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Direito Administrativo e

Garantias Constitucionais

Brasília-DF.
Elaboração

Humberto Barbosa de Castro


Gustavo Rabay
Georges Carlos F. M. Seigner

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


Sumário

Apresentação................................................................................................................................... 5

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa...................................................................... 6

Introdução...................................................................................................................................... 8

Unidade i
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais....................... 13

Capítulo 1
Garantias Sociais, Jurisdicionais, Materiais e Processuais............................................. 13

CAPÍTULO 2
A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS....................................... 22

Unidade iI
Refletindo para Começar............................................................................................................. 35

capítulo 1
Vislumbrando o Estado nas Nossas Vidas....................................................................... 35

Unidade iII
O Estado.......................................................................................................................................... 37

Capítulo 1
Aspectos Gerais da Origem e Formação do Estado..................................................... 37

Capítulo 2
Elementos do Estado: Soberania. Território. Povo........................................................ 41

Capítulo 3
Finalidade e Funções do Estado...................................................................................... 44

Capítulo 4
Conceito de Estado.......................................................................................................... 53

Capítulo 5
Diferenças Entre Estado, Governo e Administração Pública....................................... 56

Capítulo 6
Noções Gerais da História da Evolução do Estado..................................................... 58

Capítulo 7
Estado Democrático de Direito....................................................................................... 61
Unidade iV
Introdução ao estudo do direito administrativo....................................................................... 64

Capítulo 1
O Surgimento do Direito Administrativo......................................................................... 64

Capítulo 2
O objeto do Direito Administrativo................................................................................. 69

Capítulo 3
Conceito de Direito Administrativo................................................................................. 71

Capítulo 4
Fontes do Direito Administrativo...................................................................................... 72

Unidade V
Princípios......................................................................................................................................... 74

Capítulo 1
Direito................................................................................................................................. 75

Capítulo 2
Princípios de Direito.......................................................................................................... 77

Unidade Vi
Princípios Basilares do Direito Administrativo............................................................................. 79

Capítulo 1
Princípios da Supremacia do Interesse Público sobre o Interesse privado, da
Indisponibilidade do Interesse Público pela Administração e da Autotulela da
Administração Pública...................................................................................................... 80

Capítulo 2
Princípios Constitucionais que Informam a Administração Pública........................... 83

Unidade ViI
Princípios de Regência do Processo Administrativo.................................................................. 97

Capítulo 1
Noções de Processo Administrativo............................................................................... 97

Capítulo 2
Princípios Informadores da Lei no 9784/1999................................................................. 98

PARA FINALIZAR................................................................................................................................ 111

referências................................................................................................................................... 112
Apresentação
Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem
necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela
atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade
de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos
a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma
competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para
vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar
sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a
como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

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Organização do Caderno
de Estudos e Pesquisa
Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de
forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões
para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao
final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e
pesquisas complementares.

A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos
e Pesquisa.

Provocação

Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes
mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor
conteudista.

Para refletir

Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita
sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante
que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As
reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar

Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo,


discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Praticando

Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer


o processo de aprendizagem do aluno.

Atenção

Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a


síntese/conclusão do assunto abordado.

6
Saiba mais

Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões


sobre o assunto abordado.

Sintetizando

Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o


entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Exercício de fixação

Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/
conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não
há registro de menção).

Avaliação Final

Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso,


que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única
atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber
se pode ou não receber a certificação.

Para (não) finalizar

Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem


ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado.

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Introdução
A presente Apostila de Direito Administrativo e Garantias Constitucionais fará um estudo inicial do
Direito Administrativo, bem como sobre a Teoria Geral das Garantias Constitucionais.

Iniciamos nossos estudos procurando resgatar os conhecimentos do Direito Administrativo para


podermos nos aprofundar nas razões da existência e operacionalização, desse campo jurídico, bem
como para compreendermos sua formação.

Para tanto, este Caderno de Estudos tem vital importância para o entendimento do Direito
Administrativo como ramo do Direito Público, com atuação nas formas de manifestação do Estado
– ente ordenador das relações jurídicas, sociais, políticas, que se organiza para fazer funcionar a sua
máquina administrativa pública.

Assim, buscaremos entender a origem do Estado, seu objeto e seu conceito, a sua formação, seus
poderes e funções, e o surgimento do Direito Administrativo, como instrumento de funcionamento
e manifestação das coisas administrativas do Estado. Veremos, ainda, os Princípios que regem a
Administração Pública.

Os conteúdos serão organizados em unidades de estudo e serão abordados por meio de textos
básicos, leituras complementares e fontes de consultas, em que sempre buscaremos a reflexão e a
construção de um pensamento jurídico, o que nos levará à compreensão do Direito Administrativo.

Para tanto, vamos conhecer os pensamentos de grandes doutrinadores do Direito Administrativo,


refletindo com eles sobre esses conhecimentos que formam nossa disciplina de estudo, conhecendo
o que a lei dispõe sobre os temas estudados e entendendo a jurisprudência construída a partir desses
ensinamentos.

Ademais, para uma melhor aprendizagem do Direito Administrativo, faz-se extremamente


necessário que o aluno tenha o domínio sobre a Teoria Geral das Garantias Constitucionais, visto que
tal ramo incide tanto sobre a Administração como também sobre o jurisdicionado, principalmente
por abordar: i) as Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais; ii)
Garantias Sociais, Jurisdicionais, Materiais e Processuais; e iii) a questão dos direitos fundamentais
nas relações privadas.

Muito embora exista um certo desconforto em se definir direitos fundamentais, pois, assim como
ocorre com a expressão “direitos do homem”, a maior parte das tentativas resulta em definições
tautológicas.

Costuma-se referir, dogmaticamente, aos direitos fundamentais como questão essencial que
se confunde com a própria noção de Estado Constitucional, na medida em que assim assinala a
disposição da Declaração Francesa de 1789: “toda sociedade na qual a garantia dos direitos não é
assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não possui Constituição”.

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Nessa dimensão, tais direitos cumprem o papel de legitimação do poder estatal, e se traduzem em
“funções estruturais de suma importância para os princípios conformadores da Constituição”, como
salienta Segado, após se remeter à opinião de Hans-Peter Schneider, para quem constituem conditio
sine qua non do Estado Constitucional Democrático. Gilmar Mendes, referindo-se ao pensamento
de Konrad Hesse, afirma que pelos direitos fundamentais não são apenas assegurados direitos
subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.

Esse pensamento se coaduna com a observação de que, no caso do nosso Direito (Constitucional)
Positivo, os princípios e as normas constantes do Título II da Constituição Federal de 1988 (Dos
Direitos e Garantias Fundamentais) apresentam uma interdependência para com aqueles princípios
estruturantes do Título I do texto constitucional (Dos Princípios Fundamentais).

Como conteúdo, os direitos fundamentais expressam os valores considerados principais da nossa


cultura, significando a própria dignidade humana. Assim correspondem ao continuum de direitos
às condições mínimas de existência humana digna, que não podem ser objeto de intervenção do
Estado, mas que, simultaneamente, demandam prestações estatais positivas. Nessa perspectiva,
os direitos fundamentais possuem a característica de direitos públicos subjetivos, ou seja, posições
jurídicas ocupadas por seu titular perante o Estado.

A concepção de uma área intangível de direitos, que caracteriza as liberdades públicas negativas de
limitação da atuação do Estado, provém, solenemente (e, de maneira prospectiva, constitucionalizada)
da citada declaração de direitos e corresponde a uma primeira vertente de direitos fundamentais.
São os chamados direitos de defesa.

Por seu turno, a segunda concepção diz respeito ao clamor da intervenção estatal, por meio de
prestações assistenciais fulcradas nas necessidades da coletividade, com apoio nos ventos socialistas
do século XIX.

São, por assim dizer, mecanismos de imposição de prestação, por parte do Poder Público, de
providências de índole social.

Na segunda metade do século XX, cunhou-se uma terceira etapa de desenvolvimento na concepção
dos direitos fundamentais, associando-os aos direitos humanos, como atributos inerentes a toda
humanidade.

Dessa maneira, são identificadas três dimensões de direitos fundamentais, confiadas de acordo com
a etapa de positivação nas esferas constitucional e internacional:

a. direitos de primeira dimensão, correspondentes aos direitos de defesa do indivíduo


perante o Estado, de cunho negativo, pois demarcam uma zona de não intervenção
estatal;

b. direitos de segunda dimensão, atinentes aos direitos econômicos, sociais e culturais,


vertidos a prestações assistenciais positivas outorgadas ao indivíduo, por parte do
Estado, caracterizando liberdades positivas e, também, “liberdades sociais”, como,
por exemplo, a liberdade de sindicalização e o direito de greve, entre outros;

c. direitos de terceira dimensão, formulados como direitos de solidariedade e


fraternidade, que se depreendem da figura do homem-indivíduo como seu titular.

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Transferindo essa titularidade à proteção de grupos humanos, enquadram-se como direitos coletivos
e difusos (meio ambiente, relações de consumo etc.) e vinculam-se à proteção da dignidade humana.

Pode ser referida, ainda, uma quarta dimensão de direitos fundamentais, ainda não consagrada
definitivamente, que, no dizer de Ingo Sarlet, corresponde à ideia de direitos fundamentais globalizados,
tendenciais à democracia direta, à informação e ao pluralismo, defendida por Paulo Bonavides. Inclui-
se na pauta de discussão dessa nova visão o chamado biodireito, em que se destacam as posições de
direitos relacionados à manipulação genética, à mudança de sexo, entre outros.

Em um só esforço, os direitos fundamentais podem ser conceituados como normas jurídicas


legitimadoras da ordem constitucional e como sublevação de direitos subjetivos, cujo escopo maior
é a preservação da dignidade humana.

Esse é, no entanto, o paradigma básico de uma abordagem teorética dos direitos fundamentais. Um
approach mais amplo e qualificado demanda a adoção de certos modelos referenciais formulados pela
doutrina, em que várias perspectivas de focalização tem espaço, entre elas a filosófica, a histórica, a
ética, a jurídica e a política, como aponta Bobbio. Apesar de a opção pela visão da dogmática jurídica
ser a solução mais funcional para a abordagem do assunto, decerto, outros pormenores, oriundos
de campos de formulação diversos, serão empregados na busca de uma contextualização que torne
aptos os resultados, ao final, pretendidos.

Com efeito, alerta-se, ainda, para o fato de que os limites objetivos do estudo não comportam
um cabedal de informações suficientemente profundo para esgotar os pontos e contrapontos
aqui centrados, não raras vezes, afeiçoados de imensa complexidade, que inviabilizaria, inclusive
fisicamente, o seu exaurimento temático, até mesmo em obras que cuidam, exclusivamente, do
assunto, como é o caso confessional do magistral e multicitado trabalho de Ingo Wolfgang Sarlet.

Como sabemos, os direitos e garantias funcionam como freios e limitadores ao poder do Estado ante
as pessoas e entre elas, umas com as outras.

Se dividem em “direitos” propriamente ditos e garantias:

»» direitos: são prerrogativas legais que visam concretizar a convivência digna,


livre e igual de todas as pessoas. Representam, por si só, certos bens e vantagens
prescritos na norma constitucional. Ex.: art 5º, III e IV. São também conhecidas
como disposições meramente declaratórias, pois apenas imprimem existência legal
aos direitos reconhecidos;

»» garantias: destinam-se a assegurar a fruição desses bens. Os direitos são principais,


as garantias são acessórias. Ex.: art. 5º, VI e XXXVII (direito: juízo natural; garantia:
veda a instituição de juízo ou tribunal de exceção). São disposições assecuratórias,
pois se colocam em defesa dos direitos, limitando o poder do Estado ou de outra
pessoa. Em síntese, os direitos identificam-se pelo caráter declaratório e enunciativo,
ao passo que as garantias caracterizam-se pelo seu caráter instrumental.

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O rol de direitos e garantias inserido nesse tópico baliza e estrutura o convívio social, além de,
ao mesmo tempo, por ser consagrado constitucionalmente, apresentar-se como marco perene a
obstacular injusta investida do Estado ou de outro particular contra a liberdade, a segurança
ou o patrimônio de outrem. O rol é constituído de direitos explícitos e implícitos. Estes últimos
são “decorrentes do regime e dos princípios por ela [a constituição] adotados ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Os explícitos, por sua vez, são
de cinco categorias, cujos objetivos imediatos são a vida, a igualdade, a liberdade, a segurança e a
propriedade, já que o objeto mediato de todas é sempre a liberdade.

Assim dispostos, temos a proibição da pena de morte (inciso XLVII); a proteção à dignidade
humana (inciso III), direitos que se referem à proteção do direito à vida. Por seu turno, o princípio
da isonomia (art. 5o, caput e inciso I) constitui proteção ao direito à igualdade.

Há que se destacar, também, os direitos que visam assegurar a liberdade, tais como a liberdade de
locomoção (incisos XV e LXVIII); de pensamento (incisos IV, VI, VII, VIII e IX); de reunião (inciso
XVI); de associação (incisos XVII a XXI); de profissão (inciso XIII) e de ação (inciso II).

Além desses, entre diversos outros, há os direitos à segurança e à propriedade.

Não obstante tais considerações, por uma questão de didática, sistematizaremos o nosso estudo
na sequência apresentada, a fim de permitir que o aluno tenha um melhor entendimento sobre o
estudo do Direito Administrativo e da Teoria Geral das Garantias Constitucionais.

Bons estudos!

Objetivos
»» Resgatar os conhecimentos do Direito Administrativo para aprofundar nas razões da
existência e operacionalização desse campo jurídico, bem como para compreender
sua formação.

»» Entender a origem do Estado, seu objeto e seu conceito, a sua formação, seus
poderes e funções, e o surgimento do Direito Administrativo, como instrumento de
funcionamento e manifestação das coisas administrativas do Estado.

»» Examinar os Princípios que regem a Administração Pública.

»» Compreender o estudo das Garantias Constitucionais materiais, institucionais e


processuais, bem como a aplicação dos Princípios constitucionais processuais.

»» Conhecer as garantias jurisdicionais, sociais, criminais e tributárias.

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Garantias e
Princípios
Constitucionais, Unidade i
Materiais,
Institucionais e
Processuais

Capítulo 1
Garantias Sociais, Jurisdicionais,
Materiais e Processuais

Direito à vida (caput)


O caráter jusfundamental da menção à vida resta intuitivo. Não bastasse a consagração de tal
norma-princípio insculpida no caput do art. 5o da CF, o inciso XLVII do mesmo artigo ainda reafirma
que “não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

À luz da interpretação sistêmica que se confere ao art. 5o e ao próprio princípio da dignidade humana,
seria inconcebível que uma lei viesse admitir a prática de eutanásia ou a instituição de pena de morte
no Brasil.

“O aborto também é vedado pelo ordenamento jurídico, salvo nos casos escetuados pela legislação penal
– abortos terapêuticos (quando a gravidez gera risco à saúde da gestante) e humanitário ou sentimental
(quando a gestação é decorrente de violência sexual), e no caso de fetos anencefálicos, conforme recente
decisão do STF, na ADPF 54.”

Princípio da igualdade (caput e inciso I)


Preconiza o art. 5o que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] e que
“homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. É certo que
a igualdade pretendida não é sob o aspecto físico, econômico, social ou ideológico, pois assim somos
todos diferentes. A igualdade pretendida pela Constituição visa assegurar a todos iguais possibilidades
de manifestação de seus interesses. Nesse sentido, podemos diferençar a igualdade em:

»» formal: na aplicação da lei, deve o magistrado ou intérprete esforçar-se em dar


tratamento igualitário a todos de forma indistinta;

13
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

»» material: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de


suas desigualdades, com o objetivo de atingir a igualdade formal. Ex.: a diferença no
tratamento dos incisos XVIII e XIX do art. 7o da CF ou o estabelecimento de cotas
nas faculdades para negros.

Princípio da legalidade (inciso II)


Surge como princípio basilar do Estado de Direito para opor-se a toda e qualquer forma de poder
arbitrário do Estado, sujeitando todos ao “império da lei”. Mais se aproxima de uma garantia
constitucional do que propriamente de um direito individual.

Proibição de tortura, tratamento desumano ou


degradante (inciso III)
Visa assegurar a incolumidade física e mental das pessoas, proibindo, sob qualquer pretexto, a
prática de tortura, seja pelo Estado ou por particular. Essa disposição é considerada pelo inciso
LXIII desse mesmo artigo, crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.

Tortura é o sofrimento ou a dor provocada por maus-tratos físicos ou morais, já tratamento


desumano ou degradante é o rebaixamento de alguém, em geral o preso, a uma condição aviltante,
desprezível, infame, sem, contudo, causar diretamente a dor insustentável. Nesse sentido, o inciso
XLIX garante ao preso o direito à integridade física e moral.

Princípio da liberdade de expressão (inciso IX)


A liberdade de expressão não pode sofrer tipo algum de limitação prévia, no tocante à censura de
natureza política, ideológica ou artística. Em verdade, trata-se de mero desdobramento do direito à
livre liberdade de pensamento, só que agora voltado para a atividade intelectual, artística, científica
e de comunicação.

Da mesma forma que aquela, não está sujeita à censura prévia, porém se sujeitam algumas delas
à regulamentação por lei específica, nos termos do art. 220, § 3o, que prevê o estabelecimento de
critérios para espetáculos e diversões públicas, bem como para programação de rádio e televisão.

Liberdade profissional (inciso XIII)


Apesar da aparente liberalidade da norma, uma lei poderá restringir a sua aplicabilidade. Este
dispositivo é exemplo clássico de norma de eficácia contida (ou redutível ou restringível).

Significa que a CF autoriza (ou determina) o legislador infraconstitucional a regulamentar as


atividades profissionais, estabelecendo exigências convenientes ao exercício de cada uma. Com isso,
apenas as pessoas que preencherem os requisitos instituídos para dada profissão estarão aptas a
exercê-la.

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Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

A título de exemplo, para se exercer a profissão de advogado, exige a lei que o candidato possua
graduação no curso de Direito, aprovação no Exame de Ordem da OAB, inscrição naquela instituição
como advogado, tenha efetuado o pagamento de taxas à instituição etc. Já para a profissão de
engraxate, como não há lei a instituir regras para o exercício da atividade, nenhuma qualificação
se exige de alguém que queira praticar tal ofício. Com isso, é possível exercê-la de forma irrestrita,
pautando-se, basicamente, na liberalidade da Norma Ápice.

Liberdade de informação (incisos XIV e XXXIII)


Visa o primeiro dispositivo assegurar a todos o acesso à informação e o direito a se informar, além
de dar proteção ao profissional que tem por ofício o trato com a comunicação. Destarte, o jornalista
fica desobrigado de declarar a origem da informação prestada em dada matéria jornalística.
Também pelo mesmo dispositivo encontram-se resguardados outros profissionais que tratam com
informações, a exemplo do advogado, que tem o direito-dever de manter sigilo sobre o conteúdo dos
documentos e da conversa com seus clientes.

Já o segundo assegura o direito à informação constante em órgãos públicos. Salientamos que a CF


instituiu tal obrigação apenas aos órgãos públicos, excluindo, por consequência, os organismos
privados. Portanto, o Poder Público tem a obrigação de manter o cidadão constante e integralmente
informado, municiando-o com todas as informações acerca das atividades públicas, bastando, para
tanto, apenas a solicitação.

Liberdade de locomoção (incisos XV e LXI)


Num primeiro plano, o direito de locomoção dentro do território nacional, que se insere no direito à
liberdade, é a prerrogativa que qualquer pessoa tem de não ser presa ou detida arbitrariamente. As
hipóteses que a própria Constituição estabelece para o cerceio da liberdade, em tempos de paz, são:
flagrante delito ou decisão judicial. Nesse rumo, medidas como a chamada “detenção para averiguação”
são claramente inconstitucionais.

Noutro plano, há que se considerar o direito de entrar ou sair do território nacional com os seus
bens. Nessa hipótese há a possibilidade de outras restrições de natureza infraconstitucional, como a
concessão ou não de visto de entrada e permanência, além da tributação desses bens.

Conveniente ressalvar, no entanto, que a Administração Pública pode limitar temporariamente ou


restringir o direito de locomoção: impedindo temporariamente, com barreiras policiais, a passagem
de veículos numa rodovia ou proibindo o trânsito para caminhões em outras.

Direito de propriedade (incisos XXII a XXVI)


David Araújo e Nunes Júnior definem o direito de propriedade como “o direito subjetivo que
assegura ao indivíduo o monopólio da exploração de um bem e de fazer valer esta faculdade contra
todos que eventualmente queiram a ela se opor”.

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UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Já mencionamos que os princípios constitucionais se articulam num sistema que se limita


reciprocamente. O direito de propriedade, por excelência, sofre, além dessas, outras limitações
estabelecidas pela própria Constituição, na medida em que esta encara a propriedade como utensílio
alavancador de bem-estar social.

Por isso, se observa que, enquanto o inciso XXII dispõe que “é garantido o direito de propriedade”, o
inciso imediatamente seguinte o restringe, estabelecendo que “a propriedade atenderá a sua função
social”. O conceito de função social está insculpido nos art. 182, § 2o e 186 da Norma Maior.

Outra limitação a tal direito é a possibilidade de desapropriação por interesse público. Nesse
caso, a propriedade particular é transferida, por ato de exclusiva vontade do Estado, ou para ele
próprio, ou para entidade de caráter público, sempre que haja necessidade ou interesse público ou
social. Essa transferência, porém, há de ser indenizada pelo justo valor, caso contrário configura
confisco. Apresenta natureza mais identificada com os princípios da ordem econômica do que de
direito individual.

No inciso XXV, prevê-se a possibilidade de requisição pelo Estado de propriedade imobiliária


particular, alheia à concordância do proprietário, em caso de iminente perigo público (enchentes,
desastres etc.), assegurada ulterior indenização, caso ocorra dano ao imóvel. Nesse caso não
há desapropriação, logo não há que se pagar pelo imóvel. A requisição tem caráter temporário,
retornando o bem às mãos do proprietário logo que cessar a necessidade.

Direito de petição e certidão (inciso XXXIV)

A Constituição isenta do pagamento de taxas o direito de petição e certidão. Trata-se de direito


líquido e certo de se obter certidões expedidas pelas repartições públicas, seja para a defesa de
direitos, seja para esclarecimentos de situações de interesse próprio ou de terceiros. Como exemplo
tem-se o direito de o servidor público obter certidão perante a autoridade administrativa com fins
de requerer a sua aposentadoria.

O direito de petição, mais específico, pode ser utilizado tanto para reclamar providências da
Administração quanto para denunciar ilegalidade ou abuso de poder. Assim, por exemplo, pode
prestar-se para denunciar uma atividade poluente praticada por dada indústria ou para cobrar o
conserto de uma rede de esgoto que transborda.

Princípio da inafastabilidade da jurisdição (inciso


XXXV)

É o “direito a ter direitos”. Coroamento do Estado Democrático de Direito, a possibilidade de exercer


amplamente o chamado direito de ação é assegurada pela prévia existência da jurisdição estatal.

Liebman define jurisdição como “a atividade dos órgãos do Estado destinada a formular e atuar
praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada

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Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

situação jurídica”. Significa isso que o Estado chamou para si, como atividade privativa do Poder
Judiciário, a atribuição de dizer o direito, com vistas à solução dos conflitos. Por esse motivo, não
poderá lei restringir ou dificultar o acesso ao Poder Judiciário porque assim agindo estaria o Estado
furtando-se ao cumprimento de um dever que é manifestação da sua própria soberania.

Exceção parcial a essa regra é a hipótese contida no art. 217, que prevê que as matérias de natureza
desportiva, antes de chegarem ao Judiciário, deverão ser apreciadas pela Justiça Desportiva.

Não se confunde com o direito de petição, pois enquanto este está voltado para o exercício da
cidadania, em que não é necessário demonstrar lesão ou ameaça a direito, o direito de ação antevê,
de pronto, a lesão ou ameaça ao direito praticada por pessoa certa e determinada.

Segurança jurídica e proteção da confiança dos


cidadãos (inciso XXXVI)
Inscrevendo limitações à retroatividade da lei, reza a Constituição que “a lei não prejudicará o
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Tanto as relações jurídicas quanto as decisões judiciais necessitam da garantia de que não serão
modificadas no futuro, a despeito de uma das partes, para prejudicá-la, afinal, o que foi acertado
ou decidido deve ter caráter definitivo. Balizada nesse ideal, estabeleceu a Constituição o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Quanto à coisa julgada, não há necessidade de maiores questionamentos, pois seu conceito é
simples: trata-se de decisão judicial da qual não caiba mais recurso. As dúvidas permeiam o campo
conceitual do que seria direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Assim, direito adquirido é o direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua


propriedade, já constitui um bem que deve ser judicialmente protegido contra qualquer ataque
exterior que ouse ofendê-lo ou turbá-lo. Esse conceito decorre da Teoria de Gabba.

Há ainda outro conceito que advém da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro trazido
pelo art. 6o, § 2o, que considera adquiridos “os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição estabelecida inalterável,
a arbítrio de outrem”.

Ato jurídico perfeito, por sua vez, é o ato já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou. Não se trata aqui de direito consumado, situação consumada, que, segundo José Afonso da
Silva, também é inatingível pela lei nova, por ser “direito mais do que adquirido, direito esgotado”.

A diferença do direito adquirido para o ato jurídico perfeito é que, no caso do primeiro, o direito é
gerado pela lei, enquanto no segundo o direito deriva de um negócio jurídico formado de acordo
com a lei. Assim, o ato jurídico perfeito é aquele ato jurídico que preencheu todos os seus requisitos
de existência.

17
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Princípio do juiz natural (incisos XXXVI e LIII)


Tais dispositivos pretendem evitar que, por alguma razão circunstancial, se crie instituição com
atribuição jurisdicional alheia à estrutura judiciária existente, objetivando julgar pessoas em
detrimento da justiça instituída, ou que se utilize algum procedimento extravagante em um tribunal
já existente, de forma a criar privilégio não previsto em lei.

Ambos os incisos visam caracterizar o denominado juízo natural ou, em outras palavras, o juízo
ou tribunal pré-constituído, há tempos já consubstanciado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos como garantia da independência e imparcialidade das decisões. Com isso, pretende-se
afastar oportunismos ou conveniências políticas de mau agouro a pretender decisões convenientes,
seja pela severidade seja pela benevolência do julgamento.

Princípio da legalidade e da anterioridade


da lei (incisos XXXIX e XL)
O primeiro inciso diz respeito à regra nullun crimen nulla poena sine praevia lege. Intrinsecamente
ligado aos princípios da legalidade e da anterioridade da lei, encontramos o princípio da irretroatividade
da lei penal, que impede a aplicação de lei de forma a retroagir para alcançar fatos anteriores à sua
vigência. Entretanto, quando for para beneficiar o réu, a lei mais branda terá efeito retroativo, seja
para descriminalizar a conduta, seja para atenuar a pena ou o regime de cumprimento.

Garantias contra práticas discriminatórias, crimes


inafiançáveis e imprescritíveis ou insuscetíveis de
graça ou anistia (incisos XLI a XLIV)
Bloco de garantias constitucionais atinentes à função de não discriminação que exercem os direitos
fundamentais, dos quais destacamos:

XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades


fundamentais;

XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,


sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou


anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins,
o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

Vedação à pena de morte e às penas degradantes


e desumanas (inciso XLVII)
Considerados desdobramentos dos princípios da dignidade humana e do direito à vida, os
dispositivos indicam que não “não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada [...];

18
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis”, em sintonia como o sistema


internacional de proteção dos direitos humanos.

Princípio do devido processo legal (incisos LIV, LV e LVI)


É uma base principiológica derivada do clássico primado do due process of law, calcada na garantia
básica da “igualdade de armas” em um processo conduzido pelo Poder Público, seja jurisdicional,
seja administrativo. De sua noção básica derivam outras importantes garantias processuais
constitucionais.

Visa, sobretudo, assegurar às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais na defesa
dos seus direitos em juízo, bem como o regular exercício da jurisdição estatal. É o direito a um
procedimento adequado e inerente a todas as pessoas, indistintamente.

Princípios intimamente relacionados com o princípio do devido processo legal são os da ampla
defesa e do contraditório, insculpidos no inciso LV. Visam assegurar às partes o direito de opor-se
(contraditar) aos argumentos apresentados pelo ex-adverso, bem como a oportunidade de apresentar
a sua versão dos fatos para a adequada avaliação (julgamento) pelo Judiciário. O exercício da ampla
defesa está relacionado à plena produção probatória, ou seja, à utilização de todos os meios de prova
em direito admitidos.

Em tese, não será admitida no processo a prova obtida por vias ilícitas (inciso LVI). Em outras
palavras, há provas que são tidas como ilícitas para o processo em geral, todavia, em se tratando de
ação penal, a plenitude do direito de defesa admitirá tais provas como lícitas, segundo jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal.

Garantias contra a prisão ilegal (incisos LXV a LXVII)


Pelo espírito norteador da Constituição Federal em matéria penal, alguém só será considerado
culpado após todo o trâmite processual, respeitados o contraditório e a ampla defesa, a culminar
com a condenação transitada em julgado.

Determina a CF que deve ser posto em liberdade aquele que, mesmo preso em flagrante, ainda não
foi julgado pelo crime do qual é acusado, desde que atenda a algumas prerrogativas estabelecidas
em lei. Genericamente falando, essas prerrogativas levam em conta a primariedade do acusado
e a potencialidade ofensiva do delito praticado. Assim sendo, verifica-se que o encarceramento é
pretendido como resultado de pena pela prática de delito. Esse é o motivo de não se admitir a prisão
por dívida, que tem natureza civil.

Previu, entretanto, a CF a prisão civil em duas hipóteses: pelo descumprimento voluntário de


obrigação alimentícia ou pela infidelidade depositária. No primeiro caso, busca-se resguardar outro
bem mais significativo: a subsistência do alimentando. Em relação à prisão do depositário infiel,
não mais existe, conforme o enunciado da Súmula 25 do STF e 419 do STJ, razão pela qual hoje
há, apenas, a prisão civil daquele que descumpre voluntariamente a obrigação de pagar pensão
alimentícia.

19
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Direitos fundamentais de caráter processual


As implicações do primado da rule of law e da noção do devido processo encerram a necessidade
de proteção judicial a um leque de direitos que não se restringem, apenas, a proclamar direitos
subjetivos, que mas dirigem, outrossim, a efetivá-los.

No sentir de Gilmar Mendes, Paulo Gonet e Inocêncio Mártires Coelho, esses direitos seriam
designados como direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais
processuais, expressões análogas àquela empregada pela doutrina alemã (Justizgrundrechte).

É preferível, no entanto, falar em direitos fundamentais de caráter processual ou em garantias


constitucionais processuais, por serem aplicáveis, de igual sorte, no processo administrativo, como
bem ressalvam os autores citados.

Certo é que o sistema de garantias constitucionais consagrado pela Constituição de 1988 transcende
o âmbito de proteção judicial e engloba quatro grandes grupos: I) as garantias materiais; II) as
garantias jurisdicionais; III) as garantias processuais e IV) as garantias tributárias. Interessa-nos
mais de perto os três primeiros grupos, que serão identificados por exemplos.

Direitos fundamentais consistentes em garantias


materiais
Entre as garantias materiais podemos articular os princípios da anterioridade e da reserva da lei
penal, corolários do próprio primado da segurança jurídica. Nesse grupo de garantias, inscrevem-
se, ainda, o princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, o princípio da personalização da
pena e o princípio da individualização da pena.

Constitui, também, garantia constitucional material a proibição das seguintes penas: de morte,
salvo em caso de guerra declarada; de caráter perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e as
consideradas cruéis.

Também, em matéria de pena, constituem garantias os princípios relativos à execução da pena


privativa de liberdade, em que o Estado deve zelar pela elaboração de políticas penitenciárias que
visem, além do caráter retributivo da pena, à ressocialização do preso. Podemos apontar as seguintes
garantias decorrentes: o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a
natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; o respeito à integridade física e moral e o direito das
presidiárias de permanecerem com os seus filhos durante o período de amamentação. Por fim, as
restrições à extradição de nacionais e estrangeiros e a proibição da prisão civil por dívidas, salvo no
caso de devedor de pensão alimentícia, são outros exemplos de garantias materiais constitucionais.

Direitos fundamentais consistentes em garantias


jurisdicionais
A proteção judicial efetiva corresponde à base principiológica da atuação do Judiciário independente.
São exemplos de garantias constitucionais jurisdicionais: o princípio da inafastabilidade ou do

20
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

controle do Poder Judiciário; a proibição dos tribunais de exceção; o julgamento pelo tribunal do
júri em crimes dolosos contra a vida; o princípio do juiz natural ou do juiz competente; o princípio
do promotor natural e o dever de motivação das decisões judiciais.

Direitos fundamentais consistentes em garantias


tipicamente processuais
Esse grupo de garantias abrange não apenas o processo judicial, mas também os atos da Administração
Pública. Em sentido genérico, estão diretamente associados ao princípio do devido processo legal
e podem ser elencados como princípios do contraditório e da ampla defesa; da proibição de prova
ilícita; da presunção de não culpabilidade; da publicidade dos atos processuais e da legalidade e da
comunicabilidade das prisões.

21
CAPÍTULO 2
A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Historicamente, sempre foi de extrema relevância a separação entre o Direito Privado e o Direito
Público. A ideia de propriedade no Direito Romano chegava a ser absoluta, incluindo o domínio
do pater familiae tanto sobres os objetos como sobre as pessoas sujeitas ao seu corpo familiar. Em
uma visão mais clara, o destinatário das normas constitucionais, restritas às matérias atinentes
à estruturação do Estado, seria o legislador ordinário, a quem incumbiria disciplinar as relações
privadas por meio do Código Civil1.

Esta visão de direito começa a ser alterada no início do século XX, na Europa, e após os anos 30,
no Brasil, com maior intervenção do Estado na economia e a restrição à autonomia privada, que se
associa ao fenômeno do dirigismo contratual2.

Tal raciocínio também poderia ser incorporado à questão dos direitos fundamentais. Segundo Carl
Schmitt, os direitos fundamentais são vistos, inicialmente, como direitos do homem livre e isolado
em face do Estado3. Tal concepção, apoiada na visão liberal predominante dos séculos XVIII e XIX,
também sofre com a intervenção estatal acima mencionada, cujo principal marco foi a Constituição
de Weimar, de 1919.

No Brasil, a primeira Constituição a tratar de direitos sociais, também conhecidos como de segunda
geração, é a de 1934. Entretanto, a Constituição que mais trouxe avanços na questão dos direitos
fundamentais e suas relações privadas foi a de 1988.

Para se ter uma noção de como as relações privadas tiveram uma forte influência na questão relativa
aos direitos fundamentais, apenas para se ater no art. 5o, o constituinte tratou da matéria nos seguintes
incisos:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,


assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação;
[...]

XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;


[...]

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;

1 TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 2.


2 TEPEDINO, op. cit., p. 3.
3 SCHMITT apud BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. 13. ed. São Paulo: Malheiros, p. 561.

22
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

[...]

XXVI – a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que


trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos
decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de
financiar o seu desenvolvimento;
[...]

XXXI – a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela


lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não
lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;


[...]

O rol acima mencionado não inclui os direitos e garantias originários da liberdade individual ou os
relativos aos direitos do cidadão contra o Estado nem os chamados direitos sociais, cuja intervenção
passou a determinar a tendência de intersecção entre direito público e privado, mais especialmente
no direito de trabalho, hoje entendido com uma terceira via entre a dicotomia acima apontada.

Nesses incisos, percebe-se que o constituinte passa a se preocupar com determinadas consequências
advindas exclusivamente das relações privadas; consequências estas que serão abordadas de
forma mais detalhada.

Liberdade de pensamento
É livre a liberdade de pensamento, não sendo admitida censura prévia em diversões ou espetáculos
públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício indevido da manifestação de pensamento
sujeitam os autores à responsabilização civil e até penal.

É um dos típicos casos de colisão entre princípios o fato de a liberdade invadir a honra, a intimidade
e a privacidade, bens jurídicos igualmente assegurados constitucionalmente.

Direito de resposta
A Carta Magna em seu art. 5o, inciso V, previu um remédio contra o abuso praticado por particulares,
garantindo o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material,
moral ou à imagem. Na verdade, o constituinte evoluiu do pensamento existente na Constituição
anterior, que, no §8o do art. 153, garantia apenas o direito de resposta4.

A imprensa acabou tornando-se a maior destinatária da regra prevista no inciso mencionado. A Lei
de Imprensa (no5.250/67) teve dois artigos não recepcionados pela Constituição, conforme decisões
4 § 8o É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação
independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos
abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da
autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou
de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.

23
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

do Supremo Tribunal Federal. Tanto o art. 525, que tratava da limitação da indenização, como o 566,
que versava sobre o curto prazo decadencial para ajuizamento da ação, não foram recebidos pela
Constituição sob o argumento de que o dano moral, inovação constitucional, é incompatível com
qualquer limite tarifado, segundo o que determina a Lei de Imprensa, interpretando-se, ainda, que
o disposto no inciso V não pode sujeitar-se ao prazo decadencial de três meses, conforme dispôs o
Ministro Carlos Velloso em seu voto como relator no leading case sobre a questão7.

No tocante ao direito de resposta, o Supremo Tribunal Federal entendeu que é parte ilegítima no polo
passivo o jornalista que escreve a matéria, devendo ser preenchido pela empresa de informação ou
divulgação8.

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer o texto do inciso X. Nenhuma outra Constituição
brasileira versou sobre a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o
direito à indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação. Mais do que mencionar
tais temas e elevá-los ao status de direito fundamental, o inciso X reformula a noção de dano moral,
assim como o inciso V.

Antes de 1988, o dano moral possuía previsão infraconstitucional, todavia circunscrito à questão da
indenização por algum dano causado conforme regulamentado no art. 53 da Lei de Imprensa9. Com o
dispositivo constitucional, os tribunais passaram a disciplinar o dano moral, haja vista que o Código
Civil de 1916 não tratava do assunto, que só veio a aparecer no Códex de 2002, em seu art. 186.

Um voto marcante na conceituação do dano moral foi o do relator, à época desembargador do TJRJ,
Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento da Apelação Cível no 3.059/1991, que recolhe vários
exemplos doutrinários sobre o dano moral:

5 “Indenização. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa
fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida nos termos do
art. 52 da Lei no 5.250/1967. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art.
5o, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1o, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e
abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade
irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual
não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente” (RE no 447.584, Rel. Min. Cezar Peluso, j. em 28.11.2006, DJ de 16 mar.
2007).
6 “Dano moral: ofensa praticada pela imprensa. Decadência: Lei no 5.250, de 9-2-67 — Lei de Imprensa — art. 56: não recepção
pela CF/88, art. 5o, V e X. O art. 56 da Lei no 5.250/1967 — Lei de Imprensa — não foi recebido pela Constituição de 1988, art.
5o, incisos V e X” (RE no 420.784, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 25 jun. 2004). No mesmo sentido, RE no 348.827, Rel. Min.
Carlos Velloso, j. em 1o. 6. 2004, DJ de 6 ago. 2004.
7 RE no 348.827, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 1o. 6. 2004, DJ de 6 ago. 2004. Inteiro teor do julgamento em: <http://www.stf.
jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=348827&classe=RE>.
8 “[...] O pedido judicial de direito de resposta previsto na lei de impressa deve ter no polo passivo a empresa de informação
ou divulgação, a quem compete cumprir a decisão judicial no sentido de satisfazer o referido direito, citado o responsável
nos termos do § 3o do art. 32 da Lei no 5.250/1967, sendo parte ilegítima o jornalista ou o radialista envolvido no fato. Falta
interesse recursal ao requerido pessoa física, já que, no caso concreto, o juiz de Direito proferiu decisão condenatória apenas no
tocante à empresa de radiodifusão. O não conhecimento da apelação do requerido pessoa física, hoje deputado federal, implica
a devolução dos autos ao tribunal de origem para que julgue a apelação da pessoa jurídica que não tem foro privilegiado no
Supremo Tribunal Federal. [...]” (Pet. no 3.645, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 20.2.2008, DJE de 2 de maio 2008).
9 Art . 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do
ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal
ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta
ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação
por esse meio obtida pelo ofendido.

24
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

Dano moral. Lição de Aguiar Dias: o dano moral é o efeito não patrimonial da
lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada. Lição de
Savatier: dano moral é todo sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária. Lição de Pontes de Miranda: nos danos morais a esfera ética da pessoa
é que é ofendida; o dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser
humano, não lhe atinge o patrimônio10.

A questão se apontava com tal novidade no Direito brasileiro que o Superior Tribunal de Justiça
sumulou a possibilidade de cumulação entre dano moral e dano material decorrentes do mesmo fato11.

José de Aguiar Dias distingue o dano moral do patrimonial informando que a diferença não decorre
da natureza do direito, bem, ou interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter de sua repercussão
sobre o lesado12. Ressalte-se que o dano material nunca é irreparável, pois se pode restaurar a situação
anterior, ou se pagar o equivalente pelo desfalque, enquanto no dano moral ocorre uma diversidade de
prejuízos que o envolvem e que de comum só têm a característica negativa de não serem patrimoniais,
resultando em uma confusão entre a pena a ser aplicada e a indenização a ser recebida13.

Álvaro Villaça Azevedo arrola como exemplos de bens materiais o imóvel, o animal, a soma em
dinheiro, enquanto a honra, a vida e a liberdade podem ser tachados de bens imateriais14. Assim,
se o dano se dirigir ao bem material, o dano será material, se ao bem imaterial, o dano será moral15.

Uma discussão levantada com o inciso X do art. 5o, é a de que só caberia dano moral nas hipóteses
taxativas da Constituição. A experiência jurisprudencial tem derrubado essa ideia e permitido
a aplicação de indenização por dano moral a situações além das meramente trazidas no inciso.
Entretanto, as indenizações por dano moral não se transformaram em uma possibilidade irrestrita
de aplicação, tendo os tribunais limitado a sua interpretação de acordo com o caso concreto.

O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, entende que o dano moral é o que atinge a esfera
legítima de afeição da vítima, que agrede seus valores, que humilha ou causa dor, não se incluindo
aí meras situações desagradáveis16. Tal entendimento também está presente no Superior Tribunal
de Justiça17, que não admite a condenação por dano moral quando há simples incômodo comum,
decorrente da vida cotidiana18.

10 TJRJ, RDA 185/198, AC no 3.059/1991, Rel. Des. Carlos Alberto Direito.


11 Súmula 37: são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.
12 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 992.
13 DIAS, op. cit., p. 993.
14 Código Civil comentado: negócio jurídico. Atos jurídicos lícitos. Atos ilícitos: artigos 104 a 188, volume II, coordenador Álvaro
Villaça Azevedo. São Paulo: Atlas, 2003, p. 357.
15 Idem, ibidem.
16 “O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que
causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem da mulher, não obstante
desagradável, não produz dano moral indenizável” (RE no 387.014-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 8.6.2004, DJ de 25 jun.
2004).
17 “Dano moral. Extravio de bagagem. Retorno ao local de residência. Precedentes da Terceira Turma. 1. Já decidiu a Corte que não
se justifica a ‘reparação por dano moral apenas porque a passageira, que viajara para a cidade em que reside, teve o incômodo
de adquirir roupas e objetos pessoais’ (REsp no 158.535/PB, Rel. para o acórdão o Min. Eduardo Ribeiro, DJ de 9 out. 2000; no
mesmo sentido: REsp no 488.087/RJ, da minha relatoria, DJ de 17 nov. 2003). 2. Recurso especial conhecido e provido (Resp
no 740.073/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3a Turma, j. em 25.10.2005, DJ de 6 mar. 2006, p. 385).
18 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. BANCO. SAQUE FRAUDULENTO NA CONTA DE
CORRENTISTA. DANO MORAL. O saque fraudulento feito em conta bancária pode autorizar a condenação do banco por
omissão de vigilância. Todavia, por maior que seja o incômodo causado ao correntista ou poupador, o fato, por si só, não
justifica reparação por dano moral. Recurso não conhecido. (REsp no 540.681/RJ, Rel. Min. Castro Filho, 3a Turma, j. em
13.9.2005, DJ de 10 out. 2005, p. 357).

25
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Uma das maiores dificuldades na configuração do dano moral está no quantum debeatur, ou seja,
na definição do valor a ser indenizado, haja vista a falta de materialização do dano. Muitas dessas
ações acabam sendo resolvidas no Superior Tribunal de Justiça, que tem-se manifestado no sentido
de que os tribunais de segunda instância são livres para definir o valor da indenização, havendo o
cabimento de recurso especial ao STJ apenas na hipótese de o valor do dano ser determinado como
ínfimo ou excessivo19, o que impede que o dano moral seja uma força motriz para o enriquecimento
ilícito daquele que sofreu o dano20, e respeita o disposto no Código Civil, que faz essa previsão em
seu art. 94421.

“Com o julgamento da ADPF 130, em abril de 2009, o STF declarou que a lei de
imprensa (5.250/67) é incompatível com a atual ordem constitucional”.

Intimidade e vida privada


O constituinte expressamente previu a proteção da intimidade como garantia fundamental,
trazendo de forma antecipada na Carta Magna um conceito que não havia, à época, na legislação
infraconstitucional.

Com a intimidade, o constituinte tratou da vida privada. Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma
que:

Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada apresentam grande


interligação, podendo, porém, ser diferenciados por meio da menor amplitude
do primeiro, que se encontra no âmbito de incidência do segundo. Assim, o
conceito de intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da
pessoa humana, suas relações familiares e de amizade, enquanto o conceito de
vida privada envolve todos os relacionamentos da pessoa, inclusive os objetivos,
tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc22.

A delimitação do direito à vida privada possui uma característica complexa, haja vista a diversidade de
povos, crenças, sendo alguns comportamentos tolerados por uns e repudiados por outros. Cristiano
Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que a vida privada é o refúgio impenetrável pela

19 “DIREITO DO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANO
MORAL. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. 1. A revisão de indenização por danos morais só é possível
em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo. 2. Agravo regimental desprovido”.
(RCDESP no Ag. no 1.028.443/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4a Turma, j. em 18.12.2008, DJe de 2 fev. 2009).
20 “CIVIL E PROCESSUAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DISPOSITIVOS PROCESSUAIS. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. APOSENTADO. VEDAÇÃO DE ACESSO A EDIFÍCIO QUE ABRIGA ENTIDADE BANCÁRIA. DANO MORAL. ATO
ILÍCITO SUFICIENTE PARA GERAR INDENIZAÇÃO. REEXAME DOS FATOS. QUANTUM RESSARCITÓRIO EXCESSIVO.
REDUÇÃO. SÚMULAS N. 282 E 356-STF E 7-STJ. I. As questões federais não enfrentadas pelo tribunal estadual recebem o
óbice das Súmulas n. 282 e 356 do C. STF, não podendo, por falta de prequestionamento, ser debatidas no âmbito do recurso
especial. II. A conclusão de que o ato lesivo é suficiente para consubstanciar dano moral indenizável depende do reexame do
conteúdo fático da causa, vedado pela Súmula n. 7-STJ. III. Constatado flagrante excesso na fixação do valor da indenização
concedida a título de reparação, impõe-se a sua redução a patamar razoável, afastado o enriquecimento sem causa. IV. Recurso
especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido”. (REsp no 628.490/PA, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,
4o Turma, j. em 7.8.2007, DJ de 8 out. 2007, p. 287).
21 Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente,
a indenização.
22 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 35.

26
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

coletividade, é o direito de viver a própria vida em isolamento, não sendo submetido à publicidade
que não provocou, nem desejou23.

Com esse pensamento, o Superior Tribunal de Justiça condenou empresa jornalística ao pagamento
de dano moral por ter divulgado o nome completo e o bairro onde morava uma determinada vítima
de estupro24. Da mesma forma, o STJ entendeu cabível indenização contra empresa telefônica
por divulgação, sem autorização, de anúncio comercial de serviços de massagem em suas páginas
amarelas25.

No esteio do raciocínio do conceito acima mencionado, não há ofensa ao direito à intimidade quando
a própria pessoa provocou ou desejou a situação. Se alguém se coloca de topless em uma praia, não
pode pedir indenização por danos morais em razão de divulgação de sua foto na imprensa26.

Todavia, a vida privada não se resume ao direito à intimidade, podendo ser entendida como gênero
composto pelas espécies direito à intimidade e direito ao sigilo.

O direito ao sigilo é, sem dúvida, um dos grandes desafios constitucionais. O constituinte apenas
tratou expressamente dos sigilos de correspondência, dados, telegráfico e telefônico no inciso XII
do art. 5o. Todavia, como esses sigilos são mais relacionados ao direito público, não será feita a
devida abordagem no presente estudo. Ressalte-se que o inciso disciplina a quebra instantânea e
não meramente eventuais registros telefônicos, com as informações das ligações efetuadas, cujo
tratamento também fica adstrito ao inciso X27.

Além dos sigilos acima mencionados, estão presentes outros segredos implícitos, que ganharam
corpo com a evolução da interpretação constitucional, entre eles o sigilo bancário e o sigilo fiscal.

23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p.
147.
24 “DANO MORAL. DIVULGAÇÃO. NOME. NOTICIÁRIO. Trata-se de ação de indenização por dano moral pela divulgação, em
noticiário de rádio, do nome completo e do bairro onde residia a vítima de crime de estupro. Ressalta a Min. Relatora que há
limites ao direito da imprensa de informar, isso não se sobrepõe nem elimina quaisquer outras garantias individuais, entre
as quais se destacam a honra e a intimidade. Afirma que, no caso dos autos, a conduta dos recorrentes não reside na simples
divulgação de um fato verídico criminoso e de interesse público, vai muito além, ao divulgar o nome da autora: sua intimidade
e sua honra foram violadas. Por isso, foram condenados a compensá-la pelos danos morais no valor de R$ 40.000,00.
Outrossim, o prazo prescricional em curso quando diminuído pelo novo Código Civil só sofre a incidência de sua redução a
partir de sua entrada em vigor. Assim, a decisão a quo está de acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal. Com essas
considerações, entre outras, a Turma não conheceu do recurso. Precedentes citados: REsp no 717.457-PR, DJ 21 de maio 2007;
REsp no 822.914-RS, DJ de 19 jun. 2006; REsp. no 818.764-ES, DJ de 12 mar. 2007; REsp no 295.175-RJ, DJ de 2 abr. 2001, e
REsp no 213.811-SP, DJ 7/2/2000. REsp no 896.635-MT, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 26.2.2008.
25 “RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. VIOLAÇÃO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. INTIMIDADE. VEICULAÇÃO.
LISTA TELEFÔNICA. ANÚNCIO COMERCIAL EQUIVOCADO. SERVIÇOS DE MASSAGEM. 1. A conduta da prestadora de
serviços telefônicos caracterizada pela veiculação não autorizada e equivocada de anúncio comercial na seção de serviços de
massagens, viola a intimidade da pessoa humana ao publicar telefone e endereço residenciais. 2. No sistema jurídico atual, não
se cogita da prova acerca da existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade, entre eles a intimidade,
imagem, honra e reputação, já que, na espécie, o dano é presumido pela simples violação ao bem jurídico tutelado. 3. Recurso
especial parcialmente conhecido e provido”. (REsp 506.437/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4a Turma, j. em 16.09.2003, DJ
de 6 out 2003, p. 280).
26 “DIREITO CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. TOPLESS PRATICADO EM CENÁRIO PÚBLICO. Não se pode cometer o delírio
de, em nome do direito de privacidade, estabelecer-se uma redoma protetora em torno de uma pessoa para torná-la imune de
qualquer veiculação atinente a sua imagem. Se a demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida
sua reprodução pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição realizada. Recurso
especial não conhecido”. (REsp no 595.600/SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4a Turma, j. em 18.03.2004, DJ de 13 set. 2004,
p. 259).
27 “[...] VII - A quebra do sigilo dos dados telefônicos contendo os dias, os horários, a duração e o números das linha chamadas e
recebidas não se submete à disciplina das interceptações telefônicas regidas pela Lei no 9.296/1996 (que regulamentou o inciso
XII do art. 5o da Constituição Federal) e ressalvadas constitucionalmente tão somente na investigação criminal ou instrução
processual penal. [...]”(RMS no 17.732/MT, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma, j. em 28.6.2005, DJ de 01 ago. 2005, p. 477).

27
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

A primeira discussão acerca desses sigilos está na sua limitação. O Supremo Tribunal Federal já
decidiu que tais sigilos não são absolutos, devendo ceder aos interesses público, social e da Justiça,
sendo observados os ditames legais e as regras de razoabilidade28.

A Suprema Corte também decidiu que tanto o sigilo bancário como o fiscal só podem ser quebrados
por via judicial, o que impossibilita a atuação meramente administrativa29. O juiz, no momento
da decretação deve estipular claramente os limites da quebra, a fim de que não haja invasão à
privacidade do indivíduo30.

A última questão polêmica acerca do direito à intimidade e à vida privada está na possibilidade
de serem realizadas gravações ambientais, sejam elas de áudio ou de vídeo. Discute-se a hipótese
de tais gravações estarem invadindo a privacidade do indivíduo e, com isso, ofende o art. 5o, X,
da Constituição Federal. As câmeras são exemplos disso. Elas são cada vez mais comuns em
estabelecimentos comerciais e começam a ser utilizadas pelas autoridades públicas, seja para coibir
infrações de trânsito, seja para prevenir e reprimir a prática de crimes. Com acessibilidade cada
vez maior aos meios de gravação, mais e mais pessoas se utilizam de tais métodos para comprovar
determinadas situações ou, até mesmo, para se defender de eventuais ameaças.

A pergunta que se faz é: isso é legal? O STF entende plenamente constitucional a gravação ambiental
realizada por um dos interlocutores, podendo ser usada como meio de prova31. Do mesmo modo,
não há ilegalidade nas gravações clandestinas, tão comumente mostradas nos telejornais32, podendo
ser feitas tranquilamente em lugares de frequentação comum, não sendo possível a gravação dentro
da residência do indivíduo sem sua autorização33.
28 “O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante
dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com
respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes” (AI no 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, j. em 4.9.2007, DJ de 28 set.
2007).
29 “Possibilidade de quebra de sigilo bancário pela autoridade administrativa sem prévia autorização do Judiciário. Recurso
extraordinário provido monocraticamente para afastar a aplicação do art. 8o da Lei no 8.021/1990 (‘Iniciado o procedimento
fiscal, a autoridade fiscal poderá solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras,
inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no art. 38 da Lei no 4.595, de 31 de dezembro
de 1964’) e restabelecer a sentença de primeira instância. A aplicação de dispositivo anterior em detrimento de norma
superveniente, por fundamentos extraídos da Constituição, equivale à declaração de sua inconstitucionalidade” (RE no 261.278-
AgR, Rel. para o acordão Min. Gilmar Mendes, j. em 1o. 4.2008, DJE de 1o ago. 2008).
30 “A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não
fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada
da esfera de intimidade das pessoas, o que daria ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime
democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. Doutrina. Precedentes. Para
que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em sua finalidade legítima, torna-se imprescindível
que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, entre outros dados
essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal
abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes” (HC no 84.758, Rel.
Min. Celso de Mello, j. em 25.5.2006, DJ de 16 jun. 2006).
31 “É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores. Esse foi o entendimento firmado pela
maioria do Plenário em ação penal movida contra ex-prefeito, atual deputado federal, e outra, pela suposta prática do delito
de prevaricação (CP, art. 319) e de crime de responsabilidade (Decreto-Lei no 201/1967, art. 1o, XIV) [...]. Asseverou-se que a
gravação ambiental, feita por um dos fiscais municipais de trânsito, de uma reunião realizada com a ex-secretária municipal,
seria prova extremamente deficiente, porque cheia de imprecisões, e que, dos depoimentos colhidos pelas testemunhas, não se
poderia extrair a certeza de ter havido ordem de descumprimento do CTB por parte do ex-prefeito [...]. Vencidos, no que tange
à licitude da gravação ambiental, os Ministros Menezes Direito e Marco Aurélio, que a reputavam ilícita” (AP 447, Rel. Min.
Carlos Britto, j. em 18.2.2009, Plenário, Informativo no 536).
32 “Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de
excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de
emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico.
[...] A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não
constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público” (HC no 87.341, Rel. Min. Eros Grau, j. em 7.2.2006, DJ
de 3 mar. 2006).
33 “AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. GRAVAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA POR UM DOS
INTERLOCUTORES SEM O CONHECIMENTO DO OUTRO. INVESTIDA CRIMINOSA NÃO CONFIGURADA. ILICITUDE

28
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

Honra
A honra tem estreita ligação com a privacidade. Enquanto esta resguarda o que compõe a intimidade,
aquela protege a pessoa humana contra falsos ataques que podem macular sua boa fama social.
Dessa forma, a honra é a soma dos conceitos positivos que cada pessoa goza na vida em sociedade34.

A honra se divide em honra objetiva e a honra subjetiva. Enquanto a objetiva diz respeito à reputação
que a coletividade dedica a alguém, a subjetiva trata do próprio juízo valorativo que determinada
pessoa faz de si mesmo35.

Ambas as formas de violação da honra são admitidas, ensejando eventual indenização pelo fato.
Ressalte-se que a ofensa à honra pode ensejar, inclusive, a persecução criminal pela prática da injúria.

A proteção à honra fez com que o legislador, na edição do Código Civil, previsse em seu art. 20 o que
segue:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou


à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da
palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa
poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que
couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais.

Assim, a permisão do legislador, conforme disposto no artigo transcrito, se restringe à autorização


do indivíduo, à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Desse modo, a lei
ordinária limita expressamente o caráter absoluto do direito à proteção da honra.

O direito à proteção da honra também entra em conflito ao ser analisado com a liberdade de
imprensa, também elevada ao status de garantia constitucional. O Superior Tribunal de Justiça já
decidiu que a crítica a uma pessoa pública não significa ataque à honra36.
DA PROVA. AFRONTA À PRIVACIDADE (ART. 5o, X, CF). INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO CIVIL E
CRIMINAL. ART. 33, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LOMAN. CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA SUSTENTAR O
RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. ART. 6o DA LEI NO 8.038/1990. I – A análise da licitude ou não da gravação
de conversa por um dos interlocutores sem a ciência do outro deve ser verificada caso a caso. II – Quando a gravação se refere
a fato pretérito, consumado e sem exaurimento ou desdobramento, danoso e futuro ou concomitante, tem-se, normalmente
e em princípio, a hipótese de violação à privacidade. Todavia, demonstrada a investida criminosa contra o autor da gravação,
a atuação deste – em razão, inclusive, do teor daquilo que foi gravado – pode, às vezes, indicar a ocorrência de excludente de
ilicitude (a par da quaestio do princípio da proporcionalidade). A investida, uma vez caracterizada, tornaria, daí, lícita a gravação
(precedente do Pretório Excelso, inclusive, do c. Plenário). Por outro lado, realizada a gravação às escondidas, na residência do
acusado, e sendo inviável a verificação suficiente do conteúdo das degravações efetuadas, dada a imprestabilidade do material,
sem o exato delineamento da hipotética investida, tal prova não pode ser admitida, porquanto violadora da privacidade de
participante do diálogo (art. 5o, X, CF). III – A atuação do Ministério Público no inquérito civil tem previsão legal (art. 8o, § 1o,
Lei no 7.347/1985). Tal não se confunde com a situação do inquérito criminal envolvendo magistrado de segundo grau (art. 33,
parágrafo único, LOMAN). IV – No processo penal, a exordial acusatória deve vir acompanhada de um fundamento probatório
mínimo apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado. Se não
houver uma base empírica mínima a respaldar a peça vestibular, de modo a torná-la plausível, inexistirá justa causa a autorizar
a persecutio criminis in iudicio. Tal acontece, como in casu, quando a situação fática não está suficientemente reconstituída.
V – Acolhida a primeira preliminar relativa à ilicitude da prova obtida mediante gravação clandestina. Rejeitada a segunda
preliminar referente à alegada usurpação da função da polícia judiciária pelo Ministério Público. Denúncia rejeitada por falta
de justa causa” (Apn no 479/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, Corte Especial, j. em 29.6.2007, DJ de 1o out. 2007, p. 198).
34 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 149.
35 Idem, ibidem.
36 “RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ENTREVISTA DE ADVOGADO.
REFERÊNCIA A JULGADOS. 1. O dano moral deve ser visto como violação do direito à dignidade, estando nela inseridos a
inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem. Dessa forma, havendo agressão à honra da vítima, é
cabível indenização. 2. Críticas à atividade desenvolvida pelo homem público, in casu, o magistrado, são decorrência natural
da atividade por ele desenvolvida e não ensejam indenização por danos morais quando baseadas em fatos reais, aferíveis

29
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

Entretanto, quando a notícia divulgada extrapola o limite da informação, ofendendo a honra do


indivíduo 37, ou é mentirosa38, surge o direito à indenização pelo dano moral causado.

Até mesmo as imunidades previstas em lei e pela Constituição não são absolutas se ofendem a
honra do indivíduo. Advogado que ofende juiz ou promotor de Justiça responde pelos seus atos39,
tanto civil como criminalmente, mesmo com a imunidade prevista no Estatuto dos Advogados
e a inviolabilidade constitucional do art. 133.40 A mesma regra se dá aos deputados e senadores,
concretamente. 3. Respaldado nas disposições do § 2o do art. 7o da Lei no 8.906/1994, pode o advogado manifestar-se, quando
no exercício profissional, sobre decisões judiciais, mesmo que seja para criticá-las. O que não se permite, até porque nenhum
proveito advém para as partes representadas pelo advogado, é crítica pessoal ao juiz. 4. Recurso especial de Sérgio Bermudes
conhecido e provido. Recurso especial da empresa CRBS S/A Cuiabana conhecido em parte e provido”. (REsp no 531.335/MT,
Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Min. João Otávio de Noronha, 3a Turma, j. em 2.9.2008, DJe de 19 dez. 2008).
37 “RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANOS MORAIS – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA
OFENSIVA À HONRA DE ADVOGADO – LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E DE INFORMAÇÃO – DIREITOS RELATIVIZADOS
PELA PROTEÇÃO À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DOS INDIVÍDUOS – VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES E
EXISTÊNCIA DE DOLO NA CONDUTA DA EMPRESA JORNALÍSTICA – REEXAME DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE
– APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ – QUANTUM INDENIZATÓRIO – REVISÃO PELO STJ –
POSSIBILIDADE – VALOR EXORBITANTE – EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE
PROVIDO. I – A liberdade de informação e de manifestação do pensamento não constituem direitos absolutos, sendo
relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana. II – A revisão do entendimento do tribunal a quo acerca da não veracidade
das informações publicadas e da existência de dolo na conduta da empresa jornalística, obviamente, demandaria revolvimento
dessas provas, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula 7/STJ. III – É certo que esta Corte
Superior de Justiça pode rever o valor fixado a título de reparação por danos morais, quando se tratar de valor exorbitante
ou ínfimo. IV – Recurso especial parcialmente provido” (REsp no 783.139/ES, Rel. Min. Massami Uyeda, 4a Turma, j. em
11.12.2007, DJ de 18 fev. 2008, p. 33).
38 “Civil. Recurso especial. Compensação por danos morais. Ofensa à honra. Político de grande destaque nacional que, durante
CPI relacionada a atos praticados durante sua administração, é acusado de manter relação extraconjugal com adolescente, da
qual teria resultado uma gravidez. Posterior procedência de ação declaratória de inexistência de relação de parentesco, quando
demonstrado, por exame de DNA, a falsidade da imputação. Acórdão que afasta a pretensão, sob entendimento de que pessoas
públicas têm diminuída a sua esfera de proteção à honra. Inaplicabilidade de tal tese ao caso, pois comprovada a inverdade da
acusação.
– A imputação de um relacionamento extraconjugal com uma adolescente, que teria culminado na geração de uma criança –
fato posteriormente desmentido pelo exame de DNA – foi realizada em ambiente público e no contexto de uma investigação
relacionada à atividade política do autor.
– A redução do âmbito de proteção aos direitos de personalidade, no caso dos políticos, pode em tese ser aceitável quando a
informação, ainda que de conteúdo familiar, diga algo sobre o caráter do homem público, pois existe interesse relevante na
divulgação de dados que permitam a formação de juízo crítico, por parte dos eleitores, sobre os atributos morais daquele que
se candidata a cargo eletivo.
– Porém, nesta hipótese, não se está a discutir eventuais danos morais decorrentes da suposta invasão de privacidade do
político a partir da publicação de reportagens sobre aspectos íntimos verdadeiros de sua vida, quando, então, teria integral
pertinência a discussão relativa ao suposto abrandamento do campo de proteção à intimidade daquele. O objeto da ação é,
ao contrário, a pretensão de condenação por danos morais em vista de uma alegação comprovadamente falsa, ou seja, de
uma mentira perpetrada pelo réu, consubstanciada na atribuição errônea de paternidade – erro esse comprovado em ação
declaratória já transitada em julgado.
– Nesse contexto, não é possível aceitar-se a aplicação da tese segundo a qual as figuras públicas devem suportar, como ônus de
seu próprio sucesso, a divulgação de dados íntimos, já que o ponto central da controvérsia reside na falsidade das acusações
e não na relação destas com o direito à intimidade do autor. Precedente. Recurso especial conhecido e provido” (REsp no
1.025.047/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em 26.6.2008, DJe de 05 ago. 2008).
39 “Direito civil e processual civil. Indenização por danos morais. Correição parcial. Ofensa a juiz. Imunidade profissional do
advogado. Caráter não absoluto. Valor dos danos morais. A imunidade profissional, garantida ao advogado pelo Estatuto da
Advocacia, não é de caráter absoluto, não tolerando os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de quaisquer
das pessoas envolvidas no processo, seja o juiz, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da
parte contrária. Precedentes. A indenização por dano moral dispensa a prática de crime, sendo bastante a demonstração do ato
ilícito praticado. O advogado que, atuando de forma livre e independente, lesa terceiros no exercício de sua profissão responde
diretamente pelos danos causados. O valor dos danos morais não deve ser fixado em valor ínfimo, mas em patamar que
compense de forma adequada o lesado, proporcionando-lhe bem da vida que aquiete as dores na alma que lhe foram infligidas.
Recurso especial provido. Ônus sucumbenciais invertidos” (REsp no 1.022.103/RN, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a Turma, j. em
17.4.2008, DJe de 16 maio 2008).
40 “EMENTA: Advogado: imunidade judiciária (CF, art. 133; C. Penal, art. 142, I; EAOAB, art. 7o, § 2o): não compreensão do crime
de calúnia. 1. O art. 133 da Constituição Federal, ao estabelecer que o advogado é ‘inviolável por seus atos e manifestações no
exercício da profissão’, possibilitou fosse contida a eficácia desta imunidade judiciária aos ‘termos da lei’. 2. Essa vinculação
expressa aos ‘termos da lei’ faz de todo ocioso, no caso, o reconhecimento pelo acórdão impugnado de que as expressões contra
terceiro sejam conexas ao tema em discussão na causa, se elas configuram, em tese, o delito de calúnia: é que o art. 142, I, do
C. Penal, ao dispor que ‘não constituem injúria ou difamação punível [...] a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa,
pela parte ou por seu procurador’, criara causa de ‘exclusão do crime’ apenas com relação aos delitos que menciona – injúria e
difamação –, mas não quanto à calúnia, que omitira: a imunidade do advogado, por fim, não foi estendida à calúnia nem com
a superveniência da L. 8.906/1994, – o Estatuto da Advocacia e da OAB –, cujo art. 7o, § 2o, só lhe estendeu o âmbito material

30
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

cuja imunidade material não permite que a ofensa ultrapasse os limites naturais de seu trabalho
parlamentar41.

Assim, sendo, a honra, cuja proteção já existia antes da Constituição Federal, por meio da Lei de
Imprensa, conforme visto anteriormente, continua tendo a proteção dos tribunais, que cada vez
mais delimitam a forma de como ela deve ser tratada no meio jurídico.

Imagem
De todos os direitos de personalidade tratados pela Constituição, o direito à imagem foi aquele
que mais evoluiu, principalmente em face dos avanços tecnológicos, seja pelos novos meios de
comunicação, seja pelo exponencial crescimento da televisão.

O direito à imagem corresponde à reprodução fisionômica do indivíduo e as sensações, bem assim


como as características comportamentais que o tornam particular, destacado nas relações sociais.
Sendo assim, a imagem pode ser caracterizada por uma fotografia, por uma pintura, um desenho,
um filme, uma caricatura ou até por um atributo específico42.

A proteção a esse direito adentrou também no tratamento dos direitos autorais, haja vista que o
artista depende muitas vezes da sua imagem para manter-se ligado ao sucesso. Paralelo ao direito
de imagem, tem-se o chamado direito de arena, que é o direito de transmissão e retransmissão de
evento esportivo, não se confundindo com o direito de imagem43. A separação pela jurisprudência
determina, inclusive, que o titular de direitos de arena não pode utilizá-los para divulgação da
imagem de jogador, haja vista a diferença entre as situações44.

– além da injúria e da difamação, nele já compreendidos conforme o C. Penal –, ao desacato (tópico, contudo, em que teve a
sua vigência suspensa pelo tribunal na ADInMC no 1.127, 5.10.94, Brossard, RTJ 178/67)” (HC no 84.446, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 1a Turma, j. em 23.11.2004, DJ de 25 fev. 2005, PP-00029, EMENT. VOL-02181-01, PP-00130, RTJ VOL-00192-03,
PP-00974, LEXSTF, v. 27, n. 316, 2005, p. 439-449, RMDPPP, v. 1, n. 4, 2005, p. 124-131).
41 “EMENTA: I. Imunidade parlamentar material: extensão. 1. Malgrado a inviolabilidade alcance hoje ‘quaisquer opiniões,
palavras e votos’ do congressista, ainda quando proferidas fora do exercício formal do mandato, não cobre as ofensas que,
pelo conteúdo e o contexto em que perpetradas, sejam de todo alheias à condição de deputado ou senador do agente (Inq.
no 1.710, Sanches; Inq. no 1.344, Pertence). 2. Não cobre, pois, a inviolabilidade parlamentar a alegada ofensa a propósito
de quizílias intrapartidárias endereçadas pelo presidente da agremiação – que não é necessariamente um congressista –
contra correligionário seu. II. Crime contra a honra: inexistência em entrevista que não ultrapassa as raias da crítica à atuação
partidária de alguém” (Inq. no 1.905, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. em 29. 4.2004, DJ de 21 maio 2004, PP-
00033, EMENT. VOL-02152-01, PP-00011, RTJ VOL 00192-01, PP-00050).
42 FARIAS, de; ROSENVALD, op. cit., p. 140.
43 “INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE
ARENA. É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (Súmula
no 282-STF). A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem
o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. O direito de arena, que a lei atribui
às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da
imagem havido por meio da edição de ‘álbum de figurinhas’. Precedentes da Quarta Turma. Recursos especiais não conhecidos”
(REsp no 67.292/RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, 4a Turma, j. em 3.12.1998, DJ de 12 abr. 1999, p. 153).
44 “DIREITO À IMAGEM. DIREITO DE ARENA. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. O DIREITO DE ARENA
QUE A LEI ATRIBUI ÀS ENTIDADES ESPORTIVAS LIMITA-SE À FIXAÇÃO, TRANSMISSÃO E RETRANSMISSÃO DO
ESPETÁCULO DESPORTIVO PÚBLICO, MAS NÃO COMPREENDE O USO DA IMAGEM DOS JOGADORES FORA DA
SITUAÇÃO ESPECÍFICA DO ESPETÁCULO, COMO NA REPRODUÇÃO DE FOTOGRAFIAS PARA COMPOR ‘ÁLBUM DE
FIGURINHAS’. LEI No 5.989/1973, ARTIGO 100; LEI No 8.672/1993” (REsp no 46.420/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4a
Turma, j. em 12.9.1994, DJ de 5 dez. 1994, p. 3.3565).

31
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

O dano à imagem também protege a pessoa jurídica no que diz respeito aos seus atributos, sendo
passível indenização para reparação do dano45. Nesse caso, a imagem não tem caráter pessoal,
analisa-se a imagem que aquela empresa possui diante de seus sócios ou consumidores.

O direito ao uso da imagem pode, sem qualquer problema, ser autorizado pelo seu titular, seja de
forma expressa, seja de forma implícita. Esta última se dá, por exemplo, quando uma pessoa se deixa
fotografar ou filmar em evento, sabendo que a câmera é de uma rede de televisão pela logomarca
estampada ou pela identificação do fotógrafo de uma revista qualquer46. Todavia, tal imagem não
pode ser desvirtuada, quando, por exemplo, um artista posa para uma determinada revista e sua
imagem é utilizada para outro fins, como propaganda47.

Até mesmo fotos de pessoas comuns utilizadas sem autorização para fins comerciais ensejam direito
à indenização por dano moral48. Fotos de multidão, seja em passeata, eventos esportivos, festas,
desfiles, mesmo que permitam identificar o indivíduo, não ensejam indenização, salvo se o foco da
imagem está centralizado no indivíduo49.

O último aspecto relevante ao direito de imagem está no tratamento dado às pessoas públicas, mais
conhecidas como celebridades. Nesse ponto, o art. 20 do Código Civil, já mencionado, estabelece
alguns limites, aplicáveis tanto à honra, como ao direito à imagem. Seria um absurdo que uma
autoridade ou uma celebridade viesse a ter indenização por ter seu nome e sua imagem expostos
pela mídia, haja vista a condição pública da pessoa e a própria liberdade de imprensa. É óbvio que
tal situação deve ser vista sem abuso de direito, como, por exemplo, os papparazzi que invadem a
intimidade da celebridade, que, mesmo sendo uma pessoa pública, tem direito, em sua residência,
a manter um grau mínimo de privacidade.

A regra do art. 20 abre exceção ao direito de imagem no caso de interesse público e da administração
da justiça, como, por exemplo, a revelação da foto de um foragido da justiça, uma vez que há
interesse social na sua captura. Entretanto, caso haja divulgação equivocada da imagem ou a própria
investigação chegue à conclusão de que o indivíduo não foi o autor do fato, tem-se direito claro à
indenização, como foi o conhecido caso da Escola Base em São Paulo50.

45 “Direito empresarial. Dano moral. Divulgação ao mercado, por pessoa jurídica, de informações desabonadoras a respeito de
sua concorrente. Comprovados danos de imagem causados à empresa lesada. Dano moral configurado. Fixação em patamar
adequado pelo tribunal a quo. Manutenção. Para estabelecer a indenização por dano moral, deve o julgador atender a certos
critérios, tais como nível cultural do causador do dano; condição socioeconômica do ofensor e do ofendido; intensidade do dolo
ou grau da culpa do autor da ofensa; efeitos do dano, inclusive no que diz respeito às repercussões do fato. Na hipótese em que se
divulga ao mercado informação desabonadora a respeito de empresa-concorrente, gerando-se desconfiança geral da clientela,
agrava-se a culpa do causador do dano, que resta beneficiado pela lesão que ele próprio provocou. Isso justifica o aumento da
indenização fixada, de modo a incrementar o seu caráter pedagógico, prevenindo-se a repetição da conduta. O montante fixado
pelo tribunal a quo, em R$ 400.000,00, mostra-se adequado e não merece revisão” (REsp no 883.630/RS, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3a turma, j. em 16.12.2008, DJe de 18 fev. 2009).
46 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 143.
47 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.
48 “Dano moral: fotografia: publicação não consentida: indenização: cumulação com o dano material: possibilidade. Constituição
Federal, art. 5o, X. Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece
é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou
constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que
ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art. 5o, X” (RE no 215.984, Rel. Min. Carlos Velloso, j.
em 4.6.2002, DJ de 28 jun. 2002).
49 FARIAS; ROSENVALD, op. cit., p. 144.
50 Ver: <http://www.conjur.com.br/2002-set-03/stj_rever_indenizacao_escola_base>.

32
Garantias e Princípios Constitucionais, Materiais, Institucionais e Processuais │ UNIDADE I

Direito de reunião e de associação


A Constituição Federal dispôs, nos incisos XVI a XXI do art. 5o, acerca do direito de livre reunião e
do de livre associação.

O Direito Constitucional de livre reunião teve sua origem no art. 16 da Declaração da Pensilvânia,
de 1776. A Constituição brasileira de 1891 foi a primeira a versar sobre esse direito, ainda, à época,
mesclado com o direito de livre associação, só havendo a separação dos conceitos na Constituição
de 193451.

Ressalte-se que a liberdade de reunião pacífica não necessita de autorização, exigindo-se apenas
prévio aviso à autoridade competente, a fim de que se impeça eventual frustração de outra reunião
na mesma localidade.

O livre direito de associação previsto na Constituição garante ao cidadão a liberdade de escolha de


acordo com os seus interesses. A questão ganha um contorno mais relevante quando comparada
com o art. 8o, V, da Carta Magna, que permite a plena liberdade de associação aos sindicatos, não
obrigando ninguém a ficar associado.

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a favor da liberdade de associação quando questionado


acerca da Lei no 10.779/2003, que determinava a concessão de seguro-desemprego a pescador desde
que estivesse filiado à colônia de pescadores da região52.

A liberdade de associação não se estende às pessoas jurídicas, principalmente quando lei ordinária
determina a necessidade de filiação53. Tanto é assim que as confederações, formadas pelo conjunto
de associações, não possuem os mesmos direitos destas, sendo, por exemplo, parte ilegítima para
a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, haja vista serem meros organismos de

51 “A primeira Constituição política do Brasil a dispor sobre a liberdade de associação foi, precisamente, a Constituição republicana
de 1891, e, desde então, essa prerrogativa essencial tem sido contemplada nos sucessivos documentos constitucionais
brasileiros, com a ressalva de que, somente a partir da Constituição de 1934, a liberdade de associação ganhou contornos
próprios, dissociando-se do direito fundamental de reunião, consoante se depreende do art. 113, § 12, daquela Carta Política.
Com efeito, a liberdade de associação não se confunde com o direito de reunião, possuindo, em relação a este, plena autonomia
jurídica [...]. Diria, até, que, sob a égide da vigente Carta Política, intensificou-se o grau de proteção jurídica em torno da liberdade
de associação, na medida em que, ao contrário do que dispunha a Carta anterior, nem mesmo durante a vigência do estado de
sítio se torna lícito suspender o exercício concreto dessa prerrogativa. [...] Revela-se importante assinalar, neste ponto, que a
liberdade de associação tem uma dimensão positiva, pois assegura a qualquer pessoa (física ou jurídica) o direito de associar-se e
de formar associações. Também possui uma dimensão negativa, pois garante, a qualquer pessoa, o direito de não se associar, nem
de ser compelida a filiar-se ou a desfiliar-se de determinada entidade. Essa importante prerrogativa constitucional também possui
função inibitória, projetando-se sobre o próprio Estado, na medida em que se veda, claramente, ao Poder Público, a possibilidade
de interferir na intimidade das associações e, até mesmo, de dissolvê-las, compulsoriamente, a não ser mediante regular processo
judicial” (ADI no 3.045, voto do Min. Celso de Mello, j. em 10.8.2005, Plenário, DJ de 1º jun. 2007).
52 “Art. 2o, IV, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, da Lei no 10.779/2003. Filiação à colônia de pescadores para habilitação ao seguro-desemprego [...].
Viola os princípios constitucionais da liberdade de associação (art. 5o, XX) e da liberdade sindical (art. 8o, V), ambos em sua
dimensão negativa, a norma legal que condiciona, ainda que indiretamente, o recebimento do benefício do seguro-desemprego
à filiação do interessado à colônia de pescadores de sua região” (ADI no 3.464, Rel. Min. Menezes Direito, j. em 29.10.2008,
Plenário, DJe de 6 mar. 2009).
53 “Liberdade negativa de associação: sua existência, nos textos constitucionais anteriores, como corolário da liberdade positiva
de associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão coletiva
de arrecadação e distribuição de direitos autorais e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. Direitos autorais e
conexos: sistema de gestão coletiva de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (Lei no 9.610/1998, art. 99), sem ofensa do
art. 5o, XVII e XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto
no art. 5o, XXVIII, ‘b’, da própria Lei Fundamental. Liberdade de associação: garantia constitucional de duvidosa extensão às
pessoas jurídicas” (ADI no 2.054, Rel. para o acórdão. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 2.4.2003, Plenário, DJ de 17 out. 2003).

33
UNIDADE I │ GARANTIAS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS, MATERIAIS, INSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS

coordenação de entidades sindicais, não podendo ser admitidas como hierarquicamente superiores
às associações54.

As associações, como instrumentos de interesses comum entre seus participantes, não podem
nem devem sofrer interferência estatal, sendo essa admitida apenas em casos extremos, quando a
finalidade das associações for ilícita55, situação que autoriza a sua suspensão ou até a sua dissolução
compulsória, nos moldes do inciso XIX do art. 5o da Constituição Federal.

Como é a relação do direito civil com o direito constitucional? Houve alguma


mudança nos paradigmas de direito público e direito privado?

54 “Confederações como a presente são meros organismos de coordenação de entidades sindicais ou não [...], que não integram
a hierarquia das entidades sindicais, e que têm sido admitidas em nosso sistema jurídico tão só pelo princípio da liberdade de
associação” (ADI no 444, Rel. Min. Moreira Alves, j. em 14.6.1991, Plenário, DJ de 25 out. 1991).
55 “Cabe enfatizar, neste ponto, que as normas inscritas no art. 5o incisos XVII a XXI da atual Constituição Federal, protegem as
associações, inclusive as sociedades, da atuação eventualmente arbitrária do legislador e do administrador, uma vez que somente
o Poder Judiciário, por meio de processo regular, poderá decretar a suspensão ou a dissolução compulsória das associações.
Mesmo a atuação judicial encontra uma limitação constitucional: apenas as associações que persigam fins ilícitos poderão
ser compulsoriamente disolvidas ou suspensas. Atos emanados do Executivo ou do legislativo que provoquem a compulsória
suspensão ou dissolução de asssociações, mesmo as que possuam fins ilícitos, serão inconstitucionais” (ADI no 3.045, voto do
Min. Celso de Mello, j. em 10.8.2005, plenário, DJ de 1o de jun. 2007).

34
Refletindo para Unidade iI
Começar

capítulo 1
Vislumbrando o Estado nas Nossas
Vidas

O estudo do Direito Administrativo pressupõe a compreensão do que é o Estado.

Em nossa conversa é importante, então, vislumbrarmos, num primeiro momento, como o Estado
age nas nossas vidas para, a partir daí, buscarmos compreender a essência de sua existência e de
sua formação.

Vamos, então, olhar à nossa volta e vislumbrar todas as coisas em que há a presença do Estado.

Olhe as coisas dentro da sua casa, no seu local de trabalho, no seu dia a dia.

Lembre-se de que o Estado atua regulando as relações pessoais – mesmo antes do nascimento ou
depois da morte, na família, no casamento, no lazer, no trabalho, nos negócios.

O Estado escreve as leis, executa-as e julga as lides, dirimindo conflitos. O Estado responde por tudo
que faz, de acordo com as leis que ele próprio Estado escreveu.

O Estado regula a existência e funcionamento do comércio, da indústria, da educação, da saúde, da


segurança, do trânsito, da construção da sua casa, do emprego, do desemprego.

O Estado pune e perdoa.

O Estado define direitos, deveres e obrigações de todos e para tudo.

O Estado fabrica o dinheiro e cobra tributos sobre tudo que você compra e até do que você ganha -
do seu salário.

O Estado está presente na energia elétrica, no telefone, no gás, nas compras e nos pagamentos do
mês.

O Estado possui bens, tem um tesouro, faz negócios, compra e vende, constrói, desapropria, concede,
permite.

35
UNIDADE II │ Refletindo para Começar

O Estado organiza a forma de se autoadministrar.

O Estado controla a sua vida e até a sua morte.

Então, vamos refletir sobre tudo isso e, dessa forma, iniciar nosso estudo.

Com certeza, tal reflexão nos levará a olhar o Estado de forma diferente, como um ente presente e
atuante.

Assim, preparamo-nos para compreender como chegamos até esse Estado que hoje vislumbramos
e chamamos de Estado Moderno.

Podemos, então, entender o Direito Administrativo como disciplina de estudo das funções e
manifestações do Estado.

Reflita sobre o conteúdo deste Capítulo e comente com seu professor-tutor.

36
O Estado Unidade iII

Capítulo 1
Aspectos Gerais da Origem e Formação
do Estado

A partir da reflexão do que foi apresentado no Capítulo anterior, em que se busca vislumbrar o
Estado nas nossas vidas, podemos nos aprofundar em pensamento para conhecermos os aspectos
gerais da sua origem e formação.

Etimologicamente, a palavra Estado provém do grego polis (cidade-estado), de onde advém o


conceito de política, a ciência de governar a cidade. Para os romanos, a civitas ou res pública é
chamada de status, que denota situação ou condição. Nos tempos atuais, surge o conceito do Estado,
que conhecemos: para o francês, é État, Staat para o alemão, Stato para o italiano, e Estado para o
espanhol e para o português.

Iniciemos por PLATÃO.

Ateniense de origem aristocrática, Platão (427-347 a.C.) formulou questões de base filosófica sobre
a origem e formação do Estado.

Sem grande sucesso, participou das atividades políticas, fato visto como importante na constante
evolução do seu pensamento.

Para entender Platão, é essencial conhecer duas de suas obras escritas em forma de diálogo: A República e
As Leis.

A República descreve a concepção ideal do Estado, a mais perfeita unidade, detentor de um poder
ilimitado, nada reservado exclusivamente à vontade dos cidadãos, e dividido em três classes: os
governantes (filósofos que exercitam a sabedoria); os guerreiros (responsáveis pela defesa); os
artífices e agricultores (encarregados da alimentação). A imperfeição do indivíduo é a causa da sua
submissão ao Estado.

Para esse filósofo, o Estado domina a atividade humana e tem por fim a felicidade de todos.

Platão apresenta, sem condenar a escravidão, a abolição da família e da propriedade, uma comunhão
dos bens a fim de se alcançar a unidade orgânica e a harmonia do Estado (vale só para as duas
classes superiores: governantes e guerreiros).

37
UNIDADE III │ O Estado

O diálogo As Leis trata do problema da legislação, apontando uma abordagem real sobre o que deveria
acontecer e que na realidade não ocorre. Para Platão, a vivência e a natureza humanas, com ênfase na má
conduta do ser humano, geram a necessidade de leis que orientem o indivíduo, conduzindo-o a um bom
proceder, visando ao bem comum, possuindo, portanto, um caráter educativo, assim como o Estado
deve possuir.

O Estado, além de educador, também possui domínio e poder, respeitando, apesar disso, a
personalidade individual dos homens livres. No que concerne à forma de governo, nem a monarquia
e nem a democracia seriam o regime mais adequado, mas sim a fusão dessas duas formas, mediante
a qual a cidade seria governada por meio de sábios e guardiões das leis.

Ademais, cumpre-nos esclarecer que as discussões a respeito da origem e formação do Estado


envolvem a verificação de teorias com diferentes abordagens, resultando concepções diversas.

A respeito das teorias da origem do Estado, Dallari (2005, p. 52-3), a par da existência de diversas
teorias, as reduz a três posições para melhor entendimento.

A primeira, de acordo com muitos autores, diz que o Estado sempre existiu, da mesma forma que
a própria sociedade, pois, desde que o homem vive sobre a terra, encontra-se “integrado numa
organização social”, dotada de poder e com autoridade para determinar o “comportamento de todo
grupo”.

Para muitos autores, o Estado, assim como a própria sociedade, existiu sempre,
pois desde que o homem vive sobre a terra acha-se integrado numa organização
social, dotada de poder e com autoridade para determinar o comportamento
de todo o grupo. Entre os que adotam essa posição destacam-se Eduard
Meyer, historiador das sociedades antigas, e Wilhelm Koppers, etnólogo,
ambos afirmando que o Estado é um elemento universal na organização
social humana. Meyer define mesmo o Estado como o princípio organizador
e unificador em toda organização social da Humanidade, considerando-o, por
isso, onipresente na sociedade humana.

A segunda, conforme outros autores, acredita que a sociedade humana conviveu por certo tempo
sem a existência de um Estado que fora sendo formado para “atender às necessidades ou às
conveniências dos grupos sociais”.

Uma segunda ordem de autores admite que a sociedade humana existiu sem
o Estado durante um certo período. Depois, por motivos diversos, que serão
indicados quando tratarmos das causas que levaram à formação do Estado,
este foi constituído para atender às necessidades ou às conveniências dos
grupos sociais. Segundo esses autores, que, no seu conjunto, representam
ampla maioria, não houve concomitância na formação do Estado em diferentes
lugares, uma vez que este foi aparecendo de acordo com as condições concretas
de cada lugar.

A terceira, defendida por alguns autores, só aceita a existência do Estado quando este traz uma “sociedade
política dotada de certas características muito bem definidas”, dotada de soberania, não se admitindo
um “conceito geral” de Estado que seja “válido para todos os tempos”. Sendo assim, essa terceira via

38
O Estado │ UNIDADE III

teórica aponta fatos concretos que ensejam o nascimento do Estado, como, por exemplo, a assinatura da
paz de Westfália.

(...) autores que só admitem como Estado a sociedade política dotada de certas
características muito bem definidas. Justificando seu ponto de vista, um dos
adeptos dessa tese, Karl Schmidt, diz que o conceito de Estado não é um conceito
geral válido para todos os tempos, mas é um conceito histórico concreto, que
surge quando nascem a ideia e a prática da soberania, o que ocorreu no século
XVII. Outro defensor desse ponto de vista, Balladore Pallieri, indica mesmo,
com absoluta precisão, o ano do nascimento do Estado, escrevendo que ‘a data
oficial em que o mundo ocidental se apresenta organizado em Estados é a de 1648,
ano em que foi assinada a paz de Westfália’. Entre os autores brasileiros adeptos
dessa teoria salienta-se Ataliba Nogueira, que, mencionando a pluralidade
de antinomias existentes no mundo medieval, sobretudo o feudalismo, as
autonomias comunais e as corporações, ressalta que a luta entre elas foi um
dos principais fatores determinantes da constituição do Estado, o qual, com
todas as suas características, já se apresenta por ocasião da paz de Westfália.

A respeito da formação do Estado, Dallari (2005, p. 53) chama a atenção para duas questões
diversas. Uma, a formação do Estado de forma originária, ou seja, quando o Estado é formado a
partir de “agrupamentos humanos ainda não integrados em qualquer Estado”. A outra se dá quando
a formação do Estado decorre de outros Estados preexistentes, o que se chama de formação derivada.

No tocante às teorias que buscam explicar a formação originária do Estado, Dallari (2005, p. 54-8)
aponta dois grandes grupos de discussão.

Há o grupo das teorias que apontam a “formação natural ou espontânea”, no qual o Estado surgiu
de forma natural, sem qualquer “ato puramente voluntário”.

O outro grupo de teorias indica a formação contratual do Estado, que menciona haver uma “vontade
de alguns homens, ou então de todos os homens”. Contudo, os teóricos contratualistas divergem
entre si com relação às causas determinantes dessa formação contratual, ou seja, a causa humana
que enseja essa formação, mas, de modo geral, admitem que a “criação contratualista do Estado”
está de certa forma ligada à teoria de “formação contratual da sociedade”.

Sob outro ângulo, existem teorias não contratualistas a respeito das causas do surgimento do Estado.

Vejamos no quadro demonstrativo a seguir:

Teorias não contratualistas do


Argumentos
surgimento do estado
Origem familiar ou patriarcal O argumento fundamental está no núcleo social da família.
A família dá origem ao Estado.
Esta é a tese de Robert Filmer, que defende que as famílias primitivas se ampliaram, surgindo daí o
Estado.
Origem em atos de força, de violência Esta teoria sustenta que a supremacia de um grupo social mais forte subjuga um grupo mais fraco,
ou de conquista resultando, daí, a dominação de um pelo outro.
Oppenheimer afirma que o Estado surge para regulamentar a convivência entre vencedores e vencidos,
decorrente de dominação para exploração econômica do grupo conquistador.

39
UNIDADE III │ O Estado

Origem em causas econômicas ou O forte argumento desta teoria está na busca de aquisição de riquezas.
patrimoniais
Dallari cita a indicação por certos autores de Platão e, em “A República”, se manifesta: “Um Estado nasce
das necessidades dos homens; ninguém basta em si mesmo, mas todos nós precisamos de muitas
coisas”.
Dallari ainda argumenta: “Nessa mesma ordem de ideias coloca-se Heller, dizendo que a posse da terra
gerou o poder e a propriedade gerou o Estado, e Preuss, sustentando que a característica fundamental
do Estado é a soberania territorial”.
Segundo Dallari, os motivos econômicos que ensejam a origem do Estado têm “maior repercussão
prática” com Marx e Engels. Engels nega que o Estado tenha surgido com a sociedade, afirmando que
o Estado “é antes um produto da sociedade, quando ela chega a determinado grau de desenvolvimento”.
Quanto a isso, chama a atenção a gens grega que, em capítulo, diz que os males e diferenças resultantes
dá aquisição de riquezas, bem como da necessidade de se regular essa convivência social quanto a
essas aquisições, nasceu o Estado.
Origem no desenvolvimento interno da Defendida por Robert Lowie, diz que o Estado existe em potencial, não sendo necessário em sociedades
sociedade humanas simples. Contudo, faz-se necessário e surge quando as sociedades se desenvolvem e se
tornam mais complexas.

Ademais, é importante registrar a existência de outros fenômenos a partir dos quais é possível
originar novos Estados.

São eles:

»» O fracionamento, que ocorre quando parte do território delimitador de um Estado


se divide, dando origem a outro(s) Estado(s).

»» A união, que resulta na adoção de uma Constituição comum por Estados preexistentes
que aderem a uma União.

Assim, tem-se uma visão abrangente da origem e formação do Estado, em que se busca compreender
sua existência e tudo o que dele resulta.

40
Capítulo 2
Elementos do Estado: Soberania.
Território. Povo

Notadamente, a concepção de Estado está vinculada à existência de soberania, de um território e de


um povo.

Você consegue ver o Estado sem um lugar para existir ou sem um povo para integrá-lo?

Da mesma forma, é possível conceber um Estado sem soberania?

É certo que poderemos concluir que esses elementos são essenciais para que o Estado exista.

Contudo, é importante compreendermos esses elementos necessários para a existência do Estado


para, assim, entendermos seus próprios desígnios e finalidades.

Sobre soberania, território e povo, Meirelles (2008, p. 61) designa-os “Elementos do Estado”, assim
lecionando:

Elementos do Estado – O Estado é constituído de três elementos originários


e indissociáveis: Povo, Território e Governo soberano. Povo é o componente
humano do Estado; Território, a sua base física; Governo soberano, o elemento
condutor do Estado, que detém e exerce o poder absoluto de autodeterminação
e auto-organização emanado do Povo. Não há nem pode haver Estado
independente sem Soberania, isto é, sem esse poder absoluto, indivisível e
incontrastável de organizar-se e de conduzir-se segundo a vontade livre de seu
Povo e de fazer cumprir as suas decisões, inclusive pela força, se necessário. A
vontade estatal apresenta-se e se manifesta através dos denominados Poderes
de Estado.

No dizer de Dallari (2005, p. 84),

A soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas: como


sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos dirigentes dos
Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio povo, não serem mais
submissos a qualquer potência estrangeira; ou como expressão de poder
jurídico mais alto, significando que , dentro dos limites da jurisdição do
Estado, este é que tem o poder de decisão em última instância, sobre a eficácia
de qualquer norma jurídica.

De fato, soberania enseja força e poder, que resultam em independência do Estado quanto à sua
existência e sua própria vontade. O Estado sem soberania não se faz respeitar nem faz valer a sua
vontade. A soberania dá ao Estado seu status de detentor dos poderes necessários para a consecução
ou realização dos seus fins.

41
UNIDADE III │ O Estado

É da soberania do Estado que decorre o seu poder de fazer as leis (legislar), de dizer o direito (julgar)
e de desempenhar suas funções administrativas (executar).

O Estado, para se manifestar como ente ordenador das coisas, precisa de poderes que o tornem
superior e isso é decorrente da soberania. É, portanto, a soberania, o fundamento, a base para a
existência do Estado.

Ademais, a Constituição Federal do Brasil de 1988 tem no seu artigo 1o, que abre o rol de Princípios
Fundamentais que regem o Estado democrático de direito da República Federativa do Brasil, a
soberania como primeiro fundamento de existência do Estado brasileiro.

Moraes (2006, p. 16), interpretando o inciso I do artigo 1o da Constituição de 88, ao se referir à


soberania expressa, cita Marcelo Caetano, que a define como “um poder político supremo e
independente, entendendo-se por poder supremo aquele que não está limitado por nenhum outro
na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de
acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes
supremos dos outros povos”.

Território, como elemento constitutivo do Estado, enseja sua forma física e espacial, sendo
compreendido, simploriamente, como suas terras e mares, então delimitados, e seu espaço aéreo.

A respeito do Território, Dallari (2005, p. 89-90) sintetiza os aspectos teóricos mais relevantes,
ressaltando que sobre os quais não há divergências, quais sejam:

a. Não existe Estado sem território. No momento mesmo de sua constituição o Estado
integra num conjunto indissociável, entre outros elementos, um território, de que
não poder ser privado sob pena de não ser mais Estado. A perda temporária do
território, entretanto, não desnatura o Estado, que continua a existir enquanto não
se torna definitiva a impossibilidade de se reintegrar o território com os demais
elementos. O mesmo se dá com as perdas parciais de território, não havendo
qualquer regra quanto ao mínimo de extensão territorial.

b. O território estabelece a delimitação da ação soberana do Estado. Dentro dos limites


territoriais, a ordem jurídica do Estado é a mais eficaz, por ser a única dotada de
soberania, dependendo dela admitir a aplicação, dentro do âmbito territorial, de
normas jurídicas provindas do exterior. Por outro lado, há casos em que certas
normas jurídicas do Estado, visando diretamente à situação pessoal dos indivíduos,
atuam além dos limites territoriais, embora sem a possibilidade de concretizar
qualquer providência externa sem permissão de outra soberania.

c. Além de ser elemento constitutivo necessário, o território, sendo o âmbito de ação


soberana do Estado, é objeto de direito deste, considerado no seu conjunto. Assim é
que, caso haja interesse do povo, o Estado pode até alienar uma parte do território,
como pode também, em circunstâncias especiais, usar o território sem qualquer
limitação, até mesmo em prejuízo dos direitos de particulares sobre porções
determinadas.

42
O Estado │ UNIDADE III

Povo, como elemento do Estado, é a designação humana necessária para a composição social do
Estado.

Dallari (2005, p. 95) ensina que

É unânime a aceitação da necessidade do elemento pessoal para a constituição


e a existência do Estado, uma vez que sem ele não é possível haver Estado e
é para ele que o Estado se forma”. E arremata dizendo que (100) “Todos os
que se integram no Estado, através da vinculação jurídica permanente, fixada
no momento jurídico da unificação e da constituição do Estado, adquirem a
condição de cidadãos, podendo-se, assim, conceituar o povo como o conjunto
dos cidadãos do Estado.

A par disso, podemos concluir que o Povo é o espírito do Estado, que não existe sem esse ânimo,
sem essa alma.

Prova disso, verificamos no PREÂMBULO da Constituição Federal do Brasil de 1988, a força do


Povo, manifestando, por seus representantes, o desejo de formação do Estado, verbis:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional


Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil.”

Assim, podemos verificar a força e a vontade do Povo na formação do Estado.

Essa força do Povo na formação do Estado está literalmente presente na Constituição do Brasil de
1988, quando, no seu artigo 1o, Parágrafo único, se tem que “Todo poder emana do povo, que exerce
por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

43
Capítulo 3
Finalidade e Funções do Estado

O que dizer da finalidade do Estado quando se verifica em seu derredor sua


onipresença?

A que fim se destina a existência do Estado?

De fato, conhecer a finalidade do Estado gera uma conscientização capaz de entendê-lo como um
ente organizador das relações humanas, sem o qual não haveria um relacionamento normativo
ordenador dessas relações.

Em verdade, para melhor compreensão e entendimento da sua finalidade, temos que partir do
pressuposto de que o Estado não existe.

Reflita sobre como seria sua vida sem o Estado.

Fórum.

Dallari (2005, p. 108), sintetizando estudo sobre as teorias da finalidade do Estado, conclui, chamando
a atenção para “uma estreita relação entre os fins do Estado e as funções que ele desempenha”, que

o Estado, como sociedade política, tem um fim geral, constituindo-se em meio


para que os indivíduos e as demais sociedades possam atingir seus respectivos fins
particulares. Assim, pois, pode-se concluir que o fim do estado é o bem comum,
entendido este como o conceituou o Papa João XXIII, ou seja, o conjunto de
todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento
integral da personalidade humana.

Então, quem é esse Estado?

Bandeira de Mello (2002, p. 27-9) ensina que:

2. Em nosso tempo histórico, no mundo ocidental, prevalece esmagadoramente


na doutrina a afirmação de que há uma trilogia de funções no Estado: a
legislativa, a administrativa (ou executiva) e a jurisdicional. Isto é certo,
embora possam ser invocadas algumas raras, conquanto muito respeitáveis,
vozes discrepantes e se possa também observar que determinados atos
estatais parecem não se acomodar bem neste modelo. Como se sabe, as
funções legislativas, administrativas (ou executivas) e judiciais estão

44
O Estado │ UNIDADE III

distribuídas entre três blocos orgânicos, denominados “Poderes”, os quais,


de regra, são explicitamente mencionados nas constituições modernas
do Ocidente. Tais unidades orgânicas absorveriam, senão com absoluta
exclusividade, ao menos com manifesta predominância, as funções
correspondentes a seus próprios nomes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

3. Esta trilogia não reflete uma verdade, uma essência, algo inexorável
proveniente da natureza das coisas. É pura e simplesmente uma construção
política invulgarmente notável e muito bem sucedida, pois recebeu
amplíssima consagração jurídica. Foi composta em vista de um claro
propósito ideológico do Barão de Montesquieu, pensador ilustre que deu
forma explícita à ideia de tripartição. A saber: impedir a concentração de
poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos
governantes.

Essa “consagração jurídica” quanto às funções ou Poderes do Estado, no dizer do mestre, enseja a
compreensão comum admitida e reconhecida popularmente.

A Constituição Federal de 1988, no caput de seu artigo 2o, define que “São poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Alexandre de Moraes (2006, p. 373) assim comenta a Separação das Funções Estatais:

A Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o desrespeito


aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do
Estado (CF, arts. 44 a 126), bem como a instituição do Ministério Público (CF,
arts. 127 a 130), independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles
as funções estatais para que bem pudessem exercê-las, bem como criando
mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade
do Estado Democrático de Direito.

A divisão segundo o critério funcional é a célebre separação dos poderes, que


consiste em distinguir três funções estatais, quais sejam, legislação, administração
e jurisdição, que devem ser atribuídas a três órgãos autônomos entre si, que as
exercerão com exclusividade, foi esboçada pela primeira vez por Aristóteles, na
obra “Política”, detalhada, posteriormente por John Locke, do Segundo tratado
do governo civil, que também reconheceu três funções distintas, entre elas a
executiva, consistente em aplicar a força pública no interno, para assegurar a
ordem e o direito, e a federativa, consistente em manter relações com outros
Estados, especialmente por meio de alianças. E, finalmente, consagrada na obra
de Montesquieu, O espírito da leis, a quem devemos a divisão e distribuição
clássicas, tornando-se princípio fundamental da organização política liberal e
transformando-se em dogma pelo art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos
do Homem e do Cidadão, de 1789, e é prevista no art. 2o da nossa Constituição
Federal.

45
UNIDADE III │ O Estado

O texto constitucional não só prevê em seu art. 2o os três poderes da União, mas também,
posteriormente, define suas composições, funções e prerrogativas.

Ocorre, porém, que, apesar de independentes, os poderes de Estado devem atuar de maneira
harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e condenando as práticas de
guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na
condução dos negócios públicos pelos agentes políticos. Para tanto, a Constituição Federal consagra
um complexo mecanismo de controles recíprocos entre os três poderes, de forma que, ao mesmo
tempo, um Poder controle os demais e por eles seja controlado. Esse mecanismo denomina-se
teoria dos freios e contrapesos.

Dessa forma, ao afirmar que os Poderes da União são independentes e harmônicos, o texto
constitucional consagrou, respectivamente, as teorias da separação dos poderes e dos freios e
contrapesos.

Contudo, a lucidez de Hely Lopes (2008, p. 60-61) esclarece a questão, ensejando a compreensão
das funções ou Poderes do Estado:

Os Poderes do Estado, na clássica tripartição de Montesquieu, até hoje


adotada nos Estados de Direito, são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário,
independentes e harmônicos entre si e com suas funções reciprocamente
indelegáveis (CF, art.2o). Esses Poderes são imanentes e estruturais do Estado
(diversamente dos poderes administrativos, que são incidentais e instrumentais
da Administração), a cada um deles correspondendo uma função que lhe é
atribuída com precipuidade. Assim, a função precípua do Poder legislativo é
a elaboração da lei (função normativa); a função precípua do Poder Executivo
é a conversão da lei em ato individual e concreto (função administrativa); a
função precípua do Poder Judiciário é a aplicação coativa da lei aos litigantes
(função judicial). Referimo-nos à função precípua de cada Poder do Estado
porque, embora o ideal fosse a privatividade de cada função para cada Poder,
na realidade isso não ocorre, uma vez que todos os Poderes têm necessidade
de praticar atos administrativos, ainda que restritos à sua organização e
ao seu funcionamento, e, caráter excepcional admitido pela Constituição,
desempenham funções e praticam atos que, a rigor, seriam de outro Poder.
O que há, portanto, não é a separação dos Poderes com divisão absoluta de
funções, mas, sim, distribuição das três funções estatais precípuas entre órgãos
independentes, mas harmônicos e coordenados no seu funcionamento, mesmo
porque o poder estatal é uno e indivisível.

Aliás, já se observou que Montesquieu nunca empregou em sua obra política


as expressões “separação de Poderes” ou “divisão de Poderes”, referindo-se
unicamente à necessidade do “equilíbrio entre os Poderes”, do que resultou
entre os ingleses e norte-americanos o sistema de checks and balances, que
é o nosso método de freios e contrapesos, em que um Poder limita o outro,
como sugerira o próprio autor no original: le pouvoir arrête lê pouvoir. Seus

46
O Estado │ UNIDADE III

apressados seguidores é que lhe deturparam o pensamento e passaram a


falar em “divisão” e “separação de Poderes”, como se estes fossem estanques
e incomunicáveis em todas as suas manifestações, quando, na verdade, isto
não ocorre, porque o Governo é a resultante da interação dos três Poderes do
Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário -, como a Administração o é de
todos os órgãos desses Poderes.

Carvalho Filho (2008, p. 2-3) ressalta que “não há exclusividade no exercício das funções pelos
Poderes. Há, sim, preponderância”, esclarecendo:

Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções
normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente
deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a
Constituição os autorize.

O Legislativo, por exemplo, além da função normativa, exerce função


jurisdicional quando o Senado processa e julga o Presidente da República
nos crimes de responsabilidade (art.52, I, C.F.) ou os Ministros do Supremo
Tribunal Federal pelos mesmos crimes (art. 52, II, C.F.). Exerce também a
função administrativa quando organiza seus serviços internos (arts. 51, IV e
52, XIII, C.F.).

O Judiciário, afora sua função típica (função jurisdicional), pratica atos no


exercício de função normativa, como na elaboração dos regimentos internos
dos Tribunais (art. 96, I, “a”, C.F.), e de função administrativa, quando organiza
os seus serviços (art. 96, I, “a”, “b”, “c”; art. 96, II, “a”, “b”, etc).

Por fim o Poder Executivo, ao qual incumbe precipuamente a função


administrativa, desempenha também função atípica normativa, quando
produz, por exemplo, normas gerais e abstratas através de seu poder
regulamentar (art. 84, IV, C.F.), ou, ainda, quando edita medidas provisórias
(art. 62, C.F.) ou leis delegadas (art. 68, C.F.). Quanto à função jurisdicional,
o sistema constitucional pátrio vigente não lhe deu margem a que pudesse ser
exercida pelo Executivo. A função jurisdicional típica, assim considerada aquela
por intermédio da qual conflitos de interesses são resolvidos com o cunho de
definitividade (res iudicata), é praticamente monopolizada pelo Judiciário,
e só em casos excepcionais, como visto, e expressamente mencionados na
Constituição, é ela desempenhada pelo Legislativo.

Ademais, muitos pensadores jurídicos entendem que a teoria da ‘separação de poderes’ de


Montesquieu compôs o constitucionalismo para preservar a liberdade dos indivíduos, nos dizeres do
próprio filósofo: “quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo
está reunido ao poder executivo, não há liberdade, pois que se pode esperar que esse monarca ou
esse senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente”.

47
UNIDADE III │ O Estado

A separação dos poderes tinha duas bases principais. Primeira, a proteção da liberdade individual
e, segunda, para aumentar a eficiência do Estado, considerando uma melhor divisão de atribuições
e competências, tornando cada órgão especializado com determinada função.

Todo esse ideal, que sofreu resistência de início, teve como objetivo, à época, diminuir o absolutismo
dos governos.

Muitos autores acharam por bem definir a teoria de Montesquieu como divisão dos poderes, e não
separação dos poderes como é intitulada. A questão terminológica reflete-se apenas na soberania
do Estado, ou seja, em sua unicidade, haja vista o termo separação ser muito forte para uma função
apenas distributiva de função.

Torna-se importante repetir que era entendido que a função de diminuir a concentração do poder
resulta numa maior liberdade individual, logo seria diminuída a possibilidade de um regime
ditatorial.

Aristóteles preocupava-se com a concentração de poderes na mão de um só, pois considerava injusto
e perigoso atribuir-se, a um só indivíduo, o exercício do poder.

Contudo, a justificativa para a separação dos poderes não foi buscada em Aristóteles; ela vem sendo
ainda construída e questionada junto com a própria evolução do Estado, a partir de seus conflitos.

Dalmo de Abreu Dallari (2005m p. 20) comenta que:

É curioso notar que Maquiavel louva essa organização porque dava segurança
ao rei. Agindo em nome próprio o judiciário poderia proteger os mais fracos,
vítimas de ambições das insolências dos poderosos, poupando o rei da
necessidade de interferir nas disputas e de, em consequência, enfrentar o
desagrado dos que não tivessem suas razões acolhidas.

A doutrina da separação dos poderes surge por meio de Locke, tomando como parâmetro obviamente
o Estado inglês do séc. XVII. Este identificava quatro funções e dois órgãos do poder: a função
legislativa para o parlamento e a executiva para o rei.

Entretanto, a função exercida pelo rei acumulava uma função federativa, a tratar de questões de
segurança, como guerra e paz e de ligas e alianças.

Uma outra função atribuída ao rei era, na definição de Locke, “o poder de fazer o bem público sem
subordinar a regras”. Apesar disso, o próprio Locke admitia que, pela imprecisão do termo “bem
público”, dava margens a certas condutas absolutistas.

Em 1748, a teoria da separação dos poderes ganha maior configuração por meio da obra de
Montesquieu “De L’Espirit des Lois”. A teoria apresentava a figura dos três poderes, o legislativo, o
executivo e o judiciário, exercendo seus papéis harmonicamente e independentes entre si, separação
essa que hoje é prevista na quase totalidade das constituições.

48
O Estado │ UNIDADE III

Para esse filósofo, cada poder apresentava suas funções intrínsecas e inconfundíveis, admitindo
ainda que elas fossem confiadas a um só órgão, porém sendo ideal que o Estado separasse os três
órgãos, cada qual com sua função determinada.

Montesquieu, sob influência do liberalismo, limita a atuação do Estado, ou seja, a intervenção,


apenas consistente no poder de julgar e punir, restando, apenas, ao Executivo, a possibilidade de
punir aqueles que não cumprissem as leis elaboradas pelo legislativo, o que deixava o fator eficiência
em segundo plano, sob um argumento de enfocar certa liberdade individual.

A atitude de separar os poderes é vista como uma maneira de reduzir o poder do Estado, ainda mais
enfocado com as prescrições das constituições que pregariam a ausência de democracia, caso não
existisse a separação dos poderes.

A separação dos poderes é manifestada a partir de então em todos os movimentos constitucionalistas.

A teoria da separação dos poderes de Montesquieu passa a ser vista no meio daqueles que procuravam
a democracia, por meio de seus ditames constitucionais, como sistema de freios e contrapesos, ou
seja, em que um poder controla o outro.

A principal crítica feita à teoria da separação dos poderes é que ela seria totalmente formalista e
nada prática. Há de se entender que, apesar da tentativa de tripartição, sempre um órgão acabava
penetrando na esfera do outro, ou, ainda, um poder querendo ser superior a outro, permanecendo,
assim, apenas um cenário de separação.

Algumas das tentativas de aprimorar a teoria diante sua ineficácia foram a delegação de poderes e a
transferência constitucional de competências.

Platão enxergava certa separação de poderes nas antigas polis gregas. A divisão nas funções era
dada por meio daqueles que deveriam proteger, governar, produzir e comercializar bens da cidade.

Kelsen, adentrando na teoria da separação de Montesquieu, buscou definir o Estado como um puro
fenômeno jurídico, ou seja, ele seria visto como uma pessoa jurídica, um órgão, uma corporação. O
órgão, a corporação, por sua vez, seria definido por intermédio de um grupo de indivíduos tratados
pelo Direito como uma unidade.

Assim, uma corporação, no entendimento de Kelsen, é considerada uma pessoa, pois para ela são
estipulados direitos e deveres jurídicos que dizem respeito ao interesse dos membros da corporação:

Uma corporação, continua o autor, é considerada uma pessoa porque nela a


ordem jurídica estipula certos direitos e deveres jurídicos que dizem respeito
aos interesses dos membros da corporação, mas que não parecem ser direitos
e deveres dos membros e são, portanto, interpretados como direitos e deveres
da própria corporação. Tais direitos e deveres são, em particular, criados por
atos dos órgãos da corporação.

Por possui uma ordem normativa, a corporação “Estado” é sistematizada por uma ordem jurídico-
nacional.

49
UNIDADE III │ O Estado

Por meio de uma concepção sociológica de Estado, Kelsen define, ainda, que o Estado é uma
“sociedade politicamente organizada”. Surgindo daí o caráter político de sua organização, a ordem
e o poder coercitivo. Assim, explicaria o fato de o Estado ser uma organização, pois ele monopoliza
e regularia o uso da força.

A imposição de poder só seria possível por meio de uma ‘organização social’; assim, esse poder
do Estado se organizaria pelo Direito. Ao se falar em Poder do Estado, não se deve ter apenas em
mente o Poder Coercitivo, mas sim um poder organizado, o qual, por intermédio de seus comandos
e instrumentos jurídicos, concretiza aquilo que está positivado, destinado a uma organização social.

Para Kelsen, esse Poder Político é manifestado no fato de que as normas que regulam os usos desses
instrumentos se tornariam eficazes; por conseguinte, o poder político é a eficácia da ordem jurídica.

Para Kelsen, o princípio da divisão dos poderes não refletiria numa democracia, pois, para se ter
uma democracia, todo o poder deveria estar concentrado na mão do povo; se não fosse possível, ele
seria representado por um colegiado, que seria eleito diretamente entre si, figurando assim o órgão
legislativo.

Assim, com base nesse entendimento, a democracia existiria por meio do órgão legislativo, o qual,
com intuito de ter suas normas executadas, teria um controle sobre os órgãos administrativos e
judiciários.

Caracteriza-se mais uma preocupação de Kelsen com esse sistema, pois, para ele, uma possibilidade
de o Judiciário revisar, o mínimo que fosse, uma norma proveniente do Legislativo, seria um
atentado à democracia.

Logicamente que Kelsen expõe todas essas posições com base no seu característico cientificismo
puro, ou seja, por meio de sua pureza lógica, considerando, no nosso entendimento, que o parlamento
seria algo verdadeiramente puro e representativo, uma manifestação estritamente popular, o que
realmente permanece no campo científico idealizado por Kelsen.

Sob esse cenário, o argumento de Kelsen seria totalmente pertinente, ou seja, contrariar o
parlamento, que representa o povo, caracterizando uma perfeita democracia, por meio do controle
de um outro poder, como, por exemplo, um controle externo à estrutura idealizada, o que seria um
total contrassenso.

No entanto, a realidade é bem diferente, pois, nem sempre as decisões tomadas pelos legislativos em
geral espelham a verdadeira vontade do povo.

Num momento posterior, Kelsen começa a ver com outros olhos o princípio da separação dos
poderes.

Começa a analisar a separação de poderes por um outro ângulo, ou seja, sob um enfoque da não
concentração de poderes, o que era típico e não democrático nos Estados Absolutistas, os quais
concentravam e detinham todo o poder.

50
O Estado │ UNIDADE III

Segundo Kelsen,

» O Estado deve ser juridicamente analisado, a fim de que seja possível


encontrar a solução dos seus múltiplos problemas, visto que ele – o Estado
– nada mais é do que uma corporação, ou seja, uma pessoa jurídica, cujos
direitos e obrigações são distintos dos seus membros.

» Enquanto corporação, o Estado distingue-se das demais em face do modo


como é constituído, posto que ele é a comunidade criada por uma ordem
jurídica nacional (distinguindo-se da internacional).

» O Estado, como pessoa jurídica, é uma personificação dessa comunidade ou


a ordem jurídica nacional que constitui essa comunidade.

» O fundamento de validade dessa ordem jurídica é a norma fundamental,


que é materialmente representada pela constituição do Estado.

» O Estado é inseparável de sua ordem normativa, inexistindo o dualismo


Direito e Estado, pois o Estado é a sua ordem jurídica.

» Em sendo intangível e impessoal, o Estado age através de seus órgãos, que


são titularizados por seres humanos.

» O órgão do Estado é um órgão do Direito.


» Órgão é todo aquele que cumpre uma função estatal adredemente autorizada
pelo Direito.

» Os múltiplos órgãos do Estado, que cumprem funções parciais, têm como


fim último fazer valer a atuação total do “organismo” único chamado
Estado: criação e aplicação do Direito.

» O poder do Estado é a capacidade de fazer eficaz a sua ordem jurídica.


O poder é uma função do Estado, que é distribuída, geralmente, em três
órgãos (Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário).

» A tripartição dos poderes reside, em verdade, numa bipartição de funções:


criar e executar o Direito; função típica do poder legislativo é criar leis,
ou seja, as normas jurídicas gerais. Essa função pode ser, positivamente,
exercida pelos outros dois poderes, de maneira atípica e excepcional.

» Os Poderes Executivo e Judiciário têm a função típica de aplicar as leis,


sendo que este só o fará quando instado por uma parte para dirimir uma
controvérsia em um caso concreto. A função executiva (aplicadora) divide-
se em função administrativa e judicial.

» Podem os Poderes Executivo e Judiciário exercer a função legislativa,


negativamente, com os institutos do veto (executivo) e do controle
jurisdicional de legalidade.

51
UNIDADE III │ O Estado

» A separação de poderes ofende a Democracia, posto que todo o poder


deveria residir no povo ou naqueles que formam um colegiado eleito e
juridicamente responsável perante o povo.

» A principal justificativa da separação de poderes reside na história, uma vez


que é um mecanismo político que opera antes contra uma concentração do
que a favor de uma separação de poderes.

52
Capítulo 4
Conceito de Estado

O Estado é uma pirâmide de três faces:

uma face social, uma face jurídica e uma face política

(Miguel Reale)

É preciso observar, no entanto, que, conforme Dallari (2005, p. 116-7),

Encontrar um conceito de Estado que satisfaça a todas as correntes doutrinárias


é absolutamente impossível, pois sendo o Estado um ente complexo, que pode
ser abordado sob diversos pontos de vista e, além disso, sendo extremamente
variável quanto à forma por sua própria natureza, haverá tantos pontos de
partida quantos forem os ângulos de preferência dos observadores.

Sua advertência prossegue com veemência, chamando a atenção para “orientações fundamentais”
que devem ser observadas para que se possa conceituar o Estado, bem como para cuidados quanto
a conceituações equivocadas:

A análise da grande variedade de conceitos revela duas orientações


fundamentais: ou se dá mais ênfase a um elemento concreto ligado à noção
de força, ou se realça a natureza jurídica, tomando-se como ponto de partida
a noção de ordem. Antes de nos referirmos aos aspectos particulares dessas
orientações, julgamos necessário, para eliminar dúvidas e preconceitos, a
eliminação de um conceito que teve largo curso no século XIX e que ainda tem
alguns aspectos, segundo o qual o Estado é a nação politicamente organizada.
O estudo minucioso do conceito de nação, feito com o auxílio da Sociologia, da
Antropologia e da História, já permitiu fixá-lo como espécie de comunidade,
enquanto o Estado é uma sociedade. Quanto à expressão politicamente
organizada não tinha qualquer rigor científico, tomando como forma o que
pretendia que fosse a finalidade da organização. Assim, pois, o Estado não pode
ser politicamente organizado, não podendo também ser acolhida a correção
para nação juridicamente organizada porque o Estado não é nação, como se
verá no estudo do relacionamento entre Estado e nação.

Entre os conceitos que se ligam mais à noção de força e que poderiam


ser classificados como políticos não está ausente a preocupação com o
enquadramento jurídico, mas o Estado é visto, antes de mais nada, como força
que se põe a si própria e que, por suas próprias virtudes, busca a disciplina
jurídica. Essa é, por exemplo, a orientação de DUGUIT, que conceitua o Estado
como uma força material irresistível, acrescentando que essa força, atualmente,
é limitada e regulada pelo direito. HELLER não fica distante, dando ao Estado

53
UNIDADE III │ O Estado

o conceito de unidade de dominação, completando sua conceituação dizendo


que ela é independente no exterior e no interior, atua de modo contínuo como
meios de poder próprio e é claramente delimitada no pessoal e no territorial. Na
mesma linha podem ser colocadas as conceituações de BURDEAU, para quem
o Estado é uma institucionalização do poder, assim como a de GURVITCH,
que acha necessário e suficiente para completa identificação do Estado dizer-se
que ele é o monopólio do poder. Todos esses conceitos, na verdade, mantêm a
tônica da ideia de força, ainda que associada a outros elementos e disciplinada
parcialmente pelo direito.

Antes de prosseguir seu estudo, reflita e construa seu conceito de Estado.

Agora, após sua reflexão e conceituação de Estado, vejamos conceituações construídas, defendidas
ou referidas por doutrinadores conhecidos e reconhecidos.

Dallari (2005, p. 119):

Em face de todas as razões até aqui expostas, e tendo em conta a possibilidade


e a conveniência de se acentuar o componente jurídico do Estado, sem perder
de vista a presença necessária dos fatores não jurídicos, parece-nos que se
poderá conceituar o Estado como a ordem jurídica soberana que tem por fim
o bem comum de um povo situado em determinado território. Nesse conceito
se acham presentes todos os elementos que compõem o Estado, e só esses
elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é
referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado
é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação desta a um
certo povo e, finalmente, a territoriedade, limitadora da ação jurídica e política
do Estado, está presente na menção a determinado território.

Meirelles (2008, p. 60):

O conceito de Estado varia segundo o ângulo em que é considerado. Do ponto


de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando
originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada
sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção
(Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica soberana (Biscaretti
di Ruffia); na conceituação de nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito
Público Interno (art. 41, I). Como ente personalizado, o Estado tanto pode
atuar no campo do direito Público como no do Direito Privado, mantendo
sempre sua única personalidade de Direito Público, pois a teoria da dupla
personalidade do Estado acha-se definitivamente superada.

Esse é o Estado de Direito, ou seja, o estado juridicamente organizado e


obediente às suas próprias leis.

54
O Estado │ UNIDADE III

Carvalho Filho (2005, p.1):

O que é importante para o presente estudo é o fato, atualmente indiscutível,


de que o Estado é um ente personalizado, apresentando-se não apenas
exteriormente, nas relações internacionais, como internamente, neste caso
como pessoa jurídica de direito público, capaz de adquirir direitos e contrair
obrigações na ordem jurídica. (...) O novo Código Civil (Lei no 10.406, de
10/1/2002), com vigor a partir de janeiro de 2003, atualizou o elenco de
pessoas jurídicas de direito público, mencionando entre elas as pessoas que,
por serem federativas, representam cada compartimento interno do Estado
federativo brasileiro: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
(art. 41, I a III).

Compare o conceito elaborado por você aos dos doutrinadores acima referidos e
reescreva-o ou o mantenha. Envie-o ao professor-tutor.

55
Capítulo 5
Diferenças Entre Estado, Governo e
Administração Pública

Você acabou de verificar e conceituar Estado. Essa visão, agora formada, permite-nos avançar em
outros conceitos que estão diretamente afetos ao estudo do Direito Administrativo.

Importante, neste momento, a partir da compreensão do que é o Estado, situarmos outros conceitos
fundamentais para um amplo entendimento do nosso estudo.

O que é Governo? O que é Administração Pública?

É certo que Estado, Governo e Administração Pública são coisas diferentes. Contudo, ambos estão
imbricados, inter-relacionados, como que numa relação simbiótica e concatenada, organizada.

Um está diretamente ligado ao outro, a ponto de se confundirem.

Para melhor vislumbrarmos a coexistência do Estado, do Governo e da Administração Pública temos


que visualizar que do Estado surge seu Governo e que a Administração Pública decorre do Estado e
do Governo.

Meirelles (2008, p. 65) afirma:

Governo – Em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais;


em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido
operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade,
Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se
apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação
da Soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de
comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da
ordem jurídica vigente. O Governo atua mediante atos de Soberania ou, pelo
menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos.

Já a Administração Pública realiza os objetivos do Governo, tornando o Estado operacional.

Para tanto, Meirelles (2008, p. 64-65) informa que:

Administração Pública – Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos


para a consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto
das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional,
é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios
do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão
global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado
à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.

56
O Estado │ UNIDADE III

A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão somente, atos de


execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência
do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos (...).

Di Pietro (2008, p. 48-9) discorre para esclarecer que o vocábulo Administração Pública “tanto
abrange a atividade superior de planejar, dirigir, comandar, como a atividade subordinada de
executar”, buscando, ainda, dar dois sentidos à expressão:

Basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a


expressão Administração Pública:
a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem
a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes
públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a
atividade estatal: a função administrativa;
b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da
atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a administração
pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente,
ao Poder Executivo.
Há, ainda, outra distinção que alguns autores costumam fazer, a partir da ideia
de que administrar compreende planejar e executar:
a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada,
compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais
(Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar,
como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes
(Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe executar
os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente
considerada, a administração pública compreende a função política, que
traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa;
b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto
subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo,
apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos
governamentais e, no segundo, a função política.

Por derradeiro, para uma distinção comparativa entre Governo e Administração Pública, colhemos
a lição de Meirelles (2008, p. 66):

Comparativamente, podemos dizer que governo é atividade política e


discricionária, administração é atividade neutra, normalmente vinculada
à lei ou à norma técnica. Governo é conduta independente; administração
é conduta hierarquizada. O Governo comanda com responsabilidade
constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela execução;
a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política,
mas com responsabilidade técnica e legal pela execução. A Administração é o
instrumental de que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do
Governo. Isto não quer dizer que a Administração não tenha poder de decisão.
Tem. Mas o tem somente na área de suas atribuições e nos limites de sua
competência executiva, só podendo opinar e decidir sobre assuntos jurídicos,
técnicos, financeiros ou de conveniência e oportunidades administrativas, sem
qualquer faculdade de opção política sobre a matéria.

57
Capítulo 6
Noções Gerais da História da Evolução
do Estado

Após termos avançado no estudo da compreensão do Estado, para, a partir daí, iniciarmos o estudo
do Direito Administrativo, é cabível, no momento, a título de enriquecimento do nosso estudo,
conhecer, em breves noções, a evolução histórica do Estado.

Para tanto, vamos partir do estudo de Dallari (2005, p. 60-72) que expõe que “Com pequenas variações,
os autores que tratam deste assunto adotaram uma sequência cronológica, compreendendo as
seguintes fases: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e Estado Moderno.”

Vejamos:

A família, a religião, o Estado, a organização


econômica formavam um conjunto confuso,
Há uma simbiose do poder humano e do sem diferenciação aparente Considerada a forma de Estado
poder divino. O divino limita o humano mais recuada no tempo

ESTADO ANTIGO,
Em certas situações, o Relação do Estado e da
governo é unipessoal ORIENTAL OU divindade
TEOCRÁTICO

Tem natureza unitária, sem qualquer divisão Civilizações do oriente propriamente


interior, nem territorial, nem de funções. Religiosidade. Estado Teocrático. Influência dito e do mediterrâneo
predominante da religião, estabelecendo
normas e comportamentos

58
O Estado │ UNIDADE III

Uma elite restrita


Característica fundamental é a forma a classe política,
cidade-Estado, ou seja, a pólis, como participando das decisões
sociedade política de maior expressão. do Estado. Os cidadãos.

Uma elite restrita forma a


A cidade-Estado se
classe política, participando ESTADO caracteriza pela autonomia
das decisões do Estado. Os
cidadãos. GREGO e autossuficiência.

ARISTÓTELES, em A Política, diz que


“a sociedade constituída por diversos
pequenos burgos forma uma cidade É bastante restrita a autonomia
completa, com todos os meios de se de vontade dos indivíduos nas
abastecer por si, tendo atingido, por assim relações de caráter privado.
dizer, o fim a que se propôs”.

O Estado primitivo (a civitas) decorreu da união de


grupos familiares dominantes (as gens).

Lutas e conquistas de povos e territórios. Estado organizado e definido.

Povo participa diretamente do Peculiaridade mais importante


governo, mas a noção de povo ESTADO está na base familiar da
compreende apenas uma faixa ROMANO organização social.
estreita da população.

Camadas sociais adquiriram Manteve as características de


e ampliaram direitos, fazendo cidade-Estado até o domínio
desaparecer a base familiar de grande extensão territorial,
dirigente do Estado, ascendendo, promovendo, assim, novas
assim, uma nobreza tradicional. formas de sociedade política.

59
UNIDADE III │ O Estado

Unidade da igreja em
contrapartida a uma
desunião política.

Infinita multiplicidade de Desigualdade das pessoas em


centros de poder. decorrência da opção religiosa.

Pretensão de que a religião resultaria Invasões bárbaras resultam no


em unidade política do Estado. surgimento de diversos Estados.

O Estado Medieval é marcado pela Proliferação dos latifundiários.


ordem precária e pela força violenta. ESTADO
ROMANO Insurgência dos senhores feudais
com relação aos interesses dos
Há o rompimento da rígida e bem monarcas.
definida organização romana.
A luta entre a Igreja e o Estado
marcam os últimos séculos da
Elementos característicos da sociedade Idade Média.
política medieval foram o cristianismo, as
invasões dos bárbaros e o feudalismo. Feudalismo marca a luta pelo poder O Estado Medieval é considerado
e posse da terra, compreendendo por alguns como a noite negra da
estrutura econômica e social de história da humanidade.
pequenos produtores individuais,
constituída de unidades familiares de
subsistência.

Território, povo, vida social, soberania, finalidade,


pessoa estatal, sociedade política, existência de
vínculos jurídicos são elementos que informam a
existência de um Estado Moderno.

Pessoas integram uma ordem e vivem ESTADO Estado com poder e ordem própria.
sob um poder. MODERNO

DALLARI: “Os tratados de paz de Westfália tiveram o caráter de documentação da existência


de um novo tipo de Estado, com a característica básica de unidade territorial dotada de um
poder soberano”. Era o Estado Moderno.

60
Capítulo 7
Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático surge como modelo moderno a partir das crises e das lutas em desfavor do
absolutismo, com o intuito de se afirmarem os direitos da pessoa humana.

Dallari (2005, p. 151) sintetiza os princípios fundamentais que nortearam os Estados modernos,
com fortes obrigações democráticas:

A supremacia da vontade popular, que colocou o problema da participação


popular no governo, suscitando acesas controvérsias e dando margem às
mais variadas experiências, tanto no tocante à representatividade, quanto à
extensão do direito de sufrágio e aos sistemas eleitorais e partidários.

A preservação da liberdade, entendida sobretudo como o poder de fazer tudo


o que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor de suas pessoas e
de seus bens, sem qualquer interferência do Estado.

A igualdade de direitos, entendida como a proibição de distinções no gozo de


direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes
sociais.

As transformações do Estado, durante o século XIX e primeira metade do


século XX, seriam determinadas pela busca de realização desses preceitos,
os quais se puseram também como limites a qualquer objetivo político. A
preocupação primordial foi sempre a participação do povo na organização do
estado, na formação e na atuação do governo, por se considerar implícito que
o povo, expressando livremente sua vontade soberana, saberá resguardar a
liberdade e a igualdade.

Referidos princípios elencados por Dallari fundamentam a formação de um Estado Democrático,


pois se contrapõem ao Estado Medieval, em que o absolutismo do rei impedia a vontade popular, a
liberdade e o sistema de aquisição de direitos.

O Estado de Direito está fundamentado na vinculação e obediência à lei, como fonte reguladora das
relações humanas.

A relação do Estado com o Direito significa uma ordem jurídica, considerando a formação de um
ordenamento de fundamentos, princípios e normas jurídicas que ensejam a formação do Estado de
Direito.

José Afonso da Silva (2003, p. 116-7) discorre sobre as características formadoras de um Estado de
Direito, ensinando que:

Na origem, como é sabido, o Estado de Direito era um conceito tipicamente


liberal; daí falar-se em Estado Liberal de Direito, cujas características básicas
foram: (a) submissão ao império da lei, que era a nota primária de seu
conceito, sendo a lei considerada como ato emanado formalmente do Poder

61
UNIDADE III │ O Estado

Legislativo, composto de representantes do povo, mas do povo-cidadão; (b)


divisão de poderes, que separe de forma independente e harmônica os poderes
Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica que assegura a produção das
leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do último em face dos
demais e das pressões dos poderosos particulares; (c) enunciado e garantia dos
direitos individuais. Essas exigências continuam a ser postulados básicos do
Estado de Direito, que configura uma grande conquista da civilização liberal.

Continua José Afonso (2001, p. 121), agora fazendo afirmações sobre o Estado Democrático:

As considerações supra mostram que o Estado de Direito, quer como


Estado Liberal de Direito quer como Estado Social de Direito, nem sempre
caracteriza Estado Democrático. Este se funda no princípio da soberania
popular, que “impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa
pública, participação que não se exaure, como veremos, na simples formação
das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do
Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento”. Visa, assim, a
realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais
da pessoa humana. Nesse sentido, na verdade, contrapõe-se ao Estado Liberal,
pois, como lembra Paulo Bonavides, “a ideia essencial do liberalismo não é a
presença do elemento popular na formação da vontade estatal, nem tampouco
a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que a
liberdade é formalmente esse direito”.

Quanto ao Estado Democrático de Direito, o mestre arremata (2001:123), ensinando que:

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas


unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito.
Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os
conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que
incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E
aí se entremostra a extrema importância do art. 1o da Constituição de 1988,
quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado
Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado,
pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando.”

(...)

“A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um


processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art.
3o, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do
povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1o, parágrafo único);
participativa, porque envolve a participação crescente do povo no processo
decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita
a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre
opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas
de organização e interesses diferentes na sociedade; há de ser um processo

62
O Estado │ UNIDADE III

de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende


apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e
sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de
favorecer o seu pleno exercício.

O egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua 5ª Turma, julgando o Habeas Corpus no 3.871-
0, da relatoria do eminente Ministro Edson Vidigal, analisando aspectos que ensejam princípios
formadores do Estado Democrático de Direito com relação ao indivíduo, à unanimidade, assim se
pronunciou:

A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático e a restrição à liberdade


é a exceção, que deve ser excepcionalíssima, aliás. Ninguém é culpado de nada
enquanto não transitar em julgado a sentença penal condenatória ou seja, ainda
que condenado por sentença judicial, o acusado continuará presumidamente
inocente até que se encerrem todas as possibilidades para o exercício do seu
direito à ampla defesa. Assim, sem o trânsito em julgado, qualquer restrição
à liberdade terá finalidade meramente cautelar. A lei define as hipóteses para
essa exceção e a Constituição Federal nega validade ao que o Juiz decidir sem
fundamentação. O pressuposto de toda decisão é a motivação; logo, não pode
haver fundamentação sem motivação. Ambas só poderão servir gerando na
decisão a eficácia pretendida pelo Juiz se amalgamadas com suficientes razões.

A Constituição Federal de 1988 consagra, no caput do seu artigo 1o, ou seja, na cabeça da
Constituição, o Estado Democrático de Direito como sendo a base ou fundamento primeiro da
República Federativa do Brasil, ex vi: “Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamento: (...)”

63
Introdução ao
estudo do Unidade iV
direito
administrativo

Capítulo 1
O Surgimento do Direito Administrativo

O Direito Administrativo, como conhecido e estabelecido, é decorrente ou acessório em relação ao


surgimento do Estado de Direito, conforme entendimentos correntes da maioria dos doutrinadores.

Medauar (2003, p. 24) aponta as argumentações de Giannini, colhidas de seu texto “Profili Storici
della scienza del diritto amministrativo” :

a) se considerada a noção de que o Estado de direito teria como característica


a disciplina jurídica das relações entre indivíduo e Estado, se concluiria que
no Estado de polícia tais relações também se apresentam juridicamente
disciplinadas, no sentido de que às autoridades públicas cabem poderes e
aos súditos, permanente e institucional sujeição; b) partindo da concepção
de que no Estado de Direito a relação poder-sujeição vem substituída pela
relação deveres-direitos, isso não elimina a existência do primeiro tipo de
relação, só a reduz, sem que se explique a origem do direito administrativo,
pois deveres e direitos poderiam decorrer de atos de autonomia privada e
não necessariamente de manifestações disciplinadas por ramo específico do
direito; c) se por Estado de direito se entender aquele em que a atividade
administrativa observa a lei ou não pode se expressar diversamente da lei, daí
não se deduz a existência do direito administrativo, pois as leis poderiam prever
atuação no âmbito da esfera privada, com atos inominados, sem que falhasse a
tutela de direitos dos particulares e a observância dos princípios do Estado de
direito, como ocorre na Inglaterra; d) alguns autores caracterizam o Estado de
direito pela existência do direito administrativo, o que para Giannini configura
tautologia; tais autores identificam os dois termos da questão, sem explicá-la
e sem mostrar a conexão entre ambos, valendo somente como verificação de
sua coexistência.

Outros autores indicam que o surgimento dos três poderes, ou seja, a separação de poderes, resulta
no aparecimento do Direito Administrativo e, nessa linha, Medauar aponta o entendimento de Otto

64
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE IV

Mayer no sentido de que o Direito Administrativo surge e com a existência de dois poderes atuantes,
ou seja, o Executivo e o Legislativo.

Ademais, Medauar diz que certas preocupações orientaram os pensamentos dos primeiros
pensadores quando do surgimento do Direito Administrativo e acrescenta que objetivos relativos
ao ponto em questão foram traçados na reação que se travou contra a concentração de poderes na
pessoa do monarca. Tentava-se limitar o poder do Rei, de forma que fossem preservados os direitos
dos cidadãos. Visivelmente, tentou-se descentralizar os poderes existentes até então.

Medauar (2003, p. 26) conclui: “Indubitável, assim, que o princípio da separação de poderes
configura pressuposto da formação do direito administrativo.”

A autora transcreve a opinião de Zanobini que, na sua obra, trata do desenvolvimento histórico do
Direito Administrativo a partir do estabelecimento das condições de sua existência e suas origens:

a existência do direito administrativo subordina-se a duas condições: que a


atividade administrativa seja disciplinada por normas jurídicas exteriormente
obrigatórias e que tais normas sejam distintas daquelas que regulam outros
sujeitos, especialmente os cidadãos; estas duas condições ocorrem somente no
Estado moderno, a segunda não em todas as formas desse.

Sendo assim, Medauar (2003, p. 27) afirma que a primeira condição, no caso citado, pode ser
tida como pressuposto da tripartição ou separação dos poderes. Isso porque, considerando a
compreensão que se tem como consequência é de que se encontra implícita a existência de um
poder que produza as normas a serem cumpridas pela Administração Pública. Quanto à segunda
condição, esclarece a autora o seguinte:

(...) as normas específicas para as atividades da Administração começam


a emergir depois da Revolução Francesa em alguns Estados da Europa
continental e com mais impulso na França, que instituiu conjunto amplo
e complexo de órgãos administrativos, disciplinou a posição dos mesmos,
a situação dos funcionários, os meios de ação administrativa; disciplinou
a atuação do Conselho de Estado e dos juízos administrativos inferiores.
Circunstâncias, portanto, bem propícias à formação do direito administrativo.

Francisco de Salles Almeida Mafra, em artigo intitulado Direito Administrativo e Estado de Direito,
sobre o surgimento do Direito Administrativo, expõe que:

Assim como o direito constitucional, o direito administrativo tem origem


relativamente recente devido ao tempo longo na realização de condições
históricas que foram pressupostos ao seu surgimento.

O autor italiano comenta que nenhum Estado sobrevive sem uma função
administrativa, porém existiam Estados que não conheciam o direito
administrativo. Nas suas próprias palavras:

‘A existência deste é subordinada a duas condições: que a atividade


administrativa seja regulada por normas jurídicas exteriormente

65
UNIDADE IV │ INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

obrigatórias, e que tais normas sejam distintas daquelas que regulam os


outros sujeitos e particularmente os cidadãos. Estas duas condições se
verificam sobretudo no Estado moderno, e a segunda não em todas as
suas formas.’

Esclarece o autor que as condições para o surgimento do direito administrativo


se deram com a instauração dos governos constitucionais. Para ZANOBINI,
contrariamente aos governos que se submetiam às leis editadas nos estados
a que pertenciam, os estados absolutistas só se vinculavam às leis para a
manutenção de assuntos financeiros e patrimoniais privados. A partir do
Século XIX, tal vinculação legal passou a ser reconhecida para algumas leis de
direito público, reconhecidas como o “direito de polícia”. Conclui então que
este último é o precedente histórico do direito administrativo. O “direito de
polícia” era largamente condicionado às razões de Estado, ou seja da política.
Somente após a Revolução francesa, porém, é que, pela afirmação do princípio
da divisão dos poderes e da integral sujeição do poder executivo às normas
editadas pelo poder legislativo, é que foi possível constatar a eficácia vinculante
das leis que tratavam da organização e atividade dos órgãos da administração
pública e o surgimento de relações jurídicas entre o Estado e os cidadãos. No
ano que podemos chamar de 1800 deu-se, então, na França, o nascimento do
direito administrativo com a lei 28 pluvioso do ano VIII. A lei de 28 de pluviose
deu para a administração francesa uma organização juridicamente garantida
e exteriormente obrigatória. A partir daí outras leis vieram e tratam de vários
institutos e serviços particulares. Nos outros países, o direito administrativo se
afirmou com a introdução da dominação francesa ou com a adoção espontânea
dos princípios do governo constitucional.

Este sistema de subordinação do Estado...”, finaliza o autor, “...como


administração pública ao império do direito e da jurisdição, é conhecido na
doutrina alemã e italiana com o nome de “Estado segundo o direito” ou “Estado
de direito” (Rechtsstaat).

Os antigos Estados italianos possuíam ordenamentos jurídicos próprios e até


consideráveis, mas mesmo assim não conheceram um direito administrativo
propriamente dito senão após a introdução da legislação francesa. ZANOBINI
informa que os antigos reinos piemontês, das Duas Sicílias e o ducado de Parma
permaneceram largamente informados pelo ordenamento administrativo
francês. A partir da formação do novo Estado italiano iniciada com a anexação
das diferentes províncias ao reino de Piemonte, mais tarde distanciado do
modelo francês de direito administrativo, foram adotados sistemas deduzidos
de outros países estrangeiros - principalmente a Bélgica – e criações próprias
e originais.

A partir da proclamação do Reino da Itália, o poder legislativo concentrou-se


na unificação administrativa das várias províncias. As leis piemontesas foram

66
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE IV

usadas para os novos territórios, além da edição de novas leis para todo o
reinado italiano. ZANOBINI exemplifica o dito acima com as leis de número
1037, 1483, 3731 e 3725 de 5 de junho de 1850, de 23 de março de 1853, 30 de
outubro e de 13 de novembro de 1859, respectivamente. Já entre as novas leis,
o autor cita como as mais notáveis ou importantes as de números 752, de 3 de
agosto de 1862, 800, de 14 de agosto do mesmo ano e a de 25 de junho de 1865,
que tratavam respectivamente das obras de caridade, da instituição de nova
Corte de Contas e da desapropriação por utilidade pública. A de fundamental
importância, porém, na opinião de ZANOBINI, foi a de número 2248, de 20
de março de 1865, que tratava da unificação administrativa do Reino italiano.
Considera o autor tal lei como verdadeiro código de direito administrativo.
Composta esta última de seis leis fundamentais, respectivamente: a lei
comunal e provincial, a de segurança pública, a de sanidade pública, a lei
sobre o Conselho de Estado, a sobre contencioso administrativo e a lei sobre
trabalhos públicos. Aponta o autor, ainda, que somente esta última lei, sobre
trabalhos públicos, restou em vigor, apenas, sobretudo, em parte, e que a
unificação administrativa não foi completa.Conclui o autor dizendo:

Com isto não se pode dizer que a unificação administrativa tenha sido completa:
muitíssimas, ao invés disso, foram as matérias, nas quais continuaram a haver
aplicação por muitos anos as leis dos antigos Estados.

A par de tudo isso, importante conhecer o pensamento de outros doutrinadores sobre o surgimento
do Direito Administrativo, conforme se verifica adiante:

Meirelles (2008, p. 51-2):

O impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela


teoria da separação dos poderes desenvolvida por Montesquieu, L’Espirit des
Lois, 1748, e acolhida universalmente pelos Estados de Direito. Até então, o
absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais
nas mãos do Soberano não permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias
que visassem a reconhecer direitos aos súditos, em oposição às ordens do
Príncipe. Dominava a vontade onipotente do Monarca, cristalizada na máxima
romana “quod principi placuit legis habet vigorem”, e subsequentemente na
expressão egocentrista de Luís XIV: “L’État c’est moi”.

Na França, após a Revolução (1789), a tripartição das funções do Estado em


executivas, legislativas e judiciais veio ensejar a especialização das atividades
do governo e dar independência aos órgãos incumbidos de realizá-las. Daí
surgiu a necessidade de julgamento dos atos da Administração ativa, o que
inicialmente ficou a cargo dos Parlamentos, mas posteriormente reconheceu-
se a conveniência de se desligar as atribuições políticas judiciais. Num
estágio subsequente foram criados, a par dos tribunais judiciais, os tribunais
administrativos. Surgiu, assim, a Justiça Administrativa, e como corolário
lógico, se foi estruturando um Direito específico da Administração e dos

67
UNIDADE IV │ INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

administrados para as suas relações recíprocas. Era o advento do Direito


Administrativo.

Di Pietro (2008, p. 2):

Mas a formação do Direito Administrativo, como ramo autônomo, teve início,


juntamente com o direito constitucional e outros ramos do direito público, a
partir do momento em que começou a desenvolver-se – já na fase do Estado
Moderno – o conceito de Estado de Direito, estruturado sobre o princípio
da legalidade (em decorrências do qual até mesmo os governantes se
submetem à lei, em especial à lei fundamental que é a Constituição) e sobre
o princípio de separação de poderes, que tem por objetivo assegurar a
proteção dos direitos individuais, não apenas nas relações entre particulares,
mas também entre estes e o Estado.

Daí a afirmação de que o Direito Administrativo nasceu das Revoluções que


acabaram com o velho regime absolutista que vinha da Idade Média. “Constitui
disciplina própria do Estado Moderno, ou melhor, do chamado Estado de
Direito, porque só então se cogitou de normas delimitadoras da organização
do estado-poder e da sua ação, estabelecendo balizas às prerrogativas dos
governantes, nas suas relações recíprocas, e, outrossim, nas relações com
os governados. Na verdade, o Direito Administrativo só se plasmou como
disciplina autônoma quando se prescreveu processo jurídico para atuação
do Estado-poder, através de programas e comportas na realização das suas
funções” (cf. O. Bandeira de Mello, 1979, v. 1:52).

Importante registrar, também, que, segundo a Di Pietro (2008, p. 1), “O Direito Administrativo,
como ramo autônomo, nasceu em fins do século XVIII e início do século XIX”

Constata-se, assim, que se trata de uma Disciplina relativamente nova, não codificada. Tudo isso
contribui para a sua complexidade e para a existência de inúmeros posicionamentos doutrinários a
respeito de diversos temas.

68
Capítulo 2
O objeto do Direito Administrativo
Di Pietro (2008, p. 39-40) chama a atenção com referência ao objeto do Direito Administrativo, no
sentido de “verificar-se que o seu conteúdo tem variado no tempo e no espaço e que vários têm sido
os critérios adotados para a sua conceituação”, afirmando que:

Para ter a ideia da diversidade de sua amplitude no espaço, basta comparar


o Direito Administrativo próprio do sistema europeu-continental e o Direito
Administrativo do sistema anglo-americano. No primeiro, originário do
direito francês e adotado por vários países europeus (Itália, Bélgica, Espanha,
Portugal, Alemanha Ocidental) e latino-americanos, inclusive o Brasil, o
Direito Administrativo tem amplitude muito maior, abrangendo o que Rivero
(1984, p. 32) chama de direito Administrativo descritivo, que se preocupa
em delimitar o estatuto dos órgãos públicos administrativos do Estado e
das coletividades locais, e estruturar os serviços públicos e os mecanismos
dos procedimentos referentes a certas afinidades (sua fonte é a lei e o
regulamento); é o Direito Administrativo que rege as relações jurídicas que
nascem da ação da Administração, fixa suas prerrogativas e obrigações, rege as
garantias outorgadas aos particulares contra o arbítrio (sua fonte, na França,
é a jurisprudência).

Sobre o tema, Di Pietro (2008, p. 41-3) aprofunda o tema ao informar as escolas que discutem o
objeto do Direito Administrativo, para, partindo daí, se construir seu conceito.

Vejamos os pensamentos das referidas escolas no dizer da autora:

ESCOLAS CRITÉRIOS ADOTADOS


Escola legalista, Em suas origens, na França, o Direito Administrativo tinha por objeto apenas a interpretação das leis
exegética, empírica ou administrativas e atos complementares, que abrangiam matérias concernentes à organização do
caótica Poder Executivo e das pessoas jurídicas públicas, às relações entre Administração e administrados,
às limitações da liberdade e propriedade, ao domínio público e privado do Estado, às obras públicas,
à prestação de serviços excepcionais quanto à saúde, instrução e educação pública, meios de
comunicação, transportes em geral e à jurisdição administrativa (cf. O. A. Bandeira de Mello, 1979, v.
1:54).
Os doutrinadores limitavam-se a compilar as leis existentes e a interpretá-las com base principalmente
na jurisprudência dos Tribunais administrativos, formando a Escola Exegética, Legalista, Empírica ou
Caótica, “para a qual o Direito Administrativo era compreendido como sinônimo de direito positivo” (cf.
Cretella Júnior, 1966, v. 1:145).
Direito Administrativo e Ficou para o Direito Administrativo a atividade jurídica do Estado, tendo por objeto a tutela do Direito,
ciência da administração com exclusão das funções legislativa e jurisdicional e, para a Ciência da Administração, a atividade
social, incluindo as várias formas de ingerência positiva e direta do Estado-poder na área da saúde,
educação, cultura, economia, previdência e assistência social ( cf. Cretella Júnior, 1966, v. 1:182). Essa
divisão justifica-se plenamente, uma vez que a matéria que constitui objeto da Ciência da Administração
é aquela concernente à valoração da interferência do Estado na ordem econômica e social, abrangendo
os aspectos da utilidade e oportunidade dessa atuação, enquanto o Direito Administrativo é complexo
de normas e princípios jurídicos que regem a organização administrativa em seus vários aspectos, bem
como as relações da Administração Pública com os particulares.

69
UNIDADE IV │ INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

ESCOLAS CRITÉRIOS ADOTADOS


Critério técnico-científico Esse trabalho científico foi desenvolvido em grande parte com a contribuição dos juristas alemães,
de estudo do direito dentre os quais carl Friedrich Gerber, G. Meyer, Sarwey, Loening e , principalmente, Otto Mayer,
administrativo. considerado o “verdadeiro pai do direito administrativo alemão” (cf. Retortillo, 1959:715). É verdade
que esse autor foi influenciado pelo direito francês, tendo publicado, em 1886, o livro Direito
Administrativo Francês, divulgando, na Alemanha, a legislação e a doutrina que a França adotava na
época. Só que o seu trabalho foi sensivelmente enriquecido pelo cunho científico que lhe imprimiu,
atribuindo ao Direito Administrativo instituições jurídicas próprias, diversas das pertinentes ao Direito Civil.
A sistematização doutrinária do direito Administrativo alemão, baseada em método técnico-jurídico,
estava, dessa forma, afastada da orientação seguida pela escola legalista, que adotava o método
exegético.

Assim, a partir do conhecimento das argumentações de Di Pietro com relação ao objeto do Direito
Administrativo, vamos passar a conhecer o seu conceito.

70
Capítulo 3
Conceito de Direito Administrativo

Conceituar, segundo o dicionário, significa formular conceito de, ou acerca de.

Num conceito está contido aquilo que é objeto, ou essência, daquilo que se quer conhecer ou definir.

O conceito dá limites e estabelece os alcances do que se quer conhecer e definir.

Sobre o conceito de Direito Administrativo, vejamos o que pensam alguns doutrinadores renomados,

Bandeira de Mello (2002, p. 35): “(...) o direito administrativo é o ramo do direito público que
disciplina a função administrativa e os órgãos que a exercem”.

Meirelles (2008, p. 40):

O conceito de Direito Administrativo Brasileiro, para nós, sintetiza-se no


conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e
as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os
fins desejados pelo Estado.

Alexandrino & Paulo (2009, p. 2):

O conjunto de regras e princípios aplicáveis à estruturação e ao funcionamento


das pessoas e órgãos integrantes da administração pública, às relações entre
esta e seus agentes, ao exercício da função administrativa, especialmente às
relações com os administrados, e à gestão dos bens públicos, tendo em conta a
finalidade geral de bem atender ao interesse público

Di Pietro (2008, p. 47):

Partindo para um conceito descritivo, que abrange a Administração Pública em


sentido objetivo e subjetivo, definimos o Direito Administrativo como o ramo
do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas
administrativas que integram a administração Pública, a atividade jurídica não
contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus
fins, de natureza pública.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2006, p. 47):

Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que estuda os princípios,


preceitos e institutos que regem as atividades jurídicas do Estado e de seus
delegados, as relações de subordinação e de coordenação delas derivadas e
os instrumentos garantidores da limitação e do controle de sua legalidade,
legitimidade e moralidade, ao atuar concreta, direta e imediatamente na
prossecução dos interesses públicos, excluídas as atividades de criação da
norma legal e de sua aplicação judiciária contenciosa.

71
Capítulo 4
Fontes do Direito Administrativo

O vocábulo fonte significa nascimento – origem –, de onde brotam as coisas. Fonte em Direito,
enquanto ciência, resulta no aparecimento disciplinar da matéria, ou seja, de onde surgem os
institutos que dão ensejo à existência do Direito em si.

Pode-se dizer que o Direito está em constante nascimento, evolução e reformulação ou adaptação,
considerando a sua dinâmica de aplicação prática por meio dos mais variados processos de
manifestação do Estado, sejam eles jurisdicionais, administrativos ou legislativos.

Assim, o Direito está sendo originado a todo instante, a partir de sua aplicação concreta, ou seja,
sua operacionalização por meio de decisões judiciais, seja pelo surgimento de novas leis, pelo debate
acadêmico ou por afirmações doutrinárias.

Meirelles (2008, p. 46-47) muito bem informa as fontes do Direito Administrativo, discorrendo
sobre sua formação, como ramo autônomo do Direito:

O Direito Administrativo abebera-se, para sua formação, em quatro fontes


principais, a saber: a lei, a doutrina, a jurisprudência e os costumes.

A lei, em sentido amplo, é a fonte primária do Direito Administrativo,


abrangendo essa expressão desde a Constituição até os regulamentos
executivos. E compreende-se que assim seja porque tais atos, impondo o seu
poder normativo aos indivíduos e ao próprio estado, estabelecem relações de
administração de interesse direto e imediato do Direito Administrativo.

A doutrina, formando o sistema teórico de princípios aplicáveis ao Direito


Positivo, é elemento construtivo da Ciência Jurídica à qual pertence a disciplina
em causa. A doutrina é que distingue as regras que convêm ao Direito Público e
ao Direito Privado, e mais particularmente a cada um dos sub-ramos do saber
jurídico. Influi ela não só na elaboração da lei como nas decisões contenciosas
e não contenciosas, ordenando, assim, o próprio Direito Administrativo.

A jurisprudência, traduzindo a reiteração dos julgamentos num mesmo


sentido, influencia poderosamente a construção do Direito, e especialmente a
do Direito Administrativo, que se ressente de sistematização doutrinária e de
codificação legal. A jurisprudência tem um caráter mais prático, mais objetivo,
que a doutrina e a lei, mas nem por isso se aparta de princípios teóricos que,
por sua persistência nos julgados, acabam por penetrar e integrar a própria
Ciência Jurídica.

72
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE IV

Outra característica da jurisprudência é o seu nacionalismo. Enquanto a


doutrina tende a se universalizar, a jurisprudência tende a nacionalizar-se,
pela contínua adaptação da lei e dos princípios teóricos ao caso concreto.
Sendo o Direito Administrativo menos geral que os demais ramos jurídicos,
preocupa-se diretamente com a Administração de cada Estado, e por isso
mesmo encontra, muitas vezes, mais afinidade com a jurisprudência pátria
que com a doutrina estrangeira. A jurisprudência, entretanto, não obriga quer
a Administração, quer o Judiciário, porque não vigora entre nós o princípio
norte-americano de stare decises, segundo o qual a decisão judicial superior
vincula as instâncias inferiores, para os casos idênticos.

O costume tem perdido muito de sua importância na construção do Direito,


desde a Lei da Boa Razão (1769), que desautorizou seu acolhimento quando
contrário à lei, até a promulgação do Código Civil de 1916, que declarou
revogados os “usos e costumes concernentes às matérias de Direito Civil” por
ele reguladas (art. 1.807). Agora, foi praticamente afastado com a revogação,
feita pelo art. 2.045 do novo CC, da Parte Primeira do Código Comercial, na
qual constavam os arts. 130 e 133, que o admitia expressamente desde que
secundum legem.

No Direito Administrativo Brasileiro o costume exerce ainda influência, em


razão da deficiência da legislação. A prática administrativa vem suprindo o texto
escrito, e, sedimentada na consciência dos administradores e administrados, a
praxe burocrática passa a suprir a lei, ou atua como elemento informativo da
doutrina.

73
Princípios Unidade V

Popularmente, princípio é o momento ou local ou trecho em que algo tem origem; começo. É a causa
primária.

Dessa afirmação, apreendemos que tudo nasce do princípio. Isso é lógico, e por ser lógico parece de
simples compreensão. Mas, o que nos interessa é partir dessa lógica para analisarmos o princípio,
não somente sob o ângulo da obviedade, por ser a causa primeira, o início. Mas, sim, mergulharmos
na verificação do nascimento de todas as coisas, para compreendermos o seu princípio, pois, se
conhecermos a causa primeira das coisas, poderemos, antecipadamente, saber todo o caminho ou
corpo que se forma a partir do início, do princípio.

Filosoficamente, o dicionário nos diz que princípios são proposições diretoras de uma ciência, às
quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado.

Os princípios são instrumentos para uma construção unitária e sistemática do direito, razão pela
qual é acertado dizer que conhecer as normas jurídicas sem a adequada compreensão dos princípios
que as informam é mais ou menos como conhecer os frutos sem conhecer a semente que deu origem
à árvore, pois as normas jurídicas não existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas
com relações particulares entre si.

74
Capítulo 1
Direito

Miguel Reale (2003, p. 65), na tratativa da Estrutura Tridimensional do Direito, leciona que

uma análise em profundidade dos diversos sentidos da palavra Direito veio


demonstrar que eles correspondem a três aspectos básicos, discerníveis em
todo e qualquer momento da vida jurídica: um aspecto normativo (o Direito
como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito
como fato, ou em sua efetividade social e histórica) e um aspecto axiológico (o
Direito como valor de Justiça).

Para tanto, Reale demonstra que:

»» onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato
subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.); um
valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando
a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo;
e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra
um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor;

»» tais elementos ou fatores (fato, valor e norma) não existem separados uns dos
outros, mas coexistem numa unidade concreta;

»» mais ainda, esses elementos ou fatores não só se exigem reciprocamente, mas


atuam como elos de um processo (já vimos que o Direito é uma realidade histórico-
cultural) de tal modo que a vida do Direito resulta da interação dinâmica e dialética
dos três elementos que a integram.

André Franco Montoro (2005, p. 56), ao tratar da pluralidade de significações do Direito, dispõe
sobre cinco realidades fundamentais de representação do Direito:

Se atentarmos para a significação do vocábulo “direito”, nessas diversas


expressões, verificaremos que, em cada uma, ele significa coisa diferente.

Assim, no primeiro caso – “o direito não permite o duelo” – “direito” significa


a norma, a lei, a regra social obrigatória. – Norma.

Na segunda expressão – “o Estado tem o direito de legislar” – “direito” significa


a faculdade, o poder, a prerrogativa que o Estado tem de criar leis. – Faculdade

Na terceira expressão – “a educação é direito da criança” – “direito” significa o


que é devido por justiça – Justo

75
UNIDADE V │ PRINCÍPIOS

Na quarta expressão – “cabe ao direito estudar a criminalidade” – “direito”


significa ciência, ou, mais exatamente, a ciência do direito. – Ciência

Na última expressão – “o direito constitui um setor da vida social” – “direito”


é considerado como fenômeno da vida coletiva. Ao lado dos fatos econômicos,
artísticos, culturais, esportivos etc., também o direito é um fato social. – Fato
Social

Temos, assim, cinco realidades diferentes a que correspondem as acepções


fundamentais do direito. Um estudo mais detido nos revela que, partindo
destas, podemos chegar, ainda, a outras significações, de menor importância.

Em resumo, Montoro (2005, p. 48) destaca que:

Cada uma dessas frases emprega uma das significações fundamentais do


direito. Na primeira, direito significa a lei ou norma jurídica (direito-norma). Na
Segunda, direito tem o sentido de faculdade ou poder de agir (direito-faculdade
ou direito-poder). Na terceira, indica o que é devido por justiça (direito-justo).
Na quarta, o direito é considerado como fenômeno social (direito-fato social).
Na última, ele é referido como disciplina científica (direito-ciência).

Como vimos, são cinco realidades distintas. E, se quisermos saber o que é o direito, precisamos
estudar o conteúdo essencial de cada uma dessas significações.

»» O direito como ciência (Epistemologia jurídica);

»» O direito como justo (Axiologia jurídica);

»» O direito como norma (Teoria da norma jurídica);

»» O direito como faculdade (Teoria dos direitos subjetivos);

»» O direito como fato social (Sociologia do Direito).

76
Capítulo 2
Princípios de Direito

Paulo Bonavides exprime o pensamento de diversos juristas na conceituação de Princípios de


Direito.

Bonavides (2006, p. 256) cita Unger, que faz a seguinte formulação: “Princípio de direito é o
pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito
de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo”.

A partir da conceituação formulada por Crisafulli, dispondo princípios como normas, Bonavides
(2006, p. 257) ensina:

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como


determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,
desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais
particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem,
potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao
contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

E expõe o autor que os princípios passam por três fases distintas quanto à sua juridicidade: a
Jusnaturalista, a Juspositivista e a Pós-Positivista.

Na primeira – Jusnaturalista – os princípios são compreensões abstratas, sem aplicação normativa.

Na Segunda – Juspositivismo – os princípios são fontes normativas subsidiárias, como “válvulas de


segurança”, que “garantem o reinado absoluto da Lei”; os princípios derivam das leis. Os princípios
são normas mais gerais.

Em seguida, Bonavides cita Norberto Bobbio:

Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do


sistema, as normas gerais. O nome de princípios induz em engano, tanto que
é velha questão entre juristas se os princípios são ou não normas. Para mim
não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as demais. E esta
é a tese sustentada também pelo estudioso que mais amplamente se ocupou
da problemática, ou seja, Crisafulli. Para sustentar que os princípios gerais são
normas os argumentos vêm a ser dois e ambos válidos: antes de tudo, se são
normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um
procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser
normas também eles: se abstraio de espécies animais obtenho sempre animais,
e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos
e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, a
função de regular um caso. Para regular um comportamento não regulado, é

77
UNIDADE V │ PRINCÍPIOS

claro: mas agora servem ao mesmo fim para que servem as normas expressas.
E por que então não deveriam ser normas?

Quanto à terceira – Pós-Positivista – Bonavides acentua que os princípios são “convertidos em


pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais.”.

A apreensão dos princípios designam que eles “são normas e as normas compreendem finalmente
os princípios e as regras”.

Bonavides (2006, p. 272) arremata:

Repartem-se os princípios, numa certa fase da elaboração doutrinária, em


duas categorias: a dos que assumem o caráter de ideias jurídicas norteadoras,
postulando concretização na lei e na jurisprudência, e a dos que, não sendo
apenas ratio legis, mas, também, lex, se cristalizam desse modo, consoante
Larenz assinala, numa regra jurídica de aplicação imediata.

Acrescenta o mesmo jurista que os da primeira categoria, desprovidos do


caráter de norma, são princípios “abertos” (offene Prinzipien), ao passo que os
segundos se apresentam como “princípios normativos” (rechtssatzförmigen
Prinzipien).

Princípios e regras são normas que designam mandamento e ordenação de normas.

Os princípios são normas dotadas de informação, de conteúdo geral. As regras são normas
definidoras, de conteúdo relativo.

Destaca-se que o conflito de regras se resolve na dimensão da “validade”, enquanto que os princípios
na dimensão de valor.

Os princípios são as normas-chave de todo o sistema jurídico; são valores que fundamentam,
interpretam, integram, direcionam, limitam.

Destaca-se que o constitucionalismo contemporâneo faz surgir a “jurisprudência de valores” como


sendo “jurisprudência de princípios”.

78
Princípios
Basilares Unidade Vi
do Direito
Administrativo

Nos capítulos anteriores deste Caderno de Estudos verificou-se a formação do Estado, suas
finalidades e conceitos, bem como o surgimento do Direito Administrativo.

Agora, para compreendermos, sistematicamente, o Direito Administrativo, faz-se necessário o


conhecimento e o estudo de seus princípios formadores, verificando-se toda a base de estruturação
desse ramo do Direito.

79
Capítulo 1
Princípios da Supremacia do Interesse
Público sobre o Interesse privado, da
Indisponibilidade do Interesse Público
pela Administração e da Autotulela da
Administração Pública.

O Direito Administrativo é delineado a partir da consagração de dois princípios, o da supremacia


do interesse público sobre o privado e o da indisponibilidade, pela administração, dos interesses
públicos.

O primeiro diz sobre a superioridade do interesse da coletividade, fixando a prevalência dele sobre o
do particular, como premissa de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-
se garantidos e assegurados.

O segundo decorre da premissa de que a Administração Pública possui poderes-deveres, ou seja, são
conferidos certos poderes a ela como forma de se alcançar uma finalidade previamente estabelecida,
que é o próprio interesse público, da coletividade como um todo e não da entidade ou unidade
governamental em si mesma. São poderes que a Administração não pode deixar de exercer, sob
pena de responder por isso, ao mesmo tempo em que devem ser exercidos sem excesso e com
responsabilidade, afastando possíveis abusos e irresponsabilidades.

Desse princípio decorre o princípio da titularidade irrenunciável da prestação de serviços públicos


pelo Poder Público, ainda que delegável a sua execução (art. 175, CF), e limitação da atuação do
Estado como explorador de atividade econômica às hipóteses de relevantes interesses coletivos ou
segurança nacional (art. 173, CF).

A Administração Pública, na prática de seus atos, deve sempre respeitar a lei e zelar para que o
interesse público seja alcançado.

Assim, sempre que se verificar que um ato administrativo esteja em desconformidade com a lei, ou
que se encontra em confronto com os interesses públicos, devem os agentes públicos revê-los, como
uma natural decorrência do próprio princípio da legalidade.

A respeito, deve ser lembrada a Súmula no 473 do Supremo Tribunal Federal,:


a administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios
que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por
motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e
ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

80
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

Adiante se verificam decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

RE 253885 / MG - MINAS GERAIS


RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 04/06/2002 Órgão Julgador: Primeira
Turma

Ementa

EMENTA: Poder Público. Transação. Validade. Em regra, os bens e o interesse


público são indisponíveis, porque pertencem à coletividade. É, por isso, o
Administrador, mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre
os interesses confiados à sua guarda e realização. Todavia, há casos em que
o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado,
mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração
é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse. Assim, tendo o acórdão
recorrido concluído pela não onerosidade do acordo celebrado, decidir de forma
diversa implicaria o reexame da matéria fático-probatória, o que é vedado nesta
instância recursal (Súm. 279/STF). Recurso extraordinário não conhecido.

RMS 23518 / DF - DISTRITO FEDERAL


RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO
Julgamento: 12/09/2000 Órgão Julgador: Primeira Turma

Ementa

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.


TRANSPORTE COLETIVO INTERESTADUAL. AJUSTE DE
ITINERÁRIO. DECRETO No 952/93. PERMISSÃO. NOVA
LINHA. ART. 175 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ANULAÇÃO
DE ATO ADMINISTRATIVO. SÚMULA 473/STF. DEVIDO
PROCESSO LEGAL. Nâo cabe ao Judiciário, em mandado de
segurança, reapreciar prova técnica, complexa, produzida
na esfera administrativa, para decidir se, na espécie, houve
simples ajuste de itinerário, ou concessão de nova linha sem
o processo licitatório exigido pelo art. 175 da Constituição
Federal. No exercício do poder de autotutela, pode o
administrador, de ofício, anular ato considerado ilegal, desde
que tenha competência para tanto e conceda oportunidade de
defesa à parte interessada. Hipótese em que as contrarrazões

81
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

da recorrente foram apresentadas a destempo no processo


administrativo, inocorrendo descumprimento ao princípio
do devido processo legal. Recurso ordinário a que se nega
provimento.

RE 247399 / SC - SANTA CATARINA


RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 23/04/2002 Órgão Julgador: Primeira
Turma

Ementa

EMENTA: Servidor Público. Proventos de aposentadoria.


Ato administrativo eivado de nulidade. Poder de autotutela
da Administração Pública. Possibilidade. Precedente. Pode
a Administração Pública, segundo o poder de autotutela
a ela conferido, retificar ato eivado de vício que o torne
ilegal, prescindindo, portanto, de instauração de processo
administrativo (Súmula 473, 1ª parte - STF). RE 185.255, DJ
19/09/1997. RE conhecido e provido.

82
Capítulo 2
Princípios Constitucionais que Informam
a Administração Pública

A Constituição Federal, no caput do artigo 37, contempla cinco princípios cardeais, balizadores da
conduta administrativa, verbis:

Art. 37 . A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes


da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência
e, também, ao seguinte:

(...)

A Constituição também trata, em outros dispositivos normativos, de outros princípios constitucionais


de observância obrigatória pela administração Pública, como veremos posteriormente.

Princípio da Legalidade
O Princípio da Legalidade é a base informadora e formadora do Estado de Direito, submetendo à lei
a obrigação de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, tendo sido consagrado no inciso II, artigo 5o,
da Carta Magna, sendo para a Administração Pública requisito vinculado à existência de seus atos.

Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

(...)

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em


virtude de lei;

(...)

É a legalidade um dos pilares da formação de Estado de Direito e do próprio regime jurídico-


administrativo da Administração Pública.

Disso decorre o sentido de que apenas a lei, em regra, pode introduzir novações primárias, criando
novos direitos e novos deveres na ordem jurídica como um todo considerada.

Ademais, considerando-se o fundamento da indisponibilidade dos interesses públicos, diz-se que o


administrador, em cumprimento ao princípio da legalidade, “só pode atuar nos termos estabelecidos
pela lei”. Não pode o Agente Público, por atos administrativos, proibir ou impor comportamento a

83
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

terceiro, se ato legislativo não fornecer, em boa dimensão jurídica, amparo a essa pretensão. A lei é
seu único e definitivo parâmetro.

Assim, enquanto no mundo privado se coloca como apropriada a afirmação de que o que não é
proibido é permitido, no mundo público assume-se como verdadeira a afirmação de que a
Administração só pode fazer o que a lei autoriza.

A Administração Pública deve obedecer à legalidade em suas atividades, implicando daí a noção de que
a atividade administrativa é a desenvolvida em nível imediatamente infralegal, dando cumprimento
às disposições da lei. Dessa maneira, a função dos atos da Administração é o cumprimento das
disposições legais, não lhe sendo possível, portanto, a inovação do ordenamento jurídico.

Bandeira de Mello (2002:83) leciona que o princípio da legalidade é o princípio capital para a
configuração do regime jurídico-administrativo e afirma que:

Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido


profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de
um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto
– administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos,
perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e
impessoal, a lei, editada pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo
de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social – garantir que
a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral.

MELLO (2002:84) prossegue afirmando que:

O princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às


leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí
que a atividade de todos os seus agentes, desde o que ocupa a cúspide até o
mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos
cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é
a posição que lhes compete no direito brasileiro.

Meirelles (2008:89) ensina que:

A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador


público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da
lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob
pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e
criminal, conforme o caso.

O princípio da legalidade é, enfim, em seus sucessivos desdobramentos, a certeza de que a


Administração deve efetivar seus atos, seus procedimentos administrativos e suas decisões à
disposição legal.

Adiante, verifica-se decisão proferida pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com relação
à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

84
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

AI-AgR 138989 / RS - RIO GRANDE DO SUL


AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO
Julgamento: 12/05/1992 Órgão Julgador: SEGUNDA
TURMA

Ementa

COISA JULGADA - FATOR DE INDEXAÇÃO SALARIAL - DECRETOS-LEIS N.


2.283/86 E 2.284/86 - EFEITOS - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. A garantia
constitucional relativa ao respeito ao direito adquirido e à coisa julgada obsta
a aplicação da nova sistemática de reajuste salarial aos contratos de trabalho
dos beneficiários de acordo formalizado em dissídio coletivo e homologado pela
Justiça do Trabalho, em que prevista a observância do INPC na integralidade.
Descabe cogitar de violência ao princípio da legalidade, em face a supremacia
dos institutos referidos. A lei nova não tem contornos de verdadeira demanda
rescisória.

Princípio da Impessoalidade
A Impessoalidade diz respeito à manifestação do Estado, por meio de seus agentes, para realização
de seus fins. Quem age é o Estado e não a pessoa de seu agente. Esse princípio vincula-se ao da
Legalidade, quando obriga o agente a executar as determinações legais.

O princípio da impessoalidade da Administração Pública define-se como sendo aquele que impõe
que os atos praticados pela Administração Pública, ou por ela delegados, devam ser imputados ao
ente ou órgão em nome do qual se realiza, não caracterizando, assim, as peculiaridades pessoais
daqueles que praticam os atos ou a quem porventura se dirija. Em suma, os atos e provimentos
administrativos são imputáveis ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o
funcionário.

Disso decorre que o princípio da impessoalidade se decompõe em duas perspectivas diferentes,


sendo a impessoalidade do administrador quando da prática do ato e a impessoalidade do próprio
administrado como destinatário desse mesmo ato.

Sendo assim, o princípio da impessoalidade busca resguardar que, diante dos administrados, as
realizações administrativo-governamentais não sejam propriamente do funcionário ou da autoridade,
mas exclusivamente da entidade pública que a efetiva. A atividade da Administração Pública não pode
ser apropriada, para quaisquer fins, por aquele que, em decorrência do exercício funcional decorrente
da atividade administrativa, viu-se na condição de executá-la. Daí decorre a impessoalidade, que é
imputável à estrutura administrativa ou governamental incumbida de sua prática.

Um ato do Poder Público não pode privilegiar ou penalizar alguém em decorrência de favoritismos
ou de perseguição pessoal. Todo e qualquer administrado deve sempre se relacionar de forma

85
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

impessoal com a Administração Pública, sem que suas características pessoais, sejam elas quais
forem, possam ensejar predileções ou discriminações de qualquer natureza.

Bandeira de Mello (2002, p. 96) disserta que o princípio da impessoalidade insere-se no conteúdo
jurídico do princípio da isonomia:

“No princípio da impessoalidade se traduz a ideia de que a Administração


tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou
detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias
ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na
atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou
grupos de qualquer espécie. O princípio em causa é senão o próprio princípio
da igualdade ou isonomia.

Princípio da Publicidade
Seguindo pela trilha dos ensinamentos de Meirelles (2008:96), tem-se que a publicidade dos atos
praticados pela Administração é requisito de eficácia e moralidade e não de sua formação. São suas
estas palavras: “A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade.
Por isso mesmo os atos irregulares não se consolidam com a publicação, nem os regulares a
dispensam para sua exequibilidade, quando a lei ou o regulamento a exige”.

A publicidade sinaliza no sentido de que o Poder Público deve agir com transparência, a fim de que
os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que está acontecendo e o que os agentes
públicos estão fazendo.

A Constituição Federal do Brasil afirma que todo poder do Estado “emana do povo” (art. 1.o, Parágrafo
único). Logo, a publicidade é imposição constitucional para a prática de atos administrativos, como
elemento concreto para a sua legalidade.

José Eduardo Martins Cardozo (1999, p. 159) assim define o princípio da publicidade:

Entende-se por princípio da publicidade, assim, aquele que exige, nas formas
admitidas em Direito, e dentro dos limites constitucionalmente estabelecidos,
a obrigatória divulgação dos atos da Administração Pública, com o objetivo de
permitir seu conhecimento e controle pelos órgãos estatais competentes e por
toda a sociedade.

No que tange à forma de se dar publicidade aos atos da Administração, tem-se afirmado que ela
poderá se dar tanto por meio da publicação do ato, como por sua simples comunicação a seus
destinatários.

Assim, são suficientes que os requisitos exigidos para a publicidade se tenham concretizado, nos
termos previstos na ordem jurídica, e para o universo jurídico não interessará se na realidade fática
o conhecimento da existência do ato e de seu conteúdo tenha ou não chegado aos destinatários dos
seus efeitos. Feita a publicação ou a comunicação dentro das formalidades legais, haverá sempre uma

86
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

presunção absoluta da ciência do destinatário, dando-se por satisfeita a exigência de publicidade.


Salvo, naturalmente, se as normas vigentes assim não determinarem.

A publicação feita em Diário Oficial, tendo sido lida ou não; se a comunicação protocolada na repartição
competente chegou ou não às mãos de quem de direito; se o telegrama regularmente recebido na
residência do destinatário chegou faticamente às suas mãos ou se eventualmente foi extraviado por algum
familiar; tudo isso pouco ou nada importa se as formalidades legais exigidas foram inteiramente
cumpridas no caso.

Cabe à lei indicar a forma adequada de se dar publicidade aos atos da Administração Pública.
Normalmente, esse dever é satisfeito por meio da publicação em órgão de imprensa oficial da
Administração, entendendo--se com isso não apenas os Diários ou Boletins Oficiais das entidades
públicas, mas também – para aquelas unidades da Federação que não possuírem tais periódicos
– os jornais particulares especificamente contratados para o desempenho dessa função, ou outras
excepcionais formas substitutivas, nos termos das normas legais e administrativas locais.

Em inexistindo disposição normativa em sentido contrário, tem-se entendido que os atos


administrativos de efeitos internos à Administração não necessitam ser publicados para que tenham
por atendido seu dever de publicidade, como os atos de mero expediente. Assim, se admite, em
regra, a comunicação aos destinatários. O dever de publicação recai sobre os atos administrativos
que atingem a terceiros, ou seja, os atos externos.

A publicidade dos atos administrativos, nos termos do postulado constitucional, é diferenciada, de


acordo com o que reste expressamente estabelecido na lei, e em sendo omisso esta, conforme os
parâmetros estabelecidos na teoria qual dos atos administrativos.

São decorrências do princípio da publicidade:

a. o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou


de interesse coletivo ou geral (art. 5.o, XXXIII, da CF);

b. o direito à obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e


esclarecimento de situações de interesse pessoal (art. 5.o, XXXIV, da CF);

c. o direito de acesso dos usuários a registros administrativos e atos de governo (art.


37, § 3.o, II).

Logo, uma vez violados esses direitos pelo Poder Público, poderão os prejudicados, desde que
atendidos os pressupostos constitucionais e legais exigidos para cada caso, valerem-se do habeas
data (art. 5.o, LXXII, da CF), do mandado de segurança (art. 5.o, LXX, da CF), ou mesmo das vias
ordinárias.

As certidões, contudo, não são elementos da publicidade administrativa, porque se destinam a


interesse particular do requerente; por isso, a Constituição só reconhece esse direito quando são
requeridas para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (art. 5.o,
XXXIV, b).

87
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Todavia, há limites constitucionais ao princípio da publicidade no sentido de coibir a violação da


intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5.o, X, c/c. art. 37, § 3.o, II,
da CF), do sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional (art. 5.o, XIV, da CF), ou com
violação de sigilo tido como imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5.o, XXXIII,
c/c. art. 37, § 3.o, II, da CF).

Chama-se a atenção para o fato de que o princípio da publicidade não se confunde com o problema
da divulgação ou propaganda dos atos e atividades do Poder Público pelos meios de comunicação
de massa. Assim, uma coisa é a publicidade jurídica necessária para o aperfeiçoamento dos atos, a
se dar nos termos definidos anteriormente. Outra é a propaganda dos atos de gestão administrativa
e governamental. A primeira é um dever constitucional sem o qual, em regra, os atos não serão
dotados de existência jurídica. A outra é mera faculdade da Administração Pública, como se vê no
§ 1o do art. 37 da Constituição: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas
dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não
podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades
ou servidores públicos”.

Adiante, verificam-se decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

RE 390939 / MA - MARANHÃO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 16/08/2005 Órgão Julgador: Segunda
Turma

Ementa

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA


FÍSICA. ALTERAÇÃO NO EDITAL. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA
PUBLICIDADE. 1. Alterações no edital do concurso para agente penitenciário, na
parte que disciplinou o exercício abdominal, para sanar erro material, mediante
uma “errata” publicada dias antes da realização da prova física no Diário Oficial
do Estado. 2. Desnecessária a sua veiculação em jornais de grande circulação.
A divulgação no Diário Oficial é suficiente per se para dar publicidade a um ato
administrativo. 3. A Administração pode, a qualquer tempo, corrigir seus atos e,
no presente caso, garantiu aos candidatos prazo razoável para o conhecimento
prévio do exercício a ser realizado. 4. Recurso extraordinário conhecido e
provido.

Decisão

A Turma, por votação unânime, conheceu do recurso extraordinário e lhe deu


provimento, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, neste
julgamento, o Senhor Ministro Carlos Velloso. 2ª. Turma, 16.08.2005.

88
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

RMS 23036 / RJ - RIO DE JANEIRO


RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA
Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA
Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM
Julgamento: 28/03/2006 Órgão Julgador: Segunda
Turma

Ementa

EMENTA: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SUPERIOR TRIBUNAL


MILITAR. CÓPIA DE PROCESSOS E DOS ÁUDIOS DE SESSÕES. FONTE
HISTÓRICA PARA OBRA LITERÁRIA. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DO DIREITO À
INFORMAÇÃO (ART. 5o, XIV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). 1. Não se cogita
da violação de direitos previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados do
Brasil (art. 7o, XIII, XIV e XV da L. 8.906/96), uma vez que os impetrantes não
requisitaram acesso às fontes documentais e fonográficas no exercício da função
advocatícia, mas como pesquisadores. 2. A publicidade e o direito à informação
não podem ser restringidos com base em atos de natureza discricionária, salvo
quando justificados, em casos excepcionais, para a defesa da honra, da imagem e
da intimidade de terceiros ou quando a medida for essencial para a proteção do
interesse público. 3. A coleta de dados históricos a partir de documentos públicos
e registros fonográficos, mesmo que para fins particulares, constitui-se em
motivação legítima a garantir o acesso a tais informações. 4. No caso, tratava-se
da busca por fontes a subsidiar elaboração de livro (em homenagem a advogados
defensores de acusados de crimes políticos durante determinada época) a partir
dos registros documentais e fonográficos de sessões de julgamento público. 5.
Não configuração de situação excepcional a limitar a incidência da publicidade
dos documentos públicos (arts. 23 e 24 da L. 8.159/91) e do direito à informação.
Recurso ordinário provido.

Decisão

Após o voto do Senhor Ministro-Relator negando provimento ao recurso e


cassando a liminar concedida, o julgamento foi adiado, em virtude de pedido de
vista do Senhor Ministro Nelson Jobim. Falou, pelos recorrentes, o Dr. Fernando
Augusto Henriques Fernandes. 2ª Turma, 06.04.99.

Decisão: A Turma, por maioria, vencido o Ministro-Relator, deu provimento


ao recurso ordinário, nos termos do voto do Senhor Ministro Nelson Jobim.
Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Nelson Jobim. Não participou, deste
julgamento, o Senhor Ministro Eros Grau. Presidiu, este julgamento, o Senhor
Ministro Nelson Jobim. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor
Ministro Celso de Mello. 2ª Turma, 28.03.2006.

89
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Princípio da Moralidade
A moralidade deve estar presente em todos os aspectos da vida. Estão contidos em sua esfera o
princípio da lealdade e da boa-fé.

Todavia, foi neste século, pelos escritos de Hariou (1926, p. 197), que o princípio da moralidade, de
forma pioneira, se fez formular no campo da ciência jurídica, capaz de fornecer, ao lado da noção de
legalidade, o fundamento para a invalidação de seus atos pelo vício denominado desvio de poder.
Essa moralidade jurídica, a seu ver, deveria ser entendida como um conjunto de regras de conduta
tiradas da disciplina interior da própria Administração, uma vez que ao agente público caberia
também distinguir o honesto do desonesto, a exemplo do que faz entre o legal e o ilegal, o justo e o
injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, como, afinal, já proclamavam
os romanos “nem tudo que é legal é honesto” (nort omne quod licet honestum est).

A expressa inclusão do princípio da moralidade, no caput do art. 37 da Constituição, vincula, em


boa razão, todos os atos da Administração Pública. Ao agente público não basta cumprir os estritos
termos da lei; tem-se por necessário que seus atos estejam verdadeiramente adequados à moralidade
administrativa, ou seja, a padrões éticos de conduta que orientem e balizem sua realização. Se assim
não for, inexoravelmente, são considerados não apenas como imorais, mas também como inválidos.

Isso posto, José Eduardo Martins Cardozo (1999, p. 158) fornece uma definição desse princípio, hoje
agasalhado na órbita jurídico-constitucional: “Entende-se por princípio da moralidade, a nosso ver,
aquele que determina que os atos da Administração Pública devam estar inteiramente conformados
aos padrões éticos dominantes na sociedade para a gestão dos bens e interesses públicos, sob pena
de invalidade jurídica”.

Admite o art. 5.o, LXXIII, da Constituição Federal, que qualquer cidadão possa ser considerado
parte legítima para a propositura de ação popular que tenha por objetivo anular atos entendidos
como lesivos, entre outros, à própria moralidade administrativa.

A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que é tutelada pela


Constituição.

Por outra via, como forma de também fazer cumprir a moralidade, a Constituição Federal trata,
da improbidade administrativa. A moralidade e a probidade administrativa são tuteladas pelo
ordenamento jurídico pátrio de forma a validar os atos administrativos. A improbidade é rechaçada
pelo ordenamento constitucional como causa de suspensão dos direitos políticos do ímprobo (art.
15, V), conforme estatui o art. 37, § 4.o, CF, in verbis: “Os atos de improbidade administrativa
importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo de outras
sanções cabíveis, podendo vir a configurar a prática de crime de responsabilidade (art. 85, V).

Dessa forma, a falta de moralidade não se limita apenas a exigir a invalidação – por via administrativa
ou judicial – do ato administrativo violado, mas também a imposição de outras sanções ao agente
público responsável por sua prática.

90
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

Adiante se verifica decisão proferida pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com relação
à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

ADC-MC 12 / DF - DISTRITO FEDERAL


MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DECLARATÓRIA DE
CONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CARLOS BRITTO
Julgamento: 16/02/2006 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno

Ementa

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA


EM PROL DA RESOLUÇÃO No 07, de 18/10/2005, DO CONSELHO NACIONAL
DE JUSTIÇA. MEDIDA CAUTELAR. Patente a legitimidade da Associação
dos Magistrados do Brasil - AMB para propor ação declaratória de
constitucionalidade. Primeiro, por se tratar de entidade de classe de âmbito
nacional. Segundo, porque evidenciado o estreito vínculo objetivo entre as
finalidades institucionais da proponente e o conteúdo do ato normativo por
ela defendido (inciso IX do art. 103 da CF, com redação dada pela EC 45/04).
Ação declaratória que não merece conhecimento quanto ao art. 3o da resolução,
porquanto, em 06/12/05, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução no
09/05, alterando substancialmente a de no 07/2005. A Resolução no 07/05 do
CNJ reveste-se dos atributos da generalidade (os dispositivos dela constantes
veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas),
impessoalidade (ausência de indicação nominal ou patronímica de quem
quer que seja) e abstratividade (trata-se de um modelo normativo com âmbito
temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de
forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos
mandamentos). A Resolução no 07/05 se dota, ainda, de caráter normativo
primário, dado que arranca diretamente do § 4o do art. 103-B da Carta-cidadã
e tem como finalidade debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios
constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do
Estado, especialmente o da impessoalidade, o da eficiência, o da igualdade e
o da moralidade. O ato normativo que se faz de objeto desta ação declaratória
densifica apropriadamente os quatro citados princípios do art. 37 da Constituição
Federal, razão por que não há antinomia de conteúdos na comparação dos
comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e
o infraconstitucional. Logo, o Conselho Nacional de Justiça fez adequado uso
da competência que lhe conferiu a Carta de Outubro, após a Emenda 45/04.
Noutro giro, os condicionamentos impostos pela Resolução em foco não
atentam contra a liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão
e funções de confiança (incisos II e V do art. 37). Isto porque a interpretação
dos mencionados incisos não pode se desapegar dos princípios que se veiculam
pelo caput do mesmo art. 37. Donde o juízo de que as restrições constantes

91
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já


impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios
da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. É dizer: o que
já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém,
agora, mais expletivamente positivado. Não se trata, então, de discriminar o
Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado, sob a
equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam
inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão
e funções de confiança, naquelas situações em que os respectivos ocupantes
não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público. O
modelo normativo em exame não é suscetível de ofender a pureza do princípio
da separação dos Poderes e até mesmo do princípio federativo. Primeiro, pela
consideração de que o CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92,
CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois;
segundo, porque ele, Poder Judiciário, tem uma singular compostura de âmbito
nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma
parte dele. Ademais, o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência
de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art.
125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta
Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. Medida liminar deferida
para, com efeito vinculante: a) emprestar interpretação conforme para incluir
o termo “chefia” nos inciso II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco b)
suspender, até o exame de mérito desta ADC, o julgamento dos processos que
tenham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução no 07/2005,
do Conselho Nacional de Justiça; c) obstar que juízes e Tribunais venham a
proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da mesma Resolução
no 07/2005, do CNJ e d) suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos daquelas
decisões que, já proferidas, determinaram o afastamento da sobredita aplicação.

Decisão

O Tribunal, por maioria, concedeu a liminar, nos termos do voto do relator, para,
com efeito vinculante e erga omnes, suspender, até exame de mérito desta ação, o
julgamento dos processos que têm por objeto questionar a constitucionalidade
da Resolução no 7, de 18 de outubro de 2005, do Conselho Nacional de Justiça;
impedir que juízes e tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou
afastem a aplicabilidade da mesma resolução e suspender, com eficácia ex tunc,
ou seja, desde a sua prolação, os efeitos das decisões já proferidas, no sentido de
afastar ou impedir a sobredita aplicação. Esta decisão não se estende ao artigo
3o da Resolução no 7/2005, tendo em vista a alteração de redação introduzida
pela Resolução no 9, de 06.12.2005. Vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio,
que indeferia a liminar, nos termos de seu voto. Votou o Presidente, Ministro
Nelson Jobim. Falaram, pela requerente, o Dr. Luís Roberto Barroso; pelos
amici curiae, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Associação

92
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho-ANAMATRA, o Dr. Alberto


Pavie Ribeiro e, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o Dr.
Felippe Zeraik; pelo Ministério Público Federal, o Dr. Roberto Monteiro Gurgel
Santos, Vice-Procurador-Geral da República. Plenário, 16.02.2006.

Princípio da Eficiência
Na evolução tecnológica corrente, não há que se negar a exigência de um Estado democrático
eficiente, profissional e ágil. Vivemos o momento de transição de uma sucata administrativa para
uma administração profissional.

O processo administrativo haverá de ser, ainda, informal, (princípio da informalidade) para que
o Estado possa gerenciar ou administrar automaticamente as relações que envolvam a prática
administrativa, atingindo a todos, conforme determina da Constituição Federal, sem quaisquer
restrições ao seu alcance.

Ademais, apesar de não citado literalmente pela lei, é de salientar a necessidade de observância
do princípio da celeridade (ou princípio da economia processual), pois se verifica a preocupação
em dotar os procedimentos administrativos de simplicidade razoável, em benefício da presteza
em alcançar os resultados propostos, como quando são estabelecidos prazos, de modo a reduzir e
prever o tempo de tramitação.

Quando o interessado declarar que fatos e dados estão registrados em


documentos existentes na própria Administração responsável pelo processo ou
em outro órgão administrativo, o órgão competente para a instrução fornecerá,
de ofício, à obtenção dos documentos ou das respectivas cópias (princípio da
gratuidade). (Art. 37 da Lei 9784/99).

Nesse sentido, encontram-se evidências claras da transformação da forma de administração citada,


demonstrando ao cidadão e à sociedade a transparência e a existência do direito, presentes não
somente em textos, mas, em formas honestas e ágeis de decidir administrativamente.

As questões acima estão vinculadas ao princípio da eficiência com que deve agir a Administração
Pública.

O princípio da eficiência tornou-se expresso no caput do art. 37, em virtude de alteração introduzida
pela Emenda Constitucional no 19/1998.

A eficiência é princípio constitucional de gestão da coisa pública. Ora, se de um lado se exige a


moralidade e a legalidade, de outro, não se poderia admitir a ineficiência administrativa.

Eficiência, além de ser um conceito gerencial e econômico, torna-se, por mandamento constitucional,
um preceito jurídico. Assim, não qualifica normas, mas, sim, atividades. Amplamente, eficiência
significa fazer acontecer ou executar com racionalidade, o que implica medir os custos da satisfação
das necessidades públicas, impondo, em relação ao grau de utilidade alcançado, a economicidade

93
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

e a criatividade. Assim, a eficiência, orienta a atividade administrativa no sentido de se conseguir


os melhores resultados com os meios mais econômicos e racionais. Rege-se, pois, pela regra da
execução com maior benefício e com o menor custo possível.

Observa José Eduardo Martins Cardozo (1999, p. 166):

Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o


aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos
os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e
aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só. Em seu
sentido jurídico, a expressão, que consideramos correta, também deve abarcar
a ideia de eficácia da prestação, ou de resultados da atividade realizada.
Uma atuação estatal só será juridicamente eficiente quando seu resultado
quantitativo e qualitativo for satisfatório, levando-se em conta o universo
possível de atendimento das necessidades existentes e os meios disponíveis.

Assim, o sentido de eficiência administrativa deve abranger o razoável aproveitamento dos meios
e recursos colocados à disposição dos agentes públicos. Deve ser pautada pela adequação lógica
dos meios razoavelmente utilizados aos resultados efetivamente obtidos, considerando a finalidade
pública.

A Administração Pública deve agir de forma eficiente, exercendo as funções que lhe são próprias
e aproveitando da forma mais adequada o que se encontra disponível, visando a chegar ao melhor
resultado possível em relação aos fins que almeja alcançar. Nessa linha, Cardozo (1999, p. 166/167)
assevera:

Desse modo, pode-se definir esse princípio como sendo aquele que determina
aos órgãos e pessoas da Administração Direta e Indireta que, na busca das
finalidades estabelecidas pela ordem jurídica, tenham uma ação instrumental
adequada, constituída pelo aproveitamento maximizado e racional dos
recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros disponíveis, de modo que
possa alcançar o melhor resultado quantitativo e qualitativo possível, em face
das necessidades públicas existentes.

Tem-se, assim, a eficiência, como desdobramento do valor atribuído ao princípio da economicidade,


inserido no art. 70, caput, da Constituição Federal.

Princípio da Licitação
Licitação é um procedimento administrativo preparatório para escolher proponentes de contratos
de execução de obras, serviços, compras ou de alienações do Poder Público.

A Administração Pública deve sempre buscar, entre os interessados ou licitantes em com ela
contratar, a melhor forma disponível no mercado para satisfazer os interesses públicos, para que

94
PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO │ UNIDADE VI

possa agir de forma honesta, ou adequada ao próprio dever de atuar de acordo com padrões exigidos
pela probidade administrativa, como contratado do Poder Público.

De outro lado, tem o dever de assegurar verdadeira igualdade de oportunidades, sem privilégios ou
favorecimentos injustificados, a todos os administrados que tencionem com ela celebrar negócios.

Consoante Cardozo (1999, p. 173),

(...) De forma sintética, podemos defini-lo como sendo aquele que determina
como regra o dever jurídico da Administração de celebrar ajustes negociais
ou certos atos unilaterais mediante prévio procedimento administrativo que,
por meios de critérios preestabelecidos, públicos e isonômicos, possibilite a
escolha objetiva da melhor alternativa existente entre as propostas ofertadas
pelos interessados.

O art. 37, XXI, alberga o princípio nos termos seguintes:

ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras


e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que
assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual permitirá as exigências de qualificação
técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Assim, é dever constitucional licitar, o que é imposto a todos os entes da Administração Pública,
na conformidade do que a lei estabelecer. Contudo, a própria lei define hipóteses específicas de
inexigibilidade e de dispensa de licitação.

Cumpre ressaltar que a licitação é um procedimento vinculado, ou seja, formalmente regulado em lei,
cabendo à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades,
para a Administração Pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle (art. 22, XXVII, da CF).

Portanto, aos Estados, Distrito Federal e Municípios compete legislar suplementarmente sobre a
matéria, no que tange ao interesse peculiar de suas administrações.

Princípio da Prescrição dos Ilícitos


Administrativos
A prescrição é forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular; é um princípio
geral do direito. Logo, não é de se estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários
aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto
às pretenções desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos
administrativos.

95
UNIDADE VI │ PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Se a Administração não toma providência para apurar e responsabilizar o agente público, a sua
inércia gera a perda da pretensão punitiva.

Dessa maneira, o art. 37, § 5o, CF, dispõe sobre esse princípio: “A lei estabelecerá os prazos de
prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao
erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.

Contudo, cumpre registrar a persistência do direito da Administração ao ressarcimento, à


indenização do prejuízo causado ao erário.

Afinado com esse mesmo entendimento, sumaria José Afonso da Silva (2001:657): “É uma ressalva
constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não
socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius)”.

96
Princípios
de Regência Unidade ViI
do Processo
Administrativo

Capítulo 1
Noções de Processo Administrativo

Di Pietro (2008, p. 588-9) entende que a expressão processo administrativo é utilizada em vários
sentidos, seja para designar o conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e referentes
a um dado assunto de interesse do servidor ou da Administração, seja como sinônimo de processo
disciplinar, pelo qual se apuram as infrações administrativas e se punem os infratores ou, em sentido
mais amplo, quando denota o conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no
âmbito administrativo. Mas como nem todo processo administrativo envolve controvérsia, pode-se
falar de modo a abranger a série de atos preparatórios de uma decisão final da Administração.

O processo administrativo é orientado por alguns princípios comuns ao processo judicial, como:
o da publicidade, da ampla defesa, do contraditório, do impulso oficial e da obediência à forma
e aos procedimentos estabelecidos em lei, bem como por princípios próprios e típicos do Direito
Administrativo.

A Lei n° 9.784/99, conhecida como a “Lei do Processo Administrativo”, menciona, expressamente,


no seu artigo 2o, os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,
moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, como
de observância e obediência pela Administração Pública, entre outros, que veremos no próximo
capítulo.

97
Capítulo 2
Princípios Informadores da Lei no
9784/1999

Reale (1993, p. 359) ensina que os princípios para o direito são fórmulas nas quais está contido
o pensamento diretor de uma disciplina legal ou de um instituto jurídico. Os princípios são
fundamentais para o Direito. Inexistindo princípios teremos um Estado sem valores e regimentos
morais que o dignifiquem. Independentemente de constar nas leis, os princípios, por si sós, denotam
o justo e o equilíbrio.

Adiante, veremos os princípios que devem ser observados pela Administração Pública e que estão
expressos no caput do artigo 2o da Lei no 9.784/99, com exceção daqueles que são previstos pela
Constituição Federal e que já foram comentados em capítulo anterior deste Caderno de Estudos a
saber: legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, publicidade.

Princípio da Finalidade
O princípio da legalidade a que se submete a Administração Pública afirma que esta só pode agir
de acordo e em consonância com aquilo que, expressa ou tacitamente, se encontra estabelecido em
lei. Logo, decorre dessa realidade jurídica o cumprimento das finalidades legalmente estabelecidas
para sua conduta.

Referido princípio foi adotado pela “Lei do Processo Administrativo”, por ser considerado, também,
princípio de regência do Direito Administrativo no seu todo.

Sobre o denominado princípio da finalidade observa Celso Antônio Bandeira de Mello (2002, p.
90): “Esse princípio impõe que o administrador, ao manejar as competências postas a seu encargo,
atue com rigorosa obediência à finalidade de cada qual. Isto é, cumpre-lhe cingir-se não apenas à
finalidade própria de todas as leis, que é o interesse público, mas também à finalidade específica
obrigada na lei a que esteja dando execução”.

O princípio da finalidade é aquele que imprime à autoridade administrativa o dever de praticar o ato
administrativo com vistas à realização da finalidade perseguida pela lei.

Evidentemente que a prática de um ato administrativo concreto com finalidade desviada do interesse
público implica vício que enseja sua nulidade. A esse vício, como se sabe, denomina a doutrina
desvio de poder, ou desvio de finalidade.

Gasparini (2009, p. 14) também ensina:

Por esse princípio impõe-se à Administração Pública a prática, e tão somente esta, de atos voltados
para o interesse público. O afastamento da Administração Pública da finalidade de interesse público
denomina--se desvio de finalidade. O desvio de finalidade pode ser genérico ou específico. Diz-se

98
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII

genérico quando o ato simplesmente deixa de atender ao interesse público, como ocorre na edição
de atos preordenados a satisfazer interesses privados, a exemplo da desapropriação de bens para
doá-los a particular ou como medida de mera vingança. Diz-se específico quando o ato desatende
a finalidade indicada na lei, como se dá quando é usado um instrumental jurídico (Carteira de
Identidade), criado para um fim (segurança pública) para alcançar outro (aumento de arrecadação).

Concluindo, essas considerações querem apenas mostrar que o princípio da finalidade não
foi desconsiderado pelo legislador constituinte, que o teve como manifestação do princípio da
legalidade, sem que mereça censura por isso.

Adiante se verifica decisão proferida pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com relação
à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

RE 403205 / RS - RIO GRANDE DO SUL


RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Julgamento: 28/03/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma

Ementa

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. ICMS.


CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO. PROTOCOLO INDIVIDUAL. OFENSA
AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA PUBLICIDADE NÃO CONFIGURADA.
1. Falta aos incisos XIII e LVII do art. 5o da Constituição Federal o devido
prequestionamento (Súmulas STF nos 282 e 356). 2. O Poder Público detém a
faculdade de instituir benefícios fiscais, desde que observados determinados
requisitos ou condições já definidos no texto constitucional e em legislação
complementar. Precedentes do STF. 3. É dever da Administração Pública perseguir
a satisfação da finalidade legal. O pleno cumprimento da norma jurídica constitui
o núcleo do ato administrativo. 4. Concessão de benefício fiscal mediante ajuste
entre Administração Pública e administrado. “Protocolo individual”. Instrumento
de intervenção econômica que impõe direitos e obrigações recíprocas. Dever
jurídico da Administração Pública de atingir, da maneira mais eficaz possível, o
interesse público identificado na norma. 5. Princípio da razoabilidade. Hipótese
que carece de congruência lógica exigir-se o comprometimento da Administração
Estadual em conceder benefício fiscal presumido, quando a requerente encontra-
se inadimplente com suas obrigações tributárias. 6. Violação ao princípio da
publicidade não configurada. Negativa de celebração de “protocolo individual”.
Incontroversa existência de autuações fiscais por prática de infrações à legislação
tributária estadual. Interesse preponderante da Administração Pública. 7.
Recurso extraordinário conhecido e improvido.

Decisão

A Turma, à unanimidade, conheceu do recurso extraordinário e lhe negou


provimento, nos termos do voto da Relatora. Falou, pela recorrente, o Dr. Dilson

99
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo

Gerent. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Celso


de Mello. Presidiu, este julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie. 2ª Turma,
28.03.2006

O princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública; o
administrador fica impedido de buscar outro objetivo, desviando-o ou praticando-o no interesse
próprio ou de terceiros. Esse princípio procura, na prática, a busca do fim público a que se destina
a lei, afastando o atendimento de interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes
governamentais. Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui modalidade de abuso de
poder.

Princípio da Motivação
O processo administrativo deve ser regido neste princípio de forma a justificar seus atos, afirmando
e demonstrando os fundamentos legais e de fato, na prática de decisão e de atos administrativos.

Os atos e decisões administrativas praticados sem motivação são ilegítimos e invalidáveis pela
própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.

A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, determina que a lei não excluirá do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito.

Bandeira de Mello (2002, p. 94), quanto aos atos e decisões administrativas, afirma que a prática do
ato vinculado depende de apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, sendo imprescindível
a motivação detalhada fazendo referência específica ao processo administrativo, especialmente o
disciplinar, em que há uma situação contenciosa,

Nesse sentido, é evidente e clara a obrigatoriedade de fundamentação e justificação dos atos e das
decisões administrativas, no curso do processo administrativo.

AI-AgR 516771 / PE - PERNAMBUCO


AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 31/05/2005 Órgão Julgador: Primeira
Turma

Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.


ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL,
DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÕES DEPENDENTES DE
REEXAME PRÉVIO DE NORMAS INFERIORES. OFENSA CONSTITUCIONAL
INDIRETA. EXCLUSÃO DE POLICIAL MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO.
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. 1. As alegações de desrespeito aos
postulados da legalidade, do devido processo legal, da motivação dos atos

100
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII

decisórios, do contraditório, dos limites da coisa julgada e da prestação


jurisdicional, se dependentes de reexame prévio de normas inferiores, podem
configurar, quando muito, situações de ofensa meramente reflexa ao texto da
Constituição. 2. A exclusão de policial militar, ainda que sem estabilidade, pode
resultar, se não há a imposição de pena criminal, de procedimento administrativo
sem os rigores formais do processo administrativo assegurados aos estáveis,
desde que assegurado a ele o contraditório e a ampla defesa. Agravo regimental
a que se nega provimento.

Decisão

A Turma negou provimento ao agravo regimental no agravo de instrumento,


nos termos do voto do Relator. Unânime. Não participou deste julgamento o
Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma, 31.05.2005.

Princípios da Razoabilidade e da
Proporcionalidade.
Na medida em que o administrador público deve estrita obediência à lei (princípio da legalidade)
e tem como dever absoluto a busca da satisfação dos interesses públicos (princípio da finalidade),
há que se pressupor que a prática de atos administrativos se processe dentro de padrões estritos
de razoabilidade, ou seja, com base em parâmetros objetivamente racionais de atuação e sensatez.

A Administração Pública não pode supor que o desejo do legislador seria o de alcançar a satisfação
do interesse público pela imposição de condutas descabidas, desproporcionais ou incongruentes. Ao
contrário, é de se supor que a lei tenha a coerência e a racionalidade de condutas como instrumentos
próprios para a obtenção de seus objetivos maiores.

Daí se verifica o princípio da razoabilidade, ou seja, o princípio que determina à Administração


Pública, no exercício de faculdades, o dever de atuar em plena conformidade com critérios racionais,
sensatos e coerentes, fundamentados nas concepções sociais dominantes.

Os meios utilizados ao longo do exercício da atividade administrativa devem ser logicamente


adequados aos fins que se pretendem alcançar, com base em padrões aceitos pela sociedade e no
que determina o caso concreto.

Segundo Raquel Denize Stumm (1995, p. 79), esse princípio reclama a certificação dos seguintes
pressupostos:

a. conformidade ou adequação dos meios, ou seja, o ato administrativo deve


ser adequado aos fins que pretende realizar;

b. necessidade, vale dizer, possuindo o agente público mais de um meio


para atingir a mesma finalidade, deve optar pelo menos gravoso à esfera
individual;

101
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo

c. proporcionalidade estrita entre o resultado obtido e a carga empregada


para a consecução desse resultado.

Por conseguinte, o administrador público não pode utilizar instrumentos que fiquem aquém ou se
coloquem além do que seja estritamente necessário para o fiel cumprimento da lei.

Assim sendo, sempre que um agente público assumir conduta desproporcional ao que lhe é devido
para o exercício regular de sua competência, tendo em vista as finalidades legais que tem por
incumbência cumprir, poderá provocar situação ilícita passível de originar futura responsabilidade
administrativa, civil e, sendo o caso, até criminal .

Razoabilidade é bom-senso. Proporcionalidade é equilíbrio.

Adiante, verificam-se decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

ADI-MC 1511 / DF - DISTRITO FEDERAL


MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 16/10/1996 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Ementa

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. UNIVERSIDADE. PROVÃO.


Lei 9.131, de 24.XI.95, artigo 3o e parágrafos. C.F., art. 5o, LIV; art. 84, IV; art.
207. I. - Avaliação periódica das instituições e dos cursos de nível superior,
mediante exames nacionais: Lei 9.131/95, art. 3o e parágrafos. Arguição de
inconstitucionalidade de tais dispositivos: alegação de que tais normas são
ofensivas ao princípio da razoabilidade, assim ofensivas ao “substantive due
process” inscrito no art. 5o, LIV, da C.F., à autonomia universitária -- CF, art.
207 -- e que teria sido ela regulamentada pelo Ministro de Estado, assim com
ofensa ao art. 84, IV, C.F. II. - Irrelevância da arguição de inconstitucionalidade.
III. - Cautelar indeferida.

RE 273844 / SP - SÃO PAULO


RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA
Julgamento: 31/03/2004 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno

Ementa

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIOS. CÂMARA DE VEREADORES.


COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS.
NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV.
APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS

102
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII

DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A


POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE,
INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO.
SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. 1. O artigo 29, inciso IV, da Constituição Federal
exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios,
observados os limites mínimos e máximos fixados pelas alíneas a, b e c. 2. Deixar
a critério do legislador municipal o estabelecimento da composição das Câmaras
Municipais, com observância apenas dos limites máximos e mínimos do
preceito (CF, artigo 29), é tornar sem sentido a previsão constitucional expressa
da proporcionalidade. 3. Situação real e contemporânea em que Municípios
menos populosos têm mais Vereadores do que outros com um número de
habitantes várias vezes maior. A ausência de um parâmetro matemático rígido
que delimite a ação dos legislativos Municipais implica evidente afronta ao
postulado da isonomia. 4. Princípio da razoabilidade. Restrição legislativa.
A aprovação de norma municipal que estabelece a composição da Câmara de
Vereadores sem observância da relação cogente de proporção com a respectiva
população configura excesso do poder de legislar, não encontrando eco no sistema
constitucional vigente. 5. Parâmetro aritmético que atende ao comando expresso
na Constituição Federal, sem que a proporcionalidade reclamada traduza qualquer
lesão aos demais princípios constitucionais nem resulte formas estranhas e
distantes da realidade dos Municípios brasileiros. Atendimento aos postulados
da moralidade, impessoalidade e economicidade dos atos administrativos (CF,
artigo 37). 6. Fronteiras da autonomia municipal impostas pela própria Carta da
República, que admite a proporcionalidade da representação política em face do
número de habitantes. Orientação que se confirma e se reitera segundo o modelo
de composição da Câmara dos Deputados e das Assembleias Legislativas (CF,
artigos 27 e 45, § 1o). Inconstitucionalidade. 7. Efeitos. Princípio da segurança
jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais
efeitos ex tunc, resultaria em grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente.
Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro
futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário
conhecido e, em parte, provido.

Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório


Para a eficácia da aplicação do direito, faz-se necessário o contraditório, em quaisquer situações que
envolvam litígios a serem decididos. O contraditório resulta no direito de manifestar o próprio ponto
de vista, diante de fatos, documentos ou pontos de vista. A rigor, é a possibilidade de contradizer a
posição contrária.

Nos processos administrativos, o contraditório se expressa na possibilidade de fazer emergir os


diferentes interesses em jogo e de confrontá-los adequadamente em presença de seus titulares, é
claro, anteriormente à decisão final.

103
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo

O contraditório se realiza às vezes entre particulares, às vezes entre o particular e um órgão da


Administração; o que conta, nessa última hipótese, é que a Administração Pública é colocada, pela
norma, em posição substancialmente igual à do particular, de modo que, nos limites determinados
pela mesma norma, a participação dos dois sujeitos realiza aquele jogo de ações, reações e controles
recíprocos, características justamente das garantias do contraditório. Quanto a esse princípio,
não merecem ser catalogados entre os processos aqueles esquemas nos quais é contemplada uma
participação do particular não só meramente episódica, mas também sob um plano diverso e inferior
ao da Administração.

Com o contraditório e a ampla defesa amplia-se a transparência administrativa, surgindo o justo, o


equilíbrio entre as partes.

RE-AgR 492985 / MG - MINAS GERAIS


AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 06/02/2007 Órgão Julgador: Segunda
Turma

Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


SERVIDOR APOSENTADO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. REVISÃO DO
BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA. PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL,
DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. 1.
Acórdão recorrido em consonância com a orientação do Supremo no sentido
de que a Constituição do Brasil assegura aos litigantes em geral, sem distinção
entre civis ou militares, o contraditório e a ampla defesa, em processo judicial
ou administrativo. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

Decisão

A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos


termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o
senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 06.02.2007.

RE-AgR 491923 / DF - DISTRITO FEDERAL


AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 19/09/2006 Órgão Julgador: Primeira
Turma

Ementa

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


SERVIDOR PÚBLICO. GRATIFICAÇÃO DE PRODUÇÃO SUPLEMENTAR -
GPS. ALTERAÇÃO DA FORMA DE CÁLCULO. REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO.

104
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII

IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 5o, LV, DA


CONSTITUIÇÃO. I - A Administração Pública somente poderia alterar a forma
de cálculo de gratificação em processo administrativo próprio, assegurados aos
servidores ativos ou inativos o contraditório e a ampla defesa. Precedentes. II - A
violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa não dispensa o exame
da matéria sob o ponto de vista processual, o que caracteriza ofensa reflexa à
Constituição e inviabiliza o recurso extraordinário. III - Agravo regimental
improvido.

Decisão

A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário,


nos termos do voto do Relator. Unânime. Ausentes, justificadamente, o Ministro
Marco Aurélio e a Ministra Cármen Lúcia. 1ª. Turma, 19.09.2006.

Princípio da segurança jurídica e interesse


público
O princípio da segurança jurídica está situado entre as garantias fundamentais do Estado de Direito.
Pode ser definido como a certeza que é dada aos cidadãos de que determinadas relações ou situações
jurídicas não serão modificadas por motivos circunstanciais ou por causa da conveniência política do
momento.

Inúmeros outros princípios expressamente previstos no nosso sistema legal são, na verdade,
corolários desse princípio maior. É o caso do princípio da irretroatividade da lei, regra segundo a
qual a lei é feita para o futuro, e não para reger situações pretéritas.

A proteção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito, prevista no art. 5o, inciso
XXXVI, da Constituição Federal é, também, manifestação do princípio da segurança jurídica. Podem
ser citados, ainda, os institutos da prescrição e da decadência.

Afinal, o cidadão não poderia ficar eternamente à mercê da vontade daquele que se julga possuidor
de algum direito. Há um momento em que as situações jurídicas precisam se estabilizar, daí a
necessidade de fixação de um prazo para o indivíduo exercitar o direito que julga possuir.

No âmbito da administração pública federal, com a edição da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de


1999, referido princípio ganhou novos contornos jurídicos. É que, embora já fosse observado pela
administração como comando geral, o legislador preferiu deixá-lo bem explícito, a fim de que não
pairasse qualquer dúvida sobre a sua aplicabilidade por parte do administrador público.

Assim, além de ter estabelecido no art. 2o dessa lei que a administração pública federal obedecerá,
entre outros, ao princípio da segurança jurídica, o legislador inseriu, de forma objetiva, regras que
são demonstrações claras da aplicabilidade desse princípio na relação administração e administrado.

105
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo

Uma delas é a constante do Parágrafo único, inciso XIII, do art. 2o da referida lei, nos seguintes
termos: ‘‘Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) XIII —
interpretação da norma administrativa que melhor garanta o atendimento do fim público a que se
dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.’’

A aplicação de interpretação com efeitos retroativos sempre foi motivo de controvérsia e celeumas
no seio da administração pública. Não era raro a administração, ao regulamentar uma lei, por meio
de resolução, de portaria ou de parecer normativo, fixar orientação sobre determinada matéria, e,
pouco tempo depois, mudar essa interpretação por ter-se convencido de que não tratara a matéria da
maneira mais consentânea com a lei. A orientação era então modificada. E os atos administrativos
praticados com base no entendimento anterior eram anulados ou retificados para adequar-se à nova
orientação.

Mas isso gerava inúmeros questionamentos porque, normalmente, implicava supressão de vantagens
financeiras e devolução de valores que foram considerados indevidos com a nova interpretação. Tal
procedimento ocasionava, por outro lado, muita insegurança, porque o servidor, de uma hora para
outra, apesar de ter programado a sua vida de acordo com o status financeiro que pressupunha fosse
o real, via-se obrigado a desfazer parte de seus projetos pessoais por conta da redução salarial que a
nova interpretação dada pela administração ocasionava à sua remuneração.

Analisando essa matéria no 6o Seminário Nacional de Direito Administrativo, a Professora Maria


Sylvia Zanella Di Pietro assim se posicionou sobre a inclusão de tal regra na Lei no 9.784/98:

Como fiz parte do grupo, sei, por conhecimento próprio, que o principal objetivo
da inclusão do princípio da segurança jurídica foi vedar a aplicação retroativa
de nova interpretação, interpretação da esfera administrativa; (...) porque é
muito comum, no âmbito da administração pública, o órgão jurídico dar um
parecer, aquele parecer é aprovado em caráter normativo e passa a valer como
interpretação uniforme em toda a administração pública; com base naquela
interpretação asseguram-se os direitos dos administrados; de repente, muda-
se a interpretação, adota-se uma outra interpretação em caráter normativo e
começa-se a querer tirar aquilo que tinha sido dado às pessoas. Isso cria uma
insegurança muito grande. Então o que se quis é vedar a aplicação retroativa
de nova interpretação. E eu mencionaria um caso concreto que se viveu
recentemente, em que a administração pública tinha adotado na esfera federal
a interpretação de que a pessoa já aposentada poderia prestar concurso público
para exercer outro cargo; houve parecer da Consultoria Geral da República,
do Tribunal de Contas, foi uma coisa adotada pacificamente, e as pessoas, às
vezes até antes de completar o tempo, se aposentaram proporcionalmente,
prestaram concurso e foram exercer outro cargo. De repente, sai uma decisão,
num caso concreto, do Supremo Tribunal Federal, e a administração pública
resolve dizer ‘olha, não pode mais acumular, quem está acumulando tem de
fazer uma opção’. Acho que isso é lesar a boa-fé do administrado; quando ele
assumiu uma posição, assumiu acreditando que a administração iria manter-se

106
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII

fiel àquilo que disse. (Boletim de Direito Administrativo — set/2000, Editora


NDJ Ltda, pg. 618).

As situações constituídas em decorrência de erro de direito, portanto, estão amparadas pela Lei no
9.784/99, a qual veda a aplicação de interpretação nova para situações constituídas sob o abrigo de
critério interpretativo anterior. Esse dispositivo legal, porém — é bom frisar — não ampara os atos
administrativos viciados com erro de fato ou erro material. Nessas hipóteses, ausente um dos seus
elementos fáticos fundamentais, não há a possibilidade de o ato ser mantido. O ato administrativo,
nesse caso, deve sim, ser anulado, salvo se já atingido o prazo-limite para o exercício desse dever,
que é de cinco anos, o qual foi fixado pelo art. 54 da Lei retrocitada, em homenagem, também, à
segurança jurídica, mas essa é uma questão que poderá ser abordada em outra oportunidade.

Adiante, verificam-se decisões proferidas pelo pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal com
relação à aplicação de princípios constitucionais de observância da Administração Pública:

RE-AgR 217141 / SP - SÃO PAULO


AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 13/06/2006 Órgão Julgador: Segunda
Turma

Ementa

EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Servidor Público Estadual Inativo.


Aposentadoria anterior à CF/88. 3. Nulidade da denominação do cargo de Diretor de
Divisão. Retorno ao cargo de Chefe de Seção. 4. Declaração de inconstitucionalidade
pelo STF dos artigos 4o ao 7o da Lei Complementar no 317, de 09 de março de 1983, do
Estado de São Paulo. (Rp. 1.278, Pleno, Rel. Djaci Falcão, DJ 09.10.87). Ato praticado
na vigência da CF/88. 5. Ofensa ao princípio da irredutibilidade de vencimentos.
Possibilidade. 6. Princípio da segurança jurídica. Aplicabilidade. Precedentes. 7.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

Decisão

A Turma, por votação unânime, deu provimento ao recurso de agravo e, em


consequência, conheceu e deu provimento ao recurso extraordinário interposto
por Neusa Gomes Delgado, nos termos do voto do Relator. 2a. Turma, 13.06.2006.

RE-EDv 146331 / SP - SÃO PAULO


EMB.DIV.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CEZAR PELUSO
Julgamento: 23/11/2006 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno

Ementa

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO. Vencimentos. Vantagens pecuniárias.


Adicionais por Tempo de Serviço e Sexta-Parte. Cálculo. Influência recíproca.

107
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo

Cumulação. Excesso. Inadmissibilidade. Redução por ato da administração.


Coisa julgada material anterior ao início de vigência da atual Constituição da
República. Direito adquirido. Não oponibilidade. Ação julgada improcedente.
Embargos de divergência conhecidos e acolhidos para esse fim. Interpretação
do art. 37, XIV, da CF, e do art. 17, caput, do ADCT. Voto vencido. Não pode
ser oposta à administração pública, para efeito de impedir redução de excesso
na percepção de adicionais e sexta-parte, calculados com influência recíproca,
coisa julgada material formada antes do início de vigência da atual Constituição
da República.

Decisão

Após o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator), que conhecia e recebia os
embargos, e do voto do Senhor Ministro Marco Aurélio, que também conhecia,
mas os desprovia, pediu vista dos autos o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski.
Ausentes, justificadamente, a Senhora Ministra Ellen Gracie (Vice-Presidente),
o Senhor Ministro Celso de Mello e, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar
Mendes. Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (art. 37, I do
RISTF). Plenário, 26.04.2006.

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu dos embargos e, por maioria,


recebeu- -os para julgar improcedente a demanda, nos termos do voto do Relator,
vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que desprovia os embargos. Votou
a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Ausentes, justificadamente, os Senhores
Ministros Sepúlveda Pertence e Eros Grau. Plenário, 23.11.2006.

AI-AgR-ED-EDv-AgR 304838 / MA - MARANHÃO


AG.REG.NOS EMB.DIV.NOS EMB.DECL.NO AG.REG.NO
AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 02/02/2007 Órgão Julgador: Tribunal
Pleno

Ementa

E M E N T A: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - INTERPOSIÇÃO CONTRA ACÓRDÃO


PROFERIDO EM SEDE DE “AGRAVO REGIMENTAL” - INADMISSIBILIDADE
- SUBSISTÊNCIA DA SÚMULA 599/STF - SUPERVENIÊNCIA DA LEI No
8.950/94 - PODER DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR - AUSÊNCIA DE
INCOMPATIBILIDADE COM O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA -
AGRAVO IMPROVIDO. - Subsiste íntegro o enunciado constante da Súmula
599/STF, especialmente em face do que prescreve o art. 546, II, do CPC, na
redação dada pela Lei no 8.950/94, de tal modo que não se revelam cabíveis
embargos de divergência quando opostos a decisões emanadas de Turmas do

108
Princípios de Regência do Processo Administrativo │ UNIDADE VII

Supremo Tribunal Federal proferidas no julgamento de agravos ou de “agravos


regimentais”. Precedentes. - A inadmissibilidade dos embargos de divergência
ainda mais se evidencia quando o acórdão, proferido no julgamento de “agravo
regimental”, sequer aprecia o mérito da questão. Hipótese ocorrente na espécie
(matéria de caráter eminentemente infraconstitucional): correção monetária
na operação de crédito rural (Súmula 16/STJ).

Decisão

O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso de agravo, nos


termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a
Senhora Ministra Ellen Gracie (Presidente) e o Senhor Ministro Marco Aurélio.
Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Gilmar Mendes (Vice-Presidente).
Plenário, 02.02.2007.

RE-AgR 440344 / RJ - RIO DE JANEIRO


AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 28/11/2006 Órgão Julgador: Segunda
Turma

Ementa

EMENTA: Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. IPTU. Município


do Rio de Janeiro. Progressividade. Inconstitucionalidade. Súmula 668/STF.
3. Declaração de efeitos meramente prospectivos. Impossibilidade porque não
demonstradas a repercussão econômica, a gravíssima lesão à ordem pública
ou à segurança jurídica ou a violação a qualquer outro princípio constitucional
relevante para o caso. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

Decisão

A Turma, por votação unânime, negou provimento ao recurso de agravo, nos


termos do voto do Relator. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o
Senhor Ministro Joaquim Barbosa. 2ª Turma, 28.11.2006.

Princípio da atipicidade
Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do
postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja, no direito administrativo prevalece
a atipicidade. São muito poucas as infrações descritas na lei. A maior parte delas fica sujeita à
discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto. Na punição administrativa, a
motivação do ato pela autoridade julgadora assume fundamental relevância, pois é por essa forma
que ficará demonstrado o correto enquadramento da falta e a dosagem adequada da pena.

109
UNIDADE VII │ Princípios de Regência do Processo Administrativo

Princípio da verdade material


No processo administrativo, o Agente Público deve sempre buscar a verdade, ainda que, para isso,
tenha que se valer de outros elementos além daqueles trazidos aos autos pelos interessados.

A autoridade administrativa competente não fica obrigada a restringir seu exame ao que foi alegado,
trazido ou provado pelas partes, podendo e devendo buscar todos os elementos que possam influir
no seu convencimento e na busca da verdade.

Princípio do duplo grau de jurisdição


administrativa
As decisões administrativas, inclusive e principalmente aquelas proferidas no processo, podem
conter equívocos. Daí a necessidade de que as condutas estatais submetam-se a duplo exame,
porque a oportunidade de haver uma segunda análise propicia uma melhor conclusão e maior
segurança para o interessado e para a coletividade. À própria autoridade que tenha proferido a
decisão recorrida é oferecida uma oportunidade de reexame, em geral, vez que a ela é que se dirige
o recurso e o pedido de reconsideração, o que, não ocorrendo, determina a remessa à autoridade
hierarquicamente superior.

A possibilidade de reexame da decisão retira o arbítrio de quem decide e obriga a que a decisão
proferida seja devidamente fundamentada e motivada, dando ensejo à possibilidade de controle,
inclusive judicial, sem o qual não existe o chamado Estado de Direito.

110
PARA FINALIZAR

Embora o tempo de estudos deste Caderno tenha sido concluído, a busca por um maior
aprofundamento das questões tanto do Direito Administrativo como das garantias constitucionais
trata-se de condição indispensável ao aperfeiçoamento do operador do Direito.

Por esse motivo, a consulta mais detalhada de algumas das obras referenciais indicadas e a
permanente atualização jurisprudencial, mais do que pertinentes, constituem uma necessidade e
visam ao aprimoramento constante e à construção e lapidação de um pensamento jurídico próprio.

111
referências

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aspectos críticos e o controle do Poder Judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra:


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