Unidade II
Nesta unidade, o que colocamos em discussão é o lugar do professor no processo de ensino da
leitura e da escrita; o papel que por ele deve ser desempenhado para que seja possível atingir bons
níveis de desenvolvimento da competência leitora e escritora. Faz‑se necessário destacar o fato de
que, em alguns momentos, no decorrer desse estudo, você irá se deparar com assuntos que envolvem
a leitura e a escrita separadamente. Entretanto, devemos ter clareza de que essa é somente uma
forma de enfatizar esse ou aquele aspecto do processo de aquisição da linguagem escrita. Leitura e
escrita não são práticas independentes, pelo contrário, estão necessariamente imbricadas de modo
que não nos é possível, na prática, separá‑las. A cisão entre ambas só ocorre devido à necessidade de
discuti‑las detalhadamente.
Figura 1
Muitos são os autores que ressaltam a importância da leitura na formação do indivíduo. Entretanto,
é preciso considerar que a relação que estabelecemos com a leitura precisa ser mediada por um leitor
mais experiente. Qual é a criança que não gosta de sentar‑se ao lado de um adulto para ouvir uma
boa história? Aventura, mistério, magia, romance, ironia, comédia, ensinamento etc. Pode até ser que a
história a ser lida já seja conhecida pela criança, mas isso não altera o seu contentamento e empolgação
para ouvi‑la diversas vezes.
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Mas há um fato curioso que precisa ser observado com atenção, pois deve ser compreendido por nós
adultos: mesmo aqueles que já sabem ler, apreciam a leitura feita pelo professor. O que isto quer dizer?
Vamos conversar a respeito de alguns pontos que merecem ser destacados aqui.
Primeiro, é preciso que reconheçamos que até mesmo nós, adultos, gostamos que nos seja lida
uma boa história. Quando a disciplina que leciono no curso de pedagogia trata de leitura e escrita,
sempre escolho um bom texto para iniciar a aula e explico para os alunos que acredito que essa é uma
prática fundamental, para que possamos compreender o encantamento que o ato de ler exerce sobre
nós. Por meio da leitura, como nos foi dito por Délia Lerner, na citação que dá início a esse estudo,
temos a possibilidade de viajar por outros mundos, conhecer outras culturas, vivenciar aventuras sem
correr os seus riscos. Uma boa leitura nos permite transitar entre o passado, o presente e o futuro. E
isso é fantástico! Muitos alunos relatam que, enquanto realizo a leitura escolhida para o início da aula,
eles ficam mais calmos e se sentem mais relaxados; desaceleram em relação à correria do cotidiano
casa‑trabalho‑escola. Se, por algum motivo, anuncio que não haverá leitura naquela aula, demonstram
decepção e insatisfação. Lembre‑se de que estamos falando de alunos do curso de pedagogia, ou seja,
adultos (e das mais diferentes idades). Ao final da aula, sempre há um ou outro aluno que vem pedir pra
que eu repita o nome do livro, do autor e da editora, pois tem interesse em adquirir a obra.
A prática de realizar a leitura de história para as crianças, infelizmente, tem ficado sob a inteira
responsabilidade de professores que atuam na Educação Infantil ou das famílias, nas quais o hábito
de ler tem sido cada vez menos valorizado, por razões diversas. A passagem do aluno da Educação
Infantil para o Ensino Fundamental é, na maioria dos casos, acompanhada por uma ruptura de rotina
e de práticas pedagógicas, para a qual não se encontra fundamento. A descontinuidade, por exemplo,
do hábito de ler para os alunos que ingressam no 1º ano do Ensino Fundamental (atualmente aos seis
anos de idade), justifica‑se pelo discurso de que “agora há muitos conteúdos a serem trabalhados e
a leitura só pode ser realizada se, e somente se, sobrar tempo”. Ora, que conteúdos podem ser mais
importantes do que o desenvolvimento da competência leitora? Ou será que é a falta de conhecimento
dos benefícios propiciados pela leitura realizada aos alunos, que faz com que educadores, de um modo
em geral, sacrifiquem esse momento para, em seu lugar, propor atividades em que a abordagem de um
determinado conteúdo está mais explícita?
Vamos partir de um pressuposto comum para que, juntos, possamos avançar na reflexão sobre essa
temática: é papel da escola ensinar o aluno a ler e escrever para além da codificação; seu objetivo é que ele
desenvolva competência leitora e escritora. Sendo assim, cabe ao professor buscar meios para garantir aos
seus alunos o desenvolvimento de tais competências. O paradoxo existente em muitas práticas pedagógicas
atuais está justamente no fato de que, para contribuir no desenvolvimento de uma leitura competente por
parte do aluno, nós (professores) deixamos de ler para ele. Se isso ocorre, de que maneira podemos esperar
que esse aluno venha a gostar de ler? Não é lógico que ele possa pensar que se ler fosse bom, aprazível,
se ajudasse a ampliar vocabulário, e tudo mais que costumamos discursar enquanto falamos sobre a
importância de desenvolver o hábito da leitura, nós faríamos isso juntos, na escola?
Mais uma vez, insistimos na importância de conhecer as razões implícitas nas práticas adotadas.
Então, podemos nos perguntar: quais são os benefícios de uma leitura realizada pelo professor aos
alunos? Vamos a eles!
21
Unidade II
É quando o professor lê para os alunos (e essa deve ser uma prática que permeia, necessariamente,
todos os anos iniciais do Ensino Fundamental, do 1º ao 5º ano e, quem dera, continuasse nos demais
anos que o sucedem) que o texto ganha vida. A entonação, as expressões, o gestual, o ritmo, a fluência,
enfim, toda a postura do professor revela ao ensinar como deve ser uma leitura. O professor, leitor
competente, enquanto lê, oferece aos alunos um bom modelo do que é essa atividade.
Lembra‑se da palavra modelo? Aquela que acreditávamos estar proibida, considerando‑se uma
perspectiva de ensino diferente da tradicional?
Esse é o primeiro preconceito que necessita ser revisto. O professor precisa oferecer modelos para o
seu aluno, sim. Entretanto, o modelo a que nos referimos não é mais aquele que necessita ser repetido
tal como foi apresentado ao aluno. O modelo, ora proposto, deve ser um ponto a partir do qual o aluno
possa sustentar o seu conhecimento em construção. É um ponto de partida, uma referência que não
será reproduzida, mas que lhe apresentará caminhos pelos quais será possível imprimir o seu estilo
próprio.
Um exemplo, talvez, possa tornar mais claro o entendimento do que estamos chamando de modelo.
Suponhamos que você acabou de ingressar numa escola para lecionar no 2º ano do Ensino Fundamental.
Logo depois que você realizou a sua primeira reunião de pais, a coordenadora pedagógica pede que você
lhe entregue um relatório sobre a reunião. É certo que você sabe o que é um relatório; mesmo assim, a
dúvida de como elaborá‑lo começa a incomodá‑lo. E não é para menos, pois há diferentes possibilidades
de redação e estruturação de um relatório. Nesse caso, se você recorrer a um professor que já realizou
esse trabalho de modo satisfatório e este permitir que você leia o relatório dele, certamente, você terá
referências que nortearão a sua redação. Isso não significa que você reproduzirá o relatório escrito pelo
seu colega, mas utilizará pontos comuns para desenvolver o seu. O resultado final pode ser até melhor
do que aquele que você consultou inicialmente, pois isso apenas lhe serviu de plataforma sobre a qual
você edificou o seu relatório.
Esse é o papel que o professor realiza enquanto lê para os seus alunos. Isto quer dizer que ele vai
desbravando, perante os estudantes, os caminhos da leitura que realiza. Ele oferece um bom modelo, um
bom estilo de leitura para que, apoiado nele, o aluno possa desenvolver o seu estilo próprio.
Vera Ronca, em suas aulas, apresenta, aos alunos, obras de Van Gogh que foram inspiradas em Millet,
seu mestre, e, pela similaridade das imagens, observa o despertar de sentimentos de:
A autora faz uma escolha feliz quando chama de mito a crença de que alguém tão talentoso como
Van Gogh não precisaria de inspirações, modelos e referências.
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Saiba mais
Nele, a autora nos apresenta várias obras de autoria de Van Gogh que
foram inspiradas em Millet. Entretanto, esse caminho da imitação foi imbuído
de um estilo próprio, que possibilitou ao aprendiz superar o mestre. Tanto
isto é verdade que Van Gogh é mais conhecido do que Millet. Diz a autora
sobre Van Gogh: “Imitou conscientemente, copiou, reproduziu repetidas
vezes fotos e gravuras com o intuito de aprender as regras elementares do
desenho.” (RONCA, 2007, p. 51)
Entretanto, é fundamental que o modelo de leitura a ser apresentado aos alunos seja bom. Para
garantir essa qualidade, devem ser considerados alguns quesitos, sem os quais a possibilidade de fracasso
se torna realidade. São eles:
• O professor deve ser um bom leitor: Nesse processo, há que se considerar a competência leitora do
professor que atuará como o parceiro mais experiente do aluno, ou seja, a referência, o modelo, e cuja
intimidade com o texto lido revelará, pela condução da atividade, a importância de atribuir sentido ao
texto. Vale lembrar que ler uma poesia com a mesma entonação do início ao fim é muito diferente
de ler a mesma poesia modificando a entonação de acordo com os sentimentos ou fatos que vão se
revelando no decorrer do texto e isso, o aluno só vai aprender observando como os outros leem.
• A escolha prévia do texto: É imprescindível que o texto selecionado tenha sido previa e
cuidadosamente escolhido (considerando‑se o perfil da classe, seus interesses, a faixa etária etc.)
e que a sua leitura tenha sido realizada antecipadamente pelo professor, possibilitando que ele
explore, junto aos alunos, os diversos recursos utilizados pelo autor para envolver o leitor; contos de
fada, de mistério, notícias de jornal, poemas, entrevistas, biografias, reportagens, enfim, qualquer
que seja o texto escolhido pelo professor, deve ter sido selecionado previamente, obedecendo a
critérios que considerem a dinâmica e o interesse da classe.
• Os comentários sobre o autor e a obra: Outro aspecto fundamental é que o professor selecione algumas
informações sobre o autor do texto para fornecê‑las aos alunos antes da realização da leitura; dados
de sua biografia, da obra da qual o texto está sendo retirado e de outras publicações do mesmo autor,
por exemplo, aguçam o interesse dos alunos para a leitura, além de ajudá‑los a estabelecer algumas
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Unidade II
relações entre o escritor e sua obra. Esse aspecto também tem sua importância pautada no fato de
que os alunos, fora do ambiente escolar, quando se deparam com textos ou informações sobre algum
autor que conheceram na escola, revelam maior interesse em saber o que está sendo dito sobre tal e,
portanto, interessam‑se pela leitura de outros materiais desse mesmo autor.
• A utilização do portador do texto: A leitura realizada pelo professor deve, necessariamente, ser
realizada diretamente no seu portador, isto é, se o que está sendo lido é um conto de fadas que foi
contado pelos Irmãos Grimm, é essa obra que deve ser apresentada aos alunos e o professor deve
realizá‑la no próprio livro. O texto não deve ter sido reproduzido (manual ou mecanicamente), pois
o aluno precisa aprender onde é que ele pode encontrar os diferentes tipos de texto que lhe são
apresentados. Assim, se o texto lido é uma matéria que foi publicada no jornal, o professor deverá
levar, para a sala de aula, o próprio jornal, mostrando ao aluno como localizar a informação nesse
portador. Se levasse a matéria recortada, por exemplo, privaria o aluno dessa aprendizagem.
• A leitura em capítulos: Outra importante estratégia a ser utilizada pelo professor, para mostrar
aos alunos o comportamento leitor, é a leitura feita em capítulos. Um bom livro de aventura, por
exemplo, pode ser a escolha certa para envolvê‑los na leitura, além de, pelo próprio procedimento
do professor, ensiná‑los que nem todos os livros foram pensados para que os lêssemos de uma vez
só. A exemplo das novelas televisivas, o professor atrai o aluno para leitura, na trama nela contida,
interrompendo‑a num momento de suspense (escolhido previamente, lembra?), no momento em
que algo importante está para acontecer ou para ser revelado. Agindo assim, é muito provável
que, no dia seguinte, os alunos estejam ávidos pela retomada da leitura.
• A qualidade dos textos: Os critérios adotados pelo professor para a escolha dos textos são
estabelecidos a partir do conhecimento que ele tem a respeito da sua sala de aula, aliado a
alguns aspectos considerados fundamentais para tal seleção. O principal deles refere‑se à leitura
de obras de referência na literatura infantil. O mercado nos oferece, atualmente, uma série de
publicações cuja linguagem foi simplificada (subestimando a capacidade de compreensão
da criança) e, portanto, empobrecida do ponto de vista literário. Se entendermos que os bons
modelos, como dissemos anteriormente, funcionam como pilares nos quais nos apoiamos quando
estamos aprendendo algo, como esperar que o aluno possa produzir bons textos, se as leituras que
realizamos para ele no cotidiano escolar apresentam qualidade questionável? Aquilo que não é
compreendido pelo aluno precisa ser discutido na coletividade, com todos os demais participando
da discussão, levantando hipóteses que vão sendo esclarecidas ou validadas pelo professor, o
que fornecerá a eles elementos suficientes para que possam identificar recursos semelhantes
utilizados em outros textos. A argumentação de que há textos cujas expressões são de difícil
compreensão para as crianças pode sugerir que o professor considere duas possibilidades: que
talvez seja a hora de ensiná‑las a buscar o significado das palavras no dicionário ou que o texto
não esteja adequado para a faixa etária em que elas se encontram. Entretanto, na maioria dos
casos, sabe‑se que muitas dúvidas que surgem a partir da leitura de um texto (e as dúvidas são
bem‑vindas no processo de aprendizagem dos alunos, pois os mobilizam a buscar respostas e,
portanto, conduzem à aprendizagem) podem ser sanadas em discussões em que o professor atua
como mediador. Considere, também, o fato de que, como leitores competentes que somos, muitas
palavras cujo significado desconhecemos podem ser compreendidas no seu contexto, sem que
24
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
seja necessária a utilização do dicionário; outras, porém, exigem que essa consulta seja feita e será
a experiência leitora de cada um de nós que decidirá qual procedimento será adotado em cada
situação. Entretanto, após a leitura, é importante mostrar aos alunos essas duas possibilidades.
• A leitura compartilhada: Ocorre quando todos têm acesso ao texto escrito e podem acompanhar e
participar da leitura feita pelo professor. Ter acesso ao texto escrito significa que os alunos podem
acompanhar a leitura do professor, observando em que momento ele realiza suas pausas, o que o
faz modificar a entonação, quando sua expressão se torna mais acentuada, enfim, pode observar
o comportamento leitor adotado por esse outro leitor mais experiente, na sua interação com o
texto escrito. Para tanto, cada aluno, dupla ou trio, deve ter em mãos o portador do texto. Outra
forma interessante é a projeção do texto numa tela para toda a classe.
• A hora da leitura: Sabe‑se que há vários relatos de professores que dizem ler para os seus
alunos quando “sobra um tempinho” ou ao final da aula, enquanto aguardam o sinal que
autoriza a saída. Esse não é o lugar que gostaríamos que a leitura ocupasse na escola. Dada a
sua importância na formação dos alunos, ela precisa ocupar um lugar de destaque; precisa ser
planejada, acontecer diariamente e, de preferência, no início da aula, ou seja, no momento em
que os alunos estão chegando à escola e, portanto, estão mais dispostos. Ela precisa ser desejada
e esperada pelos alunos; só assim estaremos contribuindo para que se tornem verdadeiramente
bons leitores.
Figura 2
25
Unidade II
• O lugar para ler: O local de leitura, seja ela feita pelo aluno ou pelo professor, pode variar. É
possível ler na classe, na quadra, na biblioteca, no pátio, no bosque, enfim, vários espaços podem
ser utilizados para essa prática, o que também ajuda a fazer com que os alunos gostem desse
momento. Reunir os alunos para uma leitura à sombra de uma árvore, por exemplo, costuma ser
uma experiência prazerosa. Entretanto, é preciso que o professor se organize com antecedência,
pois há lugares que precisam ser reservados (como é o caso do uso da biblioteca em algumas
escolas) e outros que precisam ser preparados para receber os alunos (às vezes, trata‑se de um
lugar até então não muito utilizado e que precisa de uma arrumação prévia).
• O manuseio do material: Após a realização de cada leitura, o professor deve permitir que o material
lido (livro, revista, jornal etc.) circule entre os alunos, para que eles possam explorá‑lo. Os alunos
precisam ter essa oportunidade de apreciação pessoal, de proximidade com a leitura escolhida
pelo professor. Essa prática permitirá que eles construam referenciais para a escolha pessoal de
um bom texto.
Saiba mais
DAHL. R. O BGA: o bom gigante amigo. São Paulo: Editora 34, 1999.
Desse modo, entendemos que o papel que o professor desempenha como leitor, junto aos seus alunos,
é muito importante para o desenvolvimento da competência leitora. Nessa fase de aprendizagem, será
a partir dos critérios estabelecidos pelo professor que os alunos terão contato com textos de qualidade
literária reconhecida, possibilitando a ampliação do vocabulário, a identificação e utilização de recursos
linguísticos que valorizam o texto, a reflexão sobre o que foi lido (tanto sobre o tema tratado, como sobre
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
aspectos próprios da linguagem escrita), enfim, será a prática de leitura diária na escola que possibilitará,
ao aluno, um mergulho prazeroso no mundo da leitura. É preciso ressaltar, porém, que as escolhas que
fazemos para a leitura são bastante subjetivas, quer dizer, obedecem a critérios pessoais e, por esse motivo,
aos alunos deve ser dada a oportunidade de não gostarem da leitura que ouviram. Há livros que são
considerados best‑sellers, o que não significa que todas as pessoas ficarão satisfeitas após a sua leitura.
Nesse sentido, o professor também deve mediar discussões acerca das leituras que realiza, propondo que
os alunos se manifestem livremente, mas que argumentem sobre as impressões que tiveram sobre a leitura
que ouviram ou que realizaram. Por isso, essa é uma prática de extrema importância em que o professor
atuará como referência para os alunos caminharem na direção da autonomia leitora.
Saiba mais
SOUZA, F. de. Que história é essa? São Paulo: Companhia das Letrinhas,
1995.
Observação
Best‑seller: expressão utilizada para identificar uma obra de ampla aceitação entre os leitores; uma
obra muito vendida. Sua popularidade a leva a reedições, traduções e adequações para outros idiomas.
Há leituras para diferentes propósitos: divertir, informar, aprender, emocionar, distrair, orientar. Por
exemplo, se queremos aprender a manusear um aparelho celular novo, lemos o seu manual de instruções;
27
Unidade II
se a ideia é divertimento, podemos escolher uma boa crônica; para fazer uma sobremesa de chocolate,
existe a receita; para estudar para a prova, lemos o material indicado pela professora. É preciso considerar
que muitas escolhas podem variar, pois são fortemente marcadas pela subjetividade do indivíduo, ou seja,
posso ler uma crônica para me divertir e, outra pessoa, para a mesma finalidade, pode preferir histórias em
quadrinhos (HQs). Entretanto, é certo que essa diversidade textual deve ser revelada ao aluno nos anos iniciais
do Ensino Fundamental; ele só poderá estabelecer critérios pessoais para escolher o que será lido se tiver tido
a oportunidade de conhecer os diferentes gêneros existentes. E isso deve ser propiciado pela escola.
Isto posto, entendemos que o professor não pode se fixar num único gênero textual a ser lido para
os seus alunos. O fato de uma determinada turma gostar da leitura de contos de fada, não pode levar
o professor a entender que deva realizar somente esse tipo de leitura. Os alunos precisam compreender
o que se pretende em cada leitura e, além disso, conhecer outros gêneros, para que também saibam
apreciá‑los e utilizá‑los quando necessário.
[...] É preciso levar em conta que o propósito de ensinar as crianças a ler com
diferentes objetivos é que, com o tempo, elas mesmas sejam capazes de se
colocar objetivos de leitura que lhes interessem e que sejam adequados. O
ensino seria muito pouco útil se, quando o professor desaparecesse, não
pudesse se usar o que aprendeu (SOLÉ, 1998, p. 101).
Saiba mais
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
escolha o material que deseja ler; o que significa que ele precisa estar em constante interação com a
diversidade textual. Por isso, cada classe deve possuir um acervo composto por livros de diferentes
gêneros e autores, para que sejam manuseados livremente. É preciso ressaltar que não nos referimos
aqui ao acervo que compõe a biblioteca da escola. É certo que esse também é um material e um espaço
que devem ser explorados por professores e alunos, contudo, é preciso aproximá‑lo ainda mais dos
estudantes. É necessário que haja um acervo na sala de aula, garantindo a constante possibilidade de
realizar uma leitura.
A aquisição de títulos para compor tal acervo é uma questão sempre assinalada por muitas escolas,
devido à falta de recursos financeiros para esse fim. Essa falta de investimento revela também a pouca
importância que se dá à leitura e é preciso que esse assunto seja amplamente discutido com os gestores
das escolas, a fim de se encontrar uma solução viável para o assunto. Entretanto, esse não é o propósito
desta disciplina (não por ser um assunto menos importante, mas devido à necessidade de manter o foco
nos objetivos por ela propostos), motivo pelo qual não faremos essa discussão aqui. Mas não se podem
deixar de reconhecer o esforço e empenho de muitos professores que, compreendendo a importância
de haver um acervo na sala de aula, recorrem aos pais, à comunidade, às editoras, enfim, a todos que
puderem contribuir para a reunião desse material de suma importância para o seu trabalho.
O acesso ao acervo da classe permitirá, ao aluno, retomar, por exemplo, uma leitura que foi realizada
pelo professor e pela qual tenha se interessado, buscando localizar as partes que mais gostou no
texto. Essa proximidade com os diversos títulos também possibilitará que os alunos, entre si, façam
recomendações de leituras, buscando justificativas que possam convencer o colega a ler a mesma obra,
o que contribui significativamente para o desenvolvimento da oralidade e da argumentação.
Além de ser acessível para os alunos, as obras que compõem o acervo da sala devem ser passíveis de
empréstimo, segundo regras que a professora estabelecerá em conjunto com a classe, como cuidados
para não riscar, rasgar, amassar, sujar etc. Os alunos devem poder levá‑la para casa. Pensemos o quão
prazeroso se torna a leitura quando podemos compartilhá‑la com aqueles de quem gostamos. Levar para
casa uma aventura lida pelo professor e, na leitura com os familiares, poder imitar o comportamento
leitor da professora, ou ainda, mostrar para os seus entes queridos o quanto conhece sobre aquela obra,
torna muito propícia a aprendizagem de aspectos essenciais da leitura, além de envolvimento agradável
com o texto.
Há ainda outro fator a ser considerado no acesso do aluno ao acervo literário: a indicação de leitura.
Essa prática, que nos acompanha por toda a vida, precisa ser motivada pelo professor. Quando fazemos
a indicação de algo que gostamos, seja um filme que assistimos, uma música que ouvimos, um lugar
que visitamos, um restaurante em que comemos, enfim, de toda uma infinidade de possibilidades
presentes no nosso cotidiano, desenvolvemos também a habilidade de extrair, da experiência vivida, a
informação essencial para fornecê‑la a quem estamos fazendo a indicação; e isto é a realização de uma
síntese, tão necessária quando queremos, por exemplo, fazer o resumo de um texto. Assim, a utilização
das informações selecionadas fundamentará a argumentação a ser desenvolvida para a realização da
indicação, pois sabemos que toda indicação pressupõe uma justificativa, uma argumentação: leia esse
livro porque é muito divertido; assista àquele filme porque ele tem uma trilha sonora maravilhosa; vá
àquele restaurante porque o atendimento é de primeira linha.
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Unidade II
Ao professor caberá o planejamento de situações em que tais propostas sejam colocadas em prática.
Contudo, se ele não estiver ciente de que a sua mediação nesse processo é o que potencializará a
aprendizagem dos alunos, os objetivos requeridos por meio do desenvolvimento de atividades com a
leitura não serão alcançados.
O contato da criança com a leitura é tão importante quanto o papel que o professor exerce nessa
interação. Muitas propostas de atividades consideradas boas, adequadas, interessantes, desafiadoras,
revelam‑se infrutíferas se o professor não se localiza diante do que elas suscitam em seus alunos,
quando estão nelas envolvidos. Não queremos, com isso, dizer que a atividade por si só é garantia de
aprendizagem. Se assim fosse, não estaríamos ressaltando a importância do papel do professor para o
avanço nas aprendizagens do aluno. Pelo contrário, devido à relevância dessa temática, propomos nos
deter um pouco mais nesse espaço de discussão.
A atuação do professor, nas atividades que desenvolve junto aos seus alunos, perpassa a sua concepção
de ensino; ou seja, suas práticas pedagógicas, estão intrinsecamente relacionadas com aquilo que ele
entende por ensinar, por aprender. E, para essa compreensão, resgatamos um pouco do que foi discutido
na unidade I desta disciplina, mais especificamente no que se refere às apropriações equivocadas de
uma concepção de ensino.
E já que estamos falando de bons textos, há uma história muito interessante, escrita por Eva Furnari,
que se chama “Abaixo das canelas” e que pode ser um ponto de partida interessante para a reflexão que ora
propomos. Conta a história, que os habitantes de Poscovônia não podiam mostrar os pés. Podiam mostrar
qualquer outra parte do corpo, mas não os pés. Até a pronúncia da palavra “pé” era por eles evitada. Num
belo dia, Joãozinho resolve perguntar ao seu professor o motivo pelo qual os pés não podem ser mostrados.
Claro que isso o desestabiliza, mas também o intriga, e o professor resolve investigar a questão (sozinho,
pois não envolveria os seus alunos numa questão tão polêmica). Assim, ele chega ao mais antigo morador
do lugar, que mora sozinho, num casebre em uma montanha um pouco afastada da cidade, e o encontra
descalço. Depois de conversarem a respeito de vários assuntos, chegam ao ponto esperado pelo professor.
O antigo morador conta que, quando era pequeno, surgiu na região uma erva rasteira com espinhos
venenosos que cobriu toda a terra. E, para não espetarem os pés e morrerem envenenados, as pessoas
tinham que andar sempre calçadas. O professor conclui que as regras caducam e que, em muitos casos, as
pessoas se esquecem de olhar o seu prazo de validade e a continuam usando.
Saiba mais
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METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Tal como na história de Poscovônia, desconhecer as razões que motivaram essa ou aquela ação gera
atitudes que, por não serem oriundas de análises e reflexões, não contribuem para a aprendizagem. Mais
do que isso, limitam a participação criativa do aluno e a atuação mediadora do professor. Por esse motivo,
é de extrema importância que o professor conheça o que se pretende com as atividades que propõe ao
aluno. É preciso que ele levante alguns questionamentos para os quais saiba ao menos uma resposta
possível. Considera‑se, porém, que há perguntas que admitem várias respostas e, além disso, que há a
possibilidade de estarmos enganados na nossa compreensão sobre algo, o que nos leva a conclusões
igualmente equivocadas, mas isso faz parte do processo reflexivo. Por esse motivo, dizemos que as
nossas respostas são provisórias, o que quer dizer que elas estão sempre sendo reelaboradas, porque
nossos saberes, nosso conhecimento sobre algo, nas experiências pessoais que nos constituem como
pessoas e como profissionais, estão em processo contínuo de mudança. Não ter respostas provisórias é
o que se torna perigoso, pois, nesse caso, isso pode indicar a ausência de informações e de elementos
que viabilizem uma escolha criteriosa de nossas ações.
Fica claro, portanto, que o aluno tem um papel ativo no processo de sua aprendizagem, mas essa
atividade não é exclusividade dele. O professor também atuará dinamicamente, mobilizando saberes,
propondo desafios, observando, discutindo, validando estratégias e conhecimentos, propiciando a troca
de experiências e, acima de tudo, aprendendo também com os seus alunos.
Dizer que, para ensinar, é necessário partir de conhecimentos prévios tornou‑se uma afirmação
comum entre os educadores. Porém, parece que esse é um conhecimento que já deve estar estabelecido
a priori, ou seja, ninguém explica, mas todos devem saber. Ora, as coisas não funcionam bem assim.
É preciso dizer aquilo que parece óbvio e entender qual é a sua importância. E, sobre a questão dos
conhecimentos prévios, Solé (1998) insiste que:
Desse modo, é preciso que tenhamos clareza de que os alunos chegam à escola com muitos
conhecimentos acerca de diferentes assuntos. E o conhecimento que possuem varia muito de criança
para criança. Isso porque, como afirmou Solé, eles são constituídos também nas experiências vivenciadas
pelos alunos e, como a experiência de cada um é única, também os saberes prévios devem considerar essa
perspectiva. As discussões que antecedem a abordagem de um tema, as considerações iniciais antes da
leitura de um determinado texto, as hipóteses levantadas e as antecipações com base nas informações
contidas num livro, por exemplo, são formas de mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos, de
modo que eles contribuam para a compreensão do que será lido. Para tanto, o professor é quem deve
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Unidade II
promover essas discussões com os alunos. Por exemplo, se o professor escolhe realizar a leitura de
um clássico conto de fadas, precisa mostrar a capa do livro aos alunos antes da leitura, perguntar se
conhecem a história, deixar que eles falem sobre as informações apresentadas na capa (o que está
escrito, o que sugere a ilustração, se houver) e permitir que levantem hipóteses que podem ou não
ser confirmadas ao final da leitura. Algumas impressões ou informações, trazidas pelas crianças nessas
oportunidades podem não fazer muito sentido no contexto da discussão. Caberá ao professor avaliar
se aquilo que trazem os alunos é pertinente ao que está sendo tratado e, com habilidade, mostrar que
outras informações podem consideradas em outras situações, mas não são adequadas àquele momento.
Ainda sobre os conhecimentos prévios, Vygotsky (1998) já afirmava:
A advertência final de Vygotsky aos psicólogos é válida também a qualquer um de nós professores.
É imprescindível que possamos entender que os conhecimentos prévios dos alunos devem ser utilizados
a favor da aprendizagem. Na verdade, eles são o ponto de partida para o trabalho do professor e isso
significa que se parte em direção a um destino conhecido: a aprendizagem. É recorrente uma compreensão
(daquelas equivocadas que já nos referimos várias vezes nesta unidade e na anterior), em que se acredita
que trabalhar com os conhecimentos prévios é propiciar ao aluno a utilização daquilo que já sabem. Bem,
isso é apenas o ponto de partida; não podemos nele permanecer. Se, como professores, não ampliarmos o
que os alunos já sabem ou não sistematizarmos aquilo que já conhecem, de que maneira promoveremos
a aprendizagem? É preciso que isso fique muito claro: o trabalho do professor parte dos conhecimentos
prévios dos alunos, mas ele tem uma direção maior, que visa mostrar outras vertentes, outras possibilidades.
O professor quer ir além do que já é conhecido e esse é o objetivo que se sustenta no conhecimento já
adquirido: ancorado naquilo que já é sabido, é possível dar um salto na direção daquilo que é novo.
Lembrete
Considerando‑se, ainda, os estudos realizados por Vygotsky, sabemos que o autor considera a
existência daquilo que chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), compreendida como a
32
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
diferença entre aquilo que a criança consegue realizar sozinha (nível de desenvolvimento real) e aquilo
que ela consegue realizar com ajuda de alguém mais experiente (nível de desenvolvimento potencial).
Sintonizando‑nos com Vygotsky, entendemos que a atuação do professor deve ocorrer justamente
neste intervalo por ele chamado de ZDP. Vamos tentar explicar um pouco melhor. Suponhamos que uma
criança de 3 ou 4 anos demonstra que já consegue calçar seu tênis sozinha, mas não consegue amarrá‑lo,
a menos que a mãe a auxilie. A ação de calçar o tênis identifica o seu nível de desenvolvimento real, ou
seja, ela sabe fazê‑lo sem a ajuda de ninguém. Entretanto, para amarrar o calçado, necessita da ajuda
da mãe, o que revela que esse é o seu nível de desenvolvimento potencial. Considerando‑se a distância
entre o que essa criança faz sem ajuda (calçar o tênis) e o que necessita de ajuda para fazer (amarrá‑lo),
temos um campo fértil de aprendizagem (a ZDP) a ser explorado pelo professor.
Há, porém, alguns critérios a serem considerados nessa atuação. Um deles refere‑se ao fato de que
somos atraídos por desafios. Por esse motivo, gostamos tanto de jogos, charadas, enigmas, quebra‑cabeças
etc. Essa visão nos remete à compreensão de que devemos propor atividades desafiadoras aos alunos.
Não é por acaso que, atualmente, fala‑se tanto em situações problemas como estratégias de ensino.
Mas, que situações são essas? Que desafios propor?
Voltando a Vygotsky, os desafios propostos devem considerar a ZDP. Vamos entender o motivo desse
princípio. Se nos é apresentada uma situação para a qual devemos encontrar uma solução e, ao analisá‑la,
percebemos que essa solução é óbvia, muito fácil de ser encontrada, perdemos a motivação para realizá‑la.
É interessante que, diante de casos como esse, o alunos chegam a verbalizar a sua frustração: “Ah... isso
é muito fácil!”. Nesse caso, dizemos que o desafio proposto não está adequado à aprendizagem do aluno,
pois não mobilizou os seus saberes, nem trouxe uma reflexão que pudesse desestabilizar o que já se sabia,
na busca de soluções novas. É um desafio que está aquém do potencial que o aluno pode utilizar.
Por outro lado, apresentar aos alunos um desafio cuja resolução seja praticamente impossível para
eles, também não contribui para a aprendizagem, uma vez que tendemos a nos desinteressar por aquilo
cuja solução não conseguimos encontrar. É o caso, por exemplo, de muitas pessoas que cursam inglês e
desistem no meio do caminho, sob a justificativa de que não gostam do idioma. Na maioria das vezes,
a verdade reside no fato de que, como não conseguem se situar nas aulas, nem compreender o que
está sendo dito pelo professor, nem responder às tarefas solicitadas, as pessoas acabam desistindo de
tal aprendizagem. É como se a nossa psique tentasse nos proteger das frustrações, mascarando o nosso
“fracasso”, com a desculpa de que não queremos aprender porque não gostamos daquilo. É menos
doloroso dizer que não gostamos e, portanto, não estamos interessados, do que assumir que não estamos
conseguindo aprender. Desse modo, os desafios que estão além de nossas capacidades também geram
desinteresse. E, já que estamos falando em desafios, entendemos que o grande desafio do professor está
na adequação das atividades para os seus alunos: nem além, nem aquém do que podem realizar.
alunos. E isso é essencial para o êxito do trabalho, pois, se isso não acontece, ficamos como os habitantes
de Poscovônia, à mercê de uma ação que, um dia, foi necessária, mas que, no contexto atual, não faz o
menor sentido.
Mais uma vez, reiteramos o fato de que não queremos, com isso, dizer que todas as ações educativas
praticadas no passado não nos servem mais. Isso é não é verdade. O que destacamos é a sua utilização
sem o conhecimento do que pode ser alcançado por meio dela, sem saber se, de fato, esse é o melhor
caminho e desconsiderando a participação ativa do aluno.
A atuação do professor junto aos alunos deve combinar observações advindas de um olhar atento
e sensível, que o levará a intervenções adequadas, que mobilizam os saberes dos alunos e favorecem
a aprendizagem. Assim, quando ele encaminha atividades a serem realizadas pelos alunos, seja
individualmente ou em grupo, é de suma importância que circule pela classe, observando e acompanhando
os caminhos percorridos pelos alunos para encontrarem a solução para o desafio proposto. É nesse
momento que o professor pode, por exemplo, captar informações que revelam a necessidade de uma
intervenção de sua parte com determinado aluno; é nessa hora que poderá se aproximar um pouco
mais do que sabem seus alunos e se distanciar daquele modelo de ensino praticado no passado, em que
a aprendizagem não era encaminhada de modo reflexivo, em que o processo de leitura, por exemplo,
situava‑se na decodificação das palavras, sem que houvesse preocupação com a sua compreensão ou
com a opinião do leitor sobre o texto. É como revelam os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) de
língua portuguesa:
Figura 3
34
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
A leitura, como prática social, é sempre um meio, nunca um fim. Ler é resposta
a um objetivo, a uma necessidade pessoal. Fora da escola, não se lê só para
aprender a ler, não se lê de uma única forma, não se decodifica palavra
por palavra, não se responde a perguntas de verificação do entendimento
preenchendo fichas exaustivas, não se faz desenho sobre o que mais gostou
e raramente se lê em voz alta. Isso não significa que, na escola, não se possa
eventualmente responder a perguntas sobre a leitura, de vez em quando
desenhar o que o texto lido sugere, ou ler em voz alta quando necessário.
No entanto, uma prática constante de leitura não significa a repetição
infindável dessas atividades escolares (BRASIL, 1997, p. 38)
Por esse motivo, as atividades que apresentam desafios adequados ao perfil da classe constituem‑se
num modo produtivo de tratar a leitura e a escrita. Sempre que possível, o professor deve apresentar
situações problematizadoras para que os alunos encontrem uma solução possível. Depois disso, deve
abrir espaço para que os alunos apresentem as suas soluções, contando o caminho percorrido até
chegarem a elas, já que um mesmo problema ou situação pode admitir mais de uma resposta. Será nessa
troca de experiências, também, que o aluno terá a oportunidade de analisar se a solução que encontrou
para a situação é, de fato, a melhor para o caso em questão. Essa reflexão é muito rica, se considerarmos
que o aluno estará compreendendo o ponto de vista do outro, pensando e comparando os percursos
percorridos e ampliando as suas possibilidades de resolução para uma determinada situação. Essa é a
mobilização de saberes que gera a aprendizagem, que tanto desejamos.
Já falamos sobre a importância do professor em acompanhar as reflexões que o aluno faz durante o
desenvolvimento da atividade. Dada a sua importância no processo de aprendizagem, é preciso retomá‑la
em diferentes momentos, o que por ora fazemos.
Há professores que planejam uma atividade interessante para os seus alunos, mas colocam tudo
a perder quando não fazem o devido acompanhamento do seu desenvolvimento. Se as atividades
propostas pelos professores têm como objetivo mobilizar os conhecimentos dos alunos para que esses
avancem em suas aprendizagens, muito mais do que conferir resultados finais (avaliando se estão certos
ou errados), o professor precisa considerar o processo, ou seja, observar quais foram as escolhas feitas
pelos alunos para chegar àquele resultado, àquela conclusão e o que foi considerado por eles para
cumprir a tarefa. Nesse sentido, é imprescindível o acompanhamento do professor para que se possa
compreender o que pensam os alunos e, a partir de então, realizar intervenções que contribuam com a
sua aprendizagem, tal como afirma Zabala (1998):
Concordamos com o autor no que se refere à necessidade, por parte do professor, de observar seus
alunos na realização de suas tarefas para, assim, intervir adequadamente. Mas, como quase tudo na
educação, as coisas não são tão simples. É fato que, no papel de professores, precisamos conhecer aquilo
que o aluno sabe. Disso não discordamos. Entretanto, é preciso ir além. Referimo‑nos à necessidade de
compreender, tanto quanto possível, o que o aluno pensa quando está diante do desafio de encontrar
uma solução para a atividade escolar proposta. Isto quer dizer que será preciso um esforço, por parte do
professor, em compreender a lógica utilizada pelo aluno, mas considerando o ponto de vista do aluno.
Muitas vezes, conseguimos, por meio da aplicação de avaliações sistemáticas, conhecer o que o aluno
sabe ou não sabe. E só isso já é muito importante para o planejamento de uma boa intervenção. Mas,
se queremos contribuir para que o aluno realmente possa avançar em suas aprendizagens, é preciso
centrar‑se no percurso por ele estabelecido na resolução de um problema, na tentativa de compreender:
que decisões são tomadas por ele na realização da atividade; até que ponto ele consegue caminhar
sozinho; que pensamento/raciocínio o levou ao equívoco; quais os entraves que encontra diante do
desafio que lhe foi proposto e que tipo de intervenção poderia contribuir para que ele avance no
desenvolvimento daquela atividade.
Essas e muitas outras perguntas devem nortear o acompanhamento que faz o professor junto aos
seus alunos. Constatar o que erraram ou acertaram, para lhes oferecer mais atividades semelhantes
até que aprendam, pouco contribuirá com a formação deles, pois é sabido que posturas como essa
favorecem a memorização e a execução mecanizada de atividades, sem possibilitar a reflexão que
propiciará, posteriormente, generalizações importantes para a resolução de diferentes desafios que
nos são impostos na vida social. Talvez, as palavras da professora Telma Weisz (2003) nos ajudem a
compreender um pouco melhor o que estamos querendo enfatizar. Diz ela:
Acreditamos, como dito anteriormente, que a criança chega à escola com uma diversidade de saberes
que não pode ser ignorada, mas validada ou reformulada, conforme o meio em que se encontra. Assim,
há conhecimentos que fazem parte da bagagem cultural da criança, do adolescente, do aprendiz de
um modo geral, que não foram ensinados na escola, mas emergiram da cultura e, em algum momento
e por razões que nem sempre nos são claras, fizeram sentido para essa pessoa, que passa a utilizá‑la
sistematicamente em diferentes ocasiões. Vamos pensar num exemplo prático para entender essa ideia.
Suponhamos que, na produção de um texto, um aluno tenha escrito a frase “Eu mati a barata que
36
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
estava na minha caixa de brinquedos.” Poderíamos simplesmente constatar que esse aluno não sabe
conjugar corretamente os verbos e selecionariamos uma série de exercícios que o fizessem repetir a
situação correta. Contudo, um professor atento, que está sempre a observar a atuação dos seus alunos
na resolução das atividades que propõe, vai notar que esse é um erro comum entre os alunos menores,
especialmente os das séries iniciais do Ensino Fundamental, que são o foco da nossa atuação como
pedagogos. Eles costumam dizer “eu mati”, “eu gosti”, “eu fazi”, no lugar de “eu matei”, “eu gostei”, “eu
fiz”. Assim, notar que essa é uma generalização que foi elaborada a partir da constatação de que muitos
verbos são conjugados desse modo (venci, corri, comi etc.) e considerar que, apesar de incorreta, partiu
de uma reflexão que teve como base o modo pelo qual são conjugados tantos outros verbos, faz toda a
diferença na prática educativa.
Se sabemos que o aluno observou a conjugação de outros verbos e dele extraiu uma regularidade
(ainda que incorreta), será preciso mostrar‑lhe tantas outras situações textuais e orais em que os verbos
tenham diferentes terminações e, paulatinamente, dessas reflexões, extrair outras regularidades que
forneçam‑lhe elementos e informações para que possa fazer escolhas adequadas no momento de sua
produção escrita ou da comunicação oral. Não podemos deixar de destacar que a criança levanta muitas
hipóteses acerca dos assuntos que queremos lhe ensinar. Mas tais hipóteses, mesmo que incorretas
inicialmente, possuem um fundamento, uma lógica real. Resta‑nos compreendê‑las, sempre do ponto
de vista da criança e não do adulto, e validá‑las ou reformulá‑las, conforme o caso.
O conceito de que os verbos conjugados no passado terminam com “i” é um daqueles saberes
que, possivelmente, já faziam parte da bagagem da criança ao ingressar no Ensino Fundamental. Esse
conceito não seria ensinado na escola, pois sabemos que é incorreto. Por esse motivo, é também um
daqueles saberes que precisam ser reformulados a partir de situações sociais reais que façam sentido
para o aluno. Caso contrário, sucederá, tal como esta anedota: Diz‑se que uma professora, cansada
de corrigir o Juquinha que insistia em dizer “meu livro não cabeu na mala”, disse ao garoto que se
sentasse e escrevesse, em uma folha do caderno, 50 vezes a palavra “coube”. A ordem da professora
foi prontamente atendida. Ao final da tarefa,,a professora, surpresa, questiona: “Juquinha, disse a você
para escrever 50 vezes, mas aqui só tem 45! Explique‑se.” Disse o aluno: “Professora, não cabeu tudo na
minha folha!”
A relevância desse esforço que deve fazer o professor para compreender o que o aluno sabe, mas do
ponto de vista do aluno, é de tal ordem que Weisz (2003), afirma enfaticamente:
Outro desafio que se impõe ao professor refere‑se as suas limitações diante de uma classe com muitos
alunos, realidade na maioria dos estados brasileiros. Como fazer esse acompanhamento individual? De que
maneira é possível aproximar‑se do que sabem os alunos? Como lidar com a diversidade de saberes que as
crianças possuem e, ao mesmo tempo, atuar na individualidade? Mais uma vez, retomamos aqui a questão
37
Unidade II
da diversidade na sala de aula. A perspectiva de que os alunos possuem diferentes saberes exige do professor
diferentes formas de acompanhá‑los e tratá‑los em sua prática pedagógica. Isso implica uma organização
didática que, em alguns momentos, priorize a observação de alguns grupos de alunos e, em outros momentos,
dos demais grupos. Vamos esmiuçar um pouco essa discussão para compreendê‑la melhor.
Suponhamos que você, professor, organizou os seus alunos em grupos de três componentes, solicitando
que fizessem a revisão de um bilhete que foi escrito anteriormente (numa outra aula ou num outro
momento), por outro grupo da mesma classe. No espaço de uma ou duas aulas (no caso de serem seguidas),
você poderá ter mais de dez grupos a serem observados, intervindo nas suas discussões e tomando nota
dos aspectos que devem ser retomados na coletividade, por serem exemplos do que pensam muitos alunos.
Logo, não é difícil compreender que o desenvolvimento de uma tarefa tão complexa como essa não possa
ser realizado em tão pouco espaço de tempo. Soma‑se a isso o fato de que, na medida em que os outros
grupos vão concluindo a sua atividade, ficam impacientes e, se não receberem atenção por parte do
professor, ficam inquietos e comprometem o andamento da atividade. Como agir, então, nesses casos?
Há que se ter clareza de que esse acompanhamento realizado pelo professor, ao qual nos referimos
várias vezes nesta disciplina, ocorrerá ao longo de um determinado tempo. Numa única atividade,
dificilmente o professor conseguirá observar e acompanhar a produção de todos os alunos. Desse
modo, precisa utilizar‑se de seu instrumento de registro (o professor deve ter o hábito de assinalar as
observações que realiza sobre seus alunos para retomá‑las quando for necessário) para decidir quantos
e quais grupos acompanhará na atividade que está sendo proposta. Assim, é possível que, no exemplo
dado anteriormente (revisão de um bilhete), você consiga observar, de modo mais próximo, cinco grupos.
É imprescindível que os seus registros contemplem quais grupos e seus respectivos componentes foram
observados, bem como o que foi possível notar de dificuldades ou possibilidades em comum entre eles,
para que elas sejam retomadas ou validadas oportunamente, pois uma dificuldade que se repete em
alguns grupos indica a necessidade de se trabalhar aquele aspecto com a classe toda.
Lembrete
Desse modo, observar mais intensamente o trabalho realizado por alguns grupos é mais interessante
do que dedicar‑se à observação aligeirada e superficial de todos os grupos. Por outro lado, isso
exigirá que o professor desenvolva a habilidade de registrar as atividades e as considerações sobre o
acompanhamento realizado, pois, em outra atividade similar, outros grupos devem ser observados mais
intensamente e não os mesmos já acompanhados anteriormente, o que garantirá que todos sejam
atendidos, ainda que não no mesmo momento ou na mesma atividade.
É importante ressaltar que os pais devem ser comunicados de tais procedimentos que, por
sua vez, precisam ser esclarecidos, de modo que fiquem claras para as famílias as vantagens em
38
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
adotá‑los na prática pedagógica do professor. Caso contrário, poderão surgir questionamentos que
venham abalar a credibilidade do trabalho desenvolvido pelo professor, o que é prejudicial para o
desenvolvimento escolar do aluno. Quando o professor tem clareza da proposta que acredita e realiza,
consegue estabelecer parceria com as famílias dos alunos, apresentando‑lhes não somente o seu
modo de atuar, mas também os resultados que estão sendo obtidos com o desenvolvimento do seu
trabalho (nas reuniões de pais, por exemplo), o que confere mais segurança e conforto aos pais que
acompanham a vida dos seus filhos.
Assim, entendemos que o professor é um agente atuante no desenvolvimento das atividades dos
seus alunos. Quando falamos nisso nos referimos não somente à observação e registro dos aspectos
relevantes que surgem, mas também às intervenções que realiza por ocasião de sua proximidade com
o grupo, questionando, propondo desafios, fornecendo pistas, validando os saberes etc. Desse modo,
não há sentido em propor uma tarefa em que não haverá qualquer acompanhamento por parte do
professor; aquelas que são dadas e recolhidas para correção posterior não revelam o que pensaram os
alunos na sua elaboração e, portanto, não explicitam a essência do que acreditamos ser indispensável
para o professor: conhecer o processo, a construção, a elaboração. Pode ser que o resultado final de
uma determinada atividade esteja equivocado, o que não necessariamente significa que o aluno não
soube realizá‑lo. Por outro lado, às vezes, um resultado final pode ser considerado adequado, mas ser
fruto de ação mecanizada que, fora daquele contexto escolarizado, não dará ao aluno condições para
resolver situações práticas.
Lembrete
39
Unidade II
Fatos como esse não devem nos frustrar profissionalmente, uma vez que sabemos que não somos
mais detentores do saber, mas atuamos como mediadores, como facilitadores na construção do
conhecimento e, enquanto os alunos aprendem com as estratégias que planejamos para mobilizar
os seus saberes, também aprendemos nesse processo. E muita coisa! Por exemplo: aprendemos a
planejar atividades, tendo em vista o que os alunos sabem e o que precisam saber para avançar em
suas aprendizagens (o que parece relativamente simples, mas a sua real complexidade só é percebida
na prática); aprendemos a observá‑los na resolução de situações‑problema, para intervirmos
adequadamente; aprendemos a conduzir uma discussão sobre os assuntos tratados, de modo que os
alunos participem criticamente; enfim, toda essa dinâmica, que envolve a aprendizagem no cotidiano
escolar, é também desafiadora para nós professores. Os desafios mobilizam nossos saberes em busca
de uma solução possível e, desse modo, aprendemos, lembra? Tal como fazemos para que os nossos
alunos aprendam.
Nesse contexto, há que se considerar a necessidade que temos de outro aprendizado: organizar
os alunos para que a realização da atividade aconteça do modo mais produtivo possível. Mas, o que
isso quer dizer? Vamos refletir sobre o assunto. Para tanto, resgataremos alguns pontos já discutidos
anteriormente, para que possamos articulá‑los na compreensão da temática ora proposta.
Para a maioria de nós que recebeu uma educação em que era considerada correta somente uma
possibilidade de resposta para uma questão, pode parecer que essa heterogeneidade retira da escola
a chance de organizar‑se para o ensino, pois, no processo de aprendizagem, como será possível partir
daquilo que sabe cada um dos alunos? De fato, como já assinalamos antes, esse é um grande desafio
para nós educadores. Entretanto, garantir que as nossas aulas contemplem alguns procedimentos
didáticos, como as trocas de experiências em grupos e a exposição dos caminhos percorridos para a
resolução de uma atividade, tem se revelado algo bastante eficaz no trabalho com a diversidade de
saberes presente numa sala de aula. Dada a sua contribuição para o trabalho do professor, discutiremos
esses dois procedimentos mencionados. Antes, porém, destacamos as orientações contidas nos PCN de
língua portuguesa:
Quanto ao trabalho em grupo, dizemos que este precisa ser a base do trabalho em sala de aula.
Hoje, a maioria dos profissionais que atuam nas mais diferentes áreas existentes no mercado de
trabalho exerce sua função em equipe, seja na elaboração de uma proposta de trabalho, de um
projeto, de um planejamento, seja na sua execução e até na tomada de decisões. Quando nos
sentimos pertencentes a um grupo, o medo de errar fica diluído, já que as decisões tomadas,
quando equivocadas, não colocarão uma única pessoa em situação desconfortável, mas todo um
grupo, o que diminui o sentimento de frustração causado pelo erro. Há que se considerar, também,
o fato de que as discussões que ocorrem durante todo esse processo (o confronto de ideias, as
escolhas, a argumentação para defender um ponto de vista, o posicionamento diante de uma
sugestão, a crítica, a avaliação, a necessidade de refazer um trabalho etc.), ou seja, as trocas de
experiências, solidificam aquilo que cada um já sabe sobre o assunto e, mais do que isso, ampliam
a visão que se tinha sobre o assunto.
Ainda que possamos considerar que as especificidades de um grupo de alunos dos anos iniciais
do Ensino Fundamental (que realiza uma dada tarefa escolar), são diferentes daquelas que movem
a atuação de um grupo de profissionais, o princípio de funcionamento é o mesmo: a discussão
que gera a troca de experiência é o combustível para que a aprendizagem ocorra. Sendo assim,
enfatizamos aqui que o aluno não aprende só com o professor; esse entendimento já não nos
serve mais, porque não acreditamos que ele seja o detentor do conhecimento que o aluno precisa
aprender. Como acreditamos que o aluno aprende nas interações que se estabelecem (seja com o
objeto do conhecimento, seja com seus pares), não se pode pensar em aprendizagem significativa
se não propiciarmos aos alunos situações em que possam, cotidianamente, realizar trabalhos em
grupos. O trabalho em grupo, apesar de barulhento (no início pode ser mais tumultuado, mas,
com a rotina, a classe aprende a controlar a ansiedade e a impulsividade), contribui sobremaneira
para que se efetive a aprendizagem, especialmente quando o assunto em pauta é a leitura e a
escrita.
41
Unidade II
Figura 4
No entanto, há critérios para que esses grupos de discussão sejam formados. Há momentos em
que é possível deixar que se agrupem espontaneamente, por afinidade. Esse, porém, não pode ser
o único (talvez nem o mais utilizado) critério no agrupamento dos alunos. As regras para que a
discussão seja a mais produtiva possível não são válidas para todas as situações, todas as classes,
todos os professores. Como tudo o que temos visto até aqui, a prática pedagógica do professor
é construída, em grande medida, a partir das observações que realiza dos seus alunos durante a
realização das atividades. São essas observações que lhe fornecerão elementos para, entre outros
fatores, organizar os agrupamentos.
Consideremos a seguinte situação: numa classe temos um aluno que não tem a sua escrita muito bem
desenvolvida e, por esse motivo, apresenta dificuldades de diferentes naturezas (ortográficas e gramaticais,
por exemplo), mas sua argumentação oral costuma ser muito boa; há também, outro aluno cuja escrita é
considerada adequada para o ano que está cursando, mas a forma com que se expressa oralmente não o
favorece. Tendo o professor observado essas características em seus alunos, pode pensar em promover uma
atividade em dupla em que esses dois alunos estejam juntos. Imagine o quanto um não pode aprender
com o outro! Entretanto, é preciso considerar que, em outra situação, o agrupamento pode ser diferente,
os pares podem (e devem) ser trocados sistematicamente, de modo a possibilitarem que os objetivos da
atividade proposta sejam atingidos. A quantidade de alunos que compõe um agrupamento também varia:
duplas, trios, quartetos, quintetos etc. Enfim, qualquer que seja a forma com que o professor os agrupe, o
que importa é que diferentes saberes estejam sendo colocados em discussão, para a realização da atividade
proposta pelo professor. Não se descarta, contudo, que as tarefas para realização individual também sejam
42
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
importantes em alguns momentos. Não podemos, aqui, definir em que proporção devem acontecer as
atividades individuais ou em grupo. Sobre essa discussão, Zabala (1998) nos fornece algumas considerações
importantes, que nos ajudam a ampliar a compreensão que temos desse processo:
O que queremos enfatizar é que não podemos mais permanecer naquele único modelo de
organização, em que impera a realização individual de atividades, com os alunos enfileirados
olhando para a nuca do colega que senta à frente. Quando o modelo existente é pautado nessa
dinâmica, normalmente há indisciplina na classe e o professor tem muita dificuldade para ministrar
suas aulas. Esse desinteresse demonstrado pelos alunos, gerador da indisciplina na sala de aula,
da qual tantos nos queixamos, (guardadas as particularidades de cada escola/comunidade/região),
pode ser um indicador de que algo não vai bem com a forma pela qual estamos querendo que o
nosso aluno aprenda. Talvez seja a hora de rever concepções e princípios e tentar algo diferente,
assumindo os riscos do erro, sem o qual o processo de mudança e de consequente melhoria no
ensino não se efetiva.
Saiba mais
43
Unidade II
Figura 5
A riqueza desse momento de exposição é surpreendente. Os alunos que estão expondo seu trabalho
desenvolvem a sua habilidade de expressão oral, uma vez que precisam explicar algo para quem não
participou da discussão, escolhendo as informações mais importantes do processo para que sejam
relatadas com clareza e, por conseguinte, compreendidas por seus interlocutores. Além disso, há que
se considerar o fato de que, quando questionados a respeito de algo que não foi compreendido por
quem os ouve, ou mesmo quando um dos colegas faz alguma observação ou crítica em relação à
produção apresentada, aquele que expõe o trabalho necessitará buscar elementos no processo de
produção do texto para argumentar, explicar ou justificar as escolhas feitas: o que também se torna
uma aprendizagem valiosa.
A atuação do professor junto aos alunos, nesse momento, é de grande importância. A sua forma
de conduzir a atividade é que garantirá o seu sucesso. É importante que o encaminhamento da
atividade esteja claro para todos os alunos, ou seja, eles precisam saber antecipadamente o que
é esperado deles e o que necessitam levar em consideração, tanto no momento da realização da
atividade, como na discussão sobre ela. Sabemos que não é fácil receber uma crítica a respeito do
nosso trabalho, há muitos adultos com essa dificuldade. Entretanto, a crítica é necessária, pois é por
44
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
meio dela que podemos aperfeiçoar o nosso trabalho e, para tanto, precisamos aprender a recebê‑la
como contribuição e não como um ataque. Pode ser até que algumas delas não sejam consideradas
adequadas por nós (autores de uma produção), o que não nos dispensa de respeitar aquele que as
proferiram e comentá‑las educadamente. Outra aprendizagem igualmente importante é a maneira
como se faz uma crítica ao trabalho de um colega. Independente de qual seja a nossa opinião sobre
a produção de alguém, é preciso compreender que aquela obra (seja um texto, um desenho, uma
montagem, uma criação de qualquer natureza) diz muito sobre seu autor e portanto, precisa ser
analisada e comentada com cuidado. E isso deve ser aprendido também na escola, fazendo parte da
rotina dos alunos desde a Educação Infantil. Como se vê, será a atuação do professor na mediação de
tais discussões que garantirá a qualidade e a contribuição das críticas na formação dos alunos. Caso
contrário, se o professor não encaminhar e atuar muito próximo a eles, no momento das discussões,
podem surgir desentendimentos que comprometerão o desenvolvimento da atividade e a contribuição
proposta pelo debate em pauta.
Também, é preciso retomar que, no momento da realização de uma atividade, o professor não
é um mero espectador da construção das aprendizagens dos alunos, mas interage com eles nesse
processo. Reservar boas perguntas que possam desencadear análise e reflexão sobre o que está sendo
discutido é sempre uma boa estratégia a ser adotada. A continuidade de atividades em que imperam
as discussões coletivas, refinará a atuação do professor, de modo que este passe a compreender
a dinâmica de sua turma e, cada vez mais, saiba o momento certo para intervir nas situações de
aprendizagem. Isto significa que a sensibilidade proveniente da sua interação com os alunos lhe
fornecerá pistas para detectar quando colocar em xeque aquilo que os alunos já sabem, possibilitando
que a argumentação desenvolvida solidifique o seu conhecimento, questione posições equivocadas
acerca de um determinado assunto, compare a utilização de diferentes estratégias utilizadas pelos
alunos ao explorar a viabilidade de cada uma delas, valide os saberes apresentados nos momentos de
discussão; enfim, que saiba que o alcance dos objetivos da atividade proposta depende também da
sua atuação.
Resumo
Exercícios
Vamos ver se você consegue retomar alguns pontos de discussão tratados ao longo desta
unidade. Depois, juntos, analisaremos cada uma das possibilidades apresentadas, tal como fizemos
na unidade I, lembra?
Bom estudo!
Questão 1 (Enade 2005, adaptada). A professora Maria Amélia, que atua no Ensino
Fundamental, trabalha a literatura infantil como uma das possibilidades de alargamento dos
horizontes cognitivos do leitor iniciante. Com essa abordagem, deseja ir além com o seu grupo da
“alfabetização”, entendida como o processo de codificação/decodificação de sons e letras visando
ao letramento.
A Festa
Renata está noiva do amigo Rodrigo. No dia da festa de noivado, Rodrigo dá um baile para os
seus convidados. O baile está muito animado. Mas vejam só que confusão! No meio da festa, Rodrigo
tropeça, cai de cara no bolo e se estatela no chão!
A seguir, solicitou às suas crianças da 1ª série a criação de outra história. José Gil escreveu, então, o
texto O Noivado.
O Noivado
A) I e II, apenas.
B) I e III, apenas.
C) I, III e IV, apenas.
D) II, III e IV, apenas.
E) I, II, III e IV.
47
Unidade II
I – Afirmativa correta.
Justificativa: podemos dizer que, ao explorar as rimas, há uma ampliação do vocabulário. Por esse
motivo, parlendas, canções e poemas são utilizadas desde a Educação Infantil até o Ensino Fundamental.
II – Afirmativa incorreta.
Justificativa: o aluno, ao elaborar um texto, pode emitir opinião sobre o fato narrado na estória
contada pela professora, conforme pode se ver da maneira com que ele inicia o seu texto: “Eu gosto
dessa estória porque [...]”.
IV – Afirmativa correta.
O trovador
A) Abordado subliminarmente, por meio de expressões como “coração arlequinal” que, evocando o
carnaval, remete à brasilidade.
48
METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
B) Verificado já no título, que remete aos repentistas nordestinos, estudados por Mário de Andrade
em suas viagens e pesquisas folclóricas.
C) Lamentado pelo eu lírico, tanto no uso de expressões como “Sentimentos em mim do asperamente”
(v. 1), “frio” (v. 6), “alma doente” (v.7), como pelo som triste do alaúde “Dlorom” (v.9).
E) Exaltado pelo eu lírico, que evoca os “sentimentos dos homens das primeiras eras” para mostrar o
orgulho brasileiro por suas raízes indígenas.
49