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Letícia Fernandes - RA: 23919 - 01 CD

Gustavo Peterle Rezende - RA: 23875 - 01 CD

Ewerton Barbosa - RA: 23843 - 01 CD

Avaliação 3º Bimestre/2021 - ADI 158 (Ceará) e o Estado Federal brasileiro

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Por mais coincidente que possa parecer, o Federalismo e a ideia de se implantar um


horário de Verão são contemporâneos norte-americanos do final do século XVIII, sendo esta
última uma ideia de Benjamim Franklin1, político e inventor americano, lançada em 1784,
quando não havia ainda luz elétrica, porém sem grande aceitação na ocasião; já a primeira é
forma de Estado, como explanado adiante, criada pelos norte-americanos logo após a
proclamação de sua independência, sendo, segundo SARLET (2021:941), a mais importante
contribuição do constitucionalismo e do pensamento político norte-americano para a teoria e
prática do Estado Moderno.

No presente trabalho, será analisada, à luz dos elementos do Estado Federal Brasileiro,
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)
que declarou a inconstitucionalidade da Lei n. 11.638, de 20/11/1989, do Estado do Ceará,
que “extinguia de todo espaço cearense a obrigatoriedade da hora de verão”.

1) A qual ponto da matéria do Estado Federal Brasileiro a notícia ou decisão judicial


está relacionada:

A matéria presente na ADI 158 está relacionada ao tópico das competências atribuídas
a cada ente da Federação, a execução das funções que lhe foram concedidas e a precisa
correspondência de seus deveres. Esta ação diz respeito a uma lei presente na legislação
estadual do território do Ceará, na qual consta a regulamentação de assunto declarado
competência privativa da União Federal. A decisão judicial considerou a lei estadual
inconstitucional devido a legislação cearense estar ultrapassando as competências legais que
lhe foram delegadas.

A lei nº 11.638/1989 (editada pelo Estado do Ceará) vai além das aptidões
determinados a esta unidade federativa, já que a responsabilidade de legislar acerca dos
1
https://memoria.ebc.com.br/noticias/brasil/2012/10/de-onde-veio-o-horario-de-verao
horários não cabe ao estado do Ceará, como também à nenhum estado-membro, e nem ao
Distrito Federal, mas sim à União. Não há nenhuma referência a que os Estados ou
Municípios possam dispor diferentemente sobre o Horário Oficial nos seus territórios,
portanto não se encontra alguma previsão de competência comum entre a União e os Estados
para disporem acerca do Horário Oficial (Vide Art.23 da CF). Apesar disso, o Horário Oficial
é nacional, sendo um importante fator de integração das regiões, já que diz respeito ao
equilíbrio e desenvolvimento econômico do país, referindo-se à garantia do desenvolvimento
nacional, na qual é objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, e mesmo caso
não se verificasse a previsão competencional da União, essa matéria seria tida como implícita,
por necessária a atividade-fim da própria Constituição.

A Hora de Verão está presente na esfera que corresponde a “Hora Legal” e divisão do
território brasileiro em fusos horários, sendo regulamentada por legislação nacional e
vinculando-se aos sistemas oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito
nacional, previstos na Constituição Federal, Art. 21, XV, e Art. 22, XVIII.

O tema das competências atribuídas a cada unidade federativa encontra-se exposto e


determinado na Constituição Federal, já que esta constrói um “Mapa de Competências” para
suas unidades, nos permitindo entender a produção das políticas públicas.

O Art. 21 apresenta serviços com uma estratégia de muita importância para a nação, a
ponto de dizer que o raciocínio que envolve essas escolhas de competências segue o Princípio
da Predominância de Interesses. O que tem abrangência mais geral, tem lógica em estar nas
mãos da União, como os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de
âmbito nacional (Art. 21, XV), ficando reservado à esta a regulamentação da área.

Serviços como este são estratégicos, pois precisam de regras gerais e uniformes para
todo o Brasil, e não somente para estados específicos, já que necessita-se haver a prestação de
serviços adequados, com segurança e qualidade para todos os cidadãos.

O Art. 21 quando trabalha a competência administrativa da União não permite em


nenhuma hipótese que esses serviços/atividades possam ser delegadas a uma outra unidade
federativa. E justamente o que se observava no estado do Ceará era um estado-membro
exercendo competências que não são pertinentes a ele, a responsabilidade de aplicar ou deixar

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de aplicar o horário de verão ou regulamentar os horários dos territórios brasileiros, é uma
responsabilidade que não compete a esta unidade, e sim a União, pois este artigo é dotado de
competências exclusivas.

A União é a titular dessas atividades, ela é a responsável pela prestação,


regulamentação, organização e fiscalização. Temas como este e outros estão sob a égide da
autonomia administrativa da União, são assuntos decididos administrativamente por ela.

Já no Art.22, a Constituição aborda sobre as competências legislativas da União, sendo


estas competências privativas, podendo ser delegadas aos Estados por meio de lei
complementar autorizativa. São assuntos que são veiculados por lei, e somente uma lei do
Congresso Nacional que pode regular esses temas. Assuntos como esses têm que dispor de
leis uniformes para todos os cidadãos brasileiros, onde quer que eles morem, o constituinte
teve a intenção de garantir que esses assuntos, como o do Horário, ao se transformar em uma
lei de âmbito nacional fosse igual para todos os brasileiros.

Desta maneira, para os Estados-membros a Constituição prevê as competências


remanescentes, cabe a estes realizar tudo o que não for proibido, e que não constar no rol da
União e dos Municípios, deixando o sistema dinâmico, pois esse se retroalimenta.

Como observou-se no caso do estado cearense, é muito comum que as unidades


federativas desrespeitem esse leque de competências legislativas. No estado do Ceará, mesmo
que a lei não possuísse nenhuma má-fé, os assuntos que são de competência da União devem
ser seguidos à risca, pois é uma proteção da estrutura da Federação. Seguir o “Mapa de
Competências” à risca significa impedir arbitrariedades na competência legislativa,
permitindo garantir o equilíbrio do sistema.

2) Conceitos teóricos do federalismo encontrados na decisão:

Após a correlação da decisão judicial com a matéria do Estado Federal, passaremos a


explorar os conceitos teóricos nela encontrados. Como ensina a Escola Nacional de
Administração Pública (ENAP):

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“Federalismo é a forma de organização do Estado em que os entes federados são dotados de autonomia
administrativa, política, tributária e financeira e se aliam na criação de um governo central por meio de
um pacto federativo” (Introdução ao Federalismo e ao Federalismo Fiscal no Brasil, 2017, p.7).

De acordo com DALLARI (1986:7), o Estado Federal refletiu as ideias centrais das
lideranças das colônias inglesas na América. O termo federalismo, utilizado para designar o
regime do Estado Federal, por vezes é utilizado de forma imprecisa para qualificar uma
aliança de Estados.

O sentido e a natureza do princípio federativo são manifestados na manutenção e


garantia da diversidade regional (cultural, climática, social e econômica) e da pluralidade,
mediante a descentralização do exercício do poder (VOGEL apud SARLET 2021:944).

DALLARI (1986:14-24) elenca as características do Estado Federal, em primeiro


lugar, destacando que a base jurídica da Federação é a Constituição comum que os Estados-
membros não podem deixar de obedecer e de onde são emanados os poderes destes,
diferenciando este modelo da Confederação, na qual a base jurídica seria um tratado, do qual
podem desligar-se a qualquer momento. Portanto, na Federação, não se reconhece o direito de
secessão, que é o direito de um Estado-membro se retirar da Federação da qual faz parte.

Com relação ao aspecto da soberania do Estado federal, tem-se que apenas a ordem
nacional (a conjugação da União e dos Estados) é soberana, o que implica dizer que os
Estados-membros não o são, embora gozem de autonomia.

Vale conceituar autonomia que, segundo SARLET (2021:948), é fundamentada e


delimitada pela Constituição federal, implicando as capacidades de auto-organização (levada
a efeito por meio da Constituição Estadual), autolegislação, autogoverno e autoadministração.

3) A situação e os parâmetros constitucionais do Estado Federal brasileiro:

É de conhecimento geral que o Brasil, por ser um país de proporções continentais,


apresenta diversas unidades (representadas pelos Estados-membros) com profundas
diferenças culturais, sociais e econômicas entre si. A Constituição da República, tendo em
vista essas diferenças, delega certo grau de autonomia político-administrativa a essas
unidades, considerando que algumas questões específicas dessas regiões serão mais bem
tratadas por entes regionais. Entretanto, ao mesmo tempo, a Carta Magna brasileira também

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estabelece dispositivos que limitam essa autonomia, de modo a garantir a integração e
cooperação entre os Entes e principalmente a viabilização do funcionamento do Brasil como
um país.

Essa “divisão de tarefas” fica explicitada no Título III da Constituição Federal “Da
organização do Estado”. Nele, além de outras questões, são esclarecidas quais são as de
exclusividade da União e dos outros entes, bem como em que situação eles podem agir
conjunta ou concorrentemente.

Foi essa integração e cooperação nacional que a Lei cearense n. 11.638, de 1989 feriu.
Ao extinguir a obrigatoriedade da hora de verão (determinada pela União) dentro do Estado, o
Governo do Ceará abriu a possibilidade de que cada ente regional opte por seguir ou não a
determinação federal da vigência do horário de verão. Como bem pontuado pela
Procuradoria-Geral da República e depois lembrado pelo Ministro Marco Aurélio no acórdão
da ADI, a lei aprovada pelo Governo do Estado cearense, além de não estar de acordo com o
que estabelece a Constituição, ainda é uma causadora de transtornos sociais, mais fortemente
representado pelos servidores públicos federais que são obrigados a cumprirem o Decreto
presidencial do horário de verão, e de caos econômico, pois prejudica a integração das regiões
e, consequentemente, o equilíbrio e desenvolvimento do país.

Como dito, além de prejudicar o desenvolvimento nacional e a integração das regiões


que fazem parte da República Federativa do Brasil, o dispositivo ainda está em total
desconformidade com o que estabelece a Constituição e a jurisprudência brasileira. Os artigos
21, XV e 22, XVIII esclarecem essa questão.

O artigo 21, cujo caput é “Compete à União”, no seu inciso XV estabelece que

“organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de


âmbito nacional”.

E o artigo 22, cujo caput é “compete privativamente à União legislar sobre:” no seu
inciso XVIII diz:

“sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais”.

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Portanto, fica esclarecido que a Constituição Federal garante a atuação exclusiva da
União no estabelecimento da hora legal em todas as regiões do país e que a lei cearense é
evidentemente inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal, em vista das razões
apresentadas, declarou a inconstitucionalidade da lei de modo a restabelecer o respeito à Lei
Máxima brasileira e a garantia da integração entre as regiões brasileiras.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm >. Acesso em: 15 de Set. de 2021.

_________ Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº158/CE. Distrito Federal.
Relator: Ministro Celso de Mello. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?
docTP=TP&docID=748051977>. Acesso em: 15 de Set. de 2021.

DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal - São Paulo : Editora Ática, 1986.

ESCOLA NACIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Introdução ao Federalismo e ao Federalismo Fiscal no


Brasil. Disponível em <http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/3186>. Acesso em 19/09/2021.

SARLET, Ingo Wolfgang. MARINONI, Luiz Guilherme. MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito
Constitucional – 10ª. ed – São Paulo : Saraiva Educação, 2021

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