Garantias Constitucionais
Brasília-DF.
Elaboração
Produção
Apresentação................................................................................................................................... 5
Introdução...................................................................................................................................... 8
Unidade i
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais....................... 13
Capítulo 1
Garantias Sociais, Jurisdicionais, Materiais e Processuais............................................. 13
CAPÍTULO 2
A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS....................................... 22
Unidade iI
Refletindo para Começar............................................................................................................. 35
capítulo 1
Vislumbrando o Estado nas Nossas Vidas....................................................................... 35
Unidade iII
O Estado.......................................................................................................................................... 37
Capítulo 1
Aspectos Gerais da Origem e Formação do Estado..................................................... 37
Capítulo 2
Elementos do Estado: Soberania. Território. Povo........................................................ 41
Capítulo 3
Finalidade e Funções do Estado...................................................................................... 44
Capítulo 4
Conceito de Estado.......................................................................................................... 53
Capítulo 5
Diferenças Entre Estado, Governo e Administração Pública....................................... 56
Capítulo 6
Noções Gerais da História da Evolução do Estado..................................................... 58
Capítulo 7
Estado Democrático de Direito....................................................................................... 61
Unidade iV
Introdução ao estudo do direito administrativo....................................................................... 64
Capítulo 1
O Surgimento do Direito Administrativo......................................................................... 64
Capítulo 2
O objeto do Direito Administrativo................................................................................. 69
Capítulo 3
Conceito de Direito Administrativo................................................................................. 71
Capítulo 4
Fontes do Direito Administrativo...................................................................................... 72
Unidade V
Princípios......................................................................................................................................... 74
Capítulo 1
Direito................................................................................................................................. 75
Capítulo 2
Princípios de Direito.......................................................................................................... 77
Unidade Vi
Princípios Basilares do Direito Administrativo............................................................................. 79
Capítulo 1
Princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse privado, da
Indisponibilidade do Interesse Público pela Administração e da Autotulela da
Administração Pública...................................................................................................... 80
Capítulo 2
Princípios Constitucionais que Informam a Administração Pública........................... 83
Unidade ViI
Princípios de Regência do Processo Administrativo.................................................................. 97
Capítulo 1
Noções de Processo Administrativo............................................................................... 97
Capítulo 2
Princípios Informadores da Lei no 9784/1999................................................................. 98
referências................................................................................................................................... 112
Apresentação
Caro aluno
A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.
Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.
Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.
Conselho Editorial
5
Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.
A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.
Praticando
Atenção
6
Saiba mais
Sintetizando
Exercício de fixação
Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).
Avaliação Final
7
Introdução
A presente Apostila de Direito Administrativo e Garantias Constitucionais fará um estudo inicial do
Direito Administrativo, bem como sobre a Teoria Geral das Garantias Constitucionais.
Para tanto, este Caderno de Estudos tem vital importância para o entendimento do Direito
Administrativo como ramo do Direito Público, com atuação nas formas de manifestação do Estado
– ente ordenador das relações jurídicas, sociais, políticas, que se organiza para fazer funcionar a sua
máquina administrativa pública.
Assim, buscaremos entender a origem do Estado, seu objeto e seu conceito, a sua formação, seus
poderes e funções, e o surgimento do Direito Administrativo, como instrumento de funcionamento
e manifestação das coisas administrativas do Estado. Veremos, ainda, os Princípios que regem a
Administração Pública.
Os conteúdos serão organizados em unidades de estudo e serão abordados por meio de textos
básicos, leituras complementares e fontes de consultas, em que sempre buscaremos a reflexão e a
construção de um pensamento jurídico, o que nos levará à compreensão do Direito Administrativo.
Muito embora exista um certo desconforto em se definir direitos fundamentais, pois, assim como
ocorre com a expressão “direitos do homem”, a maior parte das tentativas resulta em definições
tautológicas.
Costuma-se referir, dogmaticamente, aos direitos fundamentais como questão essencial que
se confunde com a própria noção de Estado Constitucional, na medida em que assim assinala a
disposição da Declaração Francesa de 1789: “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é
assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não possui Constituição”.
8
Nessa dimensão, tais direitos cumprem o papel de legitimação do poder estatal, e se traduzem em
“funções estruturais de suma importância para os princípios conformadores da Constituição”, como
salienta Segado, após se remeter à opinião de Hans-Peter Schneider, para quem constituem conditio
sine qua non do Estado Constitucional Democrático. Gilmar Mendes, referindo-se ao pensamento
de Konrad Hesse, afirma que pelos direitos fundamentais não são apenas assegurados direitos
subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.
Esse pensamento se coaduna com a observação de que, no caso do nosso Direito (Constitucional)
Positivo, os princípios e as normas constantes do Título II da Constituição Federal de 1988 (Dos
Direitos e Garantias Fundamentais) apresentam uma interdependência para com aqueles princípios
estruturantes do Título I do texto constitucional (Dos Princípios Fundamentais).
A concepção de uma área intangível de direitos, que caracteriza as liberdades públicas negativas de
limitação da atuação do Estado, provém, solenemente (e, de maneira prospectiva, constitucionalizada)
da citada declaração de direitos e corresponde a uma primeira vertente de direitos fundamentais.
São os chamados direitos de defesa.
Por seu turno, a segunda concepção diz respeito ao clamor da intervenção estatal, por meio de
prestações assistenciais fulcradas nas necessidades da coletividade, com apoio nos ventos socialistas
do século XIX.
São, por assim dizer, mecanismos de imposição de prestação, por parte do Poder Público, de
providências de índole social.
Na segunda metade do século XX, cunhou-se uma terceira etapa de desenvolvimento na concepção
dos direitos fundamentais, associando-os aos direitos humanos, como atributos inerentes a toda
humanidade.
Dessa maneira, são identificadas três dimensões de direitos fundamentais, confiadas de acordo com
a etapa de positivação nas esferas constitucional e internacional:
9
Transferindo essa titularidade à proteção de grupos humanos, enquadram-se como direitos coletivos
e difusos (meio ambiente, relações de consumo etc.) e vinculam-se à proteção da dignidade humana.
Pode ser referida, ainda, uma quarta dimensão de direitos fundamentais, ainda não consagrada
definitivamente, que, no dizer de Ingo Sarlet, corresponde à ideia de direitos fundamentais globalizados,
tendenciais à democracia direta, à informação e ao pluralismo, defendida por Paulo Bonavides. Inclui-
se na pauta de discussão dessa nova visão o chamado biodireito, em que se destacam as posições de
direitos relacionados à manipulação genética, à mudança de sexo, entre outros.
Esse é, no entanto, o paradigma básico de uma abordagem teorética dos direitos fundamentais. Um
approach mais amplo e qualificado demanda a adoção de certos modelos referenciais formulados pela
doutrina, em que várias perspectivas de focalização tem espaço, entre elas a filosófica, a histórica, a
ética, a jurídica e a política, como aponta Bobbio. Apesar de a opção pela visão da dogmática jurídica
ser a solução mais funcional para a abordagem do assunto, decerto, outros pormenores, oriundos
de campos de formulação diversos, serão empregados na busca de uma contextualização que torne
aptos os resultados, ao final, pretendidos.
Com efeito, alerta-se, ainda, para o fato de que os limites objetivos do estudo não comportam
um cabedal de informações suficientemente profundo para esgotar os pontos e contrapontos
aqui centrados, não raras vezes, afeiçoados de imensa complexidade, que inviabilizaria, inclusive
fisicamente, o seu exaurimento temático, até mesmo em obras que cuidam, exclusivamente, do
assunto, como é o caso confessional do magistral e multicitado trabalho de Ingo Wolfgang Sarlet.
Como sabemos, os direitos e garantias funcionam como freios e limitadores ao poder do Estado ante
as pessoas e entre elas, umas com as outras.
10
O rol de direitos e garantias inserido nesse tópico baliza e estrutura o convívio social, além de,
ao mesmo tempo, por ser consagrado constitucionalmente, apresentar-se como marco perene a
obstacular injusta investida do Estado ou de outro particular contra a liberdade, a segurança
ou o patrimônio de outrem. O rol é constituído de direitos explícitos e implícitos. Estes últimos
são “decorrentes do regime e dos princípios por ela [a constituição] adotados ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Os explícitos, por sua vez, são
de cinco categorias, cujos objetivos imediatos são a vida, a igualdade, a liberdade, a segurança e a
propriedade, já que o objeto mediato de todas é sempre a liberdade.
Assim dispostos, temos a proibição da pena de morte (inciso XLVII); a proteção à dignidade
humana (inciso III), direitos que se referem à proteção do direito à vida. Por seu turno, o princípio
da isonomia (art. 5o, caput e inciso I) constitui proteção ao direito à igualdade.
Há que se destacar, também, os direitos que visam assegurar a liberdade, tais como a liberdade de
locomoção (incisos XV e LXVIII); de pensamento (incisos IV, VI, VII, VIII e IX); de reunião (inciso
XVI); de associação (incisos XVII a XXI); de profissão (inciso XIII) e de ação (inciso II).
Não obstante tais considerações, por uma questão de didática, sistematizaremos o nosso estudo
na sequência apresentada, a fim de permitir que o aluno tenha um melhor entendimento sobre o
estudo do Direito Administrativo e da Teoria Geral das Garantias Constitucionais.
Bons estudos!
Objetivos
»» Resgatar os conhecimentos do Direito Administrativo para aprofundar nas razões da
existência e operacionalização desse campo jurídico, bem como para compreender
sua formação.
»» Entender a origem do Estado, seu objeto e seu conceito, a sua formação, seus
poderes e funções, e o surgimento do Direito Administrativo, como instrumento de
funcionamento e manifestação das coisas administrativas do Estado.
11
Garantias e
Princípios
Constitucionais, Unidade i
Materiais,
Institucionais e
Processuais
Capítulo 1
Garantias Sociais, Jurisdicionais,
Materiais e Processuais
À luz da interpretação sistêmica que se confere ao art. 5o e ao próprio princípio da dignidade humana,
seria inconcebível que uma lei viesse admitir a prática de eutanásia ou a instituição de pena de morte
no Brasil.
“O aborto também é vedado pelo ordenamento jurídico, salvo nos casos escetuados pela legislação penal
– abortos terapêuticos (quando a gravidez gera risco à saúde da gestante) e humanitário ou sentimental
(quando a gestação é decorrente de violência sexual), e no caso de fetos anencefálicos, conforme recente
decisão do STF, na ADPF 54.”
13
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Da mesma forma que aquela, não está sujeita à censura prévia, porém se sujeitam algumas delas
à regulamentação por lei específica, nos termos do art. 220, § 3o, que prevê o estabelecimento de
critérios para espetáculos e diversões públicas, bem como para programação de rádio e televisão.
14
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
A título de exemplo, para se exercer a profissão de advogado, exige a lei que o candidato possua
graduação no curso de Direito, aprovação no Exame de Ordem da OAB, inscrição naquela instituição
como advogado, tenha efetuado o pagamento de taxas à instituição etc. Já para a profissão de
engraxate, como não há lei a instituir regras para o exercício da atividade, nenhuma qualificação
se exige de alguém que queira praticar tal ofício. Com isso, é possível exercê-la de forma irrestrita,
pautando-se, basicamente, na liberalidade da Norma Ápice.
Noutro plano, há que se considerar o direito de entrar ou sair do território nacional com os seus
bens. Nessa hipótese há a possibilidade de outras restrições de natureza infraconstitucional, como a
concessão ou não de visto de entrada e permanência, além da tributação desses bens.
15
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Por isso, se observa que, enquanto o inciso XXII dispõe que “é garantido o direito de propriedade”, o
inciso imediatamente seguinte o restringe, estabelecendo que “a propriedade atenderá a sua função
social”. O conceito de função social está insculpido nos art. 182, § 2o e 186 da Norma Maior.
Outra limitação a tal direito é a possibilidade de desapropriação por interesse público. Nesse
caso, a propriedade particular é transferida, por ato de exclusiva vontade do Estado, ou para ele
próprio, ou para entidade de caráter público, sempre que haja necessidade ou interesse público ou
social. Essa transferência, porém, há de ser indenizada pelo justo valor, caso contrário configura
confisco. Apresenta natureza mais identificada com os princípios da ordem econômica do que de
direito individual.
O direito de petição, mais específico, pode ser utilizado tanto para reclamar providências da
Administração quanto para denunciar ilegalidade ou abuso de poder. Assim, por exemplo, pode
prestar-se para denunciar uma atividade poluente praticada por dada indústria ou para cobrar o
conserto de uma rede de esgoto que transborda.
Liebman define jurisdição como “a atividade dos órgãos do Estado destinada a formular e atuar
praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada
16
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
situação jurídica”. Significa isso que o Estado chamou para si, como atividade privativa do Poder
Judiciário, a atribuição de dizer o direito, com vistas à solução dos conflitos. Por esse motivo, não
poderá lei restringir ou dificultar o acesso ao Poder Judiciário porque assim agindo estaria o Estado
furtando-se ao cumprimento de um dever que é manifestação da sua própria soberania.
Exceção parcial a essa regra é a hipótese contida no art. 217, que prevê que as matérias de natureza
desportiva, antes de chegarem ao Judiciário, deverão ser apreciadas pela Justiça Desportiva.
Não se confunde com o direito de petição, pois enquanto este está voltado para o exercício da
cidadania, em que não é necessário demonstrar lesão ou ameaça a direito, o direito de ação antevê,
de pronto, a lesão ou ameaça ao direito praticada por pessoa certa e determinada.
Tanto as relações jurídicas quanto as decisões judiciais necessitam da garantia de que não serão
modificadas no futuro, a despeito de uma das partes, para prejudicá-la, afinal, o que foi acertado
ou decidido deve ter caráter definitivo. Balizada nesse ideal, estabeleceu a Constituição o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Quanto à coisa julgada, não há necessidade de maiores questionamentos, pois seu conceito é
simples: trata-se de decisão judicial da qual não caiba mais recurso. As dúvidas permeiam o campo
conceitual do que seria direito adquirido e ato jurídico perfeito.
Há ainda outro conceito que advém da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trazido
pelo art. 6o, § 2o, que considera adquiridos “os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição estabelecida inalterável,
a arbítrio de outrem”.
Ato jurídico perfeito, por sua vez, é o ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou. Não se trata aqui de direito consumado, situação consumada, que, segundo José Afonso da
Silva, também é inatingível pela lei nova, por ser “direito mais do que adquirido, direito esgotado”.
A diferença do direito adquirido para o ato jurídico perfeito é que, no caso do primeiro, o direito é
gerado pela lei, enquanto no segundo o direito deriva de um negócio jurídico formado de acordo
com a lei. Assim, o ato jurídico perfeito é aquele ato jurídico que preencheu todos os seus requisitos
de existência.
17
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Ambos os incisos visam caracterizar o denominado juízo natural ou, em outras palavras, o juízo
ou tribunal pré-constituído, há tempos já consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos como garantia da independência e imparcialidade das decisões. Com isso, pretende-se
afastar oportunismos ou conveniências políticas de mau agouro a pretender decisões convenientes,
seja pela severidade seja pela benevolência do julgamento.
18
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
Visa, sobretudo, assegurar às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais na defesa
dos seus direitos em juízo, bem como o regular exercício da jurisdição estatal. É o direito a um
procedimento adequado e inerente a todas as pessoas, indistintamente.
Princípios intimamente relacionados com o princípio do devido processo legal são os da ampla
defesa e do contraditório, insculpidos no inciso LV. Visam assegurar às partes o direito de opor-se
(contraditar) aos argumentos apresentados pelo ex-adverso, bem como a oportunidade de apresentar
a sua versão dos fatos para a adequada avaliação (julgamento) pelo Judiciário. O exercício da ampla
defesa está relacionado à plena produção probatória, ou seja, à utilização de todos os meios de prova
em direito admitidos.
Em tese, não será admitida no processo a prova obtida por vias ilícitas (inciso LVI). Em outras
palavras, há provas que são tidas como ilícitas para o processo em geral, todavia, em se tratando de
ação penal, a plenitude do direito de defesa admitirá tais provas como lícitas, segundo jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal.
Determina a CF que deve ser posto em liberdade aquele que, mesmo preso em flagrante, ainda não
foi julgado pelo crime do qual é acusado, desde que atenda a algumas prerrogativas estabelecidas
em lei. Genericamente falando, essas prerrogativas levam em conta a primariedade do acusado
e a potencialidade ofensiva do delito praticado. Assim sendo, verifica-se que o encarceramento é
pretendido como resultado de pena pela prática de delito. Esse é o motivo de não se admitir a prisão
por dívida, que tem natureza civil.
19
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
No sentir de Gilmar Mendes, Paulo Gonet e Inocêncio Mártires Coelho, esses direitos seriam
designados como direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais
processuais, expressões análogas àquela empregada pela doutrina alemã (Justizgrundrechte).
Certo é que o sistema de garantias constitucionais consagrado pela Constituição de 1988 transcende
o âmbito de proteção judicial e engloba quatro grandes grupos: I) as garantias materiais; II) as
garantias jurisdicionais; III) as garantias processuais e IV) as garantias tributárias. Interessa-nos
mais de perto os três primeiros grupos, que serão identificados por exemplos.
Constitui, também, garantia constitucional material a proibição das seguintes penas: de morte,
salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e as
consideradas cruéis.
20
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
controle do Poder Judiciário; a proibição dos tribunais de exceção; o julgamento pelo tribunal do
júri em crimes dolosos contra a vida; o princípio do juiz natural ou do juiz competente; o princípio
do promotor natural e o dever de motivação das decisões judiciais.
21
CAPÍTULO 2
A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NAS RELAÇÕES PRIVADAS
Historicamente, sempre foi de extrema relevância a separação entre o Direito Privado e o Direito
Público. A ideia de propriedade no Direito Romano chegava a ser absoluta, incluindo o domínio
do pater familiae tanto sobres os objetos como sobre as pessoas sujeitas ao seu corpo familiar. Em
uma visão mais clara, o destinatário das normas constitucionais, restritas às matérias atinentes
à estruturação do Estado, seria o legislador ordinário, a quem incumbiria disciplinar as relações
privadas por meio do Código Civil1.
Esta visão de direito começa a ser alterada no início do século XX, na Europa, e após os anos 30,
no Brasil, com maior intervenção do Estado na economia e a restrição à autonomia privada, que se
associa ao fenômeno do dirigismo contratual2.
Tal raciocínio também poderia ser incorporado à questão dos direitos fundamentais. Segundo Carl
Schmitt, os direitos fundamentais são vistos, inicialmente, como direitos do homem livre e isolado
em face do Estado3. Tal concepção, apoiada na visão liberal predominante dos séculos XVIII e XIX,
também sofre com a intervenção estatal acima mencionada, cujo principal marco foi a Constituição
de Weimar, de 1919.
No Brasil, a primeira Constituição a tratar de direitos sociais, também conhecidos como de segunda
geração, é a de 1934. Entretanto, a Constituição que mais trouxe avanços na questão dos direitos
fundamentais e suas relações privadas foi a de 1988.
Para se ter uma noção de como as relações privadas tiveram uma forte influência na questão relativa
aos direitos fundamentais, apenas para se ater no art. 5o, o constituinte tratou da matéria nos seguintes
incisos:
22
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
[...]
O rol acima mencionado não inclui os direitos e garantias originários da liberdade individual ou os
relativos aos direitos do cidadão contra o Estado nem os chamados direitos sociais, cuja intervenção
passou a determinar a tendência de intersecção entre direito público e privado, mais especialmente
no direito de trabalho, hoje entendido com uma terceira via entre a dicotomia acima apontada.
Nesses incisos, percebe-se que o constituinte passa a se preocupar com determinadas consequências
advindas exclusivamente das relações privadas; consequências estas que serão abordadas de
forma mais detalhada.
Liberdade de pensamento
É livre a liberdade de pensamento, não sendo admitida censura prévia em diversões ou espetáculos
públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação de pensamento
sujeitam os autores à responsabilização civil e até penal.
É um dos típicos casos de colisão entre princípios o fato de a liberdade invadir a honra, a intimidade
e a privacidade, bens jurídicos igualmente assegurados constitucionalmente.
Direito de resposta
A Carta Magna em seu art. 5o, inciso V, previu um remédio contra o abuso praticado por particulares,
garantindo o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material,
moral ou à imagem. Na verdade, o constituinte evoluiu do pensamento existente na Constituição
anterior, que, no §8o do art. 153, garantia apenas o direito de resposta4.
A imprensa acabou tornando-se a maior destinatária da regra prevista no inciso mencionado. A Lei
de Imprensa (no5.250/67) teve dois artigos não recepcionados pela Constituição, conforme decisões
4 § 8o É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação
independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos
abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da
autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou
de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.
23
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
do Supremo Tribunal Federal. Tanto o art. 525, que tratava da limitação da indenização, como o 566,
que versava sobre o curto prazo decadencial para ajuizamento da ação, não foram recebidos pela
Constituição sob o argumento de que o dano moral, inovação constitucional, é incompatível com
qualquer limite tarifado, segundo o que determina a Lei de Imprensa, interpretando-se, ainda, que
o disposto no inciso V não pode sujeitar-se ao prazo decadencial de três meses, conforme dispôs o
Ministro Carlos Velloso em seu voto como relator no leading case sobre a questão7.
No tocante ao direito de resposta, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é parte ilegítima no polo
passivo o jornalista que escreve a matéria, devendo ser preenchido pela empresa de informação ou
divulgação8.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o texto do inciso X. Nenhuma outra Constituição
brasileira versou sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o
direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação. Mais do que mencionar
tais temas e elevá-los ao status de direito fundamental, o inciso X reformula a noção de dano moral,
assim como o inciso V.
Antes de 1988, o dano moral possuía previsão infraconstitucional, todavia circunscrito à questão da
indenização por algum dano causado conforme regulamentado no art. 53 da Lei de Imprensa9. Com o
dispositivo constitucional, os tribunais passaram a disciplinar o dano moral, haja vista que o Código
Civil de 1916 não tratava do assunto, que só veio a aparecer no Códex de 2002, em seu art. 186.
Um voto marcante na conceituação do dano moral foi o do relator, à época desembargador do TJRJ,
Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento da Apelação Cível no 3.059/1991, que recolhe vários
exemplos doutrinários sobre o dano moral:
5 “Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa
fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida nos termos do
art. 52 da Lei no 5.250/1967. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art.
5o, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1o, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e
abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade
irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual
não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente” (RE no 447.584, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 28.11.2006, DJ de 16 mar.
2007).
6 “Dano moral: ofensa praticada pela imprensa. Decadência: Lei no 5.250, de 9-2-67 — Lei de Imprensa — art. 56: não recepção
pela CF/88, art. 5o, V e X. O art. 56 da Lei no 5.250/1967 — Lei de Imprensa — não foi recebido pela Constituição de 1988, art.
5o, incisos V e X” (RE no 420.784, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 25 jun. 2004). No mesmo sentido, RE no 348.827, Rel. Min.
Carlos Velloso, j. em 1o. 6. 2004, DJ de 6 ago. 2004.
7 RE no 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 1o. 6. 2004, DJ de 6 ago. 2004. Inteiro teor do julgamento em: <http://www.stf.
jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=348827&classe=RE>.
8 “[...] O pedido judicial de direito de resposta previsto na lei de impressa deve ter no polo passivo a empresa de informação
ou divulgação, a quem compete cumprir a decisão judicial no sentido de satisfazer o referido direito, citado o responsável
nos termos do § 3o do art. 32 da Lei no 5.250/1967, sendo parte ilegítima o jornalista ou o radialista envolvido no fato. Falta
interesse recursal ao requerido pessoa física, já que, no caso concreto, o juiz de Direito proferiu decisão condenatória apenas no
tocante à empresa de radiodifusão. O não conhecimento da apelação do requerido pessoa física, hoje deputado federal, implica
a devolução dos autos ao tribunal de origem para que julgue a apelação da pessoa jurídica que não tem foro privilegiado no
Supremo Tribunal Federal. [...]” (Pet. no 3.645, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 20.2.2008, DJE de 2 de maio 2008).
9 Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do
ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal
ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta
ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação
por esse meio obtida pelo ofendido.
24
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da
lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de
Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa
é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser
humano, não lhe atinge o patrimônio10.
A questão se apontava com tal novidade no Direito brasileiro que o Superior Tribunal de Justiça
sumulou a possibilidade de cumulação entre dano moral e dano material decorrentes do mesmo fato11.
José de Aguiar Dias distingue o dano moral do patrimonial informando que a diferença não decorre
da natureza do direito, bem, ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão
sobre o lesado12. Ressalte-se que o dano material nunca é irreparável, pois se pode restaurar a situação
anterior, ou se pagar o equivalente pelo desfalque, enquanto no dano moral ocorre uma diversidade de
prejuízos que o envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais,
resultando em uma confusão entre a pena a ser aplicada e a indenização a ser recebida13.
Álvaro Villaça Azevedo arrola como exemplos de bens materiais o imóvel, o animal, a soma em
dinheiro, enquanto a honra, a vida e a liberdade podem ser tachados de bens imateriais14. Assim,
se o dano se dirigir ao bem material, o dano será material, se ao bem imaterial, o dano será moral15.
Uma discussão levantada com o inciso X do art. 5o, é a de que só caberia dano moral nas hipóteses
taxativas da Constituição. A experiência jurisprudencial tem derrubado essa ideia e permitido
a aplicação de indenização por dano moral a situações além das meramente trazidas no inciso.
Entretanto, as indenizações por dano moral não se transformaram em uma possibilidade irrestrita
de aplicação, tendo os tribunais limitado a sua interpretação de acordo com o caso concreto.
O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, entende que o dano moral é o que atinge a esfera
legítima de afeição da vítima, que agrede seus valores, que humilha ou causa dor, não se incluindo
aí meras situações desagradáveis16. Tal entendimento também está presente no Superior Tribunal
de Justiça17, que não admite a condenação por dano moral quando há simples incômodo comum,
decorrente da vida cotidiana18.
25
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Uma das maiores dificuldades na configuração do dano moral está no quantum debeatur, ou seja,
na definição do valor a ser indenizado, haja vista a falta de materialização do dano. Muitas dessas
ações acabam sendo resolvidas no Superior Tribunal de Justiça, que tem-se manifestado no sentido
de que os tribunais de segunda instância são livres para definir o valor da indenização, havendo o
cabimento de recurso especial ao STJ apenas na hipótese de o valor do dano ser determinado como
ínfimo ou excessivo19, o que impede que o dano moral seja uma força motriz para o enriquecimento
ilícito daquele que sofreu o dano20, e respeita o disposto no Código Civil, que faz essa previsão em
seu art. 94421.
“Com o julgamento da ADPF 130, em abril de 2009, o STF declarou que a lei de
imprensa (5.250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional”.
Com a intimidade, o constituinte tratou da vida privada. Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma
que:
A delimitação do direito à vida privada possui uma característica complexa, haja vista a diversidade de
povos, crenças, sendo alguns comportamentos tolerados por uns e repudiados por outros. Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que a vida privada é o refúgio impenetrável pela
19 “DIREITO DO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANO
MORAL. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. 1. A revisão de indenização por danos morais só é possível
em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo. 2. Agravo regimental desprovido”.
(RCDESP no Ag. no 1.028.443/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4a Turma, j. em 18.12.2008, DJe de 2 fev. 2009).
20 “CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DISPOSITIVOS PROCESSUAIS. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. APOSENTADO. VEDAÇÃO DE ACESSO A EDIFÍCIO QUE ABRIGA ENTIDADE BANCÁRIA. DANO MORAL. ATO
ILÍCITO SUFICIENTE PARA GERAR INDENIZAÇÃO. REEXAME DOS FATOS. QUANTUM RESSARCITÓRIO EXCESSIVO.
REDUÇÃO. SÚMULAS N. 282 E 356-STF E 7-STJ. I. As questões federais não enfrentadas pelo tribunal estadual recebem o
óbice das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, não podendo, por falta de prequestionamento, ser debatidas no âmbito do recurso
especial. II. A conclusão de que o ato lesivo é suficiente para consubstanciar dano moral indenizável depende do reexame do
conteúdo fático da causa, vedado pela Súmula n. 7-STJ. III. Constatado flagrante excesso na fixação do valor da indenização
concedida a título de reparação, impõe-se a sua redução a patamar razoável, afastado o enriquecimento sem causa. IV. Recurso
especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido”. (REsp no 628.490/PA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,
4o Turma, j. em 7.8.2007, DJ de 8 out. 2007, p. 287).
21 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente,
a indenização.
22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 35.
26
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
coletividade, é o direito de viver a própria vida em isolamento, não sendo submetido à publicidade
que não provocou, nem desejou23.
Com esse pensamento, o Superior Tribunal de Justiça condenou empresa jornalística ao pagamento
de dano moral por ter divulgado o nome completo e o bairro onde morava uma determinada vítima
de estupro24. Da mesma forma, o STJ entendeu cabível indenização contra empresa telefônica
por divulgação, sem autorização, de anúncio comercial de serviços de massagem em suas páginas
amarelas25.
No esteio do raciocínio do conceito acima mencionado, não há ofensa ao direito à intimidade quando
a própria pessoa provocou ou desejou a situação. Se alguém se coloca de topless em uma praia, não
pode pedir indenização por danos morais em razão de divulgação de sua foto na imprensa26.
Todavia, a vida privada não se resume ao direito à intimidade, podendo ser entendida como gênero
composto pelas espécies direito à intimidade e direito ao sigilo.
O direito ao sigilo é, sem dúvida, um dos grandes desafios constitucionais. O constituinte apenas
tratou expressamente dos sigilos de correspondência, dados, telegráfico e telefônico no inciso XII
do art. 5o. Todavia, como esses sigilos são mais relacionados ao direito público, não será feita a
devida abordagem no presente estudo. Ressalte-se que o inciso disciplina a quebra instantânea e
não meramente eventuais registros telefônicos, com as informações das ligações efetuadas, cujo
tratamento também fica adstrito ao inciso X27.
Além dos sigilos acima mencionados, estão presentes outros segredos implícitos, que ganharam
corpo com a evolução da interpretação constitucional, entre eles o sigilo bancário e o sigilo fiscal.
23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
147.
24 “DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. NOME. NOTICIÁRIO. Trata-se de ação de indenização por dano moral pela divulgação, em
noticiário de rádio, do nome completo e do bairro onde residia a vítima de crime de estupro. Ressalta a Min. Relatora que há
limites ao direito da imprensa de informar, isso não se sobrepõe nem elimina quaisquer outras garantias individuais, entre
as quais se destacam a honra e a intimidade. Afirma que, no caso dos autos, a conduta dos recorrentes não reside na simples
divulgação de um fato verídico criminoso e de interesse público, vai muito além, ao divulgar o nome da autora: sua intimidade
e sua honra foram violadas. Por isso, foram condenados a compensá-la pelos danos morais no valor de R$ 40.000,00.
Outrossim, o prazo prescricional em curso quando diminuído pelo novo Código Civil só sofre a incidência de sua redução a
partir de sua entrada em vigor. Assim, a decisão a quo está de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Com essas
considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp no 717.457-PR, DJ 21 de maio 2007;
REsp no 822.914-RS, DJ de 19 jun. 2006; REsp. no 818.764-ES, DJ de 12 mar. 2007; REsp no 295.175-RJ, DJ de 2 abr. 2001, e
REsp no 213.811-SP, DJ 7/2/2000. REsp no 896.635-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26.2.2008.
25 “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. INTIMIDADE. VEICULAÇÃO.
LISTA TELEFÔNICA. ANÚNCIO COMERCIAL EQUIVOCADO. SERVIÇOS DE MASSAGEM. 1. A conduta da prestadora de
serviços telefônicos caracterizada pela veiculação não autorizada e equivocada de anúncio comercial na seção de serviços de
massagens, viola a intimidade da pessoa humana ao publicar telefone e endereço residenciais. 2. No sistema jurídico atual, não
se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade, entre eles a intimidade,
imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso
especial parcialmente conhecido e provido”. (REsp 506.437/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4a Turma, j. em 16.09.2003, DJ
de 6 out 2003, p. 280).
26 “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio
de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de
qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida
sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso
especial não conhecido”. (REsp no 595.600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4a Turma, j. em 18.03.2004, DJ de 13 set. 2004,
p. 259).
27 “[...] VII - A quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e
recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei no 9.296/1996 (que regulamentou o inciso
XII do art. 5o da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução
processual penal. [...]”(RMS no 17.732/MT, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma, j. em 28.6.2005, DJ de 01 ago. 2005, p. 477).
27
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
A primeira discussão acerca desses sigilos está na sua limitação. O Supremo Tribunal Federal já
decidiu que tais sigilos não são absolutos, devendo ceder aos interesses público, social e da Justiça,
sendo observados os ditames legais e as regras de razoabilidade28.
A Suprema Corte também decidiu que tanto o sigilo bancário como o fiscal só podem ser quebrados
por via judicial, o que impossibilita a atuação meramente administrativa29. O juiz, no momento
da decretação deve estipular claramente os limites da quebra, a fim de que não haja invasão à
privacidade do indivíduo30.
A última questão polêmica acerca do direito à intimidade e à vida privada está na possibilidade
de serem realizadas gravações ambientais, sejam elas de áudio ou de vídeo. Discute-se a hipótese
de tais gravações estarem invadindo a privacidade do indivíduo e, com isso, ofende o art. 5o, X,
da Constituição Federal. As câmeras são exemplos disso. Elas são cada vez mais comuns em
estabelecimentos comerciais e começam a ser utilizadas pelas autoridades públicas, seja para coibir
infrações de trânsito, seja para prevenir e reprimir a prática de crimes. Com acessibilidade cada
vez maior aos meios de gravação, mais e mais pessoas se utilizam de tais métodos para comprovar
determinadas situações ou, até mesmo, para se defender de eventuais ameaças.
A pergunta que se faz é: isso é legal? O STF entende plenamente constitucional a gravação ambiental
realizada por um dos interlocutores, podendo ser usada como meio de prova31. Do mesmo modo,
não há ilegalidade nas gravações clandestinas, tão comumente mostradas nos telejornais32, podendo
ser feitas tranquilamente em lugares de frequentação comum, não sendo possível a gravação dentro
da residência do indivíduo sem sua autorização33.
28 “O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante
dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com
respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes” (AI no 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 4.9.2007, DJ de 28 set.
2007).
29 “Possibilidade de quebra de sigilo bancário pela autoridade administrativa sem prévia autorização do Judiciário. Recurso
extraordinário provido monocraticamente para afastar a aplicação do art. 8o da Lei no 8.021/1990 (‘Iniciado o procedimento
fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras,
inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei no 4.595, de 31 de dezembro
de 1964’) e restabelecer a sentença de primeira instância. A aplicação de dispositivo anterior em detrimento de norma
superveniente, por fundamentos extraídos da Constituição, equivale à declaração de sua inconstitucionalidade” (RE no 261.278-
AgR, Rel. para o acordão Min. Gilmar Mendes, j. em 1o. 4.2008, DJE de 1o ago. 2008).
30 “A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não
fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada
da esfera de intimidade das pessoas, o que daria ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime
democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. Doutrina. Precedentes. Para
que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível
que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, entre outros dados
essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal
abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes” (HC no 84.758, Rel.
Min. Celso de Mello, j. em 25.5.2006, DJ de 16 jun. 2006).
31 “É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela
maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-prefeito, atual deputado federal, e outra, pela suposta prática do delito
de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei no 201/1967, art. 1o, XIV) [...]. Asseverou-se que a
gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-secretária municipal,
seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se
poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-prefeito [...]. Vencidos, no que tange
à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita” (AP 447, Rel. Min.
Carlos Britto, j. em 18.2.2009, Plenário, Informativo no 536).
32 “Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de
excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de
emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico.
[...] A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não
constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público” (HC no 87.341, Rel. Min. Eros Grau, j. em 7.2.2006, DJ
de 3 mar. 2006).
33 “AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS
INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. INVESTIDA CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. ILICITUDE
28
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
Honra
A honra tem estreita ligação com a privacidade. Enquanto esta resguarda o que compõe a intimidade,
aquela protege a pessoa humana contra falsos ataques que podem macular sua boa fama social.
Dessa forma, a honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade34.
A honra se divide em honra objetiva e a honra subjetiva. Enquanto a objetiva diz respeito à reputação
que a coletividade dedica a alguém, a subjetiva trata do próprio juízo valorativo que determinada
pessoa faz de si mesmo35.
Ambas as formas de violação da honra são admitidas, ensejando eventual indenização pelo fato.
Ressalte-se que a ofensa à honra pode ensejar, inclusive, a persecução criminal pela prática da injúria.
A proteção à honra fez com que o legislador, na edição do Código Civil, previsse em seu art. 20 o que
segue:
O direito à proteção da honra também entra em conflito ao ser analisado com a liberdade de
imprensa, também elevada ao status de garantia constitucional. O Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que a crítica a uma pessoa pública não significa ataque à honra36.
DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5o, X, CF). INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E
CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O
RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6o DA LEI NO 8.038/1990. I – A análise da licitude ou não da gravação
de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser verificada caso a caso. II – Quando a gravação se refere
a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente
e em princípio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação,
a atuação deste – em razão, inclusive, do teor daquilo que foi gravado – pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de
ilicitude (a par da quaestio do princípio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita a gravação
(precedente do Pretório Excelso, inclusive, do c. Plenário). Por outro lado, realizada a gravação às escondidas, na residência do
acusado, e sendo inviável a verificação suficiente do conteúdo das degravações efetuadas, dada a imprestabilidade do material,
sem o exato delineamento da hipotética investida, tal prova não pode ser admitida, porquanto violadora da privacidade de
participante do diálogo (art. 5o, X, CF). III – A atuação do Ministério Público no inquérito civil tem previsão legal (art. 8o, § 1o,
Lei no 7.347/1985). Tal não se confunde com a situação do inquérito criminal envolvendo magistrado de segundo grau (art. 33,
parágrafo único, LOMAN). IV – No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de um fundamento probatório
mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não
houver uma base empírica mínima a respaldar a peça vestibular, de modo a torná-la plausível, inexistirá justa causa a autorizar
a persecutio criminis in iudicio. Tal acontece, como in casu, quando a situação fática não está suficientemente reconstituída.
V – Acolhida a primeira preliminar relativa à ilicitude da prova obtida mediante gravação clandestina. Rejeitada a segunda
preliminar referente à alegada usurpação da função da polícia judiciária pelo Ministério Público. Denúncia rejeitada por falta
de justa causa” (Apn no 479/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. em 29.6.2007, DJ de 1o out. 2007, p. 198).
34 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 149.
35 Idem, ibidem.
36 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENTREVISTA DE ADVOGADO.
REFERÊNCIA A JULGADOS. 1. O dano moral deve ser visto como violação do direito à dignidade, estando nela inseridos a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Dessa forma, havendo agressão à honra da vítima, é
cabível indenização. 2. Críticas à atividade desenvolvida pelo homem público, in casu, o magistrado, são decorrência natural
da atividade por ele desenvolvida e não ensejam indenização por danos morais quando baseadas em fatos reais, aferíveis
29
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
Até mesmo as imunidades previstas em lei e pela Constituição não são absolutas se ofendem a
honra do indivíduo. Advogado que ofende juiz ou promotor de Justiça responde pelos seus atos39,
tanto civil como criminalmente, mesmo com a imunidade prevista no Estatuto dos Advogados
e a inviolabilidade constitucional do art. 133.40 A mesma regra se dá aos deputados e senadores,
concretamente. 3. Respaldado nas disposições do § 2o do art. 7o da Lei no 8.906/1994, pode o advogado manifestar-se, quando
no exercício profissional, sobre decisões judiciais, mesmo que seja para criticá-las. O que não se permite, até porque nenhum
proveito advém para as partes representadas pelo advogado, é crítica pessoal ao juiz. 4. Recurso especial de Sérgio Bermudes
conhecido e provido. Recurso especial da empresa CRBS S/A Cuiabana conhecido em parte e provido”. (REsp no 531.335/MT,
Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3a Turma, j. em 2.9.2008, DJe de 19 dez. 2008).
37 “RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA
OFENSIVA À HONRA DE ADVOGADO – LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE INFORMAÇÃO – DIREITOS RELATIVIZADOS
PELA PROTEÇÃO À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DOS INDIVÍDUOS – VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES E
EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DA EMPRESA JORNALÍSTICA – REEXAME DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE
– APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REVISÃO PELO STJ –
POSSIBILIDADE – VALOR EXORBITANTE – EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE
PROVIDO. I – A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo
relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana. II – A revisão do entendimento do tribunal a quo acerca da não veracidade
das informações publicadas e da existência de dolo na conduta da empresa jornalística, obviamente, demandaria revolvimento
dessas provas, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. III – É certo que esta Corte
Superior de Justiça pode rever o valor fixado a título de reparação por danos morais, quando se tratar de valor exorbitante
ou ínfimo. IV – Recurso especial parcialmente provido” (REsp no 783.139/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, 4a Turma, j. em
11.12.2007, DJ de 18 fev. 2008, p. 33).
38 “Civil. Recurso especial. Compensação por danos morais. Ofensa à honra. Político de grande destaque nacional que, durante
CPI relacionada a atos praticados durante sua administração, é acusado de manter relação extraconjugal com adolescente, da
qual teria resultado uma gravidez. Posterior procedência de ação declaratória de inexistência de relação de parentesco, quando
demonstrado, por exame de DNA, a falsidade da imputação. Acórdão que afasta a pretensão, sob entendimento de que pessoas
públicas têm diminuída a sua esfera de proteção à honra. Inaplicabilidade de tal tese ao caso, pois comprovada a inverdade da
acusação.
– A imputação de um relacionamento extraconjugal com uma adolescente, que teria culminado na geração de uma criança –
fato posteriormente desmentido pelo exame de DNA – foi realizada em ambiente público e no contexto de uma investigação
relacionada à atividade política do autor.
– A redução do âmbito de proteção aos direitos de personalidade, no caso dos políticos, pode em tese ser aceitável quando a
informação, ainda que de conteúdo familiar, diga algo sobre o caráter do homem público, pois existe interesse relevante na
divulgação de dados que permitam a formação de juízo crítico, por parte dos eleitores, sobre os atributos morais daquele que
se candidata a cargo eletivo.
– Porém, nesta hipótese, não se está a discutir eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do
político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral
pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à intimidade daquele. O objeto da ação é,
ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de
uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação
declaratória já transitada em julgado.
– Nesse contexto, não é possível aceitar-se a aplicação da tese segundo a qual as figuras públicas devem suportar, como ônus de
seu próprio sucesso, a divulgação de dados íntimos, já que o ponto central da controvérsia reside na falsidade das acusações
e não na relação destas com o direito à intimidade do autor. Precedente. Recurso especial conhecido e provido” (REsp no
1.025.047/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em 26.6.2008, DJe de 05 ago. 2008).
39 “Direito civil e processual civil. Indenização por danos morais. Correição parcial. Ofensa a juiz. Imunidade profissional do
advogado. Caráter não absoluto. Valor dos danos morais. A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da
Advocacia, não é de caráter absoluto, não tolerando os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer
das pessoas envolvidas no processo, seja o juiz, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da
parte contrária. Precedentes. A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato
ilícito praticado. O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde
diretamente pelos danos causados. O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que
compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas.
Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais invertidos” (REsp no 1.022.103/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em
17.4.2008, DJe de 16 maio 2008).
40 “EMENTA: Advogado: imunidade judiciária (CF, art. 133; C. Penal, art. 142, I; EAOAB, art. 7o, § 2o): não compreensão do crime
de calúnia. 1. O art. 133 da Constituição Federal, ao estabelecer que o advogado é ‘inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão’, possibilitou fosse contida a eficácia desta imunidade judiciária aos ‘termos da lei’. 2. Essa vinculação
expressa aos ‘termos da lei’ faz de todo ocioso, no caso, o reconhecimento pelo acórdão impugnado de que as expressões contra
terceiro sejam conexas ao tema em discussão na causa, se elas configuram, em tese, o delito de calúnia: é que o art. 142, I, do
C. Penal, ao dispor que ‘não constituem injúria ou difamação punível [...] a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa,
pela parte ou por seu procurador’, criara causa de ‘exclusão do crime’ apenas com relação aos delitos que menciona – injúria e
difamação –, mas não quanto à calúnia, que omitira: a imunidade do advogado, por fim, não foi estendida à calúnia nem com
a superveniência da L. 8.906/1994, – o Estatuto da Advocacia e da OAB –, cujo art. 7o, § 2o, só lhe estendeu o âmbito material
30
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
cuja imunidade material não permite que a ofensa ultrapasse os limites naturais de seu trabalho
parlamentar41.
Assim, sendo, a honra, cuja proteção já existia antes da Constituição Federal, por meio da Lei de
Imprensa, conforme visto anteriormente, continua tendo a proteção dos tribunais, que cada vez
mais delimitam a forma de como ela deve ser tratada no meio jurídico.
Imagem
De todos os direitos de personalidade tratados pela Constituição, o direito à imagem foi aquele
que mais evoluiu, principalmente em face dos avanços tecnológicos, seja pelos novos meios de
comunicação, seja pelo exponencial crescimento da televisão.
A proteção a esse direito adentrou também no tratamento dos direitos autorais, haja vista que o
artista depende muitas vezes da sua imagem para manter-se ligado ao sucesso. Paralelo ao direito
de imagem, tem-se o chamado direito de arena, que é o direito de transmissão e retransmissão de
evento esportivo, não se confundindo com o direito de imagem43. A separação pela jurisprudência
determina, inclusive, que o titular de direitos de arena não pode utilizá-los para divulgação da
imagem de jogador, haja vista a diferença entre as situações44.
– além da injúria e da difamação, nele já compreendidos conforme o C. Penal –, ao desacato (tópico, contudo, em que teve a
sua vigência suspensa pelo tribunal na ADInMC no 1.127, 5.10.94, Brossard, RTJ 178/67)” (HC no 84.446, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 1a Turma, j. em 23.11.2004, DJ de 25 fev. 2005, PP-00029, EMENT. VOL-02181-01, PP-00130, RTJ VOL-00192-03,
PP-00974, LEXSTF, v. 27, n. 316, 2005, p. 439-449, RMDPPP, v. 1, n. 4, 2005, p. 124-131).
41 “EMENTA: I. Imunidade parlamentar material: extensão. 1. Malgrado a inviolabilidade alcance hoje ‘quaisquer opiniões,
palavras e votos’ do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que,
pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de deputado ou senador do agente (Inq.
no 1.710, Sanches; Inq. no 1.344, Pertence). 2. Não cobre, pois, a inviolabilidade parlamentar a alegada ofensa a propósito
de quizílias intrapartidárias endereçadas pelo presidente da agremiação – que não é necessariamente um congressista –
contra correligionário seu. II. Crime contra a honra: inexistência em entrevista que não ultrapassa as raias da crítica à atuação
partidária de alguém” (Inq. no 1.905, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 29. 4.2004, DJ de 21 maio 2004, PP-
00033, EMENT. VOL-02152-01, PP-00011, RTJ VOL 00192-01, PP-00050).
42 FARIAS, de; ROSENVALD, op. cit., p. 140.
43 “INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE
ARENA. É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (Súmula
no 282-STF). A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem
o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. O direito de arena, que a lei atribui
às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da
imagem havido por meio da edição de ‘álbum de figurinhas’. Precedentes da Quarta Turma. Recursos especiais não conhecidos”
(REsp no 67.292/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4a Turma, j. em 3.12.1998, DJ de 12 abr. 1999, p. 153).
44 “DIREITO À IMAGEM. DIREITO DE ARENA. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. O DIREITO DE ARENA
QUE A LEI ATRIBUI ÀS ENTIDADES ESPORTIVAS LIMITA-SE À FIXAÇÃO, TRANSMISSÃO E RETRANSMISSÃO DO
ESPETÁCULO DESPORTIVO PÚBLICO, MAS NÃO COMPREENDE O USO DA IMAGEM DOS JOGADORES FORA DA
SITUAÇÃO ESPECÍFICA DO ESPETÁCULO, COMO NA REPRODUÇÃO DE FOTOGRAFIAS PARA COMPOR ‘ÁLBUM DE
FIGURINHAS’. LEI No 5.989/1973, ARTIGO 100; LEI No 8.672/1993” (REsp no 46.420/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4a
Turma, j. em 12.9.1994, DJ de 5 dez. 1994, p. 3.3565).
31
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
O dano à imagem também protege a pessoa jurídica no que diz respeito aos seus atributos, sendo
passível indenização para reparação do dano45. Nesse caso, a imagem não tem caráter pessoal,
analisa-se a imagem que aquela empresa possui diante de seus sócios ou consumidores.
O direito ao uso da imagem pode, sem qualquer problema, ser autorizado pelo seu titular, seja de
forma expressa, seja de forma implícita. Esta última se dá, por exemplo, quando uma pessoa se deixa
fotografar ou filmar em evento, sabendo que a câmera é de uma rede de televisão pela logomarca
estampada ou pela identificação do fotógrafo de uma revista qualquer46. Todavia, tal imagem não
pode ser desvirtuada, quando, por exemplo, um artista posa para uma determinada revista e sua
imagem é utilizada para outro fins, como propaganda47.
Até mesmo fotos de pessoas comuns utilizadas sem autorização para fins comerciais ensejam direito
à indenização por dano moral48. Fotos de multidão, seja em passeata, eventos esportivos, festas,
desfiles, mesmo que permitam identificar o indivíduo, não ensejam indenização, salvo se o foco da
imagem está centralizado no indivíduo49.
O último aspecto relevante ao direito de imagem está no tratamento dado às pessoas públicas, mais
conhecidas como celebridades. Nesse ponto, o art. 20 do Código Civil, já mencionado, estabelece
alguns limites, aplicáveis tanto à honra, como ao direito à imagem. Seria um absurdo que uma
autoridade ou uma celebridade viesse a ter indenização por ter seu nome e sua imagem expostos
pela mídia, haja vista a condição pública da pessoa e a própria liberdade de imprensa. É óbvio que
tal situação deve ser vista sem abuso de direito, como, por exemplo, os papparazzi que invadem a
intimidade da celebridade, que, mesmo sendo uma pessoa pública, tem direito, em sua residência,
a manter um grau mínimo de privacidade.
A regra do art. 20 abre exceção ao direito de imagem no caso de interesse público e da administração
da justiça, como, por exemplo, a revelação da foto de um foragido da justiça, uma vez que há
interesse social na sua captura. Entretanto, caso haja divulgação equivocada da imagem ou a própria
investigação chegue à conclusão de que o indivíduo não foi o autor do fato, tem-se direito claro à
indenização, como foi o conhecido caso da Escola Base em São Paulo50.
45 “Direito empresarial. Dano moral. Divulgação ao mercado, por pessoa jurídica, de informações desabonadoras a respeito de
sua concorrente. Comprovados danos de imagem causados à empresa lesada. Dano moral configurado. Fixação em patamar
adequado pelo tribunal a quo. Manutenção. Para estabelecer a indenização por dano moral, deve o julgador atender a certos
critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo
ou grau da culpa do autor da ofensa; efeitos do dano, inclusive no que diz respeito às repercussões do fato. Na hipótese em que se
divulga ao mercado informação desabonadora a respeito de empresa-concorrente, gerando-se desconfiança geral da clientela,
agrava-se a culpa do causador do dano, que resta beneficiado pela lesão que ele próprio provocou. Isso justifica o aumento da
indenização fixada, de modo a incrementar o seu caráter pedagógico, prevenindo-se a repetição da conduta. O montante fixado
pelo tribunal a quo, em R$ 400.000,00, mostra-se adequado e não merece revisão” (REsp no 883.630/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3a turma, j. em 16.12.2008, DJe de 18 fev. 2009).
46 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 143.
47 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.
48 “Dano moral: fotografia: publicação não consentida: indenização: cumulação com o dano material: possibilidade. Constituição
Federal, art. 5o, X. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece
é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou
constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que
ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5o, X” (RE no 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, j.
em 4.6.2002, DJ de 28 jun. 2002).
49 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.
50 Ver: <http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_rever_indenizacao_escola_base>.
32
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I
O Direito Constitucional de livre reunião teve sua origem no art. 16 da Declaração da Pensilvânia,
de 1776. A Constituição brasileira de 1891 foi a primeira a versar sobre esse direito, ainda, à época,
mesclado com o direito de livre associação, só havendo a separação dos conceitos na Constituição
de 193451.
Ressalte-se que a liberdade de reunião pacífica não necessita de autorização, exigindo-se apenas
prévio aviso à autoridade competente, a fim de que se impeça eventual frustração de outra reunião
na mesma localidade.
A liberdade de associação não se estende às pessoas jurídicas, principalmente quando lei ordinária
determina a necessidade de filiação53. Tanto é assim que as confederações, formadas pelo conjunto
de associações, não possuem os mesmos direitos destas, sendo, por exemplo, parte ilegítima para
a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, haja vista serem meros organismos de
51 “A primeira Constituição política do Brasil a dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição republicana
de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido contemplada nos sucessivos documentos constitucionais
brasileiros, com a ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de associação ganhou contornos
próprios, dissociando-se do direito fundamental de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12, daquela Carta Política.
Com efeito, a liberdade de associação não se confunde com o direito de reunião, possuindo, em relação a este, plena autonomia
jurídica [...]. Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade
de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de
sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. [...] Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a
liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e
de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem
de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui
função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade
de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo
judicial” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, j. em 10.8.2005, Plenário, DJ de 1º jun. 2007).
52 “Art. 2o, IV, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da Lei no 10.779/2003. Filiação à colônia de pescadores para habilitação ao seguro-desemprego [...].
Viola os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5o, XX) e da liberdade sindical (art. 8o, V), ambos em sua
dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do seguro-desemprego
à filiação do interessado à colônia de pescadores de sua região” (ADI no 3.464, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 29.10.2008,
Plenário, DJe de 6 mar. 2009).
53 “Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva
de associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva
de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. Direitos autorais e
conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (Lei no 9.610/1998, art. 99), sem ofensa do
art. 5o, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto
no art. 5o, XXVIII, ‘b’, da própria Lei Fundamental. Liberdade de associação: garantia constitucional de duvidosa extensão às
pessoas jurídicas” (ADI no 2.054, Rel. para o acórdão. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 2.4.2003, Plenário, DJ de 17 out. 2003).
33
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS
coordenação de entidades sindicais, não podendo ser admitidas como hierarquicamente superiores
às associações54.
As associações, como instrumentos de interesses comum entre seus participantes, não podem
nem devem sofrer interferência estatal, sendo essa admitida apenas em casos extremos, quando a
finalidade das associações for ilícita55, situação que autoriza a sua suspensão ou até a sua dissolução
compulsória, nos moldes do inciso XIX do art. 5o da Constituição Federal.
54 “Confederações como a presente são meros organismos de coordenação de entidades sindicais ou não [...], que não integram
a hierarquia das entidades sindicais, e que têm sido admitidas em nosso sistema jurídico tão só pelo princípio da liberdade de
associação” (ADI no 444, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 14.6.1991, Plenário, DJ de 25 out. 1991).
55 “Cabe enfatizar, neste ponto, que as normas inscritas no art. 5o incisos XVII a XXI da atual Constituição Federal, protegem as
associações, inclusive as sociedades, da atuação eventualmente arbitrária do legislador e do administrador, uma vez que somente
o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a dissolução compulsória das associações.
Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão
ser compulsoriamente disolvidas ou suspensas. Atos emanados do Executivo ou do legislativo que provoquem a compulsória
suspensão ou dissolução de asssociações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais” (ADI no 3.045, voto do
Min. Celso de Mello, j. em 10.8.2005, plenário, DJ de 1o de jun. 2007).
34
Refletindo para Unidade iI
Começar
capítulo 1
Vislumbrando o Estado nas Nossas
Vidas
Em nossa conversa é importante, então, vislumbrarmos, num primeiro momento, como o Estado
age nas nossas vidas para, a partir daí, buscarmos compreender a essência de sua existência e de
sua formação.
Vamos, então, olhar à nossa volta e vislumbrar todas as coisas em que há a presença do Estado.
Olhe as coisas dentro da sua casa, no seu local de trabalho, no seu dia a dia.
Lembre-se de que o Estado atua regulando as relações pessoais – mesmo antes do nascimento ou
depois da morte, na família, no casamento, no lazer, no trabalho, nos negócios.
O Estado escreve as leis, executa-as e julga as lides, dirimindo conflitos. O Estado responde por tudo
que faz, de acordo com as leis que ele próprio Estado escreveu.
O Estado fabrica o dinheiro e cobra tributos sobre tudo que você compra e até do que você ganha -
do seu salário.
O Estado está presente na energia elétrica, no telefone, no gás, nas compras e nos pagamentos do
mês.
O Estado possui bens, tem um tesouro, faz negócios, compra e vende, constrói, desapropria, concede,
permite.
35
UNIDADE II │ Refletindo para Começar
Então, vamos refletir sobre tudo isso e, dessa forma, iniciar nosso estudo.
Com certeza, tal reflexão nos levará a olhar o Estado de forma diferente, como um ente presente e
atuante.
Assim, preparamo-nos para compreender como chegamos até esse Estado que hoje vislumbramos
e chamamos de Estado Moderno.
Podemos, então, entender o Direito Administrativo como disciplina de estudo das funções e
manifestações do Estado.
36
O Estado Unidade iII
Capítulo 1
Aspectos Gerais da Origem e Formação
do Estado
A partir da reflexão do que foi apresentado no Capítulo anterior, em que se busca vislumbrar o
Estado nas nossas vidas, podemos nos aprofundar em pensamento para conhecermos os aspectos
gerais da sua origem e formação.
Ateniense de origem aristocrática, Platão (427-347 a.C.) formulou questões de base filosófica sobre
a origem e formação do Estado.
Sem grande sucesso, participou das atividades políticas, fato visto como importante na constante
evolução do seu pensamento.
Para entender Platão, é essencial conhecer duas de suas obras escritas em forma de diálogo: A República e
As Leis.
A República descreve a concepção ideal do Estado, a mais perfeita unidade, detentor de um poder
ilimitado, nada reservado exclusivamente à vontade dos cidadãos, e dividido em três classes: os
governantes (filósofos que exercitam a sabedoria); os guerreiros (responsáveis pela defesa); os
artífices e agricultores (encarregados da alimentação). A imperfeição do indivíduo é a causa da sua
submissão ao Estado.
Para esse filósofo, o Estado domina a atividade humana e tem por fim a felicidade de todos.
Platão apresenta, sem condenar a escravidão, a abolição da família e da propriedade, uma comunhão
dos bens a fim de se alcançar a unidade orgânica e a harmonia do Estado (vale só para as duas
classes superiores: governantes e guerreiros).
37
UNIDADE III │ O Estado
O diálogo As Leis trata do problema da legislação, apontando uma abordagem real sobre o que deveria
acontecer e que na realidade não ocorre. Para Platão, a vivência e a natureza humanas, com ênfase na má
conduta do ser humano, geram a necessidade de leis que orientem o indivíduo, conduzindo-o a um bom
proceder, visando ao bem comum, possuindo, portanto, um caráter educativo, assim como o Estado
deve possuir.
O Estado, além de educador, também possui domínio e poder, respeitando, apesar disso, a
personalidade individual dos homens livres. No que concerne à forma de governo, nem a monarquia
e nem a democracia seriam o regime mais adequado, mas sim a fusão dessas duas formas, mediante
a qual a cidade seria governada por meio de sábios e guardiões das leis.
A respeito das teorias da origem do Estado, Dallari (2005, p. 52-3), a par da existência de diversas
teorias, as reduz a três posições para melhor entendimento.
A primeira, de acordo com muitos autores, diz que o Estado sempre existiu, da mesma forma que
a própria sociedade, pois, desde que o homem vive sobre a terra, encontra-se “integrado numa
organização social”, dotada de poder e com autoridade para determinar o “comportamento de todo
grupo”.
Para muitos autores, o Estado, assim como a própria sociedade, existiu sempre,
pois desde que o homem vive sobre a terra acha-se integrado numa organização
social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento
de todo o grupo. Entre os que adotam essa posição destacam-se Eduard
Meyer, historiador das sociedades antigas, e Wilhelm Koppers, etnólogo,
ambos afirmando que o Estado é um elemento universal na organização
social humana. Meyer define mesmo o Estado como o princípio organizador
e unificador em toda organização social da Humanidade, considerando-o, por
isso, onipresente na sociedade humana.
A segunda, conforme outros autores, acredita que a sociedade humana conviveu por certo tempo
sem a existência de um Estado que fora sendo formado para “atender às necessidades ou às
conveniências dos grupos sociais”.
Uma segunda ordem de autores admite que a sociedade humana existiu sem
o Estado durante um certo período. Depois, por motivos diversos, que serão
indicados quando tratarmos das causas que levaram à formação do Estado,
este foi constituído para atender às necessidades ou às conveniências dos
grupos sociais. Segundo esses autores, que, no seu conjunto, representam
ampla maioria, não houve concomitância na formação do Estado em diferentes
lugares, uma vez que este foi aparecendo de acordo com as condições concretas
de cada lugar.
A terceira, defendida por alguns autores, só aceita a existência do Estado quando este traz uma “sociedade
política dotada de certas características muito bem definidas”, dotada de soberania, não se admitindo
um “conceito geral” de Estado que seja “válido para todos os tempos”. Sendo assim, essa terceira via
38
O Estado │ UNIDADE III
teórica aponta fatos concretos que ensejam o nascimento do Estado, como, por exemplo, a assinatura da
paz de Westfália.
(...) autores que só admitem como Estado a sociedade política dotada de certas
características muito bem definidas. Justificando seu ponto de vista, um dos
adeptos dessa tese, Karl Schmidt, diz que o conceito de Estado não é um conceito
geral válido para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que
surge quando nascem a ideia e a prática da soberania, o que ocorreu no século
XVII. Outro defensor desse ponto de vista, Balladore Pallieri, indica mesmo,
com absoluta precisão, o ano do nascimento do Estado, escrevendo que ‘a data
oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648,
ano em que foi assinada a paz de Westfália’. Entre os autores brasileiros adeptos
dessa teoria salienta-se Ataliba Nogueira, que, mencionando a pluralidade
de antinomias existentes no mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as
autonomias comunais e as corporações, ressalta que a luta entre elas foi um
dos principais fatores determinantes da constituição do Estado, o qual, com
todas as suas características, já se apresenta por ocasião da paz de Westfália.
A respeito da formação do Estado, Dallari (2005, p. 53) chama a atenção para duas questões
diversas. Uma, a formação do Estado de forma originária, ou seja, quando o Estado é formado a
partir de “agrupamentos humanos ainda não integrados em qualquer Estado”. A outra se dá quando
a formação do Estado decorre de outros Estados preexistentes, o que se chama de formação derivada.
No tocante às teorias que buscam explicar a formação originária do Estado, Dallari (2005, p. 54-8)
aponta dois grandes grupos de discussão.
Há o grupo das teorias que apontam a “formação natural ou espontânea”, no qual o Estado surgiu
de forma natural, sem qualquer “ato puramente voluntário”.
O outro grupo de teorias indica a formação contratual do Estado, que menciona haver uma “vontade
de alguns homens, ou então de todos os homens”. Contudo, os teóricos contratualistas divergem
entre si com relação às causas determinantes dessa formação contratual, ou seja, a causa humana
que enseja essa formação, mas, de modo geral, admitem que a “criação contratualista do Estado”
está de certa forma ligada à teoria de “formação contratual da sociedade”.
Sob outro ângulo, existem teorias não contratualistas a respeito das causas do surgimento do Estado.
39
UNIDADE III │ O Estado
Origem em causas econômicas ou O forte argumento desta teoria está na busca de aquisição de riquezas.
patrimoniais
Dallari cita a indicação por certos autores de Platão e, em “A República”, se manifesta: “Um Estado nasce
das necessidades dos homens; ninguém basta em si mesmo, mas todos nós precisamos de muitas
coisas”.
Dallari ainda argumenta: “Nessa mesma ordem de ideias coloca-se Heller, dizendo que a posse da terra
gerou o poder e a propriedade gerou o Estado, e Preuss, sustentando que a característica fundamental
do Estado é a soberania territorial”.
Segundo Dallari, os motivos econômicos que ensejam a origem do Estado têm “maior repercussão
prática” com Marx e Engels. Engels nega que o Estado tenha surgido com a sociedade, afirmando que
o Estado “é antes um produto da sociedade, quando ela chega a determinado grau de desenvolvimento”.
Quanto a isso, chama a atenção a gens grega que, em capítulo, diz que os males e diferenças resultantes
dá aquisição de riquezas, bem como da necessidade de se regular essa convivência social quanto a
essas aquisições, nasceu o Estado.
Origem no desenvolvimento interno da Defendida por Robert Lowie, diz que o Estado existe em potencial, não sendo necessário em sociedades
sociedade humanas simples. Contudo, faz-se necessário e surge quando as sociedades se desenvolvem e se
tornam mais complexas.
Ademais, é importante registrar a existência de outros fenômenos a partir dos quais é possível
originar novos Estados.
São eles:
»» A união, que resulta na adoção de uma Constituição comum por Estados preexistentes
que aderem a uma União.
Assim, tem-se uma visão abrangente da origem e formação do Estado, em que se busca compreender
sua existência e tudo o que dele resulta.
40
Capítulo 2
Elementos do Estado: Soberania.
Território. Povo
Você consegue ver o Estado sem um lugar para existir ou sem um povo para integrá-lo?
É certo que poderemos concluir que esses elementos são essenciais para que o Estado exista.
Sobre soberania, território e povo, Meirelles (2008, p. 61) designa-os “Elementos do Estado”, assim
lecionando:
De fato, soberania enseja força e poder, que resultam em independência do Estado quanto à sua
existência e sua própria vontade. O Estado sem soberania não se faz respeitar nem faz valer a sua
vontade. A soberania dá ao Estado seu status de detentor dos poderes necessários para a consecução
ou realização dos seus fins.
41
UNIDADE III │ O Estado
É da soberania do Estado que decorre o seu poder de fazer as leis (legislar), de dizer o direito (julgar)
e de desempenhar suas funções administrativas (executar).
O Estado, para se manifestar como ente ordenador das coisas, precisa de poderes que o tornem
superior e isso é decorrente da soberania. É, portanto, a soberania, o fundamento, a base para a
existência do Estado.
Ademais, a Constituição Federal do Brasil de 1988 tem no seu artigo 1o, que abre o rol de Princípios
Fundamentais que regem o Estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, a
soberania como primeiro fundamento de existência do Estado brasileiro.
Território, como elemento constitutivo do Estado, enseja sua forma física e espacial, sendo
compreendido, simploriamente, como suas terras e mares, então delimitados, e seu espaço aéreo.
A respeito do Território, Dallari (2005, p. 89-90) sintetiza os aspectos teóricos mais relevantes,
ressaltando que sobre os quais não há divergências, quais sejam:
a. Não existe Estado sem território. No momento mesmo de sua constituição o Estado
integra num conjunto indissociável, entre outros elementos, um território, de que
não poder ser privado sob pena de não ser mais Estado. A perda temporária do
território, entretanto, não desnatura o Estado, que continua a existir enquanto não
se torna definitiva a impossibilidade de se reintegrar o território com os demais
elementos. O mesmo se dá com as perdas parciais de território, não havendo
qualquer regra quanto ao mínimo de extensão territorial.
42
O Estado │ UNIDADE III
Povo, como elemento do Estado, é a designação humana necessária para a composição social do
Estado.
A par disso, podemos concluir que o Povo é o espírito do Estado, que não existe sem esse ânimo,
sem essa alma.
Essa força do Povo na formação do Estado está literalmente presente na Constituição do Brasil de
1988, quando, no seu artigo 1o, Parágrafo único, se tem que “Todo poder emana do povo, que exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
43
Capítulo 3
Finalidade e Funções do Estado
De fato, conhecer a finalidade do Estado gera uma conscientização capaz de entendê-lo como um
ente organizador das relações humanas, sem o qual não haveria um relacionamento normativo
ordenador dessas relações.
Em verdade, para melhor compreensão e entendimento da sua finalidade, temos que partir do
pressuposto de que o Estado não existe.
Fórum.
Dallari (2005, p. 108), sintetizando estudo sobre as teorias da finalidade do Estado, conclui, chamando
a atenção para “uma estreita relação entre os fins do Estado e as funções que ele desempenha”, que
44
O Estado │ UNIDADE III
3. Esta trilogia não reflete uma verdade, uma essência, algo inexorável
proveniente da natureza das coisas. É pura e simplesmente uma construção
política invulgarmente notável e muito bem sucedida, pois recebeu
amplíssima consagração jurídica. Foi composta em vista de um claro
propósito ideológico do Barão de Montesquieu, pensador ilustre que deu
forma explícita à ideia de tripartição. A saber: impedir a concentração de
poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos
governantes.
Essa “consagração jurídica” quanto às funções ou Poderes do Estado, no dizer do mestre, enseja a
compreensão comum admitida e reconhecida popularmente.
A Constituição Federal de 1988, no caput de seu artigo 2o, define que “São poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Alexandre de Moraes (2006, p. 373) assim comenta a Separação das Funções Estatais:
45
UNIDADE III │ O Estado
O texto constitucional não só prevê em seu art. 2o os três poderes da União, mas também,
posteriormente, define suas composições, funções e prerrogativas.
Ocorre, porém, que, apesar de independentes, os poderes de Estado devem atuar de maneira
harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e condenando as práticas de
guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na
condução dos negócios públicos pelos agentes políticos. Para tanto, a Constituição Federal consagra
um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de forma que, ao mesmo
tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado. Esse mecanismo denomina-se
teoria dos freios e contrapesos.
Dessa forma, ao afirmar que os Poderes da União são independentes e harmônicos, o texto
constitucional consagrou, respectivamente, as teorias da separação dos poderes e dos freios e
contrapesos.
Contudo, a lucidez de Hely Lopes (2008, p. 60-61) esclarece a questão, ensejando a compreensão
das funções ou Poderes do Estado:
46
O Estado │ UNIDADE III
Carvalho Filho (2008, p. 2-3) ressalta que “não há exclusividade no exercício das funções pelos
Poderes. Há, sim, preponderância”, esclarecendo:
Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções
normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente
deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a
Constituição os autorize.
47
UNIDADE III │ O Estado
A separação dos poderes tinha duas bases principais. Primeira, a proteção da liberdade individual
e, segunda, para aumentar a eficiência do Estado, considerando uma melhor divisão de atribuições
e competências, tornando cada órgão especializado com determinada função.
Todo esse ideal, que sofreu resistência de início, teve como objetivo, à época, diminuir o absolutismo
dos governos.
Muitos autores acharam por bem definir a teoria de Montesquieu como divisão dos poderes, e não
separação dos poderes como é intitulada. A questão terminológica reflete-se apenas na soberania
do Estado, ou seja, em sua unicidade, haja vista o termo separação ser muito forte para uma função
apenas distributiva de função.
Torna-se importante repetir que era entendido que a função de diminuir a concentração do poder
resulta numa maior liberdade individual, logo seria diminuída a possibilidade de um regime
ditatorial.
Aristóteles preocupava-se com a concentração de poderes na mão de um só, pois considerava injusto
e perigoso atribuir-se, a um só indivíduo, o exercício do poder.
Contudo, a justificativa para a separação dos poderes não foi buscada em Aristóteles; ela vem sendo
ainda construída e questionada junto com a própria evolução do Estado, a partir de seus conflitos.
É curioso notar que Maquiavel louva essa organização porque dava segurança
ao rei. Agindo em nome próprio o judiciário poderia proteger os mais fracos,
vítimas de ambições das insolências dos poderosos, poupando o rei da
necessidade de interferir nas disputas e de, em consequência, enfrentar o
desagrado dos que não tivessem suas razões acolhidas.
A doutrina da separação dos poderes surge por meio de Locke, tomando como parâmetro obviamente
o Estado inglês do séc. XVII. Este identificava quatro funções e dois órgãos do poder: a função
legislativa para o parlamento e a executiva para o rei.
Entretanto, a função exercida pelo rei acumulava uma função federativa, a tratar de questões de
segurança, como guerra e paz e de ligas e alianças.
Uma outra função atribuída ao rei era, na definição de Locke, “o poder de fazer o bem público sem
subordinar a regras”. Apesar disso, o próprio Locke admitia que, pela imprecisão do termo “bem
público”, dava margens a certas condutas absolutistas.
Em 1748, a teoria da separação dos poderes ganha maior configuração por meio da obra de
Montesquieu “De L’Espirit des Lois”. A teoria apresentava a figura dos três poderes, o legislativo, o
executivo e o judiciário, exercendo seus papéis harmonicamente e independentes entre si, separação
essa que hoje é prevista na quase totalidade das constituições.
48
O Estado │ UNIDADE III
Para esse filósofo, cada poder apresentava suas funções intrínsecas e inconfundíveis, admitindo
ainda que elas fossem confiadas a um só órgão, porém sendo ideal que o Estado separasse os três
órgãos, cada qual com sua função determinada.
A atitude de separar os poderes é vista como uma maneira de reduzir o poder do Estado, ainda mais
enfocado com as prescrições das constituições que pregariam a ausência de democracia, caso não
existisse a separação dos poderes.
A teoria da separação dos poderes de Montesquieu passa a ser vista no meio daqueles que procuravam
a democracia, por meio de seus ditames constitucionais, como sistema de freios e contrapesos, ou
seja, em que um poder controla o outro.
A principal crítica feita à teoria da separação dos poderes é que ela seria totalmente formalista e
nada prática. Há de se entender que, apesar da tentativa de tripartição, sempre um órgão acabava
penetrando na esfera do outro, ou, ainda, um poder querendo ser superior a outro, permanecendo,
assim, apenas um cenário de separação.
Algumas das tentativas de aprimorar a teoria diante sua ineficácia foram a delegação de poderes e a
transferência constitucional de competências.
Platão enxergava certa separação de poderes nas antigas polis gregas. A divisão nas funções era
dada por meio daqueles que deveriam proteger, governar, produzir e comercializar bens da cidade.
Kelsen, adentrando na teoria da separação de Montesquieu, buscou definir o Estado como um puro
fenômeno jurídico, ou seja, ele seria visto como uma pessoa jurídica, um órgão, uma corporação. O
órgão, a corporação, por sua vez, seria definido por intermédio de um grupo de indivíduos tratados
pelo Direito como uma unidade.
Assim, uma corporação, no entendimento de Kelsen, é considerada uma pessoa, pois para ela são
estipulados direitos e deveres jurídicos que dizem respeito ao interesse dos membros da corporação:
Por possui uma ordem normativa, a corporação “Estado” é sistematizada por uma ordem jurídico-
nacional.
49
UNIDADE III │ O Estado
Por meio de uma concepção sociológica de Estado, Kelsen define, ainda, que o Estado é uma
“sociedade politicamente organizada”. Surgindo daí o caráter político de sua organização, a ordem
e o poder coercitivo. Assim, explicaria o fato de o Estado ser uma organização, pois ele monopoliza
e regularia o uso da força.
A imposição de poder só seria possível por meio de uma ‘organização social’; assim, esse poder
do Estado se organizaria pelo Direito. Ao se falar em Poder do Estado, não se deve ter apenas em
mente o Poder Coercitivo, mas sim um poder organizado, o qual, por intermédio de seus comandos
e instrumentos jurídicos, concretiza aquilo que está positivado, destinado a uma organização social.
Para Kelsen, esse Poder Político é manifestado no fato de que as normas que regulam os usos desses
instrumentos se tornariam eficazes; por conseguinte, o poder político é a eficácia da ordem jurídica.
Para Kelsen, o princípio da divisão dos poderes não refletiria numa democracia, pois, para se ter
uma democracia, todo o poder deveria estar concentrado na mão do povo; se não fosse possível, ele
seria representado por um colegiado, que seria eleito diretamente entre si, figurando assim o órgão
legislativo.
Assim, com base nesse entendimento, a democracia existiria por meio do órgão legislativo, o qual,
com intuito de ter suas normas executadas, teria um controle sobre os órgãos administrativos e
judiciários.
Caracteriza-se mais uma preocupação de Kelsen com esse sistema, pois, para ele, uma possibilidade
de o Judiciário revisar, o mínimo que fosse, uma norma proveniente do Legislativo, seria um
atentado à democracia.
Logicamente que Kelsen expõe todas essas posições com base no seu característico cientificismo
puro, ou seja, por meio de sua pureza lógica, considerando, no nosso entendimento, que o parlamento
seria algo verdadeiramente puro e representativo, uma manifestação estritamente popular, o que
realmente permanece no campo científico idealizado por Kelsen.
Sob esse cenário, o argumento de Kelsen seria totalmente pertinente, ou seja, contrariar o
parlamento, que representa o povo, caracterizando uma perfeita democracia, por meio do controle
de um outro poder, como, por exemplo, um controle externo à estrutura idealizada, o que seria um
total contrassenso.
No entanto, a realidade é bem diferente, pois, nem sempre as decisões tomadas pelos legislativos em
geral espelham a verdadeira vontade do povo.
Num momento posterior, Kelsen começa a ver com outros olhos o princípio da separação dos
poderes.
Começa a analisar a separação de poderes por um outro ângulo, ou seja, sob um enfoque da não
concentração de poderes, o que era típico e não democrático nos Estados Absolutistas, os quais
concentravam e detinham todo o poder.
50
O Estado │ UNIDADE III
Segundo Kelsen,
51
UNIDADE III │ O Estado
52
Capítulo 4
Conceito de Estado
(Miguel Reale)
Sua advertência prossegue com veemência, chamando a atenção para “orientações fundamentais”
que devem ser observadas para que se possa conceituar o Estado, bem como para cuidados quanto
a conceituações equivocadas:
53
UNIDADE III │ O Estado
Agora, após sua reflexão e conceituação de Estado, vejamos conceituações construídas, defendidas
ou referidas por doutrinadores conhecidos e reconhecidos.
54
O Estado │ UNIDADE III
Compare o conceito elaborado por você aos dos doutrinadores acima referidos e
reescreva-o ou o mantenha. Envie-o ao professor-tutor.
55
Capítulo 5
Diferenças Entre Estado, Governo e
Administração Pública
Você acabou de verificar e conceituar Estado. Essa visão, agora formada, permite-nos avançar em
outros conceitos que estão diretamente afetos ao estudo do Direito Administrativo.
Importante, neste momento, a partir da compreensão do que é o Estado, situarmos outros conceitos
fundamentais para um amplo entendimento do nosso estudo.
É certo que Estado, Governo e Administração Pública são coisas diferentes. Contudo, ambos estão
imbricados, inter-relacionados, como que numa relação simbiótica e concatenada, organizada.
56
O Estado │ UNIDADE III
Di Pietro (2008, p. 48-9) discorre para esclarecer que o vocábulo Administração Pública “tanto
abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar, como a atividade subordinada de
executar”, buscando, ainda, dar dois sentidos à expressão:
Por derradeiro, para uma distinção comparativa entre Governo e Administração Pública, colhemos
a lição de Meirelles (2008, p. 66):
57
Capítulo 6
Noções Gerais da História da Evolução
do Estado
Após termos avançado no estudo da compreensão do Estado, para, a partir daí, iniciarmos o estudo
do Direito Administrativo, é cabível, no momento, a título de enriquecimento do nosso estudo,
conhecer, em breves noções, a evolução histórica do Estado.
Para tanto, vamos partir do estudo de Dallari (2005, p. 60-72) que expõe que “Com pequenas variações,
os autores que tratam deste assunto adotaram uma sequência cronológica, compreendendo as
seguintes fases: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno.”
Vejamos:
ESTADO ANTIGO,
Em certas situações, o Relação do Estado e da
governo é unipessoal ORIENTAL OU divindade
TEOCRÁTICO
58
O Estado │ UNIDADE III
59
UNIDADE III │ O Estado
Unidade da igreja em
contrapartida a uma
desunião política.
Pessoas integram uma ordem e vivem ESTADO Estado com poder e ordem própria.
sob um poder. MODERNO
60
Capítulo 7
Estado Democrático de Direito
O Estado Democrático surge como modelo moderno a partir das crises e das lutas em desfavor do
absolutismo, com o intuito de se afirmarem os direitos da pessoa humana.
Dallari (2005, p. 151) sintetiza os princípios fundamentais que nortearam os Estados modernos,
com fortes obrigações democráticas:
O Estado de Direito está fundamentado na vinculação e obediência à lei, como fonte reguladora das
relações humanas.
A relação do Estado com o Direito significa uma ordem jurídica, considerando a formação de um
ordenamento de fundamentos, princípios e normas jurídicas que ensejam a formação do Estado de
Direito.
José Afonso da Silva (2003, p. 116-7) discorre sobre as características formadoras de um Estado de
Direito, ensinando que:
61
UNIDADE III │ O Estado
Continua José Afonso (2001, p. 121), agora fazendo afirmações sobre o Estado Democrático:
(...)
62
O Estado │ UNIDADE III
O egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua 5ª Turma, julgando o Habeas Corpus no 3.871-
0, da relatoria do eminente Ministro Edson Vidigal, analisando aspectos que ensejam princípios
formadores do Estado Democrático de Direito com relação ao indivíduo, à unanimidade, assim se
pronunciou:
A Constituição Federal de 1988 consagra, no caput do seu artigo 1o, ou seja, na cabeça da
Constituição, o Estado Democrático de Direito como sendo a base ou fundamento primeiro da
República Federativa do Brasil, ex vi: “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamento: (...)”
63
Introdução ao
estudo do Unidade iV
direito
administrativo
Capítulo 1
O Surgimento do Direito Administrativo
Medauar (2003, p. 24) aponta as argumentações de Giannini, colhidas de seu texto “Profili Storici
della scienza del diritto amministrativo” :
Outros autores indicam que o surgimento dos três poderes, ou seja, a separação de poderes, resulta
no aparecimento do Direito Administrativo e, nessa linha, Medauar aponta o entendimento de Otto
64
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE IV
Mayer no sentido de que o Direito Administrativo surge e com a existência de dois poderes atuantes,
ou seja, o Executivo e o Legislativo.
Ademais, Medauar diz que certas preocupações orientaram os pensamentos dos primeiros
pensadores quando do surgimento do Direito Administrativo e acrescenta que objetivos relativos
ao ponto em questão foram traçados na reação que se travou contra a concentração de poderes na
pessoa do monarca. Tentava-se limitar o poder do Rei, de forma que fossem preservados os direitos
dos cidadãos. Visivelmente, tentou-se descentralizar os poderes existentes até então.
Medauar (2003, p. 26) conclui: “Indubitável, assim, que o princípio da separação de poderes
configura pressuposto da formação do direito administrativo.”
A autora transcreve a opinião de Zanobini que, na sua obra, trata do desenvolvimento histórico do
Direito Administrativo a partir do estabelecimento das condições de sua existência e suas origens:
Sendo assim, Medauar (2003, p. 27) afirma que a primeira condição, no caso citado, pode ser
tida como pressuposto da tripartição ou separação dos poderes. Isso porque, considerando a
compreensão que se tem como consequência é de que se encontra implícita a existência de um
poder que produza as normas a serem cumpridas pela Administração Pública. Quanto à segunda
condição, esclarece a autora o seguinte:
Francisco de Salles Almeida Mafra, em artigo intitulado Direito Administrativo e Estado de Direito,
sobre o surgimento do Direito Administrativo, expõe que:
O autor italiano comenta que nenhum Estado sobrevive sem uma função
administrativa, porém existiam Estados que não conheciam o direito
administrativo. Nas suas próprias palavras:
65
UNIDADE IV │ INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
66
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE IV
usadas para os novos territórios, além da edição de novas leis para todo o
reinado italiano. ZANOBINI exemplifica o dito acima com as leis de número
1037, 1483, 3731 e 3725 de 5 de junho de 1850, de 23 de março de 1853, 30 de
outubro e de 13 de novembro de 1859, respectivamente. Já entre as novas leis,
o autor cita como as mais notáveis ou importantes as de números 752, de 3 de
agosto de 1862, 800, de 14 de agosto do mesmo ano e a de 25 de junho de 1865,
que tratavam respectivamente das obras de caridade, da instituição de nova
Corte de Contas e da desapropriação por utilidade pública. A de fundamental
importância, porém, na opinião de ZANOBINI, foi a de número 2248, de 20
de março de 1865, que tratava da unificação administrativa do Reino italiano.
Considera o autor tal lei como verdadeiro código de direito administrativo.
Composta esta última de seis leis fundamentais, respectivamente: a lei
comunal e provincial, a de segurança pública, a de sanidade pública, a lei
sobre o Conselho de Estado, a sobre contencioso administrativo e a lei sobre
trabalhos públicos. Aponta o autor, ainda, que somente esta última lei, sobre
trabalhos públicos, restou em vigor, apenas, sobretudo, em parte, e que a
unificação administrativa não foi completa.Conclui o autor dizendo:
Com isto não se pode dizer que a unificação administrativa tenha sido completa:
muitíssimas, ao invés disso, foram as matérias, nas quais continuaram a haver
aplicação por muitos anos as leis dos antigos Estados.
A par de tudo isso, importante conhecer o pensamento de outros doutrinadores sobre o surgimento
do Direito Administrativo, conforme se verifica adiante:
67
UNIDADE IV │ INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Importante registrar, também, que, segundo a Di Pietro (2008, p. 1), “O Direito Administrativo,
como ramo autônomo, nasceu em fins do século XVIII e início do século XIX”
Constata-se, assim, que se trata de uma Disciplina relativamente nova, não codificada. Tudo isso
contribui para a sua complexidade e para a existência de inúmeros posicionamentos doutrinários a
respeito de diversos temas.
68
Capítulo 2
O objeto do Direito Administrativo
Di Pietro (2008, p. 39-40) chama a atenção com referência ao objeto do Direito Administrativo, no
sentido de “verificar-se que o seu conteúdo tem variado no tempo e no espaço e que vários têm sido
os critérios adotados para a sua conceituação”, afirmando que:
Sobre o tema, Di Pietro (2008, p. 41-3) aprofunda o tema ao informar as escolas que discutem o
objeto do Direito Administrativo, para, partindo daí, se construir seu conceito.
69
UNIDADE IV │ INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Assim, a partir do conhecimento das argumentações de Di Pietro com relação ao objeto do Direito
Administrativo, vamos passar a conhecer o seu conceito.
70
Capítulo 3
Conceito de Direito Administrativo
Num conceito está contido aquilo que é objeto, ou essência, daquilo que se quer conhecer ou definir.
Sobre o conceito de Direito Administrativo, vejamos o que pensam alguns doutrinadores renomados,
Bandeira de Mello (2002, p. 35): “(...) o direito administrativo é o ramo do direito público que
disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem”.
71
Capítulo 4
Fontes do Direito Administrativo
O vocábulo fonte significa nascimento – origem –, de onde brotam as coisas. Fonte em Direito,
enquanto ciência, resulta no aparecimento disciplinar da matéria, ou seja, de onde surgem os
institutos que dão ensejo à existência do Direito em si.
Pode-se dizer que o Direito está em constante nascimento, evolução e reformulação ou adaptação,
considerando a sua dinâmica de aplicação prática por meio dos mais variados processos de
manifestação do Estado, sejam eles jurisdicionais, administrativos ou legislativos.
Assim, o Direito está sendo originado a todo instante, a partir de sua aplicação concreta, ou seja,
sua operacionalização por meio de decisões judiciais, seja pelo surgimento de novas leis, pelo debate
acadêmico ou por afirmações doutrinárias.
Meirelles (2008, p. 46-47) muito bem informa as fontes do Direito Administrativo, discorrendo
sobre sua formação, como ramo autônomo do Direito:
72
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE IV
73
Princípios Unidade V
Popularmente, princípio é o momento ou local ou trecho em que algo tem origem; começo. É a causa
primária.
Dessa afirmação, apreendemos que tudo nasce do princípio. Isso é lógico, e por ser lógico parece de
simples compreensão. Mas, o que nos interessa é partir dessa lógica para analisarmos o princípio,
não somente sob o ângulo da obviedade, por ser a causa primeira, o início. Mas, sim, mergulharmos
na verificação do nascimento de todas as coisas, para compreendermos o seu princípio, pois, se
conhecermos a causa primeira das coisas, poderemos, antecipadamente, saber todo o caminho ou
corpo que se forma a partir do início, do princípio.
Filosoficamente, o dicionário nos diz que princípios são proposições diretoras de uma ciência, às
quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado.
Os princípios são instrumentos para uma construção unitária e sistemática do direito, razão pela
qual é acertado dizer que conhecer as normas jurídicas sem a adequada compreensão dos princípios
que as informam é mais ou menos como conhecer os frutos sem conhecer a semente que deu origem
à árvore, pois as normas jurídicas não existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas
com relações particulares entre si.
74
Capítulo 1
Direito
Miguel Reale (2003, p. 65), na tratativa da Estrutura Tridimensional do Direito, leciona que
»» onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato
subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um
valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando
a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo;
e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra
um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;
»» tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos
outros, mas coexistem numa unidade concreta;
André Franco Montoro (2005, p. 56), ao tratar da pluralidade de significações do Direito, dispõe
sobre cinco realidades fundamentais de representação do Direito:
75
UNIDADE V │ PRINCÍPIOS
Como vimos, são cinco realidades distintas. E, se quisermos saber o que é o direito, precisamos
estudar o conteúdo essencial de cada uma dessas significações.
76
Capítulo 2
Princípios de Direito
Bonavides (2006, p. 256) cita Unger, que faz a seguinte formulação: “Princípio de direito é o
pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito
de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo”.
A partir da conceituação formulada por Crisafulli, dispondo princípios como normas, Bonavides
(2006, p. 257) ensina:
E expõe o autor que os princípios passam por três fases distintas quanto à sua juridicidade: a
Jusnaturalista, a Juspositivista e a Pós-Positivista.
77
UNIDADE V │ PRINCÍPIOS
claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas.
E por que então não deveriam ser normas?
A apreensão dos princípios designam que eles “são normas e as normas compreendem finalmente
os princípios e as regras”.
Os princípios são normas dotadas de informação, de conteúdo geral. As regras são normas
definidoras, de conteúdo relativo.
Destaca-se que o conflito de regras se resolve na dimensão da “validade”, enquanto que os princípios
na dimensão de valor.
Os princípios são as normas-chave de todo o sistema jurídico; são valores que fundamentam,
interpretam, integram, direcionam, limitam.
78
Princípios
Basilares Unidade Vi
do Direito
Administrativo
Nos capítulos anteriores deste Caderno de Estudos verificou-se a formação do Estado, suas
finalidades e conceitos, bem como o surgimento do Direito Administrativo.
79
Capítulo 1
Princípios da Supremacia do Interesse
Público sobre o Interesse privado, da
Indisponibilidade do Interesse Público
pela Administração e da Autotulela da
Administração Pública.
O primeiro diz sobre a superioridade do interesse da coletividade, fixando a prevalência dele sobre o
do particular, como premissa de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-
se garantidos e assegurados.
O segundo decorre da premissa de que a Administração Pública possui poderes-deveres, ou seja, são
conferidos certos poderes a ela como forma de se alcançar uma finalidade previamente estabelecida,
que é o próprio interesse público, da coletividade como um todo e não da entidade ou unidade
governamental em si mesma. São poderes que a Administração não pode deixar de exercer, sob
pena de responder por isso, ao mesmo tempo em que devem ser exercidos sem excesso e com
responsabilidade, afastando possíveis abusos e irresponsabilidades.
A Administração Pública, na prática de seus atos, deve sempre respeitar a lei e zelar para que o
interesse público seja alcançado.
Assim, sempre que se verificar que um ato administrativo esteja em desconformidade com a lei, ou
que se encontra em confronto com os interesses públicos, devem os agentes públicos revê-los, como
uma natural decorrência do próprio princípio da legalidade.
80
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
Adiante se verificam decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
Ementa
Ementa
81
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Ementa
82
Capítulo 2
Princípios Constitucionais que Informam
a Administração Pública
A Constituição Federal, no caput do artigo 37, contempla cinco princípios cardeais, balizadores da
conduta administrativa, verbis:
(...)
Princípio da Legalidade
O Princípio da Legalidade é a base informadora e formadora do Estado de Direito, submetendo à lei
a obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, tendo sido consagrado no inciso II, artigo 5o,
da Carta Magna, sendo para a Administração Pública requisito vinculado à existência de seus atos.
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
(...)
(...)
Disso decorre o sentido de que apenas a lei, em regra, pode introduzir novações primárias, criando
novos direitos e novos deveres na ordem jurídica como um todo considerada.
83
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
terceiro, se ato legislativo não fornecer, em boa dimensão jurídica, amparo a essa pretensão. A lei é
seu único e definitivo parâmetro.
Assim, enquanto no mundo privado se coloca como apropriada a afirmação de que o que não é
proibido é permitido, no mundo público assume-se como verdadeira a afirmação de que a
Administração só pode fazer o que a lei autoriza.
A Administração Pública deve obedecer à legalidade em suas atividades, implicando daí a noção de que
a atividade administrativa é a desenvolvida em nível imediatamente infralegal, dando cumprimento
às disposições da lei. Dessa maneira, a função dos atos da Administração é o cumprimento das
disposições legais, não lhe sendo possível, portanto, a inovação do ordenamento jurídico.
Bandeira de Mello (2002:83) leciona que o princípio da legalidade é o princípio capital para a
configuração do regime jurídico-administrativo e afirma que:
Adiante, verifica-se decisão proferida pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com relação
à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
84
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
Ementa
Princípio da Impessoalidade
A Impessoalidade diz respeito à manifestação do Estado, por meio de seus agentes, para realização
de seus fins. Quem age é o Estado e não a pessoa de seu agente. Esse princípio vincula-se ao da
Legalidade, quando obriga o agente a executar as determinações legais.
O princípio da impessoalidade da Administração Pública define-se como sendo aquele que impõe
que os atos praticados pela Administração Pública, ou por ela delegados, devam ser imputados ao
ente ou órgão em nome do qual se realiza, não caracterizando, assim, as peculiaridades pessoais
daqueles que praticam os atos ou a quem porventura se dirija. Em suma, os atos e provimentos
administrativos são imputáveis ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o
funcionário.
Sendo assim, o princípio da impessoalidade busca resguardar que, diante dos administrados, as
realizações administrativo-governamentais não sejam propriamente do funcionário ou da autoridade,
mas exclusivamente da entidade pública que a efetiva. A atividade da Administração Pública não pode
ser apropriada, para quaisquer fins, por aquele que, em decorrência do exercício funcional decorrente
da atividade administrativa, viu-se na condição de executá-la. Daí decorre a impessoalidade, que é
imputável à estrutura administrativa ou governamental incumbida de sua prática.
Um ato do Poder Público não pode privilegiar ou penalizar alguém em decorrência de favoritismos
ou de perseguição pessoal. Todo e qualquer administrado deve sempre se relacionar de forma
85
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
impessoal com a Administração Pública, sem que suas características pessoais, sejam elas quais
forem, possam ensejar predileções ou discriminações de qualquer natureza.
Bandeira de Mello (2002, p. 96) disserta que o princípio da impessoalidade insere-se no conteúdo
jurídico do princípio da isonomia:
Princípio da Publicidade
Seguindo pela trilha dos ensinamentos de Meirelles (2008:96), tem-se que a publicidade dos atos
praticados pela Administração é requisito de eficácia e moralidade e não de sua formação. São suas
estas palavras: “A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade.
Por isso mesmo os atos irregulares não se consolidam com a publicação, nem os regulares a
dispensam para sua exequibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige”.
A publicidade sinaliza no sentido de que o Poder Público deve agir com transparência, a fim de que
os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que está acontecendo e o que os agentes
públicos estão fazendo.
A Constituição Federal do Brasil afirma que todo poder do Estado “emana do povo” (art. 1.o, Parágrafo
único). Logo, a publicidade é imposição constitucional para a prática de atos administrativos, como
elemento concreto para a sua legalidade.
José Eduardo Martins Cardozo (1999, p. 159) assim define o princípio da publicidade:
Entende-se por princípio da publicidade, assim, aquele que exige, nas formas
admitidas em Direito, e dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos,
a obrigatória divulgação dos atos da Administração Pública, com o objetivo de
permitir seu conhecimento e controle pelos órgãos estatais competentes e por
toda a sociedade.
No que tange à forma de se dar publicidade aos atos da Administração, tem-se afirmado que ela
poderá se dar tanto por meio da publicação do ato, como por sua simples comunicação a seus
destinatários.
Assim, são suficientes que os requisitos exigidos para a publicidade se tenham concretizado, nos
termos previstos na ordem jurídica, e para o universo jurídico não interessará se na realidade fática
o conhecimento da existência do ato e de seu conteúdo tenha ou não chegado aos destinatários dos
seus efeitos. Feita a publicação ou a comunicação dentro das formalidades legais, haverá sempre uma
86
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
A publicação feita em Diário Oficial, tendo sido lida ou não; se a comunicação protocolada na repartição
competente chegou ou não às mãos de quem de direito; se o telegrama regularmente recebido na
residência do destinatário chegou faticamente às suas mãos ou se eventualmente foi extraviado por algum
familiar; tudo isso pouco ou nada importa se as formalidades legais exigidas foram inteiramente
cumpridas no caso.
Cabe à lei indicar a forma adequada de se dar publicidade aos atos da Administração Pública.
Normalmente, esse dever é satisfeito por meio da publicação em órgão de imprensa oficial da
Administração, entendendo--se com isso não apenas os Diários ou Boletins Oficiais das entidades
públicas, mas também – para aquelas unidades da Federação que não possuírem tais periódicos
– os jornais particulares especificamente contratados para o desempenho dessa função, ou outras
excepcionais formas substitutivas, nos termos das normas legais e administrativas locais.
Logo, uma vez violados esses direitos pelo Poder Público, poderão os prejudicados, desde que
atendidos os pressupostos constitucionais e legais exigidos para cada caso, valerem-se do habeas
data (art. 5.o, LXXII, da CF), do mandado de segurança (art. 5.o, LXX, da CF), ou mesmo das vias
ordinárias.
87
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Chama-se a atenção para o fato de que o princípio da publicidade não se confunde com o problema
da divulgação ou propaganda dos atos e atividades do Poder Público pelos meios de comunicação
de massa. Assim, uma coisa é a publicidade jurídica necessária para o aperfeiçoamento dos atos, a
se dar nos termos definidos anteriormente. Outra é a propaganda dos atos de gestão administrativa
e governamental. A primeira é um dever constitucional sem o qual, em regra, os atos não serão
dotados de existência jurídica. A outra é mera faculdade da Administração Pública, como se vê no
§ 1o do art. 37 da Constituição: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não
podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades
ou servidores públicos”.
Adiante, verificam-se decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
RE 390939 / MA - MARANHÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 16/08/2005 Órgão Julgador: Segunda
Turma
Ementa
Decisão
88
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
Ementa
Decisão
89
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Princípio da Moralidade
A moralidade deve estar presente em todos os aspectos da vida. Estão contidos em sua esfera o
princípio da lealdade e da boa-fé.
Todavia, foi neste século, pelos escritos de Hariou (1926, p. 197), que o princípio da moralidade, de
forma pioneira, se fez formular no campo da ciência jurídica, capaz de fornecer, ao lado da noção de
legalidade, o fundamento para a invalidação de seus atos pelo vício denominado desvio de poder.
Essa moralidade jurídica, a seu ver, deveria ser entendida como um conjunto de regras de conduta
tiradas da disciplina interior da própria Administração, uma vez que ao agente público caberia
também distinguir o honesto do desonesto, a exemplo do que faz entre o legal e o ilegal, o justo e o
injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, como, afinal, já proclamavam
os romanos “nem tudo que é legal é honesto” (nort omne quod licet honestum est).
Isso posto, José Eduardo Martins Cardozo (1999, p. 158) fornece uma definição desse princípio, hoje
agasalhado na órbita jurídico-constitucional: “Entende-se por princípio da moralidade, a nosso ver,
aquele que determina que os atos da Administração Pública devam estar inteiramente conformados
aos padrões éticos dominantes na sociedade para a gestão dos bens e interesses públicos, sob pena
de invalidade jurídica”.
Admite o art. 5.o, LXXIII, da Constituição Federal, que qualquer cidadão possa ser considerado
parte legítima para a propositura de ação popular que tenha por objetivo anular atos entendidos
como lesivos, entre outros, à própria moralidade administrativa.
Por outra via, como forma de também fazer cumprir a moralidade, a Constituição Federal trata,
da improbidade administrativa. A moralidade e a probidade administrativa são tuteladas pelo
ordenamento jurídico pátrio de forma a validar os atos administrativos. A improbidade é rechaçada
pelo ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo (art.
15, V), conforme estatui o art. 37, § 4.o, CF, in verbis: “Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis, podendo vir a configurar a prática de crime de responsabilidade (art. 85, V).
Dessa forma, a falta de moralidade não se limita apenas a exigir a invalidação – por via administrativa
ou judicial – do ato administrativo violado, mas também a imposição de outras sanções ao agente
público responsável por sua prática.
90
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
Adiante se verifica decisão proferida pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com relação
à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
Ementa
91
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Decisão
O Tribunal, por maioria, concedeu a liminar, nos termos do voto do relator, para,
com efeito vinculante e erga omnes, suspender, até exame de mérito desta ação, o
julgamento dos processos que têm por objeto questionar a constitucionalidade
da Resolução no 7, de 18 de outubro de 2005, do Conselho Nacional de Justiça;
impedir que juízes e tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou
afastem a aplicabilidade da mesma resolução e suspender, com eficácia ex tunc,
ou seja, desde a sua prolação, os efeitos das decisões já proferidas, no sentido de
afastar ou impedir a sobredita aplicação. Esta decisão não se estende ao artigo
3o da Resolução no 7/2005, tendo em vista a alteração de redação introduzida
pela Resolução no 9, de 06.12.2005. Vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio,
que indeferia a liminar, nos termos de seu voto. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Falaram, pela requerente, o Dr. Luís Roberto Barroso; pelos
amici curiae, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Associação
92
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
Princípio da Eficiência
Na evolução tecnológica corrente, não há que se negar a exigência de um Estado democrático
eficiente, profissional e ágil. Vivemos o momento de transição de uma sucata administrativa para
uma administração profissional.
O processo administrativo haverá de ser, ainda, informal, (princípio da informalidade) para que
o Estado possa gerenciar ou administrar automaticamente as relações que envolvam a prática
administrativa, atingindo a todos, conforme determina da Constituição Federal, sem quaisquer
restrições ao seu alcance.
Ademais, apesar de não citado literalmente pela lei, é de salientar a necessidade de observância
do princípio da celeridade (ou princípio da economia processual), pois se verifica a preocupação
em dotar os procedimentos administrativos de simplicidade razoável, em benefício da presteza
em alcançar os resultados propostos, como quando são estabelecidos prazos, de modo a reduzir e
prever o tempo de tramitação.
As questões acima estão vinculadas ao princípio da eficiência com que deve agir a Administração
Pública.
O princípio da eficiência tornou-se expresso no caput do art. 37, em virtude de alteração introduzida
pela Emenda Constitucional no 19/1998.
Eficiência, além de ser um conceito gerencial e econômico, torna-se, por mandamento constitucional,
um preceito jurídico. Assim, não qualifica normas, mas, sim, atividades. Amplamente, eficiência
significa fazer acontecer ou executar com racionalidade, o que implica medir os custos da satisfação
das necessidades públicas, impondo, em relação ao grau de utilidade alcançado, a economicidade
93
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Assim, o sentido de eficiência administrativa deve abranger o razoável aproveitamento dos meios
e recursos colocados à disposição dos agentes públicos. Deve ser pautada pela adequação lógica
dos meios razoavelmente utilizados aos resultados efetivamente obtidos, considerando a finalidade
pública.
A Administração Pública deve agir de forma eficiente, exercendo as funções que lhe são próprias
e aproveitando da forma mais adequada o que se encontra disponível, visando a chegar ao melhor
resultado possível em relação aos fins que almeja alcançar. Nessa linha, Cardozo (1999, p. 166/167)
assevera:
Desse modo, pode-se definir esse princípio como sendo aquele que determina
aos órgãos e pessoas da Administração Direta e Indireta que, na busca das
finalidades estabelecidas pela ordem jurídica, tenham uma ação instrumental
adequada, constituída pelo aproveitamento maximizado e racional dos
recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros disponíveis, de modo que
possa alcançar o melhor resultado quantitativo e qualitativo possível, em face
das necessidades públicas existentes.
Princípio da Licitação
Licitação é um procedimento administrativo preparatório para escolher proponentes de contratos
de execução de obras, serviços, compras ou de alienações do Poder Público.
A Administração Pública deve sempre buscar, entre os interessados ou licitantes em com ela
contratar, a melhor forma disponível no mercado para satisfazer os interesses públicos, para que
94
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI
possa agir de forma honesta, ou adequada ao próprio dever de atuar de acordo com padrões exigidos
pela probidade administrativa, como contratado do Poder Público.
De outro lado, tem o dever de assegurar verdadeira igualdade de oportunidades, sem privilégios ou
favorecimentos injustificados, a todos os administrados que tencionem com ela celebrar negócios.
(...) De forma sintética, podemos defini-lo como sendo aquele que determina
como regra o dever jurídico da Administração de celebrar ajustes negociais
ou certos atos unilaterais mediante prévio procedimento administrativo que,
por meios de critérios preestabelecidos, públicos e isonômicos, possibilite a
escolha objetiva da melhor alternativa existente entre as propostas ofertadas
pelos interessados.
Assim, é dever constitucional licitar, o que é imposto a todos os entes da Administração Pública,
na conformidade do que a lei estabelecer. Contudo, a própria lei define hipóteses específicas de
inexigibilidade e de dispensa de licitação.
Cumpre ressaltar que a licitação é um procedimento vinculado, ou seja, formalmente regulado em lei,
cabendo à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades,
para a Administração Pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle (art. 22, XXVII, da CF).
Portanto, aos Estados, Distrito Federal e Municípios compete legislar suplementarmente sobre a
matéria, no que tange ao interesse peculiar de suas administrações.
95
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Se a Administração não toma providência para apurar e responsabilizar o agente público, a sua
inércia gera a perda da pretensão punitiva.
Dessa maneira, o art. 37, § 5o, CF, dispõe sobre esse princípio: “A lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao
erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
Afinado com esse mesmo entendimento, sumaria José Afonso da Silva (2001:657): “É uma ressalva
constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não
socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius)”.
96
Princípios
de Regência Unidade ViI
do Processo
Administrativo
Capítulo 1
Noções de Processo Administrativo
Di Pietro (2008, p. 588-9) entende que a expressão processo administrativo é utilizada em vários
sentidos, seja para designar o conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e referentes
a um dado assunto de interesse do servidor ou da Administração, seja como sinônimo de processo
disciplinar, pelo qual se apuram as infrações administrativas e se punem os infratores ou, em sentido
mais amplo, quando denota o conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no
âmbito administrativo. Mas como nem todo processo administrativo envolve controvérsia, pode-se
falar de modo a abranger a série de atos preparatórios de uma decisão final da Administração.
O processo administrativo é orientado por alguns princípios comuns ao processo judicial, como:
o da publicidade, da ampla defesa, do contraditório, do impulso oficial e da obediência à forma
e aos procedimentos estabelecidos em lei, bem como por princípios próprios e típicos do Direito
Administrativo.
97
Capítulo 2
Princípios Informadores da Lei no
9784/1999
Reale (1993, p. 359) ensina que os princípios para o direito são fórmulas nas quais está contido
o pensamento diretor de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico. Os princípios são
fundamentais para o Direito. Inexistindo princípios teremos um Estado sem valores e regimentos
morais que o dignifiquem. Independentemente de constar nas leis, os princípios, por si sós, denotam
o justo e o equilíbrio.
Adiante, veremos os princípios que devem ser observados pela Administração Pública e que estão
expressos no caput do artigo 2o da Lei no 9.784/99, com exceção daqueles que são previstos pela
Constituição Federal e que já foram comentados em capítulo anterior deste Caderno de Estudos a
saber: legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, publicidade.
Princípio da Finalidade
O princípio da legalidade a que se submete a Administração Pública afirma que esta só pode agir
de acordo e em consonância com aquilo que, expressa ou tacitamente, se encontra estabelecido em
lei. Logo, decorre dessa realidade jurídica o cumprimento das finalidades legalmente estabelecidas
para sua conduta.
Referido princípio foi adotado pela “Lei do Processo Administrativo”, por ser considerado, também,
princípio de regência do Direito Administrativo no seu todo.
Sobre o denominado princípio da finalidade observa Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p.
90): “Esse princípio impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo,
atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas à
finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica
obrigada na lei a que esteja dando execução”.
O princípio da finalidade é aquele que imprime à autoridade administrativa o dever de praticar o ato
administrativo com vistas à realização da finalidade perseguida pela lei.
Evidentemente que a prática de um ato administrativo concreto com finalidade desviada do interesse
público implica vício que enseja sua nulidade. A esse vício, como se sabe, denomina a doutrina
desvio de poder, ou desvio de finalidade.
Por esse princípio impõe-se à Administração Pública a prática, e tão somente esta, de atos voltados
para o interesse público. O afastamento da Administração Pública da finalidade de interesse público
denomina--se desvio de finalidade. O desvio de finalidade pode ser genérico ou específico. Diz-se
98
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII
genérico quando o ato simplesmente deixa de atender ao interesse público, como ocorre na edição
de atos preordenados a satisfazer interesses privados, a exemplo da desapropriação de bens para
doá-los a particular ou como medida de mera vingança. Diz-se específico quando o ato desatende
a finalidade indicada na lei, como se dá quando é usado um instrumental jurídico (Carteira de
Identidade), criado para um fim (segurança pública) para alcançar outro (aumento de arrecadação).
Concluindo, essas considerações querem apenas mostrar que o princípio da finalidade não
foi desconsiderado pelo legislador constituinte, que o teve como manifestação do princípio da
legalidade, sem que mereça censura por isso.
Adiante se verifica decisão proferida pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com relação
à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
Ementa
Decisão
99
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo
O princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública; o
administrador fica impedido de buscar outro objetivo, desviando-o ou praticando-o no interesse
próprio ou de terceiros. Esse princípio procura, na prática, a busca do fim público a que se destina
a lei, afastando o atendimento de interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes
governamentais. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui modalidade de abuso de
poder.
Princípio da Motivação
O processo administrativo deve ser regido neste princípio de forma a justificar seus atos, afirmando
e demonstrando os fundamentos legais e de fato, na prática de decisão e de atos administrativos.
Os atos e decisões administrativas praticados sem motivação são ilegítimos e invalidáveis pela
própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, determina que a lei não excluirá do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito.
Bandeira de Mello (2002, p. 94), quanto aos atos e decisões administrativas, afirma que a prática do
ato vinculado depende de apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, sendo imprescindível
a motivação detalhada fazendo referência específica ao processo administrativo, especialmente o
disciplinar, em que há uma situação contenciosa,
Nesse sentido, é evidente e clara a obrigatoriedade de fundamentação e justificação dos atos e das
decisões administrativas, no curso do processo administrativo.
Ementa
100
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII
Decisão
Princípios da Razoabilidade e da
Proporcionalidade.
Na medida em que o administrador público deve estrita obediência à lei (princípio da legalidade)
e tem como dever absoluto a busca da satisfação dos interesses públicos (princípio da finalidade),
há que se pressupor que a prática de atos administrativos se processe dentro de padrões estritos
de razoabilidade, ou seja, com base em parâmetros objetivamente racionais de atuação e sensatez.
A Administração Pública não pode supor que o desejo do legislador seria o de alcançar a satisfação
do interesse público pela imposição de condutas descabidas, desproporcionais ou incongruentes. Ao
contrário, é de se supor que a lei tenha a coerência e a racionalidade de condutas como instrumentos
próprios para a obtenção de seus objetivos maiores.
Segundo Raquel Denize Stumm (1995, p. 79), esse princípio reclama a certificação dos seguintes
pressupostos:
101
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo
Por conseguinte, o administrador público não pode utilizar instrumentos que fiquem aquém ou se
coloquem além do que seja estritamente necessário para o fiel cumprimento da lei.
Assim sendo, sempre que um agente público assumir conduta desproporcional ao que lhe é devido
para o exercício regular de sua competência, tendo em vista as finalidades legais que tem por
incumbência cumprir, poderá provocar situação ilícita passível de originar futura responsabilidade
administrativa, civil e, sendo o caso, até criminal .
Adiante, verificam-se decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
Ementa
Ementa
102
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII
103
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo
Ementa
Decisão
Ementa
104
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII
Decisão
Inúmeros outros princípios expressamente previstos no nosso sistema legal são, na verdade,
corolários desse princípio maior. É o caso do princípio da irretroatividade da lei, regra segundo a
qual a lei é feita para o futuro, e não para reger situações pretéritas.
A proteção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, prevista no art. 5o, inciso
XXXVI, da Constituição Federal é, também, manifestação do princípio da segurança jurídica. Podem
ser citados, ainda, os institutos da prescrição e da decadência.
Afinal, o cidadão não poderia ficar eternamente à mercê da vontade daquele que se julga possuidor
de algum direito. Há um momento em que as situações jurídicas precisam se estabilizar, daí a
necessidade de fixação de um prazo para o indivíduo exercitar o direito que julga possuir.
Assim, além de ter estabelecido no art. 2o dessa lei que a administração pública federal obedecerá,
entre outros, ao princípio da segurança jurídica, o legislador inseriu, de forma objetiva, regras que
são demonstrações claras da aplicabilidade desse princípio na relação administração e administrado.
105
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo
Uma delas é a constante do Parágrafo único, inciso XIII, do art. 2o da referida lei, nos seguintes
termos: ‘‘Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) XIII —
interpretação da norma administrativa que melhor garanta o atendimento do fim público a que se
dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.’’
A aplicação de interpretação com efeitos retroativos sempre foi motivo de controvérsia e celeumas
no seio da administração pública. Não era raro a administração, ao regulamentar uma lei, por meio
de resolução, de portaria ou de parecer normativo, fixar orientação sobre determinada matéria, e,
pouco tempo depois, mudar essa interpretação por ter-se convencido de que não tratara a matéria da
maneira mais consentânea com a lei. A orientação era então modificada. E os atos administrativos
praticados com base no entendimento anterior eram anulados ou retificados para adequar-se à nova
orientação.
Mas isso gerava inúmeros questionamentos porque, normalmente, implicava supressão de vantagens
financeiras e devolução de valores que foram considerados indevidos com a nova interpretação. Tal
procedimento ocasionava, por outro lado, muita insegurança, porque o servidor, de uma hora para
outra, apesar de ter programado a sua vida de acordo com o status financeiro que pressupunha fosse
o real, via-se obrigado a desfazer parte de seus projetos pessoais por conta da redução salarial que a
nova interpretação dada pela administração ocasionava à sua remuneração.
Como fiz parte do grupo, sei, por conhecimento próprio, que o principal objetivo
da inclusão do princípio da segurança jurídica foi vedar a aplicação retroativa
de nova interpretação, interpretação da esfera administrativa; (...) porque é
muito comum, no âmbito da administração pública, o órgão jurídico dar um
parecer, aquele parecer é aprovado em caráter normativo e passa a valer como
interpretação uniforme em toda a administração pública; com base naquela
interpretação asseguram-se os direitos dos administrados; de repente, muda-
se a interpretação, adota-se uma outra interpretação em caráter normativo e
começa-se a querer tirar aquilo que tinha sido dado às pessoas. Isso cria uma
insegurança muito grande. Então o que se quis é vedar a aplicação retroativa
de nova interpretação. E eu mencionaria um caso concreto que se viveu
recentemente, em que a administração pública tinha adotado na esfera federal
a interpretação de que a pessoa já aposentada poderia prestar concurso público
para exercer outro cargo; houve parecer da Consultoria Geral da República,
do Tribunal de Contas, foi uma coisa adotada pacificamente, e as pessoas, às
vezes até antes de completar o tempo, se aposentaram proporcionalmente,
prestaram concurso e foram exercer outro cargo. De repente, sai uma decisão,
num caso concreto, do Supremo Tribunal Federal, e a administração pública
resolve dizer ‘olha, não pode mais acumular, quem está acumulando tem de
fazer uma opção’. Acho que isso é lesar a boa-fé do administrado; quando ele
assumiu uma posição, assumiu acreditando que a administração iria manter-se
106
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII
As situações constituídas em decorrência de erro de direito, portanto, estão amparadas pela Lei no
9.784/99, a qual veda a aplicação de interpretação nova para situações constituídas sob o abrigo de
critério interpretativo anterior. Esse dispositivo legal, porém — é bom frisar — não ampara os atos
administrativos viciados com erro de fato ou erro material. Nessas hipóteses, ausente um dos seus
elementos fáticos fundamentais, não há a possibilidade de o ato ser mantido. O ato administrativo,
nesse caso, deve sim, ser anulado, salvo se já atingido o prazo-limite para o exercício desse dever,
que é de cinco anos, o qual foi fixado pelo art. 54 da Lei retrocitada, em homenagem, também, à
segurança jurídica, mas essa é uma questão que poderá ser abordada em outra oportunidade.
Adiante, verificam-se decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:
Ementa
Decisão
Ementa
107
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo
Decisão
Após o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator), que conhecia e recebia os
embargos, e do voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, que também conhecia,
mas os desprovia, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski.
Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente),
o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar
Mendes. Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I do
RISTF). Plenário, 26.04.2006.
Ementa
108
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII
Decisão
Ementa
Decisão
Princípio da atipicidade
Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do
postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja, no direito administrativo prevalece
a atipicidade. São muito poucas as infrações descritas na lei. A maior parte delas fica sujeita à
discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto. Na punição administrativa, a
motivação do ato pela autoridade julgadora assume fundamental relevância, pois é por essa forma
que ficará demonstrado o correto enquadramento da falta e a dosagem adequada da pena.
109
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo
A autoridade administrativa competente não fica obrigada a restringir seu exame ao que foi alegado,
trazido ou provado pelas partes, podendo e devendo buscar todos os elementos que possam influir
no seu convencimento e na busca da verdade.
A possibilidade de reexame da decisão retira o arbítrio de quem decide e obriga a que a decisão
proferida seja devidamente fundamentada e motivada, dando ensejo à possibilidade de controle,
inclusive judicial, sem o qual não existe o chamado Estado de Direito.
110
PARA FINALIZAR
Embora o tempo de estudos deste Caderno tenha sido concluído, a busca por um maior
aprofundamento das questões tanto do Direito Administrativo como das garantias constitucionais
trata-se de condição indispensável ao aperfeiçoamento do operador do Direito.
Por esse motivo, a consulta mais detalhada de algumas das obras referenciais indicadas e a
permanente atualização jurisprudencial, mais do que pertinentes, constituem uma necessidade e
visam ao aprimoramento constante e à construção e lapidação de um pensamento jurídico próprio.
111
referências
ALBUQUERQUE, Mário Pimentel. Órgão jurisdicional e sua função: estudos sobre a ideologia,
aspectos críticos e o controle do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
ANDRÉS IBAÑEZ, Perfecto. Democracia com juízes. Revista do Ministério Público, Lisboa, a.
24, n. 94, p. 31-47, abr./jun. 2003.
APPIO, Eduardo. Controle Judicial das Políticas Públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2005.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Código Civil comentado: negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos
ilícitos: artigos 104 a 188. São Paulo: atlas, 2003. 2 v.
BAUM, Lawrence. A Suprema Corte americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985.
______. The puzzle of judicial behavior. Ann Arbor: University of Michigan, 1997.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 4. ed.,
2006.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 19.
ed., 2008.
112
Referências
______. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem.
Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 23, p. 115-126, nov. 2004.
CASTRO, Marcus Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 12, n. 34, p. 147-156, 1997.
CONSULTOR JURIDICO. STJ pode rever valor da indenização no caso da escola base. Consultor
Jurídico, São Paulo, 3 set. 2002. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_
rever_indenização _escola_base>. Acesso em: 8 fev. 2011.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2005.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 21. ed., 2008.
EISENBERG, José. Pragmatismo, direito reflexivo e judicialização da política. In: VIANNA, Luiz
Werneck (Org.) A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG; Rio de
Janeiro: IUPERJ, FAPERJ, 2002.
EPSTEIN, Lee; KNIGHT, Jack. The choices Justices make. Washington, DC: Congressional
Quarterly, 1998.
FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática,
1989.
FAVETTI, Rafael Thomaz. Judiciário: novo objeto de análise em ciência política. Vitrais: Revista
do Mestrado em Ciência Política Universidade de Brasília, Brasília, n. 2, 2002.
FRIED, Charles. Saying what the law is: the Constitution in the Supreme Court. Cambridge:
Harvard University Press, 2004.
FRIEDMAN, Barry. The politics of judicial review. Texas Law Review, v. 84, n. 2, Dez. 2005.
113
Referências
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 14. Ed., 2009.
GUERRA, Gustavo Rabay. A concretização judicial dos direitos sociais, seus abismos gnoseológicos
e a reserva do possível: por uma dinâmica teórico-dogmática do constitucionalismo social.
Consilium, Brasília, a. 1, n. 1, 2006.
HARIOU, Maurice. Précis de droit administratif. 11, ed. Paris: Recueil Sirey, 1926.
HART ELY, John. Democracy and distrust – a theory of judicial review. Cambridge: Harvard
University Press, 1995.
HORA NETO, João. Os princípais do novo Código Civil e o direito das obrigações. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10. n. 681, de 17 maio 2005. Disponível em: <http://juez. vol.com.br/doutrina/texto.
asp? id= 6737>. Acesso em: 8 fev. 2011.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. (Tradução João Batista Machado). São Paulo: Martins
Fontes Editora, 1991.
_____. Qual Judiciário para a democracia brasileira? Direito federal. Revista da Associação
dos Juízes Federais do Brasil, Brasília, v. 21, n. 75-76, p. 65-84, jan./jun. 2004.
LOPES, José Reinaldo de Lima. A função política do Poder Judiciário. In: FARIA, José Eduardo
(Org.). Direito e justiça: a função social do Judiciário. 3. ed. São Paulo: Ática, 1997.
LOPES, Júlio Aurélio Vianna. A invasão do Direito: a expansão jurídica sobre o Estado, o mercado
e a moral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005.
114
Referências
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Ed. RT, 2. Ed., 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 34. ed.,
2008.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,
14. ed., 2002.
MELO, Manuel Palácios Cunha. A Suprema Corte dos EUA e a judicialização da política: notas sobre
um itinerário difícil. In: VIANNA, Luiz Werneck (Org.). A democracia e os três poderes no
Brasil. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, FAPERJ, 2002.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva-IDP, 2008.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro: RT, 26. ed., 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 19. ed., 2006
MORO, Sérgio Fernando. Jurisdição constitucional como democracia. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.
NINO, Carlos Santiago. The constitution of deliberative democracy. New Haven: Yale
University, 1996.
OLIVEIRA, Marcelo A. Cattoni de. Direito Processual Constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos,
2000.
RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. Discurso jurídico e prática política: contribuição à análise
do direito a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Florianópolis: Obra Jurídica, 1997.
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 27. ed., 2003.
RECK, Janriê Rodrigues. Espaços públicos de comunicação e controle judicial: uma discussão
necessária. Revista do Direito, Universidade de Santa Cruz do Sul, n. 17, p. 95-128, jan./jun.
2002.
115
Referências
REALE, Miguel. Função social do contato. Reale Advofados Associados, 20 nov. 2003.
Disponivél em <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm> Acesso em: 8 fev. 2011.
SCHMITT apud BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros.
SCHUBERT, Glendon A. Constitutional politics: the political behavior of Supreme Court Justices
and the constitutional policies that they make. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1960.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 19.
ed., 2001.
TRIBE, Lawrence; WALDRON, Jeremy; TUSHNET, Mark. On judicial review. Dissent, New Yourk
v. 51, n. 3, Summer 2005.
116
Referências
TUSHNET, Mark. Democracy versus judicial review: is it time to amend the constitution? Dissent,
New York, v. 2, n. 52, p. 59-63, Spring 2005.
UNGER, Roberto Mangabeira. Libertar os juízes. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6 abr. 2004.
VIANNA, Luiz Werneck et al. Corpo e alma da magistratura brasileira. Rio de Janeiro:
Revan,1997.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder Judiciário: crise, acertos e desacertos. Tradução de Juarez
Tavares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
SILVA, Christine Oliveira Peter da. Hermenêutica de direitos fundamentais. Brasília: Brasília
Jurídica, 2005.
SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007.
117