passou, bem como exi-
gir novas atitudes ao devir. Mesmo que o passado e o futuro se
pareçam embaralhados durante a imediatez da vivência comotiva,
o Antes e o Depois constituem, na concepção do esteta magiar, o

69
conteúdo essencial da “forma maximamente generalizada da catarse”
(LUKÁCS, 1966b, p. 508), haja vista que o efeito catártico produz
sobre o sujeito acometido por ela: “uma sacudida tal da subjetivi-
dade do receptor que suas paixões vitalmente ativas cobram novos
conteúdos, uma nova direção, e, assim purificadas, convertem-se em
embasamento anímico de ‘disposições virtuosas’” (p. 508).
Voltaremos ao tema da catarse mais adiante. Ulteriormente, já
com outros elementos, enriqueceremos o conceito de catarse. Por
ora, basta enfatizar que o filósofo de Budapeste considera a catarse,
com base em Aristóteles, portanto, uma purificação. Para Lukács, a
catarse, em sua concepção mais geral, significa, “que um fenômeno
ou um grupo de fenômenos refigurados, preservando sua íntima ver-
dade vital, crescem por cima do nível alcançável na vida cotidiana”
(LUKÁCS, 1967b, p. 76). Esse soerguimento, com efeito, é facilitado
pela mimese estética, que, por cima do normalmente acessível, abre
para o sujeito acometido pelo efeito a possibilidade da realização ex-
trema das potencialidades humanas que, por sua natureza, são de-
terminadas socio-historicamente, o que nega, dialeticamente o “jogo
charlatanesco de uma ‘salvação’ em qualquer transcendência” (p. 76).
A catarse consiste precisamente em que o homem confirme o
essencial de sua própria vida, precisamente pelo fato de vê-la em
um espelho que o comove, que o envergonha por sua grandeza,
que mostra a fragmentariedade, a insuficiência a incapacidade de
realização que tem sua própria existência normal. A catarse é a
vivência da realidade própria da vida humana, cuja comparação
com a realidade da cotidianidade no efeito da obra produz uma
purificação das paixões que se transforma em ética já no Depois
da obra (p. 76).

Difícil, diante da leitura do poema de Augusto dos Anjos Versos


Íntimos, permanecer indiferente. Com a sacudida que causa os versos
do poeta paraibano, encerramos o presente capítulo:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de sua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

70
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

71
Capítulo 5 – Formação humana como princípio
educativo e o princípio educativo da formação
humana

Este capítulo é dedicado ao tratamento da formação humana.


Essa tematização oportuniza à exposição articular o papel da educação,
bem como a importância educativa da arte na formação da humani-
dade existente em cada sujeito singular. Ou seja, por meio do devido
tratamento da formação humana, abre-se a possibilidade da adequada
articulação entre o complexo educativo e as objetivações superiores, des-
tacadamente, a arte e a ciência. Essa articulação possibilitará que o leitor
compreenda o devido lugar do complexo educativo, do científico, bem
como do artístico na formação humana do sujeito singular.
Sabemos que o trabalho funda o ser social e a sociedade; sabemos,
também, que o trabalho não esgota toda potencialidade do indivíduo
humano. Para dar conta de toda a plenitude humana fundada pelo tra-
balho, há a necessidade da existência de outros complexos sociais. Isto
quer dizer que a natureza humana embora seja fundada pelo trabalho,
não se resume a ele. O que exige dos desdobramentos surgidos com
base no trabalho, o nascimento de complexos sociais cuja função é dar
conta, em articulação dialética com o complexo econômico, de toda a
plenitude humana.
Quando nos referimos ao trabalho realizado sob o capitalismo,
temos que considerar, sempre com Marx (2015), a complexidade e
as consequências do trabalho alienado sobre a formação da classe
trabalhadora. Como registra Gorete Amorim (2018), os elementos
colhidos do pensador alemão são suficientes para compreender que
não se encontram, na forma alienada e alienante de trabalho existente
no modo de produção capitalista, os pressupostos para a formação
humana que atenda à classe trabalhadora.
Para o fundador do marxismo, a divisão social do trabalho sob
o capitalismo torna o trabalhador cada vez mais unilateral. Em con-
sequência de tal unilateralidade, o trabalhador torna-se, crescente-
mente, mais dependente, dado que com a restrição de sua operação,
dependerá com maior intensidade de apreender um processo cada
vez mais restritivo. Essa restrição acarreta uma maior concorrência
entre os trabalhadores e entre eles e as próprias máquinas que ope-
ram (MARX, 2015).
Unilateralidade, restrição e animalidade. Sob esse encadeamen-
to, resta ao trabalhador a liberdade ativa de apenas, como lembra
Marx (2015, p. 309): “comer, beber e procriar, quando muito ainda
habitação, adorno etc.” Já como um mero animal nas suas funções
humanas, prossegue o revolucionário marxista: “O animal torna-se
humano e o humano, o animal” (p. 309).
A omnilateralidade, como horizonte formativo humano, en-
contra precisamente na distinção entre o ser social e o animal, sua
mais radical importância.
Decerto, o animal também produz. Constrói para si um ninho,
habitações, como as abelhas, castores, formigas etc. Contudo,
produz apenas o que necessita imediatamente para si ou para
a sua cria; produz unilateralmente, enquanto o homem produz
universalmente [omnilateralmente]; produz apenas sob a domi-
nação da necessidade física imediata, enquanto o homem produz
mesmo livre da necessidade física e só produz verdadeiramente
na liberdade da mesma; produz-se apenas a si próprio enquanto
o homem reproduz a natureza toda; o seu produto pertence ime-
diatamente ao seu corpo físico, enquanto o homem confronta
livremente o seu produto (MARX, 2015, p. 312-13).

A continuidade dessas reflexões importa sobremaneira para a


relação entre a educação e a formação estética dos sentidos humanos.
Então vejamos:
O animal dá forma apenas segundo a medida e a necessidade da
species a que pertence, enquanto o homem sabe produzir segundo
a medida de cada species e sabe aplicar em toda a parte a medida

74
inerente ao objeto; por isso, o homem dá forma também segun-
do as leis da beleza (p. 313).

Apesar disso, o trabalho como substrato da humanidade,


quando se torna alienado no modo de produção capitalista, trans-
muta a livre autoatividade do trabalhador para um mero meio de
subsistência física. Essa troca, por restringir o poder de criação do
sujeito humano, como desvenda Marx (2015), apenas pode entre-
gar ao trabalhador a sua mera animalidade, jamais a generidade do
humano. Isso ocorre, dado que a propriedade privada é baseada na
estupidez da unilateralidade, isto é, “um objeto só é nosso se o tiver-
mos, portanto se existir para nós como capital, ou se for imediata-
mente possuído, comido, bebido, trazido no corpo, habitado por
nós etc.; em resumo, usado” (p. 349).
Como entende Marx (2015), a superação da propriedade
privada é, por isso, “a completa emancipação de todos os sentidos e
qualidades humanas; mas ela é essa emancipação precisamente pelo
fato de esses sentidos e qualidades terem se tornado humanos, tanto
subjetiva quanto objetivamente” (p. 350). A divisão social alienada
do trabalho capitalista em articulação com a propriedade privada,
portanto, opera a seguinte mutação: no lugar dos sentidos físicos
e espirituais do sujeito humano, entra o sentido do ter. Em outros
termos: a alienação simplificada de todos os sentidos humanos cor-
robora para que a essência humana seja reduzida a mais absoluta e
estúpida pobreza (MARX, 2015).
Esse asselvajamento bestial, para usarmos a expressão con-
sagrada pelo pensador mouro, faz com que o humano regresse às
trevas da mais obscura caverna. Se, por um lado, o humano torna-
-se inumano, por outro, procura uma compensação capitalista para
sua desumanidade. Pela mediação do dinheiro, “o alcoviteiro entre a
necessidade e o objeto, entre a vida e o meio de vida do homem (p.
414)”, o sujeito humano “pode comer, beber, ir ao baile, ao teatro;
sabe de arte, de erudição, de raridades históricas, de poder político;
pode viajar; pode apropriar-se disso tudo para ti; pode comprar tudo
isso; ele é a verdadeira potência (Vermögen)” (p. 395).
A fruição, no entanto, por depender do poder do dinheiro, é
distinta para o trabalhador em relação ao burguês. Aquele tem aces-
so à fruição por meio de muitos e diversos obstáculos, pois só é líci-
to para o trabalhador “ter o tanto para que queira viver, e só é lícito
querer viver para ter” (p. 396). O capitalista, por sua condição de se
apropriar da riqueza produzida pelo trabalhador, tem maiores con-
dições de fruição. Ele, diferentemente do operário, “não regressa de

75
modo nenhum à simplificação natural da necessidade” (p. 405). Sua
fruição, não obstante, “é apenas coisa secundária, recreio, subordinada
à produção, por isso fruição calculada, portanto ela própria econômica,
pois ele junta sua fruição aos custos do capital e a sua fruição deve por
isso custar-lhe apenas tanto quanto” (p. 405) ele possa esbanjar como
seu capital se reproduz ao apoiar a arte.
Temos, desse modo, o seguinte problema: não há formação
humana sem trabalho, contudo, o trabalho alienado não pode ser a
base para a formação humana. Isso quer dizer que precisamos de uma
nova forma de organização da formação humana, de modo que essa
organização possa desenvolver, no ser social, todas as suas inúmeras
potencialidades. Em outras palavras: uma organização que possa de-
senvolver um sujeito humano pleno, integral e que, por ter caráter om-
nilateral, se oponha à fragmentariedade ofertada pela dicotomia edu-
cativa da educação organizada pela burguesia em seu estágio decadente
e em crise profunda. Ou seja, uma formação omnilateral que possa
atender às demandas da formação humana em sua inteireza e integra-
lidade, que não aceite a separação do indivíduo entre duas apartadas
e irreconciliáveis esferas: sensibilidade por um lado e razão por outro.
Marx, embora não tenha um tratado específico sobre educação,
permite que se encontre ao longo de sua vasta produção revolucioná-
ria-intelectual que a formação humana é o princípio educativo para se
educar o humano-social, pois apenas na plenitude integral da humani-
dade pode residir o princípio educativo capaz de formar a pessoa sin-
gular conectando-a ao gênero humano. O pensador, especificamente
nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, aponta-nos o caminho
para que possamos entender a dialética da formação humana, isto é,
como a formação humana funciona como princípio educativo, ao mes-
mo tempo em que carrega o princípio educativo da formação humana.
Amorim (2018), com base no marxismo clássico, aponta que,
como o trabalho funda o ser social sem contudo esgotá-lo, o trabalho
não pode ser o princípio educativo com vistas à formação humana
em sua plenitude. A professora alagoana, depois de observar algumas
tentativas pedagógicas do período revolucionário russo, concluiu que
apenas a formação humana pode ser a base para a formação de uma
sociedade emancipada. Essas investigações são centrais para as infe-
rências de nossa exposição, pois é mérito da pesquisadora nordesti-
na demonstrar que “não faz nenhum sentido falar de educação para
o trabalho como se fosse sinônimo de formação humana” (p. 213).
Como conclui a autora, a “formação do indivíduo no horizonte da
relação deste com a generidade humana [...]”, confirma-se por meio
das dimensões mais amplas do indivíduo, “ou seja, não redutíveis ao

76
trabalho, possível de se materializar [como visto] apenas na sociedade
comunista [emancipada]” (p. 212).
Em resumo, a formação humana é o princípio pelo qual deve
se mover a formação do indivíduo singular; dialeticamente, o sujeito
humano singular, ao se formar perante a formação humana, concen-
tra o princípio que o faz humano na humanidade de seu gênero. Ao
formar seguindo o trabalho como princípio educativo, mesmo que se
considere a dialética do princípio educativo do trabalho, o ato forma-
tivo fica parcializado, não atinge a plenitude omnilateral indicada por
Marx nos Manuscritos.
O ato de formar a humanidade genérica dentro do indivíduo
singular, deve concentrar os elementos que preparem o sujeito para
a atividade trabalhadora. Concomitante ao aprendizado da produção
material, a formação humana, para se completar humanamente, pre-
cisa formar esteticamente os sentidos humanos, bem como o pleno
desenvolvimento físico-corpóreo. O pensador mouro chama de for-
mação omnilateral, o processo educativo capaz de articular trabalho
manual, atividade intelectual, desenvolvimento físico, formação es-
tética dos sentidos humanos, dentre outras características possíveis
apenas à natureza de homens e mulheres.
A investigação da professora Amorim (2018), baseada no que
Marx escreveu nos Manuscritos (1844), entende que o conceito de for-
mação humana apenas pode se completar por sobre a omnilateralida-
de. Com base nesses escritos marxianos, mas guiada por uma finalida-
de distinta à Amorim e, embora utilizando outros termos, a pesquisa
de Sandra Della Fonte (2014) aproxima-se muito ao entendimento
da professora das Alagoas. Della Fonte (2014, p. 289), escreve que
a formação humana é omnilateral por ser universal, pois “produz e
reproduz a natureza inteira, livre da carência imediata”. Isso permite
que o ser social, como diz Marx (2015), diferentemente da unilaterali-
dade do mundo animal, forme-se seguindo as leis da beleza.
Estando claro que Marx concebe a formação humana omnila-
teral em oposição à formação humana unilateral. Podemos esclare-
cer que o criador do marxismo, contudo, especifica que o ser social,
submetido à alienação do trabalho abstrato do modo de produção
capitalista, apenas pode ser formado de modo unilateral. Submetido
à unilateralidade capitalista, o trabalhador, portanto, fica exposto à
educação ofertada pelo capitalismo que não pode, senão, organizar
um processo educativo que procure, em vão, recompor a idealista
separação existente entre razão e sensibilidade.
Há casos, como o exemplo analisado da criação capitalista de
uma dicotomia dentro de uma dualidade, que a intelectualidade bur-

77
guesa decadente propõe um ramo educativo específico para educar os
trabalhadores e seus filhos. A pedagogia denomina esta restrição edu-
cacional de ensino profissionalizante. Tal ramo, como debatido, apenas
pode surgir perante o capitalismo desenvolvido. A conhecida educação
profissional, no cenário de crise estrutural do capital, assume feições
ainda mais restritivas. Aqui, além do estudante ser guiado apenas para
o aprendizado de uma função específica exigida pelo grande capital em
sua versão periférica, como é o caso do Brasil, produz-se sobre o traba-
lhador toda uma série de ideologias decadentes, a exemplo do empre-
endedorismo, entre diversas outras facetas impostas pelos empresários
e seus muitos ventríloquos.
Sobre essa tematização, podemos então enriquecer a diferença
entre educação e formação humana em Marx. Para o pensador mouro,
como registrado aqui por meio das Instruções para os delegados do Conselho
Geral Provisório da Associação Internacional dos Trabalhadores, proferi-
da por Marx em agosto de 1866, a educação concentra três elementos
articulados: educação intelectual, educação física e instrução tecnoló-
gica. A formação humana não se realiza sem a articulação desses três
fatores, mas vai além deles. A classe de formação humana, por sua
dimensão omnilateral, concentra a totalidade do humano de cada ser
social para que possa verdadeiramente conectar o indivíduo singular
ao gênero humano. Isto é, precisa de um processo que contemple,
além dos ensinamentos voltados para o desenvolvimento do trabalho,
também e concomitantemente todas as múltiplas dimensões humanas.
Para sintetizar: precisa concentrar elementos que formem o humano
singular do estômago à fantasia.
Com a definição desses elementos, podemos abrir caminho para
melhor especificar a concepção de formação humana omnilateral pro-
posta por Marx. Vale esclarecer, todavia, alguns aspectos etimológicos
da expressão omnilateralidade. O termo omni, segundo sua origem la-
tina, pode ser sinonimizado como ‘todo’, ‘inteiro’, ‘totalmente’. Della
Fonte (2014), nesse sentido, esclarece que em alemão, “‘essência om-
nilateral’ diz-se allseitiges Wesen, enquanto ‘de uma maneira omnilateral’
diz-se auf eine allseitige Art. O termo omnilateral remete para o adjetivo
alemão allseitig, composto pela palavra all, que significa todo/a, e Seite
que, entre vários sentidos, indica lado, página” (p. 388). Ela conclui
escrevendo que “allseitig pode ter como tradução as seguintes palavras:
polimórfico, universal, completo, geral; pode ainda vincular-se a allseits,
que significa de todos os lados, plenamente” (p. 388). A pesquisadora
acrescenta que não é um acaso o fato da expressão ‘de maneira omnila-
teral’ ser traduzida “para o inglês como comprehensive manner, total manner;
e, em francês, manière universelle” (p. 388).

78
Não podemos perder de vista que, embora seja de grande rele-
vância o entendimento etimológico das palavras, o que mais importa
para a tematização da omnilateralidade é o que a expressão concen-
tra em relação à possibilidade de formação humana integral. Com
o apoio de Mancorda, Della Fonte (2014) adverte contra o risco de
o significado da expressão omnilateral perder seu sentido marxiano.
Para a autora, é recorrente o uso da expressão omnilateralidade como
sinônimo de “multilateralidade (muitos lados que se somam)” (p. 388).
Sobre esse debate, Ivo Tonet (2006 p. 10) indaga que, talvez,
a palavra grega Paideia tenha sido o termo que melhor expressou a
“idéia de formação humana”. Como prossegue o autor: “A humanitas
romana, o humanismo renascentista e a Bildung alemã também ex-
pressam, cada uma com nuances próprias, esta mesma idéia de uma
ampla e sólida formação do ser humano” (p. 10). Para o pesquisador,
a sólida formação humana, no entanto, “era privilégio apenas de al-
guns poucos, os cidadãos” (p. 10). Além disso, como desenvolve o
autor, o que era defendido como solidez formativa “excluía todo tipo
de atividades – [principalmente] as que lidavam com a transformação
da natureza – que não fossem condizentes com essa natureza propria-
mente humana” (p. 10).
Não por acaso, aprofunda Tonet (2006), a Paideia grega, a hu-
manitas romana, o humanismo renascentista e a Bildung alemã são
laudatórias da cultura da Antiguidade clássica. Essas expressões, ainda
segundo nosso autor, se por um lado representam momentos altos da
trajetória humana, por outro, deixam claro a unilateralidade com que
a formação humana é concebida. Essa solidez unilateral carrega como
característica o privilégio do culto ao espírito. Como documenta To-
net (2006, p. 10): “Mesmo quando, como entre os gregos e romanos,
se acentua a necessidade de formar o corpo e o espírito, a ênfase
está na formação deste último”. Ao corpo, cabe apenas o treinamento
“através de exercícios físicos de forma a possibilitar o pleno desenvol-
vimento das faculdades espirituais” (p. 10).
Diferentemente dessa valorização exacerbada ao espírito em
detrimento de outras dimensões humanas, a omnilateralidade, para
Marx (2015, p. 349), é o processo em que os homens e mulheres apro-
priam-se “de sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral”,
portanto como ser humano em sua plena totalidade16. “Cada uma de

16  Manacorda (1991) registra que no livro A ideologia alemã, os autores desenvolvem
argumentação sobre a formação dos indivíduos completos. Já na publicação A miséria da
filosofia, a omnilateralidade, ainda segundo o filólogo italiano, aparece mais estreitamente
ligada ao processo produtivo da fábrica moderna.

79
suas relações humanas com o mundo”,
[...] ver, ouvir, cheirar, saborear, tatear, pensar, intuir, sentir, querer,
ser ativo, amar, em suma, todos os órgãos da sua individualidade,
bem como os órgãos que são imediatamente na sua forma órgãos
comunitários, [VII] são no seu comportamento objetivo ou no seu
comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a apropria-
ção da realidade humana; o seu comportamento para com o objeto
é o acionamento (Betätigung) da realidade humana (precisamente por
isso ela é tão múltipla quanto múltiplas são as determinações essenciais
e atividades humanas) (MARX, 2015, p. 349).

Algumas pesquisas que têm como raiz a tradição do marxismo


clássico, seguem a formulação manacordiana de omnilateralidade: “a
chegada histórica do homem a uma totalidade de capacidades produti-
vas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo
e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo e a satisfação
humana.” (MANACORDA, 1991, p. 81). Cada uma a sua maneira es-
pecífica de tratar a questão e ressalvando as distinções entre cada caso,
as investigações do intelectual italiano, de Tonet (2006), de Della Fonte
(2014), de Amorim (2018) e de Lailton Santos (2019), além de nossas
anteriores publicações Santos (2017a, 2019a), entre outras, entendem
que o encontro entre produção, consumo (do estômago à fantasia),
prazeres e satisfações humanas apenas podem completar-se quando
o ser usufruidor dessas possibilidades for emancipado das amarras da
mercadoria e da propriedade privada, pois a alienação produzida sob o
trabalho abstrato impede qualquer tentativa de contemplação, usufruto
e fruição plena das necessidade e potências humanas17.
Lukács corrobora com o entendimento de que o modo de pro-
dução capitalista cria obstáculos ao pleno desenvolvimento humano.

17  Inúmeras pesquisas dentro do marxismo, conforme tratamos em Santos (2017a),


anunciam, nem sempre de modo consensual, suas críticas ao modelo contemporâneo de
educar os trabalhadores e seus filhos em um ramo específico com direcionamento restrito.
Sobre o debate de formar a classe trabalhadora para o mercado de emprego/desemprego
do modo de produção capitalista em crise estrutural, lamentamos o impedimento deste
livro não poder tratar da importância de Demerval Saviani e de sua Pedagogia Histórico-
Crítica (PHC). Estamos igualmente impedidos de abordar as principais críticas que o grande
intelectual brasileiro e a sua PHC recebem. Indicamos, para que os leitores possam encontrar
caminhos de aprofundamento, Saviani (1985; 1991), onde o autor apresenta sua PHC,
sintetizada por João Luiz Gasparin (2003) e atualizada pelo próprio Saviani em companhia
de Duarte (2010). Duas das principais críticas a essa pedagogia são produzidas por Ademir
Lazarini (2015) e Neide Favaro (2017). Há outras propostas dentro do marxismo que
sugerem caminhos distintos das que anunciamos, brevemente, aqui. Justino de Sousa Junior
(2015), para ficarmos com um bom exemplo, apresenta “o princípio educativo da práxis”.

80
Mas, não apenas o capitalismo, para o autor: “a maioria das formações
sociais põe obstáculos ao desenvolvimento omnilateral do homem.”
(LUKÁCS, 1967b, p. 41). A plenitude do desenvolvimento das ca-
pacidades e potências humanas requer, sobretudo, um instrumental
produzido pelos próprios homens e mulheres. Essa instrumentaliza-
ção, como entende o marxista magiar, deve ampliar, complementar e
aprofundar a existência natural da humanidade.
A Grande Estética desse autor conceitua a omnilateralidade como
um estado de potência. Para o filósofo húngaro, um ser omnilateral
realiza-se por meio da possibilidade de um desenvolvimento total da
individualidade humana; ou seja, na possibilidade de desdobramen-
to e desenvolvimento de todas as capacidades e potencialidades pre-
sentes no sujeito humano: todas as possíveis relações sócio-humanas
com a vida. Isso quer dizer que essa potência humana é a aspiração à
elevação dos homens e mulheres a um patamar superior de relações
humanas. O sentido de omnilateralidade, portanto, na letra de Lukács
(1966b, p. 504), é precisamente a realização de um ideal dentro de
uma possibilidade: “a meta de um infinito processo de aproximação”.
Como complementa o autor, a omnilateralidade “é sempre uma aspi-
ração, um esforço, um intento de aproximar-se da infinitude extensiva
e intensiva que está contida em si – ou, melhor dizendo, se desen-
volve objetivamente – nessa omnilateralidade” (LUKÁCS, 1967b, p.
116). Necessário observar, com nosso autor, que a “proporção entre
o esforço e a tarefa impõe como necessidade tanto uma pluralidade
de caminhos como um caráter somente aproximado às consecuções
possíveis” (p. 116).
Para que possamos melhor entender o conceito de omnilatera-
lidade lukacsiano como um ideal a ser seguido, pois abre ao humano a
possibilidade de soerguimento a um patamar superior de convivência,
precisamos destacar a relação homem-inteiro/homem-inteiramente.
A retomada dessa relação é importantíssima, dado que permite arti-
cular o papel da catarse no processo educativo.
O esteta húngaro ensina que o tráfego do homem-inteiro para
o patamar de homem-inteiramente significa sempre um passo a mais
na aproximação à omnilateralidade do humano. Para o autor, o ho-
mem-inteiro é aquele que está entregue às vivências da cotidianidade
com toda a sua atenção e concentração; já o homem-inteiramente é
o estado do sujeito que, por meio da comoção catártica causada pela
obra, fica sob a experiência receptiva da autenticidade artística. No
processo de crítica à vida posto em andamento pela arte, a obra limita-
-se a explicitar com intensificação o que já está presente na correnteza
da vida.

81
A relação entre homem-inteiro, experimentada no cotidiano, e o
homem-inteiramente, usufruidor das objetivações superiores se dá de
modo recíproco. A arte é o veículo que condensa e abriga a transição
de um momento a outro. Isto é, o tráfego da condição de homem-in-
teiro à condição de homem-inteiramente. Como resumimos em Santos
(2018a), tal tráfego é o momento em que o ser social imerso em sua
vida cotidiana (homem-inteiro), acessa, ainda que momentaneamente,
um mundo qualitativamente distinto do da cotidianidade, um mundo
apropriado ao humano, um mundo em que o sujeito possa se sentir
homem-inteiramente.
Interessante anotar, seguindo orientações de Vedda (2018), que
Lukács (1966a e b; 1967a e b) utiliza a categoria homem-inteiro (der
ganze Mensch) para designar, portanto, o sujeito humano que vive no
cotidiano. Do modo como compreende o autor húngaro, para tornar-
-se homem-inteiramente (der Mensch ganz), este sujeito precisa se liber-
tar do meramente imediato para assim acessar, mesmo que por alguns
instantes, por meio do efeito da obra de arte, a plenitude do humano
(VEDDA, 2018).
Como explica Tertulian (2008, p. 276):
O destaque necessariamente unilateral da experiência estética atra-
vés de um sentido ou um ‘órgão’ determinado de recepção do
mundo, levando à homogeneização correspondente da matéria da
obra, é descrito como um processo de condensação e expressão da
personalidade integral. Lukács caracteriza este duplo processo de
eclosão da imanência sensível e da elaboração em seu interior de
um mundo sui generis como a necessária passagem da experiência
heteróclita e disparatada do homem da vida cotidiana (der ganze
Mensch) ao homem em sua plenitude, com todas suas pulsões e
faculdades mobilizadas e condensadas, da subjetividade estética (o
que denomina der Mensch ganz).

Depois de resumida a relação entre homem-inteiro/homem-


-inteiramente que, por sua importância, contribui para que possamos
sintetizar a proposta de formação omnilateral, é preciso ficar clara a
seguinte advertência lukacsiana: que essa potência seguirá sendo sem-
pre inalcançável em sua totalidade, posto que é uma potencialidade hu-
mana. Como o trabalho é a protoforma da humanidade, o que garante
a criação do novo, os homens e mulheres sempre precisarão de um
processo formativo voltado para o novo: para a constante e ineliminá-
val criação da novidade sob o trabalho humano. Em outros termos, o
devir humano sempre terá o que aprender em virtude de sua própria
natureza humano-social, vinculada ao trabalho.
O processo educativo que possa formar os homens e as mulhe-

82
res de forma omnilateral, para sintetizarmos com palavras escritas em
Santos (2017a, p. 77), deve ser
[...] preocupado em restabelecer o vínculo afetivo (prazer nos
bens que se produz) com a atividade intelectual (e seus funda-
mentos científicos) não somente de forma passiva; mas como o
resultado do trabalho, o que demandaria a colaboração entre edu-
cação intelectual, do corpo e das capacidades tecnológicas possi-
bilitadas pelo devir humano, além de contemplar a esfera espiritu-
al. Nesse processo os trabalhadores são considerados igualmente
em sua totalidade, adquirindo consciência e autoconsciência de
suas intenções e finalidades, conectam-se ao ser genericamente
humano universal, além de poderem exercer a práxis revolucio-
nária de unir teoria e prática na ação de transformar a natureza.

Sob o entendimento de que a omnilateralidade é uma meta


dentro de uma possibilidade que, por sua vez, se realiza dentro de um
infinito movimento de aproximação, temos as condições de retomar
a tematização da proposta de formação humana em Marx. Não pode-
mos esquecer, todavia, que para essa propositura marxiana ser efeti-
vada, é necessária a superação do modo de produção capitalista. Para
que a humanidade possa acessar essa classe de formação, com efeito,
é preciso uma ruptura radical com o capital e suas formas de explora-
ção. Apenas com a superação da propriedade privada e com a implan-
tação do trabalho livremente associado, como registra Tonet (2006;
2012; 2014), fica dada a possibilidade para a criação de uma sociedade
emancipada e, consequentemente, a possibilidade da implantação de
uma formação humana omnilateral. Sob o modo de produção livre-
mente associado, jamais sob o modo de produção capitalista, a forma-
ção omnilateral, destarte, poderá proporcionar o desenvolvimento de
todas as faculdades e sentidos humanos.
Da tematização acerca da formação humana, dois elementos,
pela importância que têm para nossa exposição, precisam ser epigra-
fados. São eles:
1. A formação humana, nos marcos como foi planejada por
Marx, não pode abrir mão de superar a cisão entre razão e sensibilida-
de;
2. É impossível ao modo de produção capitalista superar a divi-
são entre a sensibilidade de um lado e a razão de outro.
Com esses dois apontamentos como pressupostos, nosso livro
pode indicar que o complexo artístico não tem como recompor o
indivíduo fragmentado perante o modo de produção capitalista. Resta
responder, então, qual o papel que a função educativa da arte cumpre
na recomposição do sujeito humano fragmentado pelo capitalismo.

83
Para que essa resposta possa ser adequadamente problematizada
e, principalmente, possa atender à demanda que brota dentro da escola
e que surge com os professores que precisam utilizar o que se con-
vencionou chamar arte-educação, precisamos antes analisar a chamada
Arte-educação e os PCNs-Arte. Isso se justifica uma vez que este docu-
mento alimenta os currículos das escolas brasileiras sobre o ensino de
arte. Com essa tematização aclarada, retomaremos as articulações entre
a educação e a arte. Consequentemente, teremos melhores condições
de problematizar a função educativa da arte. Para dar relevo à fun-
ção educadora da arte, usaremos os documentos oficiais como contra-
exemplo, principalmente os PCNs-Arte, uma vez que os pressupostos
teórico-metodológicos que embasam os textos estatais distanciam-se
diametralmente da onto-metodologia materialista.

84
Capítulo 6 – Ana Mae Barbosa, Arte-educação e
os PCNs-Arte: uma síntese

Não há como falarmos na chamada arte-educação sem con-


ferir, em primeiro plano, à Ana Mae Barbosa o reconhecimento por
ter aberto o debate sobre o tema no Brasil, e o fez, com efeito, em
um período em que as atrocidades do autoritarismo militarista, que
comandaram o país por mais de duas décadas, criavam obstáculos
a quem pleiteava o novo. Com base em documentação relativa aos
acordos assinados entre o Ministério da Educação e o United States
Agency for International Development, designados como acordos MEC-
-USAID18, Barbosa cria, para enfrentar a problemática da formação
dos arte-educadores, aquilo que designou de abordagem triangular,
composta por três vértices: o ver/apreciar, o fazer e o contextualizar.
18  Segundo o que constatou a pesquisa de Teixeira (2014), aqueles acordos foram
produzidos nos anos 1960 e visavam estabelecer convênios de assistência técnica e apoio
financeiro à educação brasileira. Entre junho de 1964 e janeiro de 1968, período de maior
intensidade do convênio, foram firmados 12 acordos, abrangendo desde a educação
primária (atual Ensino Fundamental) ao ensino superior. O último dos acordos foi firmado
no ano de 1976. Inseridos em um contexto histórico fortemente marcado pelo tecnicismo
educacional e pala teoria do capital humano de Theodore Schultz, tais acordos pleiteavam
submeter a concepção de educação aos pressupostos do desenvolvimento econômico
(TEIXEIRA, 2014).
Como explica Barbosa (1998, p. 33), “foi no esforço dialogal
entre o discurso pós-moderno global e o processo consciente de di-
ferenciação cultural também pós-moderno que, no ensino da arte,
surgiu a abordagem que ficou conhecida no Brasil como Metodologia
Triangular”. Mais adiante, a professora entende que o termo é inade-
quado. Para ela, quando se trata da arte e da educação, os problemas
semânticos não são apenas semânticos, envolvem, também, a concei-
tuação. Quem deve definir a metodologia, sustenta a investigadora,
é o professor na hora que vai atuar em sala. Sobre essa inadequação
semântica-conceitual, assim ela se expressa: “gostaria de ver a expres-
são Proposta Triangular substituir a prepotente designação Metodo-
logia Triangular” (BARBOSA, 1998, p. 33).
De modo geral, há distinções entre as diversas reelaborações
de tal proposta nas salas de aula. A própria autora admite que sua
proposta é aberta a reinterpretações e reelaborações. Pondera, no
entanto, que a abertura talvez tenha sido a motivação para tantos
equívocos nas interpretações e na aplicação da abordagem triangular.
(BARBOSA; CUNHA, 2010).
Para Benelli (2011), algumas críticas se precipitaram em acusar
a arte-educadora de copiar a proposta estadunidense Discipline-Based-
-Art Education (DBAE), bem como a Esculeas al Aire Libre, que se arti-
cula à elaboração mexicana presente na escola libertária. Esse autor é
enfático ao defender Barbosa; ele argumenta que essas duas propos-
tas serviram de base para que a autora estruturasse sua abordagem
triangular, jamais foram copiadas por ela.
Sobre suas inspirações, a própria Barbosa (1991, p. 36) assim
se expressa:
Nos anos sessenta, Richard Hamilton, com a ajuda de artistas
professores como Richard Smith, Joe Tilson e Eduardo Paoloz-
zi, em Newcastle University, lançava as bases teórico-práticas do
que hoje os americanos denominam DBAE, isto é, Disciplinc-
d-Based-Art Education, a bandeira educacional do competente
trabalho desenvolvido pelo Getty Center of Education in the
Arts. Precursor do DBAE foi também o trabalho desenvolvido
nas “Escuelas al Aire Libre”, no México, depois da revolução
de 1910. Aquelas escolas seguiam a orientação de Best Maugard
que pretendia, através do ensino da arte, levar a uma leitura dos
padrões estéticos da arte mexicana que aliada à história destes
padrões e ao fazer artístico recuperariam a consciência cultural
e política do povo. Buscava-se, com o desenvolvimento do fazer
artístico, a leitura da arte nacional e sua história, a solidificação
da consciência da cidadania do povo. Enfim, as Escuelas al Aire
Libre geraram o movimento muralista mexicano e podemos con-
siderá-las portanto o movimento de arte-educação mais bem-su-

86
cedido da América Latina.

Mesmo que haja variações nas interpretações acerca da abor-


dagem triangular, como admitido pela autora, o que se lê da pró-
pria Barbosa, e em alguns de seus propositivos intérpretes, de modo
bem geral e resumido, é que se deve articular os três eixos de modo
a despertar e desenvolver a capacidade de percepção, de fantasia e
de imaginação no estudante.
Essa articulação deve considerar que o fazer – primeiro mo-
mento – é importante, pois estimula o aprendiz a produzir criativa-
mente; que o ver/apreciar – segundo momento – deve se respon-
sabilizar por desenvolver a observação do aprendente em relação
à apreciação de obras artísticas; a contextualização, por fim, deve
valorizar o sentimento do estudante, dando-lhe condições de co-
nhecer a história da arte, o que poderá despertar no apreciador a
reinvenção, por ele mesmo, da obra.
Os PCNs-Arte esclarecem, na nota de roda pé número oito,
o seguinte:
As idéias de integração entre o fazer, a apreciação e a contextu-
alização artística são indicações da “Proposta Triangular para o
Ensino da Arte”, criada por Ana Mae Barbosa e difundida no
País por meio de projetos como os do Museu de Arte Contem-
porânea de São Paulo e o Projeto Arte na Escola da Fundação
Iochpe (BRASIL, 1997, p. 25).

Para a criadora da proposta triangular, uma perfeita integração


entre os três momentos corresponde ao que ela entende ser a epis-
temologia da arte; pois, “a anemia teórica domina a arte-educação
que está fracassando na sua missão de favorecer o conhecimento na
e sobre artes visuais organizado de forma a relacionar produção ar-
tística com apreciação estética e informação histórica” (BARBOSA,
1995, p. 13). A arte-educadora justifica sua abordagem escrevendo
que, em resposta à nossa incapacidade de ler as diversas imagens que
são impostas pela mídia diariamente, “a educação deveria prestar
atenção ao discurso visual”. Para ela, “ensinar gramatica visual e sua
sintaxe através da arte e tornar as crianças conscientes da produção
humana de alta qualidade é uma forma de prepará-las para com-
preender e avaliar todo tipo de imagem, conscientizando-as de que
estão aprendendo com estas imagens” (BARBOSA, 1998, p. 17).
Ana Mae Barbosa, conforme afirma Teixeira (2014), é uma
grande defensora do investimento estatal na formação dos arte-e-
ducadores. Esta pesquisadora compreende que na tese de Barbosa,

87
os professores, por meio da arte-educação e de suas ações criativas
e conscientes, engendrarão “nos educandos, subjetividades criado-
ras e críticas, propiciadoras de um desenvolvimento individual e de
uma atitude cidadã” (TEIXEIRA, 2014, p. 60). O resultado desse
processo, seria, ainda segundo a crítica de Teixeira (p. 60): “Formar
indivíduos capazes de usufruir e conhecer a cultura de sua pátria,
compreendendo e analisando, desse modo, o contexto social, com o
objetivo de transformá-lo”.
A pesquisa de Teixeira (2014), em diálogo com Helena Ferraz,
detectou que Barbosa, a partir do ano de 2000, passou a usar a bar-
ra em vez do hífen para escrever o termo que criou. Desse modo,
a grafia do termo (arte-educação), passou a ser escrito da seguinte
maneira: (arte/educação). A justificativa dada por Barbosa assenta-
-se no argumento de que a mudança resulta em uma compreensão
mais avançada sobre o que é, doravante, arte/educação (TEIXEIRA,
2014).
A proposta triangular alicerçada por Ana Mae Barbosa foi a
referência maior para a criação dos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais-Arte (PCNs-Arte), conforme registra a pesquisa de Patrícia Vol-
pe (2006). Isso nos impõe analisar, mesmo que rapidamente, esse
documento oficial19.
Os Parâmetros, assim como seus congêneres publicados a par-
tir da última década de século passado, inserem-se nas orientações
da Conferência Mundial de Educação para Todos, ocorrida em 1990
em Jomtien, na Tailândia, e patrocinada pelos organismos internacio-
nais, a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO), do Banco Mundial (BM) e do Fundo
Monetário Internacional (FMI), dentre outras agências.
Conforme constatam Rabelo, Mendes Segundo e Jimenez
(2009), o resultado do evento de Jomtien e das demais reuniões que
têm se multiplicado ao redor do mundo a partir do início dos anos
de 1990, objetivam universalizar a educação básica. Não há nada de
mal nessa iniciativa, visto que, até que se prove o contrário, a univer-
salização da educação escolar é uma bandeira progressista. Com base,
entretanto, nas orientações da tal conferência, observa-se que passam
a fazer parte dos currículos constantes reformulações. Tais modifica-
ções visam, por um lado, desvalorizar os conhecimentos construídos
universalmente e, por outro, direcionar a educação para interesses

19  Não temos como analisar aqui a produção de João Francisco Duarte Júnior. Indicamos,
contudo, para quem quer conhecer as propostas do autor sobre nossa problemática, seu livro
“Por que arte-educação?” (1991).

88
diretamente mercadológicos. Soma-se a isso, a precarização do en-
sino superior em articulação à dita universalização do ensino básico.
Os debates dessa conferência são expressos no texto deno-
minado de Educação: Um tesouro a descobrir, cuja organização coube a
Jacques Delors. É de reconhecimento público da comunidade edu-
cacional brasileira e mundial, a presença do Relatório Delors, fruto da
conferência Jomtien, nas orientações da política educativa brasileira,
destacadamente, sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional (LDBN) n˚ 9.394/96, os Parâmetros Curriculares Nacionais,
as Diretrizes Curriculares Nacionais, dentre outros documentos.
A influência de tal relatório sobre os PCNs-Arte é de uma
notoriedade tão evidente que dispensa uma investigação mais apro-
fundada, pois o próprio documento escreve que “a área que trata da
educação escolar em artes tem um percurso relativamente recente e
coincide com as transformações educacionais que caracterizaram o
século XX em várias partes do mundo” (BRASIL, 1997, p. 21).
Conforme registro de Araújo (2010), esse documento associa,
de modo acrítico, a arte à profissionalização, articulando-as à de-
fesa da cidadania como sendo o último horizonte da sociabilidade
humana. Como descreve o documento oficial: “A arte também está
presente na sociedade em profissões que são exercidas nos mais di-
ferentes ramos de atividades; o conhecimento em artes é necessário
no mundo do trabalho20 e faz parte do desenvolvimento profissio-
nal dos cidadãos” (BRASIL, 1997, p. 20).
Já se sabe qual o germe faz nascer a chamada educação pro-
fissionalizante, portanto, não causa espanto a proximidade entre o
documento oficial e as pretensões da burguesia decadente do ca-

20  Sérgio Lessa (2013, p. 11), sobre a categoria Mundo do Trabalho, considera o seguinte:
“Não é raro que uma dada noção apenas possa cumprir sua função ideológica se for
imprecisa. Isto é mais frequente, como fenômeno ideológico, do que pode parecer à
primeira vista. Considere-se, por exemplo, o termo ‘mundo do trabalho’. Atua, na maior
parte das vezes, como substituto da categoria, precisa e cientificamente estabelecida, de
relações de produção. Sua enorme imprecisão possibilita que adquira, não apenas entre
autores distintos, mas também no interior de um mesmo texto de um mesmo autor,
significados tão distintos quanto o local de trabalho (que pode ser do escritório à fábrica,
dos shoppings centers a uma repartição estatal), a linha de montagem, a totalidade das
atividades produtivas de uma sociedade ou da humanidade; uma postura de classe, como
na expressão mundo do trabalho versus o mundo do capital, o sujeito revolucionário,
etc. Sugere mais que conceitua. No debate de ideias em uma sociedade de classes, toda
imprecisão serve à classe dominante; sendo as ideias dominantes aquelas da classe
dominante, as imprecisões tendem a ser interpretadas no sentido mais adequado a esta
última”.

89
pitalismo imperialista em crise profunda: adequar a escola, mesmo
que por meio da arte, aos imperativos mercadológicos do emprego/
desemprego.
Como registrado acima, Volpe (2006) já havia nos avisado da
referência das teses de Barbosa sobre o PCNs-Arte. Não obstan-
te, faltou àquela autora indicar o afastamento, tanto do documento
quanto de sua principal influenciadora, de uma perspectiva educacio-
nal que se alinhe à emancipação humana. Tanto no documento como
na autora, encontramos a chamada arte-educação como aliada da for-
mação cidadã e da preparação para o mercado de trabalho capitalista.
Em várias passagens da produção de Barbosa (1995), encon-
tram-se trechos como o que se segue, em que a autora alinha sua pro-
posta à formação cidadã: “O papel das Artes para o desenvolvimento
cultural é analisado, considerando-se seus efeitos para o desenvolvi-
mento da consciência de cidadania, para a alfabetização visual, para
a potencialização da criatividade e para a preparação de um público
apreciador de arte” (BARBOSA, 1995, p. 9). Há ainda, mais adian-
te, a defesa de que a arte-educação deve ser “capaz de desenvolver
a autoexpressão, apreciação, decodificação e avaliação dos trabalhos
produzidos por outros, associado à contextualização histórica, é ne-
cessária não só para o crescimento individual e crescimento da nação,
mas também é um instrumento para a profissionalização” (p. 14).
Já para os PCNs-Artes, a cidadania é a “participação social e
política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis
e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, coopera-
ção e repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o
mesmo respeito” (BRASIL, 1997, p. 63). Sobre a relação educação
e formação cidadã, o documento escreve o seguinte: “o ensino e a
aprendizagem de conteúdos colaboram para a formação do cidadão,
buscando igualdade de participação e compreensão sobre a produ-
ção nacional e internacional de arte” (BRASIL, 1997, p. 41). O texto
oficial espera que o ensino de arte parametrizado nos currículos do
Ensino Fundamental possa colaborar com o que ele chama de exer-
cício da cidadania cultural. Essa expectativa indica quais os critérios a
serem avaliados pelas escolas. Vejamos o que os PCNs-Arte esperam
como resultado:
No transcorrer das quatro séries do ensino fundamental, espera-se
que os alunos, progressivamente, adquiram competências de sensibili-
dade e de cognição em Artes Visuais, Dança, Música e Teatro, perante
a sua produção de arte e o contato com o patrimônio artístico, exer-
citando sua cidadania cultural com qualidade (BRASIL, 1997, p. 63).

90
Cabe esclarecer que nas páginas da redação oficial encontra-
mos a palavra cidadania escrita quatro vezes, enquanto a expressão
cidadão(s) está grafada oito vezes. Será que o leitor pode especular
quantas vezes a comunicação estatal escreve a palavra capitalismo,
ou luta de classes? Acertou quem pensou em nenhuma! Os redato-
res do documento que embasa a relação aprendizagem-ensino de
arte para as escolas de educação básica no Brasil sepultam, sem re-
morsos e de uma só vez, a luta de classes e o capitalismo.
Outra proximidade entre a redação oficial e as elaborações
teóricas de Ana Mae Barbosa aparece quando ambos tentam definir
a função da arte e, para isso, secundarizam a importância da ciência
para a vida humana. Argumentam, cada uma a sua maneira, que a
atividade artística deva ter um patamar de superioridade à ciência.
Percebemos como a prolixia do texto oficial procura ressaltar que
o “conhecimento artístico não tem como objetivo compreender e
definir leis gerais que expliquem por que as coisas são como são”
(BRASIL, 1997, p. 37).
A orientadora desse documento, por seu turno, entende que
“na educação, o sujeito, a vida interior e a vida emocional devem
progredir, mas não ao acaso” (BARBOSA, 1995, p. 16). Nesse mes-
mo contexto, a autora se refere ao complexo artístico, escrevendo
o seguinte: “Se a arte não é tratada como um conhecimento, mas
como um ‘grito da alma’, não estaremos oferecendo uma educação
nem no sentido cognitivo, nem no sentido emocional. Por ambas a
escola deve se responsabilizar” (p. 16).
Mesmo que seja correta a afirmação que a arte não reflete a
realidade como ela é em-si, o que se produz na obra é, ao mesmo
tempo, mais e menos que conhecimento. A arte reflete o mundo
em sua verossimilhança, dado que sua refiguração não se presta a
construir o ser como ele se mostra no mundo real e concreto, senão
a forma como o mundo pode vir a ser ou deve deixar de sê-lo.
Como explica Lukács (1966b, p. 179-180): “Mais que conhe-
cimento, porque a arte é, frequentemente, capaz de descobrir fatos
até então inacessíveis ao conhecimento, e pode fazê-lo de um modo
tal que sua transposição em conhecimento desantropomorfizador
continue impossível durante muito tempo”. Essa classe de conhe-
cimento, por diversas razões que nunca vieram a se esclarecer cor-
retamente sob uma descrição cientificamente exata, pode ampliar
consideravelmente o conhecimento de mundo do sujeito e, até, so-
bre o próprio indivíduo.
Ao mesmo tempo em que consegue essa classe sui generis de
sabedoria, porém, a arte é também menos que conhecimento em

91
sentido stricto, pois o que oferece ao humano, em comparação à pers-
pectiva científica, não pode assumir um caráter de elemento compro-
vável. O fato da existência histórica de determinadas epistemologias
que, segundo Lukács (1966b), põem o reflexo artístico generalizando-o
como realidade por cima do método científico, a exemplo das teorias
irracionalistas da decadência, serve como prova contundente de que há
a necessidade de se objetar tal equívoco.
A classe de comprovação que a arte exige de suas formações
“não pode se levantar nunca, vista cientificamente, acima do nível que
consiste em fazer imediatamente evidente o momento da necessida-
de no mero-ser-assim de um fenômeno ou de um complexo de fe-
nômenos” (LUKÁCS, 1966b, p. 180). Ademais, quando se considera
a ciência em sentido stricto, a vida cotidiana e a arte ficam, pois, muito
próximas, visto que ambas guardam “um gigantesco depósito de plane-
jamentos e observações que podem ser de extraordinária importância
para a evolução da ciência, porém que não podem receber real consu-
mação, verificação como conceitualidade e legalidade objetiva, senão
na própria ciência” (p. 180).
A crítica que Teixeira (2014, p. 61) apresenta aos pressupostos
que edificam a teoria da dita arte-educação presente em Barbosa e re-
plicada acriticamente nos PCNs-Arte é suficientemente esclarecedora:
Embora concordemos com alguns elementos teóricos desta aná-
lise sobre o papel social da Arte, como, por exemplo, o de produ-
zir sujeitos mais conscientes, e reconheçamos, ainda, que Barbosa
elabora uma crítica sincera aos preceitos e limitações que a classe
dominante da sociedade capitalista impõe a educação dos indiví-
duos, de um modo geral, suas elaborações teóricas não conver-
gem para uma análise mais profunda sobre as bases da reprodução
metabólica capitalista, como consequência deixa intacto as críticas
ao processo de trabalho sustentado na exploração humana, e na
propriedade privada.

Esta autora associa a abordagem triangular de Barbosa ao cha-


mado paradigma do “aprender a aprender”, visto que, segundo a pró-
pria arte-educadora, a sua abordagem tem por base as teses centrais do
pensamento pós-moderno.
As assim chamadas pedagogias do “aprender a aprender”, apre-
sentam, segundo pesquisa de Newton Duarte (2001, p. 151), quatro
posicionamentos valorativos:
1. É mais desejável a aprendizagem que ocorre sem a
transmissão de conhecimentos por alguém;
2. O método de construção do conhecimento é mais im-
portante que o conhecimento já produzido socialmente;

92
3. A atividade do aluno deve ser impulsionada pelos in-
teresses e necessidades do indivíduo;
4. A educação deve preparar os indivíduos para um
constante processo de adaptação e readaptação à sociedade em acele-
rado processo de mudança.
Advertimos, todavia, que quando posicionamos a problemáti-
ca das identificadas pedagogias do “aprender a aprender” no plano
ontológico, ou seja, quando procuramos a função social dessas de-
signadas pedagogias, verificamos que uma designação mais próxima
da realidade seria definir esse conjunto de ilusões pedagógicas como
aprender a (des)conhecer. Isso porque, conforme argumenta Duarte
(2001), em vez de facilitar o aprendizado, essas inovações educativas
somente prezam para que o conhecimento seja apenas e parcialmente
da classe burguesa. Esse favorecimento do caráter de classe do modo
de produção capitalista acaba por criar obstáculos para que o conhe-
cimento universal construído pela humanidade chegue à classe traba-
lhadora.
Teixeira (2014) justifica sua crítica à Barbosa apoiada no fato
de que educação e arte cumprem funções sociais especificamente di-
ferentes. Como debatido ao longo de nosso livro, os dois complexos,
cada um a seu modo específico de atendimento às necessidades hu-
manas, refletem os problemas sociais de formas distintas.
Enquanto a arte apresenta legalidade imanente e antropomór-
fica, por meio de sua imediaticidade, apenas pode atender à interio-
ridade mais subjetiva do vivente. A educação, por intermédio de sua
imanência desantropomórfica, propõe-se a atender exigências objeti-
vas demandadas pela correnteza social que, por sua natureza, possam
garantir ao vivente a apropriação das objetivações produzidas histori-
camente pelo conjunto humano.
A crítica de Teixeira (2014) ao arcabouço discursivo de Ana
Mae Barbosa, mudando o que deve ser mudado e em certa medida,
também serve para o texto oficial, dado que o documento foi influen-
ciado por Barbosa. O alcance do documento, no entanto, por aten-
der a uma demanda institucional, acaba adentrando no espaço escolar
com muito mais intensidade. Esse é o motivo que nos faz prender
maior atenção aos Parâmetros, bem como a alguns outros textos es-
tatais que orientam a estrutura e o funcionamento da educação básica
brasileira.
Com apoio de artistas consagrados, como é o caso de Caetano
Veloso, Guimarães Rosa, dentre outros, os PCN-Arte entendem, com
suporte na canção do compositor baiano, que “o artista faz com que
dois e dois possam ser cinco, uma árvore possa ser azul, uma tarta-

93
ruga possa voar” (BRASIL, 1997, p. 28). Sem distinguir elementos
necessários para explicar os motivos pelos quais a forma artística que,
por sua natureza, precisa estar atada a um conteúdo específico e por
isso, pode subverter a lógica, o documento se pronuncia da seguinte
maneira quanto ao discurso educativo oficial:
As formas artísticas apresentam uma síntese subjetiva de signi-
ficações construídas por meio de imagens poéticas (visuais, so-
noras, corporais, ou de conjuntos de palavras, como no texto
literário ou teatral). Não é um discurso linear sobre objetos, fa-
tos, questões, idéias e sentimentos. A forma artística é antes uma
combinação de imagens que são objetos, fatos, questões, idéias
e sentimentos, ordenados não pelas leis da lógica objetiva, mas
por uma lógica intrínseca ao domínio do imaginário (BRASIL,
1997, p. 28).

Com base nesse conjunto gnosiológico-idealista acerca de


como a forma artística se manifesta, o documento chega ao cume do
relativismo ao declarar que “a arte não representa ou reflete a realida-
de, ela é realidade percebida de um outro ponto de vista” (p. 28). O
que o discurso oficial não entende, e nem pode compreender, visto
que seus pressupostos são demasiadamente idealistas, é que a arte,
que é baseada em uma objetividade indeterminada e tem uma imensa
pluralidade, está impossibilitada de assumir a exatidão pretendida nos
conceitos linguísticos.
Durante as explicações aos professores da educação básica so-
bre como construir um processo educativo por meio da arte, a reda-
ção estatal, no decorrer de suas oitenta e seis páginas, não debate ou
mesmo passa alguma informação sobre o desenvolvimento estético
dos sentidos humanos. Claro, também sabemos que a exposição ofi-
cial desconhece completamente que vivemos sob o modo de produ-
ção capitalista e que, talvez por isso, não exista luta de classes. Com
base na coincidência desse planejado desconhecimento, não causa
nenhum espanto a ausência da relação entre o desenvolvimento esté-
tico dos sentidos humanos e a divisão social internacional do traba-
lho, sobretudo no capitalismo que, no estágio de crise estrutural do
capital, fragmenta ainda mais os sentidos estéticos21.
Com o apoio em Marx (1996; 2015) e depois em Lukács (1966a
e b; 1967a e b), entendemos que a educação dos cinco sentidos hu-
manos, seu aprimoramento e refino, tem por base a história de toda
humanidade. Esse desenvolvimento histórico processa-se, cabe lem-

21  Sobre a fragmentação estética dos sentidos humanos, ver Mészáros (2006). Recentemente,
Géssica Sipriano (2019) atualizou a questão.

94
brar, por sobre uma paulatina e contraditória evolução, que se dá em
cima de recuos, rupturas e avanços. Sobre os próprios sentidos, essa
evolução contraditória provoca determinadas diferenciações que
não podem ser compreendidas apenas pela fisiologia. Não se pode
perder da análise o fato fisiológico, como registra Lukács (1966a),
que muitos animais têm sentidos particulares mais aguçados do que
os dos humanos. Lembremos que a águia enxerga bem mais que
homens e mulheres, assim como o lobo tem um faro mais apurado,
entre diversos outros exemplos que aqui poderiam ser elencados.
Para o esteta de Budapeste, o que mais importa quando se analisa o
desenvolvimento dos cinco sentidos da humanidade é que a divisão
social do trabalho, ou seja, as experiências adquiridas na atividade
trabalhadora, dota o trabalhador da capacidade, qualitativamente
distinta, de aguçar sua percepção que se amplia, se aprofunda e se
refina com os resultados do processo de trabalho.
Como desenvolve Lukács (1966a, p. 245):
A divisão social do trabalho entre os sentidos, a facilitação e o
aperfeiçoamento do trabalho através deles, a recíproca relação
de cada sentido com os demais através dessa colaboração cada
vez mais diferenciada, a crescente conquista do mundo externo
e interno do homem em consequência dessas sutis cooperações,
a difusão e aprofundamento da imagem cósmica, como conse-
quência: todo isso põe, por uma parte, os pressupostos materiais
e anímicos da origem e evolução das diversas artes; por outro
lado, uma vez constituída cada uma, instaura nela a tendência a
desenvolver cada vez mais peculiarmente as próprias qualidades
imanentes e a conseguir para estas uma tal universalidade, uma
tal capacidade de compreensão que – sem preconceito da inde-
pendência de cada arte em particular – penetre progressivamen-
te no que é comum a todas, o meio do estético.

A natureza estética da arte, para que possamos encerrar este


capítulo, tem necessariamente que atender ao caráter de incerteza
presente com muita força na cotidianidade. Essa natureza incerta
do reflexo artístico o faz ser mais aproximado aos reflexos do pen-
samento e da linguagem do cotidiano – carregada de antropomor-
fismo – do que do silogismo científico – necessariamente desantro-
pomórfico.
O sistema de sinalização 1’, como entende o esteta magiar, é
o elo que conecta a materialidade do em-si real à objetividade inde-
terminada. Essa conexão é o elemento que patenteia o caráter de
incerteza presente na arte, o que aproxima o complexo artístico da
fantasia presente com muita força na forma de pensamento da vida
cotidiana. Por meio desse sistema, a reflexão artística encontra uma

95
conexão entre a formação estética dos sentidos humano e o processo
educativo. Por essa conjunção de fatores, o capítulo a seguir, estudará
o sistema de sinalização 1’ em articulação ao processo educativo.

96
Capítulo 7 – Educação, arte e sistema de sinalização
1’: aproximações à formação estética dos sentidos
humanos

Para nossa crítica não se perder no mar da ociosidade discur-


siva, como é comum ao gosto da bricolagem colorida que hoje habi-
ta majoritariamente o espaço universitário, necessitamos, ao menos
alusivamente, incorporar ao debate o que Lukács (1967a) denomina
de terceiro nível de sinalização, sinalização de terceira ordem, ou
ainda, sistema de sinalização 1’. Essa incorporação auxiliará a com-
preensão de um fato basilar sobre o complexo artístico, a saber, a
arte, mesmo não sendo uma realidade em-si, não pode afastar-se
completamente do chão real e concreto onde vivem os homens e as
mulheres produtoras e receptoras do fluir artístico.
Tal sistema de sinalização, para o filósofo magiar, está em es-
treita articulação com o sistema da linguagem, ao mesmo tempo em
que se separa dos reflexos condicionados e incondicionados. Essa
dialética permite que a atuação do sistema de sinalização 1’ consiga
dar respostas para uma forma específica de consciência.
No caso das paixões e destinos humanos (alegrias e tristezas),
esse sistema é capaz de captar e elevar a consciência do sujeito a um
patamar superior de reflexão. A arte, dentro do que o autor chama
de objetivações superiores, guarda a capacidade de alcançar deter-
minadas reflexões que, por sua natureza estética, são impossíveis de
serem captadas puramente por meio da linguagem. O que importa
destacar, para a presente tematização, é que, no imediato, a catarse
estética produz uma elevação do receptor. Esse vivente que momen-
taneamente é soerguido do cotidiano, não consegue excluir a forma
de pensar da vida cotidiana, pois a dialética da contradição social não
permite.
Essa classe especial, que é possibilitada por meio da reflexão
estética, põe o sujeito humano acima de sua realidade cotidiana, mes-
mo que após o efeito da obra (catarse), o vivente retorne ao chão
do Depois de sua cotidianidade. Esse regresso, entretanto, dá-se de
modo enriquecido.
Recordemos, com base nessa síntese, que a capacidade humana
de agir diante de novas e inesperadas situações repousa sobre um am-
plo e profundo sistema de reflexos condicionados e incondicionados.
A proposta de estudo de Lukács (1967a, p. 35) pretende mostrar que,
em consequência do desenvolvimento do trabalho, de sua divisão so-
cial, há a produção da necessidade de novas conexões, “de modos
mais complicados de reagir à realidade, de perceber nela conexões
mais complicadas, de agir de um modo novo correspondente às no-
vas situações”.
Esse processo produz, em consequência da natureza do tra-
balho, no próprio processo laborativo, “reflexos que, embora não se
levantem por cima da sensibilidade imediata de um modo ostensiva-
mente abstrato como a linguagem, não são – como pensava Pavlov
– simples reflexos condicionados, senão que se parecem mais com a
linguagem em sentido de que são sinais de sinais” (LUKÁCS, 1967a
p. 35). Isto é, já na própria atividade de trabalho, produz-se reflexos
que, mesmo não se comparando à sensibilidade abstrata imediata da
linguagem, são sinais de um sistema de terceira ordem que se situam
entre os reflexos condicionados e a linguagem. Por isso, com o ob-
jetivo de destacar a posição intermediária entre os reflexos condicio-
nados e a linguagem, o autor considera coerente denominar esse tipo
de reflexo de sistema de sinalização de terceira ordem, ou sistema de
sinalização 1’.
Sobre essa questão, em Santos (2018, p. 294) escrevemos o se-
guinte:
[...] o objetivo de dedicar-se à psicologia reflexológica é inserir
um terceiro nível de sinalização, chamado por Lukács de siste-
ma de sinalização 1’. O que propõe o autor húngaro com este
novo nível? Considerando apenas uma apresentação de partida,

98
o filósofo propõe que entre o primeiro sistema de sinalização,
os reflexos condicionados – chamado pelo autor de sistema de
sinalização 1 – e o segundo nível de sinalização, a linguagem –
chamado pelo esteta de sistema de sinalização 2 –, existe um ter-
ceiro nível, cujo desdobramento e interação com a humanidade
seria dado pela fantasia, conceituado pelo esteta como terceiro
nível de sinalização, que estaria dentro do que o autor chama de
sinais de sinais.

Em resumo, ao mesmo tempo em que a criação artística ne-


cessita de consciência para pôr em prática seu papel social, precisa,
em relação dialética com esta, de uma consciência ainda não efetiva-
da, o que Lukács (1967a) chama de ainda não-consciente22.
A capacidade artística, de cada arte em particular, e de cada
estilo em especial, será o elo capaz de resolver essa contradição, uma
vez que unifica as tendências da linguagem e do sistema de sinali-
zação 1’ que, por sua vez, são articulados; isto é, os dois sistemas,
mesmo que guardem diferenças entre si, operam juntos.
Com a intenção de complementar essa unificação, esse siste-
ma “recebe, com efeito, sua substância das mais profundas fontes
pessoais do criador; porém, por outra parte, é o único veículo que
pode levar esse tipo de reflexo fundado no sujeito a uma objeti-
vidade geral, à capacidade de brotar evocativamente em todos os
homens” (LUKÁCS, 1967a, p. 154).
Como ilustração ao seu argumento, o esteta se utiliza do se-
guinte exemplo: “Quando digo mesa ou cão, fica lembrado um ob-
jeto cuja existência é independente da percepção subjetiva” (LUKÁ-
CS, 1967a, p. 161). Já na captação que se processa por meio do
sistema sinalização 1’, ocorre uma inseparabilidade em relação ao
sujeito vivente, “ainda que, naturalmente, também neste caso os su-
jeitos [viventes] existem em-si, independentemente do sujeito [cria-
dor ou receptor]” (p. 161).
Não há dúvida, para o autor, que a univocidade observada na
linguagem formal das autênticas obras de arte seja uma comprova-
ção nítida de classe de consciência sui generis promovida pela arte.
Explicando de outro modo, através de uma extraordinária e como-
vente visibilidade de determinado aspecto da cultura pessoal (par-

22  Importa registrar que Lukács chama de fantasia do movimento ao que Arnold Gehlen
(1987, p. 225) documenta como kinefantasta: “[...] o produto do processo de encurtamento,
que faz um movimento antes de ser podido, antes de consistir nos acentos elegantes do
minimum do movimento dominado”.

99
ticularidade)23, surge na conformação artística uma forma peculiar
de consciência. Nos termos de Lukács (1967a), essa autoconsciência
funciona como memória da humanidade, dado que é dotada da capa-
cidade de ampliar e aprofundar a receptividade em relação a tudo o
que necessita de destaque e enriquecimento para o desenvolvimento
ampliado dos indivíduos.
A verdadeira arte, segundo o marxista húngaro, visa o maior
aprofundamento e a máxima compreensão da realidade social. Deve,
ainda, captar a vida na sua totalidade omnicompreensiva). Isto é, a
autêntica arte aprofunda a busca daqueles momentos mais essenciais
que se acham ocultos sob a capa dos fenômenos. Esses momentos
essenciais não devem ser refletidos de maneira abstrata, senão apre-
ender o processo dialético vital, cuja essência transforma-se em fe-
nômeno, ou seja, revela-se no fenômeno, fixando, também, aquele
aspecto do mesmo processo segundo o qual o fenômeno manifesta,
na sua mobilidade, a sua própria essência.
A arte, portanto, deve ser tratada como um reflexo da realidade:
deve estar decisivamente atrelada ao sensível humanizado e objetiva-
do e não em contraposição ao real. Como descreve o autor, a forma
estética deve ser estudada em seu modo genuíno e original de mani-
festação, tal como encontra-se, sobretudo, na obra de arte: “enquanto
objetivação do reflexo estético da realidade, no processo criador e no
comportamento estético-receptivo em face da arte” (LUKÁCS, 1978,
p. 184). É evidente, prossegue o esteta, “que a forma artística – preci-
samente quando tem importância estética – é a forma específica e pe-
culiar daquela determinada matéria que constitui o conteúdo de uma
dada obra”. A forma, destarte, de um conteúdo específico (p. 184).
Sob o capitalismo imperialista decadente, a produção dos cria-
dores artísticos carrega a tendência a degenerar-se (LUKÁCS, 2010a;
2010b). Os elaboradores dos PCN-Arte desconsideram completa-
mente a fragmentação dos sentidos humanos decorrente, por sua
vez, das imposições do capitalismo agudizadas na crise estrutural
do capital (MÉSZÁROS, 2009; 2006). Esse é o processo, conforme
Lukács (2010b), que torna sintomático o desvario, a insensibilida-
de, entre outros sintomas psicológicos que se generalizam quando

23  Em Santos (2017c) debatemos a categoria da particularidade. Neste livro, tematizamos,


para usarmos brevíssimas palavras, que a particularidade se constitui em um movimento que
se move entre o singular e o universal. A esfera estética, por meio da peculiaridade, tem um
medium que possibilita que o universal se purifique no singular e que este se encontre naquele.
Rafaela Teixeira (2016) sintetizou a problemática da particularidade em Lukács. Ver ainda,
sobre essa questão, Teixeira e Santos (2017).

100
os artistas procuram se adaptar à terrível inumanidade moribunda
capitalista, solicitada, por seu turno, pelos interesses da burguesia
decadente em crise profunda, que requer da arte sua malfadada fei-
ção. Lukács (2010b, p. 112) afirma que essa estéril ebriedade que se
verifica na arte sob o capitalismo atual não é “apenas um fenômeno
complementar à obtusidade da adaptação, mas lhe reforça os aspec-
tos piores”.
Com essa crítica como suporte, podemos indicar que os pa-
râmetros orientadores do ensino de arte no Brasil são elaborados
sob a concepção da necessidade da flexibilização e aligeiramento do
conhecimento, como se pode ler nos PCN-Arte, “é preciso mudar
referências a cada momento, ser flexível. Isso quer dizer que criar e
conhecer são indissociáveis e a flexibilidade é condição fundamental
para aprender” (BRASIL, 1997, p. 21).
Os documentos oficiais produzidos no Brasil desde início da
última década do século XX, a exemplo dos Parâmetros analisados,
seguem orientação dos organismos internacionais, haja vista que es-
sas agências são as maiores influenciadoras das reformulações edu-
cacionais iniciadas nos anos de 1990 nos países periféricos, como o
caso do Brasil.
Conforme documenta a pesquisa de Freitas et ali (2019, p.
10), os currículos dos cursos oferecidos nas Instituições de Ensino
Superior (IES) que formam professores no Brasil são submetidos
a alterações e a ajustes para adaptarem-se ao “novo modelo de tra-
balhador exigido pelo mercado, que teria que ser flexível, polivalen-
te, dinâmico e competente”. Para o caso dos “cursos de formação
docente, essa tendência aplica-se em tornar os cursos com maior
polivalência como é o caso do curso de pedagogia” (FREITAS et
ali, 2019, p. 10). Como entende a pesquisa: “A indicação do trabalho
pedagógico em instituições que necessitem desse conhecimento tem
possibilitado o surgimento no Brasil de novas vertentes pedagógi-
cas, a exemplo da pedagogia empresarial e empreendedora” (p. 12).
Para Freitas et ali (2019), não há dúvida da relação existente
entre as diretrizes curriculares para os cursos de pedagogia e as prer-
rogativas do programa de Educação Para Todos (EPT) da Unesco.
Desse modo, não há como os PCNs-Arte escaparem às exigências
do capitalismo imperialista decadente que, na atualidade, seguem
as orientações das agências multilaterais. Tais orientações, segun-
do pensam seus elaboradores, são necessárias para que o indivíduo
possa atender às especificidades do mercado de trabalho capitalista
e assim se preparar para o emprego/desemprego.
Não importa para o grande capital em sua versão decadente,

101
que se manifesta por meio do binômio global-neoliberal e do pensa-
mento pós-moderno, se o instrumento de adaptação das individua-
lidades é a arte ou qualquer outro mecanismo que facilite a relação
aprendizagem- ensino.
Para isso, nada mais natural que os Parâmetros, mesmo os que
tratam da arte, orientem os professores a preparar seus estudantes
para, por exemplo, flexibilidade, empregabilidade, criatividade e pro-
dutividade, além de outras “competentes” habilidades exigidas pelo
capitalismo periférico brasileiro, que sob a decadência ideológica bur-
guesa em crise crônica, pretende manter os privilégios dos detentores
do capital em detrimento dos trabalhadores.
A aprendizagem artística ou a arte-educação (arte/educação),
como quer Barbosa e a maioria esmagadora de seus intérpretes, por
meio do texto oficial, tem a capacidade de promover a transformação
do sujeito humano, “a aprendizagem artística envolve, portanto, um
conjunto de diferentes tipos de conhecimentos, que visam à criação
de significações, exercitando fundamentalmente a constante possibi-
lidade de transformação do ser humano” (BRASIL, 1997, p. 45).
Note, paciente leitor, nas palavras do documento, a educação,
assim como o ensino de arte, ou o que se chama de arte-educação
(arte/educação), não se afasta do Relatório Delors, pois é apresentada
como redentora dos problemas existentes na vida do sujeito concreto
que vive em um país de economia periférica, como o Brasil.
Na primeira parte do Relatório Educação um Tesouro a Descobrir,
no capítulo 2, que tem como título: Da coesão à participação democrática,
o esperançoso documento organizado por Jacques Delors (1998), en-
tende a arte como uma capacidade da pessoa de ser cidadã. Leiamos
essa exitosa ressignificação:
A compreensão da dimensão planetária insiste no fato de o do-
mínio da arte de ser cidadão deve comportar, na base, um conhe-
cimento racional dos diversos modos de vida existentes noutras
culturas e do modo como os problemas mundiais se relacionam
com a vida das grandes e pequenas sociedades e repercutem so-
bre elas (DELORS, 1998, p. 62).

Mais à frente, o texto propõe uma estimulante articulação entre


ensino e arte, vejamos essas cativantes palavras do relatório: “Ensinar
é uma arte e nada pode substituir a riqueza do diálogo” (p. 190).
Para que possamos apresentar mais um exemplo de alinhamen-
to entre as orientações educacionais adotadas no Brasil e o conhecido
Relatório Delors que, por sua vez, entrecruza a relação aprendizagem-
-ensino por meio da arte, citamos o caso dos Parâmetros Curricula-

102
res Nacionais para o Ensino Médio. Do modo como se segue, esse
documento relacionou a estética às orientações delorsianas: “Âm-
bito privilegiado do aprender a ser, como a estética é o âmbito do
aprender a fazer e a política do aprender a conhecer e conviver.”
(BRASIL, 2000, p. 66).
Como advertido, os documentos estruturantes da educação
básica no Brasil, seguem as orientações da Unesco, entre outros or-
ganismos internacionais. Os PCN+, por exemplo, replicam que os
quatro saberes propostos pela Unesco, com o aval de Delors, para
fundamentar a educação nas sociedades contemporâneas, são os se-
guintes:
• aprender a conhecer;
• aprender a fazer;
• aprender a viver com os outros;
• aprender a ser (BRASIL, 2002, p. 23).

Para esses parâmetros criado pelo MEC, os quatro pilares de


Delors “são saberes cuja conquista ultrapassa a mera aquisição de
informação, uma vez que abarcam a formação humana e social do
indivíduo” (p. 23). E há mais, muito mais. Contentemo-nos, pela
importância para a nossa investigação com mais um exemplo.
Encontramos, nas Orientações Curriculares para o Ensino
Médio, a seguinte pérola sobre o que seria fruição estética: “Um
dos conceitos que fundamentam a experiência estética (e estamos
falando de experiência literária) é o de fruição da obra de arte pelo
receptor” (BRASIL, 2006, p. 58). Esse documento indica onde en-
contrar a perfeita definição de desfrute (fruição) estética, definida da
seguinte maneira:
Desfrute (fruição): trata-se do aproveitamento satisfatório e
prazeroso de obras literárias, musicais ou artísticas, de modo
geral bens culturais construídos pelas diferentes linguagens, de-
preendendo delas seu valor estético. Apreender a representação
simbólica das experiências humanas resulta da fruição dos bens
culturais. Podem propiciar aos alunos momentos voluntários
para que leiam coletivamente uma obra literária, assistam a um
filme, leiam poemas de sua autoria – de preferência fora do am-
biente de sala de aula: no pátio, na sala de vídeo, na biblioteca,
no parque24 (BRASIL, 2002, p. 67).

24  Onde vivem os redatores desses documentos oficiais? Será que andam pelo interior do
Brasil? Pois a existência de parques públicos que apresentem mínimas condições de uso
é uma raridade na maioria das cidades brasileiras. No caso das cidades interioranas, o que
é raro se transforma em inexistente. Pode ser que os elaboradores estatais imaginam que
vivem em algum centro urbano dos países de capitalismo desenvolvido, ou que tais parques

103
O que a redação da burguesia decadente em crise severa não
considera, seja ela local-estatal ou exógena-multinacional, é que o su-
jeito humano concreto, que vive com os pés no chão, está inserido
no capitalismo que, por sua natureza alienante, tem que explorar e
desumanizar o trabalhador. Desse modo, é impossível à educação, à
arte ou qualquer outro complexo social, “transformar o ser humano”
sem libertá-lo da opressão imposta pela mercadoria. O que a inte-
lectualidade decadente não pode e/ou não tem como compreender,
como nos ensinou Marx (1996, p. 165), é que
A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a
qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de
qualquer espécie. A natureza dessas necessidades, se elas se origi-
nam do estômago ou da fantasia, não altera nada na coisa. Aqui
também não se trata de como a coisa satisfaz a necessidade hu-
mana, se imediatamente, como meio de subsistência, isto é, ob-
jeto de consumo, ou se indiretamente, como meio de produção.

Para dar uma adequada articulação às conexões tratadas nes-


se pequeno livro, necessário deixar mais claro o que se chama arte-
-educação (arte/educação) no Brasil. Depois de esclarecido o que
os estudiosos no assunto definem como arte-educação – ou, como
queiram, (arte/educação) –, estaremos em posição de apresentar uma
adequada conexão com o que tematizamos no presente livro. Por
isso, tratamos a seguir das especificidades dessa mágica união entre
educação e arte.

sejam apenas ilusões criadas com base na bricolagem idealista que os sustenta presos nas
asas dessa ficção.

104
Capítulo 8 – Anotações críticas sobre arte-educação
(arte/educação) no Brasil

8.1 Realismo decadente: uma abertura


Roberta Puccetti (2005, s/p), não por acaso, com base em
Barbosa e em outras pesquisas, compreende que a função a ser de-
sempenhada pela a arte no ensino é o compromisso “com outra
visão de mundo e de homem, que não aquela consubstanciada pelo
modelo newtoniano-cartesiano, presa ao realismo materialista para
o qual a realidade é constituída de objetos, independentes dos sujei-
tos que os produzem e o conhecem”.
Claro que, diante da decadência ideológica burguesa, vivida
pelo mundo acadêmico de hoje e que, por esse motivo, busca am-
paro nas bricolagens coloridas das asas de cera do pensamento pós-
-moderno, não há como cobrar da autora o devido entendimento
do que é o realismo materialista. A pesquisadora, por vestir a roupa
colorida pela bricolagem discursiva do pensamento pós-moderno,
está impedida de compreender devidamente a questão do realismo
na arte.
O realismo, para a Estética de Lukács, não é um estilo ou pe-
ríodo da história da arte. A autêntica arte, com efeito, não se realiza
sem o realismo25. O realismo artístico, portanto, não tem nada que ver
com a separação mecânica entre objetos dispersos, sobretudo quan-
do se trata da esfera estética que, como mostrado, produz sua peculiar
forma de antropomorfização com a realidade imanentemente dada.
Como especifica Lukács (2010, p. 76): “’O triunfo do realismo
não é um simples milagre, mas o resultado necessário de um pro-
cesso dialético bastante complexo, de uma relação mútua e fecunda
do escritor [artista autêntico] com a realidade”. O realismo triunfa
quando a obra atinge a capacidade de expressar um conhecimento
profundamente íntimo dos problemas humanos: seus dramas, des-
tinos, alegrias, tristezas e demais conflitos vividos pela humanidade.
Os obstáculos ao realismo perante o cenário de decadência em
seu estágio de crise profunda são muitos, pois se interpõe entre o
criador e a realidade “uma barreira que impede sua plena entrega
[sem preconceitos burgueses] às riquezas da vida social” (p. 76). A
proposta estética da burguesia decadente se agrava sob os efeitos da
crise capitalista, o que cobra do artista a intensificação de criações
antirrealistas. Todo esse processo impõe sobre o criador uma adap-
tação acrítica ao mundo. O resultado disso é que a visão de mundo
assimilada pelo artista e transportada para suas obras, “consiste, cada
vez com maior intensidade, numa falsificação – consciente ou não –
da realidade e de suas relações” (p. 77).
A visão de mundo da decadência capitalista, por intermédio
de seus mecanismos de cooptação – sofisticados no estágio de crise
estrutural do capital –, busca enfraquecer a resistência artística, pro-
curando utilizar a adaptação passiva da maioria absoluta dos criado-
res em benefício da reprodução capitalista. Para sermos mais preci-
sos, utilizemos as palavras de Lukács: “a teoria da decadência coloca
como tarefa à arte não mais representar a real existência da qual fala-
va Marx [...]” (p. 87). Isso significa que a decadência se contenta com
o artista atenuar os conflitos de modo que as pessoas reais procurem
se adaptar àquela inumanidade. A decadente ideologia burguesa, em
seu nível de crise crônica, exige que o criador “represente [na obra]
esta aparência como único modo de ser possível e real dos homens”
e mulheres (p. 87).
Ainda que a exposição de Puccetti (2005) não compreenda a
importância do realismo para a estética, e não tem como fazê-lo, sua
comunicação propõe que perguntemos, agora com outros elementos,

25  Ana Contrim (2009), Fabio Dias (2014), Aline Cristina Ferreira (2019) e Lenha Diógenes
(2019) são bons exemplos, cada um a seu modo específico de abordar o objeto, do tratamento
da questão do realismo na concepção estética lukacsiana.

106
qual a função da união acrítica entre educação e arte? Não temos
como tematizar essa questão sem que antes retomemos, ainda que
com informações iniciais, o sistema de sinalização de terceira ordem
lukacsiano.

8.2 Sistema de sinalização de terceira ordem: em busca do


elemento educativo da arte
Com base em Lukács (1967a), reconhecemos que a educação,
como elemento potencializador da capacidade estética do sujeito,
deve ser tematizada levando-se em consideração a condição gene-
ralizadora do sistema de terceira ordem, visto que o sistema de si-
nalização 1’ faz suscitar, para o campo artístico, a problemática da
aprendizagem. No desenvolvimento contraditório das necessidades
sociais que, por sua vez, desprendem-se dialeticamente do mesmo
desenvolvimento, é preciso reconhecer, por um lado, a importância
da função educadora da arte no desprendimento do sistema de sina-
lização de terceira ordem e, por outro, que o papel desempenhado
pela arte na expressividade dos dados antes ocultos apenas pode ser
explicado por intermédio da entrada em ação deste sistema.
Isso se justifica porque o sistema de sinalização de terceira
ordem, como demostrado por meio das pesquisas estéticas lukacsia-
nas, compõe um dispositivo no sujeito que o dota da condição, por
intermédio da superação com conservação dos reflexos incondicio-
nados e condicionados, de produzir determinada fantasia. A vida,
como entende o esteta marxista, não existe sem fantasia.
Para que a explicação fique evidente, para que possamos
justificar adequadamente como a fantasia se manifesta utilizando
o funcionamento do sistema de sinalização 1’, torna-se necessário
abordar um outro conjunto problemático, ou seja, é preciso, para
dar maior claridade ao curso da comunicação, destacar a intervenção
do filtro lapidador da heterogeneidade do cotidiano. Após o trata-
mento dessa problemática, retornar-se-á ao sistema de sinalização
de terceira ordem com mais elementos que possam enriquecer a
explicação.
Sem a introdução, no debate, do meio homogêneo, cuja fun-
ção é lapidar as impurezas do cotidiano, filtrar a heterogeneidade
da vida cotidiana, não há como tratar devidamente a relação entre
educação e arte. Para o nosso autor, cada arte e cada estilo em par-
ticular possuem seu meio homogêneo próprio. O filtro que realiza a
mediação entre o sujeito humano e as impurezas típicas da hetero-
geneidade do pensamento cotidiano, portanto, é o meio homogêneo

107
– um meio que opera uma mediação de basilar importância para a
sustentação das categorias estéticas (LUKÁCS, 1967a,).
O meio homogêneo, como enfatiza o marxista húngaro, age
em três principais passos:

1. Em primeiro lugar, estreita “e especializa o reflexo da


realidade, por exemplo, reduzindo-o à visualidade, audibilidade etc.”;
2. Em segundo lugar, “levanta esse aspecto particular
do mundo ao nível de uma universalidade que afeta profundamente
[...]” o humano de cada pessoa;
3. Por último, “realiza as necessárias generalizações não
como abstrações conceituais, senão de tal modo que procura, encon-
tra e faz sensível o típico no caso singular conformado [...]” (LUKÁ-
CS, 1967a, p. 122).
A percepção do que não é explicável com o logicismo das pa-
lavras ganha na arte uma explicação, mas uma explicação de ordem
distinta da linguagem. Por meio do sistema de sinalização 1’ e da ope-
ração do meio homogêneo da arte de que se trate, a explicação chega
aos sentidos humanos com a mais profunda pungência e chega como
uma expressão claramente articulada. Com esses elementos defini-
dos, torna-se possível explicar que a arte é responsável por explicar
o que é mais inefável do que invisível. Podemos dizer que, por meio
da arte, a formação dos sentidos estéticos da humanidade se educa:
revigora-se, refina-se.
Como, porém, o meio homogêneo opera esse “milagre” mun-
dano?
Antes de aprofundarmos essa resposta, precisamos entender o
que o esteta de Budapeste compreende por mundano. Para ele, tudo
que é humano-terreno é mundano. A vida humana, por ser pedestre,
ancora-se em elementos que comunicam coisas terrenas, ou seja, que
estejam do lado dos humanos e não de outro lado do mundo, no mais
além.
Lukács (1966a e b, 1967a e b) utiliza a expressão mundanidade
para expressar as atividades que os sujeitos humanos desenvolvem
em relação ao mundo criado pela própria ação imanente humana.
Isso quer dizer desse lado do mundo: cismundano26, que quer se opor

26  Convém registrar, embora sem nenhuma pretensão de aprofundamento, que é atribuído
ao químico Alfred Werner (1866-1919) a descoberta dos isômeros, ou seja, o fenômeno
em que dois ou mais compostos químicos apresentam a mesma fórmula molecular, mas
possuem estruturas distintas; apresentam o mesmo conjunto de átomos, mas que recebem
diferentes arranjos. Quando, em uma determinada molécula, as ligações atômicas estão do

108
ao que está do outro lado do mundo: transmundano.
Um bom exemplo é verificar como o autor utiliza o termo cis-
mundano. Ele usa para posicionar a arte como parte do real, imersa na
imanência do cotidiano dos viventes, ou seja, a posição de quem está
aqui; refere-se à vida no mundo (com os pés e pensamentos terrenos:
pedestre), por conseguinte, não sagrado, não serve ao sagrado. Dife-
rentemente, para posicionar a religião, ele usa o termo transcendente
ou transmundano, pois a religião está do outro lado do mundo, no
mais além da fronteira humana. Calçada nesse conjunto argumentati-
vo, Araújo (2013) assim sintetiza essa distinção: a arte, diferentemente
da religião, alude ao que acontece na vida terrena, na vida concreta
dos seres sociais.
Para nosso autor, cabe a Aristóteles ter descoberto a peculiari-
dade do estético, bem como o mérito de ter fundado a cismundanida-
de humana. Como aprofunda Lukács (1967b, p. 541):
A realização consequente do reflexo estético, a posição adequada
da forma estética, cria, portanto, uma proporcionalidade que fixa
a relação, corretamente estimada, entre o interno e o externo, en-
tre a subjetividade e a objetividade; daqui surgem a imanência e
a cismundanidade da individualidade da obra como o primário e
fundamental para ela.

De acordo com tudo que foi exposto, já é possível responder de


onde vem esse milagre mundano!
Quando essa filtragem aparece, por meio da obra de que se tra-
te, ela age como se fosse um escuro e, ao mesmo tempo, contraditó-
rio e rico sentimento, que, exatamente por essa contradição, conserva
distância de qualquer conceito que se pretenda cientificamente exato.
Por isso, é necessário enfatizar mais uma vez que à arte não cabe
exatidão alguma. Uma de suas peculiaridades é, precisamente, não ser
precisa, pois possui, como lembrado, a capacidade de indeterminar a
objetividade, mesmo que esta seja concretamente real.
Resta responder, agora, como se produz esse efeito. Deixemos
que as palavras de Lukács (1966b, p. 530), respondam:
Mediante essa racionalidade totalmente sensível, mediante
esse ficar posto como um microcosmos que, em combinação ana-
logicamente racional com outras mônadas da mesma natureza,

mesmo lado, denomina-se de isômeros-cis. Quando, diferentemente, as ligações (ligantes)


iguais estão em lados opostos, atribui-se a denominação de isômeros-trans. Conforme
explicam Salete Queiroz e Alzir Batista (1998, p. 193): “O isomerismo geométrico do
tipo cis-trans é observado quando dois grupos iguais ocupam posições adjacentes (cis) ou
opostas (trans) um em relação ao outro em um complexo”.

109
constitui o microcosmos da obra, mediante essa refiguração da rea-
lidade subespécie de completitude e totalidade, se produz no recep-
tor a catarse, cuja comoção lhe faz vidente e sensível em referência
aquele “mundo” cuja entrada em sua alma e cujo enraizamento nela
impõe o meio homogêneo [negritos nossos].

A resposta do esteta sobre como se produz o efeito que opera o


milagre mundano, obriga nossa comunicação a retomar a tematização
da catarse. Essa recuperação se justifica, uma vez que “a catarse é um
critério decisivo da perfeição artística de cada obra e, ao mesmo tempo,
o princípio determinante da importante função social da arte, da na-
tureza do Depois de seu efeito, de sua difusão na vida [...]”(LUKÁCS,
1966b, p. 518, negritos nossos), e com isso, a recondução do homem-
-inteiro à vida cotidiana, logo após ele ter desfrutado inteiramente do
efeito de um obra de arte que o levou à comoção catártica.
O que mais importa destacar, dessa retomada acerca do tema da
catarse, é que esse efeito, produzido pela obra sobre o receptor, não se
reduz a mostrar novos fatos da vida à pessoa acometida pela comoção,
ou mesmo a iluminar novamente fatos conhecidos pelo sujeito. A ca-
tarse mostra, por meio da obra, uma novidade qualitativa caracterizada,
por seu turno, por uma racionalidade totalmente sensível. Por isso, o
efeito catártico altera e aprofunda a capacidade, o que possibilita ao
sujeito acometido perceber novas situações. Assim, os objetos já habi-
tualmente expostos ao vivente ganham uma nova e poderosa ilumina-
ção, pois estão inseridos em novas conexões e também novas relações.
Acresce-se que esse turbilhão de novidade se dá ao mesmo tempo, no
imediato da comoção. O sujeito humano, portanto, sacudido pela catar-
se, encontra-se consigo mesmo concomitantemente ao encontro que
faz com sua humanidade.
Por esse conjunto de motivos é que a obra, ao dar ênfase ao que
é mais nucelar ao humano, “aponta diretamente ao despertar da auto-
consciência” (LUKÁCS, 1967a, p. 339). Como insiste o autor, o sen-
tido mais profundo da catarse aristotélica é a purificação das paixões;
“consiste, principalmente, em referir o elemento consciente e o ‘incons-
ciente’ [ainda não consciente: fantasia] delas [as paixões] ao núcleo do
sujeito, levantando-as à autoconsciência” (p. 339).
A lapidação – o milagre mundano – proporcionada pelo meio
homogêneo, agora, pode melhor ser apresentada.
Esse filtro lapidador é fruto de cada arte específica que, por meio
de sua força refigurativa antropomórfica, acompanhada de um tipo pe-
culiar de “linguagem” que, por sua especificidade, abarca importantes
elementos da linguagem em sentido stricto. Diferentemente dos reflexos

110
incondicionados, portanto, os princípios universalmente inteligíveis
do sistema de sinalização 1’ precisam ser aprendidos e ensinados, visto
que não nascem da espontaneidade da prática da vida cotidiana, como,
de maneira geral, brotam a grande maioria dos reflexos condicionados.
Agora temos, então, a segurança de que arte se ensina e se
aprende.
Há de se considerar, para evitar mal-entendidos, que aqui se
forma uma interessante contradição, manifestada na diferença exis-
tente entre os dois sistemas de sinalização superiores: a linguagem e o
sistema de sinalização de terceira ordem.
Como esclarece Lukács (1967b, p. 123): a língua e “pode se
aprender no sentido estrito da palavra; ainda que não poucas palavras
possam ter significações múltiplas”. Já no sistema de sinalização 1’,
esse caráter inequívoco da aprendizagem não é garantido, ou seja, não
existe uma relação direta e rígida entre o signo e o objeto, uma vez
que a refiguração presente nessa classe de sinalização se orienta, “à
novidade, à singularidade, ao especificamente típico da unicidade” (p.
123). Isso ocorre, naturalmente, já no curso da vida cotidiana; a arte,
com efeito, dá maior revelo à novidade.
Esse processo de aprendizagem é de um outro – novo – tipo,
pois se direciona, como tematizado, a uma outra – nova – “lingua-
gem”. O curso da aprendizagem dessa outra – nova – “linguagem”,
que é possível ao fazer artístico, dá-se de modo lento, paulatino, con-
traditório e com recuos e saltos. Isso se justifica pelo modo firme
como são fixados os reflexos condicionados, cuja rigidez obstaculiza a
caminhada em direção a uma tal outra – nova – “linguagem”.
A rigidez lógica da linguagem dificulta que se elimine facilmente
os impedimentos favoráveis à abertura, à concretização de um outro
– novo mundo, de nova ordem. Não se pode esquecer que a classe
de aprendizagem da arte se processa em referência ao sujeito, antro-
pomorfizadoramente, carregando em si a evocação a um signo dado.
Disso resulta que, no campo da arte, apenas se pode aprender deter-
minada capacidade de criação e recepção, nunca um alfabeto ou uma
sintaxe definida conceitualmente. Como aponta Lukács (1967a, p.
124), trata-se, muito mais, de um processo de “exercício e treinamento
que se aprende em sentido estrito”.
Para evitar interpretações equivocadas, é preciso destacar, outra
vez, as diferenças entre a arte e a vida. Os sinais da arte se projetam
conscientemente até a evocação, enquanto na vida, o sujeito humano
se vê, por assim dizer, assaltado pelos fatos que provocam tais reações,
e o efeito evocador de uma reação assim costuma ser tanto mais inten-
sa quanto menos se percebe sua intenção evocadora.

111
No intuito de contrapor as velhas concepções e principalmente
as novas tendências de destruição da razão presentes na decadência
ideológica burguesa em crise crônica, o pensador magiar adverte ser
necessário destacar, com a maior claridade possível, o sentido peculiar-
mente objetivado que se manifesta, por meio do sistema de sinalização
1’, no aprendizado artístico.
A complexidade dessa classe de aprendizagem se processa pelo
fato de os sinais estéticos serem evocações que, a princípio, respon-
sabilizam-se por refigurar constelações emocionais muitas vezes mo-
tivadas em antecipar novidades: aquilo que ainda não é. Por esse mo-
tivo, o aprendido até o momento da evocação pode, dependendo de
cada caso, promover ou inibir a capacidade de produção e recepção.
Esse é o contexto em que o conceito de técnica, embora seja
imprescindível para a arte, precisa ser utilizado com muita precau-
ção e reservas. Pois, como confirma Lukács (1967a, p. 124), “no seu
terreno mais próprio, na produção, a natureza da técnica consiste
precisamente em racionalizar e mecanizar, fazer que funcionem ‘por
si mesmas’ no possível, as operações necessárias em cada caso”. Para
o problema do sistema de sinalização 1’, isso acarreta, “como conse-
quência, a tendência psicológica a fixar subjetivamente em forma de
reflexos condicionados a maior parte possível do processo de traba-
lho” (p. 124).
Essa constatação não autoriza a aplicação do conceito de técni-
ca à produção artística por uma analogia direta. O decisivo no caso da
arte é a irrepetibilidade27. O artista tem que se entregar a um processo
de aprendizagem que, constantemente, deve seguir a dialética negar,
recriar, superar. Essa dialética, contudo, não tem nada a ver com a
flexibilidade proposta pelos PCNs/Arte.
Como explica Lukács (1967a, p. 125):
Por maior, pois, que seja a capacidade técnica de um artista (e tem
que sê-la), a essência do estético obriga-lhe em cada obra a começar
de novo a receber e reproduzir a realidade como se antes não tivesse
visto nada nem dado forma a nada. Aqui se manifesta claramente a
contrariedade fecunda e autenticamente motora da esfera estética: o
“ofício” de um artista – que nunca é suficientemente grande, nem
suficientemente exercitado e exitoso – apenas é autêntico quando se
torna inseparável de uma constante disposição a voltar a aprender
radicalmente diante de todo fenômeno essencialmente novo. Se se
relaxa essa contraditória unidade, a técnica acaso grande e bem for-
mada converte-se em um obstáculo para a verdadeira criação, o artista
se converte em um virtuoso em sentido pejorativo [...].

27  Walter Benjamin (2012) escreveu esclarecedor ensaio sobre a relação entre arte e técnica,
bem como acerca da irrepetibilidade da obra de arte.

112
Por esses motivos, o processo educativo em arte precisa ser
analisado perante suas contradições motoras. Isto é, essa “apren-
dizagem” precisa revelar o novo da “linguagem artística”, que se
processa frequentemente de modo lento e necessariamente contra-
ditório. Como conclui o esteta, portanto, qualquer arte, para que
seja possível o acesso ao conteúdo vivencial das peculiaridades das
obras, possui uma específica “linguagem” que torna necessária sua
“aprendizagem”. Não se pode esquecer, no entanto, que esse pro-
cesso de “aprendizagem” não é, por um lado, somente uma assimila-
ção dos correspondentes ‘vocábulos’; tampouco, por outro, apenas
uma determinada educação que apure o juízo de gosto do receptor
com a finalidade de conseguir certa inteligibilidade da capacidade
receptora da obra.
O caráter de tal processo de “aprendizagem”, usando as pala-
vras de Lukács (1967a, p. 130), preocupa-se com o desenvolvimento
da “capacidade de receber ou formar os particulares reflexos do
sistema de sinalização 1’ desencadeados pelo meio homogêneo da
arte de que se trate”. Notem, caros leitores, aqui encontramos a
visível articulação entre o sistema de sinalização de terceira ordem e
a mediação posta pelo filtro mediador do meio homogêneo de cada
arte específica. Assim, com essa articulação que apenas é possível
pela intervenção da obra acabada, realiza-se a formação estética dos
sentidos humanos. Consuma-se o refinamento dos sentidos do su-
jeito humano. Em uma expressão: educa-se esteticamente os senti-
dos humanos.
Como complementa o autor, “o pluralismo da esfera estética
aparece claramente neste ponto [...]”, uma vez que “cada arte tem
sua ‘linguagem’ particular, que é preciso ‘aprender’ por si mesma”.
Calçado nesse conjunto argumentativo, o filósofo insiste na neces-
sidade do “ensino” e da “aprendizagem” da arte, mediante o exer-
cício, pois “ainda que se trate muito mais do conteúdo, os quais, no
entanto, referem-se à imprescindíveis e ‘aprendíveis’ pressupostos”
(LUKÁCS, 1967a, p. 130).
Voltemos à análise do documento oficial.
O impasse se mostra, como dito, na possibilidade de os profes-
sores, tomando por referência as orientações dos PCNs-Arte, conso-
lidarem, no planejamento de sua prática pedagógica, a sistematização
de conteúdos e atividades, assumindo a natureza da arte como “lin-
guagem” sem, no entanto, compreender a relação desse complexo
com o sistema de sinalização de terceira ordem – o que implica em
acreditar que a arte pode ser algo que brota de alguma divindade
transcendente, ou seja, sem materialidade na vida cotidiana.

113
Decididamente, os aspectos formativos presentes nos PCNs-
-Arte não garantem o aprofundamento do conhecimento necessário
para possibilitar a formação artística – tampouco estética – dos es-
tudantes, uma vez que, efetivamente, a arte presente no documento
encontrar-se divorciada da vida concreta dos “aprendentes”, repleta
das dificuldades impostas à classe trabalhadora pelo capitalismo peri-
férico brasileiro em crise sem fim.
Reconhecemos, com o esteta húngaro, que cada arte possui sua
“linguagem” particular, sendo necessário “aprendê-la” por ela pró-
pria. Buscando situar a arte na totalidade dos complexos que com-
põem a sociabilidade, Lukács (1967a) assinala que a educação pode
promover a capacidade estética do sujeito. Devendo, para isso, que se
considere a condição generalizadora do sistema de sinalização 1’, vis-
to que essa sinalização traz para o campo artístico ricas e complexas
mediações que soerguem a aprendizagem. Uma classe de aprendiza-
gem, contudo, distinta do modo como a educação, de maneira geral,
organiza seus conteúdos, métodos, objetivos, avaliação etc. Observa-
mos, com efeito, que o processo de ensino artístico não pode ocorrer
de forma linear, senão sob um desenvolvimento contraditório, re-
flexo das necessidades humano-sociais engendradas na objetividade.
Para a problemática tratada em nosso livro, podemos retirar,
desse debate, dois principais fatores que são articulados entre si:
1. A importância da função educadora da arte no des-
prendimento do sistema de sinalização de terceira ordem.
2. A riqueza do papel desempenhado pela arte na ex-
pressividade dos dados antes ocultos, os quais apenas podem ser ex-
plicados pelo sistema de sinalização 1’ em articulação dialética com os
silogismos linguísticos.
A função educadora da arte, com efeito, não se opera pura e
simplesmente pelo ensino de vocábulos e ou significados de palavras.
Essa classe de educação, por necessitar do caráter da incerteza pre-
sente na cotidianidade, possibilita que o processo educativo da arte
possa se posicionar em um patamar distinto das evocações vindas
da aprendizagem de conhecimentos desantropomórficos. Distinto
não quer dizem melhor ou pior, maior ou menor, inferior, superior...
Oneroso repetir que não se pode desprezar ou mesmo secundarizar o
aprendizado-ensino responsável por garantir o que se conquista por
meio da ciência – desantropomórfica por sua natureza. Sem a ciência,
a educação, a arte, tampouco a vida humano-social seriam possíveis.
O que insistimos, energicamente, por intermédio das poucas páginas
desse pequeno livro, é que a educação processada com os reflexos
artísticos, por ter tráfego no sistema de sinalização de terceira ordem

114
e ser lapidada pelo meio homogêneo de que se trate, ensina outra
classe de aprendizagem. Em poucos termos: a arte é o melhor meio
que a sociedade dispõe para a formação estética dos sentidos huma-
nos, indispensáveis, por sua vez, para que se complete a formação
humana que mira a omnilateralidade.
A arte, embora seja distinta da ciência, em muitos casos é
utilizada como ilustração em exposições científicas. Um exemplo
ilustrativo é a esfera do ensino. Aqui, o complexo artístico é utiliza-
do como meio facilitador de processos educativos. Nesses casos, o
decisório sobre a importância e o resultado da utilização da arte não
é estética. Como facilitadora de processos de aprendizagem-ensino,
a arte é um suporte que apoia uma atividade que precisa ensinar
a realidade desantropomorficamente. Isto é, embora o ensino seja,
como registrado, antropomórfico, pois passa de pessoa para pessoa,
organiza-se sob a verdade em-si.
Essa diferenciação é muitíssima importante, pois a subjetiva-
ção da verdade e a fragmentação da concepção de mundo, como
debatido ao longo do livro, produzem confusões sobre a missão
social da ciência, da arte e da educação. A produção de indefinições
conceituais acerca da relação desses complexos sociais com a reali-
dade, presta o serviço de dificultar a compreensão da função social
de tais complexo para a humanidade.
Para fugir dessa dificuldade, reforçamos que a verdade tra-
fegada pela arte é uma veracidade que sempre estará vinculada, de
modo inseparável, ao hic et nunc [aqui e agora] histórico. Ou seja, a
refiguração artística não é a verdade em-si, senão a conformação
das possibilidades postas pelos dramas do destino humano (alegrias,
tristezas, inseguranças, esperanças etc.).
O que mais importa recortar do debate da utilização da arte
como documento é o seguinte: a categoria geral da arte é a catarse.
O mais importante na obra artística é o efeito que ela causa sobre os
receptores; a sacudida que comove o sujeito acometido, fazendo-o
refletir profundamente sobre sua vida. Se a arte abrir mão disso,
deixa de ser arte, pois não consegue registrar a autoconsciência hu-
mana.
Isso nos coloca diante de um impasse. Se o que mais importa
na arte é a catarse, devemos, então, abandonar a análise crítico-es-
tética?
A professora Cristiane Porfírio (2019, p. 131) considera que
o abandono das possibilidades de leitura crítico-estéticas oportuni-
zadas pelas obras de arte acarreta o “mais absurdo desperdício de
matéria para a reflexão sobre a vida, pois como compreende Lukács,

115
trata-se da autoconsciência da humanidade”. Essa afirmação tem um
peso muito grande para a autora, uma vez que, para ela: “É estranho
ler um livro com o propósito de escrever sobre ele [...]” (p. 131). Pelo
gosto da autora-leitora, “a obra literária deveria ser apenas sentida,
degustada palavra a palavra pelo leitor” (p. 131). Mesmo que Porfírio
esteja aqui se referindo especificamente à literatura, pois este trecho
foi retirado de um posfácio que ela escreveu para um romance, e ain-
da que a autora-leitora seja amante declarada da literatura, suas refle-
xões têm destacada relevância para as conclusões de nossa pesquisa,
dado que pode ser estendida para as demais artes em seus diversos
estilos.
O diálogo com a professora Cristiane Porfírio (2019) possibi-
lita que respondemos à pergunta acima elaborada com um sonoro e
maiúsculo NÃO! Ou seja, a atividade crítico-estética é importante e o
professor precisa se preparar para enfrentar esse debate com as mais
avançadas ferramentas estético-intelectuais. Não podemos esquecer,
todavia, como adverte Lukács ao longo das páginas da Grande Estética,
que a arte sempre andou à frente da crítica-estética.
Essa advertência leva a uma pergunta muito repetida nos cor-
redores universitários contemporâneos, sobretudo nos cursos de for-
mação de professores e nos programas de pós-graduação voltados
para a docência: o que os professores podem fazer, então? O que
cabe ser feito pela ação docente no chão da sala de aula, principal-
mente, na educação básica com destaque para a infantil?
Não há resposta simples para problema complexo, adverte
Mészáros (2009). Mesmo sem pretensão de apresentar uma resposta
satisfatória, tampouco uma receita de bolo que possa didatizar os
procedimentos utilizados pelos docentes no chão da sala de aula da
educação básica, no próximo capítulo, problematizaremos a especifi-
cidade do caráter educativo da arte.

116
Capítulo 9 – A catarse como elemento educativo

9.1 Democracia e cidadania: uma brevíssima ressignificação


acerca das propostas da hora
O que fazer na sala de aula?
Seria, como advertido, muita pretensão de um pequeno livro
como o nosso dar uma resposta pronta e acabada a tão gigantes-
ca inquietação. Cabe-nos, conforme prometido, apresentar uma
crítica ao que se convencionou chamar arte-educação (arte/edu-
cação). Essa crítica, ainda que breve, não pode deixar de destacar,
com Lukács (2010b), que enquanto houver arte, enquanto homens
e mulheres conseguirem produzir, por menor e mais difícil que seja,
algum produto autenticamente artístico, a humanidade terá um ca-
nal de soerguimento, terá um mundo para chamar de seu: um lugar
onde possa salvaguardar sua mais íntima profundidade.
Como “o capital não pode exercer um domínio absoluto,
sob pena de se auto-destruir, [...] as alternativas existem” (TONET,
2006, p. 19). No que se refere à produção artística, por mais que o
capitalismo esteja em crise crônica e tenha findado com as suas pos-
sibilidades civilizatórias, as contradições da reprodução capitalista
não impedem a existência da criação, em sua totalidade, ainda que
rara e mesmo que repleta de contradições, como denomina Lukács
(2010b, p. 121), das “esplêndidas ilhas de cultura humana”. O capi-
talismo, no entanto, “vitorioso na economia, destrói cada vez mais a
resistência dos autênticos paladinos da cultura”. Por isso, “mesmo es-
ses heroicos e geniais esforços, esses êxitos individuais [...]”, estejam
fadados ao isolamento, a permanecer ilhados (p. 121). Tal isolamento
se explica, segundo o esteta magiar, pelo seguinte fato: “À medida
que a economia mercantil vai se generalizando, todos os bens da cul-
tura tornam-se também mercadorias, ao mesmo tempo em que seus
produtores se tornam especialistas submetidos à divisão capitalista
do trabalho” (p. 121).
Em referência à educação, podemos indicar que as Atividades
Educativas Emancipadoras (AEEs), propostas por Ivo Tonet (2005,
2006, 2012, 2014), apontam para uma alternativa escolar. Embora tais
atividades não sejam, como considera o autor, uma pedagogia, pois
o capital impediria a institucionalização da sistematização escolar de
um processo pedagógico revolucionário, as AEEs possibilitam que
os professores encontrem brechas emancipadoras em suas atividades
escolares-cotidianas.
O que se pode fazer em sala de aula, desde que se considere a
precária estrutura das escolas de educação básica, bem como a defi-
ciente formação docente, é uma tarefa hercúlea. Também, por isso,
há muito o que se fazer.
Com Tonet (2014, p. 15-6), lembramos apenas do que entende-
mos ser o mais importante entre os cinco requisitos para a realização
da AEEs28:
[...] dada a natureza específica – contraditória – do ato que funda
a sociedade burguesa, com todas as suas consequências, é possí-
vel, no interior desta mesma sociedade, desenvolver atividades
educativas que contribuam para que a classe trabalhadora e inte-
grantes de outras classes (da pequena burguesia e até da própria
burguesia) tenham acesso ao que há de mais elevado no patri-
mônio acumulado pela humanidade. De forma limitada, mas é
possível, pois uma coisa é certa: não basta à classe trabalhadora
ter acesso aos conteúdos tradicionais. A classe trabalhadora tem
necessidade de um conhecimento de caráter revolucionário, isto
é, de um conhecimento que lhe permita compreender o conjunto
do processo histórico de tal modo que ela se veja como sujeito

28  O autor, em outras publicações, caracteriza melhor as AEEs. Ver, por exemplo, o livro
Educação, cidadania e emancipação humana, Tonet (2005). Ao lado de Ana Paula de Carvalho,
debatemos com mais detalhes a questão da AEEs; consultar Santos e Carvalho (2019).
Aproveitamos para lamentar a ausência de uma investigação que articule, rigorosamente, a
utilização dos elementos educativos da arte como uma Atividade Educativa Emancipadora.

118
capaz de transformar radicalmente o mundo. Portanto, de um
conhecimento que esteja, por sua própria configuração, intima-
mente articulado com a transformação radical do mundo. Esta
compreensão não lhe é, de modo algum, fornecida pelo sim-
ples acesso ao conhecimento [institucionalizado-sistematizado].
Este simples acesso contribuirá, no máximo, para uma forma-
ção de alto nível, mas conservadora. É o que se pode observar
cotidianamente.

As indicações desse professor devem ser consideradas, uma


vez que a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (ANPEd), incentiva o que a entidade chama de Ação
Educação Democrática. Segundo a Instituição (2017, s/p):
Sentimos na atual conjuntura política brasileira a necessidade de
pensar o estudo e as ações políticas que possam garantir condi-
ções para o exercício do direito à Educação democrática, pú-
blica, gratuita e laica em todos os níveis e graus. A partir deste
importante eixo – educação e democracia – podemos construir
um terreno sólido para consolidar a liberdade de expressão e a
liberdade de ensinar em sala de aula; garantir condições dignas
para o exercício da carreira docente nos vários níveis; investir na
educação das relações étnico raciais; exercitar o diálogo entre os
valores da escola republicana e os valores das culturas juvenis;
valorizar a escola como um espaço público de acolhimento da
diversidade; dar a devida importância às questões de gênero e
sexualidade na formação integral de crianças e jovens.

O professor Tonet (2005) é enfático ao advertir sobre o risco


de a crítica ficar circunscrita à democracia-cidadã.
Já o escritor José Saramago, por mediações distintas, chama a
atenção para a armadilha da supervalorização da democracia-cidadã-
-capitalista. O romancista português, sobre essa questão, pergunta:
“E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingênuos
para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas espe-
cíficas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do
povo, pelo povo e para o povo?” (SARAMAGO, 2002, p. 4).
Mesmo sendo uma citação considerada longa, pela riqueza da
reflexão e pelo asseio vernacular, atentemos para o que nos diz o
prêmio Nobel de literatura sobre os limites da democracia burguesa:
Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé
comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm
interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indes-
mentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior
parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema
democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à

119
consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos.
Nada mais certo, sob condição de que fosse efetivamente demo-
crático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que atu-
almente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que
podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partí-
cula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e
normalmente por via partidária, escolher os nossos representan-
tes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica
de tais representações e das combinações políticas que a necessi-
dade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.
Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibili-
dade de ação democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá
tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu
lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer
efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e
portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao po-
der econômico, em particular à parte dele, sempre em aumento,
gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias
de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que,
por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim,
e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que
não nos deixa ver a nudez crua dos fatos, continuamos a falar de
democracia como se se tratasse de algo vivo e atuante, quando
dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualiza-
das, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica
(SARAMAGO, 2002, p. 4).

Para o escritor: “Não há pior engano do que o daquele que a


si mesmo se engana” (p. 4). Por isso, as sempre eternas e conhecidas
exceções de descontentes precisam estar atentas ao fato de o sistema
democrático ser considerado – pelos apologistas e pelos críticos do
capitalismo – como um dado definitivo. Algo que adquire um caráter
de ser intocável por natureza e que, por essa característica, não possa
ser discutido. Como escreve o autor da Jangada de Pedra: “Ora, se não
estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre
tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, an-
tes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial
sobre a democracia e as causas da sua decadência [...]” (p. 4,
negritos nossos).
O leitor pode observar que, diferentemente da argumentação
do escritor, não há no texto da ANPEd preocupação alguma em en-
frentar o problema por sua raiz, ou seja, pelas imposições do modo
de produção capitalista que, para perpetuar a exploração do produto
do trabalho humano, se alimenta da miséria da maior parte da huma-
nidade.

120
9.2 Catarse e a função educativa da arte
Depois de abreviarmos as resilientes propostas de ocasião,
em que se repete, sem ressentimento, que a democracia-cidadã-ca-
pitalista é a alternativa para se enfrentar o problema escolar na crise
estrutural do capital, retomemos a questão do uso da arte em sala
de aula.
Para iniciar, precisa ser dito que não nutrimos preconceito
algum acerca do uso de produções artísticas como mediação-faci-
litadora na sala de aula, ou mesmo em espaços extraescolares. Em
nossas atividades de docente do ensino superior, utilizamos com
vasta fartura este recurso. O que precisa ficar claro é que o uso da
arte exclusivamente como documento auxiliar ao ensino, faz dela
um acessório, que mesmo sendo considerado de luxo, retira-lhe o
seu bem mais precioso: a catarse.
Ao docente, seja ele da educação superior, básica, profissio-
nalizante ou mesmo infantil, precisa ficar claro que a arte, em uso
utilitarista em sala de aula, procura reforçar posições desantropo-
mórficas, pois o ensino, como demonstrado, mesmo sendo antro-
pomórfico, tem que levar para o estudante a verdade em-si.
Caso a arte consiga realizar a mediação entre o conhecimento
acumulado pela humanidade e o estudante, ela cumpre um impor-
tante papel, mas não foi feita para isso. Há muitas criações que são
produzidas para essa finalidade. Elas podem ser muita coisa, menos
arte. Cabe à obra de arte causar catarse. Se ela cumprir esse papel,
atingiu a finalidade artística, logrou o êxito que motivou seu nas-
cimento. Sendo, em primeiro plano arte, poderá naturalmente ter
outros usos. A sala de aula é uma boa utilização, desde que se saiba
que a catarse é o elemento pela qual se deve buscar a finalidade au-
tenticamente artística.
Lamentavelmente, algumas produções, por defenderem para
a arte a finalidade exclusiva de funcionar como elemento educativo
não podem lograr a insígnia de arte. Mesmo que seus produtores e
vários intelectuais se levantem e defendam alucinadamente que o
conceito de arte é relativo e que arte autêntica é uma invenção da
elite ocidental, não muda o fato básico.
Um bom exemplo dessas criações que, embora ganhem su-
cesso nas salas de aula mundo a fora, distanciam-se muito do êxito
imanente-antropomórfico da arte é o filme Como estrelas na terra. Para
nós, é claro que essa película cumpre uma importante missão social.
Inclusive consegue levar às lágrimas algumas mães e determinados
docentes. Sua proposta, todavia, é flagrantemente uma defesa ao

121
fazer artístico como facilitadora para a relação de aprendizagem-en-
sino. No exemplo deste filme, o decisório não é a comoção, senão a
importância de se educar um menino portador de dislexia por meio
da utilização de elementos artísticos29.
Para que possamos finalizar com um exemplo que muito bem
ilustra a existência contraditória das “esplêndidas ilhas” de salvaguar-
da da cultura humana, usemos uma canção popular. A música Cons-
trução, composta por Chico Buarque de Holanda, ganhou muita aten-
ção da crítica especializada. Lançado em 1971, o álbum Construção traz
dez canções, a quarta do disco de vinil dá título ao álbum.
Para muitas das análises acerca dessa canção, sejam elas críti-
co-estéticas, jornalísticas, histórico-políticas ou a articulação destes e
de outros enfoques, a canção é apontada como uma música que faz
uma determinada crítica social ao período ditatorial vivido pelo Brasil
naqueles terríveis, tortuosos e torturantes anos. Não é nossa intenção
afiançar ou desabonar tais análises. O que objetivamos com a esco-
lha da composição buarquiana é demostrar alguns elementos sobre a
relação aprendizagem-ensino, objeto do presente livro. Por isso, não
nos alongaremos em afiançar ou desconsiderar as críticas a respeito
da canção.
Observemos, para iniciar, a letra da composição de Buarque
(1998):
Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único

E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina


Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado



Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado


E flutuou no ar como se fosse um pássaro


29  Existem muitas produções que põem em primeiro plano pedagogizar algum objetivo.
Contentamo-nos com mais um exemplo: O filme Azul é a cor mais quente também serve de
ilustração de uma tentativa cinematográfica que abre mão de causar catarse ao dialogar com
a dificuldade social de ser homossexual, ainda que em um país de capitalismo central, para
didatizar a relação sexual entre duas mulheres.

122
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último


Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido


Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico

Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe


Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina

Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música


E flutuou no ar como se fosse sábado

E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina


Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado

Morreu na contramão atrapalhando o sábado

Há muitas formas para se analisar a canção popular. Esta com-


posição, em especial30, como comentado, tem várias interpretações.
30  Um problema enfrentado ao se analisar a canção popular é restringir o exame à letra. Caso
esse recurso seja bem-sucedido, opera-se uma crítica literária, pois a análise se concentra
na forma verbal. Não temos como nos desviar desse obstáculo aqui. Resta indicar, com
o apoio do especialista José Geraldo de Moraes (2000, p. 216), “que a compreensão do
binômio melodia-texto seja a forma mais indicada para se ter como referência, sobretudo
porque trata-se, na realidade, da estrutura que dá sentido à canção popular”. Para o
pesquisador, no entanto, essa forma “não basta, é preciso perceber a capacidade sonora
dessa estrutura incorporada aos movimentos históricos e culturais” (p. 216). Para quem
quer trabalhar com a canção popular, como é o caso da obra de Buarque aqui utilizada,
torna-se preciso, como indica o especialista, ao menos três aspectos relevantes para que a

123
Não podemos tratar da amplitude de tais avaliações. Nosso exemplo
quer apenas registrar que o mais importante quando se trata de arte
autêntica é a comoção catártica que a obra causa em seus receptores.
Por isso, ilustramos nosso exemplo com uma canção buarquiana das
mais emblemática para a história recente do Brasil.
Essa composição pode ser usada em sala de aula como suporte
verbal para se exemplificar a acentuação das palavras proparoxítonas.
Como o leitor pode observar, todos os versos terminam com pala-
vras proparoxítonas compostas por três silabas. Os professores po-
dem ainda utilizar a letra da música para reforçar a conjugação verbal,
dado que os verbos de cada verso estão conjugados na forma verbal
conhecida como pretérito perfeito, o que indica uma ação concluída,
ou seja, já não pode mais ser modificada.
O que Construção apresenta de melhor, contudo, é sua capaci-
dade de causar catarse nos ouvintes. Esse é o principal motivo pelo
qual ela educa. Uma classe de educação que pode ser mais que co-
nhecimento desantropomórfico e, ao mesmo tempo, menos que co-
nhecimento científico, haja vista que, sendo arte, tem a capacidade de
desnovelar elementos que, até então, estão encobertos pela névoa do
cotidiano que impede o acesso pelo conhecimento desantropomor-
fizante. Isso, com efeito, apenas é possível por intermédio da catarse.
Por meio da comoção catártica, abre-se a oportunidade da adequa-
da articulação entre o sistema de sinalização de terceira ordem e o
meio homogêneo. Essa conexão, apenas possível pela imanência da
humanidade concentrada na obra, possibilita que o sujeito humano
trafegue da condição de homem-inteiro ao patamar de homem-in-
teiramente. Esse sujeito, com efeito, após a sacudida, jamais será o
mesmo: educou-se com a iluminação de novas e profundas possibi-
lidades humanas.
A conquista dessa classe especial de educação, possibilitada por
obras como Construção, não obstante, é concomitantemente uma clas-
se de conhecimento distinta do que se conhece com os processos
desantropomorfizadores31. O que é ofertado pela arte, em compara-

reflexão crítica acerca da canção popular tenha sustentação. Como enfatiza Moraes (2000,
p. 218), são eles: “a linguagem da canção, a visão de mundo que ela incorpora e traduz, e,
finalmente, a perspectiva social e histórica que ela revela e constrói” (p. 218). Na Grande
Estética, seu autor diz que a mimese musical tem por base uma duplicação mimética. Ibaney
Chasin (2008), por sua vez, se refere à reflexão mimética musical como a mimese da alma.
31  Moema Pereira (2018) analisou a música Construção considerando outros aspectos além da
letra. Com base no texto da canção, a autora escreve o seguinte: “A primeira forma verbal,
‘amou’, nos mostra que até o mais subjetivo dos sentimentos pode ser mecanizado se levado

124
ção à educação científica, não tem como carregar a possibilidade de
comprovação factível.
Repetimos que não nutrimos desacordo com o que diz os PC-
Ns-Arte quando o documento entende que o conhecimento con-
quistado pela arte não pretende compreender e definir os objetos
como são em-si. Discordamos, energicamente, com o texto oficial
quando este atribui uma importância maior à arte do que à ciência,
pois são complexos distintos com funções sociais também diferen-
tes. Para nós, também é equivocado o entendimento oficial de que
a arte independe da racionalidade; ou, como escreve o documento,
de uma lógica objetiva, senão por uma lógica que só é possível à
imaginação. Como registrado com o autor húngaro, é mediante a
racionalidade totalmente sensível, que a catarse confirma o ele-
mento educativo da arte. Jamais haveria produção artística se o su-
jeito humano não fosse capaz, pelo trabalho, de desenvolver sua
racionalidade lógica. Caso não houvesse lógica racional, não existiria
a construção de edifícios onde pedreiros são explorados pelo ca-
pitalismo periférico brasileiro, seja ele sob uma ditadura ou sob as
gestões estatais consideradas democrático-populares.
Para o documento – lamentamos ter que repetir –, “a arte não
representa ou reflete a realidade, ela é realidade percebida de um
outro ponto de vista” (BRASIL, 1997, p. 28). Se o reflexo artístico
não refletir a realidade, abre mão de ser arte. Ainda sob o efeito que
a composição de Chico Buarque nos permite, será que não é real a
condição do trabalhador pedreiro? Seria irreal a existência da explo-
ração do grande capital por meio da construção civil sobre os ope-
rários que constroem os prédios? Ou seria invenção da cabeça do
compositor o desprestígio social desta profissão? Outras perguntas
podem ser feitas aos montes! Ficamos com estas para não aumentar
o enfado sobre nossos leitores.
O fato da existência histórica, que ganha foro acadêmico pri-
vilegiado na crise estrutural do capital, de determinadas correntes
epistemológicas que generalizam o reflexo artístico como realidade
ou como se ele funcionasse como uma realidade à parte, que con-
à exaustão” (p. 70). Em seguida, complementa que “o personagem ama a mulher ‘como se
fosse a última’, depois como se ele fosse o último, até que a ação culmina em um processo
industrial, ‘como se fosse máquina’. (p. 70). Sobre a melodia, a investigadora assim se
expressa: [...] a princípio, é constante e calma, dada por um violão e percussão suave, se
altera drasticamente no último verso da primeira estrofe. No verso ‘Morreu na contramão
atrapalhando o tráfego’, o som dos metais simula buzinas, e a canção a partir daí fica mais
densa, contando com a presença de mais instrumentos e de vozes que acompanham a de
Chico”. (p. 72).

125
funde, mistura e separa a arte da ciência sem nenhum critério, ferti-
liza o estado atual de irracionalismo. Os PCNs-Arte atendem à con-
veniência das teorias irracionalistas, servindo de prova as tentativas
decadentes de adequar a educação aos seus imperativos capitalistas,
mesmo que pra isso necessite da arte como meio para navegar seus
equívocos.
De modo algum, como declarado, nossas lacunares aprecia-
ções sobre a canção de Buarque pretendem encerrar o debate. De
modo contrário, o que essa brevíssima crítica-estética pretende é de-
monstrar que retirar da arte elementos possíveis de serem debatidos
em sala de aula é possível e cumpre um importante papel educativo.
Quando isso é feito sem levar em conta a catarse, contudo, a obra vira
um elemento meramente auxiliar ao processo aprendizagem-ensino:
um mero documento com intenção de reforçar uma posição desan-
tropomórfica.
Vale ressaltar, para que não pairem quaisquer dúvidas, que o
sistema de sinalização 1’ mantém uma relação ontológica de depen-
dência relativa com a linguagem, considerando que este complexo é
de fundamental importância na práxis educativa e na formação do ser
social, cuja matriz é o trabalho, ato-gênese da humanidade.
A articulação que nos propusemos nesse pequeno livro, relem-
brando, foi procurar os elos de conexão entre educação, arte e esté-
tica. Para atender a esta pauta, foi preciso percorrer um determinado
caminho. Sempre com o apoio de Lukács, utilizamos, como elo me-
diador, a articulação entre as objetivações superiores e o cotidiano.
Com o entendimento da relação existente entre o cotidiano e as ob-
jetivações superiores, sobretudo ciência e arte, aferimos o caráter da
educação e do ensino. Com esses pontos definidos, esclarecemos a
função social da arte como elemento educativo de suma importância
para a vida humana.
Esse conjunto argumentativo nos permite, agora, que possa-
mos escrever brevíssimas palavras à guisa de considerações. Vamos
a elas.

126
Capítulo 10 – PCNs-Arte: restrições à formação
humana omnilateral

O vosso tanque general, é um carro forte


Derruba uma floresta esmaga cem
Homens,
Mas tem um defeito
- Precisa de um motorista
O vosso bombardeiro, general
É poderoso:
Voa mais depressa que a tempestade
E transporta mais carga que um elefante
Mas tem um defeito
- Precisa de um piloto.
O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
- Sabe pensar
(Bertolt Brecht)

Para que possamos, finalmente, apresentar alguns aponta-


mentos, ainda que não definitivos sobre nossa problemática, neces-
sitamos nos estender um pouco mais. Embora que sem o mereci-
do aprofundamento, dadas as circunstâncias de espaço que o livro
dispõe, este último capítulo oportuniza à exposição costurar o que
o marxismo clássico entende por caminho de volta. Por isso, estas
considerações pretendem alinhavar alguns pontos, que entre os de-
mais elementos, entendemos ter maior relevância para à guisa de con-
clusões sobre a articulação existente entre arte-educação (arte/educa-
ção), formação humana e formação estética dos sentidos humanos.
Tomar como base ilustrativa os documentos oficiais, a exem-
plo dos PCNs-Arte, expõe mais um dos limites de nossa comunica-
ção, o que colabora com o caráter inconcluso destas considerações.
Essa limitação que, por sua imposição, contribui para que não pos-
samos apresentar uma conclusão fechada, justifica-se uma vez que
as oscilações na administração do Estado capitalista periférico em
crise aguda atraem inúmeras modificações no âmbito do que se con-
vencionou chamar de política pública. Nesta esfera, em virtude de o
jogo político girar em torno da democracia-cidadã-capitalista em sua
versão burguesa decadente que, por sua vez, se realiza em um país
de economia periférica, as políticas educacionais concentram grande
relevância. Acreditamos, indiferentemente, se a administração estatal
é de centro, de esquerda, de direita, se progressista, avançada, conser-
vadora ou popular, que o tom da prosa não muda, ou seja, busca-se,
por mediações distintas, implementar políticas educativas que aten-
dam ao mantra: cidadania, democracia burguesa e desenvolvimento
capitalista.
Quando alertamos para o limite inconcluso destas considera-
ções, queremos deixar claro o seguinte fato: usar como exemplo um
documento oficial restringe a análise sobre um determinado padrão
administrativo-estatal que cria suas leis e suas orientações, pois os
“governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que
somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez
mais meros ‘comissários políticos’ do poder econômico, com a ob-
jetiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem [...]32
(SARAMAGO, 2002, p. 4). Quando se utiliza, destarte, determinado
documento estatal, fixa-se a análise restringindo-a sobre uma tam-
bém determinada proposta de governo que, naquele momento histó-
rico, administra o Estado.
Isso não quer dizer que os registros e orientações dos PCNs-
-Arte caem por terra perante novas e diferentes propostas de coman-
dar o aparato estatal. Basta observar o conteúdo da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) sobre arte. Para o item 4.1.2. deste do-

32  Reforçando: independente qual corrente política ou aspiração partidária, depois de


ganhar o poder do Estado e implantar suas leis democrático-cidadãs, deitam-nas nos “[...]
açúcares da publicidade oficial e particular [...]”, de modo que sejam “[...] introduzidas no
mercado social sem suscitar demasiados protestos” (SARAMAGO, 2002, p. 4).

128
cumento, no que se refere ao Ensino Fundamental, o componente
curricular relativo à arte deve ser direcionado para as seguintes lin-
guagens: “as Artes visuais, a Dança, a Música e o Teatro” (BRASIL,
2017, p. 191). Essas linguagens, como entende a BNCC, “[...] arti-
culam saberes referentes a produtos e fenômenos artísticos e envol-
vem as práticas de criar, ler, produzir, construir, exteriorizar e refletir
sobre formas artísticas” (p. 191). Óbvio, e não constitui novidade
para nós, a nova base curricular, por meio dos conteúdos artísticos,
precisa contemplar a cidadania. Caso não o faça, algo deve estar
errado, pois vejamos: “O componente curricular contribui, ainda,
para a interação crítica dos alunos com a complexidade do mundo,
além de favorecer o respeito às diferenças e o diálogo intercultural,
pluriétnico e plurilíngue, importantes para o exercício da cidadania”
(p. 191); falta apenas acrescentar a democracia e o desenvolvimento
capitalista.
Não há como acreditar que as futuras redações que darão cor-
po às políticas públicas educativas, independente de qual partido
político se vinculem, mudem o discurso e se voltem, como quer
Saramago (2002), a criticar a democracia burguesa. Mesmo assim e
considerando a existência de um traço comum entre documentos de
diferentes governos, constitui um limite vincular a análise a um do-
cumento específico de um determinado governo, pois com a troca
de comando, necessariamente, ainda que o essencial não mude, há
variações entre cada proposta de administrar o periférico, decadente
e atrasado Estado brasileiro. Não temos como tratar adequadamen-
te, aqui, tais variações.
Cientes da impossibilidade de atender a esse limite e estando
claro que estas considerações são necessariamente inconclusas, co-
mecemos pelos pressupostos que embasam o presente livro.
A opção teórico-metodológica empreendida pelos criadores
dos PCNs-Arte, em primeiro plano, se afasta diametralmente do
plano onto-materialista, isto é, distancia-se da compreensão do ob-
jeto partindo das pistas dadas pelo próprio movimento da realidade
objetiva. Dessa maneira, o ser não se revela adequadamente à cons-
ciência do sujeito pensante. Naturalmente, tal caminho apenas pode
desembocar em falseamentos do que se quer compreender.
Independente da seriedade moral-biográfica dos criadores
do texto oficial, que cremos seja de caráter ilibado, toda imprecisão
teórica serve, no contexto de luta de classes, a classe que detém
e mantém o poder ideológico da sociedade (MARX e ENGELS,
2007). No modo de produção capitalista, como escrevemos em San-
tos (2018b), ainda que se pense criticar a elite ocidental, setentrional,

129
sulista, meridional ou oriental, qualquer posição que não deixe claro o
posicionamento teórico em favor da dissolução da luta de classes tem
como resultado o favorecimento à burguesia decadente.
Os PCNs-Arte se distanciam da inteireza do complexo artístico
por não considerarem a natureza antropomórfica da arte, tampouco
os elementos que cercam a evocação que possibilita a criação artística
ultrapassar os conceitos silogísticos concebidos desantropomorfiza-
damente, sem, no entanto, se desprender completamente da realidade
em-si, pois é ela que dá o mote conteudístico para a forma artística.
O documento está impedido de entender a problemática da
arte, pois considera que ela é inata ao ser social e não uma constru-
ção histórica: “Desde o início da história da humanidade a arte sem-
pre esteve presente em praticamente todas as formações culturais”
(BRASIL, 1987, p. 20). O complexo artístico, como demostrado, é
tardio e precisou do desenvolvimento da magia para se desprender e
se tornar substantivo para a humanidade. Para a redação estatal, en-
tretanto, nas sociedades tradicionais não havia essa distinção: “a arte
integrava a vida dos grupos humanos, impregnada nos ritos, cerimô-
nias e objetos de uso cotidiano; a ciência era exercida por curandei-
ros, sacerdotes, fazendo parte de um modo mítico de compreensão
da realidade” (p. 26).
Por representarem o esgotamento da intelectualidade burgue-
sa de compreender a realidade, os documentos oficiais, criados sob
a crise estrutural do capital, sintetizam as tendências presentes no
pensamento pós-moderno que jogam água no moinho das chamadas
ciências sociais em sua versão decadente em crise profunda.
Como interpreta Ricardo Lara (2013, p. 97): “As categorias
fundamentais do pensamento moderno – razão, historicismo e hu-
manismo – tendem a se esgotar no âmbito das ciências do espírito
da ideologia decadente”. E como aprofunda o autor: “A preocupa-
ção com o progresso e o futuro, bem como a crença na razão como
meio de compreender e transformar a realidade social (herança do
iluminismo) vão se esgotando ao longo do avanço da decadência ide-
ológica” (p. 97). Quando chegamos ao que Mészáros (2009) deno-
mina de crise estrutural do capital que, sob a compreensão bricolada
dos intelectuais apologistas de ofício, que hora são majoritários nas
salas das universidades, autodenominados sem nenhum remorso de
pensadores pós-modernos, o irracionalismo é o que se colhe como
resultado, servindo de evidencia da “total descrença na humanidade
e a [mais completa] aversão à possibilidade radical da emancipação
humana pela lógica do trabalho” (LARA, 2013, p. 97).
Como subproduto desse desolado cenário, os PCNs-Arte ope-

130
ram uma cisão entre racionalidade e sensibilidade, pois para o do-
cumento existe uma separação entre a aprendizagem racional e a
estética:
Apenas um ensino criador, que favoreça a integração entre a
aprendizagem racional e estética dos alunos, poderá contribuir
para o exercício conjunto complementar da razão e do sonho,
no qual conhecer é também maravilhar-se, divertir-se, brincar
com o desconhecido, arriscar hipóteses ousadas, trabalhar duro,
esforçar-se e alegrar-se com descobertas. (BRASIL, 1997, p. 27).

Vimos também que, com o surgimento do capitalismo, nas-


cem propostas que tentam apontar o lugar que a arte tem no tecido
social. Schiller (2002), em suas Cartas sobre a educação estética do homem
tentou achar esse lugar. Evidentemente, como entende Mészáros
(2006), a ideia do autor das Cartas era formular um possível antídoto
contra a ‘racionalidade’ capitalista que, por sua força mercadológica,
criava problemas para o desenvolvimento humano. Não se pode
retirar de Schiller (2002) o mérito de ter denunciado, mesmo que
por meios idealistas, a desconexão entre a razão e a sensibilidade,
operada, por sua vez, pelo modelo produtivo capitalista.
A solução do filósofo alemão, por entender que a arte deva
se preocupar somente com a aparência dos fatos e não com a ver-
dade, legitima seu idealismo. Para a proposta estética schilleriana,
como entende Lukács, há uma oposição rígida entre a verdade e a
realidade. Schiller, ainda segundo o autor magiar, compreende que o
resultado artístico é uma verdade maior do que a própria realidade.
O autor das Cartas, no entanto, era um honesto representante
de uma geração, ainda que calçada no idealismo, que se revolta con-
tra o capitalismo. Por isso, procura meios para devolver ao ser social
a integralidade roubada pelo modo de produção capitalista. A beleza
era um desses meios. Por intermédio do belo, proporcionado pela
arte, o filósofo acreditava recompor ao sujeito humano sua integra-
lidade, fragmentada pelo capitalismo.
Os PCNs-Arte, ao contrário de Schiller, desconsideram o de-
bate sobre a beleza. O documento traz em suas oitenta e seis páginas
a palavra beleza escrita por três oportunidades. Na primeira, ela é
usada para associar como o matemático Malba Tahan entende “que
a solução de um problema matemático é um verdadeiro poema de
beleza e simplicidade” (BRASIL, 1987, p. 27). Na segunda e na ter-
ceira vez em que a expressão aparece está relacionada à análise do
conjunto de respostas. Assim escreve o texto oficial:
Uma situação de aprendizagem pode consolidar uma situação

131
de avaliação e o inverso também é verdadeiro. Por exemplo, um
professor, ao perguntar a um grupo de crianças de dez anos o que
era uma paisagem, obteve a seguinte resposta de um dos alunos:
“Paisagem é uma coisa bonita”. Percebendo uma aproximação
entre o conceito de paisagem e o de beleza, pôde avaliar o nível
de conhecimento do aluno que emitiu essa idéia, e propôs outras
perguntas para desequilibrar a resposta, tais como: “Então, um
caderno bonito é uma paisagem?”. Com isso, pôde informar mais
essa criança, apresentando imagens e exercícios sobre paisagens
e discutindo a idéia de beleza. A promoção da discussão entre os
alunos, nessa hora, fez da avaliação uma situação de aprendiza-
gem excepcional (p. 66).

Não temos o interesse em contrapor a forma poética como o


grande matemático abordava seus problemas e soluções, tampouco
queremos desfazer a possibilidade de que uma situação de aprendiza-
gem-ensino possa ser repleta de beleza. Não concordamos, vale enfa-
tizar, que haja coincidência absoluta entre a beleza e a arte. De modo
distinto, entendemos o conceito de belo como um dado histórico so-
cialmente posicionado e que, portanto, muda com as transformações
sociais. Não se pode, contudo, debater arte sem propor, mesmo que
minimamente, essa questão. A beleza é uma categoria muito impor-
tante para que a arte se erga ao patamar de um complexo substantivo
para a vida humana.
Não nos esqueçamos que, assim como a beleza, outro debate
completamente esquecido pelos PCNs-Arte é a relação entre a arte e
a catarse. O documento oficial acredita que pode problematizar ade-
quadamente a arte sem se referir a íntima e ineliminável relação exis-
tente entre a arte e a catarse. Em suas quase noventa páginas, não se
sabe por que, em nenhuma oportunidade, o verbete catarse aparece.
Perante esta ausência, não era de se esperar que o documento
definisse, mesmo que aproximadamente, o conceito de estética. Nem
tudo está perdido, caros leitores; os teóricos que criaram o texto ofi-
cial, entretanto, lembraram de mencionar o que é apreciação estética:
No processo de conhecimento artístico, do qual faz parte a apre-
ciação estética, o canal privilegiado de compreensão é a qualidade
da experiência sensível da percepção. Diante de uma obra de arte,
habilidades de percepção, intuição, raciocínio e imaginação atuam
tanto no artista quanto no espectador. Mas é inicialmente pelo
canal da sensibilidade que se estabelece o contato entre a pessoa
do artista e a do espectador, mediado pela percepção estética da
obra de arte (BRASIL, 1997, p. 29).

Para não ser impreciso, o discurso oficial assim exemplifica o


que entende por percepção estética:

132
Quando Guimarães Rosa escreveu: “Nuvens, fiapos de sorvete
de coco”, criou uma forma artística na qual a metáfora, uma
maneira especial de utilização da linguagem, reuniu elementos
que, na realidade, estavam separados, mas se juntaram numa
frase poética pela ação criadora do artista. Nessa apreciação
estética importa não apenas o exercício da habilidade intelecti-
va mas, principalmente, que o leitor seja capaz de se deixar tocar
sensivelmente para poder perceber, por exemplo, as qualidades
de peso, luz, textura, densidade e cor contidas nas imagens de
nuvens e fiapos de sorvete de coco; ao mesmo tempo, a ex-
periência que essa pessoa tem ou não de observar nuvens, de
gostar ou não de sorvete de coco, de saber ou não o que é uma
metáfora fazem ressoar as imagens do texto nas suas próprias
imagens internas e permitem que crie a significação particular
que o texto lhe revela. A significação não está, portanto, na
obra, mas na interação complexa de natureza primordialmente
imaginativa entre a obra e o espectador (BRASIL, 1997, p. 29,
grifos nossos).

O que dizer?
Deixemos que os leitores tirem suas próprias conclusões....
Não podemos caminhar nossas considerações, assumidamen-
te lacunares, sem repetir que a educação e a arte são de naturezas
distintas. Enquanto aquela tem caráter desantropomórfico, a última
apresenta natureza antropomórfica. Ainda que ambas tenham em
comum o caráter da imanência humano-social, são ontologicamente
distintas. A educação tem como função social garantir aos viventes
o esclarecimento necessário para que eles possam fazer as escolhas
necessárias, sob condições herdadas da história humana; já a arte
apresenta a função social de registrar a autoconsciência da huma-
nidade.
Como destacamos em Santos (2019a), ainda que o ensino –
inerente à educação – opere como o ato de produzir o processo
educativo entre dois distintos sujeitos humanos, portanto antropo-
mórfico, ele tem, para preservar o caráter ontológico da educação,
que realizar sua operação procurando, sempre e ineliminavelmente,
se aproximar o máximo possível da verdade. Mesmo que, para se
processar como ação educativa seja necessário um ato antropomór-
fico – o ensino –, isso não tira da educação sua natureza de ter que
se reportar ao ser-em-si da realidade. Sob risco, portanto, de não
cumprir sua função social, a educação necessita, mesmo que apenas
aproximadamente, da verdade como ela se apresenta concretamente
no mundo real.
A junção acrítica da educação com a arte não pode vencer a
antinomia presente nesses dois complexos sociais. Por possuírem

133
naturezas distintas, a educação e a arte não podem ser misturadas
ao gosto do que se chama arte-educação ou arte/educação. A forma
como essa mistura é exposta, apenas pode facilitar as costumeiras
ficções do pensamento pós-moderno que, pelo caráter de seu irracio-
nalismo, somente alimenta intelectualmente, ainda que de modo irra-
cional, a decadência ideológica burguesa presente no atual estado de
crise estrutural experimentada pelo capitalismo. Essa mistura acrítica
pode até servir para preencher o Currículo carreirista da burocracia
universitária, mas não tem como se estruturar cientificamente, pois
seu caráter é irracional.
Essa irracionalidade apresenta sua nocividade, como denuncia
Adéle Araújo (2010), quando indica a importância, por meio da arte,
de se fazer apologia a uma educação perigosamente nacionalista. Os
apontamentos críticos dessa autora revelam um ponto que não pode
ser negligenciado. Haja vista que para o discurso oficial, a importante
função que a arte tem a cumprir é situar:
[...] o fazer artístico como fato e necessidade de humanizar o ho-
mem histórico, brasileiro, que conhece suas características tanto
particulares, tal como se mostram na criação de uma arte brasilei-
ra, quanto universais, tal como se revelam no ponto de encontro
entre o fazer artístico dos alunos e o fazer dos artistas de todos
os tempos, que sempre inauguram formas de tornar presente o
inexplicável (BRASIL, 1997, p. 33).

Quando não se trata adequadamente a função social da arte,


atribui-lhe papeis que lhe são impossíveis. Observamos, apenas
como ilustração, que a política reacionária, de maneira geral, utiliza as
concepções religiosas e nacionalistas para ideologizar a classe traba-
lhadora. Geralmente, na medida direta em que a política reformista
aumenta sua influência sobre a sociedade, há um crescimento do na-
cionalismo com toques religiosos. A perigosa utilização de expressões
como nação, pátria, identidade nacional, entre outros termos, escritos
acriticamente pelos documentos oficiais, exemplifica a hostilidade à
liberdade do complexo artístico. O uso político-ideológico de tais ex-
pressões pela decadente e atrasada burguesia brasileira, com efeito,
mostra o perigo de sua utilização sem a devida criticidade. A univer-
salidade do complexo artístico jamais pode ficar presa a qualquer tipo
de nacionalismo, seja ele considerado progressistas ou reacionário.
Mesmo que o texto oficial pretenda a necessária humanização
do sujeito humano que tem vivência concreta em um país que se
chama Brasil, não expõe qualquer possibilidade de superação dos
problemas inerentes ao capitalismo, tampouco debate que a lógica

134
capitalista – periférica ou central –, propiciada por avanços tecnoló-
gicos, próprios do trabalho humano, possibilita, por um lado, eleva-
das condições de existência materiais e culturais e, por outro, priva
a classe trabalhadora de tais benefícios. Esses limites impedem que
o discurso estatal proponha uma reflexão, mais ou menos balizada,
sobre a formação humana. O máximo que a verborragia oficial pode
fazer é associar a formação humana aos quatro pilares delorsianos:
“são saberes cuja conquista ultrapassa a mera aquisição de informa-
ção, uma vez que abarcam a formação humana e social do indiví-
duo” (BRASIL, 2002, p. 23). Ou ainda, como impõe os Parâmetros
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, vincular tais pilares
ao campo da estética da seguinte maneira: “Âmbito privilegiado do
aprender a ser, como a estética é o âmbito do aprender a fazer
e a política do aprender a conhecer e conviver (BRASIL, 2000, p.
66 – grifos nossos)”. Resta-nos pedir desculpas aos nossos leitores
por repetir a irracional ingenuidade escrita pelo discurso estatal, cuja
base que a estrutura são as elucubrações de Jaques Delors.
Por fim, podemos destacar, da tematização aqui tratada, a im-
portância educadora da função social da arte. Essa função apenas
pode ser posta em ato com o desprendimento do sistema de sina-
lização de terceira ordem que, motivado pela força depuradora do
meio homogêneo da arte de que se trate, possibilita que a refigura-
ção artística da realidade leve o sujeito humano à catarse. A riqueza
do papel desempenhado pela arte na expressividade dos dados antes
ocultos, os quais apenas podem chegar ao vivente por intermédio da
comoção catártica, educa-o a encarar o devir da humanidade.
A própria atividade do trabalho, como debatido ao logo deste
livro, impõe ao devir humano a necessidade de conhecer, continu-
amente, o ainda não conhecido: o novo que se renova inexoravel-
mente por meio do trabalho. A presença constante da novidade na
corrente social da vida humana, exige que o indivíduo cumpra, irre-
vogavelmente, o aprendizado de novas tarefas que, por força de tais
exigências, apenas pode ser atendida por intermédio do processo
educativo. Abrir mão de formar o sujeito humano para o novo é
assumir como processo formativo a fragmentação, como faz a seu
bel-prazer a burguesia decadente, mesmo que usando a arte como
mecanismo de aprendizagem-ensino.
Apenas e somente um processo educacional que considere a
formação humana como princípio educativo e seja, ao mesmo tem-
po, o princípio educativo da formação humana, pois tem como chão
estruturante a omnilateralidade, pode atender a plenitude formativa
de toda a potência humana guardada pela atividade do trabalho.

135
Para definitivamente concluir, utilizamos uma citação já regis-
trada, mas que a força de sua beleza e a profundidade de sua reflexão
causa regozijo em repeti-la: a arte ajuda o sujeito humano, a exem-
plo da personagem do conto de Galeano (2002), a olhar o mundo,
a entender a mundanidade pedestre imanente da vida. Ou seja: “Na
medida em que melhor pensamos o mundo, também melhor senti-
mos – e vice e versa” (LESSA, 2015, p. 471). A arte, complementa o
filosofo brasileiro, é o complexo social cuja função é, essencialmente,
“elevar o patamar de sensibilidade dos humanos ao máximo alcança-
do em cada momento”. A elevação desse patamar ao máximo que se
possa em seu hic et nunc histórico torna-se condição ineliminável para
a reprodução saudável da sociedade, pois, como conclui este autor,
“sem o constante desenvolvimento de nossa capacidade de sentir o
mundo, mais cedo ou mais tarde nossa própria capacidade de conhe-
cer o mundo ficaria impossibilitada de novos desenvolvimentos – e
vice e versa” (p. 471-2).
A classe de educação alcançada pela arte, contudo, não pode
ser comparada ao processo educativo que tem por base a verdade
desantropomórfica. O tipo de educação proporcionada pela catar-
se artística, como entende o esteta húngaro, é, quando comparado
com o processo educacional que tem a ciência como base, ao mes-
mo tempo mais e menos que conhecimento. Mais, porque mostra o
que é impossível de ser mostrado pela sintaxe linguística; e menos,
porque não tem como possuir o caráter, permitido apenas ao com-
plexo científico em articulação com o educativo, de verdade objetiva
comprovável cientificamente sem o qual o sujeito mundano não teria
se desenvolvido, não seria social: não teria como entender o mundo
material em que ele vive!

136
Referências

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