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SEMTEC –MEC

CULTURAS JUVENIS NA ESCOLA

Este texto tem por propósito promover reflexões sobre a necessária


inserção das culturas juvenis na escola, que muitas vezes parece subestimá-
las e/ou ignorá-las, outras vezes segue a tendência de tratar a juventude
como algo genérico, que em momentos de ampla repercussão social, apontam
os jovens1 como agentes efetivos ou em potencial dos processos de
transformação social, conforme registram Cardoso e Sampaio (1995).
Martínez (2000) observa que “alguns autores consideram que hoje
vivemos em contextos urbanos formados por configurações culturais de
caráter “híbrido” (García Canclini: 1990), onde a cultura escolar se
apresenta como um produto singular, que ignora em seus conteúdos e textos
escolares a pluralidade da sua realidade (p.79-80).
Mas exatamente a quê estamos nos referindo, quando falamos em
culturas juvenis? Quais as suas manifestações? Há disciplinas onde elas
podem ser mais facilmente trabalhadas do que em outras?
As manifestações jovens existentes na maioria das escolas se
desenvolvem especialmente ao redor da música e da linguagem, que os
diferencia. O namoro, o teatro, o Grêmio e a indumentária (uso dos bonés,
por exemplo) também se destacam. A tatuagem, que reflete um ato de
poder sobre o próprio corpo, pertence da mesma forma ao universo das
culturas juvenis, expressando uma vontade de mudança. Conota uma
perspectiva estética e é também um recurso de sedução. É uma marca de
identificação, de pertença. O grafite, que existe fora e, muitas vezes,
dentro da escola, refere-se a uma redefinição do público e do privado.
Envolve “uma disputa simbólica pela definição da cara dos espaços,
inserindo-se de maneira importante como parte da crise das identidades
sociais, situando-se sua transgressão no confronto simbólico com a
propriedade e a normatividade social” (ARCE:1999).
Os bailes funk, muito freqüentes no Rio, congregam jovens de
situações financeiras distintas, habitantes das zonas norte, sul e oeste e
encenam aspectos centrais da vida social, como “relações de classes,
eróticas, sexuais, de violência, de fraternidade (trenzinho), pactos

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Em geral situa-se o jovem na faixa etária entre 15 e 24 anos, considerando muitos especialistas a
adolescência entre 14 e 17.
juramentados de gênero (certos bailes só para homens e outros só para
mulheres)” (ARCE, op. cit.).
Naturalmente que é mais fácil para as Ciências Humanas, que lidam
com o sujeito no tempo, no espaço e em suas dimensões sociológica e
filosófica, tratar destas manifestações. Mas percebe-se também a riqueza
destas expressões para a Área de Linguagens e Códigos, ao analisar a
música, o gestual, a indumentária, a língua, os códigos. Na Área da Natureza,
a Biologia é aliada quando se fala em namoro, em mudanças no corpo, em
sexualidade. Enfim, as possibilidades para a inserção das culturas juvenis
são infinitas. Mas como fazer com que a cultura escolar interaja com as
culturas juvenis, incorporando-as ao contexto da escola?
Uma das maneiras corresponde à implementação da metodologia de
projetos no currículo escolar. Ao desenvolvermos projetos com os alunos
estamos promovendo sua autonomia intelectual. Sendo o tema do projeto
proposto pelo professor ou no coletivo da turma ou, ainda, sendo o objeto da
pesquisa um problema surgido em sala ou na comunidade, sua escolha deve
ser fruto de discussão e do desejo do grupo, que deve ter clareza quanto ao
porquê e para quê desenvolver tal projeto, definindo qual será o produto
final. São muitos os aspectos positivos do trabalho com projetos, mas
destacamos: a) sua construção se dá no coletivo, proporcionando reflexão e
incentivo à prática de valores, como o respeito às diferenças e a
solidariedade; b) favorece a avaliação diferenciada e a auto-avaliação, de
forma contínua; c) professor e aluno são pesquisadores neste processo,
promovendo a (re)significação dos conhecimentos já sistematizados.
É de fundamental importância que o desenvolvimento de projetos
esteja garantido na matriz curricular da escola, observando-se com cuidado
o tempo de duração de cada um (períodos muito longos tendem a cansar,
assim como algo muito complexo cria um nível de dificuldade tão grande que
acaba provocando frustração).
“Um projeto gera situações de aprendizagem, ao mesmo tempo reais e
diversificadas. Favorece assim a construção da autonomia e da
autodisciplina por meio de situações criadas em sala de aula para reflexão,
discussão, tomada de decisão, observância de combinados e críticas em
torno do trabalho em andamento, proporcionando ao aluno, ainda, a
implementação do seu compromisso com o social, tornando-o sujeito do seu
próprio conhecimento. É muito difícil que o aluno, de um momento para o
outro, comece a ter iniciativa e autonomia, sem ter tido anteriormente a
oportunidade de decidir, escolher, opinar, criticar, dizer o que pensa e
sente” (Bomtempo: 1997).

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A inserção da cultura juvenil nas discussões em sala de aula e em
fóruns específicos da escola, aliada ao desenvolvimento de projetos
curriculares, estará (re)significando o espaço escolar, intensificando a
reflexão e a crítica, além de promover aprendizagem.
Quando falamos em aprendizagem, nos reportamos a algo que possui
significado, ou seja, ela tem que “fazer sentido”. Daí a importância do
conhecimento ser construído de forma contextualizada, pois estabelece
uma relação afetiva entre quem aprende com o que é aprendido. Apesar de o
objetivo ser transcender a experiência imediata, o ponto de partida de
qualquer aprendizagem sistemática deve ser o próprio mundo do aluno, quer
dizer, seus interesses culturais, paixões, percepções, linguagens etc.

Angela Cruz

Referências bibliográficas:

ARCE, José M. Valenzuela- Vida de barro duro: cultura popular juvenil e grafite. Rio de
Janeiro:UFRJ 1999.

BOMTEMPO, Luzia et al. – Os alunos investigadores, mimeo, 1997.

CARDOSO, R. e SAMPAIO, H. (orgs.) – Bibliografia sobre a juventude. São Paulo, EDUSP


1995.

GARCÍA CANCLINI, N. – Culturas híbridas. México: Grijalbo 1990.

MARTÍNEZ, Sílvia Alícia – A cultura jovem na ótica dos(as) professores(as) de uma


escola de ensino médio In CANDAU, Vera Maria. Reinventar a escola. Petrópolis, RJ:
Vozes 2000, p. 79 –101.

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