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Direito Civil

1. Da Pessoa Natural.

Inicialmente vamos conferir o significado da palavra PESSOA. Pessoa vem


do latim persona, que significa ressoar. Sob o prisma do Direito, Pessoa é o ente a que se
atribuem direitos e obrigações, ou seja, é sinônimo de sujeito dos direitos.
Todo ser humano é pessoa, pois não há homem que seja excluído da
atividade jurídica, assim, todas as criaturas humanas são portadoras de direitos. O detalhe é que
certas criações sociais também participam da vida jurídica como sujeitos dos direitos, isto é,
como pessoas. Por isso existem duas categorias de pessoas: as naturais e as jurídicas ( esta última
veremos mais adiante ).
A pessoa natural, nosso primeiro tópico, também é conhecida como pessoa
física, pessoa individual ou pessoa singular. Trata-se do ser humano, o homem. Homem este
possuidor de capacidade para adquirir direitos e assumir obrigações, bastando para isso, que tenha
nascido com vida. Ao nascer com vida existe-se como pessoa.
Na qualidade de pessoa natural existe, como atributo, um conjunto de
faculdades e de direitos em potencial, formando o que podemos chamar de capacidade de direito.
Alguns autores chamam esta capacidade de direito pelo nome de personalidade.

1.1. Personalidade e Capacidade

A personalidade jurídica ou civil é o conjunto de faculdades e de direitos


em estado de potencialidade, que dão ao ser humano a aptidão para ter direitos e obrigações.
Mas quando pode se dizer que começa a capacidade de direito ou
personalidade civil do homem? Tal questão faz sentido pois, quando se inicia a personalidade, o
homem se torna sujeito de direitos. Pelo nosso Código Civil, a personalidade natural começa do
nascimento com vida, reservando ao nascituro uma expectativa de direito. Assim preceitua o
artigo 4º: “A personalidade do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo
desde a concepção os direitos do nascituro”.
Basta que tenha vivido por um instante sequer e o ente humano adquire
personalidade, sendo considerado juridicamente uma pessoa.
Até então falamos da capacidade de direito. Vamos abordar agora a
capacidade de fato. A capacidade de direito ou personalidade exprime a faculdade ou
possibilidade de ter direitos, mas o poder de exercê-los depende da capacidade de fato.
Esclarecemos melhor ao dizer que as pessoas podem ter a capacidade de
direito sem que, por isso, tenham a capacidade de fato. Por exemplo, o recém nascido e o louco
têm a capacidade de direito ( personalidade civil ) mas não detêm a capacidade de fato pois não
podem exercer por si os direitos de que são titulares.
Resumindo: a capacidade de fato é a aptidão da pessoa para exercer por si
mesma os atos da vida civil, os direitos de que é titular. Essa aptidão para o exercício dos direitos
requer certas qualidades da pessoa, sem o que ela não terá a capacidade de fato. Daí resulta a
incapacidade das pessoas, que pode ser absoluta ou relativa.
A incapacidade absoluta priva a pessoa de exercer por si mesma qualquer
ato da vida civil. De acordo com o artigo 5º são absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil as seguinte pessoas: Menores de 16 anos, loucos de todo o
gênero, os surdos mudos que não puderem exprimir sua vontade e os ausentes, declarados tais por
ato do juiz. vejamos um a um:

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Os menores de 16 anos são absolutamente incapazes para exercerem, eles


mesmos, os atos da vida civil, sob pena de nulidade de tais atos, pois é condição de validade do
ato jurídico a capacidade do agente. Ainda hoje ouvimos termos como púbere ou impúbere. Os
menores impúberes são absolutamente incapazes e os menores púberes são relativamente
incapazes. Na verdade, com a concepção de nosso Código Civil não mais se justifica tal
distinção, porém, a tradição mantém tais termos entre nós.
Tais menores de 16 anos, nos atos jurídicos são representados por seus pais
ou tutores. Se praticarem tais atos desacompanhados serão nulos.
Os loucos de todo o gênero, onde se compreende toda espécie de
perturbação mental, também são absolutamente incapazes. Eles são representados pelo curador.
Os surdos-mudos dependem de não conseguirem exprimir sua vontade. São
considerados incapazes quando não conseguem e assim aparece a figura do curador para
representá-los.
A questão dos ausentes só ocorre quando o juiz declara através de ato. Não
é a pessoa que esteja apenas desaparecida, sem dar notícias, deixando em dúvida se está viva ou
morta. Ser-lhe-a nomeado um curador e a pessoa nestas condições será considerada
absolutamente incapaz, quando então seus atos serão praticados por seu curador, que o
representará.
Agora é a vez dos relativamente incapazes. Tais incapazes intervêm por si
mesmos nos atos da vida civil em que são interessados, mas assistidos por outrem que lhes
completa a manifestação da vontade para que ela seja eficaz.
Enumeremos os casos de incapacidade relativa de acordo com o nosso
Código Civil:
Os maiores de 16 e menores de 21 anos podem praticar algumas ações de
caráter jurídico: pode ser empregado público ( desde que o cargo não exija a maioridade ); pode
ser testemunha nos atos jurídicos; pode ser procurador extra judicial ( art. 1.298 CC ); pode fazer
testamento ( Art. 1.627, I CC ); e pode ser comerciante ( se já tem 18 anos ) e etc.
O Código Civil fala em Mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade
conjugal. Sabemos nós que tal fato caiu por terra com nossa Constituição de 1988, onde todos são
iguais perante a lei, homens e mulheres.
Nosso Código Civil não define o que seja Pródigo. Pode-se considerar
pródigo aquele que gasta desordenadamente e destrói a sua fortuna. Eles são relativamente
incapazes, dependendo o caso de constatação judicial, quando então o juiz nomeará um curador a
esse incapaz, que só o será relativamente a certos atos.
Os últimos relativamente incapazes a que se refere o código são os
silvícolas. A palavra silvícola indica os habitantes das selvas, que aí nasceram e se criaram,
ficando alheios à civilização social. Quando os silvícolas são adaptados à civilização cessa-se
essa incapacidade. Enquanto ela durar eles serão assistidos por um curador.
O preso e o falido não são incluídos expressamente no artigo como pessoas
incapazes. Todavia, sofrem restrições no exercício de certos atos, embora não lhes seja nomeado
um curador. As restrições que lhes são impostas decorrem da situação jurídico-penal e financeira
em que temporariamente se encontram. Assim, o preso ficará sujeito às restrições previstas. O
falido, desde a decretação da falência, perde o direito de administrar e de dispor de seus bens,
assim como de praticar quaisquer atos que tenham direta ou indiretamente implicação com a
massa falida.
Nos casos da incapacidade, que pode ser relativa ou absoluta, devemos
fazer algumas comparações para entendermos melhor. Os incapazes absolutos são representados e

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os incapazes relativos são assistidos. Na incapacidade absoluta os atos praticados são nulos e já
na incapacidade relativa os atos são anuláveis.
Devemos nos ater ao art. 406 CC que diz sobre a tutela, acontecendo no
caso de falecimento ou ausência dos pais, ou ainda, decaindo os pais do pátrio poder. Já o art. 446
diz que estão sujeitos à curatela os loucos de todo o gênero, os surdos mudos ( sem educação que
os habilite a enunciar precisamente a sua vontade e os pródigos.
Os pais são os tutores natos dos filhos, representando enquanto impúberes e
assistindo se púberes.
Na verdade, a tutela, a curatela e o pátrio poder são os modos que dispõe
nosso Código para suprir a incapacidade das pessoas. Os menores são representados ou assistidos
por seus pais e, na falta destes, por seus tutores; os demais incapazes serão representados ou
assistidos por seus curadores.
No art. 8º fala-se do benefício de restituição. Por tal benefício voltavam as
coisas ao seu estado anterior mas nosso Código considerou esse benfício uma violência ao direito
adquirido, prejudicando a circulação de bens e criando uma enorme perturbação no organismo
econômico da sociedade.
E como se adquire a capacidade? A capacidade de fato é adquirida quando
cessam as causas que impedem ou restringem o exercício desses poderes, podendo ocorrer de
duas maneiras: pela maioridade ou pela emancipação.
A maioridade se dá aos 21 anos completos conforme prescreve o código no
artigo 9º. Já a emancipação pode se dar em cinco casos: 1º) por concessão dos pais ou sentença do
juiz - onde será ouvido o tutor e se o menor já tiver 18 anos cumpridos; 2º) pelo casamento; 3º)
pelo exercício de emprego público efetivo; 4º) pela colação de grau científico em curso de ensino
superior; e 5º) pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.
Lembrando que a emancipação é a aquisição da capacidade de fato antes da
idade legal. Ela tem caráter irrevogável, ou seja, a pessoa que se emancipou pelo casamento não
deixa de ser emancipado ao enviuvar-se.
Existe ainda um caso especial de aquisição da capacidade. Trata-se do
menor que houver completado 18 anos para ser alistado e sorteado para o serviço militar. É o que
diz o art. 73 da lei 4.375, de 17/08/64: “Para efeito do serviço militar, cessará a incapacidade
civil do menor, na data em que completar 17 anos”.
Falemos agora sobre o fim da pessoa natural. Evidentemente que ocorre
quando a pessoa falece, ou seja, com a morte desaparece a personalidade humana. A morte pode
ser real ou presumida pela lei, quando a ausência da pessoa se prolonga por um certo lapso de
tempo, sem que dela haja notícias. ( vide arts. 482 CC e 1.167, II CPC ).
Por fim há o caso de ocorrer a comoriência: Pode acontecer que venham a
morrer na mesma ocasião duas ou mais pessoas, havendo entre elas relações de direito cujos
efeitos pedem que se verifique qual delas morreu em primeiro lugar. É o que se chama
comoriência.
Nosso código estabelece que, nesse caso, não podendo averiguar se algum
dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-á que morreram todos simultaneamente,
conforme dispõe o art.11.

1.2. Da Pessoa Jurídica e seu registro

Durante o tempo o termo Pessoa Jurídica recebeu vários nomes: pessoas


morais, pessoas civis, pessoas fictícias, pessoas abstratas, pessoas coletivas e etc.

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A pessoa jurídica caracteriza-se por ser entidade, diferente da pessoa física,


com poder de ter patrimônio, contratar, receber doações e legados, ser credora ou devedora,
pleitear na justiça, comportando-se como verdadeira pessoa natural.
Pessoa Jurídica é o agrupamento de seres individuais ou o conjunto de bens
destinados a um fim, a que se reconhecem os atributos das pessoas naturais, na vida jurídica. Veja
que o conceito acima abre um leque com duas modalidades: a) agrupamento de pessoas naturais,
que podem ser associações, corporações, sociedades, companhias e etc; b) ou é um conjunto de
bens destinados a um fim, onde se encaixam as fundações.
Diz o art. 13 CC que as pessoas jurídicas se dividem em duas categorias:
Direito Privado ou Direito Público e vai mais além ao dizer que o Direito Público pode ser
interno ou externo. Vamos esclarecer o que vem a ser cada um deles.
São pessoas jurídicas de direito público interno: a União, Os Estados com o
Distrito Federal ( organismos político-administrativos sem personalidade internacional )e os
municípios ( unidades administrativas ). É o que dispõe o art. 14 CC.
Inclui-se neste rol também as autarquias. Elas conservam a personalidade
jurídica de onde se destacaram, ou seja, no âmbito federal, estadual ou municipal.
As pessoas de direito público externo são os estados soberanos como o
Brasil, França, Itália, etc e a Santa Sé. A Igreja católica se equipara a um Estado.
As pessoas jurídicas de Direito Privado são sociedades civis de fins
econômicos ou não, tendo modalidades e compreendendo as ordens e congregações religiosas,
confrarias e irmandades; as associações de beneficência como hospitais, asilos e orfanatos; as
associações científicas, literárias ou artísticas ; as associações recreativas; os sindicatos agrícolas
e profissionais;
As sociedades comerciais que se constituem para o exercício do comércio e
que são reguladas pelas leis do Direito Comercial também são pessoas jurídicas de Direito
Privado, como também são as fundações, que são massas de bens, destinadas a um fim especial e
com administração instituída pelo fundador. é o que prevê o art.16 CC.
As pessoas jurídicas adquirem personalidade constituindo-se de acordo
com a lei.
O Estado e suas divisões políticas são estabelecidas por leis constitucionais.
São as pessoas jurídicas de direito público interno.
As pessoas de direito privado constituem-se por escrito, conforme diz o
parágrafo 1º do art. 16 CC. Assim, o documento escrito é a base essencial para a constituição de
pessoa jurídica de direito privado.
As sociedades civis que se constituirem irregularmente ( sem ser por escrito
) e que entrem em relações com terceiros, terá sua existência provada de qualquer modo por
estranhos, conforme permite o art. 1.366 CC. Estas sociedades regem-se pelo disposto nas leis
comerciais. Neste caso, ou seja, quando ela não for registrada, não será possível ingressar em
juízo como autora. Mas contra ela poderá ser proposta qualquer ação, conforme dispõem os arts.
12, Parágrafo 2º do CPC e art. 20, parágrafo 2º CC.
As pessoas jurídicas não agem por si mesmas como as pessoas naturais.
São necessários órgãos para se relacionar no meio social e os representantes desses órgãos são
seus diretores ou gerentes. Seus órgãos representativos são, designados no próprio documento
escrito, quando de sua constituição, ou, caso contrário, são representados por seus diretores.
Antes de falarmos sobre o registro da pessoa jurídica abordaremos a sua
responsabilidade. Os atos praticados pelos representantes, no exercício de suas atribuições, são

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considerados como atos do representado. Assim, as pessoas jurídicas são responsáveis pelas
consequencias dos atos lesivos, danosos praticados pelos seus representantes.
Analisando o art. 15 CC percebe-se que são necessárias três condições para
que haja responsabilidade das pessoas juridicas de direito público ( União, Estados, Distrito
Federal e Municípios ): 1º) que o ato seja praticado pelo representante no exercício de sua função;
2º) que desse ato resulte um dano; 3º) que tal ato seja contrário ao direito.
Enfim falaremos do Registro das pessoas jurídicas. A existência legal das
pessoas jurídicas de direito civil ( sociedades, associações e fundações ) depende do registro ou
da autorização do poder competente.
São três os sistemas para a personificação das pessoas jurídicas: a) livre
constituição, sem dependência de autorização, bastando o registro; b) o que faz depender, em
cada caso, de autorização do poder competente; c) o misto, pelo qual algumas entidades de certa
natureza carecem de autorização e as demais independem dela, bastando o registro. O ítem C foi
o escolhido por nosso código civil, como se observa no art. 18.
O registro da pessoa jurídica será pela inscrição do documento escrito de
sua constituição em livro próprio. Prescreve o art. 19 que o registro deverá conter as seguintes
indicações: I) denominação, fundo social, quando houver, os fins e a sede da associação, ou
fundação, bem como o tempo de sua duração; II) o modo por que se administra e representa a
sociedade ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; III) se os estatutos, o contrato, ou o
compromisso são reformáveis, no tocante à administração, e de que modo; IV) se os membros
respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; V) as condições de extinção da
pessoa jurídica, e o destino de seu patrimônio nesse caso; VI) os nomes dos fundadores, ou
instituidores, e dos membros da diretoria, provisória ou definitiva, com indicação da
nacionalidade, estado civil e profissão de cada um, bem como o nome e a residência do
apresentante dos exemplares ( dois exemplares de jornal oficial em que houver sido publicado o
documento de constituição da pessoa jurídica ).
Quaisquer alterações que vierem a acontecer nestas inscrições serão feitas
através de averbações.
E como se extinguem as pessoas jurídicas? Descreve o art. 21 CC que: 1)
pela dissolução, deliberada entre os seus membros, salvo o direito da minoria e de terceiros; 2)
pela sua dissolução, quando a lei determine; 3) pela sua dissolução em virtude de ato do Governo
que lhe casse a autorização para funcionar, quando a pessoa jurídica incorra em atos opostos aos
seus fins ou nocivos ao bem público.
Já as fundações podem ser dissolvidas, de acordo com o art. 30 CC,
verificando sua nocividade, a impossibilidade de sua sobrevivência ou vencido o prazo de sua
existência. Ao se extinguir uma fundação o seu patrimônio será incorporado a outras fundações
de fins iguais ou semelhantes, caso não haja disposição em contrário no ato constitutivo.

1.3. Da sociedade e das associações civis

Quando falamos sobre a pessoa jurídica vimos que ela se desdobra em duas
modalidades: ou é um agrupamento de seres individuais ( sociedades ou associações ); ou é um
conjunto de bens destinados a um fim ( fundações ).
Vamos inicialmente falar das diferenças entre sociedade e associação: A
Associação ou corporação é a pessoa jurídica que não tem fins econômicos; já a sociedade existe
sob o prisma de fins lucrativos.

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As sociedades poderão ser civis ou comerciais. As primeiras são reguladas


por leis civis e as segundas por leis comerciais. Existem, como já foi dito anteriormente, registros
peculiares para umas e outras.
A distinção fundamental entre as sociedades civis e comerciais está no
objeto das mesmas. Se o objeto é mercantil, isto é, um conjunto de atos de intromissão, de
mediação entre o produtor e o consumidor, enfim, daqueles atos que a lei considera comerciais, a
sociedade será comercial; se, ao contrário, o objeto não é dessa categoria, a sociedade será civil.
As sociedades que não se registrarem não adquirem a personalidade, quer
dizer, não adquirem existência distinta da dos membros que as compõem.
A personalidade das sociedades ou associações civis extingue-se pela
dissolução. Podem ser por três causas:
I) Por deliberação dos membros. É o acordo de vontade dos sócios para
dissolverem a sociedade. Assim como se constitui por um acordo de vontades, este mesmo
acordo poderá dissolvê-la. Questiona-se porém, se, para a dissolução por essa causa, é necessário
o acordo unânime dos sócios ou associados, ou basta o simples acordo da maioria.
A resposta para tal questão está prevista no artigo 1.399, VI CC. Do ato
constitutivo da sociedade poderá constar a possibilidade de sua dissolução pela vontade da
maioria dos sócios. Se não constar essa possibilidade, a dissolução só se poderá dar pelo consenso
unânime dos sócios.
II) Por determinação da lei. Também com fulcro no art. 1.399, incisos de I a
V, CC, que são: o implemento da condição a que foi subordinada a sua durabilidade, ou pelo
vencimento do prazo estabelecido no contrato; extinção do capital social, ou seu desfalque em
quantidade tamanha que a impossibilite de continuar; a consecução, do fim social, ou a
verificação de sua inexequibilidade; falência, incapacidade ou morte de um dos sócios; a renúncia
de um dos sócios, se a sociedade for de prazo indeterminado.
III) Por ato do governo. O governo pode determinar a dissolução das
sociedades civis, cassando-lhes a autorização para funcionar, por dois motivos: quando
incorrerem em atos opostos ao seu fim ou quando praticarem atos nocivos ao bem público.
É claro que essa causa de dissolução só se refere às sociedades que
necessitam da autorização prévia do governo para a sua constituição.
A sociedade também poderá ser dissolvida por sentença do Poder
Judiciário, em processo originado pelo Ministério Público, se promover fins ilícitos ou demandar
seus fins por meios ilícitos, contrários à moral ou nocivos ao bem público.
Então foi dissolvida a sociedade. Para onde vão seus bens? Dissolvida a
sociedade ela entra em liquidação para o efeito de dar-se destino aos seus bens.
Se for uma associação ( sem fins econômicos ), o destino dos bens será
aquele que constar dos seus estatutos. Só na falta de determinação nos estatutos e de deliberação
dos socios é que os bens se devolvem a um estabelecimento municipal, estadual ou federal, de
fins idênticos ou semelhantes, guardada esta ordem.
Em se tratando das sociedades de fins econômicos, o remanescente de seus
bens pertence aos sócios, em cujo interesse elas se formaram. Devendo, pois, os bens serem
partilhados entre os sócios ou seus herdeiros.
As sociedades estão regidas entre os arts. 1.363 e 1.409, CC.
Resumindo e pinçando as partes mais interessantes, diz nosso código que
as sociedades são universais ou particulares. É universal a sociedade, que abranja todos os bens
presentes, ou todos os futuros, quer uns e outros na sua totalidade, quer somente a dos seus frutos
e rendimentos.

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A sociedade particular só compreende os bens ou serviços especialmente


declarados no contrato. Também é particular a sociedade constituída especialmente para executar
em comum certa empresa, explorar certa indústria, ou exercer certa profissão.
Voltaremos a estudar as sociedades quando estivermos falando das diversas
modalidades de contratos.

1.4. Das Fundações

Como já foi falado anteriormente, fundação é o conjunto de bens


destinados a um fim. Para surgir uma fundação é preciso existir um fundador ( ou instituidor )
que pode ser o estado, como pessoa jurídica de direito privado, ou uma pessoa natural.
Cinco são os requisitos que compõem a estrutura de uma fundação:
a) Patrimônio de bens livres;
b) Ato constitutivo ( é o documento escrito onde o instituidor constitui a
fundação. Pode ser escritura pública ou testamento );
c) Declaração do fim ( a que se destina a fundação );
d) Estatutos ( conjunto de regras pelas quais será administrado e aplicado o
patrimônio );
e) Administração ( composta de pessoas naturais, que agem em nome da
entidade jurídica, gerindo-lhe o patrimônio e dando-lhe a aplicação ao fim que se destina).
Atendidos os requisitos acima, a constituição definitiva das fundações se
dará com a aprovação de seus estatutos pela autoridade competente - que é o Ministério Público -
após o que será feito o registro para que a fundação adquira personalidade.
Com relação aos estatutos, eles poderão ser formulados pelo próprio
instituidor. Se não forem, sê-lo-ão por aqueles a quem foi cometida a aplicação do patrimônio. O
estatuto deverá ser formulado de acordo com as bases estabelecidas pelo instituidor no ato
constitutivo. Em seguida o estatuto será submetido ao Ministério Público para aprovação. Ainda
se não forem elaborados por aqueles que devem aplicar o patrimônio, cabe ao Ministério Público
elaborar o estatuto.
Mas o Ministério Público poderá denegar a aprovação do estatuto, o qual
será suprida pelo Juiz competente.
Pode acontecer que os bens doados para constituirem o patrimônio da
fundação sejam insuficientes para a realização do fim determinado pelo instituidor. Se outra coisa
não dispuser o instituidor, os bens serão convertidos em títulos da dívida pública, até que,
aumentados com os rendimentos ou novas dotações, perfaçam capital bastante para a realização
da sua finalidade, conforme dispõe o art. 25, CC.
As fundações são submetidas à fiscalização do poder público. Para a sua
constituição elas não carecem de autorização do governo. A referida fiscalização se faz por
intermédio do Ministério Público, aprovando os estatutos e sua reformas, etc. A incumbência da
fiscalização está determinada no art. 26, CC.
Diz o art. 28, CC que: Para se poderem alterar os estatutos da fundação é
mister:
I - que a reforma seja deliberada pela maioria absoluta ( metade mais um )
dos competentes para gerir e representar a fundação;
II - que não contrarie o fim desta;
III - que seja aprovada pela autoridade competente.

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Mas a minoria vencida na modificação dos estatutos poderá, no prazo de


um ano, pedir a nulidade ao juiz competente. Este Juiz apreciará as razões apresentadas pela
minoria e decidirá se a reforma deve ou não prevalecer. Ficam reservados os direitos de terceiros,
conforme prescreve o final do art. 29, CC.
As fundações se extinguem de dois modos: 1º, por ser nociva ou impossível
a sua mantença; 2º, pelo vencimento do prazo.
A verificação dessas causas de extinção cabe ao Ministério Público, no
exercício de suas funções de fiscalização, ou à minoria vencida, quando for tentada a reforma dos
estatutos.

1.5. Do domicílio civil

O domicílio completa a identificação da pessoa. É sua sede jurídica, lugar


onde se encontra localizada a pessoa para exercer certos direitos e responder por suas obrigações.
Assim é que o domicílio é determinador:
a) da lei aplicável nos conflitos regidos pelo direito internacional privado,
conforme o estabelecido nos artigos nos arts. 7º a 18 da Lei de Introdução do Código Civil;
b) da competência geral do juiz. Em regra o réu deve ser demandado no
foro do seu domicílio;
c) do lugar onde, normalmente, a pessoa cumpre as suas obrigações;
d) do lugar da abertura da sucessão. A sucessão abre-se no lugar do último
domicílio do falecido.
Dispõe nosso direito civil que o domicílio da pessoa natural funda-se na
residência definitiva, com ânimo para tal.
A diferença entre domicílio e residência está no fato de que a residência é
considerada uma simples morada ou simples habitação. Já o domicílio tem a qualidade de existir
o ânimo de ali se fixar.
Existem duas espécies de domicílio civil: ordinário, também chamado geral
ou real, e o domicílio de eleição, que é um domicílio especial.
Inicialmente vamos abordar o domicílio geral que se desdobra em vários
pontos. O domicílio geral ou real é o que, comumente, se estabelece de conformidade com a
noção fundamental de domicílio, isto é, aquele que resulta do lugar que escolhemos, com ânimo
definitivo, para nossa residência. É onde se presume presente a pessoa para fins de direito.
O domicílio geral compreende o domicílio de origem, o domicílio real, ou
voluntário, e o domicílio legal.
O domicílio de origem é aquele que a pessoa adquire por força da
menoridade que a conserva presa ao domicílio dos pais.
O domicílio voluntário, ou real, é aquele firmado pela pessoa ao tornar-se
emancipada, fixando-o de acordo com a sua própria vontade. É também chamado de real porque
exprime realmente a vontade da pessoa de estabelecer-se num lugar, de fixar uma residência com
ânimo definitivo.
Por fim, o domicílio legal é fixado por lei, como é o caso do funcionário
público, conforme falaremos adiante quando abordarmos o domicílio necessário.
Continuando, pode dar-se, porém, o caso de ter a pessoa mais de uma
residência, como uma de inverno e outra de verão, por exemplo; ou que tenha negócios e
ocupações situados em lugares diferentes; ou ainda que tenha a residência em lugar diverso do da
sede de seus negócios e ocupações.

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Nesses casos, prevê o art. 32 do CC que: Se, porém, a pessoa natural tiver
diversas residências, onde, alternadamente, viva, ou vários centros de ocupações habituais,
considerar-se-á domicílio seu qualquer destes ou daquelas. Nosso direito consagrou aí a
pluralidade de domicílios.
Mas existe também o outro lado: a falta de domicílio: Pode haver pessoas
que não tenham domicílio certo, ou porque lhes falte uma residência certa, como no caso dos
vagabundos, ou porque, pela própria profissão, estejam sempre em contínuas mudanças. Entende
nosso código no art. 33 que o domicílio da pessoa nestas condições acima é o lugar onde for
encontrada.
Vamos agora à mudança de domicílio: opera-se desde que ela transfira a
sua residência com intenção de fixá-la noutro lugar. Assim sendo, as ausências temporárias não
influem sobre a permanência do domicílio. Este é conservado pela intenção. São dois os
elementos necessários para que se dê a mudança: o físico ( deslocação ) e o psicológico ( intenção
de se fixar em outro lugar ). É o que dispõe o art. 34 e seu parágrafo único.
O domicílio pode ser voluntário ou necessário. No domicílio voluntário a
pessoa escolhe seu lugar de residência, ou do centro de seus negócios, adquirindo o domicílio por
ato próprio.
Já o domicílio necessário resulta de uma prescrição de lei. Nosso Código
estabeleceu os seguintes domicílios legais:
a) incapazes: seu domicílio é o domicílio de seus representantes e esta regra
vale para todos os incapazes, relativos ou absolutos. Para o caso dos menores, seu domicílio será
o de seus pais ou tutores; e os loucos, surdos-mudos, ausentes e pródigos terão seu domicílio
onde for o de seus curadores.
b) dos funcionários: o lugar da função vitalícia ou deduração indefinida.
c) do militar em serviço ativo: o lugar onde servir.
d) dos oficiais e tripulantes da marinha mercante: o lugar da matrícula do
navio, ponto fixo a que se prende sua atividade.
e) do preso, ou do desterrado: o lugar onde cumpre a sentença ou o
desterro.
f) do ministro diplomático: no país que representa - no Distrito Federal, ou
no último ponto do território brasileiro onde o teve.
Com relação às pessoas jurídicas, sua sede é o centro de sua atividade
dirigente, constando em seu registro civil.
As pessoas jurídicas de direito público interno trazem disposição no art. 35
CC que o domicílio da União é o Distrito Federal; os estados, suas respectivas capitais; e os
municípios, o lugar onde funcione sua administração.
Relativamente à União, quando o direito pleiteado se originar de um fato
ocorrido, ou de um ato praticado, ou que deva produzir os seus efeitos fora do Distrito Federal,
será ela demandada na seção judicial em que o fato ocorreu, ou onde tiver sua sede a autoridade
de quem o ato emanou, ou este tenha de ser executado. É o que dispõe o parágrafo 1º do art. 35
CC.
Por isso que cada estado constitui uma seção judicial para a união ser
demandada de qualquer região do país, perante um juiz competente.
As pessoas jurídicas de direito privado têm seu domicílio regido pela
disposição do inciso IV, no art. 35 CC: “...o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e
administrações, ou onde elegerem domicílio especial nos seus estatutos ou atos constitutivos.”

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Existe também o caso da pluralidade de domicílios da pessoa jurídica.


Dispõe o parágrafo terceiro do art. 35 CC que: “Tendo a pessoa jurídica de direito privado
diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um será considerado domicílio para atos
nele praticados.”
Iniciando este resumo sobre domicílio falamos que ele poderia ser ordinário
( geral, real ) ou de eleição. Até então falamos do domicílio ordinário e agora é a vez de
entrarmos no domicílio de eleição.
O domicílio de eleição também é conhecido como domicílio contratual. É
aquele que a pessoa elege para nele exercer e cumprir os direitos e obrigações de um determinado
contrato. Diz Tito Fulgêncio que é um domicílio especial escolhido por uma pessoa para a
execução de um ato ou de uma convenção. Poderíamos chamar o domicílio de eleição como foro
do contrato. Sua finalidade é facilitar as notificações processuais ou modificar a competência
judicial por comodidade do credor.
Assim, o domicílio escolhido para o cumprimento de uma determinada
obrigação é também o domicílio próprio para todas as ações decorrentes desta obrigação.
Diz o art. 42 CC que os contratantes poderão especificar domicílio onde
serão exercitados e cumpridos os direitos e obrigações deles resultantes. Ressalva-se aqui o que
dispõe o art. 111 CPC: “A competência em razão da matéria e da hierarquia é inderrogável por
convenção das partes; mas estas podem modificar a competência em razão do valor e do
território, elegendo foro onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações.”
Gostaria de esclarecer que o domicílio de eleição é assim chamado por ser
tratar do fato em que as partes, celebrando um contrato, elegem um foro para dirimir quaisquer
dúvidas. Onde a pessoa se inscreve como eleitor chama-se domicílio político. Assim, sob estas
premissas, concluímos que domicílio civil é aquele onde a pessoa exerce seus direitos civis.

2. Dos bens

O bem é o objeto do direito, assim como a pessoa é o sujeito deste direito.


Anteriormente falamos sobre o sujeito e agora vamos abordar seu objeto.
Todo direito tem um objeto sobre o qual o sujeito exerce o poder que lhe é
garantido pela ordem jurídica. Esse objeto representa sempre um valor, econômico ou não, que se
integra no patrimônio do indivíduo ou na sua própria personalidade.
Podem ser objeto de direitos:
1) modos de ser da própria pessoa na sociedade, como a existência, a honra,
a liberdade, a voz, o encanto, a beleza, etc. Não se transaciona com eles, mas os ataques e lesões
que podem sofrer são suscetíveis de avaliação para a reparação do dano causado;
2) as ações humanas, como a prestação de serviços, a prática ou abstenção
de algum ato;
3) as coisas corpóreas e incorpóreas, incluíndo os produtos da inteligência
nesta última.
Num sentido amplo o objeto dos direitos se denomina coisa. Quando,
porém, as coisas forem incluídas no patrimônio das pessoas ( objeto de propriedade ou de crédito
), recebe-se a denominação de bens.
Bens são as coisas de valor econômico que compõem o patrimônio das
pessoas.

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Direito Civil

Vamos classificar os bens. Eles podem ser considerados: 1º) quanto à sua
individualidade ( considerados em si mesmos, podendo ser corpóreos e incorpóreos; móveis e
imóveis; fungíveis e infungíveis; consumíveis e não consumíveis; divisíveis e indivisíveis;
singulares e coletivos ); 2º) uns em relação aos outros ( bens reciprocamente considerados,
podendo ser principais e acessórios ); 3º) relativamente aos respectivos proprietários ( podendo
ser públicos ou particulares e coisas que estão no comércio ou fora dele ).
Esta é a classificação encontrada em nosso Código. Agora vamos estudar
cada uma das classificações acima mencionadas.
Bens corpóreos e incorpóreos. Corpóreos são os que existem materialmente
e podem, por isso, cair sob os nossos sentidos. São aqueles que ocupam lugar limitado no espaço.
As coisas corpóreas são bens em sentido jurídico; assim o sol, a lua , as estrelas não podem ser
objetos de direitos. Os bens incorpóreos são os que têm uma existência imaterial, não podendo,
por isso, cair sob os nossos sentidos; como por exemplo os créditos, a qualidade de autor, o nome
comercial, etc.
Bens imóveis. São as coisas que não se podem transportar, sem destruição,
de um lugar para o outro; como um terreno, uma casa, etc. Nosso código traz quatro classes de
imóveis:
I - Imóveis por natureza. O solo ( constituído de partes líquidas e sólidas )
com a sua superfície, seus acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e os
frutos pendentes, o espaço aéreo ( supersolo, coluna atmosférica ) e o subsolo ( art. 43, I CC ). As
águas são regidas por uma lei especial, o Código das Águas, bem como as jazidas e demais
riquezas do subsolo estão sujeitas ao Código de Minas;
II - Imóveis por acessão física artificial. Tudo quanto o homem incorporar,
permanentemente, ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo
que se não possa retirar, sem destruição, modificação, fratura ou dano ( art. 43, II CC ). São as
coisas móveis que a pessoa incorpora ao solo e que, pela aderência física, adquirem a qualidade
de imóveis, assim as sementes lançadas à terra e os materiais empregados no levantamento de
edifícios e construções que, fixados no solo, não poderão ser retirados sem destruição,
modificação, fratura ou dano;
III - Imóveis por acessão intelectual - Tudo quanto, no imóvel, o
proprietário mantiver, intencionalmente, empregado em sua exploração industrial,
aformoseamento, ou comodidade ( Art. 43, III CC ). Compreende-se também aquelas coisas
móveis que integram um prédio e nele são colocadas permanentemente para a sua exploração
industrial, como os maquinismos de uma indústria fabril e manufatureira; as máquinas e o gado
de uma fazenda; ou para o seu aformoseamento ou comodidade, como estatuas, lustres, vitrais,
chaves, etc; Cabe aqui ressaltar que pode ocorrer a mobilização de coisas móveis. Os bens
considerados imóveis por acessão intelectual, isto é, tudo quanto, no imóvel, o proprietário
mantiver, intencionalmente, empregado em sua exploração industrial, aformoseamento, ou
comodidade, conforme prescreve o inciso III, do art. 43 CC, pode ser mobilizado em qualquer
tempo, desde que tais bens sejam dissociados do imóvel a que estavam anexados. É o que diz o
art. 45.
IV - Imóveis ope legis, isto é, por determinação de lei. Os direitos reais
sobre imóveis, inclusive o penhor agrícola, e as ações que os asseguram; as apólices da dívida
pública oneradas com a cláusula da inalienabilidade e o direito à sucessão aberta ( art. 44 CC ).
São considerados como tais: a) os direitos reais sobre imóveis e suas ações (os direitos são coisas
imateriais, mas para maior segurança das relações jurídicas, a lei considera os direitos sobre
imóveis como se imóveis fosse e, com eles, as respectivas ações, que são os próprios direitos em

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posição de defesa, ou considerados por uma de suas faces); b) as apólices inalienáveis (a


inalienabilidade das apólices pode decorrer ou de disposição testamentária, ou de cláusula na
doação, ou de outro ato jurídico. Ao serem consideradas inalienáveis passam a ser imóveis por
força de lei, sujeitando-se às regras relativas aos imóveis); c) o direito à sucessão aberta (abrange
direitos reais ou de crédito, numa universalidade patrimonial. Esse direito foi considerado imóvel
para efeitos de alienação e pleitos judiciais e não para outros efeitos como a hipoteca, por não
condizer com a natureza do objeto).
Os materiais para construção, enquanto não empregados, são, por natureza,
coisas móveis, como veremos no ponto seguinte. Uma vez empregados na construção adquirem a
qualidade de imóveis, e não perderão essa qualidade quando, provisoriamente, separados do
prédio, se destinem a nele mesmo serem reempregados. Art. 46 CC.
Antes de prosseguirmos, vamos esclarecer um assunto. Dá-se a
denominação geral de prédio aos imóveis consistentes em terrenos, cultivados ou não, e em
construções. Os prédios podem ser rurais ou rústicos e urbanos, conforme sua situação seja dentro
ou fora dos limites das cidades, vilas, ou povoações. Edifício designa, mais particularmente, as
construções feitas, sejam rurais ou urbanas. Prédio quer dizer terreno e edifício é a construção
nele.
Agora vamos aos bens móveis. Bens móveis são aqueles suscetíveis de
transporte de um lugar para o outro. Nosso direito distribui o bem móvel em quatro classes
(móveis por natureza; por determinação de lei; fungíveis e infungíveis e consumíveis). Vamos a
elas uma a uma:
I - Móveis por natureza ( corpóreos ). Suscetíveis de
movimento próprio, ou de remoção por força alheia ( art. 47 CC ). São duas
categorias: a dos que têm movimento próprio ( chamados de semoventes e são os
animais ) e a dos que dependem de força alheia para sua remoção ( coisas
inanimadas, como moedas, mercadorias, cadeiras, frutos colhidos, etc).
Mas existem aqueles que não se consideram móveis. O primeiro caso já foi
abordado anteriormente e está disposto no art. 43, III, CC, onde os bens ficam imobilizados
tornando-se imóveis por acessão intelectual ( o tijolo depois de ser assentado na parede, por
exemplo ). Os navios são tratados pela lei como bens imóveis já que podem ser hipotecados ( art.
825 CC ). E os chamados móveis por antecipação, o qual se refere o direito francês e o nosso
desconhece, porque as safras ainda não colhidas, os frutos pendentes, as madeiras ainda não
cortadas são, pelo nosso direito, considerados como acessórios do solo e, portanto, imóveis por
natureza
Os materiais destinados a alguma construção, enquanto não forem
empregados, conservam a sua qualidade de móveis. Assim, as pedras, as madeiras, canos,
torneiras, etc, destinados a qualquer construção, enquanto não estiverem empregados, são
considerados coisas móveis.
Os materiais provenientes da demolição de algum prédio, desde que não
estejam provisoriamente separados para nele mesmo serem reempregados, readquirem a
qualidade de coisas móveis. É o que está previsto no art. 49 CC;
II - Móveis por determinação da lei. Diz o art. 48 CC que são móveis para
os efeitos legais os direitos reais sobre objetos móveis ( a propriedade sobre coisas móveis ou
semoventes, o penhor ) e suas ações correspondentes, os direitos de obrigação e as respectivas
ações ( direito de obrigação é o mesmo que direito de crédito ou direito pessoal, opondo-se ao
direito real ), além dos direitos de autor.

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Sobre o direito autoral há controvérsia na doutrina. Existem quatro opiniões


sobre a natureza do direito autoral. Vamos tentar expô-las: A primeira vê uma emanação imediata
da personalidade, da qual não se desprende. A segunda opinião reduz o direito autoral a um
simples privilégio. A terceira corrente vê no direito autoral uma nova espécie a acrescentar aos
direitos reais e aos pessoais, recebendo a denominação de direito intelectual. A quarta opinião
considera o direito autoral como um aspecto particular da propriedade. Nosso código segue esta
última doutrina, defendida por Ihering, considerando os direitos do autor como de propriedade, a
propriedade intelectual, que abrange o direito de autor, a patente de invenção, a propriedade
intelectual das cartas, a das fotografias privadas e etc. Em nosso código está disposto nos arts.
649 e seguintes sob o título “propriedade literária, científica e artística”. Concluindo, o direito de
autor é um direito real, incluindo-se entre os móveis incorpóreos ( móveis por força de lei );
III - Móveis fungíveis e infungíveis. São os que podem e os que não
podem, respectivamente, serem susbstituídos por outros de mesma espécie, qualidade e
quantidade, conforme diz o art. 50 CC.
Os bens fungíveis são coisas pertencentes ao mesmo gênero, apresentando
entre elas tais semelhanças que, nas relações humanas, são tidas como equivalentes. As coisas
fungíveis se indicam pelo gênero, qualidade e quantidade ficando suscetíveis de número, peso e
medida.
As coisas infungíveis são individualizadas, consistentes em corpo certo,
que se não podem substituir por outras.
É importante, no entanto, frisar que a vontade das partes não poderá tornar
fungíveis coisas que sejam infungíveis. Mas, a infungibilidade poderá resultar do acordo das
partes, ou das condições especiais do bem, ao qual, de fungível por natureza, se poderá atribuir o
caráter de infungível. Por exemplo, alguém empresta determinadas moedas para figurarem em
uma exposição, obrigando-se o devedor a restituir-lhe as próprias moedas.
Algumas relações jurídicas têm seu fundamento na idéia de fungibilidade e
infungibilidade das coisas, como o mútuo ( arts. 1.256 a 1.264 CC ) que trata do empréstimo das
coisas fungíveis, ou ainda, o comodato ( arts. 1.248 a 1.255 CC ) onde se fala do empréstimo de
coisas infungíveis;
IV - Móveis consumíveis. São aqueles cujo uso importa destruição
imediata da própria substância, considerando-se também como tais os destinados à alienação. Os
bens móveis desta classe são consumíveis naturalmente ou juridicamente.
São naturalmente consumíveis quando, do seu uso comum, resulte a
destruição imediata da própria substância, como os gêneros alimentícios, a lenha, a cerveja.
São juridicamente consumíveis quando destinados a alienação como o
dinheiro, o livro enquanto na loja, etc.
A energia elétrica é equiparada à coisa móvel, ou qualquer outra que tenha
valor econômico.
Então vamos abordar as coisas, que podem ser divisíveis ou indivisíveis,
singulares ou coletivas e ainda podendo advir de patrimônio ou herança.
A divisibilidade ou indivisibilidade das coisas como bens jurídicos é um
aspecto importante a ser considerado no objeto do direito.
Como produtos naturais ou artísticos, as coisas podem ser divididas
materialmente em partes dessemelhantes, mesmo que a separação altere a substância delas; mas,
juridicamente a divisão atribui à parte destacada o caráter de um todo completo, reproduzindo o
inteiro.

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Do ponto de vista jurídico, a divisão pode ser real ou material, caso em que
só se aplica às coisas corpóreas; e ideal ou intelectual, que tanto se aplica às coisas corpóreas,
como às incorpóreas.
Vamos falar das coisas divisíveis e indivisíveis primeiro. Dispõe o art. 52
CC, conceituando, que as coisas divisíveis são as que podem partir em porções reais e distintas,
formando cada qual um todo perfeito. Esta é a divisão real ou material e se aplica somente às
coisas corpóreas.
Um terreno é coisa divisível, porque, separado em lotes, cada um destes
forma um todo completo, sem dependência do prédio de que foi destacado; as coisas que se
contam, se pesam e se medem, podem ser também divididas, de modo que cada uma delas forme
um todo perfeito; os edifícios, as casas, às vezes serão divisíveis, outras não. Quando puderem ser
partidas em porções reais e distintas, formando cada qual um todo perfeito, elas serão divisíveis;
em caso contrário, não. Os edifícios de três ou mais pavimentos, porém, construídos de cimento
armado ou matéria similar, incombustível, e com outros requisitos mais estabelecidos em lei
própria, podem ser alienados no todo ou em parte, objetivamente considerada, constituíndo cada
apartamento uma propriedade autônoma. Um animal vivo é indivisível; depois de morto, porém,
o seu corpo é divisível; uma estátua, um quadro, qualquer outro objeto de arte, é indivisível.
Assim, são divisíveis os bens que se podem partir sem alteração na sua
substância.
Nosso código também conceitua as coisas indivisíveis. Encontramos no art.
53 CC: São indivisíveis, I - os bens que não se podem partir sem alteração na sua substância; II -
os que, embora naturalmente divisíveis, se consideram indivisíveis por lei, ou vontade das partes.
Ressalta-se que tal disposição deve ser aplicada tanto às coisas corpóreas quanto às coisas
incopóreas.
A lei ou a vontade das partes pode tornar indivisíveis bens que sejam
naturalmente divisíveis. Assim, são indivisíveis por lei as coisas que se não prestam a cômoda
divisão ( art. 1.728 CC ) e aquelas que, pela divisão, se tornariam impróprias ao seu destino ( art.
632 CC ).
Então, como a lei, a vontade das partes pode também tornar indivisíveis
coisas naturalmente divisíveis. Isto, porém, em termos, porque a todo tempo é lícito ao
condômino exigir a divisão da coisa comum, a não ser no caso do parágrafo único do art. 629,
segundo o qual podem os consortes acordar que fica indivisa por termo não maior de cinco anos,
suscetível de prorrogação ulterior.
A divisibilidade ideal ou intelectual tanto se aplica às coisas corpóreas
como às incorpóreas, tanto às coisas divisíveis como às indivisíveis. Um prédio partilhado num
inventário a quatro herdeiros, poderá ficar em comum, tendo cada um dos herdeiros uma parte
ideal do todo. Uma estátua, ou outro objeto de arte, poderá ser adjudicada a mais de um herdeiro,
ficando cada um com uma quota ideal de seu valor.
A divisibilidade ou indivisibilidade das coisas entra em consideração em
muitas relações de direito. Se a coisa pertencente a várias pessoas for indivisível, ou, pela divisão,
se tornar imprópria ao seu destino, e os condôminos não quiseram adjudicá-la a um só,
indenizando os outros, será vendida e repartido o preço ( art. 632 CC ); as servidões prediais são
indivisíveis ( art. 707 CC ); a hipoteca é também indivisível ( art. 757 CC ); as obrigações são
divisíveis ou indivisíveis, segundo a natureza da prestação (arts. 889 a 895 CC).
De acordo com nosso Código devemos considerar as coisas sob um outro
aspecto: coisas singulares e coletivas. Assim prescreve o art. 54 CC: “As coisas simples ou
compostas. materiais ou imateriais, são singulares ou coletivas: I- Singulares, quando, embora

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reunidas, se consideram de per si, independentemente das demais. II- Coletivas, ou universais,
quando se encaram agregadas em todo”.
Vale ressaltar que materiais ou imateriais são o mesmo que corpóreas (que
podem ser tocadas) ou incorpóreas (as que não incidem nos nossos sentidos, não podem ser
tocadas). Simples ou compostas são qualidades das coisas singulares. São simples quando
formam um todo homogêneo, cujas partes não reclamam especial determinação da lei, como um
cavalo, uma planta, um painel; e compostas quando formadas de partes ligadas pela indústria
humana, as quais, para certos efeitos, podem ser consideradas como coisas distintas do todo,
como um edifício, um navio.
Então as coisas singulares, sejam simples ou compostas, são aquelas que se
consideram de per si, independentemente das demais, mesmo quando reunidas (cavalo, navio,
casa).
Coisas coletivas são as que, constituídas de várias coisas singulares, se
consideram um conjunto, formando um todo econômico a que se dá uma denominação genérica.
Essas coisas coletivas ou são um agregado de coisas corpóreas da mesma espécie ( rebanho,
biblioteca ) ou são um conjunto de unidades abstratas de coisas e direitos (patrimônio, herança,
massa falida).
Diz a lei no art. 55 CC que desaparecendo todos os indivíduos que formam
a coletividade, menos um, desaparece a coletividade. O rebanho, por exemplo, desaparecerá se
subsistir somente uma ovelha. Juridicamente, porém, enquanto existe um dos elementos da
universalidade, a coletividade fica nela representada. No caso de uma herança de uma biblioteca
ocorrendo um incêndio e restando apenas um volume tal direito não se extingue.
Agora é a vez do patrimônio e herança. No art. 57 CC “ O patrimônio e a
herança constituem coisas universais, ou universalidades, e como tais subsistem, embora não
constem de objetos materiais” .
O patrimônio constitue-se pela reunião de todos os bens econômicos
(corpóreos ou incorpóreos) pertencentes a uma pessoa, e também de todos os encargos e
obrigações que ela está sujeita. Com esses elementos o patrimônio adquire status de
universalidade e, daí considerado como um conjunto ou complexo de direitos.
A definição de patrimônio, baseado nas premissas acima, é complexo das
relações jurídicas de uma pessoa, que tiverem valor econômico. Ele pode ser ativo ou passivo. O
ativo é representado pelos direitos de que a pessoa é titular e o passivo é representado pelos
encargos e obrigações ( dívidas por que responde a pessoa ).
Sendo o patrimônio formado exclusivamente de bens de valor econômico,
isto é, de bens avaliáveis em dinheiro, nele não se incluem, porque não são avaliáveis em
dinheiro, aqueles bens que constituem irradiações da própria personalidade, como a vida, a
liberdade, a honra, embora de sua ofensa possa resultar uma reparação civil; também não fazem
parte do patrimônio aqueles direitos e encargos que constituem objetos dos direitos de família
puros, como o pátrio poder, os direitos dos cônjuges e igualmente os direitos políticos, por essa
mesma razão, de não serem avaliáveis em dinheiro.
O patrimônio identifica-se com a pessoa e, como esta é indivisível.
Conclui-se que cada pessoa só pode ter um patrimônio, que a acompanha até a morte.
Assim, ao morrer, o patrimônio da pessoa se transforma em herança e passa
para o sucessor ou sucessores do de cujus, conservando o caráter da universalidade.
Até agora nós falamos dos bens quanto à sua própria individualidade,
podendo ser corpóreos e incorpóreos, imóveis e móveis, divisíveis e indivisíveis, singulares e
coletivos, etc. Daqui em diante vamos observar os bens uns em relação aos outros.

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Eles podem ser principais ou acessórios.


Principal é a coisa que tem uma existência própria e independente de
qualquer outra, como o terreno, a mesa, um crédito.
Acessória é aquela cuja existência supõe a da principal, ficando ligada a
esta por uma relação de dependência, como a casa em relação ao terreno, gaveta à mesa, o penhor
ou a hipoteca em relação ao crédito.
A distinção entre as coisas principais ou acessórias tanto se aplica aos bens
corpóreos quanto aos incorpóreos. Então os direitos e as obrigações podem ser principais ou
acessórias. A cláusula penal e as arras ( art. 1.094 CC ) são obrigações acessórias; e as servidões,
o penhor, a hipoteca, são direitos acessórios.
Classificando os acessórios, eles podem ser os frutos, os produtos e os
rendimentos. É o que diz o art. 60 CC.
Frutos são as utilidades que a coisa, periodicamente, produz. São três as
suas especies: frutos naturais, frutos industriais e frutos civis.
Frutos naturais são os produzidos espontaneamente pela coisa, como o
leite, a lã, os frutos das árvores, as crias dos animais.
Frutos industriais são os que se obtém pela cultura, resultando, portanto, da
indústria humana sobre a natureza, como os cereais, o algodão, o café.
Frutos civis são os rendimentos que se podem obter de uma coisa pela
utilização por outrem, que não o proprietário, como o aluguel de uma casa, o arrendamento de
terras, os juros de uma quantia de dinheiro emprestado.
Quanto ao seu estado os frutos podem ser pendentes ( quando ainda unidos
à coisa que os produziu ), colhidos ( quando já separados da coisa ), e percebidos (quando, com
relação aos civis e industriais, depois de separados, já estão com o possuidor).
Os frutos colhidos se subdividem em estantes ( quando depois de separados
ainda existem ), consumidos ( quando já foram utilizados pelo possuidor ), e percipiendos (
quando deviam ser, mas não foram colhidos ).
Estas divisões acima serão aplicadas praticamente quando estudarmos
posse e usufruto.
Recapitulando, os bens reciprocamente considerados podem ser principal e
acessório. Classificando os acessórios encontramos os frutos, os produtos e os rendimentos. Já
abordamos os frutos seu estado e suas espécies. Agora são os produtos e os rendimentos.
Os produtos são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a
quantidade, porque não se reproduzem periodicamente. São as pedras de uma pedreira, os
minerais de uma jazida, ou os metais de uma mina.
Os rendimentos são o mesmo que os frutos civis, já definidos. Nosso
código destacou esta classe para fixar seus princípios.
Mas os acessórios não se classificam apenas como frutos, produtos e
rendimentos. Eles também são classificados quanto às benfeitorias ou como são considerados em
relação ao solo.
Diz o art. 61 que: “São acessórios do solo: I- os produtos orgânicos da
superfície; II- os minerais contidos no subsolo; III- as obras de aderência permanente, feitas
acima ou abaixo da superfície”.
Os produtos orgânicos da superfície são os vegetais. A palavra produto que
aqui se encontra não tem o sentido técnico e restrito da mesma palavra empregada no art. 60.
Aqui ela indica a coisa gerada ou produzida.
O inciso II foi revogado pelo Código de Minas.

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Direito Civil

As obras de aderência permanente, feitas acima ou abaixo da superfície, são


os edifícios ou quaisquer outras construções, com caráter permanente, que se façam acima ou
abaixo da superfície.
Finalmente as benfeitorias. São as obras ou despesas feitas num móvel ou
imóvel de outrem para conservá-lo, melhorá-lo ou simplesmente embelezá-lo. São os
melhoramentos que se fazem em coisas alheias.
Detalhe é que a benfeitoria pode ser na coisa alheia ou na coisa própria,
mas é na coisa alheia que ela pode tomar aspectos jurídicos importantes.
As benfeitorias são divididas em três espécies: necessárias, úteis e
voluptuárias.
Necessárias são as que têm por fim conservar a coisa ou evitar que se
deteriore; Úteis são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa; e Voluptuárias, as de mero
deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda que a tornem mais agradável.
É o que prescreve o art. 63 CC.
Qualquer que seja o valor das benfeitorias, elas são consideradas como
acessórios da coisa a que aderem.
Há, contudo, três exceções a essa regra: 1) a pintura em relação à tela; 2) a
escultura em relação à matéria prima; e 3) a escrita e outro qualquer trabalho gráfico em relação à
matéria prima que os recebe. A pintura, a escultura e a escrita transformam a coisa em que são
aplicadas.
Não podem ser consideradas benfeitorias os melhoramentos sobrevindos à
coisa, sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor. É o princípio concretizado no art.
64.
Assim, as acessões naturais que, embora aumentem o valor da coisa, não se
consideram benfeitorias, porque estas supõem a intenção de melhorar o bem, resultam do esforço
daquele que o tinha em seu poder. O acréscimo de valor, neste caso, é vantagem natural e gratuita
e, para que haja benfeitoria, é necessária a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor da
coisa beneficiada.
O acessório segue o principal, salvo disposição especial em contrário.
Dando prosseguimento, agora vamos estudar os bens em relação às pessoas
a quem pertencem. Deste ponto de vista, isto é, do modo pelo qual se exerce o domínio sobre os
bens, eles se dividem em públicos ou particulares.
Públicos são os que pertencem à União, ao Estados e aos Municípios.
Particulares são os que pertencem às pessoas jurídicas de direito privado e às pessoas naturais,
que delas podem usar, gozar e dispor, segundo as leis civis.
Art. 66 CC diz:
“Os bens públicos são:
I- os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e
praças;
II- os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a
serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal;
III- os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos
Estados ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas
entidades”.
A seguir apresentaremos uma tabela que classificará melhor os bens
públicos:

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BENS PÚBLICOS DE USO COMUM


Pertencentes à União Pertencentes ao Estado Pertencentes ao Município
a) águas marítimas ( mares a) as águas, quando sirvam a) as águas, quando situadas
territoriais, incluindo baías, de limite a dois ou mais exclusivamente em seus
golfos, enseadas e portos ); municípios ou quando territórios, respeitadas as
b) os lagos e os cursos percorram parte dos restrições que possam ser
d’água que, no todo ou em territórios de dois ou mais impostas pela legislação dos
parte, sirvam de limites do municípios; Estados;
Brasil com países b) as estradas de rodagem e b) as estradas e os caminhos
estrangeiros; os caminhos públicos públicos circunscritos ao
c) os cursos d’água que se compreendidos no plano território municipal;
dirijam a países estrangeiros estadual de viação, desde que c) as ruas, avenidas, praças,
ou deles provenham; construídos ou adquiridos parques, jardins e quaisquer
d) os lagos e os cursos pelos estados. outros logradouros públicos,
d’água que, no todo ou em feitos ou adquiridos pelas
parte, sirvam de limites a prefeituras;
estados brasileiros; d) os cemitérios.
e) os cursos d’água que
percorram territórios de mais
de um estado brasileiro;
f) os lagos e os cursos d’água
existentes dentro da faixa de
150 Km ao longo das
fronteiras, desde que, em
todos esses casos, os lagos e
os cursos d’água naturais
sejam, em algum trecho,
flutuáveis ou navegáveis por
um tipo qualquer de
embarcação;
g) as estradas de rodagem e
os caminhos públicos
compreendidos no plano de
viação federal, desde que
construídos ou adquiridos
pela União.

BENS PÚBLICOS DE USO ESPECIAL


Pertencentes à União Pertecentes aos Estados Pertencentes aos Municípios
a) os edifícios e os terrenos a) edifícios e terrenos a) edifícios e terrenos
destinados aos serviços ou destinados aos serviços ou destinados aos serviços ou
estabelecimentos públicos estabelecimentos públicos estabelecimentos públicos
federais; estaduais. municipais.
b) as fortalezas, fortificações,
construções militares, navios
de guerra, material da
marinha e do exército.

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BENS PÚBLICOS DOMINICAIS


da União dos Estados dos Municípios
a) as estradas de ferro, a) os terrenos reservados às a) telefones; (???)
telégrafos, rádios, fábricas, margens das correntes e b) terrenos destinados à
oficinas e fazendas federais; lagos navegáveis, se, por alienação ou aforamento;
b) os terrenos de marinha e algum título, não forem do c) bens que tiverem
os acrescidos natural ou domínio federal, municipal adquirido por qualquer título
artificialmente; ou particular; legítimo.
c) as jazidas, ou depósitos b) as terras devolutas;
minerais; c) as estradas de ferro,
d) as quedas d’água e outras fábricas, oficinas e fazendas
fontes de energia hidráulica estaduais, etc.
existentes em águas públicas
de uso comum ou
dominicais;
e) os bens declarados vagos.
Dentre as características dos bens públicos está a inalienabilidade e a
imprescritibilidade.
Dispõe o art. 67 CC: “Os bens de que trata o artigo antecedente só
perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever”.
Assim a regra é que os bens públicos ( uso comum, uso especial ou
dominical ) têm como regra peculiar a inalienabilidade. Como exceção, essa inalienabilidade
poderá ser afastada nos casos e forma que a lei prescrever.
No direito brasileiro duas correntes interpretam de modo diverso esta
disposição.
Uma corrente diz que há defeito nesta fórmula do dispositivo, pois os bens
dominicais da União, dos Estados e dos Municípios não são inalienáveis. Apenas a alienação
deles se dá segundo as formas e regras estabelecidas em lei; mas são alienáveis. Os de uso
comum e os de uso especial, sim, são inalienáveis, enquanto conservarem este caráter.
A outra corrente ensina que a característica da inalienabilidade é o uso
público, a que é destinado o uso do bem; qualquer outra espécie de bens, desde que não
destinados ao uso público, não pode entrar na classe dos bens inalienáveis. A diferença que existe
é que os bens do estado só serão alienados, mesmo quando isso for possível, pela forma e regra
estabelecidas na lei. E conclui que, em face do nosso código, a regra aceita pelo legislador é a de
que todos os bens públicos são alienáveis, desde que haja uma lei autorizando a alienação.
Os bens públicos, como já foi dito, além de inalienável é também
imprescritível. Isentam-se assim, de serem adquiridos por usucapião, já que o usucapião
pressupõe um bem passível de alienação. Se os bens públicos são inalienáveis, isto é, não podem
sair do patrimônio da União, dos estados ou dos Municípios senão pela forma que a lei
determinar, claro é que ninguém poderá adquirí-los por via de prescrição.
Há divergência na doutrina: Alguns entendem estarem sujeitos à prescrição
aquisitiva os bens públicos patrimoniais. Alega-se que os bens públicos patrimoniais e os bens
públicos de uso especial estão sujeitos à prescrição aquisitiva e, quanto à estes últimos, é fácil
justificar a razão; é porque se tais bens já estão na posse de um terceiro há mais de trinta anos,
claro que já não estão eles servindo a um uso especial, mas sim, são meros bens públicos
patrimoniais.

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Direito Civil

Os bens públicos de uso comum são, por sua natureza, destinados à


utilização de todos. A regra, portanto, é que essa utilização deve ser gratuita. Todos podem usar
das ruas, praças, estradas, rios públicos, etc, independentemente de qualquer retribuição.
Excepcionalmente, porém, como compensação pelos gastos realizados nas
obras de construção ou melhoramento de certos bens, a sua utilização poderá ser mediante
retribuição. Os pedágios das pontes ou estradas, as taxas de ancoragem nos portos, são exemplos
de remuneração pelo uso da coisa comum.
Ainda dentro dos bens relativamente aos respectivos proprietários, vamos
falar das coisas fora do comércio. As coisas fora do comércio não podem ser apropriadas ou
alienadas. Evidentemente elas são divididas em duas categorias: a) insuscetíveis de apropriação;
b) as legalmente inalienáveis.
Na categoria de insuscetíveis de apropriação se incluem aquelas coisas que,
por sua própria natureza, estão fora da circulação econômica e, por isso, não são suscetíveis de
apropriação individual, como o ar, a luz, o oceano e as de uso comum do povo.
Na categoria de legalmente inalienáveis são as coisas que por força de lei
foram afastadas da circulação econômica por não poderem ser alienadas, como os imóveis dotais
( Art. 293 CC ), o bem de família ( art. 70 CC ) e quaisquer outros sobre os quais recaia a cláusula
de inalienabilidade.
O corpo humano é considerado coisa fora do comércio. O homem não pode
dispor de seu cadáver ou de uma parte de seu corpo, por motivos de ordem moral. Também não
se pode vender sua própria liberdade ou vender o próprio corpo, em respeito à natureza humana.
Finalmente chegamos ao bem de família.
Devemos notar que o Bem de Família não se inclui na classificação geral
dos Bens. Alguns doutrinadores pedem sua inclusão na parte relativa ao Direito de Família,
outros no Direito das Coisas. O fato é que ele foi colocado na parte relativa aos Bens, o que não é
de todo equivocado. Trata-se de uma instituição, como veremos a seguir, que põe o imóvel, por
certo tempo, fora do comércio. Daí justifica-se sua colocação logo em seguida ao capítulo que
declara as coisas que estão fora do comércio.
A instituição do bem de família consiste na destinação de um prédio para
domicílio da família, ficando ele isento de responder por dívidas, enquanto forem vivos os
cônjuges e até que os filhos se tornem maiores.
O objeto do bem de família deve ser um prédio ( imóvel rústico ou urbano )
onde a família fixe residência pois a lei justifica-se na intenção de garantir um abrigo a salvo dos
credores.
O efeito principal do bem de família é ficar o bem isento de execução por
dívidas, não podendo ser penhorado, salvo em dois casos: a) por impostos relativos ao mesmo
prédio, porque, sendo ônus reais, são devidos pelo próprio prédio; b) pelas dívidas anteriores à
constituição do bem, pois não se pode beneficiar a família lesando credores.
O prédio instituído em bem de família não poderá ter outro destino senão o
de domicílio desta, pois a finalidade do instituto é dar um abrigo à família. Uma vez constituído
em bem de família, o prédio se torna inalienável, salvo havendo o consentimento dos interessados
e seus representantes legais.
Ao se constituir o bem de família o casal poderá registrar no cartório do
registro de imóveis, dando publicidade a este ato, conforme dispõe o art. 70 CC.
Mas aquele casal que for possuidor de mais de uma residência, a
impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado no devido
cartório.

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Direito Civil

A cláusula de Bem de família somente será eliminada, por mandado do


juiz, a requerimento do instituidor, ou de qualquer interessado, se o prédio deixar de ser domicílio
da família.
O detalhe importante sobre o bem de família é de que ele apenas recai
sobre as pessoas casadas. Os solteiros não podem constituir bem de família.
A lei 8.009, de 29.03.90 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de
família. Tal imóvel não responde por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal,
previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges, ou pelos pais ou pelos filhos que
sejam seus proprietários e nele residam.
A impenhorabilidade recai também sobre os equipamentos, inclusive de
uso profissional, ou móveis que guarneçam a casa, desde que quitados. Mas podem ser
penhorados os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.
A nova lei vai mais além e diz que no caso do imóvel locado, a
impenhorabilidade aplica-se aos bens móveis quitados que guarneçam a residência e que sejam de
propriedade do locatário.
Também estão dispostos no Código de Processo Civil algumas isenções de
penhorabilidade, conforme consta no seu art. 649.

COMPARAÇÃO ENTRE O BEM DE FAMÍLIA E O BEM A QUE SE REFERE A LEI 8.009


FORMA BEM DE FAMÍLIA BENS REFERIDOS NA LEI 8.009
COMO SE
APRESENTA
1) Capacidade 1) Chefe de família; 1) Não há instituição, existe apenas a
para instituir o reserva legal;
bem de 1.A) 1.A) Residência do casal, casados ou
família: não (concubinato) pela lei civil
(art.1º,1ª parte)e da entidade familiar
(art.1º,2ª parte) é impenhorável;
1.B) Filhos solteiros que moram com 1.B) Filhos solteiros que moram com
os pais não podem instituir bem de os pais não podem instituir bem de
família porque não são chefes de família porque não são chefes de
família; família;
1.C) Solteiro que mora sozinho não 1.C) Solteiro que mora sozinho não
pode instituir bem de família; pode instituir bem de família;
1.D) Solteiro que mora com irmãos não 1.D) Solteiro que mora com irmãos não
pode instituir bem de família. O imóvel pode instituir bem de família;
será impenhorável até que todos os
irmãos adquiram a capacidade plena;
1.E) Órfãos, curadores e tutores não 1.E) Órfãos, curadores e tutores não
podem instituir bem de família; podem instituir bem de família;
2) Processos de 2) art. 260 a 265 da lei 6.015/73; 2) Não há instituição; há apenas
instituição reserva legal;
3) Valor do 3) Não há (art.19, lei 6.754/79); 3) Não há limite. Ressalvas: se o
imóvel insolvente muda-se para outro imóvel
mais valioso desfazendo-se da antiga
residência, o juiz pode anular a venda
(art.4º, §1º) e transferir a
impenhorabilidade para a antiga

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Direito Civil

residência;
4) Escolha do 4) A escolha cabe ao chefe de família;4) Ninguém escolhe. Se houver vários
imóvel imóveis utilizados como residência,
será impenhorável o de menor valor;
5) Efeitos da 5.A) Impenhorabilidade-art 70, 2ª 5.A) Impenhorabilidade -art. 1º, §
instituição parte; único;
5.B) Inalienabilidade (art 72); 5.B) é alienável;
6) Extinção da 6.A) Com a morte dos cônjuges ou até 6.A) Não dispõe sobre possibilidade de
impenhorabili- que os filhos atinjam a capacidade morte;
dade plena (art 70);
6.B)ordem judicial (art 21,lei 6.742); 6.B) Por ordem judicial (art. 4º);
6.C) pela não moradia (art.72); 6.C) Pela não moradia (art. 1º)
6.D) Por requerimento dos interessados 6.D) Não há necessidade de
(art. 72); requerimento, pois não há instituição
por ato voluntário;
6.E) Sub-rogação do vínculo; 6.E) Não pode e não precisa da sub-
rogação do vínculo. A reserva legal
incidirá sobre qualquer imóvel que vier
a residir

Fluxograma

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Direito Civil

DOS BENS
objeto do
Direito
( as coisas )

modos de ser da coisas corpóreas


pessoa na e incorpóreas ações humanas
sociedade ( BENS )

uns em quanto à sua


relação aos individualidade
outros relativos aos
respectivos
proprietários
Principais corpóreos fungíveis consumíveis
ou móveis ou divisíveis singulares
ou ou não
incorpóreos imóveis ou indivisíveis ou
infungíveis consumíveis
coletivos
VIDE ABAIXO
Imóveis: Móveis:
a) por natureza a) por natureza
b) por acessão física artificial b) por determinação de lei
Singulares Singulares
c) por acessão intelectual c) fungíveis e infungíveis
simples compostos
d) ope legis d) consumíveis

Acessórios
Uteis

Em relação Benfeitorias
Produtos Frutos
Rendimentos ao solo
Necessárias

Espécies Voluptuárias
Estado

Naturais Industriais Civis Pendentes Colhidos Percebidos

Relativos aos
respectivos Estantes Consumidos Percepiendos
proprietários

Coisas Fora
bens Bens Publicos
do Comércio
particulares

Insuscetíveis Legalmente
uso comum uso especial dominicais
de apropriação inalienáveis

Bem de família

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Direito Civil

3. Dos fatos jurídicos

Até o momento falamos dos dois primeiros elementos do direito subjetivo:


sujeito e objeto. Agora é a vez da fonte ou fator de relação de direito, conhecido como o terceiro e
último elemento do direito subjetivo.
As relações de direito são o efeito jurídico de certas causas que, na teoria
geral do direito civil, tomam o nome de fatos jurídicos.
Toda relação de direito nasce, conserva-se, transfere-se, modifica-se, ou
extingue-se, em virtude de um acontecimento capaz de produzir o seu nascimento, a sua
conservação, a sua transferência, a sua modificação ou a sua extinção. Esse acontecimento recebe
o nome de fato jurídico.
Então temos o seguinte conceito retirado das premissas acima: Fatos
jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais as relações de direito nascem, se
conservam, se transferem, se modificam ou se extinguem.
Segundo Clóvis Bevilacqua os fatos jurídicos se desdobram em duas
espécies: ou são fortuitos ou são ações humanas.
Os fortuitos, que outros autores chamam de fato jurídico natural, acontecem
alheios à vontade humana ou para os quais esta apenas concorre indiretamente, como o
nascimento de uma pessoa, a morte, o decurso de tempo.
As ações humanas desdobram-se em duas categorias. Ou o efeito jurídico
resulta da vontade do agente ( ato jurídico, onde os exemplos podem ser o contrato, testamento,
quitação ) ou o efeito jurídico independe da vontade do agente, mesmo resultando de uma ação ou
omissão sua ( ato ilícito ).
Por outro lado, Washington Monteiro de Barros vê as espécies do fato
jurídico sob outro aspecto, no que tange o ato jurídico ( lícito ) e o ato ilícito, classificando-os
como se fossem separados. Para ele o fato jurídico Lato Sensu pode ser visto sob três aspectos: a)
fato jurídico natural ( alheios à vontade ); b) ato jurídico ( atos voluntários, ações humanas ); c)
ato ilícito.
Os fatos jurídicos são acontecimentos em virtude dos quais nascem,
subsistem e extinguem as relações jurídicas ( Lato Sensu ).
Os fatos jurídicos naturais são de ordem natural, alheios à vontade humana,
ou essa vontade apenas ocorre de modo indireto, como o nascimento ou a maioridade.
O ato jurídico é o acontecimento que ocorre necessariamente preso a uma
manifestação humana, comissiva ou omissiva e essa ação visa a formação de uma relação
jurídica.
Já o ato Ilícito é a ação que não se assenta na vontade de alcançar
legitimamente um fim. Ele tem efeitos jurídicos involuntários.
Portanto, fato jurídico ( Lato Sensu ), é o acontecimento, dependente ou
não da vontade, capaz de produzir consequências jurídicas, completa Washington Monteiro de
Barros.
O importante é que resultando dos fatos jurídicos, os direitos se definem
como faculdades reconhecidas e sancionadas pela lei.
Para melhor compreendermos o fato jurídico é necessário aprofundar um
pouco mais sobre estes direitos definidos acima. Eles podem ser das seguintes espécies: atuais ou
futuros, estes últimos se desdobrando em deferidos e não deferidos. Ainda num desdobramento
dos direitos futuros não deferidos eles podem ser condicionais ou eventuais. Vamos a eles.

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Direito Civil

Atuais são os direitos completamente adquiridos, podendo ser


imediatamente exercidos. Eles estabelecem para o titular uma situação jurídica definitivamente
constituída.
Futuros são os direitos cuja aquisição não se acabou de operar. São aqueles
cujo exercício depende da realização de uma condição ou prazo. Eles podem ser deferidos ou não
deferidos.
Deferidos são os direitos futuros em que sua aquisição depende do arbítrio
do sujeito. É o caso do herdeiro e o legatário, desde a abertura da sucessão até o momento em que
se dá a aceitação. Chama-se direito futuro deferido porque para se tornar atual depende apenas da
vontade deles.
Os não deferidos são os direitos futuros que se subordinam a fatos ou
condições falíveis. É a promessa de recompensa prescrita no art. 1.512 CC. Os direitos futuros
indeferidos ainda se desdobram em condicionais ou eventuais.
Condicionais, quando existe uma cláusula que subordina o efeito do ato
jurídico a um evento futuro e incerto; e eventuais, onde a condição existente para a aquisição não
provém exclusivamente das partes, mas da natureza do direito a que acede, conforme o art. 117
CC.
Continuando, é a vez da aquisição dos direitos. Esta aquisição pode se dar
por ato do adquirente ou por intermédio de outrem, para si ou para terceiros.
A aquisição de direitos se dá de duas formas: originária ou derivada.
Originária quando o direito não tem existência objetiva anterior, ou mesmo
que a tivesse, não houve uma transmissão pelo seu titular. Como a aquisição de propriedade por
ocupação ( usucapião ), apropriação de uma Res nullius.
Derivada é o ato de transmissão por via do qual o direito se transfere do
transmitente para o adquirente. Por sucessão ou por transferência feita pelo titular do direito.
Como exemplo temos a aquisição de direitos por herdeiros, contrato de compra e venda, etc.
A aquisição de direitos derivada se subdivide em: sucessão ( singular,
universal, inter-vivos e causa mortis ); e pela transferência feita pelo titular do direito.
Aquisição por sucessão pode ser:
Singular se o adquirente substitui o antecessor em direitos determinados.
São os casos do comprador e legatário.
Universal se o adquirente substitui o precedente titular na totalidade de seus
direitos ou numa cota ideal deles. É peculiar ao direito de sucessão causa-mortis.
Temos ainda a aquisição por sucessão nos casos de Inter-vivos e Causa-
mortis.
Ainda com referência a aquisição de direitos, o art. 74 CC preceitua no
inciso I, que se adquirem direitos mediante o ato do adquirente, ou por intermédio de outrem. Isto
quer dizer que, para aquisição de um direito, há necessidade de um ato aquisitivo. Somente a
pessoa que tem capacidade de fato pode, por si, adquirir direitos. Não o tendo, far-se-á a
aquisição por intermédio de seu representante legal. Os direitos podem ser adquiridos por
intermédio de outrem através de procuração e mandado.
No inciso II do mesmo artigo, o legislador preceitua que pode uma pessoa
adquirir direitos para si, ou para terceiros. É redundante esse dispositivo pois já foi dito no inciso
I que, se os direitos podem ser adquiridos por ato do adquirente ou por intermédio de outrem, é
lógico que pode ser adquirido para si ou para terceiros.
Ao mesmo tempo este dispositivo legal é deficiente porque, em vários
casos, esta aquisição de direitos pode dar-se sem que seja por ato do adquirente ou por intermédio

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Direito Civil

de outrem. São os direitos adquiridos por prescrição, herança, etc. Eles se integram ao patrimônio
das pessoas pelo próprio fato jurídico de que resultam, sem ato do adquirente ou intermédio de
outrem.
Agora vamos falar da conservação dos Direitos que tem sua base nos arts.
75 e seguintes do CC. Esta conservação é tão importante ao direito que muitos autores chegam a
considerá-la como o quarto elemento do direito subjetivo.
Sem dúvida não pode haver direito subjetivo sem a correspondente
proteção, mas este é um elemento que só se percebe quando o direito é ameaçado ou lesado.
Assim, analisando o direito subjetivo em seu estado de repouso só encontraremos os três
elementos que o constituem nesse estado.
O meio normal para tutelar e fazer respeitar o direito violado, ou ameaçado,
é a ação judicial, por via da qual se recorre à autoridade judiciária competente para restabelecer o
direito violado, ou proteger o ameaçado.
Para propor a ação não basta ter o direito: é necessário ter interesse
legítimo, econômico ou moral.
São condições essenciais para o exercício da ação: a) o direito: é a condição
primária. Não havendo o direito inexistirá a ação, pois esta visa garantir o direito; b) a qualidade:
é a faculdade de estar em juízo. O tutor que ajuíza a ação por seu tutelado, o faz na qualidade de
tutor; c) a capacidade: é a capacidade de fato, aptidão para o exercício da ação ( Legitimatio ad
processum ); d) a pessoa para propor uma ação, deve, antes de tudo ter interesse no objeto da ação
( Legitimatio ad causam ). É preciso que haja identidade entre o direito pleiteado e a pessoa que o
pleiteia. Não é necessário que o interesse seja econômico. Também o interesse moral credencia o
ingresso em juízo, mesmo só autorizando a ação quando tocar diretamente ao autor ou à sua
família.
Agora chegamos à Extinção do Direito. De modo geral, extinguem-se os
direitos quando sobrevem uma causa que lhes elimina algum ou todos os seus elementos
essenciais.
Para que ocorra a extinção do direito pelo perecimento do objeto, é preciso
que seja total esse perecimento. Persistindo da coisa uma parte, o direito persiste sobre essa parte,
bem como sobre o remanescente da coisa destruída e, ainda, sobre os acessórios.
O inciso I do art. 78 CC refere-se às qualidades essenciais do objeto. Se a
coisa se tornar imprestável para o fim a que se destinava é considerada perda total ou destruição
total. Pequena modificação ocorrida na coisa pode levá-la a perder seu valor econômico e, assim,
ser considerada perecida.
Seguindo, no inciso II fala-se em confusão da coisa com outra. Como
exemplo temos a confusão, a comissão ( mistura ) e a adjunção ( arts. 615, 616 e 617 CC ).
O inciso III refere-se a lugar inacessível. Vindo a coisa a situar-se em lugar
inacessível, desaparece o direito sobre ela. Como uma jóia que vem a cair em alto mar.
Se o perecimento da coisa pode ser atribuído a alguém, este alguém será
responsável pelos prejuízos que o dono sofreu e, como consequência, terá o dono a competente
ação de perdas e danos contra o culpado, para haver a indenização a que ficou com direito. É que
aquele que, sem motivo escusável, causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano, na
forma da regra estabelecida no art. 159 CC.
Da mesma forma, responderá pelos prejuízos, perante o dono da coisa,
aquele que, incumbido da sua conservação, deixou-a perecer por negligência. Também contra este
tem o dono ação de perdas e danos.

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Direito Civil

Podem achar-se nessa situação os tutores, curadores, usufrutários,


comodatários, depositários e mandatários, a quem incumbe a conservação dos bens alheios e a
obrigação de os restituir.
Se, porém, o culpado pelo prejuízo foi um terceiro, que não incumbido da
conservação da coisa, terá este ação regressiva contra aquele para haver o que, por culpa dele, foi
obrigado a pagar.
O detalhe é que não será considerado ato ilícito o perecimento da coisa em
consequência de legítima defesa ou do estado de necessidade, ficando, no entanto, obrigado a
ressarcir o dano causado.
Extinguem-se também os direitos pela renúncia, pelos prazos extintivos,
pela prescrição, pela confusão ( quando as qualidades de credor e devedor se reúnem na mesma
pessoa ) e ainda nos casos especiais estabelecidos na parte especial do código onde fala-se sobre a
perda da propriedade imóvel ( Arts. 589 e 590 CC ), resolução do domínio ( art. 647 CC ),
extinção das servidões ( arts 708 a 710 CC ) e a hipoteca ( arts. 849 a 851 CC ), dentre outras.
Recapitulando, o fato jurídico no sentido lato sensu é visto sob três
aspectos: fato jurídico natural, ato jurídico e ato ilícito.
Sobre o fato jurídico natural nós já esgotamos o assunto. Agora é a vez do
ato jurídico.
Conceituando ato jurídico podemos dizer que é todo ato lícito que tem por
fim imediato, adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. Portanto, é a
manifestação lícita da vontade, tendo por fim imediato produzir um efeito jurídico. Como já foi
dito, esta manifestação da vontade pode compreender a aquisição ( compra de uma casa ), a
conservação ( protesto para interrupção da prescrição ), a transferência ( cessão de um crédito ), a
modificação ( novação de um contrato ), ou a extinção de direitos (quitação ).
Sempre que o efeito jurídico resulta imediatamente da manifestação lícita
da vontade do agente, temos um ato jurídico.
A característica primordial do ato jurídico é ser um ato de vontade; a
segunda é ser lícito, isto é, fundado em direito; e a terceira é a imediatez, a imediatividade é o
efeito jurídico almejado.
Vamos abordar o ato Jurídico quanto aos seus elementos. Eles podem ser
essenciais ( subdividindo-se em gerais e particulares ), naturais ou acidentais:
a) Essenciais: dão estrutura ao ato, formam-lhe a substância e sem os quais
o ato não existe. Dividem-se em gerais e particulares.
Gerais: comuns a todos os atos ( agente capaz, objeto lícito, consentimento
- o ato jurídico é ato voluntário. Sem o elemento psicológico do concurso de vontade, o ato não se
completa )
Particulares: peculiares a determinada espécie ( forma )
b) Naturais: são as consequências que decorrem do próprio ato e já estão
previstas em lei. Como exemplo temos os vícios redibitórios no art. 1.101 CC.
c) Acidentais: são condições facultativas que podem ou não ser estipuladas.
Adicionam-se ao ato para modificar-lhe uma ou algumas de suas consequências naturais. É o
modo, prazo de entrega, embalagem, meio de transporte.
O ato jurídico deve ser classificado de várias formas. Quanto ao tempo em
que devam produzir efeitos, quanto às vantagens, quanto à manifestação da vontade, quanto à
solenidade, quanto à equivalência e quanto à relação de uns com os outros. Vamos a eles:

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1) Quanto ao tempo em que devam produzir os efeitos podem ser inter-


vivos ou causa mortis. Os inter-vivos produzem efeitos em vida como a compra e venda. A
causa-mortis somente produzirá efeito após a morte do declarante.É o testamento.
2) Quanto às vantagens podem ser onerosos ou gratuitos. Onerosos quando
houver direitos e obrigações recíprocos como a compra e venda. Gratuitos quando atribuem
vantagens ao beneficiário sem lhe impor obrigações. É a doação, o testamento ou o
reconhecimento de filho.
3) Quanto à manifestação da vontade o ato jurídico pode ser unilateral ou
bilateral que se subdivide em simples ou sinalagmático. É unilateral quando há manifestações de
uma só das partes ou mais de uma na mesma direção ( renúncia ). Bilateral é a declaração da
vontade feita por duas ou mais pessoas no sentido oposto, como um contrato de compra e venda.
Se divide em simples ( quando há ônus para uma parte e benefício para outra, na doação,
comodato, por exemplo ) e sinalagmático ( quando há ônus e direitos para todas as partes, que é o
caso, por exemplo da compra e venda );
4) Quanto à solenidade eles podem ser solenes ou não. Os solenes estão
previstos em lei e havendo um ritual ou uma forma a serem obedecidas, como o casamento. Nos
não solenes não há forma nem solenidade previstas. Ex: compra e venda de imóveis.
5) Quanto à equivalência temos os comutativos e os aleatórios. São
comutativos quando há equivalência de direitos e obrigações. De novo o exemplo é a compra e
venda. Já nos aleatórios as prestações não são equivalentes e dependem de um fato futuro e
incerto. O melhor exemplo é um contrato de seguro.
6) Quanto à relação de uns com os outros eles são principais ou acessórios.
Principais se subsistem por sí mesmos, como o empréstimo de dinheiro. E acessórios dependem
de outros, onde encontramos a hipoteca, o penhor, a anticrese.
Para ser válido, é preciso que reúna três requisitos: a) Agente Capaz:
pessoa dotada de consciência e vontade e reconhecida pela lei como apta a exercer todos os atos
da vida civil - capacidade de fato. O ato praticado por pessoa absolutamente incapaz será nulo de
pleno direito. Eles podem praticar atos jurídicos desde que representados por seu tutor ou
curador. Se se tratar de relativamente incapaz, o representante deverá apenas assistí-lo na prática
do ato. Se não tiver essa assistência, o ato será anulável; b) Ato Lícito: o direito só dá eficácia à
vontade humana quando ele procura alcançar objetivos não contrários à moral e aos costumes ou
à lei, como convenção relativa a casas de prostituição; ou negócios fisicamente impossíveis (
viagem até o centro da terra ); e ainda a prestação juridicamente impossível quando não há
possibilidade jurídica de cumprimento da obrigação. ( herança de pessoa viva ); c) Forma
prescrita ou não defesa em lei: de modo geral, o ato jurídico não precisa de forma especial. Por
exceção, a lei exige, às vezes, determinada forma, que, não sendo observadas, acarreta a nulidade
do ato. Outras vezes a inobservância não acarreta nulidade, mas outra sanção entre as partes. O
casamento e o testamento são atos solenes que não valem sem a forma que a lei lhes prescreve,
por exemplo.
Então vimos que, sendo a capacidade do agente condição essencial para a
validade do ato jurídico, a intervenção do incapaz tornará o ato nulo ou anulável, conforme se
trate de absolutamente incapaz ou de relativamente incapaz, respectivamente. Se, num contrato
bilateral, uma das partes for capaz e a outra incapaz, aquela não pode invocar a incapacidade
desta para anular o ato, porque devia saber com quem estava contratando. Só o incapaz, por meio
de seu representante, pode invocar a nulidade.
Se o objeto for indivisível a incapacidade acarretará a nulidade de todo o
ato, pois não pode separar o interesse das partes, ainda que invocada pela parte capaz. Só é

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considerada a incapacidade relativa, levando-se em conta que o ato jurídico praticado por
absolutamente incapaz é nulo de pleno direito. O juiz não pode suprir essa nulidade, nem mesmo
se as partes o pedirem, devendo declará-la ex-officio.
Por fim, na interpretação do ato jurídico deve-se atender mais à intenção do
agente do que ao sentido literal da linguagem.
A vontade é que forma a parte essencial do ato jurídico. Esta resulta da
manifestação da vontade e, portanto, para bem interpretar-se um ato jurídico, deve-se procurar
conhecer qual a intenção da pessoa quando manifestou a sua vontade.

Equação do Ato Jurídico


NULOS ANULÁVEIS
Ato Jurídico agente capaz + objeto lícito + vontade + declaração +
forma prescrita e não defesa resultado
em lei

3.1. Dos defeitos dos atos jurídicos

Inicialmente vamos nortear nosso estudo sobre os defeitos dos atos


jurídicos. O defeito do ato jurídico se apresenta através do erro ou ignorância, do dolo, da coação,
da simulação e também através da fraude contra credores.
Sabemos que a vontade é que constitui a substância do ato jurídico e essa
vontade se exterioriza através de uma manifestação, que deve corresponder à vontade real do
agente. Essa vontade, que representa o elemento essencial de todo ato jurídico, pode ser maculada
por certos vícios a ponto de esta manifestação não corresponder à vontade real do agente. Quando
isso ocorre, o vício atinge o ato jurídico e o torna anulável.
O erro ou ignorância, o dolo e a coação são vícios da vontade que
contaminam o ato jurídico.
Noutras circunstâncias a manifestação da vontade encobre uma intenção
diferente, que visa a prejudicar o direito de alguém, ou fugir às prescrições da lei. Em tais casos a
vontade fica juridicamente viciada, porque a boa-fé e a honestidade são pressupostos de uma
vontade real, no sentido jurídico da expressão. Também neste caso o vício atinge os atos
jurídicos, tornando-os anuláveis.
Então a simulação e a fraude contra credores são, por isso, consideradas
como vícios intencionais que contaminam o ato jurídico.
Três situações podem ocorrer para a ineficácia do ato: 1º) a vontade não ter
existido; 2º) a vontade tenha existido, pois o interessado desejou realmente praticar o ato, mas a
sua “vontade” estava contaminada por um dos vícios de consentimento; 3º) a vontade existe e
funciona normalmente, porém, desvia-se da lei ou boa fé e orienta-se no sentido de prejudicar
terceiros ou infringir o direito.
Na primeira e segunda situação observa-se atuação direta na vontade,
ocorrendo vícios no consentimento ou ainda oposição entre o propósito íntimo do agente e sua
expressão verbal ou escrita. Na terceira situação, vícios sociais comprometem também a ordem
jurídica pela deliberada afronta à lisura e à honestidade mais comum devido a “insuficiência
mental” da maioria dos homens.
Agora vamos nos aprofundar um pouco mais sobre os defeitos dos atos
jurídicos. O primeiro a ser estudado é o erro ou ignorância, prescrito nos arts. 86 a 91 CC.

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Erro é a noção falsa das coisas: crer falso o que é verdadeiro e verdadeiro o
que é falso.
Ignorância é a ausência de qualquer noção, isto é, completo
desconhecimento a respeito do que se trata.
Na ignorância não se sabe e no erro crê saber mas se engana. Em ambas as
situações, o sujeito pratica um ato que não praticaria ou praticaria de outro modo se estivesse
esclarecido.
Dispõe o art. 86 CC que, para que o erro ou ignorância torne defeituoso e,
portanto, anulável o ato jurídico é necessário que ele seja substancial.
Existem dois graus de erro, que tanto pode ser substancial quanto acidental.
O erro substancial, também conhecido como essencial, é o que sem ele o
ato não se realizaria. É aquele que foi a determinante do ato ou a sua condição.
O erro substancial pode revestir-se de várias modalidades, conforme se
refira à natureza do ato, ao objeto principal da declaração, à qualidade essencial ao objeto do ato e
à qualidade da pessoa a quem se refira a declaração da vontade. Estas modalidades estão
indicadas nos artigos 87 e 88 CC.
Cada modalidade referida acima tem o seu aspecto característico, que
precisa ser conhecido.
Primeiro sobre a natureza do ato. Dá-se erro sobre a natureza do ato,
quando se tem a intenção de celebrar um e realiza-se outro. É o erro sobre o próprio negócio.
Como um contrato de venda na suposição de que era locação ou alguém que empresta um objeto
e o outro recebe como doação. Aqui a própria natureza do ato é alterada já que a pessoa que errou
entendia realizar um ato diferente daquele que declarou consentir.
Agora sobre o objeto principal da declaração. Este erro ocorre sobre o
objeto principal da declaração quando o próprio corpo da coisa não é aquele que o agente tinha
em mente, isto é, quando não se verifica a identidade entre o objeto do ato e aquele que o agente
supunha que devia ser. Como exemplo temos alguém que vende o prédio sem elevador quando o
comprador supunha ser um prédio com elevador, ou a compra de um carro de 16 válvulas que tem
apenas 8.
O erro sobre a qualidade essencial ao objeto do ato pode referir-se ao seu
valor intrínseco, ao seu valor artístico, ao seu valor histórico, ao seu valor econômico, ao seu
valor de estimação. Qualquer desses valores pode ser considerado como qualidade essencial do
objeto do ato jurídico, com exclusão dos demais. A qualidade essencial, em cada caso, será
aquela que o agente tinha em vista, principalmente, quando deu o seu consentimento e sem o qual
ele não teria celebrado o contrato. Depende de provar-se a intenção do agente quando celebrou o
ato, como a compra de um quadro supondo ser o original, quando é cópia, ou a compra de lã
sintética pensando ser lã animal.
O erro sobre a qualidade da pessoa a quem se refira. A declaração da
vontade só se refere àqueles atos em que a própria pessoa da outra parte teve consideração
especial para a declaração de vontade. Realmente, em geral, o erro sobre a pessoa é indiferente
nos contratos. Excepcionalmente, porém, em certos atos jurídicos, a declaração de vontade é feita
em consideração da pessoa, atendendo-se a qualidades que ela apresenta. Assim, por exemplo, no
casamento, em que a declaração de vontade dos nubentes se refere diretamente à pessoa, na
sucessão testamentária, no contrato de sociedade, no contrato oneroso tendo por objeto ato
infungível, doação, dote, etc.
Não basta que o erro seja substancial. É necessário que ele seja escusável e
real. Para que se possa arguir erro são seus requisitos:

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1) ser escusável, quer dizer, ter por fundamento uma razão plausível ou ser
tal que uma pessoa de inteligência comum e atenção ordinária o possa cometer;
2) ser real, quer dizer, não recair sob meras qualificações, ou, como diz o
art. 91 CC, sobre indicação da pessoa ou da coisa, quando uma e outra se podem identificar.
Antes de prosseguirmos devemos nos ater para os conceitos de erro de fato
e erro de direito, pois, além dos vários casos de erros que já falamos ( sobre a natureza do ato,
sobre o objeto principal da declaração, sobre a qualidade essencial ao objeto e sobre a qualidade
da pessoa ), existe um outro, que é a falsa causa.
O erro de fato recai sobre circunstâncias do fato, onde a qualidade essencial
da pessoa ou da coisa influi sobre a eficácia da vontade.
Já o erro de direito diz respeito à existência de Norma jurídica. É supor que
lei revogada ainda está em vigor, por exemplo. O erro de direito refere-se a capacidade do agente
e não atinge a vontade. Mesmo porquê “ninguém se escusa alegando ignorar a lei”.
Então chegamos à Falsa Causa que assim dispõe o art. 90, CC: ”Só vicia o
ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob forma de condição”. Vê-se
logo que o artigo faz menção à uma falsa causa, que so viciará o ato jurídico quando vier expressa
como razão determinante dele ou sob forma de condição.
A causa dos atos jurídicos tem dois sentidos diferentes.
Num sentido a causa se confunde com o próprio objeto da obrigação, é o
fim visado pela parte ao realizar o negócio jurídico e, portanto, é parte constitutiva do ato.
Noutro sentido a causa significa os motivos do ato jurídico, isto é, certas
razões estranhas ao objeto do ato, que induzem o agente a realizá-lo.
Vamos analisar uma compra e venda sob o aspecto de seus sujeitos:
comprador vendedor
causa ( próprio objeto ) ter o dinheiro receber a coisa
causa vários - empregar capital, vários - vai mudar, precisa de
( motivo do ato jurídico ) negociar, morar, alugar, dinheiro
demolir, etc.
Nosso código civil é anti-causalista. Por isso, no Direito brasileiro a causa
não é de relevante interesse, por confundir-se com o próprio ato. A causa, como motivo, não é
considerada, não tendo importância para a validade do ato jurídico. A não ser quando conste
expressamente do ato como sua razão determinante, ou indicada sob forma de condição.
Nestas duas hipóteses acima, verificando-se que a causa é falsa, ou melhor,
que o agente incidiu em erro, o ato jurídico será anulável.
Mas, se a vontade declarada está viciada por erro, as consequências são as
mesmas, quer se trate de declaração direta, quer se trate de declaração interposta pessoa (
mensageiro, intermediário, corretor ), ou por instrumento ( telefone, fax, telex ). O que importa é
a prova do erro, que, constituindo um defeito do ato jurídico, o torna anulável. É o que está
prescrito no art. 89 CC.
A prova do erro é de quem alega e só pode ser alegado por aquele que
aproveita. Por ser de ordem subjetiva muitas vezes não tem prova direta, podendo ser provado
inclusive através de testemunhas. Até a sentença contra ou a favor prevalece o ato jurídico
praticado.
Próximos de encerrarmos o estudo do erro ou ignorância, vamos ao erro
acidental.
O erro acidental é um erro leve, que não chega a contaminar o ato jurídico.
O erro será acidental quando recair sobre qualidades secundárias do objeto; sobre o motivo do

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ato, quando não determinante dele; sobre a indicação da pessoa ou de coisa que possam ser
identificadas.
Comparando, o erro substancial traz como consequência a anulabilidade do
ato jurídico; e o erro acidental, não. O erro acidental não atinge o próprio ato, porque, não
alterando a vontade real na sua substância, não há que falar na sua anulação, por erro.
Para findarmos o estudo do erro vamos analisá-lo em relação aos vícios
redibitórios. Vícios redibitórios são defeitos ocultos da coisa, que a tornam imprópria ao uso a
que é destinada, ou lhe diminuem o valor. Os vícios redibitórios, porém, constituem uma
aplicação especial da teoria do erro nos atos jurídicos e exigem normas próprias para a sua
solução. Por isso os vícios redibitórios são regulados na parte especial do nosso código civil, nos
arts. l.l01 a 1.106 CC.
Vamos tratar agora de outro defeito dos atos jurídicos, que se denomina
dolo.
O dolo pode ser passivo ou ativo.
Dolo é o artifício malicioso ou a manobra fraudulenta empregada para
enganar uma pessoa e levá-la a praticar uma ação, que, sem isso, não praticaria. Este é o dolo
ativo.
No dolo passivo ocorre uma omissão dolosa.
Pelo conceito de dolo, este induz sempre a pessoa a um erro, mas, nesta
hipótese, não é o erro por si mesmo que vicia o ato jurídico e, sim, a sua causa, o próprio dolo,
porque o artifício malicioso ou a manobra fraudulenta, ou a omissão dolosa que causou o erro,
tem um efeito muito mais amplo sobre a eficácia do ato jurídico.
No erro a idéia falsa é do agente; no dolo, é uma elaboração da malícia
alheia.
A substância do dolo é a má-fé, que transpira no artifício malicioso, na
manobra fraudulenta, ou na omissão intencional.
O dolo distingue-se em dolo principal e dolo acidental.
O dolo principal, também chamado de dolo essencial, ou determinante, ou
causal, é aquele que foi a causa do ato jurídico, ou que, sem ele, o contrato não teria celebrado,
quer dizer, é aquele que foi a causa determinante do ato.
A consequência do dolo principal é tornar anuláveis os atos jurídicos por
ele contaminados.
O dolo principal pode verificar-se em ambas as modalidades de dolo, tanto
no ativo, como no passivo.
A anulação do ato jurídico, por dolo, está subordinado a condições que
resultam do próprio conceito de dolo e das circunstâncias em que ele se pode verificar. São
condições de rescisão:
I) que o dolo seja causa do ato, isto é, que a pessoa tenha sido levada a
praticar o ato por efeito do artifício malicioso ou da manobra fraudulenta e, portanto, se não fosse
o engano em que caiu, não teria celebrado o ato;
II) que o artifício malicioso ou as manobras fraudulentas sejam obra do
contraente. Em regra assim acontece; mas, às vezes, o dolo poderá ser do representante de uma
das partes, ou mesmo de terceiros;
a) quando for do representante, o representado responderá civilmente, mas
até a importância do proveito que obteve, conforme o art. 96 CC;
b) quando o dolo for de estranho, de terceiro, atingirá o ato jurídico se uma
das partes, tendo conhecimento dele, não avisou à outra. É que, neste caso, a parte que soube

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aceitou a maquinação e aí tornou-se cúmplice, maculando o ato jurídico. Se o dolo de terceiros é


completamente ignorado pela parte beneficiada torna-se válido o ato e este terceiro responde
pelas perdas e danos. O representante, que tanto pode ser o procurador, o pai, o tutor, o curador
ou até o síndico de uma falência, também responde civilmente pelos prejuízos da vítima, mas tem
direito de regresso, se não estava com esse macomunado. Se estava, responde até a importância
do lucro que teve;
III) Que o artifício malicioso ou as manobras fraudulentas sejam tais que
possam iludir a uma pessoa sensata que cuida de seus negócios com atenção. O dolo não se
presume, mas a sua prova poderá ser feita por todos os meios admitidos em direito, inclusive por
presunções. De um conjunto de fatos pode-se deduzir, claramente, a má intenção de um agente e,
pois, pode-se verificar se tais fatos eram capazes de iludir a uma pessoa medianamente sensata;
IV) Que não haja uma compensação de dolos, isto é, que não hajam ambas
as partes procedido com dolo. O intuito da lei é proteger a boa-fé. Quando as duas partes agiram
maliciosamente não há o que defender. É o que está escrito no art. 97 CC.
Estas quatro condições acima levam à anulação do ato jurídico, porque
revelam a existência do dolo principal. E como o dolo é ato ilícito, acarreta também a reparação
do dano causado.
A torpeza bilateral, que está disposta no art. 97 CC diz que nenhuma das
partes pode invocá-la em seu benefício, com exceção da plantação em terreno alheio (art. 548 CC
).
O dolo pode contaminar todo e qualquer ato jurídico excluindo o
matrimônio.
Prova-se o dolo através de indícios e circunstâncias. O ônus da prova cabe
a quem alega e pode ser provado por testemunha.
Como dissemos no início do dolo, ele se divide em dolo principal e dolo
acidental. Até então falamos sobre o dolo principal. Agora vamos ao dolo acidental.
Dolo acidental é aquele que, a seu despeito, o ato se teria praticado, embora
por outro modo. Ele não é causa do contrato, mas pode alterar o seu modo de realização.
A consequência do dolo acidental é que ele só obriga à satisfação das
perdas e danos. O ato jurídico sobrevive; não é atingido em sua eficácia. O dolo acidental e seu
efeito são tratados no art. 93 CC.
A coação é outro defeito dos atos jurídicos, que os torna anuláveis.
Cumpre, porém, distinguir a coação física da coação moral.
Coação é constrangimento, é imposição, é violência. É a pressão física ou
moral exercida sobre alguém para induzí-lo à prática de um ato.
A coação deve ser encarada sob dois aspectos: absolutamente intrínseco e
absolutamente extrínseco. Absolutamente intrínseco é o estado de espírito em que o agente,
perdendo a energia moral e a espontaneidade do querer, realiza o ato que lhe é exigido.
Absolutamente extrínseco é a violência física ou moral exercida sobre a pessoa para constrangê-la
à prática do ato.
A coação poderá ser causada pela força, ou pela ameaça, ou intimidação.
A coação pela força é o constrangimento físico, o constrangimento
corpóreo, que reduz a pessoa a instrumento passivo do ato, fazendo, portanto, desaparecer a
vontade. A coação física foi chamada de vis absoluta pelos romanos.
A coação pela ameaça ou intimidação é o constrangimento moral, que abate
o espírito da pessoa e anula a sua energia moral, de modo a cercear-lhe a livre manifestação da

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vontade, ficando esta subordinada ao temor consequente da ameaça ou intimidação. A coação


moral recebeu dos romanos o nome de vis compulsiva.
A coação física anula por completo e radicalmente o ato jurídico, porque
falta a ele a sua própria substância, que é a vontade do agente. Então, nem precisamos nos ocupar
desta forma de coação porque não se trata de um simples defeito dos atos jurídicos, mas uma
causa que impede a sua constituição.
A coação, defeito dos atos jurídicos, é a coação moral que atua sobre o
espírito da pessoa, desvirtuando-lhe a vontade.
Sabemos que a vontade é a essência dos atos jurídicos e deve ser
livremente manifestada. Na vis absoluta não há vontade; na vis compulsiva a vontade fica
viciada, pois subordina-se ao temor causado pela ameaça ou intimidação.
Assim, podemos conceituar a coação como defeito dos atos jurídicos como
sendo o constrangimento exercido sobre o espírito de uma pessoa para extorquir o consentimento.
A anulação de um ato jurídico pelo defeito de coação está subordinada a
certas condições que a própria lei estabelece. É no desdobramento do art. 98 CC que
encontraremos as condições de anulação do ato. A coação há de ser tal, que incuta, ao paciente,
fundado temor de dano, dano iminente e, finalmente, igual, pelo menos, ao receável do ato
extorquido.
Vamos compreender melhor estas condições:
I) a coação há de ser tal que incuta... Ora, não se trata de qualquer ameaça
ou intimidação. É preciso que ela tenha o poder de impressionar, ser grave a tal ponto que venha
prejudicar o paciente, seus bens, sua família e, principalmente, o coloque em tal situação que não
possa evitar os danos, senão aquiescendo às injunções do coator. Vamos esclarecer melhor a
ameaça e a intimidação.
a) a gravidade da ameaça ou intimidação deve ser apreciada de acordo com
as circunstâncias personalíssimas do paciente. Para que haja coação é preciso que o paciente se
encontre em situação grave, senão na realidade, ao menos na aparência, ou no modo de ele
compreender a situação.
b) essa ameaça ou intimidação deve ser injusta. O detalhe é que se for feita
no exercício normal de um direito não teremos a coação. É o caso do credor que ameaça o seu
devedor com a execução do crédito na intenção de haver o seu pagamento. Aí o credor está no
exercício regular do direito e, se o devedor, para livrar-se da execução, faz uma dação em
pagamento, ou qualquer outro negócio jurídico para solver a obrigação, não poderá pretender
anulá-lo por coação. Para que assim se dê, é necessário que o exercício seja normal; se for
anormal, será abuso de direito e poderá constituir coação. Da mesma forma, o simples temor
reverencial não é considerado como coação. O temor reverencial deverá vir acompanhado de
ameaças, para que surja a figura da coação.
II) fundado temor de dano. Da ameaça ou intimidação grave, deve resultar
para o paciente fundado temor de dano, ou seja, deve dar-lhe, ao menos subjetivamente, a
impressão fundada de uma situação insuperável, de maneira que a sua resistência acarrete dano à
sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Esse fundado temor é que constitui propriamente a
coação, porque é ele que subtrai a energia moral do agente, enfraquecendo-lhe a liberdade de
querer, para arrastar-lhe às injunções do coator.
III) dano iminente. O dano temido deve ser iminente, quer dizer, deve ser
esperado a cada momento, sem poder ser evitado com os recursos ordinários. Em geral, a
iminência do dano depende do coator, isto é, ele é que tem em suas mãos os elementos
necessários para desfechar o golpe, ou faz constar isso, para extorquir o consentimento do

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paciente. Essa possibilidade de sofrer um mal, de um momento para outro é que constitui o dano
iminente.
IV) dano igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido. Além de
iminente o dano, nosso código indica ainda que ele deverá ser, pelo menos, igual ao receável do
ato extorquido. Na apreciação desse requisito, o juiz deve ter autonomia larga e não encará-lo
literalmente, para não ser levado à prática de injustiças, que poderiam anular legítimos interesses
do direito.
Com esses quatro requisitos, assim entendidos, temos caracterizada a
coação moral, vis compulsiva, e possibilita-se a consequência que a lei lhe marca.
Esta consequência principal é a anulabilidade do ato jurídico, pois vicia o
consentimento e aniquila a espontaneidade da determinação.
O ato jurídico celebrado sob coação é anulável, quer a coação proceda de
uma das partes, quer de terceiro.
Com relação às perdas e danos, porém, o efeito varia, quando a coação
provier de terceiro.
Se a parte a quem aproveita a coação soube dela previamente, responderá,
solidariamente, com o terceiro, por todas as perdas e danos. É que ambos procederam contra o
direito.
Se a parte é inocente no constrangimento sofrido pela outra, só o terceiro
responderá pelas perdas e danos, porque só seu foi o procedimento injusto. É o que preceitua o
art. 101 CC.
A coação distingue-se nitidamente do dolo. No ato celebrado por dolo a
vontade do agente manifesta-se realmente, embora obtida por artifício malicioso ou manobra
fraudulenta. No ato celebrado sob coação, a vontade do agente não é real, porque é manifestada
sob a pressão de um temor, que lhe tira a liberdade de querer. No dolo acontece a violência
psíquica que atua sobre a inteligência da vítima. A coação é a violência que atua diretamente
sobre a sua liberdade atingindo a vontade do agente.
A simulação é outro defeito que pode atingir os atos jurídicos.
Diferentemente dos defeitos anteriores, na simulação não há, propriamente, vício da vontade, mas
um disfarce ou ocultação intencional da vontade, que dá ao ato aparência diversa da realidade.
Na linguagem corrente, simular significa fazer aparecer o que não é,
mostrar uma coisa que realmente não existe. No direito penal fala-se em simulação de crime
quando, para enganar a justiça, se faz acreditar na realização de um delito que não teve existência.
Confunde-se também simular com dissimular. Na simulação se faz parecer
aquilo que não existe, na dissimulação oculta-se o que é. Uma provoca a crença falsa num estado
não real, a outra oculta ao conhecimento dos outros uma situação inexistente.
O conceito mais encontrado entre os doutrinadores diz que simulação é a
declaração de um conteúdo de vontade não real, emitida conscientemente e por acordo entre as
partes, para produzir, com o fim de enganar, a aparência de um negócio jurídico que não existe ou
é diferente daquele que se realizou.
A simulação tem suas espécies e poderá verificar-se por três modos
diferentes: por interposição de pessoa, por ocultação do caráter do ato jurídico e por falsidade nas
datas. Vamos dilapidá-las:
I) por interposição de pessoa. Da-se a simulação por interposição da pessoa
quando, no ato jurídico, aparece, como uma das partes, alguém a quem se confere ou se transmite
um direito, mas, na realidade, esse alguém apenas encobre outro, a quem, na verdade, é conferido
ou transmitido o direito de que se trata. Esse alguém que aparece para encobrir o verdadeiro

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outorgado é que se chama a interposta pessoa, que tem como função o mero artifício. Essa
interposta pessoa poderá funcionar de dois modos diferentes: ou serve ficticiamente de parte,
representando secreta e reservadamente, a pessoa a quem, na verdade é conferido ou transmitido
o direito; ou aparece como parte real, mas com o compromisso secreto de conferir ou transmitir o
direito que recebe a outrem. Na primeira situação temos como exemplo a doação para um
membro de uma congregação religiosa destinada a esta. Na segunda situação temos a venda que
um ascendente faz a um terceiro para que este transmita a coisa a um descendente, por faltar o
consentimento dos demais descendentes.
II) ocultação do caráter do ato jurídico. Esta modalidade se verificará
quando o ato juridico contiver declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira. Daí
resulta uma ocultação da exata natureza do ato jurídico. É o caso de alguém fazer uma venda para
mascarar uma doação, ou até aquele que confessa uma dívida para prejudicar outros credores, etc.
III) falsidade nas datas. Esta terceira hipótese diz respeito aos documentos
particulares e só é possível nos atos inter vivos. Quando, num instrumento particular, se apõe uma
data anterior ou posterior àquela em que se realizou o ato que o documento revela e comprova,
verifica-se, no fato, uma simulação, porque a data constante do documento não é aquela em que o
mesmo foi assinado. O simples fato de alguém ter interesse em ocultar a verdadeira data do
instrumento particular, antedatando-o ou posdatando-o, já revela uma intenção desconforme com
a verdade, que torna suspeito o documento.
Estas três espécies de simulação estão previstas em nosso código civil no
art. 102.
Porém, quando, em qualquer dessas espécies de simulação não houver a
intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei, a simulação não será
considerada defeito e, portanto, o ato não será inquinado de anulabilidade. É o que se chama de
simulação inocente. Esta disposição está prevista no art. 103 CC.
Por outro lado, havendo o intuito de prejudicar a terceiros, ou de infringir
preceito de lei, a simulação será maliciosa e equivalente ao dolo. Como consequência, o ato será
anulável e os participantes dela nada poderão alegar em juízo contra o outro, ou contra terceiros,
quando em litígio sobre a simulação. É o que estatui o art. 104 CC.
Poderão alegar e pedir a nulidade dos atos simulados os terceiros por eles
prejudicados e os representantes do poder público, em defesa de lei ou da fazenda.
Todos quantos sejam prejudicados com a simulação, credores, ou quaisquer
outros, seus sucessores, ou cônjuge, serão considerados terceiros para os efeitos da anulação.
A simulação pode ser alegada em matéria de defesa e em embargos à
execução e prescreve em quatro anos.
A simulação e o dolo se assemelham no comum pensamento da fraude.
Distinguem-se, porém, porque no dolo uma das partes age contra a outra; na simulação, a obra é
de ambos os contratantes, com a intenção de lesar um terceiro.
A fraude contra credores é, finalmente, um outro defeito dos atos jurídicos,
que os torna anuláveis.
Nesta hipótese, porém, não existe um vício da vontade pela discordância
entre a vontade declarada e a vontade real do agente, contaminando por isso o ato jurídico.
Na fraude contra credores o ato jurídico é verdadeiro, mas a consequência
dele é prejudicar aos credores que o realizam. Fraude, como é empregado neste caso, é todo ato
prejudicial ao credor, por tornar o devedor insolvente ou ter praticado em estado de insolvência.

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Na verdade, o patrimônio da pessoa, ou seus bens, são a garantia geral dos


credores; e o risco que estes correm é o da insolvência do devedor, isto é, de ficar este sem bens
que garantam o pagamento das dívidas.
Ora, se o devedor dispõe dos seus bens, tornando-se insolvente, de maneira
que não possa pagar aos seus credores, o ato jurídico que leva a essa situação exprime uma fraude
contra os credores, por subtrair-lhes a garantia que teriam para o seu pagamento, se este não fosse
feito voluntariamente.
De tais atos, portanto, resulta um prejuízo para os credores daqueles que os
praticam, tornando-se, em consequência, esses atos defeituosos e passíveis de anulação.
A fonte histórica donde procede a anulabilidade dos atos fraudulentos do
devedor vem de Roma, mais precisamente do Pretor Paulus. Daí resultou a chamada ação
pauliana, também conhecida em nosso meio como ação revogatória. Esta ação facultou ao credor
fazer revogar os atos fraudulentos praticados pelo seu devedor.
O fundamento da ação pauliana é o direito de penhor geral dos credores
sobre todos os bens do devedor. Praticando este um ato que o leva à insolvabilidade, ou aumente
a insolvabilidade preexistente, resulta daí o prejuízo dos credores que é a causa determinante da
ação.
A ação pauliana não é uma simples medida conservatória de direitos; é,
também, um ato preliminar de execução. Determinando ela a reintegração do patrimônio do
devedor, pela volta dos bens ou direitos alienados ou remidos em fraude, sobre eles deverá recair
a execução dos credores.
Pelo que já foi abordado até o momento ficou fácil concluir-se que são atos
fraudulentos todos os que sejam prejudiciais ao credor, quer por tornarem o devedor insolvente,
quer por terem sido praticados em estado de insolvência.
Falamos bastante sobre o insolvente. Quem é esta figura no direito?
Insolvente é o devedor cujos haveres são menores do que as suas dívidas.
São considerados fraudulentos e, portanto, passíveis de anulação, os
seguintes atos jurídicos:
I) No art. 106 CC estão indicados os primeiros atos considerados
fraudulentos: são os atos gratuitos, isto é, aqueles em que somente uma das partes lucra, os quais
se desdobram em duas modalidades: os de transmissão, compreendendo as doações, o repúdio da
herança deferida, a renúncia de qualquer direito já adquirido, e a remissão das dívidas, que
compreende a entrega do título de crédito, a inutilização deste, a quitação. Nestes casos não se
leva em consideração a má-fé, que é presumida. O direito à ação pauliana, ou revogatória, decorre
do próprio ato de que resulta o prejuízo.
II) O art. 107 CC trata dos contratos onerosos, isto é, daqueles em que há
vantagens, sacrifícios para ambas as partes. Nestes casos eles serão anuláveis se a insolvência do
devedor era notória, isto é, sabida de todos, de conhecimento público, ou houvesse motivos para
ser conhecida do outro contraente. Também nestas hipóteses a má-fé não é tida como requisito,
mas é presumida pelo fato de ser a situação do devedor conhecida ou conhecível pelo outro
contraente.
III) De acordo com o art. 110 CC, o pagamento, pelo devedor insolvente, de
dívida não vencida, dá, ao que recebeu, uma situação de superioridade aos demais credores, que
são prejudicados com tal ato. Por essa razão, instaurado o concurso de credores, aquele que foi
beneficiado com o pagamento antecipado terá que repor o que recebeu para que se restabeleça a
igualdade entre os credores, em consonância com a doutrina do que está disposto no art. 1.556
CC.

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IV) Estando insolvente o devedor, com base no art. 111 CC, não poderá ele
garantir a dívida de algum credor em detrimento dos demais. Isto se daria se o devedor garantisse
a dívida de algum credor com a hipoteca, a anticrese, ou penhor ( direitos reais de garantia ), ou
por caução, porque o beneficiado ficaria com um título legal de preferência sobre os demais
credores. Ressalvam-se, porém, para serem considerados de boa-fé, e válidos, os negócios
ordinários, indispensáveis à manutenção de estabelecimento mercantil, agrícola, ou industrial do
devedor, conforme está previsto no art. 112 CC.
A ação pauliana, ou revogatória, compete aos credores prejudicados,
considerando-se tais os quirografários com anterioridade do crédito ao ato fraudulento.
Quirografários são os credores que não têm garantia real, isto é, hipoteca,
anticrese ou penhor. Aos que têm essa garantia não interessa a ação, porque têm no bem, a que
aderem enquanto existir, a segurança do pagamento, de maneira que se os bens gravados de
hipoteca, anticrese ou penhor forem alienados, a execução poderá verificar-se nas mãos de quem
quer que os detenha.
Além disso, somente aos credores que o eram ao tempo do ato fraudulento,
porque só estes sofreram diminuição na garantia de seus direitos. Isto está previsto no art. 106
CC.
A ação revogatória, ou pauliana, poderá ser proposta contra o devedor
insolvente, o primeiro adquirente, ou terceiros adquirentes de má-fé.
Na verdade, é sem o necessário efeito, para o fim colimado pelo credor,
tentar a ação contra o devedor insolvente isolado, para anular a transação por ele feita. Não
atingindo a ação a outra parte, com quem o devedor insolvente transigiu, o ato persiste em seus
efeitos, apesar de ser anulado; porque a ação só afetou uma das partes da transação, ficando a
outra, não atingida pela interpelação judiciária, com o seu direito de adquirente ileso.
Há, contudo, uma restrição à propositura da ação, ou ao seu andamento. É
quando o adquirente dos bens deposita o preço em juízo e convoca os interessados por edital. A
esse respeito prescreve o art. 108 CC o seguinte: “Se o adquirente dos bens do devedor insolvente
ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á
depositando-o em juízo, com citação-edital de todos os interessados”.
Anulados os atos fraudulentos, dessa anulação decorrem os efeitos
correspondentes a cada um deles. Assim temos:
I) Quanto aos atos gratuitos e contratos onerosos, previstos nos art. 106 e
107 CC, a vantagem resultante da anulação reverte em proveito do acervo, isto é, os bens
desviados voltarão ao patrimônio do devedor insolvente, repondo-se, destarte, as coisas no seu
antigo estado. Tem-se aí uma aplicação do princípio geral da teoria das nulidades. Desfaz-se o
ato, voltando as coisas à situação anterior.
II) Quanto às garantias de dívidas, previstas no art. 111 CC, seja a hipoteca,
penhor, caução ou qualquer outra preferência ajustada, serão elas anuladas, desaparecendo,
portanto, a preferência que se estabelecera em prejuízo dos demais credores. O que se anula é a
garantia fraudulenta, para que se restabeleça a igualdade que a fraude procurou desfazer.
III) Quanto ao pagamento de dívida não vencida, previsto no art. 110 CC, o
efeito da sua anulação é a reposição, a que fica obrigado o credor quirografário, daquilo que
recebeu, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Também
neste caso a razão determinante deste efeito é o restabelecimento da igualdade que a fraude
procurou desfazer.
Não devemos confundir fraude à execução com fraude contra credores.

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Fraude à execução é direito público, já com a demanda em andamento e seu


ato é nulo de pleno direito. Neste caso não depende de ação revogatória, pois os bens continuam a
responder pelas dívidas como se nunca tivessem saído do patrimônio. O detalhe é que apenas
quem executou sua cobrança pode aproveitar deste instituto, na ordem de chegada.
Fraude contra credores é direito privado e não está subordinada à
preexistência de demanda em relação ao ato fraudulento. Agora o ato é anulável e depende da
ação revogatória. Outra grande diferença é que todos os credores aproveitam desta ação e as
vantagens revertem-se para o acervo de bens.

3.2. Da forma dos atos jurídicos e da sua prova

Antes de falarmos exatamente sobre a forma dos atos jurídicos e da sua


prova, é necessário conhecermos as modalidades dos atos jurídicos, quanto à sua condição,
quanto ao seu termo e quanto ao seu encargo.
O ato jurídico é chamado puro e simples, quando seus efeitos se produzem
no próprio dia em que se realizou, sem dependência de nenhuma outra circunstância estabelecida,
que possa, de qualquer forma, alterar esses efeitos. O ato jurídico deixará de ser puro e simples,
quando de suas disposições ou cláusulas constar determinadas circunstâncias que possam influir
sobre seus efeitos, para restringí-los ou ampliá-los. Essas circunstâncias poderão consistir em
condições, prazos ou encargos, que, apostos como cláusulas ou disposições acessórias, modificam
os efeitos normais dos atos jurídicos.
Quando realizado com qualquer uma dessas modalidades, o ato jurídico
tem os seus efeitos dependentes das circunstâncias a que as modalidades se referem.
Inicialmente, convém notar que essas cláusulas ou disposições especiais,
acessórias, não se adaptam a certos atos jurídicos, que, por sua própria natureza, repelem qualquer
modificação nos seus efeitos normais. Há certos atos jurídicos que nunca poderão ser
condicionais ou a termo. O casamento,o reconhecimento do filho, a adoção, a emancipação, a
aceitação ou renúncia de herança ou legado, a aceitação da testamentária, a compensação, são
atos jurídicos incompatíveis com quaisquer cláusulas ou disposições que lhes modifiquem os
efeitos normais.
Agora vamos ao estudo uma a uma das cláusulas ou disposições acessórias
que influem sobre os efeitos dos atos jurídicos, em geral.
A condição é uma cláusula particular aposta ao ato jurídico para modificar-
lhe os efeitos. Estes ficarão subordinados àquele acontecimento futuro e incerto, que vier
indicado na cláusula. Como exemplo temos a doação de uma biblioteca jurídica a fulano
condicionada à formatura dele em direito. Este acontecimento é futuro e incerto e o efeito do ato
jurídico, sua realização, fica à espera desse acontecimento.
A futuridade e a incerteza são elementos substanciais da condição. Assim,
não haverá condição se o evento for passado ou presente, ainda que isto, ignorado pelas partes,
tenha sido dado como futuro. Da mesma forma, não haverá condição se o evento é de realização
certa, como prometer alguma coisa se amanhã anoitecer.
Não se fala em condição também se a circunstância indicada deriva
necessariamente da natureza do direito a que acede. É o exemplo de nomear fulano como meu
herdeiro, desde que a mim sobreviva. Ora, o herdeiro só existirá se sobreviver ao de cujus. Outro
exemplo que não caracteriza a condição é a compra de uma casa desde que se passe a escritura. A

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escritura pública é essencial ao ato translativo de imóvel e, sem ele, não se adquiriu a
propriedade.
Considerando-se a condição do ponto de vista doutrinário, desdobra-se ela
em várias espécies, das quais tomaremos as que são destacadas pelo nosso código, para melhor
compreendermos o que dispõe a lei.
As condições podem ser:
a) voluntárias e necessárias. Voluntárias são aquelas que resultam da livre
estipulação das partes; necessárias são as inerentes à natureza do ato e que, como já vimos, não
são consideradas condições pelo nosso direito;
b) contraditórias ou perplexas. São as condições que privam de todo efeito
o ato jurídico;
c) potestativas, casuais e mistas. Potestativas são aquelas que sujeitam o
efeito do ato jurídico ao arbítrio de uma das partes. Casuais, as que dependem do acaso ou de
terceiro, e não do arbítrio das partes. Mistas, as que dependem do concurso da vontade da parte e
de um fato estranho à vontade, ou de um terceiro;
d) possíveis e impossíveis. Possíveis são as condições compatíveis com a
natureza ou com o direito. Impossíveis são as contrárias às leis naturais ou jurídicas. Elas são,
portanto, naturalmente possíveis ou impossíveis e juridicamente possíveis ou impossíveis. As
naturalmente possíveis ou impossíveis são chamadas, também, fisicamente possíveis e
fisicamente impossíveis;
e) suspensivas e resolutivas. Suspensiva é a condição que suspende o efeito
do ato jurídico, isto é, impede ou retarda a aquisição do direito resultante do ato jurídico, de
maneira que só com a verificação do evento é que o ato jurídico produzirá seus efeitos.
Resolutiva é a condição que resolve o ato jurídico, isto é, faz cessar os efeitos do ato jurídico;
f) lícitas e ilícitas. Lícitas são as condições permitidas pelo direito e pela
moral. Ilícitas são as não permitidas pelo direito ou pela moral.
Como princípio geral, é livre às partes adotar quaisquer condições a que se
subordinem os efeitos dos atos jurídicos. Mas, como excessão a esse princípio, não são admitidas
as condições que a lei proibir expressamente.
O objeto lícito é requisito essencial para a validade da condição. As
condições que atentarem contra a ordem pública, os bons costumes ou a lei, são expressamente
proibidas, porque lhes falta um dos requisitos essenciais para a validade, que é o objeto lícito.
De acordo com o art. 115 CC são duas as categorias de condições
proibidas:
I- As que privarem de todo o efeito o ato: são as chamadas contraditórias
ou perplexas.
II- As que sujeitarem o efeito do ato ao arbítrio de uma das partes: são as
chamadas potestativas.
Vamos a um exemplo para melhor compreendermos o que foi colocado
acima: Fulano, dando quitação do preço de R$5.000,00, por quanto se obrigou a passar escritura
definitiva do terreno X, a sicrano, acrescentou que, no caso de não assinar a escritura, obrigava-se
a restituir a importância recebida. Esta cláusula final padece de dois vícios: é contraditória,
porquê anula a obrigação principal, que é efetivar a venda com a escritura definitiva; é
potestativa, porque ficou ao arbítrio exclusivo do vendedor passar a escritura e, se não quisesse,
restituir o preço recebido.
Estabelecendo o nosso Código Civil que é nulo o ato jurídico, quando for
ilícito ou impossível o seu objeto ( art. 145, II CC ) e quando a lei taxativamente o declarar nulo

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ou lhe negar efeito ( art. 145, V CC ), é claro que as condições expressamente vedadas pelo
código, como as referidas acima, são nulas de pleno direito.
Mas devemos indagar, no entanto, se a nulidade dessas condições atinge,
também, a obrigação principal, de que são acessórias, ou se somente elas são consideradas
inexistentes, prevalecendo o efeito do ato jurídico.
Com relação às contraditórias ou perplexas e às potestativas, pura e
simplesmente vedadas pela lei, não produzirão elas efeito algum, inclusive o de anular o ato
principal e, como consequência, são elas consideradas inexistentes. Nulas são, portanto, as
condições somente, e não a obrigação principal, que, em nada, é atingida pelo vício que fulmina
tão somente as referidas condições proibidas. Tais condições são consideradas como não escritas
e o ato jurídico é reputado puro e simples, realizando-se livremente os seus efeitos.
É que o direito brasileiro proíbe, apenas proíbe, as condições contraditórias
ou perplexas e as potestativas: não vincula a essa proibição à nulidade do ato, ou da obrigação
principal. Ora, a nulidade de um ato jurídico não se presume, nem se estabelece por analogia. Os
casos de nulidade são expressamente declarados na lei e só quando esta os fulmina com tal
consequência é que os atos jurídicos são considerados como não existentes.
No caso das condições contraditórias ou perplexas e no das potestativas,
nosso código civil apenas declara que tais condições são proibidas. Vedou-as pura e
simplesmente, prescrevendo, com isso, sua nulidade.
Quando, porém, trata de outras condições, o código agiu diferentemente,
atribuindo-lhes consequências mais amplas, como veremos adiante.
As condições cujo objeto é ilícito, falta-lhes um dos elementos essenciais
para a validade de qualquer manifestação da vontade e, por isso, elas se incluem entre as
juridicamente impossíveis. vamos agora analisar estes efeitos:
Já vimos que as condições impossíveis são as que contrariam às leis
naturais e às leis jurídicas e são naturalmente impossíveis ou juridicamente impossíveis. As
naturalmente impossíveis também são chamadas de fisicamente impossíveis.
Considerando as fisicamente impossíveis e as juridicamente impossíveis
num só dispositivo, a nossa lei lhes deu efeitos diferentes, conforme dispõe o art 116 CC, que diz
o seguinte: “As condições fisicamente impossíveis, bem como as de não fazer coisa impossível,
têm-se por inexistentes. As juridicamente impossíveis invalidam os atos a elas subordinados”.
Assim, com relação às fisicamente impossíveis, a que se equiparam as de
não fazer coisa impossível, os efeitos delas são serem tidas por inexistentes. O que caracteriza a
condição fisicamente impossível é que lhe falta o caráter de condição, isto é, a incerteza do
acontecimento. Como tocar o céu com o dedo, beber a água do mar até esgotá-lo, nada têm de
incerteza. Apenas são fisicamente impossíveis de serem realizados.
Já com relação às juridicamente impossíveis, outro é o efeito que lhes é
atribuído: invalidam os atos a elas subordinados. Há uma contaminação, de maneira que a
obrigação principal também se nulifica. Condições juridicamente impossíveis são aquelas que são
contrárias ao direito, aquelas que se apresentam em oposição manifesta. Nestas o ato é possível, e
tanto é possível praticar um ato contra o direito que existem os crimes. Há possibilidade, mas o
direito deve intervir com a sua sanção e declarar que essas condições anulam o ato, porque a
condição submete o ato a um molde especial e esse molde, sendo injurídico, sendo contrário à
moral, sendo ilícito, deve tornar ilícito o ato.
Daí a razão por que entre as condições juridicamente impossíveis se
incluem aquelas a que falta o objeto lícito. São, portanto, juridicamente impossíveis todas as
condições a que falta o objeto lícito ( as contrárias à ordem pública, aos bons costumes, à moral ).

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Como exemplos temos: contrair novas núpcias antes de dissolvido o vínculo anterior, contrair
casamento antes da idade legal, casar com irmã, etc.
Condições suspensivas são aquelas que suspendem o efeito do ato jurídico,
isto é, impedem ou retardam a aquisição do direito resultante do ato jurídico, de maneira que, só
depois de verificado o evento, é que o ato jurídico produzirá seus efeitos.
Nosso código tem um conjunto de regras para regular seus efeitos:
a) O principal efeito, específico da condição suspensiva: o direito resultante
do ato jurídico só se realizará quando se verificar o acontecimento que constitui a condição,
conforme prescreve o art. 118 CC;
b) O direito, nestas condições, é eventual, fica na dependência do
acontecimento futuro e incerto, mas por isso mesmo que é eventual, merece proteção, como
dispõe o art. 121 CC;
c) Verificada a condição suspensiva, ou melhor, verificando-se o
acontecimento que suspendia a realização dos efeitos do ato jurídico, estes se produzem
retroativamente, desde a celebração do ato ou abertura da sucessão, como se tratasse de obrigação
pura e simples;
d) Poderá dar-se, porém, que a verificação do acontecimento seja
maliciosamente impedida pela parte a quem desfavorecer, ou maliciosamente realizada por aquele
a quem aproveita o impedimento. Não prevalece o dolo, tanto no caso que impede a realização da
condição, quanto no que lhe força a realização. Esta disposição está contida no art. 120 CC;
e) Se, pendente a condição, forem feitas novas disposições sobre o objeto
do ato jurídico, estas não terão valor se forem incompatíveis com o advento da condição. Neste
sentido dispõe o art. 122 CC. Este artigo garante o direito do adquirente, titular do direito
eventual, considerando sem efeito qualquer nova disposição sobre o objeto do ato condicional,
realizada a condição, se com esta for a nova disposição incompatível;
f) Falhando a condição suspensiva, a obrigação reputa-se nunca haver
existido.
Há, portanto, três fases para as condições suspensivas: pendente a condição,
verificada e falhando a condição. Para cada um desses momentos existem os seus efeitos
próprios.
As condições resolutivas são aquelas que resolvem o ato jurídico, isto é,
fazem cessar os efeitos do ato jurídico, desmanchando-o, como se nunca tivesse existido. Tal
como as condições suspensivas, que estudamos primeiro, as condições resolutivas passam por
três fases: pendente, verificada e falhando.
Enquanto pendente a condição, a obrigação se assemelha a uma pura e
simples, podendo o credor exigi-la e exercer todos os direitos decorrentes do ato jurídico.
Verificada, porém, a condição, a obrigação desfaz-se retroativamente, como
se nunca tivesse existido. A condição resolutiva tem o poder de rescindir um direito, desde que se
verifique o fato por ela estabelecido.
Falhando a condição, a obrigação reputa-se pura e simples, desde a data do
ato jurídico.
A condição resolutiva pode ser expressa ou tácita em sua forma de operar.
A resolutiva expressa não oferece nenhuma dificuldade. Está explícita no
próprio título, de modo a não deixar dúvidas, nem trazer surpresas. A resolutiva tácita, porém,
pode surgir da natureza do ato jurídico, das expressões nele usadas, das circunstâncias que os
constituíram ou motivaram.

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A expressa opera de pleno direito: verificada a condição, dissolve-se o


vínculo obrigacional. A tácita, entretanto, depende de interpelação judicial para evitar surpresas.
Depois de falarmos como se operam as condições resolutivas, agora é a vez
de abordarmos quanto à sua aplicação. Dispõe o art. 120 CC que às condições resolutivas aplica-
se tal com às suspensivas: “Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição, cujo
implemento for maliciosamente obstado pela parte, a quem desfavorecer. Considera-se, ao
contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita
o seu implemento”.
Depois de estudarmos as condições e suas espécies, que podem ser
voluntárias ou necessárias; contraditórias ou perplexas; potestativas, casuais e mistas; possíveis e
impossíveis; suspensivas e resolutivas; e ainda lícitas e ilícitas, falta conhecermos dentro das
modalidades do ato jurídico seu termo, seu prazo e seu encargo. Nosso próximo assunto é o
termo.
Termo é o momento futuro e inevitável do qual depende o exercício ou
extinção de um direito. Esse momento, sempre futuro e inevitável, poderá ser certo e incerto.
É Certo quando fixado para determinado dia, mês e ano, ou para um
determinado lapso de tempo, como obrigar-se a fazer uma doação no dia 1º de janeiro do próximo
ano, ou daqui a vinte dias, por exemplo.
É incerto quando fixado em relação a um acontecimento, futuro e
inevitável, mas sem data certa. É o exemplo do dia em que fulano falecer, ou trinta dias após
falecer beltrano.
Pela própria definição de termo verificamos que ele poderá ser inicial,
também chamado suspensivo; ou final, também chamado resolutivo.
Tratando do termo inicial ou suspensivo, conforme o art. 123 CC, realizado
o ato jurídico, o direito dele resultante integra-se no patrimônio da pessoa: está adquirido; mas, o
seu titular só poderá exercê-lo quando se verificar o momento previsto. Como exemplo temos o
empréstimo de determinada quantia para ser paga no dia 2 de janeiro do próximo ano, ou daqui a
seis meses.
O termo inicial ou suspensivo não impede o direito de nascer. Retarda,
apenas, o seu exercício. O titular do direito poderá exercer os atos conservatórios que forem
necessários e não serão válidas novas disposições que sejam incompatíveis com o termo fixado.
O termo final ou resolutivo é, ao contrário do inicial ou suspensivo, o
momento futuro e inevitável que põe fim para o futuro à existência do direito. Nesta hipótese, os
direitos podem ser exercidos desde o momento da formação do ato jurídico até o momento em
que se verifica o termo, isto é, até o dia certo marcado, ou a verificação do acontecimento que foi
indicado.
Antes do termo, o direito existe puro e simples, podendo, portanto, ser
exercido livremente. Atingido o termo, o direito cessa de existir para o futuro, somente.
Vamos comparar no quadro abaixo termo e condição:

forma de comparação Como é na condição Como é no termo


1. quanto ao acontecimento:
é um acontecimento incerto, o acontecimento é inevitável;
podendo ou não verificar-se;
2. quanto à suspensão do a condição suspensiva tem o termo suspensivo retarda
exercício do direito: em suspenso o nascimento do somente o exercício do
próprio direito; direito;
3. quanto ao pagamento: o pagamento por erro de no termo suspensivo o

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obrigação condicional, antes pagamento é válido, pois, se


da realização da condição é é certo que antes do
indevido e repetível; nascimento não pode, em
regra, exigir-se o
cumprimento de uma
obrigação a termo, também o
é que, se o devedor pagar
antecipadamente a prestação,
não pode repetí-la, invocando
o art. 964 CC;
4. quanto à forma de operar: operam retroativamente; essa ficção não se aplica aos
termos.

Agora vamos falar dos prazos, ainda dentro das modalidades dos atos
jurídicos. Prazo é o lapso de tempo que decorre entre a declaração da vontade (ato jurídico) e a
superveniência do termo.
Não se deve confundir termo com prazo. O termo é o limite posto ao prazo,
isto é, ao tempo que vai decorrer entre o ato jurídico e o começo do exercício ou o fim do direito
que dele resulta.
Existem oito regras legais para a contagem do prazo, regras estas,
resultantes do disposto no art. 125 CC. Vamos às regras:
I- Exclui-se o dia do começo, mas conta-se o dia do vencimento. À meia-
noite é que se completa o prazo;
II- Quando o dia do vencimento for domingo ou feriado, o prazo se estende
até o dia útil subsequente;
III- Sendo o termo indicado para o meado do mês, entende-se no dia 15,
ainda que o mês seja de 31 ou 28 dias;
IV- Mês é o período de tempo, contado do dia do início ao dia
correspondente do mês seguinte;
V- Ano é o período de 12 meses, contado do dia do início ao dia e mês
correspondente do ano seguinte;
VI- Quando no ano ou mês do vencimento não houver o dia correspondente
ao do início do prazo, este findará no primeiro dia subsequente;
VII- Quando fixado por hora, será contado de minuto a minuto;
VIII- Ressalvam-se disposições em contrário.
Baseado no art. 126 CC deduz-se que se presumem os prazos de três
formas:
I- A favor do herdeiro, nos testamentos;
II- Em proveito do devedor, nos contratos;
III- A benefício do credor, ou de ambos, quando isso resulte das
circunstâncias ou do teor do título.
Observando o disposto no art. 127 CC vamos encontrar uma regra e duas
exceções. A regra consiste em que os atos entre vivos, sem prazo, são exequíveis desde logo. As
exceções são: a) se a execução tiver de ser feita em lugar diverso, ou, b) se a execução depender
de tempo. São os prazos tácitos determinados pela natureza das coisas, pela natureza dos
negócios, ou pelas circunstâncias.
Finalmente, o encargo é a última das modalidades do ato jurídico.

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O encargo ou modo é a cláusula que impõe um ônus àquele em cujo


proveito se constitui um direito por ato de mera liberdade.
Geralmente o encargo ou modo é aposto às doações, mas a sua aplicação é
possível na constituição de renda a título gratuito, na cessão não onerosa, na constituição de um
dote por parte de terceiros, na promessa de recompensa, na renúncia, na concessão de privilégio,
nos atos de última vontade e, em geral, nas obrigações decorrentes da declaração unilateral da
vontade.
O encargo ou modo, portanto, só se aplica nos atos jurídicos gratuitos. Nos
negócios onerosos, os encargos da outra parte contratante são contraprestações correspectivas, e
não ônus sob a forma de encargos.
O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito. O titular
adquire imediatamente o direito e poderá exercê-lo in continenti. Salvo quando o encargo é
expressamente imposto no ato, pelo disponente, como condição suspensiva, caso em que terá os
mesmos efeitos desta.
Vamos analisar o quadro abaixo onde fazemos uma comparação entre a
condição e o encargo:

Forma de comparação Como é na condição Como é no encargo


1. quanto à aquisição e ao a condição suspende, não o encargo não suspende nem
exercício do direito: somente o exercício, como a aquisição, nem o exercício
também a aquisição do do direito;
direito;
2. quanto à forma de Havendo dúvida em se tratar o encargo pode aparecer sob
apresentação: de encargo ou condição, a forma de condição. Nesta
presume-se que é encargo; hipótese terá os mesmos
efeitos desta;
3. quanto ao princípio seguem regularmente suas os encargos impossíveis
regulador: normas; regem-se pelos princípios
que regulam as condições
impossíveis.

Agora vamos enfim falar especificamente da forma dos atos jurídicos. Em


geral, a forma dos atos jurídicos é a maneira pela qual a vontade se manifesta.
Já sabemos que o elemento fundamental do ato jurídico é a vontade. Para
que a vontade exista e produza seus efeitos, ela precisa ser externada, se assim não for ela não
será considerada juridicamente. Só pela manifestação da vontade é que se constitui o ato jurídico;
e essa manifestação da vontade se revela por várias formas: pela palavra, oral ou escrita; por
gestos, por sinais convencionais e, até, pelo silêncio.
O conceito clássico para forma é o conjunto de solenidades que se devem
guardar para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica.
Em regra a vontade manifesta-se livremente, sendo que sua forma é livre.
Entretanto, em casos determinados, para maior garantia de sinceridade e regularidade das relações
jurídicas, a lei prescreve uma forma especial. Se preterida esta forma especial ocorre a nulidade
do ato.
Quanto à forma devemos conhecer suas finalidades, sua multiplicidade e,
por fim, sua classificação.

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A finalidade da forma especial é garantir a autenticidade do ato,


assegurando a livre manifestação da parte. Também se incluem dentro das finalidades: chamar a
atenção para a seriedade do ato, facilitar a prova e dar publicidade ao ato.
Há casos em que a lei permite a formalização do ato por vários modos. É a
multiplicidade da forma. Com exemplo temos o reconhecimento de paternidade (que pode ser
feito no próprio termo de nascimento; por escritura pública; por testamento; por um escrito
particular; ou ainda por termo judicial.
Um detalhe importante que devemos nos ater é que quando a lei traz de
forma genérica a palavra “escrita”, pode ela apresentar-se sob qualquer forma gráfica, mas tem
que ser necessariamente escrita. Quando a lei traz de forma genérica a palavra “expressa”, pode
ser por escrito ou verbalmente, desde que de modo inequívoco.
A lei, a jurisprudência e a doutrina não fazem distinção entre a forma e a
solenidade. Entretanto devemos entender que a forma é a exteriorização do ato, podendo ser livre
ou especial e a solenidade é um ritual sacramental que reforça a seriedade do ato.
Tanto a solenidade quanto a forma especial, se preteridas, ocorrerá a
nulidade do ato.
Agora vamos classificar a forma dos atos jurídicos, que se dividem em
formais ou solenes e não formais ou consensuais.
Os atos formais ou solenes são aqueles que possuem forma especial, ou
seja, forma expressamente estatuída pela lei. Como o casamento, o testamento, a alienação de
bens dotais pertencentes a menor sob tutela, etc.
O casamento, o testamento e todos os demais atos expressamente
contemplados na lei estão sujeitos à forma especial, que nela vem indicada, para que sejam
válidos.
Os atos não formais ou consensuais são aqueles que independem de
qualquer forma especial e resultam do acordo das partes. Sua forma pode ser livremente escolhida
e é modelada pelas partes em consonância com o princípio da autonomia da vontade. Não
havendo forma exigida na lei, qualquer forma servirá para a eficácia da manifestação da vontade.
A forma prescrita ou não defesa em lei é uma das condições de validade do
ato jurídico. E mais ainda, que o ato jurídico será nulo quando não revestir a forma prescrita em
lei ou quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.
A forma, quando exigida pela lei, é essencial para a validade do ato e nunca
o legislador comina outra sanção que não seja a nulidade.
Porém, para se anular ou mesmo fazer valer um ato jurídico é necessário
prová-lo. Prova, conceituando, é o conjunto dos meios empregados para demonstrar, legalmente,
a existência de um ato jurídico.
Inicialmente vamos relacionar os requisitos da prova, que devem ser
admissíveis, pertinentes e concludentes:
I- que ela seja admissível, isto é, não proibida e aplicável ao fato;
II- que seja pertinente, isto é, adequada à demostração dos fatos e aplicação
do direito;
III- que seja concludente, isto é, confirme as alegações, esclarecendo o
ponto.
Devemos incluir ainda como requisitos da prova as seguintes regras:
a) a prova incumbe a quem alega, não ao que nega;

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b) prova-se o fato, não o direito. Apenas quando se tratar de leis estaduais,


municipais, estrangeiras ou consuetudinárias é que se deve provar o seu conteúdo, se assim
determinar o juiz;
c) o juiz julga pelo alegado e provado. Não tem consciência individual,
senão a legal;
d) a anuência ou autorização de outrem, necessária à validade de um ato,
prova-se do mesmo modo que este. É sua parte integrante e, por isso, constará, sempre que possa
ser, do próprio instrumento.
Também devemos ressaltar que a prova deve ser lícita, pois não se admitem
provas obtidas através de meios contrários à lei.
Existem atos que não dependem de provas. São os fatos notórios, os fatos
incontroversos e também a prova negativa.
Fatos notórios são aqueles fatos da cultura geral, de conhecimento de todos,
como, por exemplo, os dias da semana.
Os fatos incontroversos seguem a regra de que se não há controvérsia, não
há o que provar.
A prova negativa é o fato que não precisa ser provado devido à sua
amplitude. São aceitos por simples declaração da pessoa. Como dizer que é solteiro, por exemplo.
Podemos classificar a prova, baseados em dois doutrinadores: Mascardo e
Benthan.
Segundo Mascardo podem ser:
a) Plena, quando somente ela basta para liquidar a questão controvertida;
b) Semiplena, quando, sozinha não leva o juiz a uma conclusão.
Noutra corrente, seguindo outro doutrinador, Benthan, podem ser:
a) Preconstituídas, que são aquelas instituídas pelo legislador. Como o
pacto antinupcial que só se prova mediante escritura pública;
b) Casuais, que são aquelas emergentes após ocorrido o fato. Como a prova
testemunhal.
Dando sequência, quando, acima, classificamos os atos jurídicos quanto à
sua forma, dissemos que eles poderiam ser formais ou solenes e não solenes ou consensuais.
Agora vamos ficar sabendo como é a prova dos atos solenes e dos atos consensuais.
Primeiramente daremos espaço para a prova dos atos formais ou solenes.
Os atos formais ou solenes, para os quais se exige forma especial,
preestabelecida na lei, provam-se pela própria forma que lhes é essencial, ou que lhes é dada
substância, de acordo com a determinação legal.
A lei exige uma única forma e o ato só será provado mediante esta única
forma prevista em lei. Como exemplos podemos citar o pacto antinupcial, a instituição do bem de
família, a criação de uma fundação, todos provados mediante escritura pública, ou a morte,
provada mediante o registro de óbito.
Porém, com relação aos atos não formais, cuja forma pode ser livremente
escolhida pelas partes, sua prova se faz por qualquer dos meios admitidos em direito.
Veja o que prescreve o art. 136 CC:
“Os atos jurídicos, a que não se impõe forma especial, poderão provar-se
mediante:
I- Confissão;
II- Atos processados em juízo;
III- Documentos públicos ou particulares;

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IV- Testemunhas;
V- Presunção;
VI- Exames e vistorias;
VII- Arbitramento.”
Estas formas acima são conhecidas como meios de prova. É preciso estudar
uma a uma para compreendermos melhor a forma de provar um ato jurídico.
A confissão é o reconhecimento, por uma das partes, da verdade dos fatos
alegados pela outra. Classificando quanto ao lugar, a confissão poderá ser judicial ou
extrajudicial; e o depoimento pessoal é uma das maneiras pelas quais poderá ser feita a confissão.
A confissão judicial desdobra-se podendo ser espontânea ou provocada.
Classificando quanto à forma, a confissão poderá ser real ou expressa e
ficta ou tácita.
A confissão é indivisível, como regra geral, não podendo ser aceita em
partes. Como excessão, aceita-se a sua divisibilidade se o confidente apresentar fatos novos. Mas,
não se admite a confissão de fatos relativos a direitos indisponíveis.
Os atos processados em juízo são aqueles atos que foram objeto de um
processo anterior e cuja validade se proclamou por sentença. Os melhores exemplos são os
alvarás judiciais, formais de partilha, carta de arrematação, etc.
Cabe referência aqui à norma emprestada, ou seja, transplantada de um
processo para outro. Existem divergências entre os doutrinadores sobre esse assunto. Alguns
entendem que ela só é válida quando o outro processo tenha sido também intentado entre as
mesmas partes; outros não acham necessário que as partes sejam as mesmas. De qualquer modo,
a prova emprestada deve ser recebida com cautela dado o princípio da identidade física do juiz.
Os atos processados em juízo e documentos públicos ou particulares
constituem meios que chamamos de prova literal ou escrita. Esta prova literal ou escrita, por ser
pré-constituída, é considerada como a melhor das provas. Ela se faz por meio de instrumento
público ou instrumento particular.
O instrumento público é o escrito lavrado pelo oficial público em seu
distrito, segundo suas atribuições, com as formalidades legais. Temos como exemplos as
escrituras, certidões, traslados, etc.
Um detalhe importante é que os documentos redigidos em língua
estrangeira, para produzirem efeitos legais no Brasil, deverão ser vertidos para nossa língua.
O instrumento particular é o escrito feito e assinado, ou somente assinado,
por quem se ache na livre disposição e administração de seus bens.
Esse escrito feito e assinado, ou apenas assinado, nas condições acima, se
for subscrito, também, por duas testemunhas, prova obrigações convencionais, de ordem
econômica, entre as partes, qualquer que seja o seu valor. Entretanto, para valer contra terceiros,
isto é, contra os que não tomam parte no ato, deve ser transcrito no registro público, bem como a
cessão.
Também devemos nos ater para a distinção entre instrumento e documento.
Os instrumentos dão vida ao ato jurídico ou provam sua existência; os documentos não tem
finalidade específica de criar um ato jurídico, nem de provar sua existência.
Os documentos podem ser particulares quando emanados de autoridade
privada, como um exame médico. E podem ser públicos quando emanados por autoridades
públicas, onde temos a sentença judicial como um bom exemplo.
A prova testemunhal é a que resulta do depoimento oral das pessoas sobre
o que viram ou ouviram dos fatos da causa. Trata-se de uma prova perigosa, porque a memória da

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testemunha pode falhar, seus depoimentos podem ser contraditórios e as testemunhas podem ser
subornadas.
As provas testemunhais classificam-se em instrumentárias, quando
subscrevem um instrumneto ou documento; ou judiciais, quando prestam depoimento em juízo.
Prescreve o art. 142 CC que:
“Não podem ser admitidos como testemunhas:
I- os loucos de todo o gênero;
II- os cegos e surdos, quando a ciência do fato, que se quer provar,
dependa dos sentidos que lhes faltam;
III- os menores de 16 anos;
IV- os interessados no objeto do litígio, bem como o ascendente e o
descendente, ou o colateral até o terceiro grau de alguma das partes por consanguinidade ou
afinidade;
V- os cônjuges.”
Com relação aos ascendentes, porém, podem ser admitidos como
testemunhas, quando se tratar de nascimento ou de óbito de filhos.
O menor impúbere, abaixo de 16 anos e os enfermos são considerados
incapazes e, portanto, não podem ser admitidos como testemunhas. Também neste rol incluem-se
aqueles condenados por crime de falso testemunho, com a sentença transitada em julgado e
também aqueles que por costume não forem dignos de fé. Os inimigos capitais ou amigos íntimos
devem constar nesta relação pois também não são admitidos como testemunhas.
Além da relação acima de pessoas que não podem ser admitidas como
testemunhas, existem aqueles que podem escusar de depor invocando o segredo profissional.
Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou
suspeitos, sem o devido compromisso legal. Desta forma serão aceitos como informantes.
Há, ainda, outra forma de apresentar a prova testemunhal. Estas
testemunhas são pessoas que afirmam ter subscrito um instrumento ou documento. São as
testemunhas instrumentárias.
Em regra, a prova testemunhal é admitida apenas como complementar de
outra prova. Mas, como toda regra tem exceção, a prova exclusivamente testemunhal só será
admitida em três situações:
a) em contratos cujo valor não exceda o décuplo do maior salário mínimo;
b) por impossibilidade ou obstáculo moral, onde temos o exemplo do
contrato entre mãe e filho;
c) nos contratos simulados ou com vícios do consentimento.
Agora vamos à presunção. Presunção é a conclusão que se tira de um fato
conhecido para provar a existência de outro desconhecido. A presunção pode ser legal ou comum.
A presunção legal, por sua vez, pode ser absoluta, que não admite prova em contrário, e relativa,
que prevalece até prova em contrário.
A presunção comum é a que se funda naquilo que ordinariamente acontece
e que se impõe pela força do raciocínio e da lógica. Como quem tem um título de crédito,
presume-se credor.
Exames e vistorias são apreciações periciais para esclarecimento do juiz.
O exame dá-se, principalmente, para a verificação de contas,
reconhecimento de letras, verificação de livros.
Mas, o juiz não está vinculado ao parecer de um perito, podendo dar sua
decisão baseado em outros elementos dos autos.

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Vistoria é a inspeção ocular do objeto sobre que existe a controvérsia.


Arbitramento é a determinação do valor, ou a estimação da obrigação em
dinheiro.

3.3. Das nulidades

A nulidade é uma pena que consiste na privação dos efeitos jurídicos que o
ato teria produzido, se fosse conforme à lei. Clóvis Bevilácqua a define como “a declaração legal
de que a determinados atos não se prendem os efeitos jurídicos, normalmente produzidos por atos
semelhantes. É uma reação da ordem jurídica para restabelecer o equilíbrio perturbado pela
violação da lei.”
Para Carvalho Santos, “nulidade é o vício que retira todo ou parte de seu
valor a um ato jurídico, ou o torna ineficaz apenas para certas pessoas.”
Outros autores vêm as nulidades sob outros aspectos, entretanto, todos eles
apresentam um pensamento igual, ou seja, eles expressam de formas diferentes a mesma idéia;
que as nulidades são atos que praticados, ou deixados de praticar invalidam a relação jurídica, no
todo ou em parte.
Os atos jurídicos, seguindo a doutrina do nosso código, com relação à
eficácia, ou são nulos ou são anuláveis.
Quando nulos, não podem produzir efeito nenhum. É como se nunca
tivesse existido.
Quando anuláveis, produzirão efeitos até que haja a declaração judicial de
sua ineficácia.
O fundamento do ato nulo está em razão de ordem pública; na falta de
solenidades exigidas pela lei, ou de algumas delas, essencial, intrínseca ou extrinsecamente, como
sejam a aptidão das pessoas para participarem do ato, ou as condições formais para a sua
validade; na ofensa, enfim, de princípios básicos da ordem jurídica. Essa nulidade é de pleno
direito.
O fundamento do ato anulável repousa mais na proteção de interesses
individuais. Por isso, o ato, nesses casos, é sanável e só será declarado ineficaz por iniciativa
daquele a quem prejudica. Depende, portanto, de rescisão judicial.
Alguns doutrinadores fazem distinção entre atos inexistentes, atos nulos de
pleno direito e atos anuláveis. Outros procuram diferenças em nulidade e ineficácia jurídica,
surgindo a figura do ato inútil.
Tais diferenças, porém, entre ato nulo e ato inexistente, ou entre nulidade e
ineficácia jurídica, nenhum interesse prático representam, pois ineficácia jurídica ou atos
inexistentes nenhum efeito produzem, são atos nulos.
A nulidade dos atos jurídicos desdobra-se, no nosso código, em duas
modalidades: ato nulo e ato anulável.
Tratando da primeira modalidade, que também é conhecida como nulidade
absoluta, temos o art. 145 CC:
“É nulo o ato jurídico:
I- quando praticado por pessoa absolutamente incapaz ( art. 5º );

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II- quando for ilícito, ou impossível o seu objeto;


III- quando não revestir a forma prescrita em lei ( arts 82 e 130 );
IV- quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial
para a sua validade;
V- quando a lei taxativamente o declarar nulo, ou lhe negar efeito.”
As três primeiras causas de nulidade absoluta correspondem aos três
requisitos essenciais para a validade do ato jurídico.
Com relação à capacidade do agente, será nulo o ato quando praticado por
pessoa absolutamente incapaz. São absolutamente incapazes, como já foi visto, os menores de 16
anos, os loucos de todo o gênero, os surdos-mudos, que não puderam exprimir a sua vontade, e os
ausentes declarados tais por ato do juiz. A participação de qualquer uma dessas pessoas no ato
jurídico fará com que o mesmo se torne nulo.
Com relação ao objeto do ato jurídico, sendo essencial a sua licitude, será
nulo o ato quando for ilícito o objeto do mesmo. O direito não poderia amparar o que lhe é
adverso.
Com relação à forma do ato jurídico, desde que a lei exija determinada
forma, esta será condição essencial para a sua validade e, nessas condições, não revestindo o ato a
forma indicada, será ele nulo.
Essas três primeiras causas de nulidade absoluta correspondem, portanto,
aos três requisitos necessários para a validade do ato jurídico. Faltando um deles o ato será nulo.
Também quando for impossível o objeto do ato jurídico, será este nulo. A
impossibilidade, já estudada, pode ser física ou natural e jurídica. Mas, independente de sua
classificação e qualquer que seja esta impossibilidade do ato jurídico, será nulo, por essa mácula.
Existem ainda outras duas causas de nulidade. Quando for preterida alguma
solenidade que a lei considere essencial para a sua validade é uma delas. A forma determinada
consiste, algumas vezes, num conjunto de solenidades, de maneira que, faltando uma delas, esta
falta contamina todo o ato, tornando-o nulo. Como exemplo encontramos o testamento, cuja
validade pressupõe a observância de todas as solenidades discriminadas na lei.
Por fim, quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito. A
lei poderá declarar nulos determinados atos, ou negar efeito a outros. Em ambas as hipóteses, tais
atos serão nulos. O próprio CC apresenta vários exemplos: quando trata do casamento nos arts
207 e 208; nas cláusulas de forma de pagamento de dívidas encontradas nos arts 765 e 823; o
contrato de compra e venda com arbítrio do preço exclusivo de uma das partes, no art 1.125; a
doação de todos os bens, sem reserva de parte, que está no art. 1.175; ou a doação excedendo a de
que o doador poderia dispor em testamento, este no art. 1.176.
Em geral, o ato nulo revela-se pelo próprio instrumento, ou ressalta de
prova literal. Sendo assim, nenhuma dificuldade há na constatação da nulidade.
Poderá dar-se, porém, que a circunstância que determina a nulidade precise
ser provada, se for a mesma contestada, ou posta em dúvida. Por exemplo, se a nulidade do ato se
funda na participação de um louco não interditado. Essa circunstância deverá ser provada e, só
depois disso, então, é que ficará constatada a nulidade do ato.
Então falamos dos atos nulos. Agora vamos à segunda modalidade onde
estaremos em contato com os atos anuláveis, que também são conhecidos como nulidade relativa.
E assim prescreve o art. 147 CC:
É anulável o ato jurídico:
I- por incapacidade relativa do agente ( art. 6º );

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II- por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude (arts 86
a 113)”.
São relativamente incapazes os indicados no art. 6º CC: os maiores de 16 e
menores de 21 anos; os pródigos e os silvícolas.
A intervenção desses relativamente incapazes, sozinhos, no ato jurídico,
torna esse ato anulável.
Com relação aos menores entre 16 e 21 anos, a anulabilidade resultará: 1º)
da falta de autorização de seus representantes; 2º) da falta de assistência de seu curador.
É que os menores entre 16 e 21 anos, para praticarem validamente os seus
atos jurídicos, deverão obter a autorização de seus legítimos assistentes, que são o pai ou o tutor.
Essa autorização, via de regra, deve consistir no comparecimento do assistente ao ato, para dar a
sua autorização, que será sempre expressa.
É importante mais uma vez dizer que a anulabilidade do ato não poderá ser
alegada pelo menor que procedeu com malícia. E as obrigações resultantes de atos ilícitos, o
menor, dessa idade, é equiparado ao maior, conforme estatui o art. 156 CC.
Outra forma de se anular o ato jurídico, seguindo a prescrição do art. 147
CC, pode ocorrer por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude. Quando
estudamos os defeitos dos atos jurídicos, examinamos todos esses vícios da vontade, que
maculam o ato jurídico e o tornam anulável.
A fraude contra credores é, também, um dos defeitos do ato jurídico, mas
diferentes daqueles que são vícios da vontade. Porém, tal como os outros defeitos dos atos
jurídicos, é uma das categorias dos atos auláveis.
Temos cinco consequências para o ato anulável:
I- As nulidades do art. 147 só produzem efeitos depois de declaradas por
sentença. É necessário, portanto, a propositura da ação judicial para ser declarada a nulidade, ou
ser esta alegada em defesa, em qualquer procedimento judicial.
II- Só os interessados podem alegar a nulidade. Entre os interessados se
incluem, além das partes contratantes, os sucessores, sub-rogados, credores, terceiros
prejudicados, podendo a alegação ser feita em ação ou em defesa.
III- O juiz não pode pronunciar de ofício a nulidade. Ao contrário do que se
dá com os atos nulos, não pode o juiz declarar a nulidade dos anuláveis, se não for por
provocação expressa dos interessados.
IV- As nulidades do art. 147, quando declaradas, só aproveitam aos que as
alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.
V- A nulidade do instrumento não acarreta a do ato, sempre que este puder
provar-se por outro meio.
Estas cinco consequências encaixam-se em todas as categorias dos atos
anuláveis.
Ao contrário do ato nulo, o ato anulável poderá ser ratificado, isto é, poderá
ser expungido do vício que o maculava, mediante a ratificação. Ratificar, ou confirmar, é dar
validade a um ato jurídico que poderia ser desfeito por decisão judicial. A ratificação é o ato pelo
qual se renuncia à ação de nulidade.
Esta ratificação compete àquele a quem caberia alegar a nulidade. Assim, o
pai ou o tutor do menor entre 16 e 21 anos poderá ratificar o ato em que esse menor interveio sem
a sua assistência. O próprio menor e os outros relativamente incapazes, adquirindo a capacidade
plena, poderão, também, ratificá-lo.

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A ratificação, porém, não poderá prejudicar direitos de terceiros que,


legitimamente adquiriu a coisa antes da ratificação do ato.
A ratificação retroage à data do ato.
Em verdade, o ato anulável produz seus efeitos até que seja declarada a
nulidade. Ora, se ele é ratificado ou confirmado, desaparece, apenas, a possibilidade de ser ele
desfeito. Não há, propriamente, um efeito retroativo.
Quando se dá a ratificação, ela poderá ser expressa ou tácita.
A ratificação expressa é tratada no art. 149 CC: “O ato de ratificação deve
conter a substância da obrigação ratificada e a vontade expressa de ratificá-la”.
Há dois elementos essenciais para o ato de ratificação: a substância da
obrigação ratificada e a vontade expressa de ratificá-la.
A substância da obrigação é o objeto do ato jurídico, isto é, aquilo que
constitui o compromisso assumido pelo agente.
A vontade expressa de ratificar consiste na declaração do ratificante de que
sabe do defeito do ato jurídico e que quer ratificá-lo para que ele se torne plenamente válido.
A ratificação tácita trata o Código Civil no seu art. 150, assim: “É escusada
a ratificação expressa, quando a obrigação já foi cumprida em parte pelo devedor, ciente do
vício que a inquinava”.
Também são dois os requisitos para que exista a ratificação tácita: que o
devedor saiba do vício que inquinava o ato jurídico; que, isso sabendo, tenha cumprido, ainda que
em parte, a obrigação. Com a coexistência desses dois elementos, não é necessária a ratificação
expressa, pois a intenção do devedor revela a desistência de qualquer ação ou defesa para a a
declaração de nulidade do ato.
Tanto a ratificação expressa quanto a ratificação tácita importam a renúncia
ampla a todas as ações ou exceções de que se pudesse lançar mão para a declaração de nulidade
do ato.
Adentrando seus efeitos, constatada a nulidade do ato jurídico, quer se trate
de ato nulo, quer do ato anulável, o primeiro efeito que daí resulta é considerar-se como nunca
tendo existido tal ato jurídico.
Em consequência disso, as coisas voltam ao estado anterior à data desse
ato: as partes devem, reciprocamente, restituir-se do recebido; desfaz-se, em relação a terceiros, o
direito que hajam adquirido, porque não se pode transferir a outrem direito que não se tem.
Se for impossível voltar-se ao estado anterior, isto é, ao statu quo ante, as
partes se indenizarão com o equivalente.
Finalmente alcançamos a nulidade parcial. Dispõe o art. 153 CC: “A
nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável. A nulidade
da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal”.
Este dispositivo legal desdobra-se em três regras distintas:
I- A nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for
separável. A condição essencial para a aplicação dessa regra, portanto, é que sejam separáveis a
parte válida, da parte nula ou anulável. Se se puder dar essa separação, a nulidade parcial não
atingirá a parte válida.
II- A nulidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias.
O acessório segue o destino do principal - accessorium sequitur principale. Se a obrigação
principal desaparece, as acessórias acompanham o seu destino.

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III- A nulidade das obrigações acessórias não induz a obrigação principal.


O acessório pode desaparecer por nulidade, sem que isso atinja a obrigação principal.
Para terminar o ponto de nulidades apresentamos a seguir um quadro
comparativo entre atos inexistentes, atos nulos e atos anuláveis, que elucidam a forma e a
aparência dos três atos. Veja e compare:

Atos Inexistentes Atos Nulos Atos Anuláveis


Quando lhe falta um São nulos os atos quando: São anuláveis os atos quando
elemento essencial à sua • O agente for • O agente for relativamente
formação, e de tal monta, absolutamente incapaz. capaz.
que não é possível conceber- • O objeto for ilícito ou • O objeto estiver viciado
se o ato. impossível. por erro, dolo, coação,
• Não ter forma prescrita simulação ou fraude.
em lei.
• For preterida solenidade
essencial.
• Outros casos declarados
nulos por lei.
A lei não tem necessidade de funda-se em ordem pública Funda-se no interesse
anulá-lo ou de declarar a sua privado.
nulidade, uma vez que ele
não chegou a ter existência.
Não se constituiu em ato. Invalida de pleno direito o Torna apenas o ato anulável.
ato.
Não tem validade. • Não é suscetível de ser • Pode ser sanada.
sanada. • A requerimento das
• Não pode ser suprida pelo partes, tácita ou
juiz, nem mesmo a expressamente.
requerimento das partes. • Pode ser suprida pelo juiz.
É o nada, por isso não é Pode e deve ser decretada de Deve ser pronunciada
regulamentada. ofício. mediante provocação da
parte, não podendo ser
decretada “ex officio”.
È mais do que nulo. Pode ser decretada não só a Pode ser alegada e
pedido dos interessados, promovida pelos
como também, do órgão do prejudicados com o ato, ou
MP, quando lhe caiba por seus legítimos
intervir. representantes.
Não se prescreve. É prescritível, em prazos
relativamente exíguos.
Quase sempre opera, “pleno Deve ser sempre pleiteada
jure”, ressalvada a hipótese através de ação judicial.
em que se suscite dúvida
sobre a existência da própria
nulidade.

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Direito Civil

3.4. Dos atos ilícitos

Quando conceituamos os fatos jurídicos, vimos que a segunda espécie deles


era a das ações humanas, as quais se desdobravam em duas categorias: 1ª) o efeito jurídico resulta
da vontade do agente, como nos contratos, no testamento, na quitação - caso em que tomam o
nome especial do ato jurídico; 2ª) o efeito do ato jurídico independe da vontade do agente,
embora resulte de ação, ou omissão voluntária sua, caso em que temos os atos ilícitos.
Ato ilícito é a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência de
alguém, que ofende direito, ou causa prejuízo a outrem.
Três são os elementos que configuram o ato ilícito:
1º) é preciso que o fato lesivo seja voluntário, ou imputável ao agente por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência;
2º) a existência de dano, que deve ser patrimonial. O dano moral só é
ressarcível quando produza reflexos de natureza econômica;
3º) relação de causalidade entre o dano e o comportamento do agente, que
conhecemos pelo nome de nexo de causalidade.
São necessárias duas espécies de condições para que se dê o ato ilícito:
objetivas e subjetivas.
As condições objetivas são: uma ação ou omissão do agente; ação ou
omissão essas que sejam causadoras diretas da violação do direito alheio, ou de prejuízo a
outrem; que sejam ofensivas ao patrimônio alheio, isto é, danosas a este patrimônio.
As condições subjetivas são: que a ação ilícita seja determinada pelo dolo,
isto é, pela intenção de ofender o direito, ou prejudicar a alguém; ou pela culpa, isto é, pela
imprudência ou negligência, de que resulta o prejuízo.
A culpa, seguindo o raciocínio, divide-se em duas espécies: ou é contratual,
se o dever violado funda-se em contrato; ou é extracontratual, também chamada aquiliana, se esse
dever se funda no princípio geral de ordem social que obriga a respeitar o alheio.
Além da distinção entre culpa contratual e aquiliana, a doutrina reconhece
ainda outras modalidades de culpa, tais como:
a) Culpa in eligendo, é aquela proveniente da má escolha de um
representante ou preposto, como por exemplo, a pessoa admitir ou manter a seu serviço um
empregado sem as aptidões necessárias ao trabalho que lhe é confiado;
b) Culpa in vigilando, é a oriunda de falta de fiscalização por parte do
empregador, quer com respeito aos empregados, quer com respeito à própria coisa, como, por
exemplo, o proprietário de uma empresa de transporte que não fiscaliza convenientemente a
atuação de seus motoristas, ou permite o tráfego de veículos imprestáveis e que, por isso,
ocasiona acidentes. A culpa in vigilando é que justifica, também a responsabilidade dos pais por
danos causados por filhos menores;
c) Culpa in committendo caracteriza-se quando o agente pratica ato positivo
( imprudência );
d) In omittendo é a culpa decorrente de abstenção, como, por exemplo, o
agente deixa de praticar ato necessário ( negligência );
e) Culpa in custodiendo é a falta de atenção ou de cuidados sobre alguma
pessoa, coisa ou animal que esteja sob a guarda ou cuidados do agente;

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f) Culpa in concreto dá-se quando o agente deixa de atender a certas


diligências necessárias às próprias coisas;
g) Culpa in abstrato quando o agente falta com a atenção que natural e
comumente deve dispensar na administração de seus negócios.
A consequência jurídica do ato ilícito é obrigar o seu autor a reparar o dano
causado.
Concretizando isso, é que o nosso CC dispõe em seu art. 159: “Aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a
outrem, fica obrigado a reparar o dano...”
O fundamento da responsabilidade civil é, portanto, a culpa, mas tomada
esta palavra no seu duplo sentido, que se compreende nas expressões ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência.
Em verdade a culpa pode ser tomada em dois sentidos: no sentido amplo,
compreendendo o dolo; e no sentido estrito, compreendendo somente a negligência, a
imprudência, a imperícia.
Quanto à responsabilidade ela pode aparecer sob três aspectos:
1) responsabilidade por fato próprio é quando se estabelece o nexo causal
entre o agente e o dano;
2) responsabilidade por fato de terceiros é quando incumbe a alguém que
não cometeu o dano, repará-lo. Isto ocorre em virtude de vínculo jurídico especial que chamamos
de responsabilidade objetiva. Como exemplo temos filho e pai; empregado e patrão; ou
funcionário público e Estado.
3) responsabilidade pelo fato das coisas é quando o dano é causado por
coisa ou animal, cuja guarda ou vigilância estava imposta a alguém. Por exemplo, dirigir carro
alheio e causar dano a outrem, quem responderá pelo dano é o proprietário do carro; ou ainda o
cão morder alguém.
Nosso CC adotou a chamada teoria da responsabilidade subjetiva ou
culposa, também conhecida por doutrina clássica.
A essa teoria da responsabilidade subjetiva ou culposa, opõem-se muitos
mestres com fulcro na teoria da responsabilidade objetiva, do risco ou sem culpa.
Segunda ela, a responsabilidade civil e o consequente dever de indenização
decorem simplesmente do fato danoso, sem se verificar se houve culpa ou não do agente.
A teoria da responsabilidade civil sem culpa desdobra-se em duas
modalidades principais: a teoria do risco profissional ou do risco criado e a teoria do dano
objetivo, da culpa objetiva ou da culpa ex re ipsa.
As críticas e ataques que se fazem a essa teoria demonstram a sua
inadaptabilidade ao direito moderno, principalmente pelo fato de conter extremas consequências.
Ela levaria a cada um a convicção da inutilidade de qualquer esforço para
não causar prejuízos a outrem e essa consequência, além de golpear implacavelmente os
sentimentos de moral e de justiça de que se nutre o sentimento do direito, seria desastrosa do
ponto de vista de segurança do comércio jurídico, que tem na lealdade e na boa vontade dos
homens uma de suas garantias mais preciosas.
Continuando, como vimos, foi estabelecido o conceito de ato ilícito e aqui
vamos verificar que não constituem atos ilícitos aqueles que, embora causando prejuízo a outrem,
foram praticados: I- em legítima defesa; II- em estado de necessidade; III- no exercício regular do
direito.

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Neste ponto o direito civil aproxima-se intimamente do direito penal, tão


intimamente que serão comuns os subsídios doutrinários para o esclarecimento da matéria.
Verificam-se mais uma vez, os pontos de contato entre o direito público e o direito privado,
revelando o caráter uno do direito como fenômeno social.
Dispõe o Código Penal Brasileiro, em perfeita consonância com o CC, o
seguinte:
“Art. 23: Não há crime quando o agente pratica o fato:
I- Em estado de necessidade;
II- Em legítima defesa;
III- Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de
direito”.
Nestas três situações indicadas não haverá ato ilícito, nem crime. Vamos
observá-las separadamente:
I- Legítima defesa é um direito que emana diretamente da própria
personalidade e que isenta de responsabilidade civil e de crime, guardadas as condições de
legitimidade.
Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem ( art. 25 CP ),
salvo os casos especificados em lei;
II- Estado de necessidade é o que leva à deteriorização ou destruição da
coisa alheia, a fim de remover perigo iminente.
São condições de legitimidade para esse ato:
a) ser o ato absolutamente exigido pelas circunstâncias;
b) não exceder os limites do indispensável para remover o perigo, seja da
vida, da honra, do bem econômico.
Com tais requisitos, a ação da pessoa em estado de necessidade não será ato
ilícito.
Tanto nessa hipótese, do estado de necessidade, como na de legítima
defesa, não haverá a responsabilidade civil por ato ilícito, mas poderá haver a obrigação de
indenizar o dano causado, por força da própria lei e nos casos que ela indica.
Como exemplos da lei indicando o ressarcimento do dano causado temos o
art. 1.519 CC, se o dono da coisa não for o culpado do perigo. E em seu parágrafo único, em
idêntica hipótese, o que agiu em legítima defesa deverá indenizar o dano causado. Ainda, o art.
1.540 CC, em que se manda indenizar os prejuízos decorrentes de morte ou da lesão, quando a
vítima seja um terceiro e não o agressor.
III- Exercício regular de direito é a realização do seu destino próprio. A
ninguém ofende quem se mantêm dentro da ordem jurídica.
Quem tem um direito pode exercê-lo livremente, desde que o faça dentro
de certos limites que não excedam o conteúdo do próprio direito, ou que não revele intenções
prejudiciais a outrem.
A distinção entre legítima defesa e estado de necessidade é que na legítima
defesa acontece uma reação do ofendido e o perigo surge de injusta agressão; já o estado de
necessidade é um ataque e o perigo surge de acontecimento fortuito.
Nessas condições, não será ato ilícito o que for praticado por alguém, ainda
que dele resulte prejuízo a outrem.
Veja o que diz o art. 160 CC:
“Não constituem atos ilícitos:

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I- Os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito


reconhecido;
II- A deteriorização ou destruição da coisa alheia, a fim de remover perigo
iminente ( arts. 1.519 e 1.520 );
§ Único- Neste último caso, o ato será legítimo, somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável
para a remoção do perigo”.
Embasados neste artigo encontramos a figura da exclusão da ilicitude, onde
a lesão a direito alheio pode ser lícita se ela se justifica por motivo legítimo.
Estabelecendo o Código, como vimos, que não constitui ato ilícito o
praticado no exercício regular de um direito reconhecido, admitiu, a contrário sensu que será ato
ilícito o que for praticado sem ser no exercício regular de um direito reconhecido.
Ultrapassados os limites do exercício regular do direito, aparece o que se
chama abuso de direito, que é ato ilícito. O exercício anormal do direito é abusivo.

3.5. Da prescrição e da decadência

O decurso de tempo tem assinalada importância na construção jurídica,


pois nele se fundam dois institutos da maior relevância para as atividades do direito. Esses
institutos são: a decadência de direito e a prescrição.
A decadência de direito é a perda, que a pessoa sofre, de um direito,
unicamente pela expiração do prazo extintivo marcado na lei para o exercício desse direito.
O prazo extintivo opera a decadência de direito objetivamente, porque o
direito é conferido para ser exercido no prazo determinado; não sendo exercido, extingue-se.
Esse prazo extintivo não se suspende, nem se interrompe: é fatal. Atingido
seu termo, extingue-se o direito: dá-se, então, o que se chama decadência de direito.
A prescrição, em sentido geral, é o modo pelo qual, por força do decurso de
tempo, alguém se libera de uma obrigação, ou adquire um direito.
Vemos por aí que há duas espécies de prescrição: a liberatória ou extintiva
e a aquisitiva.
A prescrição extintiva, ou simplesmente prescrição, tem por fim extinguir
ações. A prescrição aquisitiva, ou mais precisamente denominada usucapião, tem por fim adquirir
o domínio pleno (propriedade), ou o domínio limitado (jus in re aliena-servidão).
A prescrição e o usucapião, portanto, originam-se de uma fonte comum,
que é o decurso do tempo, mas as hipóteses jurídicas de seu funcionamento são diferentes.
A prescrição atinge as ações que protegem os direitos, liberando o devedor,
e tem, por isso, aplicação geral a todas as relações de direito. O usucapião é um dos modos de
adquirir a propriedade pela posse da coisa, nos termos da lei.
Nosso CC não estabelece distinção entre prescrição e decadência.
Doutrinariamente, porém, há diferença, apesar de, no modo geral, essa distinção não oferecer
utilidade prática. Ainda assim vamos compará-las e também, trazer à tona a preclusão que
também é um instituto ligado à prescrição e à decadência.
A prescrição diz respeito ao exercício da ação, enquanto a decadência
refere-se ao exercício do direito.
Na decadência, o direito é conferido para ser exercido dentro de
determinado prazo, extinguindo-se se nesse prazo não for exercido. Na prescrição ocorre coisa

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diferente. Ela pressupõe desinteresse do titular do direito pela ação que iria garantir-lhe a defesa
daquele seu direito.
Na decadência, o prazo não se interrompe e nem se suspende, e não pode
também ser renunciado. A prescrição, ao contrário, pode ser interrompida ou suspensa, inclusive
é renunciável.
A prescrição resulta exclusivamente de disposição legal, ao passo que a
decadência provém não só da lei, como também do contrato e do testamento.
Decadência, portanto, é a extinção do direito, por não tê-lo exercido o seu
titular no tempo fixado em lei. Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, em
consequência do não uso dela durante determinado tempo.
Quanto à preclusão, que é a perda, extinção ou consumação de uma
faculdade processual, difere ela da prescrição, porque esta é a perda da ação concedida, em razão
do decurso de tempo para exercê-la, enquanto a preclusão representa privação de determinada
faculdade no curso do processo.
Mas vamos à prescrição. Seu conceito mais divulgado é a perda da ação
atribuída a um direito e de toda a sua capacidade defensiva, por se não ter delas usado em certo
espaço de tempo fixado nas leis.
O fundamento da prescrição é de ordem pública; visa a assegurar a
estabilidade social e respeitar as situações adquiridas.
Sendo instituto de ordem pública, equivale aos preceitos de direito público,
devendo aplicar-se, por isso, a todas as relações de direito.
A condição única para a prescrição é o decurso do tempo. A boa-fé que se
exige na prescrição aquisitiva, isto é, no usucapião, é dispensada na prescrição liberatória, isto é,
na prescrição, simplesmente, que ora nos ocupamos.
A prescrição, como já vimos, extingue os direitos patrimoniais e alienáveis,
deixando subsistir a obrigação natural. Será válido, por isso, o pagamento que for feito de dívida
já prescrita, dispondo, ainda, nosso CC, no art. 970, que “não se pode repetir o que se pagou
para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural”.
A prescrição atinge todas as ações reais e pessoais, razão por que foi o
instituto classificado na parte geral do CC, submetendo-se ao seu império todas as relações de
direito que compõem a parte especial.
Todas as pessoas, quer naturais, quer jurídicas, estão sujeitas aos efeitos da
prescrição, e poderão invocá-los sempre que lhes aproveitar. Com relação às pessoas jurídicas,
nosso CC, dizimou qualquer dúvida prescrevendo no art. 163, que as pessoas jurídicas estão
sujeitas aos efeitos da prescrição, dando ainda o direito de invocá-lo sempre que aprouver.
Há, contudo, uma exceção àquela regra ampla: é a dos absolutamente
incapazes, contra os quais não corre a prescrição. Este tema será abordado mais adiante com
riqueza de detalhes.
Não há solução de continuidade para o curso da prescrição com o fato do
falecimento de alguém: ela continua a correr contra o herdeiro. É o que está concretizado no art.
165 CC.
Prescrevendo o principal, com ele prescrevem os acessórios, o que, aliás, é
a aplicação do princípio geral, por força do qual o acessório segue o destino do principal:
accessorium sequitur principale.
Juros, rendas, frutos, penhor, hipoteca, tudo, enfim, que é acessório de uma
obrigação principal; prescreve, também, com a prescrição dessa obrigação principal. Esta
afirmativa está colocada claramente no art. 167 CC.

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Em favor dos incapazes existe sempre um amparo do direito. No que toca à


prescrição, já sabemos que ela não corre contra os absolutamente incapazes. Mas, não pára aí a
proteção legal, porque outros incapazes existem e, também, pessoas há cujos bens e interesses são
confiados à direção e vigilância de terceiros, tais são as pessoas jurídicas. Tal colocação está
disposta no art. 164 CC.
Tal dispositivo de lei se refere aos relativamente incapazes e às pessoas
jurídicas, tanto de direito público interno ( União, Estados, Municípios, Distrito Federal ), como
de direito privado ( sociedades ou associações e fundações ).
A ação regressiva constitui uma garantia de indenização pelas perdas e
danos sofridos por aquelas pessoas, em consequência da consumação da prescrição por culpa de
seus representantes. Estes respondem pelo prejuízo verificado.
Para que se verifique, entretanto, essa responsabilidade, é necessário que
tenha havido culpa do representante, isto é, dolo ou negligência.
A prescrição não opera sem a invocação daquele a quem aproveita. Para
que seja constatada e pronunciada pelo juiz, a fim de produzir seus efeitos, é necessário que o
interessado a invoque, sem o que o juiz não poderá conhecê-la. É o que está estabelecido no art.
166 CC.
Para isso, a prescrição poderá ser alegada em qualquer momento do
processo, em qualquer instância, tomada esta palavra em seus diferentes sentidos. Poderá ser
alegada na contestação, nas razões finais, no recurso de apelação, em embargos ao acórdão, na
execução da sentença, em qualquer momento, enfim, dado o seu caráter de exceção peremptória.
Tal norma foi instituída no art. 162 CC.
Ainda abordando as disposições gerais sobre a prescrição, chegamos à sua
renúncia.
Renúncia, conforme definição de Clóvis Beviláqua, é o ato jurídico pelo
qual o titular de um direito dele se despoja.
Ninguém pode renunciar à prescrição enquanto ela não se consumou,
porque, como ensina Beviláqua, a prescrição não pode ser previamente renunciada, pois, sendo
um instituto de ordem pública, independe da vontade das partes. Depois de consumada, porém, é
um direito, uma vantagem, um valor patrimonial de que o indivíduo dispõe.
A renúncia da prescrição, portanto, só é possível depois que ela se
consumar.
Consumada a prescrição, a renúncia poderá dar-se por duas formas:
expressa ou tácita.
A renúncia expressa poderá constar de qualquer declaração escrita ou
verbal, provada esta por testemunhas.
A renúncia tácita resultará de fatos praticados pelo interessado,
incompatíveis com a prescrição, tais como o pagamento total ou parcial da dívida prescrita; o
oferecimento de garantia para a sua solução; qualquer outro ato que importe o reconhecimento da
dívida, após a sua prescrição.
A validade da renúncia, porém, exige um conjunto de requisitos. Esses
requisitos são:
I- a capacidade do renunciante;
II- a consumação da prescrição;
III- não prejudicar a terceiro.
Os preceitos acima estão concretizados no art. 161 CC.

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No conjunto das regras que estruturam o instituto da prescrição, vamos


encontrar causas que impedem, suspendem e interrompem o seu curso.
Impedimento é a consequência de uma daquelas causas que obstam o
começo da prescrição. Existindo uma dessas causas, a prescrição não começa a correr.
Suspensão é a paralisação temporária do curso da prescrição, quando
sobrevém uma dessas causas que impedem o seu curso, o qual continuará logo que desapareça a
causa, somando-se os dois períodos.
Interrupção é a anulação do tempo já decorrido, que recomeçará a correr,
por inteiro, da data do ato interruptivo, ou do último ato, quando este se desdobra em vários.
O impedimento e a suspensão resultam das mesmas causas. A interrupção é
a consequência de outras.
Primeiramente vamos articular as causas que impedem ou suspendem a
prescrição.
Assim dispõe o art. 168 CC:
“Não corre a prescrição:
I- Entre os cônjuges, na constância do matrimônio;
II- Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder;
III- Entre tutelados ou curatelados e seus tutores e curadores, durante a
tutela ou curatela;
IV- Em favor do credor pignoratício, do mandatário e, em geral, das
pessoas que lhes são equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas
representantes, ou seus herdeiros, quanto ao direito e obrigações relativas aos bens confiados à
sua guarda”.
São razões de ordem moral que servem de fundamento à fixação dessas
causas de impedimento da prescrição.
Cumpre notar que, neste primeiro grupo de causas que impedem ou
suspendem a prescrição, esta não corre entre as pessoas que são indicadas, quer dizer, não corre
contra, nem a favor dessas pessoas.
O art. 169 CC dispõe:
“Também não corre a prescrição:
I- Contra os incapazes de que trata o art. 5º;
II- Contra os ausentes do Brasil em serviço público da União, dos Estados
ou dos Municípios;
III- Contra os que se acharem servindo na Armada e no Exército
nacionais, em tempo de guerra”.
Neste segundo grupo de causas que impedem ou suspendem a prescrição,
esta não corre contra as pessoas que são indicadas, mas corre a seu favor. Nisto está a diferença
entre este grupo e o do artigo anterior.
Os incapazes contra os quais não corre a prescrição são o do art. 5º CC, isto
é, os absolutamente incapazes - menores de 16 anos, loucos de todo o gênero, surdos-mudos que
não puderem exprimir a sua vontade e os ausentes declarados tais por ato do juiz.
Em todos esses casos, de modo geral, serve-lhes de fundamento o velho
aforismo romano - contra non volentem agere nulla currit proescriptio, - nenhuma prescrição
corre contra quem não pode agir.
Agora vamos ao art. 170 CC:
“Não corre igualmente:
I- Pendendo condição suspensiva;

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Direito Civil

II- Não estando vencido o prazo;


III- Pendendo ação de evicção”.
Neste terceiro grupo de causas que impedem ou suspendem a prescrição, as
razões determinantes são diferentes das anteriores. Em cada um dos casos aqui previstos, não
tendo ainda nascido o direito que seria protegido por uma ação, contra esta não poderá correr a
prescrição, pelo fato evidente de não existir contra quê deva ela correr.
Em verdade, pendendo condição suspensiva, ou não estando vencido o
prazo para a aquisição do direito, este não nasceu e, portanto, não pode existir a ação que o
protege. Consequentemente não pode correr a prescrição.
O mesmo se dá com referência à ação de evicção. Proposta esta contra o
adquirente de alguma coisa, enquanto não for resolvida a demanda, não nasceu para o adquirente
da coisa em litígio o direito de propor a ação de indenização contra o alienante e, por isso, não
pode correr a prescrição de uma ação que visa a proteger um direito que ainda não surgiu.
Devemos acrescentar a reclamação administrativa como outra causa que
impede ou suspende a prescrição.
A entrega do requerimento do interessado na repartição pública por meio
do livro ou protocolo, com a designação do dia, mês e ano da entrada, opera o efeito de suspender
a prescrição.
Essa suspensão, porém, cessa com a demora do interessado em prestar os
esclarecimentos que lhe forem reclamados, ou com o fato de não promover o andamento do feito
judicial ou do processo administrativo durante os prazos, respectivamente, estabelecidos para
extinção do seu direito ou reclamação.
Pelo que já vimos, a prescrição é um instituto de ordem pública, que atinge
todas as ações e, somente por exceção, nos casos taxativos da lei, ela não começa a correr e, se já
em curso, suspende os seus efeitos, quando se apresenta um desses casos, dos que acabamos de
examinar.
Tais casos, portanto, constituem exceção e, como tais, só se aplicam às
pessoas e às situações indicadas na lei.
Poderá dar-se, porém, que o beneficiário de uma dessas exceções esteja
ligado por vínculos jurídicos de solidariedade a outrem. Mesmo nesse caso de solidariedade, a
exceção só aproveita ao que tem em seu favor a indicação expressa da lei.
Os outros concredores solidários não aproveitam do benefício. Essa é a
regra.
Contudo, existe uma exceção a essa regra: é quando o objeto da obrigação
é indivisível. Nesta hipótese, todos aproveitam do impedimento ou suspensão da prescrição,
porque aí existe um imperativo ditado pela própria natureza das coisas.
Até então estabelecemos as diferenças que há entre impedimento,
suspensão e interrupção da prescrição.
Mostramos que o impedimento e a suspensão resultam das mesmas causas,
diferindo uma da outra em que, existindo uma das causas, a prescrição não começa a correr; se,
porém, a causa sobrevém quando a prescrição já estava em curso, suspende-se esta, até que
desapareça a causa.
O impedimento e a suspensão operam por força da lei, independentemente
de qualquer ato das partes interessadas.
A interrupção da prescrição, entretanto, depende de ato do interessado e
produz efeitos diferentes dos anteriores.

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A interrupção faz parar a prescrição, anulando todo o tempo já decorrido


até o momento em que se deu o ato interruptivo. É uma esponja que se passa, fazendo
desaparecer o que ficou para trás. Recomeçará a correr, como se nada houvesse anteriormente.
Fixando as causas que interrompem a prescrição, o nosso CC dispôs no art.
172 o seguinte:
“A prescrição interrompe-se:
I- Pela citação pessoal feita ao devedor, ainda que ordenada por juiz
incompetente;
II- Pelo protesto, nas condições do número anterior;
III- Pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário, ou em
concurso de credores;
IV- Por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
V- Por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe
reconhecimento do direito pelo devedor”.
Vamos estudar separadamente estas causas:
I- O primeiro caso é o da citação pessoal feita ao devedor, ainda que
ordenada por juiz incompetente.
Citação é o chamamento de alguém a juízo para a propositura de uma
demanda, ou execução de uma sentença. Esta primeira causa de interrupção, portanto, diz respeito
às ações que são propostas, ou às execuções de sentença que são iniciadas contra o devedor. A
citação, nessas hipóteses, tem, também, o efeito de interromper a prescrição.
Segundo nosso código de Processo Civil, a prescrição considerar-se-á
interrompida na data do despacho que ordenar a citação. A seguir, esta citação deverá ser
promovida no prazo de 10 dias, contadas do despacho.
Entretanto, se a citação for nula, por não terem sido observadas as
determinações legais para a sua validade, ou não for seguida de outros termos do processo que
excluam a consequência da desistência tácita pelo autor, não se dará a interrupção da prescrição: é
como se nada tivesse havido; é tempo perdido para o credor e ganho para a prescrição. Isto
constitui uma exceção à regra.
Cumpre notar, porém, que, se o réu compareceu em juízo, ficará suprida a
falta de citação, e a interrupção da prescrição prevalecerá.
II- A segunda causa interruptiva da prescrição é o protesto, nas condições
do número anterior.
Há três espécies de protestos no nosso direito processual: a) o protesto para
prevenir responsabilidade, prover a conservação e ressalva de direitos, ou manifestar, de modo
formal, qualquer intenção; b) o protesto formulado a bordo, e; c) o protesto de títulos, contas
assinadas ou judicialmente verificadas.
O protesto a que se refere este inciso é o primeiro deles, pois se destina a
prover a conservação de direitos. É, portanto, um ato judicial, que requer despacho do juiz e
notificação do devedor.
Nas condições do número anterior, diz este inciso, para significar que a
interrupção da prescrição se dará mesmo que a notificação seja ordenada por juiz incompetente,
conforme lá está expresso.
Da mesma forma que se dá com a citação, interrompe-se a prescrição com
o simples despacho que ordena a notificação do protesto.
III- A terceira causa é a apresentação do título de crédito em juízo de
inventário ou em concurso de credores.

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Há aqui duas hipóteses em que se pode interromper a prescrição: em


processo de inventário e em concurso de credores.
Falecendo o devedor, o credor poderá pedir o pagamento da dívida no
inventário. Com isso interrompe-se a prescrição.
Pouco importa que os herdeiros impugnem a dívida e o credor tenha que
recorrer aos meios comuns para a cobrança.
A interrupção dá-se com a simples apresentação do título de crédito no
juízo do inventário.
A outra hipótese é a do concurso de credores.
Tal qual como se dá no processo de inventário, a apresentação do título de
crédito em concurso de credores, promovido contra o devedor comum, tem o efeito de
interromper a prescrição.
IV- Por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor. Além dos
casos anteriores, que são os mais comuns para a interrupção da prescrição, o Código acrescenta
este quarto, que poderia parecer uma redundância.
Entretanto, qualquer outro ato judicial que venha a constituir em mora o
devedor, terá o efeito de interromper a prescrição.
Assim, por exemplo, a interpelação e a notificação, no caso do art. 960,
alínea, CC, que diz: “Não havendo prazo assinado, começa ela (a mora) desde a interpelação,
notificação ou protesto”.
V- Finalmente, por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que
importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Nos quatro casos anteriores, quem age para interromper a prescrição, é o
titular do direito, isto é, o credor.
Nesta quinta causa, porém, a interrupção se dá por qualquer ato inequívoco
do devedor, que importe reconhecimento da dívida.
Esse ato pode ser judicial ou extrajudicial; pode ser expresso ou tácito.
É expresso quando resulta de qualquer declaração do devedor
reconhecendo a dívida, por exemplo: uma carta pedindo espera para o pagamento; prometendo
fazê-lo em outra ocasião, ou pedindo para realizá-lo em prestações.
É tácito quando resulta de qualquer ação que também importe o
reconhecimento da dívida, por exemplo: o pagamento dos juros, a garantia dada à divida (caução,
penhor, hipoteca), o pagamento por conta, etc.
Desde que haja manisfestação inequívoca do devedor reconhecendo a
existência da dívida, interrompe-se a prescrição.
Mas, a quem compete promover a interrupção da prescrição? Responde à
questão o art. 174 CC, que diz o seguinte:
“Em cada um dos casos do art. 172, a interrupção pode ser promovida:
I- Pelo próprio titular do direito em via de prescrição;
II- Por quem legalmente o represente;
III- Por terceiro que tenha legítimo interesse”.
Vamos a eles, um a um, esclarecendo que a lei, de modo geral, não
restringe o número de vezes que se pode interromper a prescrição:
I- Em primeiro lugar, como é natural, vem o próprio titular do direito em
via de prescrição. É o próprio credor.
A ele interessa diretamente preservar o seu direito e, por isso, ele tem a
faculdade de agir por qualquer um dos modos indicados no art. 172 CC, isto é, promovendo a

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ação de cobrança, protestando judicialmente o título, apresentando-o em juízo de inventário ou


concurso de credores, ou constituindo em mora o devedor por qualquer ato judicial.
II- Em segundo lugar, vem o que legalmente representa o titular do direito.
O pai, ou a mãe, o tutor e o curador são representantes legais dos incapazes,
como já vimos, e têm o dever de interromper a prescrição em favor de seu filho, pupilo e
curatelado, até porque lhes cabe responsabilidade na omissão dessa providência, conforme já
sabemos, quando estudamos a doutrina do art. 164 CC.
Da mesma forma, o procurador e o administrador são legalmente
representantes do titular do direito e podem agir para interromper a prescrição que prejudicaria a
este.
III- O terceiro que tenha legítimo interesse. Terceiro é aquele que não
tomou parte no ato. Mas, para que o terceiro possa interromper a prescrição, é necessário que
tenha legítimo interesse.
Esse legítimo interesse não poderá deixar de ser entendido em consonância
com o disposto no art. 76 CC: “Para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo
interesse econômico ou moral”.
No art. 175 CC, há referência à citação nula por vício de forma. Porém,
nenhuma restrição substancial trouxe à nulidade da citação. Há defeito de forma quando a citação
não obedece aos preceitos que a lei estabelece para a constituição do ato. Desse modo, desde que
a citação não atenda aos requisitos da lei, será uma citação nula e, nessas condições, não
interrompe a prescrição.
Mas o réu poderá comparecer espontaneamente no processo para arguir sua
nulidade e sendo esta decretada, considerar-se-á feita a citação da data em que ele ou seu
advogado for intimado da decisão.
Ainda no art. 175 CC está disposto que a prescrição não se interrompe pela
citação circunduta. Diz-se citação circunduta quando o autor não comparece para acusá-la na
audiência para a qual fez citar o réu. Assim sendo, circunduta a ação, o prazo de prescrição
continua a correr, não ocorrendo, portanto, a interrupção do prazo.
Outra causa prevista no art. 175 CC e que não provoca a interrupção da
prescrição é a perempção da instância. Dá-se a perempção da instância quando o autor
praticamente desiste da ação, como por exemplo, ficando o processo paralisado por mais de 30
dias, por não ter o autor promovido os atos e diligências que lhe competiam; quando a petição
inicial for indeferida por inépcia, etc.
Há também a perempção da ação. Esse dispositivo, constante do art. 175
CC, é praticamente inócuo pois não há a hipótese de se invocar a perempção da ação, para
justificar a interrupção da prescrição. Por exemplo: uma ação julgada, a final, improcedente, não
poderá ela ser renovada, e se o for, o réu invocará a coisa julgada como preliminar da
constestação, com o que, obviamente, inutiliza a interrupção da prescrição, pois esta não se inicia.
Vamos conhecer os efeitos da interrupção da prescrição:
O primeiro efeito da interrupção é anular todo o tempo decorrido antes
dela. Desaparece o que ficou para trás.
Interrompida, desse modo, a prescrição começa a correr, de novo, da data,
do ato, quando se consuma em um momento. Por exemplo: feito o protesto, o tempo prescricional
começa a correr, de novo, dessa data, ou seja da data do despacho que autorizou a notificação do
devedor. O mesmo se dá com a apresentação do título em juízo de inventário, ou em concurso de
credores; com qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor e com qualquer ato
inequívoco do devedor, reconhecendo a sua dívida.

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Direito Civil

Há, porém, um caso em que a interrupção tem efeito continuativo, de


maneira que a prescrição se vai interrompendo sucessivamente, à medida que se vão sucedendo
os atos processuais. É o caso do número I do art. 172 CC, em que se dá ação, ou execução, cuja
citação inicial interrompe a prescrição e os atos sucessivos do processo operam o mesmo efeito,
contando-se, portanto, do último ato o prazo prescricional.
Outros efeitos produz, ainda, a interrupção da prescrição.
Como regra geral, a interrupção não se estende de pessoa a pessoa, isto é,
promovida por um dos credores, só aproveita ao que promoveu a interrupção; da mesma forma,
interrompida contra um co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
Essa regra geral, porém, comporta três exceções:
I- Quando se trata de crédito ou dívida em que haja solidariedade, isto é,
quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com
direito, ou obrigação à dívida toda. Nesta hipótese, de solidariedade, a interrupção aberta por um
dos credores aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor envolve os
demais e seus herdeiros. Há uma representação tácita nascida da solidariedade.
II- Não passando a solidariedade ativa ou passiva aos herdeiros, a
interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica aos outros
herdeiros ou devedores, senão quando se trata de obrigações e direitos individuais, isto é, que
somente por inteiro podem ser cumpridas, por impossibilidade de fracionar-se a prestação sem
destruí-la.
Nesta hipótese, portanto, para que se interrompa a prescrição contra todos
os herdeiros, não sendo indivisíveis as obrigações e direitos, é necessário que se promova a
interrupção contra todos eles, porque a simples solidariedade, ativa ou passiva, não se transmite
aos herdeiros.
III- Interrompida a prescrição contra o devedor principal, fica interrompida,
também, para o seu fiador, o que é uma aplicação do princípio segundo o qual o acessório segue o
principal.
A prescrição constitui-se pelo decurso de tempo. Esse decurso do tempo,
portanto, não poderia deixar de ser limitado para saber-se qual o termo em que a prescrição se
consumaria.
A fixação desse limite ao decurso de tempo é que se denomina prazo da
prescrição, que começa, em regra, do dia em que o credor pode exigir do devedor o cumprimento
da obrigação.
Os prazos da prescrição só podem ser determinados pela lei. Matéria de
ordem pública, escapa ao juiz, ou às partes, a possibilidade de estabelecer os prazos
prescricionais.
Eis porque nosso CC discrimina diversos prazos de prescrição,
estabelecendo os de prescrição ordinária e outros de prescrição especial, prescrições curtas.
A prescrição ordinária é fixada no art. 177 CC, que tem a seguinte redação:
“As ações pessoais prescrevem ordinariamente em vinte anos, as reais em
dez entre presentes e, entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido
propostas”.
Neste dispositivo se estabelecem regras gerais para a prescrição das ações.
Ações pessoais são as que se fundam no direito de crédito, ou de obrigação.
Compreendem as pessoais propriamente ditas, isto é, as que resultam de contrato ou declaração
unilateral da vontade, as que resultam de atos ilícitos e as de nulidade em geral; as pessoais in
rem escriptæ, isto é, as que podem ser intentadas contra terceiro possuidor, como a pauliana, a da

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cláusula retro, a exibitória, a de petição de herança; e as mistas, isto é, as que se originam de um


direito sobre a coisa, mas são, também, de obrigação, com as de divisão, de demarcação e de
partilha.
Ações reais são as que se fundam em direito real.
A prescrição ordinária estabelecida para as ações reais, porém, só pode ser
entendida para as que se referem aos direitos reais sobre imóveis, pois deve ser combinada com
os prazos do usucapião do art. 551 CC, porque o direito do adquirente elimina o do antigo titular.
Não abrange as ações reais resultantes de direitos reais sobre móveis, porque o usucapião destes
se consumam em três anos, de acordo com o disposto no art. 618 CC.
Estão, igualmente, excluídas dessa prescrição ordinária de quinze anos
entre ausentes e dez entre presentes, as ações reais, do dono do imóvel contra o possuidor que não
tiver título e boa-fé, nos termos do art. 550 CC, cujo prazo é hoje de 20 anos, bem como as
hipotecárias, ou de outra garantia real (penhor e anticrese), porque, sendo essas garantias reais um
acessório do principal, acompanham a sorte da dívida de que são adjetos.
Assim compreendido o art. 177 CC, poderemos desdobrá-lo em seus prazos
ordinários de prescrição, para concluir que a prescrição ordinária é a seguinte:
Em vinte anos: a) as ações pessoais propriamente ditas; as in rem scriptæ e
as mistas; b) as reais: do dono do imóvel contra o possuidor que não tiver justo título e boa-fé
(art. 550 CC) e as de garantia real (hipoteca, penhor, anticrese), se for de vinte anos a prescrição
da obrigação principal.
Em quinze anos: as ações reais, entre ausentes, relativas a direitos reais
sobre imóveis.
Em dez anos: as ações reais, entre presentes, quer dizer entre pessoas que
moram no mesmo município (§ único do art. 551 CC).
Agora vamos às prescrições curtas do art. 178 CC, que tem a seguinte
redação:
“Prescreve:
§ 1º- Em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o
matrimônio contraído com mulher já deflorada (arts. 218, 219, n.IV, e 220 CC).
§ 2º- Em quinze dias, contados da tradição da coisa, a ação para haver
abatimento do preço da coisa móvel, recebida com vício redibitório, ou para rescindir o contrato
e reaver o preço pago, mais perdas e danos.
§ 3º- Em dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, a
ação para este contestar a legitimidade do filho de sua mulher (arts 338 e 344).
§ 4º- Em três meses:
I- A mesma ação do parágrafo anterior, se o marido se achava ausente, ou
lhe ocultaram o nascimento; contado o prazo do dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro
caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo.
II- A ação do pai, tutor, ou curador para anular casamento do filho,
pupilo, ou curatelado, contraído sem o consentimento daqueles, nem o seu suprimento pelo juiz;
contado o prazo do dia em que tiverem ciência do casamento (arts. 180, n. III, 183 n. XI, 209 e
213).
§ 5º- Em seis meses:
I- (revogado)
II- A ação para anular o casamento do incapaz de consentir, promovida
por este, quando se torne capaz, por seus representantes legais, ou pelos herdeiros; contado o

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Direito Civil

prazo do dia em que cessou a incapacidade, no primeiro caso, do casamento, no segundo, e, no


terceiro, da morte do incapaz, quando esta ocorra durante a incapacidade (art. 212).
III- A ação para anular o casamento da menor de dezesseis e do menor de
dezoito anos; contado o prazo do dia em que o menor perfez essa idade, se a ação for por ele
movida, e da data do matrimônio, quando o for por seus representantes legais (art.213 a 216), ou
pelos parentes designados no art. 190.
IV- A ação para haver o abatimento do preço da coisa imóvel, recebida
com vício redibitório, ou para rescindir o contrato comutativo, e haver o preço pago, mais
perdas e danos, contado o prazo da tradição da coisa.
V- A ação dos hospedeiros, estalajadeiros ou fornecedores de víveres
destinados ao consumo no próprio estabelecimento, pelo preço da hospedagem ou dos alimentos
fornecidos; contado o prazo do último pagamento.
§ 6º- Em um ano:
I- Ação do doador para revogar a doação; contado o prazo do dia em que
souber do fato, que o autoriza a revogá-la (art. 1.181 a 1.187).
II- A ação do segurado contra o segurador e vice-versa, se o fato que a
autoriza se verificar no país; contado o prazo do dia em que o interessado tiver conhecimento do
mesmo fato (art. 178, §7º, n V).
III- A ação do filho, para desobrigar e reivindicar os imóveis de sua
propriedade, alienados ou gravados pelo pai fora dos casos expressamente legais; contado o
prazo do dia em que chegar à maioridade (arts. 386 e 388, n. I).
IV- A ação dos herdeiros do filho, no caso do número anterior, contando-
se o prazo do dia do falecimento, se o filho morrer menor, e bem assim a de seu representante
legal, se o pai decaiu do pátrio poder, correndo o prazo da data em que houver decaído (art. 386
e 388, ns. II e III).
V- A ação de nulidade da partilha; contado o prazo da data em que a
sentença da partilha passou em julgado (art. 1.805).
VI- A ação dos professores, mestres ou repetidores de ciência, literatura ou
arte, pelas lições que derem, pagáveis por períodos não excedentes a um mês; contado o prazo
do termo de cada período vencido.
VII- A ação dos donos de casa de pensão, educação, ou ensino, pelas
prestações dos seus pensionistas, alunos ou aprendizes; contado o prazo de vencimento de cada
uma.
VIII- A ação dos tabeliães e outros oficiais do juízo, porteiros do auditório
e escrivães, pelas custas dos atos que praticarem; contado o prazo da data daqueles por que elas
se deverem.
IX- A ação dos médicos, cirurgiões ou farmacêuticos, por suas visitas,
operações ou medicamentos; contado o prazo da data do último serviço prestado.
X- A ação dos advogados, solicitadores, curadores, peritos e procuradores
judiciais, para o pagamento de seus honorários; contado o prazo do vencimento do contrato, da
decisão final do processo, ou da revogação do mandato.
XI- A ação do proprietário do prédio desfalcado contra o do prédio
aumentado pela avulsão, nos termos do art. 541; contado do dia, em que ela ocorreu, o prazo
prescribente.
XII- A ação dos herdeiros do filho para prova da legitimidade da filiação;
contado o prazo da data do seu falecimento se houver morrido ainda menor ou incapaz.
XIII - (revogado)

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Direito Civil

§ 7º- Em dois anos:


I- A ação do cônjuge para anular o casamento nos casos do art. 219, ns. I,
II e III; contado o prazo da data da celebração do casamento; e da data da execução deste
Código para os casamentos anteriormente celebrados.
II- A ação dos credores por dívida inferior a cem mil-réis, salvo as
contempladas nos ns. VI a VIII do § anterior; contado o prazo do vencimento respectivo, se
estiver prefixado, e, no caso contrário, do dia em que foi contraída.
III- A ação dos professores, mestres e repetidores de ciência, literatura ou
arte, cujos honorários sejam estipulados em prestações correspondentes a períodos maiores de
um mês; contado o prazo do vencimento da última prestação.
IV- A ação dos engenheiros, arquitetos, agrimensores e estereômetras, por
seus honorários; contado o prazo do termo de seus trabalhos.
V- A ação do segurado contra o segurador e, vice-versa, se o fato que a
autoriza se verificar fora do Brasil; contado o prazo do dia em que desse fato soube o
interessado (art. 178, §6º, n. II).
VI- A ação do cônjuge ou seus herdeiros necessários para anular a doação
feita pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice; contado o prazo da dissolução da sociedade
conjugal (art. 1.177).
VII- A ação do marido ou dos seus herdeiros, para anular atos da mulher,
praticados sem o seu consentimento, ou sem o suprimento do juiz; contado o prazo do dia em que
se dissolver a sociedade conjugal (arts. 252 e 315).
§ 8º- Em três anos:
A ação do vendedor para resgatar o imóvel vendido; contado o prazo da
data da escritura, quando se não fixou no contrato prazo menor (art. 1.141).
§ 9º- Em quatro anos:
I- Contados da dissolução da sociedade conjugal, a ação da mulher para:
a) desobrigar ou reivindicar os imóveis do casal, quando o marido os
gravou, ou alienou sem outorga uxória, ou suprimento dela pelo juiz (arts. 235 e 237).
b) anular as fianças prestadas e as doações feitas pelo marido fora dos
casos legais (arts. 235, ns. III e IV, e 236).
c) reaver do marido o dote (art. 300), ou os outros bens seus, confiados à
administração marital (arts. 233, n. II, 263, ns. VIII e IX, 269, 289, n. I, 300, 311, n. III).
II- A ação dos herdeiros da mulher, nos casos das letras a, b e c do número
anterior, quando ela faleceu, sem propor a que ali se lhe assegura; contado o prazo da data do
falecimento (arts. 239, 295, n. II, 300 e 311, n. III).
III- A ação da mulher ou seus herdeiros para desobrigar ou reivindicar os
bens dotais alienados ou gravados pelo marido; contado o prazo da dissolução da sociedade
conjugal (arts. 293 a 296).
IV- A ação do interessado em pleitear a exclusão do herdeiro (arts. 1.595 e
1.596), ou provar a causa da sua deserdação (arts. 1.741 a 1.745), e bem assim a ação do
deserdado para impugnar; contado o prazo da abertura da sucessão.
V- A ação de anular ou rescindir os contratos, para a qual se não tenha
estabelecido menor prazo; contado este:
a) no caso de coação, do dia em que ela cessar;
b) no de erro, dolo, simulação, ou fraude, do dia em que se realizar o ato
ou o contrato;
c) quanto aos atos dos incapazes, do dia em que cessar a incapacidade;

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d) (revogado)
VI- A ação do filho natural para impugnar o reconhecimento, contado o
prazo do dia em que atingir a maioridade ou se emancipar.
§10- Em cinco anos:
I- As prestações de pensões alimentícias.
II- As prestações de rendas temporárias ou vitalícias.
III- Os juros, ou quaisquer outras prestações acessórias pagáveis
anualmente, ou em períodos mais curtos.
IV- Os alugueres de prédio rústico ou urbano.
V- A ação dos serviçais, operários e jornaleiros, pelo pagamento dos seus
salários.
VI- (revogado)
Os prazos dos números anteriores serão contados do dia em que cada
prestação, juro, aluguel ou salário for exigível.
VII- (revogado)
VIII- (revogado)
IX- A ação por ofensa ou dano causados ao direito de propriedade;
contado o prazo da data em que se deu a mesma ofensa ou dano.
X- (revogado).

Vamos então comentar separadamente os casos apresentados no art. 178


CC:
“Prescreve:
§ 1º- Em dez dias, contados do casamento, a ação do marido para anular o
matrimônio contraído com mulher já deflorada (arts. 218, 219, n.IV, e 220 CC).
O prazo aqui estabelecido é de decadência do direito, ou prazo extintivo.
§ 2º- Em quinze dias, contados da tradição da coisa, a ação para haver
abatimento do preço da coisa móvel, recebida com vício redibitório, ou para rescindir o contrato
e reaver o preço pago, mais perdas e danos.
Trata-se de vícios redibitórios em coisa móvel. O prazo da prescrição varia,
pois, conforme se trate de coisa móvel, ou imóvel.
§ 3º- Em dois meses, contados do nascimento, se era presente o marido, a
ação para este contestar a legitimidade do filho de sua mulher (arts 338 e 344).
É este, como o do § 4º, um caso de decadência de direito e não de simples
prescrição.
§ 4º- Em três meses:
I- A mesma ação do parágrafo anterior, se o marido se achava ausente, ou
lhe ocultaram o nascimento; contado o prazo do dia de sua volta à casa conjugal, no primeiro
caso, e da data do conhecimento do fato, no segundo.
A hipótese deste inciso é a mesma do § 3º, com a diferença, apenas, de que,
neste caso -quando o marido estava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento- a prescrição é de três
meses; e, na outra -quando o marido estava presente- é de dois meses.
II- A ação do pai, tutor, ou curador para anular casamento do filho,
pupilo, ou curatelado, contraído sem o consentimento daqueles, nem o seu suprimento pelo juiz;
contado o prazo do dia em que tiverem ciência do casamento (arts. 180, n. III, 183 n. XI, 209 e
213).

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Direito Civil

As remissões feitas esclarecem, sem deixar dúvida, a hipótese figurada no


inciso transcrito.
§ 5º- Em seis meses:
I- (revogado)
II- A ação para anular o casamento do incapaz de consentir, promovida
por este, quando se torne capaz, por seus representantes legais, ou pelos herdeiros; contado o
prazo do dia em que cessou a incapacidade, no primeiro caso, do casamento, no segundo, e, no
terceiro, da morte do incapaz, quando esta ocorra durante a incapacidade (art. 212).
Não podem se casar as pessoas que forem incapazes de consentir, ou
manifestar, de modo inequívoco, o consentimento. Realizado, portanto, o casamento com
infração dessas proibições, poderá ele ser anulado pelo incapaz, quando se torne capaz; por seus
representantes legais, desde o dia do casamento; ou pelos herdeiros do incapaz, se este morreu
durante a incapacidade. O início do prazo da prescrição de seis meses será, respectivamente, da
data em que se tornou capaz o cônjuge; do dia do casamento, ou da morte do incapaz durante a
incapacidade.
III- A ação para anular o casamento da menor de dezesseis e do menor de
dezoito anos; contado o prazo do dia em que o menor perfez essa idade, se a ação for por ele
movida, e da data do matrimônio, quando o for por seus representantes legais (art.213 a 216), ou
pelos parentes designados no art. 190.
A idade nupcial é de 16 anos para as mulheres e 18 para os homens,
conforme diz o art. 183, XII, CC. O casamento efetuado com infração deste dispositivo é anulável
por ação que deverá ser proposta no prazo de seis meses, a contar dos momentos indicados no
inciso.
IV- A ação para haver o abatimento do preço da coisa imóvel, recebida
com vício redibitório, ou para rescindir o contrato comutativo, e haver o preço pago, mais
perdas e danos, contado o prazo da tradição da coisa.
Conforme conceituação do art. 1.101 CC, redibitórios são os vícios ou
defeitos ocultos que tornam a coisa imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuem o valor.
Adquirida uma coisa com esses vícios, ou defeitos, poderá o adquirente pedir o abatimento do
preço, ou rescindir o contrato. Se a coisa é imóvel, o prazo da rescisão é de seis meses; se é
móvel, de quinze dias.
V- A ação dos hospedeiros, estalajadeiros ou fornecedores de víveres
destinados ao consumo no próprio estabelecimento, pelo preço da hospedagem ou dos alimentos
fornecidos; contado o prazo do último pagamento.
O início do prazo prescricional fixado neste item será muitas vezes difícil
de ser encontrado. Não tendo havido nenhum pagamento, não será fácil saber-se quando começa
a correr a prescrição.
§ 6º- Em um ano:
I- Ação do doador para revogar a doação; contado o prazo do dia em que
souber do fato, que o autoriza a revogá-la (art. 1.181 a 1.187).
Os fatos que autorizam a revogação da doação constam dos arts. 1.181 a
1.187 CC, a que faz remissão o item transcrito. Esta prescrição diz respeito à revogação por
ingratidão, ou inexecução do encargo.
II- A ação do segurado contra o segurador e vice-versa, se o fato que a
autoriza se verificar no país; contado o prazo do dia em que o interessado tiver conhecimento do
mesmo fato (art. 178, §7º, n V).

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Direito Civil

No art. 178, § 7º, V, CC, veremos que, na mesma hipótese, quando o fato
que autoriza a ação se verifica fora do Brasil, o prazo da prescrição é de dois anos. Verificando-
se, porém, no Brasil, será de um ano.
III- A ação do filho, para desobrigar e reivindicar os imóveis de sua
propriedade, alienados ou gravados pelo pai fora dos casos expressamente legais; contado o
prazo do dia em que chegar à maioridade (arts. 386 e 388, n. I).
Como administradores legais dos bens dos filhos, não podem os pais
alienar, ou gravar esses bens, a não ser por necessidade, ou evidente utilidade, mediante prévia
autorização do juiz (arts. 385 e 386). Se o fizerem, podem os filhos anular tais atos e, para isso,
têm o prazo de um ano a contar da data em que atingirem a maioridade.
IV- A ação dos herdeiros do filho, no caso do número anterior, contando-
se o prazo do dia do falecimento, se o filho morrer menor, e bem assim a de seu representante
legal, se o pai decaiu do pátrio poder, correndo o prazo da data em que houver decaído (art. 386
e 388, ns. II e III).
A hipótese deste inciso é a mesma do número anterior, cabendo, porém, a
ação aos herdeiros do filho, ou ao seu representante legal, nas situações indicadas.
V- A ação de nulidade da partilha; contado o prazo da data em que a
sentença da partilha passou em julgado (art. 1.805).
Trata-se da partilha de bens em inventário. Uma vez julgada esta por
sentença, que passou em julgado, a sua nulidade, pelos vícios e defeitos que invalidam, em geral,
os atos jurídicos, só poderá ser pleiteada no prazo de um ano, a contar da data em que a sentença
transitou em julgado. Combina-se este inciso com o disposto no art. 1.805 CC.
VI- A ação dos professores, mestres ou repetidores de ciência, literatura ou
arte, pelas lições que derem, pagáveis por períodos não excedentes a um mês; contado o prazo
do termo de cada período vencido.
Quando o período do pagamento excede de um mês, o prazo da prescrição
é de dois anos.
VII- A ação dos donos de casa de pensão, educação, ou ensino, pelas
prestações dos seus pensionistas, alunos ou aprendizes; contado o prazo de vencimento de cada
uma.
VIII- A ação dos tabeliães e outros oficiais do juízo, porteiros do auditório
e escrivães, pelas custas dos atos que praticarem; contado o prazo da data daqueles por que elas
se deverem.
Os três incisos acima transcritos (VI, VII e VIII, deste §) foram
expressamente excluídos do prazo maior de dois anos.
IX- A ação dos médicos, cirurgiões ou farmacêuticos, por suas visitas,
operações ou medicamentos; contado o prazo da data do último serviço prestado.
Na expressão médico compreendem-se os dentistas, parteiras, veterinários e
todos os que exercem a arte de curar, ou cooperam para a cura.
X- A ação dos advogados, solicitadores, curadores, peritos e procuradores
judiciais, para o pagamento de seus honorários; contado o prazo do vencimento do contrato, da
decisão final do processo, ou da revogação do mandato.
XI- A ação do proprietário do prédio desfalcado contra o do prédio
aumentado pela avulsão, nos termos do art. 541; contado do dia, em que ela ocorreu, o prazo
prescribente.
O direito resultante da avulsão está contido no art. 541 CC, que diz:
“Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a

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outro, poderá o dono do primeiro reclamá-lo do segundo, cabendo a este a opção entre aquiescer a
que se remova a parte acrescida ou indenizar ao reclamante”.
XII- A ação dos herdeiros do filho para prova da legitimidade da filiação;
contado o prazo da data do seu falecimento se houver morrido ainda menor ou incapaz.
Essa prescrição se relaciona com o direito instituído no art. 350 CC, que
diz: “A ação de prova da filiação legítima compete ao filho, enquanto viver, passando aos
herdeiros, se ele morre menor, ou incapaz”.
XIII - (revogado)
§ 7º- Em dois anos:
I- A ação do cônjuge para anular o casamento nos casos do art. 219, ns. I,
II e III; contado o prazo da data da celebração do casamento; e da data da execução deste
Código para os casamentos anteriormente celebrados.
Trata-se da anulação do casamento por causa de erro essencial quanto à
pessoa do outro cônjuge.
II- A ação dos credores por dívida inferior a cem mil-réis, salvo as
contempladas nos ns. VI a VIII do § anterior; contado o prazo do vencimento respectivo, se
estiver prefixado, e, no caso contrário, do dia em que foi contraída.
A prescrição aqui estabelecida deve ser entendida em consonância com o
disposto no art. 952 CC, que diz: “Salvo disposição especial deste Código e não tendo sido
ajustada época para o pagamento, o credor pode exigí-lo imediatamente”.
III- A ação dos professores, mestres e repetidores de ciência, literatura ou
arte, cujos honorários sejam estipulados em prestações correspondentes a períodos maiores de
um mês; contado o prazo do vencimento da última prestação.
Trata-se aqui das aulas particulares, dadas em domicílio, e não em
estabelecimentos próprios para esse fim. Quando os honorários forem estipulados por mês, ou
prazo menor, a prescrição será de um ano.
IV- A ação dos engenheiros, arquitetos, agrimensores e estereômetras, por
seus honorários; contado o prazo do termo de seus trabalhos.
Trata-se dos serviços de engenharia e dos seus serviços auxiliares, em
várias especialidades. Terminado cada um desses serviços, começa a correr o prazo da prescrição
dos honorários, que é de dois anos.
V- A ação do segurado contra o segurador e, vice-versa, se o fato que a
autoriza se verificar fora do Brasil; contado o prazo do dia em que desse fato soube o
interessado (art. 178, §6º, n. II).
A hipótese prevista nesse item diz respeito ao fato que se verifica fora do
Brasil. Quando no Brasil, o prazo é outro.
VI- A ação do cônjuge ou seus herdeiros necessários para anular a doação
feita pelo cônjuge adúltero ao seu cúmplice; contado o prazo da dissolução da sociedade
conjugal (art. 1.177).
Essa prescrição corresponde ao direito conferido no art. 1.177 CC, que diz:
“A doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice, pode ser anulada pelo outro cônjuge, ou por seus
herdeiros necessários, até dois anos depois de dissolvida a sociedade conjugal”.
VII- A ação do marido ou dos seus herdeiros, para anular atos da mulher,
praticados sem o seu consentimento, ou sem o suprimento do juiz; contado o prazo do dia em que
se dissolver a sociedade conjugal (arts. 252 e 315).

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Direito Civil

As remissões feitas indicam o direito onde se origina a ação e os casos de


dissolução da sociedade conjugal, isto é, a morte, a nulidade ou anulação do casamento e a
separação.
§ 8º- Em três anos:
A ação do vendedor para resgatar o imóvel vendido; contado o prazo da
data da escritura, quando se não fixou no contrato prazo menor (art. 1.141).
Essa prescrição se refere ao caso da retrovenda, disciplinada nos art. 1.140
a 1.143 CC.
§ 9º- Em quatro anos:
I- Contados da dissolução da sociedade conjugal, a ação da mulher para:
a) desobrigar ou reivindicar os imóveis do casal, quando o marido os
gravou, ou alienou sem outorga uxória, ou suprimento dela pelo juiz (arts. 235 e 237).
b) anular as fianças prestadas e as doações feitas pelo marido fora dos
casos legais (arts. 235, ns. III e IV, e 236).
c) reaver do marido o dote (art. 300), ou os outros bens seus, confiados à
administração marital (arts. 233, n. II, 263, ns. VIII e IX, 269, 289, n. I, 300, 311, n. III).
As remissões feitas esclarecem suficientemente cada uma das hipóteses
indicadas nos três itens desse inciso legal. No caso da letra a, porém, cumpre notar que o ato
praticado pelo marido, naquelas condições, é ato e, portanto, essa nulidade poderá ser alegada por
quem tiver interesse no caso, ou pelo Ministério Público, ou pronunciada pelo juiz, quando a
encontrar nos autos. A prescrição aí instituída diz respeito à ação da mulher para desobrigar ou
reivindicar os imóveis do casal nos casos indicados, que constituem atos nulos.
II- A ação dos herdeiros da mulher, nos casos das letras a, b e c do número
anterior, quando ela faleceu, sem propor a que ali se lhe assegura; contado o prazo da data do
falecimento (arts. 239, 295, n. II, 300 e 311, n. III).
Morrendo a mulher sem exercitar a ação a que tinha direito, esta passa para
os seus herdeiros, no prazo de quatro anos, a contar da data do falecimento dela.
III- A ação da mulher ou seus herdeiros para desobrigar ou reivindicar os
bens dotais alienados ou gravados pelo marido; contado o prazo da dissolução da sociedade
conjugal (arts. 293 a 296).
As remissões desse inciso esclarecem as hipóteses previstas. A prescrição é
da ação para desobrigar ou reivindicar os bens dotais alienados, ou gravados pelo marido.
IV- A ação do interessado em pleitear a exclusão do herdeiro (arts. 1.595 e
1.596), ou provar a causa da sua deserdação (arts. 1.741 a 1.745), e bem assim a ação do
deserdado para impugnar; contado o prazo da abertura da sucessão.
Esse item se refere a três hipóteses: 1ª) à ação do interessado em pleitear a
exclusão do herdeiro. Trata-se da ação de indignidade, que exclui da sucessão o herdeiro, ou
legatário, que tenha cometido um dos atos a que se refere o art. 1.595 CC, devendo a exclusão ser
declarada por sentença, em ação ordinária, movida por quem tenha interesse na sucessão,
conforme o disposto no art. 1.596; 2ª) à prova da causa da deserdação do herdeiro. Trata-se do
caso em que, tendo havido a deserdação do herdeiro, em testamento, conforme o disposto nos
arts. 1.741 e 1.742 CC, incumbe ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação,
provar a veracidade da causa alegada pelo testador. Essa prova deverá ser feita por qualquer meio
admitido em direito e deverá ser complementar da declaração de causa feita no testamento para
que este seja exequível, conforme o disposto no art. 1.743 e seu § único. Não existe uma ação
especial para provar; 3ª) à ação do deserdado para impugnar a sua deserdação. Trata-se da ação
instituída no CPC, livro IV - dos processos especiais - da ação cominatória - cujo art. 302, nº III,

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Direito Civil

diz: “A ação cominatória compete: ao deserdado, para que o herdeiro instituído, ou aquele a quem
aproveite a deserdação, prove o fundamento desta”. Conta-se o prazo do quatro anos da abertura
da sucessão, isto é, da data da morte do sucedendo.
V- A ação de anular ou rescindir os contratos, para a qual se não tenha
estabelecido menor prazo; contado este:
a) no caso de coação, do dia em que ela cessar;
b) no de erro, dolo, simulação, ou fraude, do dia em que se realizar o ato
ou o contrato;
c) quanto aos atos dos incapazes, do dia em que cessar a incapacidade;
d) (revogado)
O item acima estabelece a regra de que a ação para anular ou rescindir os
contratos, desde que não haja prazo menor, prescreve em quatro anos. O início da prescrição,
porém, varia em alguns contratos; daí a indicação das letras a, b e c.
VI- A ação do filho natural para impugnar o reconhecimento, contado o
prazo do dia em que atingir a maioridade ou se emancipar.
O direito de o filho natural impugnar o seu reconhecimento resulta do
disposto no art. 362 CC. Atingindo a maioridade, ou emancipando-se, o filho natural reconhecido
pode, a contar desta data, impugnar o reconhecimento.
§10- Em cinco anos:
I- As prestações de pensões alimentícias.
Trata-se das prestações alimentícias resultantes da ação de alimentos a que
têm direito os parentes, com fundamento nos arts. 396 a 405 e 320 CC. Condenado alguém à
prestação de pensões alimentícias, estas poderão ser exigidas e, não sendo pagas nas épocas
próprias, o direito de exigir o pagamento de cada prestação prescreve em cinco anos, a contar do
dia em que cada prestação for exigível.
II- As prestações de rendas temporárias ou vitalícias.
São aquelas rendas constituídas de acordo com o disposto nos arts. 1.424 a
1.431 e, também, nos arts. 749 a 754, todos CC. Quando constituídas sobre imóveis, são direitos
reais, por força do disposto no art. 674, VI, CC. Dizem-se temporárias quando constituídas para
um certo tempo de vida do beneficiado; vitalícias, enquanto viver o beneficiado.
III- Os juros, ou quaisquer outras prestações acessórias pagáveis
anualmente, ou em períodos mais curtos.
Os juros, quando pactuados ou devidos seus pagamentos por ano, ou em
períodos mais curtos, assim como quaisquer outras prestações acessórias -dividendos por
exemplo-, a serem pagos, também, anualmente, ou em prestações mais curtas, têm a sua
prescrição consumada à medida que cada juro ou prestação acessória completa cinco anos sem ser
exigido o pagamento. O direito de exigir o pagamento começa do dia em que cada juro, ou
prestação acessória, é devido.
IV- Os alugueres de prédio rústico ou urbano.
O aluguel difere dos juros e prestações acessórias. É uma dívida pessoal,
ainda que seja pago por ano, ou em períodos mais curtos. A prescrição de cada aluguel se dará em
cinco anos, a contar do dia em que cada um for exigível.
V- A ação dos serviçais, operários e jornaleiros, pelo pagamento dos seus
salários.
Este inciso do CC está, hoje, revogado pela lei trabalhista. Os direitos do
trabalhador estão subordinados ao direito trabalhista e, de acordo com ele, a prescrição das ações
a que se refere este inciso é de dois anos.

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Direito Civil

VI- (revogado)
Os prazos dos números anteriores serão contados do dia em que cada
prestação, juro, aluguel ou salário for exigível.
VII- (revogado)
VIII- (revogado)
IX- A ação civil por ofensa ou dano causados ao direito de propriedade;
contado o prazo da data em que se deu a mesma ofensa ou dano.
As ações de perdas e danos, em geral, têm a prescrição trintenária. Quando,
porém, a ofensa ou dano é ao direito de propriedade, a ação respectiva prescreve em cinco anos, a
contar da data em que se deu a ofensa ou o dano.
X- (revogado).
De todos os prazos acima relacionados, destacaremos, agora, aqueles que
constituem prazos extintivos, ou de decadência de direito. Essa discriminação se justifica, porque
afasta dúvidas, de vez que, nos casos de prescrição extintiva, ou de decadência de direito, os
prazos correm entre cônjuges e contra menores, não se suspendem e nem se interrompem.
São casos de decadência de direito:
I- os do § 10, nº VIII, relativo ao direito de propor ação rescisória (5 anos).
II- O indicado no § 7º, nº I, relativo à ação do cônjuge para anular o
casamento nos casos do art. 219, ns. I, II e III ( dois anos ).

III- Os enumerados no § 5º, ns II e III, sobre casamento do coato, do


incapaz de consentir e do menor (seis meses).
IV- Os constantes do § 4º, ns. I e II, relativos à contestação de legitimidade
do filho, quando o pai estava ausente, ou lhe ocultaram o nascimento, e do pai, tutor, ou curador
para anular o casamento do filho, pupilo, ou curatelado ( três meses ).
V- Os figurados nos §§ 1º e 3º, relativos ao casamento com mulher já
deflorada e à constestação da legitimidade do filho, quando o pai era presente ( dez dias e dois
meses, respectivamente ).
Nos artigos, parágrafos e incisos que acabamos de examinar, assim como
em outros dispositivos do CC, como, por exemplo, nos arts. 29, 208 e 576, estão discriminados os
prazos de prescrição, atentas as diferentes hipóteses que se podem verificar.
Os casos de prescrição que não estiverem previstos no CC incidem na
prescrição ordinária estabelecida no art. 177, que é, como já vimos, de vinte anos para as ações
pessoais, quinze para as reais entre ausentes e dez para as reais entre presentes.
Essa consequência, que seria natural do próprio sistema adotado pelo CC,
consta, ainda, expressamente do art. final deste ponto, o art. 179 CC, que dispõe:
“Os casos de prescrição não previstos neste Código serão regulados,
quanto ao prazo, pelo art. 177”.

4. Do casamento
Conceituando o casamento, em face do nosso direito, é a união permanente
entre um homem e uma mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem
mutuamente e de criarem seus filhos.
Dessa definição resultam os caracteres do casamento: a) este é de ordem
pública. A legislação matrimonial plana acima da convenções particulares; b) além disso, implica

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Direito Civil

união exclusiva, tanto que, em determinadas circunstâncias constitui delito a violação dessa
norma (art.240 Cod. Penal); c) é ainda permanente, perpétuo, poder-se-ia adiantar, se à palavra se
atribuisse sentido relativo; d) importa comunidade de vida para os cônjuges; e) não comporta
termo ou condição, tratando-se, como se trata, de negócio jurídico puro e simples.
Devemos destacar três características peculiares ao matrimônio: solenidade
do ato; diversidade de sexos; e dissolubilidade.
O matrimônio é ato solene. Ainda quando se despe de toda pompa, não
abdica de requisitos formais que o retiram da craveira comum dos contratos em geral, para
revestí-lo de um ritual completo.
Quanto à diversidade de sexos, o ato nupcial não tem em vista a união de
duas pessoas quaisquer, porém de duas pessoas de sexo oposto.
A dissolubilidade é um caráter do matrimônio sem cunho universal. Ao
contrário, dividem-se os sistemas jurídicos, predominando largamente os que o consagram.
Historicamente, todos os povos da antiguidade, quer direta ou indiretamente influíram em nosso
direito de família, admitiram o divórcio. Na atualidade do mundo ocidental, poucos países são
antidivorcistas. Os demais aceitam o divórcio, ora como punição ao cônjuge infrator de seus
deveres conjugais, quando encontramos o divórcio-sanção; ora para libertação dos cônjuges
quando as finalidades matrimoniais não podem ser cumpridas, onde se encontra o divórcio-
remédio. Ressalvam outros, em respeito à consciência dos cônjuges, a “separação de corpos”
como fórmula conciliatória de dissolução da sociedade conjugal, sem o rompimento do vínculo.
Vamos à natureza jurídica do casamento e, no estudo da instituição
matrimonial a primeira questão que defrontamos é relativa à sua natureza jurídica. A concepção
clássica, também chamada individualista ou contratualista, depara no casamento uma relação
puramente contratual, estabelecida por acordo entre os cônjuges. Consoante essa concepção,
acolhida outrora pela escola do direito natural, esposada pelo Código Napoleão, casamento é um
contrato civil, a que se aplicam as regras comuns a todos os contratos; o consentimento dos
contraentes é o elemento essencial e irredutível de sua existência. Dentre os que reconhecem o
caráter contratual do casamento há ainda aqueles que o encaram como contrato de direito de
família.
De outro lado, acha-se a concepção supra-individualista ou
institucionalista, que vislumbra no casamento um estado, o estado matrimonial, em que os
nubentes ingressam. O casamento constitui assim uma grande instituição social, que, de fato,
nasce da vontade dos contraentes, mas que, de imutável autoridade da lei, recebe sua forma, suas
normas e seus efeitos. As pessoas que o contraem têm liberdade de realizá-lo, ou não; uma vez
que se decidem, porém, a vontade delas se alheia e só a lei impera a regulamentação de suas
relações. A vontade individual é livre para fazer surgir a relação, mas não pode alterar a disciplina
estatuída pela lei.
A essas duas concepções, podemos acrescentar uma terceira, de natureza
eclética: o matrimônio é ato complexo, ao mesmo tempo contrato e instituição; é mais que um
contrato, porém não deixa de ser contrato também.
De acordo com Washington de Barros Monteiro, entende-se que o
casamento é uma instituição. Reduzí-lo a simples contrato será equipará-lo a uma venda ou uma
sociedade, relegando-se para segundo plano suas nobres e elevadas finalidades. Ademais, repousa
o contrato, precipuamente, no acordo de vontades, ao passo que no casamento não basta o
elemento volitivo, tornando-se igualmente necessária a intervenção da autoridade eclesiástica, se
religioso, ou da autoridade civil, se meramente laico, para sancionar e homologar o acordo
livremente manifestado pelos nubentes. Além disso, o contrato, por sua natureza, pode distratar-

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Direito Civil

se ( art.1.093, CC). No matrimônio a situação é diversa, porquanto, segundo o disposto no art.


226, § 6º, CF88, “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação
judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por
mais de dois anos”. Quer dizer: depende de um processo judicial, no primeiro caso, e de
separação de fato do cônjuges por tempo superior a um biênio, no segundo.
Vamos às finalidades do casamento. Para a mesma concepção
individualista, há pouco mencionada, o matrimônio é uma comunidade de amor; tem ele por
objetivo, sobretudo, as relações pessoais entre os cônjuges. Kant definiu o casamento como “a
união de duas pessoas de sexo diferente para a posse mútua, durante toda a vida, de suas
faculdades sexuais”. O amor físico constitui o único objetivo do matrimônio, concepção que,
evidentemente, avilta e rebaixa a dignidade da união matrimonial.
Segundo a concepção supra-individualista, o casamento visa ao
estabelecimento de relações entre os cônjuges e os seus filhos. A doutrina primitiva resumia-se na
conhecida fórmula de Santo Agostinho: proles, fides e sacramentum. Proles, o fim primordial do
casamento; fides, a fé que os cônjuges se devem mutuamente; sacramentum, o instrumento da
graça, fazendo da união conjugal um veículo para a santificação.
Tem o casamento por finalidade primordial a procriação, mas esse fim não
é o único. Unindo-se pelo matrimônio, visam igualmente os cônjuges à obtenção de mútua
assistência para a superação dos encargos da vida. Podemos dizer, portanto, que o casamento
apresenta tríplice finalidade: procriação, educação dos filhos e prestação de mútuo auxílio.
Cumpre agora examinar a instituição no seu desenvolvimento histórico.
Poremos de lado, nesse estudo, a fase primitiva, em que o macho empunhava o tacape e ia apresar
a fêmea que lhe despertava o desejo. Nessa união, nascida da força, não existe casamento, mas
simples captura.
Historicamente o casamento começa a interessar em Roma, onde se achava
perfeitamente organizado. Inicialmente, havia a confarreatio, coemptio e usus. A primeira era o
casamento da classe patrícia, correspondendo ao casamento religioso. Dentre outros traços,
caracterizava-se pela oferta aos deuses de um pão de trigo, costume que, estilizado, sobreviveu
até aos nossos dias, com o tradicional bolo de noiva. A confarreatio não tardou, todavia, a cair
em desuso e já se tornara rara ao tempo de Augusto.
A coemptio era o matrimônio da plebe, constituindo o casamento civil e
descrito por Gaio como uma imaginaria venditio. Finalmente, o usus era a aquisição da mulher
pela posse, equivalendo assim a uma espécie de usucapião.
Todas essas formas investiam o marido in manus; a mulher e seu
patrimônio passavam para a manus maritalis. Às referidas formas contrapunha-se ainda o
casamento celebrado sine manus, em que a mulher continuava a pertencer ao lar paterno. Chegou-
se, por fim, ao matrimônio livre, em que apenas se requeriam capacidade dos contraentes,
consentimento destes e ausência de impedimentos (justae nuptiae).
Tal era a situação quando a igreja começou a reivindicar seus direitos sobre
a instituição matrimonial. A regulamentação do casamento cristão teve sua regulamentação
efetuada no Concílio de Trento (1545-1563), estabelecendo-se então os seguintes princípios:
expedição de proclamas, publicados por três vezes no domicílio dos contraentes; celebração pelo
pároco, ou outro sacerdote, na presença de duas testemunhas pelo menos; expresso consentimento
dos nubentes e coroamento da cerimônia com a benção nupcial. Suscitando dúvida acerca de sua
validade, ter-se-ia de recorrer à jurisdição eclesiástica, sob pena de anátema (excomunhão).
Segundo esses princípios, devido à sua origem, formação e constituição, está o casamento acima
do Estado.

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Entre nós, brasileiros, por longo tempo, prevaleceu o casamento religioso.


Enquanto a quase-totalidade dos brasileiros era católica, inconveniente algum havia em alhear-se
o Estado à recuperação dos seus direitos. A imigração, porém, com inevitável introdução de
novas crenças, tinha que impor a decretação de outra forma de casamento, mais compatível com
as circunstâncias.
Foi assim que, a 11 de setembro de 1861, surgiu lei, regulando o casamento
dos acatólicos, a celebrar-se segundo o rito religioso dos próprios nubentes. Tratava-se, sem
dúvida, do primeiro passo para a emancipação do casamento da tutela eclesiástica.
Posteriormente, fizeram-se várias tentativas no sentido de secularizar o matrimônio, mas somente
com a proclamação da república, mercê da separação temporal e espiritual, veio ele a perder seu
caráter confessional. Desde então tmepos, entr nós, o casamento civil. A vigente CF88 dispõe, no
art. 226, que o “casamento é civil”, acrecentando em seguida, no § 6º, que o casamento civil pode
ser dissolvido pelo divórcio. Todavia, a prória CF88 equipara o casamento religioso ao civil, ao
dispor no § 2º que “o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei”.
A legislação universal sobre o matrimônio, na hora presente, subdivide-se
em quatro grupos: I) países em que só o casamento civil é válido, ressalvada aos contraentes,
porém, a celebração do matrimônio religioso (Brasil, quase todas as legislações sul-americanas,
Alemanha, Suíça); II) países que concedem aos nubentes liberdade de opção entre o matrimônio
civil e o religioso, em ambos reconhecendo o mesmo valor legal. Por exemplo, na Inglaterra, o
casamento é válido quer seja efetuado perante a autoridade civil, quer perante o ministro da
confissão religiosa a que pertençam os nubentes. O mesmo sucede nos Estados Unidos; III) países
em que se mantém a preeminência do casamento religioso, sendo o civil acessível apenas às
pessoas de outra religião que não a oficial (Espanha e Escandinávia); IV) finalmente, países em
que apenas subsiste o casamento religioso (Grécia e Líbano). Anote-se, contudo, que geralmente
predomina o primeiro sistema, isto é, o da secularização do matrimônio, introduzido em todas as
repúblicas democráticas populares.
Ao casamento, como instituição social legítima e regular, contrapõe-se a
união livre, mais ou menos duradoura e especialmente o concubinato, cuja quase-estabilidade não
deixa de atrair as atenções e despertar os interesses da ordem jurídica. O concubinato é a união
entre o homem e a mulher, sem casamento. Trata-se de uma manifestação aparente de casamento,
vivendo os dois entes sob o mesmo teto prolongadamente, como se fossem casados. Os amásios
devem-se assistência. A companheira é beneficiária dos favores da legislação social e
previdenciária. Os filhos têm direito a alimentos e concorrem na sucessão do pai.
Os problemas em relação ao concubinato começam quando ocorre a sua
cessação, seja pelo rompimento com o abandono da amásia pelo concubino, seja pela morte deste.
Surgem então as ações visando as prestações de natureza econômica: reparação por perdas e
danos, pensão alimentícia, partilha de haveres fundada na existência de uma sociedade de fato
entre os amantes, remuneração por serviços domésticos. De elaboração jurisdicional, pode-se
dizer que existe hoje uma doutrina mais ou menos assente.
Demonstra-se o concubinato por qualquer meio de prova, inclusive
testemunhas e toda a sorte de circunstâncias.
Ressaltamos que também não passa de simples concubinato o chamado
casamento por contrato, pelo qual o homem e a mulher convencionam viver sob o mesmo teto,
como marido e esposa. Tais uniões são despidas de eficácia jurídica, porque contrárias à ordem
pública e aos bons costumes.
Regulamentando o art. 226, § 3º, CF88, a lei 8.971, de 29/12/94, deu passo
decisivo na equiparação legal dos efeitos decorrentes do concubinato e os do casamento.

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Efetivamente, questões que antes atormentavam os doutrinadores e aplicadores da lei são agora
previstas por esta como direitos expressamente reconhecidos e assegurados à companheira, nas
mesmas condições em que o são em relação à mulher casada.
Em primeiro lugar, cumpre assinalar que, a exemplo da equiparação
absoluta entre homem e mulher quanto à titularidade de direitos e obrigações, contemplada no art
5º, nº I, CF88, e consequente igualdade entre marido e mulher no estabelecimento e vida da
sociedade conjugal, decorrente do vínculo matrimonial, também entre homem e mulher não
sobrevive qualquer diferença concubinária. A lei reconhece ao concubino os mesmos direitos
outorgados à concubina.
Na nova sistemática legislativa reconhece-se aos integrantes da sociedade
concubinária, em primeiro plano, direito a alimentos, a ser exercido, no rito sumário e nas
mesmas condições previstas para os casados na lei nº 5.478/68.
De acordo com esse diploma legal, a concubina, que viva há mais de cinco
anos com o concubino, ou dele tenha prole, independentemente do lapso temporal prévio, pode
pedir alimentos para si, e também para os filhos, independentemente de direcionar-se, ao mesmo
tempo, ao desfazimento da ligação concubinária e seus efeitos matrimoniais.
Três requisitos, portanto, se fazem necessários, além da comprovação da
existência do concubinato: a) convivência more uxorio há mais de cinco anos ou filhos comuns;
b) necessidade da alimentada; c) estado civil do alimentante, que não pode ser casado.
Socorrendo-se da lei 8.971/94, também ao concubino é dado afastar-se do
lar concubinário, e oferecer alimentos suficientes para a mantença da companheira, tomando a
iniciativa nessa questão, portanto, conforme a lei lhe faculta.
Por igual, à companheira será dado requerer, na mesma ação, que o réu lhe
entregue metade das rendas produzidas pelos bens comuns. Surge aqui a dificuldade de
estabelecer-se que bens se enquadram nessa categoria, já que da respectiva comunhão deverá
ainda fazer a prova necessária, demonstrando que foram adquiridos pelo esforço comum.
O legislador foi adiante, ao assegurar à companheira o direito fixado no art.
1.611 CC. Efetivamente, o usufruto vidual, que beneficia o cônjuge supérstite casado pelo regime
de separação de bens, com o usufruto sobre metade dos bens deixados pelo falecido, se não tiver
este descendentes, e de um quarto desse patrimônio, se houver descendentes, foi estendido
também à companheira ou companheiro sobreviventes, em caso de falecimento do outro.
Assim, falecendo um dos integrantes da sociedade concubinária, ao
sobrevivente caberá o usufruto de metade dos bens do falecido, se este não deixou descendentes;
e um quarto desses mesmos bens, se teve descendentes, comuns ou não.
Visa o dispositivo legal proteger aquele que, mesmo não sendo casado com
o extinto, com ele vivia maritalmente ao tempo do óbito. Eis requisito essencial, indispensável,
para o reconhecimento desse direito: a existência da vida em comum quando da sorte do parceiro.
Afastam-se, dessarte, ligações antigas, acabadas, que não mais existiam à época do óbito.
Indaga-se, nesse particular: é necessário, também, que a vida em comum
existisse há pelo menos cinco anos? A lei nada diz a respeito. Contudo, se o lapso temporal é
requisito para a percepção de alimentos, como elemento comprobatório da existência da união
entre os amantes, igual requisito parece necessário para atribuir-lhe direito ao usufruto de parte da
herança deixada pelo extinto.
Outrossim, é necessário que este não fosse casado.
Diz, ainda, o legislador que o concubino e a concubina são os terceiros na
ordem de vocação hereditária, nas mesmas condições em que o é o cônjuge sobrevivente.
Dessarte, na ausência de descendentes, ascendentes e cônjuge, os concubinos têm preferência na

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sucessão do extinto em detrimento dos colaterais, que, por essa forma, ficam arredados da
sucessão.
Com o óbito do companheiro, portanto, comprovando o concubino
supérstite que contribuiu para sua aquisição, fará jus a metade do matrimônio assim amealhado.
Assim, independentemente do usufruto a que tem direito, se participou da
formação do patrimônio, tem direito à metade, porque lhe pertence pelo esforço próprio; e sobre a
metade do extinto é que recairá o usufruto da metade, ou de um quarto.
Vamos agora falar sobre os requisitos da habilitação matrimonial, o
suprimento judicial do consentimento paterno, casamentos de divorciados, processo de
habilitação e exame pré-nupcial.
O casamento, devido à gravidade de seus efeitos, é precedido de várias
formalidades, que têm por objetivo tornar evidente a existência dos requisitos essenciais à sua
celebração. De acordo com a CF88, art. 226, § 1º, o casamento é civil e gratuita a sua celebração.
Tais formalidades tendem, pois, a comprovar que a realização do ato é
perfeitamente possível e nada se interpõe entre os nubentes, obstando-lhes os propósitos.
Apuram-se elas através de processo específico denominado habilitação para
casamento e promovido perante o oficial de Registro Civil do domicílio de ambos os contraentes.
Se domiciliados em distritos diversos, processar-se-á o pedido perante o cartório do Registro
Civil de qualquer deles. Da inobservância desse preceito, constante do art. 180 CC, pode advir a
nulidade do ato, de acordo com o art. 208 do mesmo Código.
O requerimento deve ser subscrito pelos próprios contraentes, ou por
procurador bastante; analfabeto um deles, ou ambos, será assinado a rogo, com duas testemunhas.
Apresentar-se-ão os seguintes documentos, indicados no referido art. 180:
a) certidão de idade ou prova equivalente; b) declaração do estado, do domicílio e da residência
atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; c) declaração de duas testemunhas
maiores, parentes ou estranhos, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que
os iniba de casar.
Examinemos, porém, cada uma dessas formalidades. No tocante à idade, a
prova faz-se mediante certidão do termo de nascimento do contraente. Admitiu-se igualmente
justificação de idade, através de depoimentos de duas testemunhas. Tais justificações, devido às
suas facilidades, tornaram-se muito difundidas, sobretudo nas pequenas localidades do interior.
Devem elas, todavia, ser definitivamente proscritas, sendo mais natural se promova desde logo a
abertura do assento de nascimento, não lavrado na ocasião oportuna.
O segundo documento a apresentar-se é a declaração de estado, domicílio e
residência atual dos contraentes e de seus pais, se conhecidos. Essa declaração, que recebe o
nome de Memorial, deve ser feita pelos próprios nubentes, conjunta ou separadamente, mediante
escrito devidamente assinado. Com relação ao estado, esclarecerá o signatário se é maior ou
menor, solteiro, viúvo ou divorciado; filho legítimo ou ilegítimo; se o casamento anterior de um
deles foi anulado, onde e quando tal ocorreu; em sendo viúvo, se há certidão do registro da
sentença. Como se percebe, objetiva essa declaração a mais perfeita identificação dos contraentes.
O terceiro documento é a declaração firmada por duas testemunhas
maiores, parentes ou não, atestando que conhecem os nubentes e que não existe entre eles
qualquer impedimento matrimonial. Trata-se de documento que tem por finalidade não só
completar a prova de identidade dos pretendentes, como ressaltar-lhes o desimpedimento para o
ato. Note-se que tal atestação pode ser oferecida indistintamente por familiares ou estranhos,
havendo assim, com relação aos primeiros, derrogação ao princípio contido no art. 142, IV, CC,

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que proíbe o testemunho de parentes próximos. Aliás, a lei 6.015, de 31/12/73, art. 42, é expressa
a esse respeito.
Tais os documentos comumente reclamados na generalidade dos casos;
entretanto, conforme determinadas situações especiais, sujeitam-se os contraentes a exibir
documentação particular. Assim, se se trata de pessoa sob a dependência legal de outrem, deverá
apresentar a respectiva autorização, ou o ato judicial que a supra.
Se for um menor, sujeito ao pátrio poder, exibirá assentimento escrito do
pai e da mãe. Segundo preceitua o art. 185 CC, “para o casamento dos menores de 21 anos,
sendo filhos legítimos, é mister o consentimento de ambos os pais”.
A necessidade dessa anuência descansa em razões de proteção ao próprio
nubente; representa um amparo contra as irreflexões da juventude. Além disso, o filho menor
deve respeito e obediência aos genitores, cumprindo acatar-lhes a vontade e os conselhos. Tal
obrigação inspira-se em profundas considerações de ordem religiosa e moral.
Quando se comprova que o marido se ausenta por largos anos do lar, pode a
mulher sozinha dar validamente o consentimento para matrimônio do filho menor,
independentemente de suprimento judicial da autorização paterna.
Contudo, se os pais não forem casados, bastará o consentimento do que
houver reconhecido o menor, ou, se este não for reconhecido, o consentimento materno.
Se se tratar de menor sob tutela, terá ele de oferecer autorização do tutor; se
se tratar de incapaz ( pródigo ou surdo-mudo ), da mesma forma, ministrará permissão o
respectivo representante legal.
A prodigalidade, uma vez pronunciada, apenas acarreta incapacidade para
atos de natureza patrimonial, CC art. 459, mas não o inibe de casar.
Referentemente aos surdos-mudos, cumpre verificar se eles se acham, ou
não, em condições de externar o consentimento de modo inequívoco.
Existem ainda outras situações particulares: viúvo um dos contraentes,
juntará à habilitação prova de óbito relativa ao cônjuge anteriormente falecido.
No caso de óbito verificado em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto
ou qualquer outra catástrofe, quando não for possível encontrar-se o cadáver para exame e estiver
provada a presença do desaparecido no lugar do sinistro, poderão os juízes togados admitir
justificação para o assento de óbito, conforme dispõe o art. 88, da lei 6.015.
A prova de óbito ocorrido no exterior produzir-se-á mediante certidão
obtida no país em que se verificou o fato, náo podendo ser suprida por justificação processada no
Brasil.
Enquanto não ministrada a prova do falecimento do cônjuge, entende-se
que o casamento subsiste e, portanto, válido não poderá ser outro, que lhe seja posterior.
Se o contraente teve anulado anterior matrimônio, ou se divorciou,
rompendo-se-lhe assim o vínculo, oferecerá, para convolar as novas núpcias, certidão
comprobatória da decisão judicial proferida na ação de anulação, ou do registro da sentença de
divórcio.
Se um deles houver residido a maior parte do último ano em outro estado,
apresentará prova de que o deixou sem impedimento para casar, ou de que cessou o existente.
Essa prova poderá ser ministrada mediante justificação, ou por atestação de duas testemunhas,
segundo o disposto no art. 180, IV. A mesma prova exigir-se-á igualmente se algum dos nubentes
residia no exterior.
O menor, para contrair o matrimônio, deve obter o suprimento judicial ou o
consentimento paterno. A denegação desse consentimento, quando injusta, pode ser suprida pelo

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juiz, com recurso para a instância superior. Com esse dispositivo, procura o legislador dar
remédio contra o despotismo dos pais tiranos ou caprichosos. Encontra-se aí, portanto,
indispensável corretivo contra a prepotência paterna.
Todavia, assentou a jurisprudência que justos motivos constituem para a
denegação: a) costumes desregrados ou mau proceder por parte do pretendente; b) não ter este
aptidão para sustentar a família; c) existência de impedimento legal; d) grave risco de saúde para
o incapaz; e) rapto e condução da menor, em seguida, para casa de tolerância. Mas não justificará
a recusa ser baseada em preconceitos raciais ou religiosos. Se os recusantes não fazem prova da
ocorrência de motivo relevante para denegação, e o filho faz prova de seus predicados, defere-se
o pedido.
Pedidos dessa índole processam-se no domicílio dos pais, ou representantes
legais do incapaz, e não no foro do lugar em que este acaso se encontre, ressalvado o disposto no
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Finalmente, de acordo com o art. 187 CC, até à celebração do matrimônio,
podem os pais, tutores e curadores retratar seu consentimento.
E o casamento de divorciados? A esta altura, cabe versar importante
questão amiúde trazida à apreciação das autoridades judiciais: se um dos cônjuges, sendo
estrangeiro, for divorciado em seu país de origem, poderá casar de novo no Brasil? Impõe-se
resposta afirmativa. Antes, porém, do novo casamento em nosso país, cabe ao contraente
divorciado obter homologação da sentença estrangeira que lhe decretou o divórcio.
Há três espécies de ação de estado: constitutivas, destrutivas e declarativas.
As primeiras são aquelas que se baseiam num julgamento, como o divórcio, a separação judicial,
a interdição e a destituição do pátrio poder; as segundas, as que desfazem determinada situação,
como a de nulidade ou anulação de casamento; as terceiras, finalmente, as que reconhecem certa
situação, como a investigação de paternidade e a contestação de filiação.
De acordo com este ponto de vista, vê-se que sentença de divórcio não é
meramente declaratória, mas constitutiva, dependendo, por isso, para produzir efeitos no Brasil,
de prévia homologação pelo Supremo Tribunal Federal, em consonância com os arts. 483 e
seguintes do CPC.
Nesse sentido, como já se salientou, é a jurisprudência. Preterida tal
formalidade, nulo será o matrimônio aqui celebrado.
Mas o divórcio, obtido no exterior, se brasileiros um ou ambos os cônjuges,
só será reconhecido no Brasil desde que transcorridos ou observados os prazos previstos no art.
226, § 6º CF88. Só assim a decisão estrangeira se conciliará com a legislação do nosso país, em
condições de ser homologada.
Em se tratando, porém, de alienígenas divorciados no estrangeiro, podem
eles, sem restrições, convolar a novas núpcias no Brasil, depois de homologada a sentença do
divórcio, o mesmo sucedendo quanto aos apátridas.
Com a superveniência da lei 6.515, de 26/12/77, que rompeu o princípio da
indissolubilidade e introduziu o divórcio no Brasil, o divorciado brasileiro poderá contrair novas
núpcias, em conformidade com o disposto no art. 24, uma vez que o divórcio põe termo ao
casamento. Nesse caso, ao processo de habilitação matrimonial deverá ele anexar prova da
sentença definitiva de divórcio, devidamente registrada no Registro Público competente.
Recebendo o pedido de habilitação, devidamente instruído, o oficial do
registro lavrará os proclamas de casamento, mediante edital, que se afixará durante quinze dias,
em lugar ostensivo do edifício, onde se celebrarem os casamentos, e se publicará pela imprensa,
onde a houver.

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Objetivam os proclamas imprimir ao ato a maior publicidade possível, para


ciência de terceiros e eventual oposição dos impedimentos matrimoniais.
Se, decorrido esse prazo, não aparecer quem oponha impedimento, nem lhe
constar algum dos que de ofício lhe cumpre declarar, o oficial do registro certificará aos
pretendentes que estão habilitados para casar dentro dos três meses imediatos.
Esse prazo de três meses é de decadência. Escoado o trimestre, sem que se
realize a cerimônia nupcial, impõe-se a renovação do processo de habilitação.
Se os nubentes residirem em diversas circunscrições do Registro Civil, em
uma e em outra se publicarão os editais.
O registro dos editais far-se-á no cartório do oficial, que os houver
publicado, dando-se deles certidão a quem pedir.
A autoridade competente, havendo urgência, poderá dispensar-lhes a
publicação, desde que se lhes apresentem os documentos exigidos no art. 180 CC.
Trata-se, sem dúvida, de medida bastante justa. A urgência pode advir de
vários motivos, como grave moléstia de um dos contraentes, necessidade de viagem demorada e
imprevista, ausência forçada por motivo de serviço público e crime contra a honra da mulher.
Observe-se, por fim, que qualquer irregularidade verificada no processo de
habilitação não induz nulidade do matrimônio. As leis de organização judiciária costumam
cometer ao representante do Ministério Público a fiscalização em tais habilitações.
Para a habilitação matrimonial não exige a lei exame pré-nupcial. A CF34,
entretanto, no art. 145, pondo em evidência preocupações eugênicas, prescreveu a formalidade,
com se fosse regulada pela lei ordinária.
Atualmente, em face do direito pátrio vigente, só se exige exame pré-
nupcial para casamento de colaterais do terceiro grau, isto é, de tio com sobrinha e de tia com
sobrinho.
Ainda temos os esponsais. Não podemos aceitar propositura de ações
tendentes a compelir noivos arrependidos a cumprirem promessa de matrimônio.
Com efeito, o consentimento deve ser dado precisamente no instante da
celebração. Conseguintemente, até esse momento, o nubente tem liberdade de retirar sua palavra
ou subtrair-se ao compromisso assumido, sem receio de ser molestado através de um
procedimento judicial.
É possível, no entanto, que o outro noivo venha a sofrer prejuízo com a
retratação do arrependido. Certamente fez ele gastos com o preparo dos documentos e os aprestos
das bodas, na previsão da cerimônia próxima. Em tais condições, provada a culpa do arrependido,
que este não teve justo motivo para considerar sua decisão, assiste ao prejudicado direito de obter
judicialmente a reparação do dano.
Aplica-se, para que subsista semelhante responsabilidade, a regra do art.
159 CC, segundo a qual fica obrigado a ressarcir aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem.
Com a promulgação da CF88, restou assegurado o direito a indenização por
danos morais. Dessarte, caberá ação de ressarcimento sob esse fundamento, a ser intentada pelo
noivo que se sinta moralmente atingido em sua dignidade ou em sua honra, pelo desfazimento do
compromisso de casamento.
Entretanto, para que se reconheça a responsabilidade, de mister é o
concurso de três requisitos: a) que a promessa de casamento tenha emanado do próprio
arrependido, e não de seus genitores; b) que o mesmo não ofereça motivo justo para retratar-se,
considerando-se como tal, exemplificativamente, a infidelidade, a mudança de religião ou de

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nacionalidade, a ruína econômica, a moléstia grave, a condenação criminal e o descobrimento de


defeito físico oculto durante o noivado; c) dano.
Controvertida é a extensão desse último requisito. Quais os danos
suscetíveis de indenização? Não existe, a respeito, uniformidade de vistas. Sustentam alguns que
a indenização deve restringir-se exclusivamente às despesas realmente feitas e comprovadas,
excluindo-se qualquer outro dano.
Outros, porém, mais liberais, afirmam que ressarcíveis são não só os
dispêndios efetuados pelo noivo repudiado, como também quaisquer prejuízos advindos da
ruptura da promessa de casamento. Assim, por exemplo, se a noiva abandona o emprego, tendo
em vista o futuro enlace, que afinal se frustra, por culpa do noivo, terá direito a ressarcir-se desse
prejúizo.
Parece que essa corrente liberal é mais conforme à equidade e aos
princípios gerais do direito.
Há dispositivo da lei civil a mencionar-se nesta oportunidade, o do art.
1.173: se tiver havido doação, feita em contemplação de casamento futuro, ficará sem efeito, se o
casamento não se realizar. Prendas ou presentes, oferecidos em consequência do noivado, regem-
se pelo dispositivo questionado, sem que se leve em conta a legitimidade ou a ilegitimidade do
rompimento.
Se a mulher for agravada em sua honra, depois de seduzida com promessas
de casamento, terá direito à reparação concedida pelo art. 1.548, III, CC, e arbitrada de acordo
com sua condição e estado.
Resta mencionar que a CF88 admitiu expressamente a indenização por
dano moral, nos termos do art. 5º, X. Dessarte, também o prejuízo moral que tenha advindo para
o abandono é possível agora de ser indenizado.
Nos últimos tempos tem surgido pessoas, entidades e organizações que se
propõem aproximar futuros candidatos ao casamento, mediante pagamento. Levantou-se a
questão relativa à legitimidade de tal remuneração.
Encontrando a princípio resistências que levavam a considerar-se
inexigível, caminhou-se depois no rumo de considerar válido o contrato firmado, reservando-se
aos Tribunais a faculdade de arbitrar o pagamento. Em nosso direito, é ainda considerada uma
obrigação judicialmente inexigível. Mas a tendência é o seu reconhecimento, desde que não se
desfigure a espontaneidade do querer dos nubentes. Quer dizer: se estes se unirem em matrimônio
livremente, será devida remuneração à organização que os tiver aproximado. Nunca, porém, será
lícito forçar a união a qualquer pretexto, para o recebimento das taxas cobradas.

4.1. Impedimento e sua oposição

O direito canônico, vendo no casamento um ato de envergadura capital para


o indivíduo e para a sociedade, tomou-os, desenvolveu-os, e construiu com eles a teoria dos
impedimentos matrimoniais.
A sua idéia central está em que o matrimônio exige requisitos especiais que
não se confundem com os pressupostos necessários dos atos comuns da vida civil. A noção geral
de impedimento não é a mesma da incapacidade. Casos há em que se observa sua coincidência;
outros em que o impedimento é específico. Às vezes aquele é geral, como uma pessoa casada não

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pode casar com nenhuma outra; outras vezes é especial, como o adotado não pode casar com o
filho superveniente ao adotante.
Daí conceituar-se: impedimento matrimonial é a ausência de requisitos para
o casamento.
Segundo o art. 183 CC, os impedimentos matrimoniais compreendem 16
incisos, conforme os quais a lei opõe barreira ao casamento, mencionando os casos em que as
pessoas não podem casar.
Tendo, contudo, em vista a sua oponibilidade e a extensão das sanções
impostas ao infrator, não são eles de idêntica natureza. Distribuem-se, antes, por categorias
distintas.
Num primeiro movimento, mencionam-se de um lado os impedimentos
dirimentes, que implicam na invalidade do casamento; e, de outro lado, os impedimentos
impedientes, que carreiam outras espécies de sanção ao infrator, diversas da anulação.
Os primeiros, a seu turno, subdividem-se em públicos e privados, levando
em linha de conta a legitimidade para opô-los.
Pela sua distribuição, assim se colocam:
a) impedimentos dirimentes públicos, também chamados absolutos, estão
no art. 183, incisos de I a VIII, CC, e podem ser acusados por qualquer pessoa ou pelo Ministério
Público, trazendo, como consequência, a nulidade do casamento celebrado em contrariedade ao
seu ditame;
b) impedimentos dirimentes privados, também denominados relativos,
estão no art. 183, incisos IX a XII, CC, somente oponíveis por determinadas pessoas, e tendo
como efeito a anulabilidade do ato;
c) Impedimentos impedientes, relacionados no art. 183, incisos XIII a XVI,
CC, que podem ser apontados por alguns interessados, e não importam em tornar nulo ou
anulável o matrimônio, mas em sujeitar os infratores a penalidades de natureza econômica.
Vamos, agora, estudá-los caso a caso:
Começando pelos impedimentos dirimentes públicos. Na primeira ordem
dos impedimentos vêm aqueles que, por motivos de moralidade social, a ordem jurídica inscreve
como portadores de maior gravidade. Envolvem causas que condizem com a instituição da
família e a estabilidade social. Por isso mesmo, pode sua existência ser acusada por qualquer
pessoa, e pelo órgão do Ministério Público na sua qualidade de representante da sociedade. É
nulo o matrimônio celebrado com a sua infração.
São eles em número de oito, compreendendo quatro categorias jurídicas:
incesto, bigamia, adultério e homicídio. A eles:
a) parentesco em linha reta. Não podem, pois, casar os ascendentes com os
descendentes em qualquer grau, sejam os ligados diretamente por consanguinidade (pai e filha,
avô e neta, bisavô e bisneta), sejam-no por afinidade (sogro e sogra, sogra e genro), ou ainda por
vínculo meramente civil (adotante e adotado). O impedimento vigora, se o parentesco é legítimo
(originário de justas núpcias), como ilegítimo (provindo de relações concubinárias ou
esporádicas). A afinidade deve limitar-se ao 1º grau, já que afinidade não gera afinidade.
O parentesco resultante da filiação espúria (adúltério ou incesto) poderá
provar-se pela confissão espontânea dos ascendentes da pessoa impedida (art. 184, CC). Não
importa em reconhecimento de paternidade, mas de simples declaração destinada a levar ao
processo de habilitação o fato proibitivo. Tais sejam as circunstâncias, a prova colhe-se em
segredo de justiça.

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b) parentesco na linha colateral. Motivos de ordem moral, e também


biológica, aconselham não se unam em matrimônio parentes próximos, posto que colaterais. O
ambiente familiar se envenenaria de concupiscência, estimulada pela proximidade constante, se a
lei tolerasse a união matrimonial entre colaterais próximos. Por isto, proíbe o casamento entre
consangüíneos (irmão e irmã), entre afins (cunhados), entre o adotado e o filho superveniente ao
adotante.
Razões biológicas desaconselham, ainda, as uniões entre consangüíneos
próximo, pelo risco de se agravarem taras e malformações somáticas, defeitos psíquicos, ou
outros, que se podem conservar como caracteres recessivos, e virem a eclodir somados na
descendência.
c) Adoção. Este impedimento, como visto, é restrito na linha colateral ao
filho adotivo com o superveniente ao adotante, já que o parentesco civil não se estende além
dessas pessoas. Tem fundamento moral e vigora em todos os países em que a adoção é permitida.
Com a criação, em nosso direito, da adoção plena, o impedimento vigora
como na filiação legítima, porque do novo instituto se origina um status (embora ficto) para o
legitimado, e guardado o sigilo que o envolve, não tem cabida romper-se para efeito de permitir o
casamento nos casos em que o parentesco legítimo o impede. A matéria é, todavia, controversa,
sustentando, noutro sentido, que o impedimento matrimonial limitado ao que dispõe o CC é uma
exceção aos efeitos da legitimação adotiva.
d) Bigamia. Tendo em vista o tipo familiar monogâmico dominante no
mundo ocidental, constitui impedimento a existência de um casamento anterior. Não é,
obviamente, o fato de já se ter antes casado qualquer dos contraentes, mas o de ser casado. A
proibição, que vigora enquanto o matrimônio anterior subsistir, desaparece com a sua dissolução
pela morte do outro cônjuge ou por decreto judicial de anulação ou pelo divórcio. Se, após a
celebração do segundo casamento, o primeiro é declarado nulo, deverá prevalecer o segundo, pois
o que se reputará impedimento é o casamento válido; se o não é, não macula as núpcias
realizadas.
Desaparece, também, pela sentença de divórcio, proferida segundo a lei que
autorize, subordinada sua eficácia à defintividade, se decretado regularmente no Brasil, e à sua
homologação pelo Supremo Tribunal Federal, se o tiver sido no estrangeiro e com o efeito
liberatório proclamado pela mais alta Corte.
No tocante à existência de casamento anterior, a modificação mais
profunda adveio da lei 6.515, de 26/12/77, que introduziu o divórcio no país.
e) Adultério. Posto que dirimente absoluto, este impedimento é tratado em
termos mais restritos, pois que se institui dizendo não poderem casar o cônjuge adúltero com o
seu có-réu por tal condenado (diríamos hoje: co-autor). Não admite a lei se argúa o adultério
simplesmente, pos converter-se-ia em fonte de escândalos. Qualifica como impedimento a
condenação em crime de adultério, o que na verdade esvazia a proibição, dado que a vida forense
quase não registra ações penais com este fundamento. Onde há divórcio, o impedimentum
adulterii encontra maior objetividade, proibido o casamento entre o cônjuge divorciado por
adultério e o que ele o praticou, mas acentua-se que é mister tenha sido o adultério a causa do
divórcio.
f) Homicídio. Não pode casar o viúvo ou a viúva com o condenado por
homicídio de seu consorte. Também aqui o que caracteriza o impedimento é a condenação, não
bastando a mera acusação ou o processo. A proibição vai alcançar obviamente o mandante ou
autor intelectual, desde que condenado. E estende-se, por lei, ao que o for por tentativa de
homicídio, ainda que de outra causa venha a falecer a vítima.

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Estes são os impedimentos dirimentes públicos. Agora vamos conhecer os


impedimentos dirimentes privados, afinal, também estes são relevantes.
Celebrada a núpcia ao seu arrepio, inquina-se de falha que vai atingir a sua
validade. Mas os motivos não se apresentam agora tão graves que atinjam a sociedade. Via de
regra, não transbordam das pessoas dos contraentes ou de seus próximos. De conseguinte, não
considera o legislador conveniente franquear sua oposição a qualquer pessoa, senão apenas
àqueles que tenham legítimo interesse. Nos seus efeitos, o casamento celebrado, contravindo-os,
será anulável e não nulo, atacável pelo próprio cônjuge prejudicado ou seu ascendente, e vedada
ao Ministério Público a iniciativa da ação.
São os seguintes:
a) coação ou incapacidade. Trata-se, nesse passo, de um defeito da vontade,
fundado em que o matrimônio, segundo a tradição romana, se origina do consentimento e não do
comércio sexual. Destarte, a ausência de vontade positiva é um obstáculo à núpcia válida.
O coacto, efetuando embora uma emissão de vontade, a ela é conduzido por
força de uma intimidação que no ato substitui o seu verdadeiro querer pelo do coator. Constitui
coação a violência física, que impõe a cerimônia a quem não quer casar, e o faz sob violência
atual.
Constitui também coação, e esta mais viável e frequente, a ameaça dirigida
ao agente, incutindo-lhe o temor de dano à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens, iminente e
igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido. A coação, que deve ser grave e atual, aprecia-se
em relação às condições pessoais da vítima, mas tal não se considera o temor reverencial ou a
ameaça do exercício normal de um direito.
A incapacidade para manifestar de modo inequívoco o consentimento (por
causa mecânica, química ou psíquica) traduz impedimento e assemelha-se à coação, como técnica
de insinuar no psiquismo do contraente uma vontade que não é a sua, e obter uma declaração
volitiva não autêntica.
O impedimento abrange ainda os loucos não interditados. Se estiverem sob
curatela, incidem no impedimento específico adiante examinado. Mas, nem pelo fato de faltar a
sentença de interdição poderá o alienado mental casar-se, pois que a incapacidade para manifestar
o consentimento advém de suas condições pessoais e não do decreto judicial.
Quanto aos surdos-mudos, o problema é igualmente complexo: se o defeito
lhes vem de um distúrbio da mente, enquadram-se na categoria dos loucos. Em caso contrário, a
questão desloca-se para o campo educacional, admitindo-se o casamento se forem eles capazes de
manifestar a sua vontade inequivocamente, posto que surdos-mudos.
b) rapto. Tirada a mulher de sua casa, vigora o impedimento, enquanto
permanecer em poder do raptor. E cessa, estando ela em lugar seguro. Reminiscência canônica é
um impedimento ocioso, porque se a mulher se opõe ao raptor, mas casa-se neste estado, incorre
em coação anteriormente examinada. Mas, se o rapto ocorreu com a sua conivência, casa-se
porque quer, e não seria caso de anular-se. Nem se objete com a menoridade, pois nesta hipótese
seria outro o impedimento, examinado em seguida.
c) incapacidade. Os menores sujeitos ao pátrio poder ou à tutela, e os que
estão sob curatela não podem casar enquanto não obtiverem o consentimento do pai, do tutor, ou
do curador. Em matéria de casamento, a lei teve em vista circunstâncias influentes na
manifestação do consentimento, diversas das que envolvem os atos ordinários da vida civil.
Atendendo a tais considerações, a pessoa em cuja dependência se encontre o incapaz dará a sua
autorização, e com isto o habilita à celebração de matrimônio válido.

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Negada a anuência (pelos pais, ou pelo pai, no caso da divergência), poderá


o interessado recorrer à autoridade judiciária, que suprirá a autorização, em verificando que a
recusa é injustificada (art. 188, CC), e fundado no seu arbitrium boni viri, depois de ouvidos os
pais sobre as razões da recusa.
O menor sob tutela necessita da autorização do tutor, seja este parente ou
estranho. Suprível, igualmente, se o juiz vir que a recusa não tem justificativa.
O curador do interdito é quem teria o poder de autorizar. Mas não há
cogitar da espécie, porque o louco incide em impedimento específico. O pródigo aí está incluído,
embora inadequadamente, porque a sua incapacidade se refere à vida econômica. Realizado,
todavia, o matrimônio sem aquela anuência, não subsiste o pacto antenupcial acaso firmado,
prevalecendo a comunhão parcial de bens.
Quanto à revogação, é pacífico que o consentimento dos pais, tutores e
curadores pode revogar-se até o momento do ato, que é quando deve produzir os seus efeitos,
correndo tal comportamento à conta da afeição ou do interesse pelo incapaz.
d) idade. Não podem casar os homens menores de 18 anos e as mulheres
menores de 16.
Depois de estudados os impedimentos dirimentes, cogitamos aqui dos
impedientes, que não têm por efeito a invalidade do casamento, mas, ao revés, impediunt fieri,
facta tenent, impondo a lei certas sanções ou penalidades civis ao infrator. Não falta, por isso
mesmo, quem os desclassifique da categoria de impedimentos, o que encontra receptvidade
apenas limitada, dado que, tradicionalmente, se conserva a denominação.
São os seguintes:
a) confusão de patrimônios. O primeiro deles veda o casamento ao viúvo
ou viúva que tenha filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do extinto
casal, e der partilha aos herdeiros. Destarte, visa a lei a evitar que se confunda o acervo
patrimonial em que são interessados os filhos do primeiro leito com o que vai constituir o
substrato econômico da sociedade conjugal recém-formada. E tem ainda em vista obstar que as
novas afeições e criação da nova prole possam influenciar o bínubo, em detrimento dos filhos do
antigo casal.
O impedimento é temporário. Vigora enquanto o cônjuge sobrevivente não
fizer o inventário, e cessa com a homologação da partilha.
A sanção imposta ao infrator é a perda do usufruto dos bens dos filhos (art.
225, CC) cumulada com o regime de separação obrigatória (art.226, CC).
b) confusão de sangue. Dissolvido o casamento, pela anulação ou pela
morte do marido, não pode a mulher casar de novo, antes de decorridos 10 meses. Aqui, o
impedimento visa a evitar a turbatio sanguinis, que fatalmente ocorreria, tendo em vista que se
presumiria do falecido o filho que nascesse até 180 dias da mesma data, e até antes.
Deve-se abrir exceção para o caso de ser o casamento anterior anulado por
impotência coeundi, desde que absoluta e anterior ao matrimônio ou quando resulta evidente das
circunstâncias a impossibilidade física de coabitação entre os cônjuges.
c) contas da tutela ou curatela. O tutor ou curador, e os ascendentes,
descendentes, irmãos, cunhados e sobrinhos de um ou de outro não podem casar com o tutelado
ou curatelado, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas
contas.
Trata-se de defender o incapaz contra o administrador de seus bens que
procure num casamento o meio de se livrar da prestação de contas.

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Não vale a quitação dada pelo próprio interessado, porque as contas se


prestam in iudicio. Mas o impedimento considera-se levantado mediante a permissão paterna ou
materna manifestada por escrito autêntico ou por testamento, sob a presunção de que ninguém
mais do que os pais revela zelo na defesa da fazenda do filho.
d) autoridades. Não podem casar o juiz, o escrivão e seus descendentes,
ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos com órfão ou viúva residente na circunscrição
territorial onde um ou outro tiver exercício.
Outros impedimentos. Leis especiais criaram restrições ao casamento de
certas pessoas, em razão de seu estado ou profissão, equiparáveis a impedimentos e assim por
alguns denominados.
Referem-se ao militares (Exército, Marinha e Aeronáutica), aos
funcionários diplomáticos e consulares, e obstam à celebração do matrimônio. Realizado este ao
arrepio das restrições, não induz a nulidade do ato, porém, sujeita o infrator a punições
regulamentares. Os impedimentos originários das ordens sacras somente vigoram no âmbito do
direito canônico, não os reconhecendo a lei civil.
Também não constituem impedimento as enfermidades somáticas,
malformações ou defeitos. Em alguns casos, porém, poderão provocar a anulação do matrimônio
por erro essencial quanto à pessoa.
Agora chegou a vez da oposição dos impedimentos. Classificados que são
os impedimentos matrimoniais em razão do interesses sociais que refletem, cogita a lei de sua
oposição em termos mais simples do que na sua distribuição. Segue orientação que reflete
dualidade de medidas: no momento de os enunciar, coloca os dirimentes em duas classes
atendendo à sua gravidade e repercussão social. E esta distribuição vai-se refletir na sanção e
legitimidade para agir: os dirimentes públicos ou absolutos geram a nulidade do matrimônio, e os
privados a sua anulabilidade, postulável exclusivamente pelos próprios interessados ou pelos seus
representantes.
Não são as mesmas pessoas credenciadas a pedir a nulidade ou a anulação,
as que podem acusar o impedimento. Estas são em maior número como se vê:
a) Todos os dirimentes (públicos e privados) podem ser opostos pelo juiz
celebrante, pelo escrivão encarregado do processo de habilitação, e ainda por qualquer pessoa
interessada, que tenha conhecimento do obstáculo ao casamento, inclusive o representante do
Ministério Público quando tenha conhecimento dele.
b) Os impedimentos do art. 183, nºs XIII a XVI, dada a sua própria
natureza, não poderão ser argüidos senão por aqueles que o Código especialmente meciona: 1º, os
parentes em linha reta de qualquer dos nubentes, sejam consangüíneos ou afins, compreendidos
pois os ascendentes como os descendentes, que todos têm igual interesse; 2º, os colaterais em
segundo grau, ou seja, os irmãos e cunhados; 3º, lembra, ainda, Espínola que se a dissolução do
casamento se deu por sentença, e não pela morte, o marido (ou ex-marido) tem legítimo interesse
em evitar a turbatio sanguinis, embora não o diga a lei.
Exposta assim a questão da capacidade para opor os impedimentos, vem
agora a questão da oportunidade. E esta se liga particularmente ao processo de habilitação:
anunciada a núpcia pela publicação dos proclamas, abre-se o prazo de 15 dias, dentro no qual os
interessados podem objetar contra o casamento.
Decorrido in albis o lapso, e passada a certidão de habilitação, é ainda lícita
a apresentação do impedimento, até o momento da cerimônia. Com uma diferença, todavia:
enquanto não certificada a habilitação, o interessado dirige-se ao escrivão; depois dela, ao juiz..

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Formulada a oposição, suspende-se a cerimônia. Mas, se o incidente


ocorrer no ato, é mister seja qualificado o oponente e formalizada a representação. Não se poderá
interromper uma solenidade grave pelo simples fato de uma pessoa enunciar a existência de
impedimento, sem provar as suas qualidades e sem trazer as provas da acusação.
Mas qual é esta forma de oposição? Para que não se transformem em
estímulo as imputações caluniosas ou levianas, nem encorajem despeitos e paixões incontidas,
prescreve a lei certo formalismo a ser observado sempre que se argua impedimento matrimonial:
a) o oponente não se pode ocultar sob o manto do anonimato, mas, ao revés, apresentar-se-á
descoberto, acusando-o sob a responsabilidade de sua assinatura; b) alegará o fato por escrito,
indicando as razões de sua plausibilidade, para que o oficial ou autoridade judiciária se não
desviem de seus misteres com formulações descabidas, e se não molestem os nubentes por
alegações vãs; c) provará ser, ele oponente, pessoa maior e capaz; d) fará a denúncia
acompanhada de prova do fato alegado, ou, se lhe não for possível, precisará o local onde se
encontre, ou ao menos indicará duas testemunhas residentes no município, que o atestem; e) em
se tratando de impedimento impediente, o opositor deverá, ainda, comprovar a sua qualidade,
advinda do grau de parentesco com o nubente.
Dará o escrivão, aos nubentes, a nota de impedimento com a informação de
quem o opôs, e a indicação do fundamento e das provas, ficando suspensa a cerimônia ou a
certidão de habilitação.
Aos nubentes caberá produzir a prova contrária, e, convencendo da
improcedência do alegado, realizar-se-á o ato. Levantar-se-á o impedimento, por despacho
judicial, em face da prova contrária produzida pelos interessados. Mas nada impede ocorra o
levantamento voluntário, desde que conste de ato autêntico, emanado do próprio opositor.
Com relação às sanções, contra o oponente de má fé, poderão ser intentadas
ações civis ou criminais, cabendo no caso a reparação do dano.
A oposição do impedimento não tem efeito conclusivo sobre a eficácia do
casamento, quer em sentido positivo, quer negativo. Assim, é que a sua rejeição, e celebração da
núpcia, não obsta à propositura da ação de nulidade baseada no mesmo fato argüido. A decisão no
processo de habilitação não faz coisa julgada.
Por outro lado, não se cogita em nosso direito da dispensa dos
impedimentos, tal qual autoriza o Canônico e permitem outros sistemas, como o nosso pré-
codificado, que todavia o vedava quanto aos de direito natural ou direito divino: parentesco
consangüíneo em linha reta, impotência, duplo crime de homicídio e adultério, casamento
preexistente. Exceção se põe no caso dos juízes e escrivães, e no parentesco colateral do 3º grau,
em face do Decreto-Lei nº 3.200/41.
Outras situações podem ocorrer, além das estudadas, em que não se dá
propriamente a dispensa, mas a realização da núpcia em circunstâncias especiais, como a do
menor para evitar a imposição da pena, facultando-se ao juiz impor aos contraentes a separação
de corpos até a nubilidade (art. 214 e seu § único).

4.2. Celebração e prova do casamento

O casamento, instituto fundamental do direito de família, é a fonte de


importantes efeitos de ordem pública e privada. É o eixo em torno do qual se movimenta todo o
sistema jurídico familiar. A sociedade preocupa-se por isso pela sua celebração, nela intervindo
com especial interesse, procurando cercá-la da maior solenidade.

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Direito Civil

A lei reveste a cerimônia do casamento em solenidades especiais, de


publicidade ostensiva, e de gravidade notória. Quer desta sorte enfatizar a sua realização, depois
de se ter dedicado às formalidades preliminares, já estudadas. Não a faz tão pomposa como as
cidades antigas; nem tão solene quanto os rituais eclesiásticos. Mas bastante para revelar a
relevância social do ato.
Não pode o juiz de casamentos ser substituído por outra autoridade, ainda
que de maior categoria. Nem o juiz de direito, nem o desembargador, nem o ministro poderá fazer
as vezes daquela autoridade pública, cuja função específica, além de provativa, é indelegável. Por
previsão constitucional, ainda não implementada por lei, esse cargo passou a ser de caráter
eletivo.
O juiz competente é o do lugar em que se processou a habilitação. Não se
permite a juiz de outro distrito venha presidir a cerimônia.
De posse da certidão de habilitação passada pelo oficial, requererão os
nubentes lhes designe o juiz competente, segundo a legislação estadual, dia, hora e local da
cerimônia. É prerrogativa da autoridade celebrante determiná-los por despacho, embora
normalmente atenda às indicações dos interessados.
O local é o em que o juiz normalmente dá as suas audiências. Se as partes
não puderem dirigir-se àquele local público, requererão ao juiz lhes designe outro. É mesmo
frequente a realização no domicílio de um dos nubentes por mera aquiescência do celebrante e
sem a prova da motivação justificada.
A data conjuga-se com a publicação dos proclamas, salvo dispensa destes e
urgência comprovada.
A hora deve normalmente compreender-se entre o nascer e o pôr do sol.
Havendo urgência comprovada (doença, viagem), poderá celebrar-se à noite.
No momento aprazado, de portas abertas o local da cerimônia, para
franquear o acesso a qualquer pessoa e afastar os risco de intimidação ou falseamento da vontade,
dará o juiz início à cerimônia.
A presença dos nubentes, pessoal e simultânea, é indispensável (salvo caso
de procuração). Duas testemunhas, pelo menos, assistem ao ato, não meramente instrumentárias,
mas simbolizando a sociedade, parentes dos noivos, ou estranhos. Marido e mulher podem figurar
como testemunhas no mesmo ato. Este número eleva-se à quatro, conforme CC, art. 193, § único,
se o matrimônio se realizar em casa particular, e algum dos contraentes não souber escrever. Em
presença das testemunhas, o juiz interroga os contraentes - cada um de per si - se é de sua livre e
espontânea vontade que recebe o outro em casamento. Inábil a produzir efeito matrimonial será a
troca das vontades sem a presença do celebrante, salvo no casamento in extremis. Inaceitável
igualmente a emissão da vontade nupcial por outra via: epistolar, telegráfica, telefônica, e bem
assim a manifestação volitiva indireta por via de portador ou de outra pessoa presente. A
declaração matrimonial há de ser pura e simples, não se admitindo apor-se-lhe qualquer condição
ou termo. Os nubentes podem, contudo, manifestar sua vontade nupcial por escrito ou sinais, se o
não puderem fazer oralmente, uma vez que estejam ambos presentes.
A recusa de responder equivale a resposta negativa.
A celebração será imediatamente suspensa, se algum dos contraentes: I)
recusar a solene afirmação de sua vontade; II) declarar que esta não é livre e espontânea; III)
manifestar-se arrependido, conforme art. 197, CC. Acrescenta o parágrafo único que o nubente
que, por algum destes fatos, der causa à suspensão do ato, não será admitido a retratar-se no
mesmo dia.

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Impõe-se o sobrestamento ainda que o noivo declare depois tratar-se de


simples gracejo.
Ato público e solene, a cerimônia nupcial flui continuadamente, desde a
instalação até a assinatura do termo.
Prevê a lei, todavia, venha a suspender-se em três casos:
a) Segundo já vimos ao estudarmos a oposição dos impedimentos, se no
correr do ato comparece alguém e acusa a existência de uma causa proibitiva, o celebrante
verifica a plausibilidade da arguição, a idoneidade do oponente e a robustez da prova ou
informação, suspendendo a cerimônia. Não procederá assim por mera suspeita; será prudente,
cauteloso. Mas não poderá dar seguimento ao ato, em face de oposição séria.
b) Suspende ainda a cerimônia, nos casos de faltar a declaração escorreita
da vontade nupcial, o que a lei desdobra em três considerações: se um dos contraentes recusar a
solene afirmação de sua vontade; declarar que esta não é livre e espontânea; manifestar-se
arrependido, conforme já foi dito anteriormente.
Em tais circunstâncias, não se prosseguirá na cerimônia, porque a liberdade
matrimonial não comporta dúvidas e incertezas.
E aquele que deu causa à suspensão não é admitido a retratar-se no mesmo
dia. Resguarda-se com isto a sua vontade contra qualquer interferência.
c) Uma terceira causa de suspensão da cerimônia prevê-se para a hipótese
de revogação da anuência dos pais, tutor ou curador, para a núpcia do filho sob patria potestas,
ou de nubentes sob tutela ou curatela. E, como a autorização é necessária, e se pode revogar até o
momento da cerimônia, sua retirada implica em que nela se não prossiga.
Porém, completando o ciclo formal do matrimônio, que se inicia com o
processo de habilitação, e prossegue com a cerimônia solene, determina a lei que desta última se
lavre termo circunstanciado, de sorte a perpetuar o ato, e dele constituir prova.
A falta do termo, entretanto, não macula a validade do casamento, nem
pesa como falha na celebração.
Ao oficial de Registro ou escrivão compete redigir o assento matrimonial,
que conterá segundo o art. 195, CC:
1º, os nomes, prenomes, datas de nascimento, profissão, domicílio e
residência atual dos cônjuges;
2º, os nomes, prenomes, datas de nascimento ou de morte, domicílio e
residência atual dos pais;
3º, os nomes, prenomes do cônjuge precedente e a data da dissolução do
casamento anterior;
4º, a data de publicação dos proclamas e da celebração do casamento;
5º, a relação dos documentos apresentados ao oficial de registro;
6º, os nomes, prenomes, profissão, domicílio e residência das testemunhas;
7º, o regime de casamento, com declaração da data e do cartório em cujas
notas foi passada a escritura antenupcial, quando o regime não for o da comunhão ou o
compulsório estabelecido no CC para certos casos. Em se tratando de contraente incapaz, a
autorização dos pais, tutor ou curador, transcrever-se-á integralmente no pacto antenupcial, caso
elejam eles regime de bens que o exija;
8º, o nome que passa assinar-se a mulher, em virtude do casamento
(art.240, CC);

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9º, os nomes dos filhos legitimados pelo casamento, se os houver, não


porque sem esta menção eles se não legitimem, mas porque a prova desta circunstância fica desde
logo feita.
O assento tem por função a publicidade e o respectivo meio de prova,
inclusive do regime de bens. Surge, a propósito de sua assinatura, interessante questão: com que
nome deverá subscrevê-lo a desposada, com o nome de casada ou ainda o de solteira?
Indubitavelmente, deve fazê-lo com o primeiro, vale dizer, com os apelidos do marido adotados
pelo casamento. Lavra-se o assento apenas ad probationem e não ad solemnitatem; ao ser ele
assinado já existe o casamento, a contraente não é mais solteira, seu estado civil é o de casada,
tanto que citado o art. 195, CC, se refere à assinatura dos cônjuges e não dos noivos
simplesmente.
Por igual, tem sido objeto de controvérsia o momento preciso em que se
ultima a celebração, se no instante em que os contraentes manifestam sucessivamente o
consentimento, ou naquele em que o juiz, pronunciando a fórmula legal, os declara casados. A
questão não é meramente acadêmica, pois pode acontecer, por exemplo, que o juiz venha a
falecer subitamente depois de receber a solene declaração dos nubentes, mas antes de exarar a
fórmula sacramental.
Pelo nosso direito, o casamento só existe com a afirmação da autoridade
celebrante. Nessas condições, ele inexistirá legalmente se o juiz, ou um dos nubentes, vem a
sucumbir antes de pronunciada a fórmula vinculatória.
Nem todos os sistemas jurídicos admitem o casamento por procuração. O
alemão expressamente o proíbe, como o francês anteriormente à lei de 4 de abril de 1915. O
direito italiano somente o admite para os militares em tempo de guerra, ou para os residentes no
estrangeiro.
Permite-o o brasileiro, sujeitando no caso os nubentes a formalismo
peculiar a esta modalidade. Devem ser outorgados poderes especiais ao mandatário para receber,
em nome do mandante, o outro contraente, com a indicação precisa. Não vale a procuração sem
esta especificação. Embora não se mencione no CC de 1916, o mandato convém se outorgue por
instrumento público. Facultativamente, a procuração mencionará o regime de bens, prevalecendo
no seu silêncio o da comunhão parcial, salvo se for obrigatório na espécie o da separação.
Por esta via, facilita-se o matrimônio quando um dos nubentes reside em
localidade diversa do outro e não pode deslocar-se, ou quando um deles se acha no estrangeiro
em trabalho ou cumprimento de bolsa que não pode interromper. Por esta forma casar-se-á o
preso ou condenado, quando lhe não permita comparecer em pessoa a autoridade sob cuja guarda
estiver. Não é, contudo, a procuração, meio hábil de suprir a presença do nubente que esteja na
localidade, despertando suspeitas, se tal se der.
Não se dispensa, porém, a cerimônia pública, que se realizará com a
presença do contraente e do procurador do outro. Não tem cabimento, portanto, que ambos se
façam representar por mandatários; e muito menos que seja constituído um só procurador.
Pronunciada a fórmula legal, declarando a união, lavrar-se-á o assento
respectivo, de que conste a circunstância de representação, ficando arquivado em cartório, junto
aos demais documentos apresentados, o instrumento de mandato.
Se chegar ao conhecimento do celebrante uma declaração de vontade do
mandante, contrária ao casamento, considera-se extinto o mandato especial.
Tratando do processo de habilitação, e explicando depois a celebração,
vimos que o ritual demanda vários dias: apresentação dos documentos; publicação dos proclamas;
decurso do prazo destes; certidão de habilitação; designação de dia, hora e local;

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comparecimento dos contraentes e testemunhas. Vimos, também, que, em caso de urgência, o juiz
irá celebrá-lo em casa do nubente, mesmo à noite, ou far-se-á substituir pelo seu suplente,
cabendo nomear escrivão ad hoc, que lavre o termo no livro próprio ou em avulso.
Pode acontecer, todavia, que as circunstâncias se não compadeçam com
estas exigências, tornando-se mister a imediata celebração do casamento, estando algum dos
contrentes em iminente risco de vida ( CC, art. 199 ). É o caso do casamento in extremis ou in
articulo mortis, que Carlos Carvalho denominou nuncupativo, por analogia com o testamento in
extremis, que já se chamava assim. E a denominação pegou.
Neste caso, apresentados os documentos, o escrivão, mediante despacho do
juiz, dará certidão da habilitação, independentemente da publicação dos proclamas. Mas, se não
houver tempo para a apresentação dos documentos e para a dispensa dos editais, a iminência da
morte aconselha se celebre o casamento subordinado à habilitação a posteriori.
Não obtendo a presença da autoridade a quem incumba presidir o ato, nem
a de seu substituto, poderá celebrar-se o casamento na presença de seis testemunhas, que não
tenham parentesco em linha reta com os nubentes (pais, avós, sogros) ou na colateral em segundo
grau ( art. 199 e 200, CC).
Nos cinco dias subsequentes, abrir-se-á processo especial, de acordo com o
art. 76, da lei 6.015, de 31/12/73, sendo ouvidas as testemunhas pela autoridade judicial mais
próxima, e tomando-se por termo as suas declarações: que foram convocados pelo enfermo; que
lhes parecia estar em risco de vida; que, em sua presença, livre e espontaneamente, declararam
receber-se por marido e mulher. Não comparecendo todas as testemunhas, qualquer interessado
poderá requerer sua intimação.
Até o momento falamos sobre o casamento civil. Porém, por longo tempo,
o único matrimônio que prevaleceu entre nós foi o religioso. todavia, com a proclamação da
república e a consequente separação da Igreja e do Estado, tivemos a secularização do casamento,
que passou a ser exclusivamente civil.
A situação estabelecida foi então a seguinte: do ponto de vista estritamente
legal, o casamento religioso não passava de mero concubinato que não gerava qualquer direito.
Por seu turno, perante a Igreja, o casamento civil era também uma união livre, contrária à moral
religiosa.
A grande maioria do povo brasileiro, constituída de católicos, conciliava o
conflito entre ambas as jurisdições, realizando sucessivamente as duas cerimônias, a civil e a
religiosa. Contudo, notórios os incovenientes resultantes desse duplo casamento. Enumeremos da
seguinte forma:
a) casava-se a mulher civilmente com o homem que prometera conduzí-la
também ao altar, mas que não mantinha depois a palavra empenhada, criando assim para a
primeira delicado caso de consciência, com infração à sua liberdade religiosa, e obrigando-a a um
convívio que talvez para ela representasse verdadeiro constrangimento;
b) a mesma pessoa poderia contrair duplo matrimônio, o civil e o religioso,
assim constituindo duas famílias, uma legítima, em face da lei, outra ilegítima perante essa
mesma lei, não porém perante a consciência comum, que a circunda igualmente de estima e
respeito;
c) o contraente contraía apenas casamento religioso, para não perder
direitos dependentes do estado de solteiro ou de viúvo, com prejuízo para a prole, a qual, aos
olhos da lei, seria havida como ilegítima.
O que hoje ocorre sobre a matéria pode ser assim resumido: o casamento
continua sendo civil. Mas o casamento religioso equivalerá ao civil se, observados os

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impedimentos e as prescrições da lei, assim o requerer o celebrante ou qualquer interessado,


contanto que seja o ato inscrito no registro público, conforme confere a CF88, art. 226, § 2º.
Continuando, como todo ato jurídico, o casamento está sujeito a
comprovação, por necessidade de demonstrarem os cônjuges o seu estado ou em razão dos filhos.
E o legislador instituiu sistema de prova pré-constituída.
Segundo a sistemática do CC, o assento lavrado em seguida à celebração
constitui evidência específica, dizendo-se, então, que o casamento celebrado no Brasil se prova
pela certidão do registro (art. 202, CC). Quem invoque a qualidade de cônjuge, deve apresentar a
certidão de casamento.
Pode faltar, contudo, este meio probatório, pela perda ou perecimento do
livro, pela destruição do próprio cartório, ou mesmo se o oficial não tiver lavrado o termo por
desleixo ou má-fé. Nestes casos, é admissível outro qualquer meio, como seja o título eleitoral, o
registro em repartição pública, mediante justificação requerida ao juiz competente. Alguns fazem,
todavia, uma distinção: quando o interessado pretende provar o casamento, reclamando em
proveito próprio os seus efeitos, deve dar prova cabal do ato; mas se se trata de prová-lo para
qualquer outro fim, aceitam-se todos os meios ordinários de prova.
Para os casamentos celebrados no estrangeiro, há que se distinguir: a) se se
contrair perante agente consular brasileiro, provar-se-á pela certidão do assento de seu registro,
que faz as vezes do cartório de registro civil; b) fora desse caso, prova-se de acordo com a lei do
país onde se realizou, em obediência à regra locus regit actum: a lei local rege os atos ali
cumpridos.
Além desses meios de prova, que chamamos direta, a lei reconhece uma
comprovação indireta, e de cunho excepcional, somente aceitável nos termos estritos em que
facultada: a posse de estado. A rigor, a posse de estado não constitui propriamente uma prova do
casamento, pois que matrimonium non praesumitur. Nunca será dado considerar existente o
status matrimonii pelo fato de conviverem e coabitarem duas pessoas, e até de terem filhos. Vale,
porém, a prova da posse de estado para sanar qualquer falha no respectivo assento. E vale, ainda,
em benefício da prole. Em princípio, a posse de estado somente pode invocar-se como prova
matrimonial em caráter de exceção. E se diz que o casamento de pessoas que faleceram na posse
de estado de casadas não se pode contestar em prejuízo da prole comum, salvo mediante a
certidão do registro civil, que prove já ser casada alguma delas ao tempo do casamento
impugnado, conforme CC, art. 203.
A alegação somente tem cabida após o falecimento dos pais; caso contrário,
cumpriria aos filhos obter deles a informação de onde se casaram, para se utilizarem da prova
regular ou direta. Entende, contudo, a doutrina sua aceitação aos casos de demência dos pais, ou
ausência declarada por sentença, pela analogia das situações.
Não esclarecendo a lei em que consiste a posse de estado, a doutrina
estabelece um paralelo com a posse das coisas, considerando-a como a situação em que se
encontram aquelas pessoas que vivam publicamente como marido e mulher. E alinha os
requisitos: a) nomem, a mulher usava o nome do marido; b) tractatus, ambos dispensavam
ostensivamente o tratamento de casados; c) fama, e gozavam o conceito de que desfrutam as
pessoas casadas, assim no ambiente doméstico e familiar, como na sociedade.
Apurados esses elementos, admite-se o estado de fato como sendo um
estado de direito. Mas não prospera tal prova se for exibida certidão de que qualquer deles era
casado, porque, em tal caso, a união existente não passaria de um concubinato que, por mais
notório e prolongado, jamais se converte em matrimônio.

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4.3. Casamento nulo e anulável

Sabemos que a infração dos impedimentos mencionados no art. 183, I a


VIII, CC, torna o casamento nulo, enquanto a violação dos indicados no mesmo artigo, IX a XII,
o torna apenas anulável.
Relembrando noções fundamentais acerca das nulidades dos atos jurídicos,
reguladas no art. 145 e seguintes do mesmo Código, cabe dizer que a imperfeição desses atos
geralmente provém de uma das três causas seguintes:
a) por falta de elemento essencial e, portanto, indispensável à sua formação.
Em tais condições, evidente que o ato, não havendo adquirido existência, nenhum efeito pode
produzir. A doutrina caracteriza essa situação com a expressão atos inexistentes;
b) o ato, reunindo embora os elementos essenciais, foi praticado com
infração de preceito legal obrigatório, contém cláusula contrária à ordem pública e aos bons
costumes, ou não se reveste da forma expressamente prescrita em lei. Por essas razões, inquina-se
o ato de nulidade insanável. São os atos nulos;
c) o defeito advém da imperfeição da vontade, ou porque emanada de
incapaz, ou porque sua manifestação se acha eivada de algum vício, que a oblitere, como o erro, o
dolo, a coação, ou, ainda finalmente, porque a vontade das partes, desviando-se da boa fé e da
honestidade, que presidem às relações jurídicas, atua no sentido de prejudicar a outrem ou de
infringir preceitos legais. Atos eivados de tais defeitos chamam-se atos anuláveis.
A doutrina distingue, portanto, do ponto de vista da imperfeição dos atos,
três modalidades. Forma-se assim verdadeira gradação no tocante à gravidade da violação: atos
inexistentes, atos nulos e atos anuláveis.
O CC Brasileiro não se referiu de modo expresso ao ato inexistente, por se
tratar de mero fato, inábil à produção de consequências jurídicas. A rigor, nem precisa se lhe
declare a ineficácia por decisão judicial, porque ele nunca existiu juridicamente, nem se torna
possível destruir o que não existe. O ato inexistente é o nada. A lei não o regula, porque não há
necessidade de disciplinar o nada.
Em matéria de casamento, ocorrem também hipóteses em que se verifica a
inexistência do ato. Assim, se porventura se unissem duas pessoas do mesmo sexo, como outrora
sucedeu com Nero e Sporus, ter-se-ia ato inexistente, porque do matrimônio é condição vital a
diversidade de sexo dos nubentes. Se este, entretanto, é apenas duvidoso, em virtude de vício
congênito de conformação, cuidar-se-á de mero caso de anulabilidade, e não de inexistência do
matrimônio.
Igualmente, se não houve consentimento do contraente, o ato nupcial é
inexistente. O matrimônio repousa indeclinavelmente no mútuo consenso dos interessados. Se um
destes não chega a manifestar-se de modo específico, conservando-se indiferente à pergunta
fundamental formulada pelo juiz, não há consentimento e o casamento inexiste.
Ter-se-á, finalmente, por igual, ato inexistente quando não há celebração,
com observância do disposto nos arts. 192 a 194, CC; assim, se o ato se realiza, não perante o
juiz, mas perante um particular qualquer, que se arroga aquela qualidade, o casamento é
inexistente.
As três hipóteses mencionadas (identidade de sexos, ausência de
consentimento e falta de celebração), constituem os casos geralmente apontados pelos tratadistas
para indicar o casamento inexistente, que não pode, de modo algum, sanar-se pela ratificação ou
pela prescrição, porque não se pode reconhecer, confirmar ou dar vida ao que não existe.

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Direito Civil

Como se acentuou, em princípio, não há necessidade de ação, para obter-se


a decretação da inexistência do casamento. Todavia, se o fato alegado depende de provas, como
por exemplo, a ausência de consentimento de um dos nubentes, tornar-se-á então imprescindível
o processo judicial.
Os casos que oferecem, entretanto, maior interesse prático dizem respeito a
casamentos nulos e anuláveis. A doutrina distingue os atos nulos dos anuláveis por caracteres
próprios e inconfundíveis:
a) decreta-se anulabilidade no interesse privado da pessoa prejudicada. A
nulidade é de ordem pública e a decretação exigida no interesse geral;
b) sana-se a anulabilidade pela ratificação ou confirmação, ao passo que a
nulidade não é suscetível de ratificação, ainda que desejada pelas partes. Em matéria de
casamento, porém, sofre essa regra a exceção prevista no art. 208, CC;
c) a anulabilidade é prescritível. A nulidade, ao contrário, em regra, não
prescreve, sobretudo em direito matrimonial. É realmente inconcebível que o decurso do tempo
torne eficaz ato proibido por lei;
d) finalmente, declara-se a anulabilidade a requerimento das próprias partes
diretamente interessadas no ato, ao passo que a nulidade se pronuncia a pedido desses
interessados e do representante do Ministério Público, como órgão da lei e fiscal de sua execução.
Um exemplo realçará nitidamente os contornos do casamento nulo e
anulável, ressaltando-lhes as sensíveis diferenças teóricas e práticas. De acordo com a lei, nulo é
o casamento de pessoa já casada (art.183, VI,, combinado com art.207, ambos CC); de outro lado,
simplesmente anulável o casamento de menor de vinte e um anos de idade sem prévio
consentimento paterno (art.183,XI, combinado com art.209, ambos CC).
No primeiro caso, tratando-se de ato nulo, não admite ratificação; seja qual
for o tempo decorrido, jamais ocorre prescrição da ação de nulidade; essa nulidade pronuncia-se
no interesse público e a decretação pode ser postulada por qualquer interessado, inclusive pelo
órgão do Ministério Público.
No tocante ao segundo caso, cuidando-se de ato simplesmente anulável,
admite-se-lhe a ratificação, quando o contraente vem a adquirir a necessária capacidade;
transcorrido certo lapso de tempo, extingue-se a respectiva ação anulatória, desaparecendo o vício
originário. Não é só: para pleitear a anulabilidade só têm legitimidade os próprios contraentes,
seus genitores, ou representante legal, de cujo consentimento se prescindira. Finalmente,
decretada a anulação, a decisão é exarada, não no interesse público, mas exclusivamente no
interesse privado dos contraentes.
Vamos agora falar da ação de nulidade e de anulação. A nulidade do
casamento processar-se-á por ação ordinária (art.222,CC). Nenhuma nulidade de casamento,
absoluta ou relativa, opera de pleno direito e tão só pela força da lei. Nenhuma nulidade se
declara, se não pedida e pronunciada judicialmente. Não há nulidades virtuais no matrimônio,
mas somente expressas e textuais, dependendo sempre de ação ordinária a sua decretação.
Ao contrário dos atos nulos em geral, declarados tais sem processo, sendo a
nulidade decretada ex officio, quando o juiz conhecer dos atos ou de seus efeitos (art. 146, CC), a
nulidade do casamento, em hipótese alguma, será decidida de ofício pela autoridade judiciária,
devendo ser determinada por sentença proferida em ação ordinária especialmente ajuizada para
esse fim. Somente depois de julgada por sentença a nulidade, deixa o casamento de produzir
efeitos.
A ação de nulidade ou de anulação é ação de estado, em que
necessariamente deve intervir não só representante do Ministério Público, como um defensor ou

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curador do vínculo, nomeado de acordo com o mesmo art. 222, CC, e cuja origem se depara no
direito canônico.
Falemos agora da separação prévia de corpos. Estabelece ainda a lei que
“antes de mover a ação de nulidade do casamento, a de anulação, ou a de separação, requererá o
autor, com documentos que a autorizem, a separação de corpos, que será concedida pelo juiz com
possível brevidade”, conforme art. 223, CC.
Justifica-se plenamente essa medida preparatória, pela inconveniência e até
perigo de continuarem sob o mesmo teto os dois futuros litigantes.
Nesse processo preliminar, a única prova a oferecer-se a examinar é a do
casamento, tornando-se inoportuna e impertinente qualquer discussão acerca dos fatos que
motivaram a propositura da ação. Contudo, nos termos do art. 801, CPC, pleiteando a medida
cautelar em petição escrita, o requerente indicará: I) a autoridade judiciária, a que foi dirigida; II)
o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido; III) a lide e seu
fundamento; IV) a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão; V) as provas que
serão produzidas.
Desnecessária será, evidentemente, prévia obtenção do alvará de separação
de corpos, se os cônjuges se acham separados de fato, morando em residências diversas.
Ato contínuo, passemos a examinar os casos de matrimônio nulo. Em
primeiro lugar, “é nulo e de nenhum efeito, quanto aos contraentes e aos filhos, o casamento
contraído com infração de qualquer dos nºs. I a VIII do art. 183”, conforme dispõe o art. 207, CC.
Em tais condições, nulo o casamento de parentes em linha reta, de irmãos,
de pessoas vinculadas pela adoção, de pessoa já casada anteriormente, de cônjuge adúltero com o
seu co-réu por tal condenado, de cônjuge sobrevivente com o autor do homicídio, ou tentativa de
homicídio, contra o falecido.
Nos casos de bigamia, aliás, os mais frequentes, pode ser oposta defesa
consistente na nulidade do precedente matrimônio. Em tal hipótese, o processo ficará sobrestado,
até que se julgue tal prejudicial no juízo competente.
Ainda no caso de bigamia, tem-se decidido que, para ser havida como
precedente a ação de nulidade, basta a prova de que o bígamo foi processado e condenado pela
justiça criminal, por decisão transitada em julgado.
O segundo casamento do bígamo é nulo, ainda que ao tempo da propositura
da ação de nulidade já houvesse falecido o cônjuge das primeiras núpcias.
Além dos casos apontados, outro existe de nulidade do casamento, o do art.
208, CC: “É também nulo o casamento contraído perante autoridade incompetente. Mas esta
nulidade se considerará sanada, se não se alegar dentro em dois anos da celebração”.
Como se frisou na ocasião oportuna, o casamento deve ser presidido pelo
juiz do distrito em que se processou a habilitação matrimonial. Conseguintemente, de acordo com
o questionado dispositivo legal, nulo será o matrimônio celebrado por outra autoridade. Da
mesma forma, haverá nulidade se o juiz não está em exercício, ou se celebra o ato fora dos limites
do seu distrito.
Cumpre verificar agora quem é parte legítima para propor a ação. Pelo art.
189, III, CC, qualquer pessoa maior pode apresentar os impedimentos cuja violação acarrete
nulidade do matrimônio. Mas, para demandar judicialmente essa nulidade, restringe-se o número
de pessoas a quem cabe a iniciativa. Atribuir legitimidade processual a qualquer indivíduo,
indistintamente, como sucede com a oposição de impedimentos, seria danoso à segurança das
famílias e à moral social. Sensível a essa ponderação, o legislador pátrio outorga qualidade para a

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propositura da ação exclusivamente às pessoas que tiverem legítimo interesse econômico ou


moral na pronunciação da lide (CC, art 76; CPC, art 3º).
Têm manifesto interesse moral na postulação as pessoas que representam a
família, os próprios cônjuges, ascendentes, descendentes, irmãos, cunhados e o primeiro cônjuge
do bígamo. Têm interesse econômico os filhos do leito anterior, os colaterais sucessíveis, os
credores dos cônjuges e os adquirentes de seus bens. Também a concubina tem legítimo interesse
moral e patrimonial no reconhecimento da nulidade.
Pode ainda ajuizar a ação o representante do Ministério Público, cujo
interesse é social. Contando certamente com as fraquezas humanas, que talvez aconselhem os
parentes à omissão, no afã de evitar-se escândalo, a lei arma o MP de suficientes poderes para
intentar o processo em defesa dos interesses da sociedade.
Mas, desaparecerá esse interesse se falecido um dos cônjuges; cessa nesse
caso a razão que a sociedade pode ter na anulação.
Vejamos agora os casos de matrimônio anulável. Consoante o estatuído
pelo art. 209, CC, “é anulável o casamento contraído com infração de qualquer dos nºs. IX a XII
do art. 183:, isto é, das pessoas coactas ou incapazes de consentir, do raptor com a raptada
enquanto esta não se achar em lugar seguro, dos incapazes, enquanto não obtiverem o
consentimento de seus representantes legais ou suprimento judicial do consentimento, e a falta de
idade nupcial.
Na hipótese de coação, para averiguar se houve ou não esse vício, cumpre
atender aos princípios legais consubstanciados nos arts. 98 e seguintes do CC. Simples temor
reverencial, como frisamos, isto é, receio de desgostar pai, mãe ou outras pessoas a quem se deva
respeito e obediência, não constituirá coação.
O alienado é incapaz de consentir. Declarada ou não a interdição, anula-se
o casamento de pessoa absolutamente incapaz ao tempo do ato.
Quem poderá propor a ação tendente a obter anulação do casamento, com
base no art. 209 do CC? No caso de matrimônio contraído por pessoa coacta, ou pelo incapaz de
consentir, como o demente, a ação só pode ser promovida: I) pelo próprio coacto; II) pelo
incapaz; III) por seus representantes legais (art.210).
Como se vê, na hipótese de simples anulabilidade, só as pessoas
diretamente interessadas podem propor a ação. Assim, no caso de anulação por falta de
autorização dos pais ou representantes legais, ou no de inexistência de suprimento judicial do
consentimento, a ação só pode ser requerida pelas pessoas que tinham o direito de consentir e,
entretanto, não assistiram ao ato, pais, tutores e curadores (art.212).
Se se tratar de matrimônio contraído antes de idade legal (16 anos para as
mulheres e 18 para os homens), a anulação pode ser requerida: I) pelo próprio cônjuge menor; II)
pelos seus representantes legais; III) pelas pessoas designadas no art. 190, naquela mesma ordem
(art.213).
Quando requerida por terceiros a anulação (art.213, II e III), poderão os
cônjuges ratificá-lo, em perfazendo a idade fixada no art. 183, XII, ante o juiz e o oficial do
Registro Civil. A ratificação terá efeito retroativo, subsistindo, entretanto, o regime de separação
de bens (art.216).
Ainda no que concerne a casamento de menor, contraído antes da idade
legal, existe dispositivo de suma importância, o do art. 215, segundo o qual “por defeito de idade
não se anula o casamento de que resultou gravidez”.

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Cumpre ressaltar ainda que o CC não distingue entre o homem e a mulher.


Nessas condições, válido será o casamento, se a mulher se engravida, posto seja o marido menor
de 18 anos de idade.
A maternidade superveniente exclui, destarte, anulação por defeito de
idade, ainda que se manifeste no curso da lide, depois de ajuizada a ação. Mas, gravidez
superveniente não influi sobre a nulidade resultante de outros defeitos, como a falta de
consentimento paterno.
Sublinhe-se, por fim, que “o que contraiu casamento, enquanto incapaz,
pode ratificá-lo, quando adquirir a necessária capacidade, e esta ratificação retrotrairá os seus
efeitos à data da celebração” (art.211).
Examinemos agora os casos de anulação decorrentes de erro sobre a
pessoa.
Segundo decreto de Graciano, canonista e teólogo italiano do século XII, o
erro pode dizer respeito à própria pessoa, à sua fortuna, à sua condição e às suas qualidades.
Segundo o disposto no art. 218, CC, “é também anulável o casamento, se
houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro”.
Por sua vez, acrescenta o art. 219 que se considera erro essencial sobre a
pessoa do outro cônjuge: I) o que diz respeito à identidade do outro cônjuge, sua honra e boa
fama, sendo esse erro tal, que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum
ao cônjuge enganado; II) a ignorância de crime inafiançável, anterior ao casamento e
definitivamente julgado por sentença condenatória; III) a ignorância, antes do casamento, de
defeito físico irremediável ou de moléstia grave e transmissível, por contágio ou herança, capaz
de por em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; IV) o defloramento da mulher,
ignorado pelo marido.
Para melhor compreensão do assunto, decomporemos os vários casos de
anulação acima referidos:
I) Erro concernente à identidade do outro cônjuge. A identidade pode
apresentar-se sob dois aspectos, a identidade física e a identidade civil. A primeira individualiza a
pessoa dentro da espécie; a segunda, dentro da sociedade.
No tocante à identidade física (error in corpore), nenhuma dúvida pode
pairar: o pretendente, querendo casar com Maria, com quem estava comprometido, se une à
Luíza, que, sub-repticiamente, tomara o lugar da primeira no ato da celebração, não sendo a troca
percebida por aquele. Trata-se, porém, de hipótese dificilmente verificável, ante a notória e
indispensável publicidade inerente ao casamento.
A questão torna-se obscura e complexa no que concerne à identidade civil,
havendo, a propósito, a maior desconexidade, tanto na doutrina, como na jurisprudência.
A identidade civil conceitua-se como a reunião dos atributos ou qualidades
essenciais, com que a pessoa se distingue na sociedade. Por sua vez, qualidades essenciais são os
modos pelos quais a pessoa existe no meio social e sem os quais deixa de ser o que aparenta.
A lei não esclarece quais essas qualidades essenciais que constituem a
identidade civil. Cabe, pois, ao juiz decidir quando as mesmas qualidades, sobre as quais incidiu
o erro do outro cônjuge, podem ou não, ser consideradas como essenciais. A apreciação far-se-á
em cada caso, tendo em vista as condições subjetivas do cônjuge enganado e outros critérios
particulares, que tornem evidente a insuportabilidade da vida em comum, após o descobrimento
do erro.
Entende-se que as qualidades essenciais inerentes à identidade civil dizem
respeito ao estado de família e ao estado religioso. Assim, seria erro essencial sobre a identidade

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civil do outro cônjuge imaginá-lo solteiro, quando viúvo, supô-lo filho legítimo, quando bastardo,
ter ele filho natural, quando se desconhecia tal circunstância, ser sacerdote, quando se o
acreditava livre de votos.
Como, porém, já se acentuou, para firmar se existe ou não erro sobre a
identidade civil, torna-se preciso atentar para as circunstâncias peculiares a cada caso. Se a
contraente é católica fervorosa, ser-lhe-á certamente intolerável casamento com um padre e o
descobrimento da apostasia autoriza-a a propor ação de anulação. Não haverá, contudo, lugar para
essa anulação se à mulher indiferente for a religião.
Impõe-se exame diligente e consciencioso dos fatos pelo magistrado, a fim
de evitar-se o perigo de interpretação muito extensiva da lei, facilitando assim a dissolução do
casamento.
Também existe erro essencial sobre a identidade civil neste exemplo: um
aventureiro apodera-se dos papéis de identidade de outra pessoa e com eles se apresenta na
sociedade. Há nesse caso manifesto erro sobre o seu estado, origem e filiação e eventual
casamento, com semelhante identidade seria sem dúvida anulável, dado o erro em que teria
incidido o outro cônjuge.
Mas não há motivo para anulação se o erro versa apenas sobre condições de
fortuna ou profissão do outro cônjuge; ser este pobre, indolente, ocioso, amigo do jogo, viciado
no fumo, instável ou genioso, pouco afeito ao trabalho, inconstante nos empregos, nada disso
constitui erro essencial, de molde a justificar anulação do matrimônio.
Já se decidiu igualmente que não configura tal causa de anulação: a) a
recusa de coabitação por parte do cônjuge; b) o descobrimento de que ele havia tomado parte,
anteriormente, em agremiações totalitárias; c) o ser ele filho natural reconhecido por subsequente
matrimônio; d) o descobrir que o marido era muçulmano; e) o simples fato de haver mudado o
nome; f) viver o marido anteriormente amasiado; g) o ser a mulher desonesta e perversa; h) a
existência de precedente casamento anulado por sentença.
II) Erro sobre a honra e a boa fama. Honra é a dignidade da pessoa que vive
honestamente, que pauta seu proceder pelos ditames da moral; é o conjunto dos atributos, morais
e cívicos, que torna a pessoa apreciada pelos concidadãos. Boa fama é a estima social de que a
pessoa goza, visto conduzir-se segundo os bons costumes.
A mulher que se casa com um cafetão, que se apresenta como cavalheiro, e
o homem de bem que desposa uma decaída, que lhe conquistou a estima, podem invocar o art.
219, I, CC, para dissolver a sociedade conjugal, que lhes revolta a dignidade.
Coerentes com esse ponto de vista, juízes e tribunais têm anulado
casamentos em que o homem, ilaqueado na sua boa fé, desposa uma prostituta e em que a mulher,
horrorizada, descobre o marido entregar-se a práticas homossexuais.
Em ambos os casos, evidente o erro do cônjuge enganado, no que concerne
à honra e boa fama do consorte e que, por isso, indubitavelmente autoriza a anulação do ato
matrimonial.
Na apreciação dos fatos desabonatórios da honra e da boa fama, o aplicador
da lei não deve perder de vista a parte final do dispositivo: eles são causa de anulação apenas
quando se ulterior conhecimento torne insuportável a vida em comum. Contudo, não é a
sensibilidade de cada cônjuge que decide, mas o superior critério do magistrado.
O código restringe o erro exclusivamente à pessoa do outro cônjuge.
Conseguintemente, se os fatos desonrosos ou infamantes dizem respeito não ao cônjuge
pessoalmente, mas a outros membros de sua família, óbvio que não ocorre motivo para anulação.

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Cumpre acrescentar ainda que os mesmos fatos desonrosos ou infamantes


devem ter ocorrido antes do matrimônio. Se o cônjuge só veio a aviltar-se depois, torna-se
evidente que o outro não tem direito de reclamar anulação, assistindo-lhe, quando muito, recurso
à instância da separação judicial.
Dentre várias hipóteses julgadas pelos tribunais do país podem ser
mencionadas as seguintes, bastante elucidativas: a) evitar a concepção não constitui fato
atentatório à honra da nulher. Trata-se, aliás, de fato subsequente ao matrimônio; b) igualmente,
não implica em erro essencial professar o cônjuge religião diferente, ser pessoa nervosa, fumar
excessivamente ou usar bebidas alcoólicas; c) todavia, será anulável casamento contraído com
indivíduo avezado à prática de crimes contra a propriedade, sem dignidade pessoal, destituído de
honra, e que jamais desfrutou da estima e do respeito de seus concidadãos.
III) Ignorância de crime inafiançável. Também a ignorância de crime
inafiançável, anterior ao casamento, e definitivamente julgado por sentença condenatória,
constitui erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge. Segundo o disposto no art. 323, CPP,
não será concedida fiança: I) nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada
for superior a dois anos; II) nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das
Contravenções Penais; III) nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu
já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; IV) em
qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio; V) nos crimes punidos com
reclusão que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a
pessoa ou grave ameaça.
São igualmente inafiançáveis os crimes contra a organização do trabalho,
além de certos delitos eleitorais, bem como os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e os
crimes hediondos, mais os previstos na CF88, art. 5º, nºs. XLII a XLIV.
Esclarece-se que a existência de crime inafiançável na vida pregressa
desclassifica o contraente na ordem social e revela alma eticamente inadaptada. De presumir
assim que o outro cônjuge não se casaria, se conhecesse esse passado.
É claro, porém, que o crime deve anteceder ao matrimônio; se subsequente,
mantêm-se este. Não se pode, obviamente, arguir erro no momento da celebração, se o fato
delituoso só veio a perpetrar-se na constância do casamento.
Se praticado o ato infracional ao tempo em que o contraente era menor de
18 anos de idade, sujeito, portanto, não às disposições do Código Penal, mas às medidas de
proteção compendiadas pela lei 8.069, de 13/07/90, não mais poderá enquadrar o erro no nº II do
art, 219. Tratando-se, no entanto, de fato desonroso, que compromete a dignidade de seu autor,
poder-se-á, com toda a pertinência, demandar a anulação com base no nº I.
IV) Defeito físico irremediável. Considera-se erro essencial ser o cônjuge
portador de defeito físico irremediável, anterior ao casamento e desconhecido do outro
contraente. Nem todo defeito físico autoriza, porém, a anulação. Só o irremediável, que impeça a
realização dos fins matrimoniais, e ignorado do outro cônjuge, terá suficiente força para acarretar
semelhante desfecho.
Dentre os defeitos dessa natureza, podem ser mencionados o sexo dúbio, as
deformações genitais, o infantilismo ou vaginismo e a impotência.
De todos o mais frequente é a impotência, que se apresenta sob várias
formas: coeundi, generandi e concipiendi. Consiste a primeira na inaptidão para o coito
(impotência instrumental). A segunda é a incapacidade para a fecundação, e a terceira, a
incapacidade para a concepção.

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Só a primeira (coeundi), quando irremediável e anterior ao casamento


autoriza a anulação.
V) Moléstia grave e transmissível por contágio ou por herança. A
existência de enfermidade nessas condições, quando preexista ao casamento, constitui igualmente
erro essencial, desde que ignorada do outro cônjuge. Com esse dispositivo, quis a lei proteger a
família, evitando que os males e as taras se propaguem, com prejuízo para a coletividade.
De rigor, porém, que o mal seja anterior ao casamento e capaz de afetar
potencialmente a saúde do outro cônjuge, ou de sua descendência, nos termos da lei.
Melhor que outras explicações, os casos concretos colhidos na
jurisprudência elucidam completamente o assunto. Assim, decretou-se a anulação: a) no caso de
tuberculose; b) no de lepra; c) no de sífilis e epilepsia; d) no de blenorragia, devido às suas graves
complicações; e) nos casos de AIDS.
Mas é sobretudo no vasto campo das moléstias mentais que se deparam os
exemplos mais frisantes: a) esquizofrenia; b) epilepsia; c) constituição psicopática incurável, com
reflexos inibidores sobre as funções sexuais; d) coitofobia; e) sadismo.
Em todos estes casos há moléstia grave e transmissível por herança, capaz,
assim, de por em risco a saúde do outro cônjuge, ou de sua prole, embora se procure
modernamente contestar a influência da hereditariedade nas doenças psíquicas. A existência
daquelas anomalias pode induzir, portanto, anulação do casamento, de acordo com o art. 219, III,
CC. Não assim a mera frigidez sexual, nem a neurose de angústia.
VI) Defloramento de mulher ignorado pelo marido. A virgindade na
mulher, que contrai primeiras núpcias, é indício de honestidade e recato, constituindo, por isso,
qualidade essencial da maior relevância. Caracteriza-se o casamento como ato jurídico intuitu
personae e o marido, por certo, não o contrairia, se soubera da mancha, que tisna a vida passada
da consorte.
Essa causa de anulação envolve erro sobre a própria identidade, honra e boa
fama. A vida sexual anterior da mulher, ignorada pelo marido, pode, pois, em tese, sem qualquer
violência aos textos, constituir a causa da anulação especificada no nº I do art. 219, CC.
Todavia, tendo o legislador destacado de modo especial o erro virginatis,
não pode o cônjuge enganado quedar-se inerte durante o restrito prazo prescritivo marcado pelo
CC (art. 178, § 1º), para depois pleitear anulação com base no citado nº I. Efetivamente, o que se
encontre explícito na lei não pode, ao mesmo tempo, nela se achar implícito na genérica
discriminação das causas de erro.
No caso figurado no nº IV, ora em exame, cabe ao marido, tendo motivos
ponderosos para suspeitar que a mulher não é mais pura, iniciar imediatamente a ação anulatória,
pois, em caso algum, ainda que se alegue subterfúgio da ré, e prorroga o exíguo prazo de dez dias
concedido pelo citado art. 178, § 1º.
VII) Dolo como causa de anulação. O CC cogita apenas do erro e da
coação, tendo posto de lado, como causa de anulação, o dolo, definido pelos arts. 92 a 97.
Perante a generalidade das legislações contemporâneas esse vício da
vontade não constitui causa anulatória e não tem maior significação em matéria matrimonial. No
casamento já são tão frequentes as recíprocas desilusões, que, admiti-las como causa de anulação,
seria tornar ainda mais precária e instável a instituição matrimonial. Nesse tema, consoante velho
adágio francês, engana quem pode. Plausível assim que os noivos procurem ocultar seus defeitos
e valorizar suas qualidades. O descobrimento da realidade não pode ter por virtude a dissolução
do vínculo.

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Mas, quem pode propor a ação de anulação em caso de erro? O assunto é


regulado pelo art. 220: “a anulação do casamento, nos casos do artigo antecedente, só a poderá
demandar o cônjuge enganado”.
Não pode, pois, mover ação o cônjuge que induz o outro em erro; trata-se
de aplicação do princípio de que a ninguém é lícito tirar proveito da própria malícia.
Outrossim, não pode intentá-la outras pessoas, parentes ou estranhos, por
maior que inculquem ser seu interesse. Não devem eles imiscuir-se em assunto tão íntimo, tão
reservado, porque bem possível se torna que o cônjuge enganado prefira transigir com seu erro e
assim manter a sociedade conjugal.
Só os próprios cônjuges, portanto, são os juízes da conveniência da
propositura da ação de anulação fundada em erro; ninguém mais pode arrogar-se tal direito.
Quanto aos prazos de prescrição, no caso do art. 219, IV (defloramento da
mulher ignorado pelo marido), o lapso prescricional é de dez dias apenas, contados do casamento
(art. 178, § 1º) e não da coabitação. Esse prazo é de decadência e não de prescrição propriamente
dita.
Na hipótese de casamento de menor ou incapaz, sem consentimento do
representante legal, ou respectivo suprimento, o prazo prescritivo é de três meses (art.178, § 4º,
II). Trata-se, igualmente, de outro prazo de caducidade e conta-se do dia em que o autor teve
ciência do ato matrimonial.
Prescreve em seis meses a ação para anular o casamento do incapaz de
consentir, promovida por este, quando se torne capaz, por seus representantes legais, ou pelos
herdeiros; contado o prazo do dia em que cessou a a incapacidade, no primeiro caso, do
casamento, no segundo, e, no terceiro, da morte do incapaz, quando esta ocorra durante a
incapacidade (art. 178, § 5º, III, CC).
O prazo prescritivo é de dois anos para o cônjuge coacto. De acordo com o
art. 178, § 5º, I, esse prazo, antigamente, era de seis meses, contado do dia em que cessou a
coação. O dispositivo foi, no entanto, modificado pelo Decreto-lei 4.529, de 30/07/42, que
ampliou para dois anos aludido prazo prescritivo, que se contará não mais da data em que cessa a
coação, mas da data da celebração do casamento.
Dispõe ainda o CC que prescreve em dois anos a ação do cônjuge para
anular casamento nos casos do art. 219, I, II e III; contado o prazo da data da celebração (art. 178,
§ 7º, I).
Todos os prazos supra-referidos são de caducidade. Conseguintemente,
pedida em juízo a anulação, não começará a fluir novo prazo.
Quanto às disposições processuais, as mais importantes são as seguintes: a)
a mulher tem foro privilegiado para a propositura da ação de nulidade ou anulação do casamento,
podendo tangê-la no foro de sua residência (CPC, art. 100, I). O texto só se refere à ação de
anulação, mas, na expressão, contidas se acham as duas hipóteses; b) tais causas, sendo de estado,
serão processadas e julgadas exclusivamente, pelos juízes de direito (CPC, art. 92, II); c) se a
ação for julgada procedente, deve o juiz apelar de ofício, segundo o disposto no art. 475, I, e seu
parágrafo único; d) a ação de nulidade ou de anulação pode ser cumulada com a de separação
judicial, desde que alternativos os pedidos. O segundo só será apreciado pelo julgador, se
rejeitado o primeiro; e) as sentenças de nulidade e de anulação de casamento devem ser averbadas
no livro de casamentos do Registro Civil, com observância do disposto no art. 100 da lei 6.015,
de 31/12/73; f) o juízo competente será determinado pelas leis de organização judiciária; g) o
processo correrá em segredo de justiça, como dispõe o art. 155, II, CPC; h) de se observar a
conciliação (CPC, art. 447, § único).

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Nos casos de defeito físico irremediável, moléstia grave e error virginitatis


a melhor das provas é a pericial. Quando se alega impotência coeundi, poderá constituir prova
decisiva o estado de virgindade em que se conserve a mulher.
Já se decidiu, outrossim, que grave perigo haverá em se admitir nulidade de
casamento baseada em prova exclusivamente testemunhal, exposta assim a constituição da
família a numerosos golpes, que lhe minariam a existência. Aliás, nessa matéria, preconiza-se
todo o rigor na apreciação da prova.
Por fim, em caso de bigamia, a sentença criminal que condenou o bígamo,
passada em julgado, é bastante para justificar a decisão anulatória no cível.
Antes de terminarmos este ponto precisamos abordar o casamento putativo.
Putativo é o casamento que, embora nulo, foi, todavia, em boa fé contraído por um só ou por
ambos os cônjuges. É o casamento anulado, mas a que a lei outorga efeitos de matrimônio válido.
Casamento putativo é aquele que as partes e terceiros reputam celebrado de acordo com a lei.
Aliás, a palavra putativo significa o que se presume ser, mas não é, o que é imaginário, fictício,
irreal. A linguagem jurídica frequentemente recorre a tal expressão, quando deseja referir-se ao
herdeiro aparente e ao credor putativo. No tocante ao casamento, por ficção, a lei equipara ao
verdadeiro o matrimônio putativo.
O direito romano conheceu a teoria do casamento putativo, cuja existência
subordinava ao concurso de três requisitos, bona fide, opinione justa e solemnitas (boa fé, erro
escusável e celebração do casamento). Ocorrendo esses elementos, o matrimônio nulo produzia
todos os efeitos do válido, em relação aos cônjuges de boa fé; mas esse favor só existia em casos
muito especiais.
Foi a Igreja Católica que desenvolveu a teoria, em virtude da multiplicidade
dos impedimentos matrimoniais e das sutilezas que a respeito deles teciam teólogos e canonistas.
Depurou-se assim a ficção do casamento putativo, estabelecida in favorem prolis, convertendo-se
afinal numa “inestimável descoberta da técnica jurídica”.
Para o direito canônico, são legítimos os filhos nascidos de casamento nulo,
se um dos cônjuges ignorava a causa da nulidade no momento da celebração.
Modernamente, com pequenas variantes, existe o casamento putativo em
quase todas as legislações. Dentre elas, a mais adiantada é a da Suiça, segundo a qual a boa ou a
má fé dos cônjuges não tem qualquer influência em relação à legitimidade dos filhos. Esse
igualmente o sistema do direito brasileiro, desde o advento da lei 6.515, de 26/12/77, art. 14, §
único. Perante o direito inglês, todavia, anulado um casamento, os filhos serão sempre havidos
como bastardos.
Em face do nosso direito positivo, assim se expõe a teoria do casamento
putativo: em princípio, casamento nulo, realizado com infração dos impedimentos mencionados
no art. 183, I a VIII, nenhum efeito produz. Anulado o ato, volvem as partes ao estado anterior,
como se não tivesse sido efetuado. É o que decorre do art. 207, CC.
Assim, se padrasto e enteada se casam, não obstante ciência deles do
impedimento previsto no art. 183, II, o casamento é nulo e de nenhum efeito em relação aos
contraentes. Vale dizer, haver-se-á a união como simples relação concubinária. Em relação aos
filhos, porém, ainda que nenhum dos cônjuges estivesse de boa fé ao contrair o casamento, seus
efeitos civis lhes aproveitam (lei 6.515, art. 14, § único).
Deu-se, portanto, com a superveniência dessa lei uma profunda inovação.
Anteriormente, só se verificava esse efeito se um dos cônjuges se achava de boa fé (CC, art. 221 e
§ único). Tal situação, consolidou-se, porém, com o advento da CF88.

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Mas, se tiver havido boa fé por parte de ambos, ou de um deles somente?


Por exemplo, ao casar (e basta a boa fé no instante da celebração), acreditava o contraente que por
sentença havia sido anulado seu anterior casamento?
Nessa hipótese, muda o caso de figura. Realmente, edita o art. 221, CC, que
“embora anulável, ou mesmo nulo, se contraído de boa fé por ambos os cônjuges, o casamento,
em relação a estes, como aos filhos, produz todos os efeitos civis até o dia da sentença
anulatória”.
Em atenção a essa boa fé, que sempre desfrutou de muitos privilégios no
direito, o casamento nulo ou anulável produz todos os efeitos do válido, até o momento em que,
por decisão judicial, se dissolve a sociedade conjugal por ele estabelecida. A eficácia dessa
decisão manifesta-se assim ex nunc e não ex tunc, não afetando, pois, os direitos adquiridos até
então.
Declarada a nulidade do casamento contraído de boa fé (e não interessa a
causa determinante da anulação), dissolve-se a sociedade conjugal como se ocorresse a morte de
um dos cônjuges, isto é, processa-se a partilha do patrimônio do casal, se este se unira pelo
regime da comunhão, desaparecem os deveres recíprocos dos cônjuges, especificados no art. 231,
CC, e os filhos nascidos dessa união são legítimos.
Insista-se, porém: para que se manifestem os benéficos efeitos da
putatividade, de mister que pelo menos um dos contraentes (art. 221, § único) esteja de boa fé,
estado psicológico que se resume no ignorar a circunstância decisiva, que ao ato imprimiria
caráter ilícito, se presente fosse ao espírito do agente.
Essa ignorância decorre de erro, que tanto pode ser o erro de fato como o
erro de direito. O erro de fato consiste na ignorância de acontecimento que impede seja válido o
casamento. Por exemplo, casam-se duas pessoas, que são irmãs, mas desconhecem o parentesco
impeditivo do matrimônio, só descoberto posteriormente.
O erro de direito decorre da ignorância de lei que obste a validade do
casamento. Por exemplo: tio e sobrinha não podem casar, a menos que se submetam previamente
a exame médico destinado a comprovar-lhes as condições eugênicas (Dec.-lei 3.200, de 19/4/41,
art. 1º). Efetuado o casamento independentemente desse exame pré-nupcial, nulo será o
matrimônio. Mas se os cônjuges se equivocarem acerca do preceito legal, casando-se em boa fé, o
matrimônio é putativo.
Cumpre ainda não perder de vista o disposto no art. 221, § único: “Se um
só dos cônjuges estava de boa fé, ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a esse e aos
filhos aproveitarão”.
Quer dizer: ainda na hipótese de ser unilateral a boa fé, legítimos serão os
filhos, desfrutando assim de todos os direitos outorgados aos descendentes dessa categoria, mas,
enquanto menores, o pátrio poder caberá exclusivamente ao cônjuge inocente, depois de
decretada a anulação do casamento.
Por outro lado, as vantagens concedidas pelo culpado ao inocente
subsistem, mas cessam as feitas pelo inocente ao culpado, impondo-se-lhes a restituição. Dispõe,
realmente, o art. 232, CC: “Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este
incorrerá: I) na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente; II) na obrigação de
cumprir as promessas, que lhe fez, no contrato antenupcial”.
As doações feitas por terceiros, em contemplação do casamento (art. 313),
caducam em relação ao culpado, porque não se considera realizada a condição imposta, a
celebração do casamento. O contrário sucede com o inocente.

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Não é só: o cônjuge culpado não se exime da obrigação alimentar, com


relação ao inocente; se este carece de alimentos, não pode o culpado furtar-se ao respectivo
cumprimento, devido, porém, até a data da sentença anulatória.
Ainda não é tudo: se é a mulher o cônjuge inocente, subsiste em seu favor a
hipoteca legal, assistindo-lhe, outrossim, direito de conservar os apelidos do marido, adotados
pelo casamento.
Mais ainda: na partilha de bens, se apenas um dos cônjuges é inocente,
perde o outro as vantagens econômicas que advieram do casamento; não pode pretender assim
meação no patrimônio com que o inocente entrou para o casal. Tem este, porém, direito à meação
relativa aos bens trazidos pelo culpado. Reconhecida a boa fé de ambos os cônjuges, far-se-á a
partilha em quotas iguais. Aliás, essa repartição equitativa efetuar-se-á igualmente no tocante aos
bens adquiridos pelo esforço comum, pouco importando que um deles seja culpado.
Referentemente à emancipação adquirida pelo casamento, a subsequente
anulação deste não acarreta o retorno do emancipado de boa fé à condição de incapaz. Diversa, no
entanto, a situação se de má fé ele estiver.
Inexistirá adultério por parte da segunda mulher do bígamo, ignorante do
primeiro casamento deste.
Por último, o casamento putativo produz efeitos de ato válido no tocante a
terceiros.
Em se tratando de casamento inexistente, porém, não há que se lhe invocar
a teoria. Casamento inexistente é o nada jurídico; ele não existe para o legislador nem para o
aplicador da lei. Assim, não é possível estenderem-se os efeitos da putatividade ao matrimônio de
duas pessoas do mesmo sexo. Ninguém de boa fé se animaria a sustentar que se trata de
casamento putativo.
Se apenas anulável e a anulação foi de fato declarada por sentença, com
trânsito em julgado, tal decisão não obsta à legitimidade dos filhos concebidos ou havidos antes
ou durante o casamento. Esses filhos são sempre havidos como legítimos, porque, antes da
sentença, o casamento simplesmente anulável subsiste juridicamente, como se válido fora.
Estende o CC o benefício aos filhos havidos antes do casamento pela natural aplicação do
princípio da legitimação por subsequente matrimônio (art. 352). Essa questão, porém, se encontra
superada, ante os termos do art. 207, § 6º, da CF88.
Adiante-se que má fé não se presume e deve ser comprovada por quem a
alegue. Ao contrário, presume-se a boa fé. O ônus da prova compete a quem a negue. O
reconhecimento da putatividade não depende, pois, de comprovação da boa fé.

4.4. Efeitos jurídicos do casamento

Primeiramente vamos expor as disposições penais relativas ao casamento.


Quanto aos cônjuges, verificou-se no estudo dos impedimentos impedientes ou proibitivos,
enumerados no art. 183, XIII a XVI, que sua infração não acarreta nulidade ou anulabilidade do
matrimônio. Sujeita apenas os infratores a sanções de índole civil.
Assim, de acordo com o art. 225, CC, o viúvo, ou a viúva, com filhos do
cônjuge falecido, que se casar antes de fazer inventário do casal e dar partilha aos herdeiros,
perderá o direito ao usufruto dos bens dos mesmos filhos. Por via de consequência perde também
a respectiva adminstração, o que representa, sem dúvida, grave restrição aos direitos paternos.
Além dessa restrição, o viúvo, ou a viúva, que passar a segundas núpcias
sem inventariar e partilhar os bens do extinto casal, terá de fazê-lo obrigatoriamente no regime da

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separação de bens, tornando-se inoperante declaração de qualquer outro regime no termo de


casamento, nem se exige propositura de ação especial para reconhecimento do fato.
Assim prescreve o art. 226, que estabelece ainda a mesma penalidade para
todos os casamentos celebrados com inobservância dos impedimentos mencionados no art. 183,
XI a XVI. Para coibir possível burla, proíbe o Código, igualmente, doações de um cônjuge ao
outro, em qualquer daqueles casos.
Quanto ao oficial do registro civil e ao juiz de paz, a violação de certos
preceitos concernentes ao casamento pode acarretar imposição de sanções de natureza civil e
penal aos responsáveis. O CP, no capítulo relativo aos crimes contra a administração pública,
contempla várias modalidades de infrações, em que pode incorrer o oficial do registro civil (arts.
314, 316, § 1º, 319, etc). O CC, por seu turno, no art. 227, edita que incorre em multa, além da
responsabilidade penal aplicável ao caso, o oficial do registro: I) que publicar o edital do art. 181,
não sendo solicitado por ambos os contraentes; II) que der a certidão do art. 181, § 1º, antes de
apresentados os documentos do art. 180, ou pendente a oposição de algum impedimento; III) que
não declarar os impedimentos, cuja oposição se lhe fizer, ou cuja existência, sendo aplicáveis de
ofício, lhe constar com certeza (art.189, I).
No art. 228, completa o CC a proteção que dispensa à instituição
matrimonial, dispondo que “nas mesmas penas incorrerá o juiz: I) que celebrar o casamento antes
de levantados os impedimentos opostos contra algum dos contraentes; II) que deixar de recebê-
los, quando oportunamente opostos, nos termos do art. 189 a 191; III) que se abstiver de opô-los,
quando lhe constarem, e forem dos que se opõem ex officio (art. 189, II); IV) que se recusar a
presidir ao casamento, sem justa causa”.
Cabe aos interessados promover a aplicação das penas cominadas nos art.
225 e 226. A aplicação das penas dos arts 228 e 227 será promovida pelo Ministério Público, e
poderá sê-lo pelos interessados (art. 228, § único).
O oficial do Registro Civil e o juiz de casamento estão sujeitos à correição
permanente do juiz de direito. Cabe a essa autoridade judiciária, portanto, a pedido dos
interessados, impor ao culpado as sanções legais.
Agora vamos aos efeitos jurídicos do casamento propriamente ditos. Do
casamento resultam importantes efeitos, quer em relação aos cônjuges, quer em relação aos
filhos, quer em relação a terceiros. No tocante aos primeiros, estabelece união permanente,
destinada a durar a vida inteira. O casamento cria assim, antes de mais nada, a família legítima,
de que é raíz e começo. Contudo, não goza mais o casamento do prestígio outrora desfrutado,
tendo perdido sua categoria constitucional; constitui, hoje, apenas uma forma de criação da
família. Por igual, o antigo sistema familiar por ele instituído foi devastado pelo princípio da
igualdade entre os cônjuges, que exercem, em condições de igualdade entre eles, os direitos e
deveres advindos do matrimônio. Isso vai refletir-se, especialmente, na eliminação da primitiva
superioridade atribuída ao marido na sociedade conjugal; em contrapartida, traz à mulher os
mesmos deveres que ao marido competem.
A superioridade ética da família legítima sobre a ilegítima constitui
verdadeira evidência. A primeira, constituída pelo matrimônio, é moral, social e espiritualmente
mais sólida do que a segunda, formada sem casamento, e à qual só se atribuem direitos, nunca
deveres.
A família legítima é igualmente mais estável do que a ilegítima, porque não
existindo nesta compromisso algum entre o homem e a mulher, pode a união dissolver-se com a
maior facilidade, por ser bem frágil sua estrutura.

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No ordenamento jurídico tornam-se palpáveis os reflexos da situação de


inferioridade em que jaz a família ilegítima, em confronto com a legítima, constituída pelo
casamento; enquanto é esta cuidada pelo legislador com especial atenção, aquela foi praticamente
ignorada, pelo menos até a CF88, que, para efeito da proteção do Estado, equiparou ao casamento
a união estável entre o homem e a mulher, salientando, porém, a superioridade da família
legítima, ao determinar que a lei deverá facilitar a conversão daquela união livre em casamento.
Essa CF88 proíbe qualquer designação discriminatória quanto à filiação
(art. 227, § 6º). Mas, num livro de doutrina, essa discriminação é indispensável, não pode deixar
de figurar, para que bem se compreendam os institutos legais.
A criação da família legítima constitui, por conseguinte, o primeiro e
principal efeito do casamento. Havendo justas núpcias entre os genitores, legítimos são os filhos
nascidos de sua união, como legitimados são também os filhos nascidos ou concebidos antes de
sua realização. Se não existe matrimônio, os filhos são ilegítimos.
Mas, além de criar a família legítima e de legitimar os filhos anteriormente
nascidos ou concebidos, o casamento produz ainda importantes efeitos em relação aos cônjuges,
quer pessoalmente, quer no tocante aos seus bens.
Examinemos, em primeiro lugar, os efeitos relativos aos cônjuges
pessoalmente. Esses efeitos distribuem-se em três categorias distintas: a) direitos e deveres
recíprocos; b) direitos e deveres do marido; c) direitos e deveres da mulher.
Então vamos começar falando dos deveres de ambos os cônjuges. Dentre os
efeitos pessoais salientam-se em primeiro lugar os recíprocos direitos e deveres dos cônjuges.
Evidentemente, a lei não pode cogitar de todos os deveres inerentes a ambos os consortes. Limita-
se ela a prever os mais importantes, isto é, aqueles reclamados pela ordem pública e pelo interesse
social.
Na discriminação desses deveres, contenta-se o legislador com um mínimo
de recomendações; mas fora de seu campo de ação existem ainda outros numerosos deveres
morais, imprescindíveis à boa harmonia conjugal, à felicidade doméstica, à paz familiar, como o
mútuo amor, a confiança e o recíproco respeito, que dependem de cada cônjuge individualmente,
de sua cultura, educação, sensibilidade e temperamento.
O CC ocupa-se, entretanto, do que lhe parece essencial. No art. 231 acham-
se enumerados os deveres de ambos os cônjuges: I) fidelidade recíproca; II) vida em comum, no
domicílio conjugal; III) mútua assistência; IV) sustento, guarda e educação dos filhos.
O primeiro e mais importante dos deveres recíprocos dos cônjuges é o de
fidelidade mútua. A infração desse dever constitui adultério, que é o fato que fere e perturba de
modo mais profundo a vida da família. O adultério do marido ou da mulher representa a mais
nítida manifestação de falência da moral familiar.
Não se poderá deixar de incluir o adultério como uma das causas de
separação judicial, nos precisos termos da lei 6.515, de 26/12/77, art. 5º. Por outro lado, de
acordo com a mesma ordem de idéias, proíbe a lei o reconhecimento do filho adulterino, salvo
depois da terminação da sociedade conjugal (lei 883, de 21/10/49), ou por testamento cerrado (lei
6.515, art. 51).
A lei penal, por sua vez, considera o adultério como delito contra a família,
punindo-o com as sanções cominadas no art. 240 do CP. Mas a tendência dos modernos
penalistas é a de suprimi-lo como delito ante a consideração de que se trata de crime privado, cujo
dano não envolve desordem social nem problema penal político.
Em face da lei, basta uma só transgressão ao dever de fidelidade, quer por
parte da mulher, quer por parte do marido, para que se configure o adultério. O conceito segundo

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o qual o adultério do marido só se caracteriza pela existência de concubina teúda e manteúda, ou


pela sua mantença no domicílio conjugal, não é mais aceito, nem no domínio da lei penal, nem no
da lei civil.
Entretanto, do ponto de vista puramente psicológico, torna-se sem dúvida
mais grave o adultério da mulher. Quase sempre, a infidelidade no homem é fruto de capricho
passageiro ou de um desejo momentâneo. Seu deslize não afeta de modo algum o amor pela
mulher. O adultério desta, ao revés, vem demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços
afetivos que a prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do lar.
Além disso, os filhos adulterinos que a mulher venha a ter ficarão
necessariamente a cargo do marido, o que agrava a imoralidade, enquanto os do marido com a
amante jamais estarão sob os cuidados da esposa. Por outras palavras, o adultério da mulher
transfere para o marido o encargo de alimentar prole alheia, ao passo que não terá essa
consequência o adultério do marido. Por isso, a própria sociedade encara de modo mais severo o
adultério da primeira.
Observe-se, porém, que do ponto de vista moral e jurídico, entre as duas
infrações inexiste qualquer diferenciação; ambas atentam contra a lei, a moral e a religião,
dissolvem o casamento e provocam a desagregação da família. Merecem, pois, idêntica
reprovação.
O dever de fidelidade perdura enquanto subsista a sociedade conjugal.
Terminada esta, porém, pela morte, anulação do matrimônio, ou separação judicial, readquire o
cônjuge, juridicamente, plena liberdade sexual. Do ponto de vista moral é claro que não.
Se os cônjuges se mantiverem apenas separados de fato, sem dissolução da
sociedade conjugal, perdura o dever de fidelidade, em todo o seu vigor.
O dever de coabitação também é considerado essencial quanto aos deveres
do matrimônio. Da essência do casamento faz parte a vida em comum no domicílio conjugal.
Sem essa coabitação entre os cônjuges não existe lar, apto a abrigar a família.
A vida em comum é um dever para os cônjuges, aliás, de ordem pública,
pois não existe casamento se não mais existe vida em comum.
A infração desse dever, por parte do marido ou da mulher, desde que o
afastamento se prolongue indefinidamente e se revele malicioso, autorizará o pedido de separação
judicial, com base na lei 6.515, art. 5º. Se o abandono do lar se deve à mulher e não tem esta
motivos plausíveis para assim proceder, perde o direito de alimentos, cessando para o marido a
obrigação de sustentá-la (art. 234). Igualmente, se a mulher não vivia com o consorte, ao tempo
da morte deste, não pode ser nomeada inventariante nem exercer as funções de cabeça de casal
(CC, art. 1.579, § 1º; CPC, art. 900, I). Duvidosa, porém, a vigência desse dispositivo, em face da
igualdade entre os cônjuges introduzida pela CF88. Em nosso direito positivo aí se acham as
principais sanções estabelecidas para a ofensa ao dever de coabitação.
Observe-se desde logo que ao cônjuge não assiste o direito de recorrer à
força policial para coagir o outro a retornar à habitação conjugal.
O mais que o cônjuge pode fazer, em semelhante conjuntura, é dirigir
interpelação ao outro, judicial ou extrajudicial, convidando-o a que retorne ao lar, sob pena de
incorrer nas sanções legais já mencionadas; mas compeli-lo por meios violentos ou vexatórios,
como se procedeu nos primeiros anos de aplicação do Código de Napoleão, será inadmissível
perante o direito. O CC, na segunda parte do art. 234, contempla ainda outra providência: no caso
de abandono do lar pela mulher, pode o juiz ordenar, segundo as circunstâncias, em proveito do
marido e dos filhos, o sequestro temporário de parte dos rendimentos particulares da mulher.

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A lei impõe aos cônjuges vida em comum no domicílio conjugal;


entretanto, muitas vezes, impossibilitar-se-á a coabitação sob o mesmo teto, sem que isso importe
violação a questionado dever. Por exemplo, se o marido, devido às suas ocupações (viajante ou
marítimo), é obrigado a deslocar-se constantemente, permanecendo longo tempo ausente do lar;
se ele concorda que a mulher aceite emprego em outra localidade; se, por motivo de moléstia
grave, um dos cônjuges é segregado da sociedade. Em qualquer dessas hipóteses, não há quebra
do dever de vida em comum.
Vê-se, portanto, que absoluto não é o dever de coabitação; embora a vida
em comum, debaixo do mesmo teto, constitua a regra geral, há contudo numerosas exceções,
impostas no interesse dos próprios cônjuges e da prole.
Mas cessa o dever de vida em comum, havendo justa causa para o
afastamento da mulher: a) se o marido não a trata com o devido respeito e consideração. Aplica-
se, nesse caso, o princípio comum a todas as convenções. Não pode o marido exigir da mulher o
cumprimento de sua obrigação se ele próprio não cumpre a sua; b) o marido não pode pretender
que a mulher o acompanhe na sua vida errante, assim como não pode pretender também que a
consorte com ele emigre para subtrair-se a condenação criminal.
Não desaparece, porém, o dever de coabitação se um dos cônjuges vem a
adoecer gravemente. É dever do outro acompanhá-lo e assisti-lo e esse dever perdura não só nos
momentos felizes como sobretudo nas horas de adversidade.
Ainda falando sobre os deveres essenciais de ambos os cônjuges chegamos
à mútua assistência. Com essas palavras o CC quis dizer que os cônjuges reciprocamente se
obrigam à prestação de socorro material e moral.
Por mais grave que seja a moléstia de um dos cônjuges, por mais
prolongado que se mostre seu mal, cabe ao outro, por dever de solidariedade ou por sublimação,
prestar-lhe toda a assistência de que for capaz.
Além desse conforto moral, cabe ainda aos cônjuges mútua colaboração
material, destacando-se nesse tema a obrigação alimentar, que compreende não só prestação de
alimentos propriamente ditos, como também de vestuário, transporte, medicamentos e até
diversões. Nesse passo, bem maior se torna a responsabilidade do marido, pois lhe cabe proteger
a mulher, tê-la junto a si e ministrar-lhe tudo quanto preciso para as necessidades do lar, ainda
que desses deveres reciprocamente não esteja exonerada a mulher.
Idêntica obrigação toca também à mulher se ela conta com recursos e não
possa o marido, por qualquer circunstância, cuidar de si (lei 4.121, de 27/8/62, art. 2º).
A obrigação do marido de sustentar a mulher apenas cessa quando esta,
sem motivo justo, abandona a habitação conjugal e a ela recusa voltar (CC, art. 234). Até depois
da separação judicial subsiste o encargo alimentar com relação à mulher, a menos seja
considerada como culpada (lei 6.515, art. 19).
A inobservância do dever de mútua assistência configura o delito de
abandono material da família, previsto no art. 244, CP. No juízo cível, a falta de assistência
material será suprida com a propositura de ação de alimentos; no tocante à falta de assistência
moral, todavia, não existe sanção direta em nosso ordenamento jurídico. A omissão poderá
caracterizar grave infração do deve conjugal para eventual ajuizamento de ação de separação
judicial, com base no art. 5º da lei 6.515, e se vier a causar dano moral, poderá este ser ressarcido,
de acordo com o art. 5º, X, da CF88.
Na verdade, contudo, a obrigação do sustento, perante o moderno direito de
família, é comum e recíproco a ambos os consortes, cada qual contribuindo na medida de suas
possibilidades.

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Finalmente, quanto aos deveres de ambos os cônjuges, chegamos ao


sustento, guarda e educação dos filhos.
Depois dos deveres dos cônjuges entre si, especificados no art. 231, I a III,
dispõe o CC a respeito dos deveres de ambos em relação à prole. São eles obrigados, pois, ao
sustento, guarda e educação dos filhos. No mesmo sentido, a lei 8.069, de 13/7/90, no art. 22,
dispõe que aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação do filho que tem o direito de
ser criado e educado no seio de sua família (art. 19).
Aos pais incumbe velar pela sorte destes, criando-os, amparando-os,
educando-os e preparando-os para os embates da vida.
A infração do dever de sustento, guarda e educação dos filhos sujeita o
cônjuge infrator às penalidades do art. 244 do estatuto repressivo. Do ponto de vista da lei civil,
ele pode ser suspenso e até destituído do pátrio poder, tal a gravidade de sua falta (arts. 394 e
395). Se acaso se descuidarem os pais do encargo alimentar, poderão ser judicialmente
compelidos à sua prestação mediante ação alimentícia (art. 397). Finalmente, no caso de
separação judicial, fixará o juiz a quota com que para criação e educação dos filhos deva
concorrer o cônjuge culpado, ou ambos, se um e outro o forem (lei 6.515, art. 20).
Tal é a relevância desse dever que sistematicamente se nega homologação à
separação consensual, caso os separandos não tenham convencionado, como de lei, a importância
ajustada para o mesmo objetivo (CPC, art. 1.121, III).
Consoante se ressaltará na ocasião oportuna, durante o casamento, compete
o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou
impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade (CC, art.
380). Também o direito de guarda compete a ambos, sem precedência para qualquer deles.
Conseguintemente, no caso de separação de fato do casal, nenhum direito
assiste ao marido de reclamar entrega de filho menor em poder do outro cônjuge; na companhia
deste será ele conservado, salvo se ocorrerem motivos graves, a critério do juiz. Na separação
judicial consensual, cabe aos cônjuges deliberar a respeito da guarda da prole (lei 6.515, art 9º,
combinado com art. 1.121, II do CPC). Na de natureza litigiosa, fundada no caput do art 5º, os
filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa (lei 6.515, art. 10 e seus
parágrafos).
Acrescente-se que a guarda dos filhos não é da essência, mas, tão só, da
natureza do pátrio poder, de modo que pode ser perfeitamente confiada a alguém, ainda que
estranhos. Quaisquer medidas que se tomem, porém, a respeito deles, revestir-se-ão de caráter
provisório e, a todo tempo, serão suscetíveis de modificação, no interesse dos filhos. Este
interesse é que deve predominar na solução para a sua posse e guarda.
Podem os pais confiar a outrem a guarda ou internar os filhos em
pensionatos e estabelecimentos de educação; mas, não se admite abram mão de seus direitos
paternos, mediante renúncia. Qualquer convenção nesse sentido torna-se necessariamente írrita e
nula. O pátrio poder não corresponde apenas a um direito, mas representa igualmente dever, de
que ninguém pode libertar-se pela sua exclusiva vontade.
Até o momento estudamos as responsabilidades e direitos de ambos os
cônjuges. Agora vamos analisá-los em separado, começando pelo marido. Preceituava o art. 233
que o marido era o chefe da sociedade conjugal. Dizia-se outrora que essa preponderância do
homem era de direito natural; procurou-se depois justificá-la com a alegação da fragilidade da
mulher. Posteriormente, com mais acerto, afirmou-se que ao marido competia a chefia da
sociedade conjugal pela natural necessidade de haver quem lhe assumisse a direção e também por
ser ele quem, pelo sexo e profissão, mais apto se achava a receber a investidura. A CF88, porém,

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em seu art. 226, § 5º, dispõe que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são
exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
Não se pretenda lobrigar, todavia, nessa designação do homem como chefe
de sociedade conjugal qualquer traço de superioridade masculina sobre a mulher. Os direitos de
ambos são absolutamente iguais. A mulher é sócia do marido, em situação de perfeita igualdade,
sendo inadmissível a idéia de relegá-la a plano secundário, a exemplo do ocorrido antigamente
com o Código de Napoleão, que chegou a impor à mulher o dever de obediência (art. 213).
Compete ao marido, como chefe nominal da sociedade conjugal, a
representação legal da família (art. 233, I). Por essas palavras deve entender-se a prática de todos
os atos concernentes à promoção e defesa dos direitos, bem como na órbita criminal, os de queixa
e petição.
O marido é o representante legal da família, mas não o representante legal
da mulher. Sem mandato regular, não pode, portanto, falar em nome desta. De outra forma,
relegar-se-ia esta última à posição de pessoa absolutamente incapaz.
O marido representa a família no seu conjunto, como entidade coletivo-
natural, mas não individualmente seus membros integrantes. Se ele representa o filho menor de
16 anos de idade, assim acontece não porque seja chefe da sociedade conjugal, porém, por outro
título, isto é, porque se encontra no exercício do pátrio poder (art. 384, V). Referentemente à
mulher não há representação de espécie alguma, a menos que dela obtenha mandado regular. Esta
comparece pessoalmente aos atos que lhe digam respeito.
Em segundo lugar, ao marido cabe a administração dos bens comuns e dos
particulares da mulher, que a ele competir administrar em virtude do regime matrimonial adotado,
ou do pacto antenupcial (art. 233, II). Cabe-lhe assim a gestão do patrimônio comum, bem como
a administração dos bens dotais, ou incomunicáveis da mulher (arts. 289, I e 311), cuja
administração não lhe tenha sido retirada. Poderá praticar, portanto, todos os atos de mera
administração, excluídos apenas os de alienação e disposição; dizem estes respeito à organização
da família e não à economia individual.
Em seguida, tem ainda o marido por atribuição o direito de fixar o
domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de
deliberação que a prejudique (art. 233, III, com a nova redação da lei 4.121). Esse direito não é
tão amplo como antigamente. Se o marido abusar do direito outorgado pelo nº III, elegendo, por
exemplo, para domicílio lugar insalubre ou perigoso, ou se age por mero capricho, assistirá à
mulher o direito de recorrer à autoridade judiciária competente, para impugnar a determinação
que a prejudica.
Finalmente, compete ainda ao marido prover a mantença da família (art.
233, IV). Incumbe-lhe assim desenvolver todos os esforços no sentido de subministrar à mulher e
aos filhos os recursos necessários à sua subsistência.
Desse dever só se exonerará, ainda assim apenas no tocante à mulher, se
esta, sem motivo justo abandona o lar e a ele recusa voltar (art. 234). Existindo, porém, animus
revertendi, subsiste a obrigação alimentar.
A jurisprudência tem dispensado a satisfação do encargo, no caso em que a
mulher mantém notória vida irregular; curial não seria que, em semelhante hipótese, se
constrangesse o marido a contribuir com o próprio dinheiro para a continuação dos deslizes da
consorte.
A mulher abandonada, mormente a que se conserva no domicílio conjugal e
mantém vida recatada, tem irrecusável direito aos alimentos, ainda que não pretenda recorrer ao
processo de separação. É direito seu conservar-se no estado de casada e pode por isso reclamar

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sustento ao cônjuge que a abandonou. Permanecendo no lar, do qual se afastou o marido, a este
cabe o dever de fornecer alimentos.
O encargo alimentar não desaparece ainda que de separação o regime
matrimonial.
Referentemente aos filhos menores, em qualquer caso, devidos se tornam
os alimentos. Trata-se de mera decorrência da paternidade responsável.
Para garantir o cumprimento da referida obrigação, outorga a lei aos
respectivos beneficiários diversos meios, que vão desde o desconto em folha de pagamento (CPC,
art. 734, c/c a lei 1.046, de 2/1/50, art 3º, IV) e destinação de aluguéis (Dec.-lei 3.200, de 19/4/41,
art. 7º, § único) até a prisão coercitiva do alimentante inadimplente (CF88, art. 5º, LXVII, c/c art.
733, § 1º do CPC) sem esquecer a garantia real ou fidejussória do art. 21 da lei 6.515, de 1977. Só
se decreta a prisão, porém, na falta dos demais meios previstos em lei.
De acordo com o disposto no art. 233, I e II, CC, cabe ao marido, como
chefe da sociedade conjugal, a representação legal da família e a administração dos bens do casal.
No art. 235 estabelece o CC, em seguida, as limitação a essa regra, para o fim de restringir a
atuação do marido, desde que possa afetar ou comprometer a estabilidade econômica do lar.
Assim, não pode o marido, sem consentimento da mulher, qualquer que
seja o regime de bens, alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis ou direitos reais
sobre imóveis alheios.
Nula é a alienação de bem imóvel, na constância da sociedade conjugal,
sem outorga uxória.
O preceito refere-se tanto aos imóveis do próprio casal como aos do
exclusivo domínio do marido; por conseguinte, embora para alienação de bens incomunicáveis,
carece o vendedor de outorga uxória, sempre indispensável, ainda que o regime matrimonial de
bens seja o da separação.
Semelhante norma é de ordem pública e sua observância não pode ser
dispensada pelos cônjuges. Assim, já se decidiu que “é nula cláusula inserta em pacto antenupcial
mediante a qual se prevê dispensa da intervenção da mulher nos atos de alienação de propriedade
do marido”.
Questão que continua a provocar dissídio é a referente à necessidade de
outorga uxória para celebração de compromisso de compra e venda relativo a bens imóveis. No
que concerne a terrenos loteados, não existem controvérsias, porquanto o decreto-lei 58, de
10/12/37, art. 11, § 2º, e o decreto 3.079, de 15/09/38, art 11, § 2º, tornam imprescindível a
outorga da mulher do promitente-vendedor, embora a lei 6.766, de 19/12/79, nada tenha
determinado a respeito.
Quanto aos demais compromissos, entretanto, perdura a divergência.
Sustentam alguns que o compromisso constitui mero ato preliminar da compra e venda; por seu
intermédio, o promitente vendedor assume simples obrigação de fazer, de natureza pessoal, cujo
inadimplemento acarreta apenas responsabilidade por perdas e danos. Pode ser realizado,
portanto, independentemente de outorga uxória.
Entendem outros, ao inverso, que a promessa é nova modalidade de direito
real, a acrescentar-se à enumeração constante do art. 674 CC. Conseguintemente, indispensável se
torna a intervenção da mulher para a respectiva celebração.
Parece, ante esse dissídio doutrinário e jurisprudencial, se deva exigir
sempre outorga uxória, a exemplo do que acontece com os compromissos relativos a terrenos
loteados, cuja venda se efetue em prestações.

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Direito Civil

Todavia, dispensável será a outorga uxória, em se tratando de alienação de


bens pertencentes a firma de que faça parte o marido. Por igual, prescinde-se da intervenção da
mulher, se o imóvel pertence a espólio e vai ser alienado para solução do passivo, embora casado
o inventariante, que é herdeiro único.
Em segundo lugar, não pode o marido pleitear, como autor ou réu, acerca
desses bens e direitos (art. 235, II). Para a propositura de qualquer ação dessa natureza, o marido
deverá obter autorização da mulher, geralmente outorgada mediante procuração. O pleito é
intentado, portanto, por ambos os cônjuges. A falta acarreta nulidade do feito, independentemente
da alegação de prejuízo.
Identicamente, se se tratar de ação relativa a imóvel, ou direitos relativos,
intentada contra pessoa casada, deve ser citada também a respectiva mulher.
Tais preceitos são igualmente de índole processual e por isso o art. 10 do
CPC torna a repetir: o cônjuge somente necessitará do consentimento do outro para propor ações
que versem sobre direitos reais imobiliários. Acrescenta o parágrafo único do art. 10 que ambos
os cônjuges serão necessariamente citados para as ações: I) reais; II) resultantes de fatos que
digam respeito a ambos os cônjuges ou de atos praticados por eles; III) fundadas em dívidas
contraídas pelo marido a bem da família, mas cuja execução tenha de recair sobre o produto do
trabalho da mulher ou os seus bens reservados; IV) que tenham por objeto o reconhecimento, a
constituição ou a extinção de ônus sobre imóveis de um ou de ambos os cônjuges. Nas ações
possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nos casos de
composse ou de atos por ambos praticados. Nessa mesma ordem de idéias, dispõe o art. 350, §
único, do CPC, que nas ações que versarem sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios,
a confissão de um cônjuge não valerá sem a do outro.
Esclarece o art. 11 do estatuto processual que a autorização do marido e a
outorga da mulher podem suprir-se judicialmente, quando um cônjuge a recusa ao outro sem justo
motivo, ou lhe seja impossível dá-la.
Do exposto se conclui que se o autor propõe ação de reivindicação de
determinado imóvel deve exibir outorga uxória. O mesmo sucederá nas demais ações de natureza
imobiliária, como a publiciana, a confessória, a negatória e outras.
Tratando-se, porém, de desapropriação por utilidade pública, a citação do
marido dispensa a da mulher (dec. lei 3.365, de 21/6/41, art. 16). Se a penhora, no executivo
fiscal, recair sobre imóvel, far-se-á a intimação ao cônjuge (lei 6.830, de 22/9/80, art. 12, § 2º).
Essa outorga tornar-se-á também dispensável se a ação é de natureza
pessoal, embora diga respeito a imóveis, como a de despejo, a consignação em pagamento, a
renovatória de contrato de locação, a relativa a compromisso de compra e venda, a cominatória
para prestação, ou abstenção, de fato, a imissão de posse, o executivo hipotecário. A fortiori,
inútil a outorga em ações estritamente pessoais como a investigação de paternidade e indenização
por ato ilícito.
De fácil intuição a necessidade de intervenção da mulher casada nos feitos
relativos a direitos reais imobiliários. A sentença a final proferida poderá importar perda ou
desapossamento da propriedade. Corresponderá, pois, a uma forma de alienação. Chama-se por
isso a mulher a juízo para que se defenda e faça valer também seus direitos.
Em terceiro lugar, o marido não pode prestar fiança sem outorga da mulher
(art. 235, III). Civil ou comercial, fiança prestada por homem casado depende sempre de outorga
uxória no direito brasileiro. Se prescindir dessa anuência, contaminar-se-á de nulidade a garantia
oferecida.

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Poderá a mulher alegar a ineficácia desta quer como defesa direta, na


própria ação movida pelo credor, quer em recurso de apelação, quer em embargos de terceiros,
não sendo necessário promova ação especial tendente a esse fim. A alegação compete
privativamente à mulher; ao marido falece qualidade para argui-la. Frise-se ainda que a nulidade
decorrente da omissão não se pronuncia de ofício.
Entendia-se, anteriormente à vigência da atual Introdução ao CC, que a
norma do art. 235, III, concernia apenas a maridos brasileiros, constituindo amparo exclusivo da
família nacional. Assim, outrora, de modo reiterado, julgavam-se válidas fianças prestadas por
maridos sírios, portugueses ou japoneses, embora sem anuência das respectivas mulheres.
Em face da atual Introdução, entretanto, não mais se justifica esse ponto de
vista, uma vez que de acordo com o art. 7º a matéria relativa à capacidade se rege pela lei do país
em que a pessoa tiver domicílio. Por conseguinte, seja qual for a norma constante do estatuto
pessoal do marido-fiador, exigir-se-á sempre outorga uxória para prestação de fiança, ante o
estatuído no citado decreto-lei 4.657, de 4/9/42.
Igualmente, há quem sustente, com apoio no art. 263, X, CC, que a garantia
prestada sem a outorga uxória não é nula; porém, só seria possível se a sociedade conjugal viesse
a dissolver-se. Se ela se mantém íntegra e coesa, existe um só patrimônio, o do casal, sobre o qual
cada cônjuge tem parte ideal, indivisa e igual. Enquanto perdura a comunhão, torna-se
impraticável a imputação do quantum da fiança na meação do marido, que é indeterminada e
insuscetível de individuação. Subsistente, pois, a sociedade conjugal, não há alternativa, a solução
será anular a fiança outorgada sem consentimento da mulher.
Finalmente, em quarto lugar, não pode o marido fazer doação, não sendo
remuneratória ou de pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns (art. 235, IV). Ele não
pode fazer liberalidades à expensas do patrimônio comum. Embora a beneficência seja virtude
que poderosamente contribui para a harmonia social, nao deve ela efetuar-se à custa do
patrimônio comum ao casal. Exige-se, pois, no ato, cooperação da mulher.
Apenas duas exceções se abrem a essa regra, consubstanciadas no citado
art. 235, IV: a) se forem módicas; b) se forem remuneratórias. Assim, toleram-se donativos,
presentes, esmolas e gratificações, desde que de pequeno valor. Tais liberalidades não ocasionam
prejuízo ao casal, nem desfalcam o patrimônio da família e por isso são permitidas.
O art. 236 encerra disposição causadora de várias contendas doutrinárias.
Edita esse preceito legal: “Valerão, porém, os dotes ou doações nupciais feitas às filhas e as
doações feitas aos filhos por ocasião de se casarem, ou estabelecerem economia separada”.
A lei 8.245, de 18/10/91, que regula a locação predial urbana, em seu art. 3º
faz depender de vênia da mulher a locação por mais de 10 anos.
Mas como se dá esta outorga uxória? a autorização da mulher há de ser
expressa; deve constar de instrumento público, sempre que se referir a bens imóveis de valor
superior ao legal. Se se tratar de imóveis de valor inferior à aludida quantia, ou de bens móveis, a
autorização poderá constar de instrumento particular.
A autorização deve preceder o ato; mas a outorga posterior sana qualquer
vício, fazendo desaparecer a anulabilidade.
Porém, cabe ao juiz suprir a autorização do marido e a outorga da mulher,
quando esta a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível dá-la (art. 237 do CC e art 11 do
CPC).
Mas ao juiz cumpre denegar o suprimento se justificável a recusa oposta
pela mulher. A lei não diz nem esclarece quando se torna justa a negativa, reportando-se, destarte,

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Direito Civil

ao prudente arbítrio da autoridade judiciária, que ponderará as circunstâncias e peculiaridades de


cada caso.
Contudo, assentou a jurisprudência a seguinte orientação: a) é justa a
recusa, quando o marido pretende alienar o único prédio do casal, que serve de residência à
família, sem que ocorra indeclinável necessidade da venda; b) se o marido pretende vender o
imóvel por preço vil, caso em que se impõe a respectiva avaliação; c) quando o casal se acha
separado de fato e a mulher não conta com suficientes garantias para recebimento de sua meação;
d) quando o requerente não prova a necessidade da alienação; e) finalmente, quando ele pretende
a venda para despender o produto com o seu exclusivo sustento e o da concubina.
Estabelece ainda o CC, no mesmo art. 237, que compete ao juiz suprir o
consentimento quando à mulher seja impossível dá-lo. Ocorre tal hipótese no caso em que a
mulher se acha juridicamente impossibilitada de consentir, como no caso de interdição por
incapacidade, por exemplo.
Se a mulher ainda não se encontra sujeita à curatela, apesar de sofrer das
faculdades mentais, cabe ao marido, preliminarmente, promover-lhe a interdição, para, em
seguida, reclamar a autorização necessária. Não se admite, desde logo, diretamente, pedido de
suprimento.
Mas, não é só no caso de incapacidade que vem a surgir a necessidade do
suprimento; se a mulher se encontra ausente, em lugar incerto e não sabido, impossibilitada por
isso de conceder a outorga, supre-se lhe o consentimento, de acordo com o disposto no citado art.
237 da lei civil.
O pedido de suprimento não se inclui entre as ações relativas ao estado e à
capacidade das pessoas, e a forma procedimental é a ordinária.
Idêntico direito assiste à mulher, cujo marido se negue a dar-lhe a
necessária outorga marital.
Por outro lado, preceitua o art. 239, CC, que a “anulação dos atos do
marido praticados sem outorga da mulher, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada
por ela, ou seus herdeiros”.
Não pode assim ser pronunciada ex officio pela autoridade judiciária, nem a
requerimento da parte adversa. Depende sempre de pedido da própria mulher, ou de seus
herdeiros, se já falecida.
Esse pedido de anulação, como se acentuou, pode ser formulado na própria
ação, como matéria de defesa, em recurso de sentença proferida, em embargos de terceiros e,
também, em ação especial, movida pela interessada.
Por último, em matéria de prescrição, cumpre lembrar os preceitos
constantes do art. 178, § 9º, I. Prescreve em quatro anos: a) a ção da mulher que desobrigar ou
reivindicar os imóveis do casal, quando o marido os gravou, ou os alienou, sem outorga uxória,
ou suprimento dela pelo juiz; b) a ação para anular as fianças prestadas e as doações feitas pelo
marido fora dos casos legais ( letras a e b).
Tal prazo prescritivo conta-se da data de dissolução conjugal. Se a ação é
intentada pelos herdeiros da mulher, quando ela falece sem propô-la, o prazo de quatro anos se
conta da data do falecimento (art. 178, § 9º, II).
Todas as disposições acima expostas valem igualmente para a mulher em
relação ao marido. Aliás, vamos agora abordar os direitos e deveres da mulher no matrimônio. E
a capacidade civil da mulher casada é um dos assuntos mais interessantes no que diz respeito às
questões do direito de família.

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Direito Civil

Em tese, os direitos da mulher devem ser iguais aos do homem; em


princípio, ambos devem encontrar-se no mesmo pé de igualdade e receber do direito idêntico
tratamento. Assim dispõe a CF88, art. 5º, I.
A mulher, com o casamento, assume a condição de companheira, consorte
e colaboradora do marido nos encargos de família, cumprindo-lhe velar pela direção material e
moral desta ( art. 240, CC).
Não está, pois, sob a autoridade do marido, que poder algum exerce sobre
ela.
De acordo com o § único do art. 240, “a mulher poderá acrescer aos seus os
apelidos do marido”. A lei 6.015, de 31/12/73, no art. 70, inciso 8º, preceitua que do assento,
lavrado logo após a celebração do matrimônio, deve constar o nome que passa a ter a mulher, em
virtude do casamento.
O uso dos apelidos do marido era uma tradição que procedia do direito
romano e em que se devia vislumbrar a completa união a reinar entre os cônjuges. Em face da lei
6.515/77, porém, tal uso converteu-se em mera faculdade, de sorte que, presentemente, conquanto
casada, pode a mulher conservar seu nome de solteira. Não pode ela ser coagida a usar os
apelidos do marido; nem será possível modificar-lhe o nome no Registro Civil, a requerimento do
consorte, sem a anuência dela.
Vencida na ação de separação judicial (art. 5º, caput), voltará a mulher a
usar o nome de solteira (lei 6.515, art. 17). Acrescenta o § 1º que se aplica, ainda, o disposto neste
artigo, quando é da mulher a iniciativa da separação judicial com fundamento nos §§ 1º e 2º do
art. 5º. E acrescenta o § 2º que nos demais casos, caberá à mulher a opção pela conservação do
nome de casada.
Remata o art. 18 da lei 6.515, prescrevendo que, “vencedora na ação de
separação judicial, poderá a mulher renunciar, a qualquer momento, ao direito de usar o nome do
marido”.
Mas, quando da conversão em divórcio, a mulher deverá tornar a usar o
nome anterior ao casamento, a menos que com isso venha causar evidente prejuízo para a sua
identificação, distinção manifesta entre seu nome e o dos filhos ou dano grave reconhecido
judicialmente, conforme estatui o art. 25, § único e incisos, da lei 6.515/77, com a redação dada
pela lei 8.408, de 13/2/92.
À guisa de curiosidade, mencionou-se a orientação do direito soviético:
“Ao inscrever um matrimônio, os cônjuges podem declarar o nome comum que desejam usar, que
pode ser o do marido ou o da mulher; também pode cada qual conservar o seu”.
Prescreve o art. 242, I, que a mulher não pode, sem autorização do marido,
praticar os atos que este não poderia sem o consentimento da mulher.
Consequentemente, não pode a mulher: a) alienar, hipotecar ou gravar ônus
real os bens imóveis, ou direitos reais sobre imóveis alheios; b) pleitear, como autora ou ré,
acerca desses bens e direitos; c) prestar fiança; d) fazer doações, não sendo remuneratórias ou de
pequeno valor, com os bens ou rendimentos comuns.
De modo idêntico, não pode a mulher, sem autorização do marido, alienar
ou gravar de ônus real os imóveis de seu domínio particular, qualquer que seja o regime de bens
(arts. 263, II, III e VIII, 269, 275 e 310). Assim dispõe o mesmo art. 242, II.
Independentemente de outorga marital, pode a mulher casada aceitar ou repudiar herança
ou legado, aceitar tutela, curatela ou outros munus públicos, litigar em juízo cível ou comercial,
exercer profissão e aceitar mandato.

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A mulher casada, sem dependência de autorização do marido, pode litigar


em juízo cível e comercial, salvo se a causa versar sobre direitos reais imobiliários (CPC, art. 10).
Na justiça do trabalho, já podia ela pleitear seus direitos sem assistência marital (CLT, art. 792),
como podia também, na justiça eleitoral, requerer seu alistamento (Lei 4.737, de 15/7/65, art. 43)
e na justiça criminal exercer o direito de defesa, independentemente de anuência do marido.
Aliás, paulatinamente, vinha a jurisprudência introduzindo numerosas exceções à proibição
constante do antigo nº VI do art. 242. O documento legislativo representado pela lei 4.121 é
apenas o coroamento dessa longa e demorada evolução, agora completada pela CF88.
De modo idêntico, a mulher casada não mais carece de licença do marido
para exercer profissão, pública ou particular. Pode ela, portanto, entregar-se a qualquer atividade
lícita, no lar ou fora dele, independentemente de autorização do consorte.
Aliás, a propósito do art. 246 CC, com a redação que lhe deu a mesma lei
4.121, de 27/08/62, assim prescreve: “A mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do
marido, terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e à sua defesa. O produto
do seu trabalho assim auferido, e os bens com ele adquiridos, constituem, salvo estipulação
diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente, com
observância, porém, do preceituado na parte final do art. 240 e nos nºs II e III do art. 242”.
Em primeiro lugar, assiste, pois, à mulher o direito de praticar todos os atos
inerentes ao exercício de sua profissão, bem como da respectiva defesa. Exemplificativamente,
mulher casada que explora casa de pensão poderá, no desempenho dessa atividade, praticar todos
os atos que lhe são compatíveis. Permite-se-lhe, de tal arte, celebrar contrato de locação a respeito
do prédio, requerer homologação de penhor legal, responder pelos bens dos hóspedes, nos termos
do art. 1.284, § único, CC, assinar títulos e cobrar seus créditos.
Em segundo lugar, tem ela direito exclusivo ao produto de seu trabalho. Tal
determinação visa a um fim de amparo e proteção e decorre de verdadeira imposição social.
A expressão legal é ampla e compreende o produto do trabalho sem
qualquer limitação, abrangendo assim não só a remuneração direta (salários, vencimentos,
honorários e comissões), como os lucros complementares imediatos (prêmios, gratificações,
conversão de licença-prêmio em pecúnia) e os lucros complementares mediatos (aposentadoria,
pensões e outros benefícios sociais).
Segundo o art. 248, independentemente de autorização, assiste à mulher
casada a faculdade de exercer o direito que lhe competir sobre as pessoas dos filhos do leito
anterior. Ex vi do art. 329, a mãe que contrai segundas núpcias não perde o direito de ter consigo
os filhos do primeiro casamento. Com relação a estes, conserva bínuba todos os direitos. Pode
assim tê-los em sua companhia e guarda, velar pela sua criação e orientar-lhes a formação.
Referentemente a essa prole o segundo marido é um estranho e por isso posto à margem;
nenhuma autoridade ele exerce sobre os enteados.
O art. 248 encerrava ainda outras disposições, constantes dos nºs VII, VIII,
IX e X, os quais possibilitavam à mulher, independentemente de autorização, propor ação
anulatória de casamento ou de desquite, pedir alimentos, quando lhe coubessem e fazer
testamento ou outro ato de última vontade. Mas, todos eles foram alterados pela lei 4.121, de
27/8/62, que os substituiu pelo nº VIII, assim redigido: “a mulher casada pode livremente praticar
quaisquer outros atos não vedados por lei”.
Anote-se, contudo, que a lei 6.515, de 26/12/77, introduziu um novo inciso,
sob o nº VIII - nestes termos: “propor a separação judicial e o divórcio”.
Fora de dúvida ser meramente enunciativa e não taxativa a enumeração do
art. 248, tanto que a mulher casada pode ainda: a) requerer a interdição do marido (art. 447, II,

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Direito Civil

CC); b) promover-lhe a declaração de ausência; c) reconhecer filho anterior ao casamento; d)


contratar advogado para a ação de separação; e) praticar atos concernentes à tutela ou curatela; f)
constituir advogado, se o outro cônjuge deu procuração visando ao mesmo objetivo.
O preceito do art. 250 deve ser entendido de acordo com o art. 255: a
anulação dos atos de um cônjuge, por falta da indispensável outorga do outro, importa ficar o
primeiro obrigado pela importância da vantagem que do ato anulado lhe haja advindo, a ele, ao
consorte, ou ao casal.
Quando o cônjuge responsável pelo ato anulado não tiver bens particulares
que bastem, o dano ao terceiro de boa fé se comporá pelos bens comuns, na razão do proveito que
lucrar o casal (art. 255, § único).
À mulher compete a direção e administração do casal, quando o marido: I)
estiver em lugar remoto ou não sabido; II) estiver em cárcere por mais de dois anos; III) for
judicialmente declarado interdito (CC, art. 251).
Nestes casos, cabe à mulher: I) administrar os bens comuns; II) dispor dos
particulares e alienar os móveis comuns e os do marido; III) administrar os do marido; IV) alienar
os imóveis comuns e os do marido mediante autorização especial do juiz.
Se o marido se afasta do lar conjugal, rumando para lugar incerto e não
sabido, compete à mulher assumir a direção do casal com exclusividade, para que não haja
solução de continuidade no governo dos assuntos domésticos. A mulher o substitui
automaticamente e, para esse fim, a lei habilita-a à prática de todos os atos discriminados no
mesmo art. 251, § único.
Não será preciso se instaure contra o desaparecido o processo de ausência,
a que se refere o art. 463, CC, para que a mulher assuma a direção do lar. Basta que o marido se
retire para lugar ignorado, sem dar notícias, para que se verifique a investidura da mulher na
chefia da sociedade doméstica, sem dependência de qualquer formalidade.
Semelhantemente, se recolhido à prisão, por mais de dois anos, em virtude
de sentença condenatória, a mulher, sem mais formalidades, assume a direção da sociedade
doméstica. Cumprida a pena e restituído à liberdade, recupera o marido a posição primitiva.
Finalmente, compete ainda à mulher a direção e administração do casal se o
marido é declarado interdito. Neste caso, em regra, reserva-se-lhe a função de curadora do
incapaz (CC, art. 454), e, nessa qualidade, fica ela investida na gestão da sociedade doméstica,
com os direitos e encargos respectivos.
Todos esses preceitos legais, agora visados, são manifestamente justos:
uma vez que o marido fica impossibilitado de exercer a direção da sociedade conjugal, ainda que
em conjunto com a mulher, por ausência, prisão ou doença mental, cabe a esta substituí-lo, de
preferência a um estranho, assumindo assim a direção e administração do casal, sem a menor
restrição em sua capacidade, exceto intervenção de curador à lide e do representante do
Ministério Público.
Compete-lhe, pois, falar em nome do ausente, quando chamado a responder
em algum ato judicial. Apenas para alienação de bens imóveis do casal e do consorte, necessitará
ela de licença especial do juiz, dispensada, porém, a formalidade da hasta pública. Prescinde-se,
todavia, da referida licença, se se trata de bens móveis ou de alienação de bens imóveis
particulares da mulher.
No art. 247, dispõe o CC que a mulher se presume autorizada pelo marido
para a compra, ainda a crédito, das coisas necessárias à economia doméstica.
Cabendo à mulher a direção interna da casa, assiste-lhe o direito de praticar
atos precisos à consecução de sua atividade, de acordo com a situação social e econômica da

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família. Para a prática desses atos presume-se autorização do marido. Pode comprar assim os
objetos e as utilidades indispensáveis à economia do lar, ainda a crédito, assinando então os
títulos correspondentes.
Pode mais a mulher, ex vi do disposto no nº II do citado art. 247, pedir
emprestadas as quantias necessárias à aquisição dos referidos objetos e utilidades. Em ambos os
casos, por expressa disposição de lei, a mulher é plenamente capaz. Apenas em hipóteses mais
graves, pode ela ser privada dessa capacidade, outorgada para a gestão de assuntos domésticos.
Ainda de acordo com o art. 247, III, a mulher se presume autorizada pelo
marido a contrair obrigações concernentes à indústria ou profissão que exercer. A mulher
comerciante pode, destarte, alugar prédio para instalar fundo de negócio, contratar e despedir
empregados, fazer compras, emitir títulos cambiais, requerer falência, demandar e ser demandada
por fatos relativos ao exercício do comércio.
Nos casos dos nºs I e II, a autorização não pode ser retirada pelo marido,
mas, na hipótese do III, a autorização é revogável, sem prejuízo, naturalmente, dos direitos de
terceiros. A faculdade de revogação acha-se expressa no art. 244: “essa autorização é revogável a
todo tempo, respeitados os direitos de terceiros e os efeitos necessários dos atos iniciados”.
Frise-se, por último, que a autorização do marido pode ser geral ou
especial, mas deve constar de instrumento público ou particular previamente autenticado.
Porém, quando o marido recusar a autorização para que a mulher pratique
um dos atos mencionados no art. 242, cabe a esta requerer suprimento de consentimento ao juiz
competente, de acordo com o art. 11 do CPC.
Dispõe, efetivamente, o art. 245, CC, que a autorização marital pode suprir-
se judicialmente: I) nos casos do art. 242, I a V; II) nos casos do art. 242, VII e VIII, se o marido
não ministrar os meios de subsistência à mulher e aos filhos.
A falta de autorização, ou suprimento judicial, invalida o ato da mulher;
entretanto, apenas ao marido, ou aos seus herdeiros, assiste o direito de promover a anulação do
ato, podendo ser movida a ação até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
Terceiro, que contrate com a mulher, não é parte legítima para pleitear
anulação, ainda que de boa fé, porque, em relação a ele, o ato não tem vícios, é perfeito. Também
o credor não pode demandar tal anulação.
A ratificação do marido, provada por instrumento público ou particular
autenticado, revalida o ato. Essa ratificação elimina o vício originário. Contudo, simples silêncio
do marido, além de ineficaz, não induz ratificação. Deve esta traduzir-se de forma expressa, por
um dos modos indicados no aludido preceito legal.
Os atos da mulher autorizados pelo marido obrigam todos os bens do casal,
se o regime matrimonial for o da comunhão, e somente os particulares dela, se outro for o regime
e o marido não assumir conjuntamente a responsabilidade do ato.
Do modo idêntico, qualquer que seja o regime do casamento, os bens de ambos os
cônjuges ficam obrigados igualmente pelos atos que a mulher praticar na conformidade do art.
247. Nesses casos, a mulher age no interesse da família, como dona de casa, presumidamente
autorizada pelo outro cônjuge; justo assim que, pelos seus atos, responda todo o patrimônio do
casal.

4.5. Do regime de bens

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Examinados os efeitos do casamento em relação aos cônjuges


pessoalmente, cabe aludir agora aos efeitos dele em relação aos bens conjugais. A situação desses
bens varia de acordo com o regime matrimonial adotado pelos cônjuges.
Regime de bens vem a ser, portanto, o complexo de normas que
disciplinam as relações econômicas entre marido e mulher, durante o matrimônio. Numerosos são
os regimes matrimoniais. A legislação pátria prevê nada menos de quatro tipos diferentes, o da
comunhão universal, o da comunhão parcial, o da separação e o dotal.
Nosso CC faculta aos nubentes a escolha de qualquer desses regimes, para
a regulamentação de suas relações econômicas resultantes do casamento. Salvo as hipóteses do
art. 258, § único, em que o regime é compulsório, podem eles regular, como lhes aprouver, as
respectivas relações patrimoniais, predominando, em tal assunto, o salutar princípio da autonomia
da vontade.
Podem os contraentes, destarte, adotar um dos quatro tipos previstos em lei,
como combiná-los entre si, compondo assim regime misto, desde que suas disposições não se
tornem incompatíveis.
Começa o CC por editar, no art. 230, que “o regime dos bens entre
cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento e é irrevogável”. Nessas condições, seja
qual for o regime adotado pelos contraentes, começa a vigorar desde a data do casamento. Esse o
dies a quo. Nenhum regime matrimonial pode ter início em data anterior ou posterior.
Ante os termos claros e explícitos da lei, que fixa de modo preciso o termo
inicial do regime de bens, a data de sua realização, não há que cogitar se o casamento foi ou não
consumado com o carnal contato entre os cônjuges.
Prescreve também o mesmo art. 230 que é irrevogável o regime de bens
entre os cônjuges. Uma vez casados, por exemplo, pelo regime da comunhão, não podem eles,
mais tarde, transmudá-lo para o da separação; vice-versa, não podem transformar em comunhão o
regime da separação em que haviam se consorciado. O regime matrimonial, pelo nosso
ordenamento jurídico, é imutável e deve perdurar enquanto perdure a sociedade conjugal.
Essa irrevogabilidade do regime de bens inspira-se em duas fortes razões, o
interesse dos cônjuges e o interesse de terceiros. O interesse dos cônjuges exige inalterabilidade
do regime, porque, depois de casados, poderia um deles, abusando de sua ascendência ou da
fraqueza do outro, obter modificações em seu proveito.
O interesse de terceiros também reclama a manutenção do mesmo regime
durante a vigência da sociedade conjugal, porque bem poderiam os cônjuges, uma vez
conluiados, introduzir-lhe alterações, que viessem prejudicar direitos de outrem, credores, por
exemplo, que tivessem contado com determinado regime matrimonial, no ato de contratar com
um deles.
O código pátrio prescreve por isso a inalterabilidade do regime
matrimonial, paralelamente à imutabilidade das relações pessoais entre os cônjuges, decorrentes
do casamento.
Quer o matrimônio se realize no Brasil, quer no estrangeiro, segundo a lei
local, o regime é imutável, ainda que os cônjuges, brasileiros de origem, pretendam afeiçoá-lo ao
sistema comum nacional.
A atual Introdução ao CC estabeleceu, a esse respeito, a favor do
estrangeiro casado, que se naturaliza, mediante expressa anuência do outro cônjuge, a faculdade
de requerer ao juiz, no ato da entrega do decreto de naturalização, a apostila do regime da
comunhão, que é o comum entre nós. Essa apostila far-se-á, bem de ver, com ressalva dos direitos
de terceiros, averbando-se no competente registro.

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Direito Civil

Se bem que a lei prescreva o princípio da imutabilidade do regime,


exceções existem a essa regra. A mais importante diz respeito à comunhão dos aquestos.
Efetivamente, adquiridos na constância da sociedade conjugal, pelo esforço comum de ambos os
cônjuges, casados no estrangeiro pelo regime de separação, comunicam-se os bens.
Outra exceção ao princípio da irrevogabilidade ocorre quando um dos
contraentes é legalmente obrigado a casar-se em determinado regime, mas, por dolo ou burla,
consorcia-se em outro. Por exemplo, um homem de mais de 60 anos, que venha a casar, só pode
fazê-lo, ex vi legis, pelo regime da separação; entretanto, se ele oculta a idade, fazendo-se passar
por menor de 60, com o fito de consorciar-se no regime de comunhão, descoberto o subterfúgio,
passa o regime para o da separação, não vigorando assim, de modo algum, o regime
fraudulentamente adotado.
Decidiu por igual o Supremo Tribunal Federal que o princípio da
inalterabilidade não é ofendido por convenção antenupcial que estabeleça que, em caso de
superveniência de filhos, o casamento com separação se converta em casamento com comunhão.
A análise do art. 230, CC, pode ainda originar certas dificuldades de ordem
prática: no casamento pelo regime da comunhão poderá um dos cônjuges adquirir determinado
imóvel para si exclusivamente, em seu nome, com exclusão do consorte? Impõe-se a negativa,
porque isso importa mudança do regime matrimonial. Se acaso ocorrer tal hipótese, o imóvel
adquirido passa a pertencer, automaticamente, aos dois cônjuges, embora contra a vontade isolada
do adquirente.
Outra hipótese, que objetiva interessados unidos pelo regime da separação.
Poderão eles adquirir em comum determinada propriedade? O condomínio regula-se por outros
princípios que não os do regime da comunhão, de sorte que pode ele vigorar perfeitamente entre
os contraentes unidos sob o regime da separação.
Todavia, não pode o marido comprar a seu casal determinado imóvel
pertencente ao fundo comum. Nulo é o ato, por impossível seu objeto.
Finalmente cumpre aduzir ainda que não atenta contra a irrevogabilidade
do regime matrimonial o fato de um dos cônjuges, casado pela separação, constituir o outro
procurador para administrar e dispor de seus bens. Qualquer que seja o regime, pode um dos
cônjuges outorgar ao outro mandato com poderes ilimitados.
A escolha do regime matrimonial efetua-se ordinariamente por convenção,
que se denomina pacto antenupcial. Dispõe, realmente, o CC, no art. 256, que “é lícito aos
nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
Acrescenta ainda o CC que serão nulas tais convenções, não se fazendo por
escritura pública. O ato público é exigido ad solemnitatem; não é possível convencionar-se o
regime matrimonial através de simples instrumento particular, ou, no termo que se lavra, logo
depois de celebrado o casamento. Aliás, o CC havia anteriormente prescrito no art. 134, I, que a
escritura pública é da substância do ato nos pactos antenupciais, decorrendo a sua nulidade da
inobservância desse preceito. Saliente-se, todavia, que não existe prazo para a respectiva
validade.
Tal é a importância do pacto antenupcial, tanta ressonância tem na vida
familiar, interessando não só aos cônjuges, como aos filhos e também a terceiros, que a lei exige
escritura pública, a fim de cercá-la de toda a solenidade. A escritura pública representa assim
condição essencial à existência do próprio ato. Se lavrada depois do casamento é nula.
No pacto antenupcial devem intervir os próprios nubentes, pessoalmente,
ou por meio de mandatário, com poderes especiais. Se um deles for menor de idade, deverá ser
naturalmente assistido pelo respectivo representante legal. A capacidade exigida para o ato é a

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matrimonial. A mulher há de ser maior de 16 anos e o varo de 18, com assistência de seus
representantes legais.
Dispõe o art. 196, a propósito, que “o instrumento da autorização para
casar-se transcrever-se-á integralmente na escritura antenupcial”.
Se os contraentes não fazem lavrar convenção alguma antes do casamento,
ou se é nulo o pacto antenupcial lavrado, prevalecerá o regime comum, que entre nós passou a ser
o da comunhão parcial.
Somente por escritura pública será lícito celebrar convenção antenupcial.
Esse dispositivo, depois da vigência da nova Introdução ao CC, aplica-se tanto a nacionais como
a estrangeiros domiciliados no país.
Antigamente, quando ainda vigorava a velha Introdução (art. 8º), era a lei
nacional da pessoa que determinava o regime de bens do casamento, facultada, porém, opção pela
lei brasileira.
O art. 256, CC, permite aos contraentes estipular no pacto antenupcial, a
respeito de seus bens, tudo quanto lhes aprouver. Bem claro, porém, que essa liberdade não é
absoluta, cumprindo se exerça dentro dos limites da lei.
Em primeiro lugar, fazendo lavrar pacto antenupcial devem os nubentes
ater-se, tão somente, às relações econômicas, não podendo ser objeto de qualquer estipulação os
direitos conjugais, paternos e maternos.
Eis a razão por que o CC, no art. 257, preceitua: “ter-se-à por não escrita a
convenção ou cláusula: I) que prejudique os direitos conjugais, ou paternos; II) que contravenha
disposição absoluta de lei”.
Assim, exemplificativamente, de nenhum valor serão estipulações que
privem a mãe do direito de guarda dos filhos, que para ela desloquem o exercício do pátrio poder,
que dispensem os cônjuges do dever de fidelidade, coabitação, mútua assistência e que os inibam
do direito de recorrer ao divórcio.
Em tais condições, tornam-se inadmissíveis estipulações antenupciais que
alterem a ordem da vocação hereditária, que excluam da sucessão os herdeiros necessários, que
estabeleçam pactos sucessórios, aquisitivos ou renunciativos, com violação ao disposto no art.
1.089 CC. Embora se afirme que nos contratos antenupciais lícito é aos cônjuges regularem a
recíproca sucessão, infringe tal faculdade, inquestionavelmente, aludido preceito da lei civil.
Toda a matéria sucessória é de ordem pública, insuscetível, pois, de modificação ou derrogação
pelas partes.
Também não se admite que, por convenção antenupcial, se altere o modo
de administração dos bens do casal. Assim, nula será cláusula segundo a qual o marido não
depende de outorga uxória para alienar imóveis particulares.
Igualmente, decidiu-se pela nulidade de cláusula antenupcial que previa e
estabelecia regime de bens diverso do pactuado para o caso de dissolver-se sem existência de
prole a sociedade conjugal, ou instituía regime de bens diverso, a vigorar após a morte de um dos
cônjuges.
Lavrada escritura antenupcial, estabelecendo determinado regime, não pode
ser este modificado ou revogado no termo de casamento. Só mediante novo pacto se permite
alterar estipulação anterior.
A lei civil não impede que se pactuem regimes diferentes para um e outro
cônjuge, por exemplo o da comunhão universal para a mulher e o da separação para o marido.
Finalmente, de acordo com a lei, nula será ainda a convenção antenupcial
se não se lhe seguir o casamento.

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As convenções antenupciais devem ser inscritas no Registro Público, a fim


de valerem contra terceiros. O CC procura rodear esses atos de toda a firmeza e autenticidade.
Não se contenta com a simples lavratura deles por instrumento público; exige-lhes ainda o
registro e a averbação no Registro de Imóveis; para publicidade e conhecimento de terceiros.
Como é ineficaz o pacto antenupcial desde que não seguido de casamento,
conclui-se que sua inscrição só se efetuará depois de celebrado o casamento.
Para a inscrição, a realizar-se na Circunscrição Imobiliária do domicílio dos
cônjuges (art.261), requer-se, além da apresentação da escritura antenupcial, certidão de
casamento dos interessados.
Na falta de convenção, como se acentuou, vigorará o regime comum da
comunhão parcial, salvo as hipóteses mencionadas no art. 258, § único, nºs I a IV, em que a lei,
compulsoriamente, impõe o regime da separação de bens, como a seu tempo se verificará. Para os
casamentos anteriores à lei 6.515, de 26/12/77, o regime comum será o da comunhão universal.
O marido, que estiver na posse de bens particulares da mulher, será para
com ela e seus herdeiros responsável: I) como usufrutuário, se o rendimento for comum; II) como
procurador, se tiver mandato, expresso ou tácito, para o administrar; III) como depositário, se não
for usufrutuário, nem administrador.
Se o regime de bens não for o comunhão universal, o marido recobrará da
mulher as despesas, que com a defesa dos bens e direitos particulares desta houver feito.
Quando o casamento se seguir a uma comunhão de vida entre os nubentes,
existente antes de 28/06/77, que haja perdurado por dez anos consecutivos ou da qual tenha
resultado filhos, o regime matrimonial de bens será estabelecido livremente, não se lhe aplicando
o disposto no art. 258, II, CC.
Vamos analisar separadamente os quatro regimes: comunhão universal,
comunhão parcial, separação de bens e regime dotal, começando pela comunhão universal.
Segundo o disposto no art. 262, CC, o regime de comunhão universal
consiste na comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, assim como de suas
dívidas. Todos os bens do casal, não importa a natureza, móveis e imóveis, direitos e ações,
passam a constituir uma só massa, um só acervo, que permanece indivisível até a dissolução da
sociedade conjugal. Cada cônjuge tem direito à metade ideal dessa massa; formam ambos
verdadeira sociedade, embora regida por normas especiais. Tudo quanto um deles adquirir
transmite imediatamente, por metade, ao outro cônjuge; ainda que nada tenha trazido para a
sociedade conjugal, ou nada tenha adquirido durante a sua constância, recebe a metade do que o
outro trouxe ou adquiriu na vigência da mesma sociedade.
Tal a importância da comunhão universal, que ela constituiu, entre nós, por
longo tempo, o regime comum ou legal. Na falta de convenção antenupcial, dispondo o contrário,
ou sendo nula a estipulação, vigorava entre os cônjuges a comunhão universal.
A lei 6.515, de 26/12/77, substituiu-o pela comunhão parcial.
Controverte-se acerca da natureza jurídica da comunhão. Entendem uns
que, nesse regime, os bens pertencem exclusivamente ao marido; a mulher só tem direito à
meação respectiva, quando o casamento se dissolve. Esse ponto de vista é insustentável perante o
art. 266, CC, segundo o qual na constância da sociedade conjugal a propriedade e posse dos bens
é comum.
Afirmam outros que a comunhão de bens nada mais é que uma forma de
condomínio, regulada pelos arts. 623 e seguintes, CC. Não procede, porém, tal conceituação:

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a) no condomínio, a coisa comum só pode permanecer indivisa por lapso de


tempo não maior de cinco anos, suscetível de prorrogação ulterior (art. 629, § único), ao passo
que a comunhão perdura indefinidamente, subsistindo enquanto vigore a sociedade conjugal;
b) falecendo um dos condôminos, continua o condomínio com os seus
sucessores, enquanto a comunhão conjugal se dissolve de pleno direito (art. 267, I);
c) a quota do condômino pode ser alienada, hipotecada, penhorada e
excutida, ficando o alienante ou devedor, conforme o desfecho do caso, excluído da
compropriedade, ao passo que na comunhão conjugal nada disso pode acontecer. As quotas que
cada cônjuge possui na comunhão são absolutamente indisponíveis e inexpropriáveis, a
comunhão não pode subsistir senão entre os próprios cônjuges;
d) a todo tempo, lícito é ao condômino exigir a divisão da coisa comum
(art. 629), ao passo que a comunhão conjugal apenas se dissolve nos estritos casos do art. 267
(morte de um dos cônjuges, separação do casal e sentença anulatória do casamento);
e) finalmente, o condomínio é administrado segundo a vontade da maioria
dos condôminos (art.635), enquanto na comunhão conjugal a administração dos bens compete
precipuamente ao marido (art.233, II).
Terceira corrente sustenta que a comunhão conjugal constitui pessoa
jurídica, com patrimônio distinto dos bens próprios dos cônjuges. Essa doutrina não se coaduna
com a lei pátria. Na comunhão conjugal os titulares dos bens comuns continuam sendo os
próprios cônjuges, cujas pessoas não se unificam em novo sujeito diferente.
Outra teoria apregoa que a comunhão tem a natureza de patrimônio
separado e autônomo, verdadeira universitas juris, cuja administração se confere privativamente
ao marido. Essa construção é inexata: os bens comuns não gozam de autonomia jurídica, a
comunhão conjugal não constitui universalidade de direitos, porque decorre, em magna parte, da
própria vontade dos cônjuges.
Para outros, ainda, a comunhão conjugal constitui patrimônio destinado a
um fim, a manutenção dos encargos patrimoniais. Sem dúvida, peca essa teoria pela sua manifesta
fragilidade, porquanto, seja qual for o regime matrimonial, os bens dos cônjuges se destinam
precisamente a suportar os ônus resultantes do matrimônio.
Finalmente, a doutrina verdadeira, aliás clássica no direito, é a da sociedade
conjugal, que vislumbra na comunhão uma espécie de sociedade, com caracteres próprios, que lhe
não retiram, todavia, a nota de verdadeira sociedade. Efetivamente, traços existem que distinguem
a comunhão conjugal da sociedade:
a) ocorre nesta última igualdade fundamental entre os sócios que têm
liberdade de confiar a qualquer deles a respectiva administração, ao passo que na comunhão
conjugal inexiste essa liberdade, pois, ao marido indefectivelmente cabe a administração;
b) a simples sociedade pode ter início a qualquer momento, segundo for
convencionado, enquanto a comunhão conjugal deve sempre coincidir, ex vi legis, com o início
do casamento e da vida matrimonial (art. 230);
c) A sociedade dissolve-se por várias razões (CC, art. 21, c/c art. 1.399), ao
passo que a comunhão conjugal só se desfaz pelos motivos taxativamente enumerados na lei
(art.267);
d) além disso, na sociedade, morto um dos sócios, pode ela continuar com
os remanescentes, ao passo que a comunhão conjugal necessariamente termina com o óbito de um
dos cônjuges, não sendo possível cogitar de seu prosseguimento com os herdeiros do defunto.

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Não obstante essas dissonâncias, é com a sociedade que a comunhão


conjugal apresenta maior afinidade ou maior semelhança. Sem receio de errar, podemos dizer que
a comunhão é espécie de sociedade, regida por normas peculiares e próprias.
Como sociedade, a comunhão conjugal acarreta forçosamente a
comunicação de todos os bens presentes e futuros, assim como das dívidas. Não é só o ativo dos
cônjuges que se comunica, também o passivo. A comunicação opera-se igualmente no bom e no
mau, no certo e no duvidoso (CC, art.1.368).
Entretanto, o próprio CC, no art. 263, depois de mencionar aquela regra
geral, exclui da comunhão numerosos bens. Tais exceções, que constituem os chamados bens
incomunicáveis, são ditadas pelo caráter personalíssimo dos efeitos em questão, ou representam
natural decorrência de sua própria índole.
Em primeiro lugar, a lei exclui da comunhão pensões, meio-soldos,
montepios, tenças e outras rendas semelhantes (art. 263,I). O direito à percepção dessas vantagens
é inalienável e não se comunica ao outro cônjuge, porque isso importa sua divisão pela metade.
Pensão, no sentido jurídico, é a quantia em dinheiro, paga mensalmente a
um beneficiário, em virtude de lei, de sentença, de contrato, ou de disposição de última vontade.
Ela resulta da lei, quando estabelecida pelo Estado em favor de seus funcionários; resulta de
sentença, nos casos de indenização por lesões corporais, nas ações de alimentos e separação
judicial; resulta do contrato, em certas formas de seguro (art.1.476), na constituição de rendas
(art. 1.424); resulta, finalmente, de ato de última vontade, quando o testador a estabelece no
testamento, em benefício de determinada pessoa.
Meio soldo, como o próprio nome indica, é a metade do soldo que o Estado
paga a seus servidores reformados, sobretudo das classes armadas.
Montepio é a soma que, por óbito de seus funcionários, em atividade ou
não, paga o Estado aos respectivos beneficiários.
Tença é pensão, geralmente em dinheiro, que alguém recebe do Estado, ou
de um particular, periodicamente, para a sua subsistência alimentar.
Em todos esses casos, especificados no art. 263, I, há incomunicabilidade;
casando-se, por exemplo, pessoa pensionada ou beneficiária de montepio, tais vantagens
pecuniárias não se comunicam ao outro cônjuge, por força de lei. Do mesmo modo, separa-se
judicialmente indivíduo beneficiário de pensão; não se computa essa vantagem para a formação
do monte a compartir-se entre os cônjuges.
Em segundo lugar, não se comunicam também os bens doados, legados ou
herdados com a cláusula de incomunicabilidade, e os subrogados em seu lugar (art. 263, II e XI).
Nessas condições, se alguém doa, lega ou institui herdeiro, impondo cláusula de
incomunicabilidade, esse vínculo tem o condão de afastar o bem doado, legado, ou herdado, da
comunhão conjugal. O bem clausulado não se comunica ao consorte, passando a pertencer,
exclusivamente, ao cônjuge contemplado com a liberdade. O mesmo sucederá com os bens
porventura sub-rogados em seu lugar. Assim, se um imóvel incomunicável vem a ser
desapropriado, continua incomunicável a indenização paga pelo poder público expropriante.
Embora omissa a lei, são também incomunicáveis: a) os bens doados com a
cláusula de reversão (CC, art. 1.174). Nessas condições, morto o donatário, o bem doado volve ao
patrimônio do doador que lhe sobrevive, não se comunicando ao cônjuge do extinto; b) os bens
doados, legados ou herdados com cláusula de inalienabilidade. Eis um dos assuntos mais
controvertidos em nosso direito. Entendemos que a inalienabilidade acarreta a
incomunicabilidade. Realmente, dizer que os bens inalienáveis são comunicáveis importará negar
a própria inalienabilidade, porque comunicação é alienação. Quem aliena metade de um bem,

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aliena. Quem se casa e do casamento resulta comunicação da metade do bem também aliena. Não
é possível conceber comunicação sem alienação.
Em terceiro lugar, não se comunicam os bens gravados de fideicomisso e o
direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva. A propriedade do
fiduciário é restrita e resolúvel (CC, Art. 1.734). Ele recebe o bem fideicomitido com obrigação
de transmiti-lo por sua morte, a certo tempo, ou sob certa condição, ao fideicomissário. Essa
propriedade, portanto, tem de ser incomunicável, para que o fiduciário possa cumprir a fidúcia, a
obrigação de transmitir a coisa.
Assim também não se comunica o direito do fideicomissário, enquanto não
se realiza a condição suspensiva. Não verificado o implemento da condição, ou enquanto viva o
fiduciário, tem o fideicomissário, tão somente, uma spes debitum iri, que se não transmite ao
cônjuge, tanto que, se o fideicomisso falece antes do fiduciário, caduca o fideicomisso(art. 1.738,
CC) e a propriedade se consolida na pessoa do fiduciário; não há que cogitar, nessa hipótese, de
direito sucessórios sobre a mesma spes.
Em quarto lugar, não se comunica o dote prometido ou constituído a filho
de outro leito. O dote, assim prometido ou constituído, pesa exclusivamente sobre a meação do
cônjuge dotador; a importância do dote é retirada, tão somente, da meação do dotador, ou dos
bens particulares que porventura possua. A meação do outro cônjuge é totalmente estranha à
liberalidade, a menos que tenha anuído à promessa ou à constituição do dote; nesse caso, a
liberalidade tornar-se-á promíscua a ambos os cônjuges, eliminando-se, destarte, a
incomunicabilidade.
Em quinto lugar, também não se comunica dote prometido ou constituído
por um só dos cônjuges a filho comum. Embora comum o filho, se o dotador prometeu ou
constituiu unilateralmente o dote, em nome exclusivo, sem anuência do outro cônjuge, como
faculta o art. 236, claro é que o respectivo montante se retirará de sua própria meação, ou de seus
bens particulares. Só se comunicará a importância do dote, se ambos os cônjuges tiverem
compartilhado da promessa, ou de sua efetiva constituição.
Em sexto lugar, são incomunicáveis as obrigações provenientes de atos
ilícitos. A responsabilidade civil por ato ilícito é pessoal, não sendo possível, destarte, recair
sobre bens comuns. Se um dos cônjuges pratica, portanto, ato ilícito, de que decorra obrigação de
ressarcir, óbvio que o quantum da indenização deve sair tão somente da meação do culpado, ou
então de seus bens particulares.
Esse quantum não poderá, todavia, onerar a meação do responsável,
enquanto não se dissolver a sociedade conjugal, pela simples razão de que se trata apenas de
meação indivisa e ideal. Conseguintemente, só se torna efetiva a responsabilidade do culpado por
ocasião da dissolução da sociedade conjugal.
Provado, porém, que o outro cônjuge se beneficiou com o produto do ato
ilícito, não apenas a meação do culpado responde pelo ressarcimento, mas todo o patrimônio do
casal. Assim, se um indivíduo casado comete desfalque e aplica o produto na compra de imóveis,
que ficam pertencendo ao casal, é óbvio que o ressarcimento daquele ato ilícito alcançará a
meação da mulher, que se beneficiou com o fato criminoso perpetrado pelo consorte.
O cônjuge que deseje obter o reconhecimento judicial da
incomunicabilidade estatuída no art. 263, VI, terá de ministrar obrigatoriamente a prova seguinte:
a) que a obrigação em causa procede de ato ilícito do outro cônjuge; b) que os bens sobre os quais
incide a execução pertencem à comunhão conjugal; c) que o reclamante não compartilhou das
vantagens desse ato.

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Em seguida, no art. 263, VII, dispõe o CC sobre a incomunicabilidade das


dívidas anteriores ao casamento. Por essas dívidas responde exclusivamente o próprio devedor,
porque são elas incomunicáveis.
Mas há dívidas anteriores ao casamento que se comunicam: as contraídas
com os aprestos do matrimônio, como a aquisição de móveis, festas e enxoval, e as que tiverem
revertido em proveito comum de ambos os cônjuges, como o dinheiro emprestado para a viagem
de núpcias, ou para a compra de imóvel destinado à residência do futuro casal.
Pela dívida anterior ao casamento responde apenas o cônjuge devedor com
os seus bens particulares, ou com os bens que ele próprio tenha trazido para a comunhão conjugal
(CC, art. 264).
A comunhão só responderá pelos referidos débitos se ocorrer alguma das
exceções mencionadas, isto é, se a dívida tem origem nos preparativos para as bodas, ou se ela,
afinal, reverteu em proveito comum de ambos os cônjuges. Ao credor cumprirá fazer prova de
que a dívida cobrada se enquadra numa das duas sobreditas exceções. Não o fazendo, ela seguirá
a regra da incomunicabilidade.
Igualmente, não se comunicam as doações antenupciais feitas por um dos
cônjuges ao outro com cláusula de incomunicabilidade (art. 263, VIII). A razão é a mesma do art.
263, II; sempre que estabelecida a cláusula de incomunicabilidade, não entra o bem para a massa
comum, ainda que o doador seja o outro cônjuge.
Mas ainda, não se comunicam as roupas de uso pessoal, as jóias
esponsalícias dadas antes do casamento pelo esposo, os livros e instrumentos de profissão e os
retratos de família (art.263, IX).
Igualmente não se comunica a fiança prestada pelo marido, sem outorga
uxória (art.263, X). Fiança prestada pelo marido sem consentimento da esposa é nula (art.235,
III). Os bens comuns jamais poderiam responder pelo seu montante. Somente depois de terminada
a sociedade conjugal viável ou possível seria a imputação de seu quantum na meação do cônjuge
fiador. Do mesmo modo, se prestada pela mulher sem outorga marital, também será nula,
prevalecendo para o seu pagamento, no caso de dissolução da sociedade conjugal, o mesmo
princípio anteriormente enunciado em relação ao marido.
A lei 4.121, de 27/08/62, introduziu dois novos incisos ao citado art. 263.
Pelo primeiro, excluem-se também da comunhão os bens reservados a que se refere o art. 246, §
único, e pelo segundo, os frutos civis do trabalho ou indústria de cada cônjuge ou de ambos.
Sobre os bens reservados, excluídos da comunhão, tem a mulher casada
amplos poderes de administração e disposição, salvo quanto aos imóveis, para cuja alienação
depende de outorga marital. Relativamente aos frutos civis do trabalho ou indústria, não deixa de
ser estranha sua exclusão da comunhão, tendo-se em conta que no regime da comunhão parcial
entram eles para a massa comum (art. 271, VI).
Cumpre examinar agora o disposto no art. 264, segundo o qual “as dívidas
não compreendidas nas duas exceções do nº VII só se poderão pagar durante o casamento pelos
bens que cônjuge devedor trouxer para o casal”.
O preceito legal em questão diz respeito a todas as obrigações
expressamente declaradas incomunicáveis pela lei civil, como dívidas anteriores ao casamento,
obrigações provenientes de atos ilícitos, e outras. Só a fiança, sem outorga do outro cônjuge, não
segue tal norma, visto ser nula em face da lei.
Em qualquer daquelas hipóteses, ex vi do disposto no art. 264 CC, o
cônjuge devedor só pode ser executado, durante o casamento, ou em seus bens particulares, ou

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Direito Civil

em outros que ele próprio tenha trazido para a sociedade conjugal. A execução não pode, em caso
algum, incidir sobre bens trazidos para a comunhão pelo outro cônjuge.
Mas a dívida pode ser paga com os bens adquiridos na constância do
casamento. Nesse caso, quando se dissolver a comunhão, por morte, separação judicial, divórcio
ou anulação do casamento, o montante da dívida imputar-se-á na meação do cônjuge devedor.
Não pode ser olvidada, neste ensejo, disposição do art. 3º da lei 4.121, de
27/08/62, segundo a qual “pelos títulos de dívida de qualquer natureza, firmados por um só dos
cônjuges, ainda que casados pelo regime da comunhão universal, somente responderão os bens
particulares do signatário e os comuns até o limite de sua meação”.
O cônjuge, que não firmou o documento, tem direito de socorrer-se de
embargos de terceiro para a defesa da própria meação, nos termos do art. 1.046, § 3º, CPC.
Na constância da sociedade conjugal, a propriedade e posse dos bens é
comum (CC, art. 266), mas cabe ao marido, como chefe da sociedade conjugal, a respectiva
administração (art.233, II). A mulher só os administrará por autorização do marido, ou nos casos
do art. 248, V, e art. 251. Fora desses casos, a administração sempre competirá ao marido.
Dissolve-se a comunhão: I) pela morte de um dos cônjuges; II) pela
sentença que anula o casamento; III) pela separação judicial; IV) pelo divórcio (CC, art. 267,
modificado pela lei 6.515, de 26/12/77, art. 50, VIII). Antigamente, havia ainda outra hipótese,
definitivamente proscrita no direito moderno, a morte civil.
No caso de morte de um dos cônjuges, que ipso facto acarreta extinção da
comunhão, o cônjuge sobrevivente continua na posse do acervo até a sua efetiva partilha entre ele
e os herdeiros do falecido (art. 1.579). Reparte-se então o monte em duas meações distintas,
cabendo a primeira ao supérstite, e a segunda, aos sucessores do de cujus.
No caso de matrimônio nulo, a comunhão não se constitui, porque
propriamente não existe casamento. Em tais condições, não se partilha o acervo em duas metades,
mas cada cônjuge dele retira o que havia trazido individualmente para a massa.
O mesmo sucede na hipótese de casamento anulável. Não há falar em
partilha, mas na separação dos bens com que cada cônjuge entrou inicialmente para a sociedade
conjugal.
Se se reconhece, todavia, a putatividade do matrimônio, aplicar-se-ão as
regras atinentes à separação judicial, amigável ou judicial, isto é, partir-se-ão os bens em duas
metades, para pagamento de cada cônjuge.
Entretanto, se apenas um deles é inocente, perde o outro as vantagens
econômicas advindas do matrimônio. Não pode o culpado pretender assim meação no patrimônio
com que o inocente entrou para a comunhão. Este último, porém, tem direito à meação relativa
aos bens trazidos à comunhão pelo culpado.
Finalmente, também pela separação judicial se dissolve a comunhão. Os
bens serão repartidos em partes iguais, para pagamento de cada cônjuge. Não existe na lei a pena
de perda dos bens para o cônjuge culpado.
A comunhão, no caso de separação judicial, cessa a partir da data em que se
proferiu a sentença, ainda que haja recurso.
Extinta a comunhão, e efetuada a divisão do ativo e passivo, cessará a
responsabilidade de cada um dos cônjuges para com os credores do outro por dívidas que este
houver contraído (CC, art. 268).
A incomunicabilidade dos bens não se estende aos frutos, quando se
percebem ou se vencem durante o casamento (CC, art. 265). A incomunicabilidade constitui
exceção. A regra é a comunicabilidade entre os cônjuges de todos os bens, principais e acessórios.

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Direito Civil

Trata-se de assunto em que vigora interpretação restritiva; portanto, na falta de estipulação em


contrário, não são incomunicáveis os frutos e rendimentos dos bens vinculados de
incomunicabilidade e auferidos na constância do casamento. Os frutos sempre se comunicam,
ainda que o regime matrimonial seja o da separação.
Agora vamos estudar o regime da comunhão parcial, que passou a ser o
comum em nosso país, desde o advento da lei 6.515, de 26/12/77.
Trata-se de um regime misto, formado em parte pelo da comunhão
universal e em parte pelo da separação. Sua principal característica vem a ser a comunhão dos
bens adquiridos na constância do casamento.
De conformidade com o art. 269, CC, no regime da comunhão limitada ou
parcial, excluem-se da comunhão: I) os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe
sobrevierem, na constância do matrimônio, por doação ou sucessão; II) os adquiridos com valores
exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em sub-rogação de bens particulares; III) os
rendimentos de bens de filhos anteriores ao matrimônio a que tenha direito qualquer dos cônjuges
em consequência do pátrio poder; IV) os demais bens que se consideram também excluídos da
comunhão universal.
Tais efeitos não se comunicam ao outro cônjuge. Cada um deles conserva
exclusivamente para si tudo quanto possuía ao casar. A comunhão só compreende os bens que se
adquiram a título oneroso na constância do casamento. É por isso que esse regime se chama
Comunhão Parcial, porque se limita aos adquiridos depois do casamento.
De acordo com esses princípios, são particulares os bens que cada cônjuge
possuía ao casar. São ainda particulares os que herdar ou lhe forem doados depois do casamento,
bem como os adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-
rogação dos bens particulares. Finalmente, são também particulares os demais bens indicados no
preceito legal em questão. Instaura-se a comunhão apenas sobre os aqüestos, isto é, sobre os bens
adquiridos a título oneroso, como a compra e venda ou a permuta, na vigência do casamento.
Do exposto se dá conta de que no regime da comunhão parcial, os bens se
distribuem em três massas distintas: os bens do marido, os bens da mulher e os bens comuns.
Como se vê, sensível é a diferença com a comunhão universal, em que se não houver bens
particulares dos cônjuges, existirá uma única massa, um único acervo, comum ao casal.
No tocante ao passivo, a comunhão parcial obedece à mesma disposição:
cada cônjuge responde pelas próprias dívidas, desde que anteriores ao casamento; só as
subsequentes ao matrimônio se comunicarão.
No regime da comunhão universal, não se comunicam as obrigações
anteriores ao casamento (art.263, VIII, CC), mas, já se comunicarão se contraídas com os aprestos
matrimoniais, ou tiverem revertido em proveito de ambos os cônjuges.
No regime da comunhão parcial, ainda que contraídas com os preparativos
do casamento, responde pela obrigação, tão somente, o próprio cônjuge devedor. Só na hipótese
de terem ambos lucrado se tornará conjunta a responsabilidade, na proporção do ganho de cada
um.
Semelhantemente ao que ocorre na comunhão universal, não se comunicam
as obrigações provenientes de atos ilícitos. Nesse caso, a responsabilidade é estritamente pessoal.
Só na mencionada hipótese de proveito comum a ambos os cônjuges, lícito seria responsabilizar
um e outro pelas obrigações decorrentes de atos ilícitos.
No art. 271 o CC indica minuciosamente os bens que entram para a
comunhão, no regime da comunhão parcial: I) os bens adquiridos na constância do casamento,
por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges; II) os adquiridos por fato eventual,

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com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior; III) os adquiridos por doações, herança
ou legado, em favor de ambos os cônjuges; IV) as benfeitorias em bens particulares de cada
cônjuge; V) os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na
constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão dos adquiridos; VI) os
frutos civis do trabalho, ou indústria de cada cônjuge, ou de ambos.
Em seguida, no art. 272, prescreve o CC a incomunicabilidade dos bens
cuja aquisição se prenda a causa anterior ao casamento. O exemplo ministrado a seguir facilita a
compreensão do assunto: a mulher, ainda solteira, vende a crédito uma de suas propriedades. O
respectivo preço só lhe é pago, porém, quando já casada no regime da comunhão parcial. Nesse
caso, como o recebimento do preço tem causa anterior ao casamento, não se comunica ao marido,
continua sendo apenas da mulher.
Seguem a mesma regra aquisições a título oneroso subordinadas ao
implemento de condição: o contrato é celebrado ao tempo em que o contraente era solteiro, mas a
condição só se verifica depois do casamento. Como a causa do negócio jurídico é anterior, não há
comunicação entre os cônjuges das vantagens respectivas.
Assim também no caso de ação reivindicatória iniciada ao tempo em que o
autor é solteiro. Julgada procedente quando já casado, o bem reivindicado não integra a
comunhão, ex vi do art. 272. De modo idêntico, o mesmo ocorre na hipótese de domínio útil
preexistente e em que venha a se consolidar o direito de propriedade, quando já casado o
enfiteuta. Estabelece o art. 273, com a nova redação que lhe deu a lei 4.121, de 27/8/62: “No
regime da comunhão parcial presumem-se adquiridos na constância do casamento os móveis,
quando não se provar, com documento autêntico, que o foram em data anterior”.
A administração dos bens cabe naturalmente ao marido, a quem compete
gerir as três massas de bens, os próprios, os da mulher e os comuns (art. 274, primeira parte).
Entretanto, lícito será convencionar que à mulher caiba a administração dos próprios bens.
Se o marido, como administrador, contrai dívidas, respondem por elas,
primeiramente, os bens comuns, e, depois de esgotados estes, os bens particulares de cada
cônjuge, na proporção do proveito que cada um houver auferido (art. 274, parte final). Aplicável
será ainda a mesma regra nos casos em que à mulher venha a competir a direção do casal, ou nos
casos de autorização marital, expressa ou presumida (art. 275).
A comunhão parcial, como a universal, dissolve-se por morte de um dos
cônjuges, separação judicial, divórcio ou anulação de casamento. Dissolvida a sociedade
conjugal, retira cada cônjuge o que é seu e, quanto aos comuns, a divisão obedecerá aos mesmos
princípios que norteiam a partilha no regime da comunhão universal.
Dando prosseguimento chegamos ao regime da separação de bens. Eis o
regime em que cada cônjuge conserva exclusivamente para si os bens que possuia quando casou,
sendo também incomunicáveis os bens que cada um deles veio a adquirir na constância do
casamento. O que caracteriza esse regime é a completa separação do patrimônio dos dois
cônjuges, nenhuma comunicação se estabelecendo entre as duas massas, os dois acervos. A cada
um o que é seu, aí está a fórumula individualista, que bem sintetiza o aludido regime
matrimonial.
Sobre as formas de separação, tal regime pode ser legal ou convencional. É
legal, nas várias hipóteses do art. 258, § único, CC. Realmente, dispõe questionado preceito que é
obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I) das pessoas que o celebrarem com
infração do estatuído no art. 183, XI a XVI; II) do maior de sessenta e da maior de cinquenta
anos; III) do órfão de pai e mãe, ou do menor, nos termos dos arts. 394 e 395, embora case, nos

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termos do art. 183, XI, com consentimento do tutor; IV) de todos os que dependerem, para casar,
de autorização judicial.
De acordo com esse dispositivo, menor sujeito ao pátrio poder, que não
alcança o consentimento paterno, terá de consorciar-se no regime da separação, ainda que haja
obtido suprimento judicial; da mesma forma, nubente que se casa antes de atingir a idade nupcial,
órfão de pai e mãe e aquele que necessita de autorização judicial. Em todos esses casos, em suma,
impõe-se obrigatoriamente o regime legal da separação de bens.
A hipótese que maior interesse apresenta pelas suas aplicações na vida
prática é a do casamento do maior de sessenta anos e da maior de cinquenta anos. Igualmente
nesses casos, por força de lei, celebra-se o matrimônio no regime da separação.
Impor-se-á a separação ainda que um dos contraentes, de modo doloso,
oculte sua verdadeira idade. Conquanto na habilitação matrimonial tenha o nubente diminuído
sua idade, vigorará o regime da separação, independentemente de pronunciamento judicial.
Igualmente, será de separação o regime matrimonial do viúvo, ou da viúva,
que passa a segundas núpcias, sem ter feito inventário e partilha dos bens deixados pelo cônjuge
falecido. Existirá infração, ainda que iniciado o inventário, mas não julgada a partilha.
Todavia, cumpre ter em vista o disposto no art. 259, CC, segundo o qual
“embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os
princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento”.
Conseguintemente, se a separação decorre de escritura antenupcial, nela
disporão os contraentes acerca dos aquestos, prescrevendo-lhes, livremente, a comunicabilidade
ou incomunicabilidade. No silêncio do contrato, prevalecerão os princípios da comunhão.
Divergem, porém, as opiniões sobre o alcance do citado dispositivo,
questionando-se assim sobre a sua aplicação ao regime da separação que não resulte do contrato,
e sim de imperativo legal.
De acordo com numerosos julgados, comuns serão, nessa hipótese, os bens
adquiridos na constância do casamento, por seu mútuo esforço. Mas existem igualmente várias
decisões, em que se sustenta a incomunicabilidade dos aquestos, por ter o legislador, no citado
art. 259, limitado a aplicação do texto apenas ao caso de silêncio do contrato.
Segundo parece, o primeiro ponto de vista é o mais acertado, em virtude do
estabelecimento de verdadeira sociedade de fato, ou comunhão de interesses entre os cônjuges.
Não há razão para que os bens fiquem pertencendo exclusivamente a um deles, desde que
representem trabalho e economia de ambos. É a consequência que se extrai do art. 1.376, CC,
referente às sociedades civis e extensiva às sociedades de fato ou de comunhão de interesses.
Nesse sentido existia anteriormente súmula do Supremo Tribunal Federal.
Finalmente, cabe ajuntar ainda que os nubentes ficam irrestritamente
sujeitos ao regime da separação, nos casos do art. 258, § único, independentemente de pacto
antenupcial. Seus efeitos são incontornáveis mediante doações de um cônjuge ao outro (CC, art.
226). Se imposta por lei a separação, não se permite às partes iludir a proibição legal por meio
dessas liberalidades, que anulam completamente o preceito, gerando verdadeira comunhão de
fato. Observa-se, outrossim, aludido regime, independentemente de qualquer procedimento
judicial por parte dos prejudicados.
Examinamos até agora a separação legal. Mas a separação pode ser
convencional, quando adotada pelos cônjuges em pacto antenupcial.
Estabelecido o regime da separação, por comando da lei ou por convenção
das partes, conserva cada cônjuge a plena propriedade, a integral administração e a inteira fruição
de seus próprios bens. Só para alienação de imóveis requerer-se-á anuência do consorte.

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A separação admite ainda outra divisão: pura e limitada. É pura, quando


absoluta e irrestrita, abrangendo todos os bens presentes e futuros, assim como frutos e
rendimentos, estendendo-se a tudo indistintamente, o princípio da incomunicabilidade.
Dessa modalidade resultam as seguintes consequências: a)
incomunicabilidade dos bens anteriores ao casamento; b) incomunicabilidade dos frutos e
aquisições posteriores; c) autonomia do marido e da mulher na gestão do próprio patrimônio.
Essa autonomia, porém, não é completa, uma vez que, como se frisou,
sujeitos se acham os cônjuges, seja qual for o regime matrimonial, às citadas restrições dos arts.
235 e 242, que subordinam à mútua anuência todos os atos de alienação ou imposição de ônus
real, quanto aos bens imóveis.
A separação é limitada, quando circunscrita aos bens presentes,
comunicando-se, todavia, os frutos e rendimentos, bem como os futuros, adquiridos na constância
do casamento. Essa forma de separação não se diferencia, praticamente, da comunhão parcial.
Para que prevaleça a separação pura, de mister se torna que as partes se
revelem claras e explícitas, no sentido de excluir a comunicação dos adquiridos na constância do
casamento. Se elas não se expressam peremptoriamente no pacto antenupcial, aplicar-se-ão, no
silêncio do contrato, os princípios da comunhão quanto aos aquestos, na constância do
matrimônio.
Observe-se ainda que na separação limitada prevalece a vontade dos
contraentes, que podem no pacto antenupcial, livremente, restringir ou graduar o alcance da
comunicação referente aos bens futuros, bem como a comunicação, ou não, dos frutos e
rendimentos dos bens presentes. Pactos antenupciais existem que se transformam em verdadeiros
mosaicos dos vários regimes matrimoniais contemplados em lei.
Assim como os bens, as dívidas não se comunicam, quer anteriores ou
posteriores ao casamento. Responde cada cônjuge, isoladamente, pelos próprios debitos.
Mas as dívidas contraídas pela mulher comunicar-se-ão ao marido nas
hipóteses seguintes: a) se efetuadas com a aquisição das utilidades necessárias à economia
doméstica, ou empréstimos para esse fim; b) se efetuadas no exercício de profissão; c) se este
lucrou com o empréstimo realizado pela mulher, mas a responsabilidade do primeiro apenas se
tornará efetiva depois de excutidos os bens da segunda.
Da incomunicabilidade das dívidas resulta que o credor do marido não
pode penhorar bens da mulher e vice-versa. Se o fizer, o cônjuge prejudicado terá direito de
lançar mão do remédio processual dos embargos de terceiro para obter levantamento da penhora.
Segundo o disposto no art. 277 “a mulher é obrigada a contribuir para as
despesas do casal com os rendimentos de seus bens, na proporção de seu valor, relativamente
aos do marido, salvo estipulação em contrário no contrato antenupcial”.
Cabe ao marido, precipuamente, prover à mantença da família; mas, se a
mulher possui bens, é razoável e justo concorra também com os rendimentos de seus bens para
satisfação dos encargos domésticos.
O preceito legal em questão determina que a quota da mulher para as
despesas se faça na proporção do valor de seus rendimentos, relativamente aos do marido. Torna-
se possível, assim, se melhores as suas possibilidades econômicas, venha ela a suportar o maior
peso da manutenção familiar. Nessa mesma ordem de idéias, decidiu-se que à mulher cabe o
tratamento médico do marido, se este adoeceu e impossibilitado ficou de suportar aquele ônus,
possuindo ela melhores recursos.

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Se a mulher entrega ao marido sua cota para os encargos domésticos, os


credores por suprimentos feitos à residência do casal não têm ação contra o segundo, salvo se
aquela assumiu, direta e pessoalmente, a responsabilidade pela obrigação.
A lei 4.121, de 27/8/62, no art. 2º, alargou a disposição do art. 277 aos
demais regimes matrimoniais, assim editando: “A mulher, tendo bens ou rendimentos próprios,
será obrigada, como no regime da separação de bens (art. 277, CC), a contribuir para as
despesas comuns, se os bens comuns forem insuficientes para atendê-las”.
Quando os contraentes casarem, estipulando separação de bens,
permanecerão os de cada cônjuge sob a administração exclusiva dele, que os poderá livremente
alienar, se forem móveis.
Podem os cônjuges, entretanto, no pacto antenupcial, dispor de modo
diverso sobre a administração marital. Nesse caso, à mulher assiste direito à hipoteca legal sobre
os imóveis do marido, para garantia dos bens sujeitos à gestão deste.
Por fim, nada impede que a mulher, casada com separação, constitua
procurador o marido, para o fim de administrar e dispor de seus bens. Isto não importa alteração
no regime matrimonial e, em tal hipótese, o marido não se acha isento da obrigação de prestar
contas.
Existem ainda outras normas gerais concernentes ao regime da separação:
a) o cônjuge casado pelo regime da separação de bens não pode exercer a inventariança; b) a
falência do marido não atinge os bens particulares da mulher; c) ainda que o regime matrimonial
seja de separação, a mulher tem direito a alimentos; d) em qualquer hipótese, o cônjuge figura
sempre em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, logo depois dos descendentes e dos
ascendentes; e) a vocação para suceder em bens de estrangeiros situados no Brasil será regulada
pela lei brasileira, em benefício do cônjuge brasileiro ou de filhos do casal, sempre que não lhes
seja mais favorável a lei do domicílio; f) à brasileira, casada com estrangeiro, sob regime que
exclua a comunhão universal, caberá, por morte do marido, o usufruto vitalício da quarta parte
dos bens deste, se houver filhos brasileiros do casal ou do marido, e da metade, se os não houver;
g) o cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá
direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se
houver filhos deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes
do de cujus; h) o estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa
anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato da entrega do decreto de naturalização, se
apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de
terceiros e dada esta adoção ao competente registro.
Existe ainda um quarto regime matrimonial, já caindo em desuso, chamado
dote. Dote, no sentido técnico jurídico, é a porção de bens que a mulher, ou alguém por ela,
transfere ao marido, para que este, de suas rendas, tire os recursos necessários à sustentação dos
encargos matrimoniais, sob condição de restituí-los depois de terminada a sociedade conjugal.
Dessa definição resultam os três elementos fundamentais do dote: a) a
incomunicabilidade dos bens dotais; b) sua administração pelo marido para obtenção dos recursos
necessários à subsistência da família; c) finalmente, sua restituição, depois de extinta a sociedade
conjugal, à própria mulher, ou ao dotador, se este foi um terceiro.
Nesses três elementos projeta-se nitidamente a instituição do dote, cujo fim
específico é habilitar pecuniariamente o marido, fornecendo-lhe meios para enfrentar os ônus do
matrimônio. Para que o dote possa preencher tal finalidade, impregna-o a lei de privilégios
especiais, dentre os quais sobrelevam a incomunicabilidade e, também, a inalienabilidade, se
constituído de bens imóveis.

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A inalienabilidade é, sem dúvida, o traço mais saliente do regime dotal,


tendo sido estabelecida, não por causa da incapacidade pessoal da mulher, mas como
consequência da indisponibilidade real inerente ao fundo dotal.
É essencial ao regime dotal o concurso dos três elementos seguintes: a) a
descrição dos bens que constituem o dote; b) a respectiva estimação, seja para fixar seu valor, seja
para determinar o preço que o marido terá de pagar no momento em que se dissolva a sociedade
conjugal; c) a expressa declaração de que aludidos bens ficam sujeitos ao regime dotal.
Qualquer desses elementos que seja omitido no contrato dotal e não haverá
dote no sentido técnico e legal. É o que se depreende do art. 278, CC. Observe-se, porém, desde
logo, que o regime dotal pode coexistir com outro regime, no tocante aos bens extradotais.
Ressalte-se ainda que a adoção do regime dotal não está subordinada a fórmulas sacramentais;
basta que, em essência, se cumpram os três elementos já apontados.
O dote pode ser constituído pela própria mulher, por qualquer de seus
ascendentes, ou por outrem. Quando constituído pela própria mulher (o que só pode ser feito em
convenção antenupcial), forma-se entre ela e o marido verdadeiro contrato sinalagmático: a
primeira entrega ao segundo uns tantos bens, para que este os administre e assim obtenha os
meios necessários à sustentação dos encargos familiares.
Quando constituído pelos ascendentes da mulher (dote chamado
profecticio) se considera adiantamento de legítima e sujeito, por isso, à colação, de acordo com a
lei, salvo a hipótese do art. 1.788, CC.
O dote pode ser constituído ou prometido por ambos os genitores, ou por
um deles somente. Prometido por ambos, sem especificação de partes, entende-se que cada
genitor se obrigou pela metade. A solidariedade não se presume; se os pais, conjuntamente,
prometem o dote, cada um concorre com a metade, seja qual for o regime de bens, desde que não
se tenha especificado a quota de um e de outro. Morrendo um deles, o dote deve ser conferido no
respectivo inventário, pela metade, pois, como se frisou, dote de pai a filho é adiantamento de
legítima e como tal sujeito à colação.
Finalmente, pode o dote ser constituído por terceira pessoa, que não os
ascendentes da mulher. Nesse caso é considerado como verdadeira doação e não pode o seu valor
ultrapassar os limites traçados no art. 1.176, CC.
Do fato de dizer a lei que o dote pode ser constituído pela própria nubente,
por qualquer de seus ascendentes, ou por outrem, não se deve concluir que o marido possa,
também, estabelecê-lo a favor da esposa. O fim do dote é a prestação de auxílio econômico ao
marido para que este possa suportar os ônus do casamento. Não seria curial assim que o marido
fosse admitido a prestar auxílio a si mesmo. Nesse sentido, já se decidiu que constitui simples
doação, e não instituição de dote, ato de liberalidade feito em favor da noiva pelo futuro cônjuge.
Aliás, nada impede que o contraente faça doações à futura esposa, a menos
que sejam para iludir o regime da separação legal, o que é proibido.
O que pode ser dado em dote? O dote pode compreender, no todo ou em
parte, os bens presentes e futuros da mulher. Se a própria nubente constitui o dote, pode ela
dispor que o mesmo abranja também os bens futuros, que venha a adquirir na constância do
casamento.
Pode ser constituída em dote uma herança futura, proveniente de pessoa
cuja sucessão ainda não se acha aberta. Não parece ortodoxo, todavia, esse ponto de vista,
porquanto tal constituição infringiria a norma do art. 1.089, CC, segundo a qual não pode ser
objeto de contrato a herança de pessoa viva.

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Não são ainda todos os bens futuros que a mulher pode incluir no dote; só
podem ser dotalizados os bens futuros adquiridos a título gratuito; os adquiridos a título oneroso,
ou com o produto do trabalho da mulher, não podem ser dotalizados, porque sua sujeição ao
regime dotal acarretaria modificação ao regime matrimonial.
Contudo, para que os bens futuros se compreendam no dote, é mister que o
pacto antenupcial seja expresso. À medida que forem adquiridos pela mulher, serão
paulatinamente especificados e estimados; sem observância dessas formalidades, tornar-se-ão
comuns.
Podem terceiros, parentes ou não, fazer doações à mulher, sujeitando os
bens doados ao regime dotal. Se o regime matrimonial não foi o dotal, tais doações não afetarão o
regime preestabelecido, quer seja o comum, quer seja o da separação.
Os bens doados constituirão nova massa, que ficará subordinada aos
preceitos que disciplinam o regime dotal; os demais bens do casal continuarão, porém, sendo
comuns, se o regime é o da comunhão, ou separados, se o regime é o da separação.
Compete ao marido, na vigência da sociedade conjugal: I) administrar os
bens dotais; II) perceber seus frutos; III) usar das ações judiciais a que derem lugar.
Os bens dotais são de propriedade da mulher, mas entregues ao marido para
que os administre e assim aufira os recursos necessários à sustentação dos encargos matrimoniais.
O marido é, portanto, na vigência do casamento, verdadeiro usufrutuário, com poderes mais
dilatados, podendo, nessa qualidade, intentar todas as ações adequadas à defesa do dote, quer
petitórias, quer meramente possessórias.
Bens parafernais são os bens incomunicáveis da mulher que não fazem
parte do dote. No tocante a esses bens, conserva a mulher a respectiva propriedade,
administração, gozo e livre disposição, exceto, porém, a faculdade de alienar, se forem imóveis. É
a própria mulher que percebe os frutos desses bens, pois os rendimentos parafernais não se
destinam, como os dotais, à satisfação dos encargos matrimoniais.
Mas o marido pode também administrar os bens parafernais, desde que
constituído procurador pela mulher; como administrador, estará sujeito à prestação de contas de
seus frutos e rendimentos, nos casos do art. 311. Todavia, se houver cláusula expressa a respeito,
pode o marido administrar os bens parafernais, com dispensa de prestação de contas.

4.6. Dissolução

A lei 6.515, de 26/12/77, que regula os casos de dissolução da sociedade


conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências, no art.
54, revoga expressamente os art. 315 a 328 do CC.
Cuidando especificamente da dissolução do casamento, essa sociedade
termina: I) pela morte de um dos cônjuges; II) pela nulidade ou anulação do casamento; III) pela
separação judicial; IV) pelo divórcio. Acrescenta o § único que “o casamento válido somente se
dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio”.
De fato a morte de um dos cônjuges acarreta, evidentemente, a terminação
da sociedade conjugal. O próprio vínculo se rompe ou fica destruído, de modo que o sobrevivente
poderá contraír novas núpcias.
Igualmente termina a sociedade conjugal pela nulidade ou anulação do
casamento. Quer nos casos de nulidade, quer nos de simples anulação, a decisão que a decreta

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rompe necessariamente a sociedade conjugal, bem como o próprio vínculo, de sorte que os
cônjuges, assim desvinculados, podem convolar a novas núpcias.
Em terceiro lugar, a sociedade conjugal termina pela separação judicial, que
é a nova terminologia proposta pelo legislador, em substituição ao termo clássico e tradicional
desquite, o qual, todavia, sem embargo da relutância da nova lei, subsiste ainda em numerosos
diplomas, como, por exemplo, a lei 6.015, de 31/12/73, arts. 100 e 167, II, nº 5.
A separação constitui um abrandamento ao princípio da indissolubilidade,
mas, ainda não acarreta a desintegração do vínculo. Nos termos do art. 2º, § único, da lei 6.515,
casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
Casamentos realizados no México ou na Bolívia, por desquitados ou
separados judicialmente, antes da realização do divórcio serão írritos e nulos e nenhum efeito lhes
atribui a nossa lei. antes do divórcio, tais uniões não passarão de mera relação concubinária.
Por fim, termina a sociedade conjugal pelo divórcio.
Preceitua o art. 3º da lei 6.515, que “a separação judicial põe termo aos
deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o
casamento fosse dissolvido”.
Em primeiro lugar, portanto, a separação judicial, que surgiu em
substituição ao desquite, põe termo ao dever de coabitação. O legislador está a referir-se ao dever
de vida em comum no domicílio conjugal, previsto no art. 231, II, do CC.
De modo idêntico, a separação põe termo ao dever de fidelidade recíproca,
a que os cônjuges, até então, se achavam sujeitos, por força do disposto no art. 231, I, da lei civil.
A liberação é completa. As atuais condições de vida social não exigem - do
homem ou da mulher - posição de total renúncia à satisfação das necessidades ligadas ao sexo.
Só em relação à guarda dos filhos menores, o fato poderá ser objeto de
consideração ou tornar-se relevante. Mas, a jurisprudência tem esclarecido que o fato de passar a
viver maritalmente com outra pessoa não justifica sejam os filhos retirados de sua companhia,
desde que o guardião mantenha vida recatada e proporcione sadio ambiente familiar à prole.
Por igual, nos termos daquele mesmo art. 3º, a separação põe termo ao
regime matrimonial de bens. Como em qualquer sociedade, desde que desaparece a affectio
societatis, a conjugal também tem de extinguir-se, uma vez que não mais subsiste entre os
cônjuges tal vínculo de colaboração ativa, consciente e igualitária.
Não é possível condescender com separação judicial, em que os bens
conjugais permaneçam indefinidamente em comum, como se a sociedade se mantivesse re
integra, como anteriormente.
Decretada destarte a separação, terá de encerrar-se a situação econômica,
que deriva da sociedade conjugal. Numa e noutra forma de separação, consensual ou judicial, ter-
se-á de proceder à partilha, se de comunhão é o regime matrimonial.
Na separação consensual, a partilha vale como um contrato entre duas
pessoas capazes; na judicial, se não houver acordo, impor-se-á a respectiva liquidação por artigos
para oportuna repartição dos bens liquidados.
Contudo, nos termos do art. 8º da lei 6.515/77, a sentença que julgar a
separação produz seus efeitos à data de seu trânsito em julgado, ou à da decisão que tiver
concedido separação cautelar.
Assim, caso a separação judicial tenha sido precedida da separação de
corpos, na data em que esta foi concedida terá cessado o regime de bens.

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Esclarece o § 1º do art. 3º que “o procedimento judicial da separação


caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados por curador,
ascendente ou irmão”.
Ainda que não exista decreto de interdição, se um dos cônjuges é amental,
a defesa de seus interesses poderá ser assumida por qualquer das pessoas mencionadas no texto.
Como se percebe, a nova lei manteve, nesse ponto, a mesma diretriz traçada pelo art. 316, §
único, CC.
A lei não confere legitimação para agir aos filhos. O voto do legislador é de
que eles se mantenham neutros no litígio estabelecido entre os genitores.
Prescreve o § 2º do art. 3º da lei 6.515 que o juiz deverá promover todos os
meios para que as partes se reconciliem ou transijam, ouvindo pessoal e separadamente cada uma
delas e, a seguir, reunindo-as em sua presença, se assim considerar necessário.
Não obtida esta, o magistrado deverá envidar novos esforços no sentido de
que as partes transformem a separação judicial em consensual ou cheguem, pelo menos, a uma
composição.
A tentativa de conciliação constitui preceito de ordem pública e de sua falta
decorre a nulidade do processo. Todavia, não será preciso seja renovada ao iniciar-se a instrução.
Acrescente-se que a ausência de uma das partes, ou mesmo de ambas, deve
ser havida como recusa a qualquer acordo. Em tais condições, não há motivo para repetir-se o ato,
muito menos para decretação de nulidade, se uma das partes é revel.
Duas são as modalidades de separação: a separação judical por mútuo
consentimento e a separação judicial a pedido de um dos cônjuges apenas. Vamos estudá-los
separadamente começando pela separação judicial a pedido de um dos cônjuges. Esta separação é
conhecida por separação litigiosa.
Dispõe o art. 5º, da lei 6.515, de 26/12/77, que a separação judicial pode ser
pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que
importe em grave violação dos deveres do casamento e tornem insuportável a vida em comum.
Acrescenta o § 1º, que teve sua redação alterada pela lei 8.408, de 13/02/92,
que a separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida
em comum há mais de um ano consecutivo, e a impossibilidade de sua reconstituição.
Por fim, remata o § 2º, editando que o cônjuge pode ainda pedir a separação
judicial quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o casamento,
que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de cinco
anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.
Quatro são as causas de separação judicial, a pedido de um dos cônjuges:
conduta desonrosa, grave violação aos deveres do casamento, ruptura da vida conjugal por mais
de um ano e grave doença mental contraída depois do casamento.
Fora de previsão legal, só por intermédio da separação consensual, poder-
se-á dissolver a sociedade conjugal.
De modo geral, a honra pode ser definida como um vivo sentimento da
nossa dignidade moral, que nos leva a não nos desmerecermos, não só perante nós mesmos, como
perante os demais.
Ela pode ser ultrajada de várias formas. Inúmeras são realmente as vias
pelas quais o indivíduo se afasta das leis da honra: pela corrupção ou torpeza, pela vida
desregrada ou criminosa, pelo vício da embriaguez ou pelo uso de entorpecentes, pelos atentados
à moral e aos bons costumes, pelo homossexualismo, pela ociosidade, de mil maneiras, enfim,

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pode traduzir-se a conduta desonrosa, que autoriza o outro cônjuge a reclamar a separação
judicial, com base no art. 5º.
Urge não esquecer que, pelo matrimônio, o casal passa a constituir uma só
unidade moral, de sorte que o desvio de um dos cônjuges inevitavelmente no outro repercute,
afetando-o na sua dignidade.
Se a vida em comum vem a tornar-se insuportável para este último, ante o
comportamento desonroso do parceiro, assistir-lhe-á o direito de por termo a uma união, que lhe
revolta a dignidade e ofende a sua honra.
Portanto, no caso de conduta desonrosa, necessário se torna que o autor, ou
a autora, reúna três requisitos: a) imputação ao réu, ou ré, de fatos determinados; b) que esses
fatos sejam desonrosos; c) que eles tornaram insuportável a vida em comum.
Falando sobre a grave violação dos deveres do casamento, já foi salientado
anteriormente, pelo matrimônio, os cônjuges contraem diversos deveres, indicados no art. 231,
CC: fidelidade recíproca, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento,
guarda e educação dos filhos. Muitos outros deveres existem, ainda, sem a tipicidade do art. 231,
mas, que não podem ser descurados. Afinal de contas, o casamento é uma comunidade de amor.
São assim muito grandes as responsabilidades que o estado de casado
impõe e, por isso mesmo, importa que o compromisso assumido pelos cônjuges seja sagrado e
inviolável.
Qualquer infração daqueles deveres autoriza o inocente a requerer a
separação judicial. Dentre as causas justificativas do pedido naturalmente avulta, em primeiro
lugar, o adultério. Um marido infiel faz à esposa a injúria mais atroz e aos filhos causa dano
irreparável. Por sua vez, a infidelidade da mulher acarreta as mais desastrosas consequências.
O adultério constitui grave violação dos deveres do casamento. Mas, não
basta a sua prática; é preciso ainda que ele torne insuportável a vida em comum.
Por igual, se não mais existe vida em comum no domicílio conjugal, por
culpa exclusiva de um dos cônjuges, que dele se ausenta de modo acintoso, com alarido na
família e na sociedade, existirá quebra do dever previsto no art. 231, II, CC, e a infração é grave,
do ponto de vista jurídico, sobretudo se não justificado. Mais ainda, se embora convivendo sob o
mesmo teto, um dos cônjuges se furta ao debitum conjugale, sem motivo plausível ou se o marido
retira da mulher a direção marital e moral do casal, o pedido de separação estará amplamente
justificado.
Entram nessa categoria, igualmente, as comparações desprimorosas, as
confidências depreciativas, o ciúme infundado, a desconfiança despropositada, as intimidades
comprometedoras com pessoas do sexo oposto. Impossível seria a especificação de todos os
agravos por intermédio dos quais um dos cônjuges poderia ofender a respeitabilidade ou a
incolumidade do outro. À jurisprudência cabe, por certo, elaborar a sistematização do tema em
questão.
Sobre a ruptura da vida em comum, contempla a lei 6.515, em seu art. 5º, §
1º, essa nova causa de separação, que põe em evidência a importância que tem a vida em comum
na sustentação jurídica do casamento.
Para que ocorra tal causa de separação é mister: a) que realmente se tenha
verificado a ruptura da vida em comum; b) que a ruptura tenha se prolongado por mais de um ano
consecutivo; c) que não exista possibilidade de sua reconstituição.
Não importa a razão da ruptura. Seja qual for a sua determinante, desde que
se estenda por tempo suficiente, sem nenhuma possibilidade de recomposição, assiste ao cônjuge
o direito de pedir a separação judicial, a fim de legalizar-se a separação de fato.

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A ação de separação pode ser proposta por qualquer dos cônjuges, inclusive
por aquele que teve a iniciativa da ruptura. A lei não consagra a respeito nenhuma restrição.
O ano de ruptura deverá ser consecutivo, não se somando períodos menores
para a formação do período legal.
O pedido de separação também pode acontecer com base no art. 5º, § 2º,
que trata de grave doença mental contraída após o casamento, e depende do concurso dos
requisitos seguintes: a) se o outro cônjuge veio a ser acometido de grave doença mental; b) se
essa doença surgiu após o casamento; c) se a doença tornou impossível a continuação da vida em
comum; d) finalmente, se, após uma duração de cinco anos, se verificou ser improvável a cura.
Cumpre ter em mira o disposto no § 3º do art. 5º: “nos casos dos
parágrafos anteriores, reverterão ao cônjuge, que não houver pedido a separação judicial, os
remanescentes dos bens que levou para o casamento, e, se o regime de bens adotado o permitir,
também a meação dos adquiridos na constância da sociedade conjugal”. Trata-se,
evidentemente, de compensação deferida pelo legislador ao cônjuge que não teve a iniciativa da
separação, quer no caso de grave doença mental, contraída após o casamento, quer no de ruptura
da vida em comum por mais de um ano consecutivo. Esse cônjuge receberá o remanescente dos
bens, com que entrara para o casamento, inclusive a meação dos adquiridos durante a sua
constância, se o permitir o regime de bens adotado.
Nos casos dos §§ 1º e 2º do art. 5º, a separação judicial poderá ser negada,
se constituir, respectivamente, causa de agravamento das condições pessoais ou da doença do
outro cônjuge, ou determinar, em qualquer caso, consequências morais de excepcional gravidade
para os filhos menores.
Três as hipóteses previstas no preceito legal: a) a separação judicial agrava
as condições pessoais do outro cônjuge; b) ou lhe acarreta o agravamento da doença; c) produz
ainda consequências morais de excepcional gravidade em relação aos filhos menores.
No primeiro caso, por exemplo, por ser estrangeiro, o outro cônjuge fica
sujeito à pena de expulsão do território nacional; no segundo caso, é previsto um recrudescimento
da moléstia mental, com possibilidade de autodestruição; no terceiro caso, os filhos menores
serão relegados a abandono.
Em qualquer dessas hipóteses, assiste ao juiz negar a separação judicial,
posto reconheça estar comprovada a causa, que servira de base ao pedido.
Como precedentemente salientado, a separação judicial importará na
separação de corpos e na partilha de bens. Essa partilha poderá ser feita mediante proposta dos
cônjuges e homologada pelo juiz ou por este decidida. Efetivamente, não havendo acordo, impor-
se-á a liquidação por artigos, decidindo o juiz afinal, como for de direito.
No tocante à separação de corpos, poderá esta ser determinada como
medida cautelar, sendo certo que no art. 7º, § 1º, o legislador se reporta ao art. 796 CPC, sendo de
se considerar ainda o disposto no art. 888, inciso VI, inclusive no inciso II.
O procedimento cautelar da separação de corpos passou a desfrutar de
considerável importância ante o disposto no art. 8º da lei 6.515: “a sentença que julgar a
separação judicial produz seus efeitos à data do seu trânsito em julgado, ou à da decisão que
tiver concedido separação cautelar”.
Portanto, o dies a quo para a convolação em divórcio poderá ser a data do
trânsito em julgado da decisão que julgou a separação judicial, ou a data da decisão que deferiu a
medida cautelar, que antecede geralmente - e por largo espaço de tempo - a primeira.

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Outros efeitos podem ser reconhecidos ao alvará de separação de corpos:


marca o fim do regime de bens que vigorava no matrimônio e afasta a presunção de paternidade
do marido com relação ao filho nascido na constância do casamento.
Vencida na ação de separação judicial, voltará a mulher a usar o nome de
solteira. Aplica-se, ainda, o disposto nesse artigo, quando é da mulher a iniciativa da separação
judicial com fundamento nos §§ 1º e 2º do art. 5º. Mas, se a ação vier a ser julgada improcedente,
não tendo havido pedido reconvencional, a mulher conservará o nome de casada, já que, com a
improcedência da ação, subsiste o statu quo ante.
Vencedora na ação de separação judicial, poderá a mulher renunciar, a
qualquer momento, ao direito de usar o nome do marido.
Adite-se, ainda, que, de acordo com o art. 1.123 CPC, “é lícito às partes, a
qualquer tempo, no curso da separação judicial, lhe requererem a conversão em separação
consensual; caso em que será observado o disposto no art. 1.121 e primeira parte do § 1º do
artigo antecedente”.
Por fim, desde que reconhecida a culpa da mulher, curial é que não tenha
direito a alimentos.
Nesse particular, a lei 6.515 dispôs, no art. 19, que o cônjuge responsável
pela separação prestará ao outro, que dela necessitar, a pensão que o juiz fixar. Admite-se,
portanto, que também ao homem seja concedida pensão alimentícia, quando dela necessitar e a
mulher tiver meios para atendê-lo. A igualdade entre os cônjuges na vigência da sociedade
conjugal reflete-se na separação do casal.
Além da separação judicial, fundada numa das causas vistas anteriormente,
permite ainda a lei que os cônjuges se separem consensualmente.
Prescreve efetivamente o art. 34 da lei 6.515, de 26/12/77, que a separação
consensual se fará pelo procedimento previsto nos arts. 1.120 a 1.124 do CPC, e as demais pelo
procedimento ordinário.
Essas formalidades devem ser rigorosamente observadas, sob pena de
nulidade.
Estabelece o art. 1.120 da lei adjetiva que o desquite por mútuo
consentimento (separação judicial) será requerido em petição assinada por ambos os cônjuges.
Mas o § 1º do art. 34 da lei 6.515 ajunta que a petição será também
assinada pelos advogados das partes ou pelo advogado escolhido de comum acordo.
Pelo § 3º, “se os cônjuges não puderem ou não souberem assinar, é lícito
que outrem o faça a rogo deles”. Trata-se de mera repetição no disposto no art. 1.120, § 1º, do
CPC. Tais assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão, obrigatoriamente,
reconhecidas por tabelião.
De conformidade com o § 2º do art. 34, “o juiz pode recusar a homologação
e não decretar a separação judicial, se comprovar que a convenção não preserva suficientemente
os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges”.
Assim, se o juiz verifica que o pai fica dispensado da obrigação de
contribuir para a manutenção dos filhos ou se um dos cônjuges não ser revela suficientemente
esclarecido sobre as condições avençadas no acordo, pode e deve negar-lhe a sua homologação.
Preceitua o art. 1.121 do CPC que a petição, instruída com a certidão de
casamento e o contrato antenupcial, se houver, conterá: I) a descrição dos bens do casal e a
respectiva partilha; II) o acordo relativo à guarda dos filhos menores; III) o valor da contribuição
para criar e educar os filhos; IV) a pensão alimentícia do marido à mulher, se esta não possuir
bens suficientes para se manter.

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Justifica-se certamente a exigência relativa à certidão de casamento, que se


destina a comprovar que os cônjuges estão casados efetivamente há mais de dois anos, como
previsto no art. 4º da lei 6.515, reduzidos para um ano pela CF88, art. 226, § 6º.
A seu turno, a juntada da convenção antenupcial tem por objetivo ministrar
a prova específica do regime matrimonial de bens, a ser observado no procedimento de separação.
No inciso I, sobredito art. 1.121 dispõe que a petição deve conter a
descrição dos bens do casal e a respectiva partilha.
A descrição dos bens é realmente imprescindível e deve compreender,
necessariamente, a especificação dos móveis e imóveis, com todas as suas características
essenciais, inclusive respectivo valor.
Da petição deve igualmente constar a respectiva partilha (se o regime de
bens a permitir). Entretanto, prevê o § único que “se os cônjuges não acordarem sobre a partilha
de bens, far-se-á esta, depois de homologado o desquite, na forma estabelecida neste livro, título
I, capítulo IX”.
A partilha pode destarte ficar para um segundo tempo, quando se sujeitará
então ao procedimento previsto para os inventários. No tocante à descrição dos bens, todavia, não
é possível qualquer transigência. Ela deve figurar, desde logo, na petição inicial.
Em face do nosso ordenamento jurídico, a partilha pode ser realizada de
modo desigual. Ela não está sujeita às regras dos art. 1.172 a 1.179 do CC. São os cônjuges
maiores e capazes e, portanto, impedidos não se acham de transigir.
Contudo, não será lícita a cláusula que preveja a continuação da comunhão
de bens, depois de dissolvida a sociedade conjugal. Igualmente, não se pode condescender com a
administração pelo marido da meação que for atribuída à mulher.
A petição de separação consensual deve conter ainda o acordo relativo à
guarda dos filhos menores.
Esse o ponto mais delicado no procedimento de separação consensual, em
que, muitas vezes, as intransigências se mostram irredutíveis. Mas, a separação consensual é um
verdadeiro contrato. Se realmente a desejarem, os cônjuges terão de acordar.
Os filhos menores poderão ficar sob a guarda do pai ou da mãe. Poderão até
ficar ora com um, ora com outro, como venha a ser combinado. Também não é incomum a
entrega aos avós e até mesmo a estranhos, prevendo a lei 8.069, de 13/07/90, em casos
excepcionais, sua entrega a família substituta.
Conquanto omissa a lei adjetiva, será prudente ajustar-se o regime de
visitas, inclusive de repartição das férias escolares e dias festivos. Uma regulamentação adequada
evitará, provavelmente, litígios futuros, a dano dos menores.
Na petição há de figurar igualmente o valor da contribuição para criar e
educar os filhos (CPC, art. 1.121, III).
A contribuição recai em ambos os genitores. Quando permanecerem com a
mãe, dever-se-á fixar o quantum com que concorrerá o pai para a mantença dos filhos; se
permanecerem com o pai, será desnecessária a fixação do montante, porque é obrigação precípua
dele prover a subsistência da prole. Mas se a mãe tiver atividade lucrativa, poderá ser fixada a
parte que lhe cabe para sustento dos filhos menores.
Não é possível condescender com a fixação de somas irrisórias, inseridas
no contexto pro forma. Nem é admissível estipulação genérica, como esta: o que for possível. De
mister é o estabelecimento de um quantum certo e determinado, se possível individual, isto é, um
para cada filho. De boa cautela, a previsão de correção monetária, a fim de coibirem futuras ações
revisionais (lei 6.515, art. 22).

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A contribuição, a que se refere o texto, pode abranger também - além de


provisão em dinheiro - a responsabilização do genitor pelas despesas de médico, hospital,
farmácia e dentista, assim como o custeio das depesas escolares (mensalidades, material escolar,
uniformes etc.).
Por fim, a petição mencionará a pensão alimentícia do marido à mulher, se
esta não possuir bens suficientes para se manter (CPC, art. 1.121, IV).
Contudo, a mulher pode abrir mão do direito a alimentos. A
irrenunciabilidade prevista no art. 404 do CC não alcança a mulher. Essa irrenunciabilidade só
atinge alimentos devidos em razão do jus sanguinis e mulher não é parente. Entretanto, por
intermédio da Súmula nº 379, o STF fixou o entendimento de que “no acordo de desquite não se
admite renúncia aos alimentos que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os
pressupostos legais”.
Conseguintemente, em face dessa Súmula, a mulher pode desistir de
alimentos; mas, se a posteriori deles vier a necessitar, poderá reclamá-los, desde que ocorram os
pressupostos legais, designados no art. 400 da lei civil.
Admite-se, no entanto, a exoneração do encargo em virtude do
comportamento da mulher, que, após a separação, manteve vida em comum com outros homens.
Se ela, utilizando-se da liberdade do novo estado, mantém proceder que afronte a implícita
condição de vida honesta, não terá, nem moral, nem juridicamente, direito de reclamar alimentos.
De modo idêntico, cancelar-se-á a pensão alimentícia, convencionada no processo de separação,
se a mulher passou a viver em concubinato com outro homem ou se casou novamente (lei
6.515/77, art. 29). Nas mesmas condições em que os alimentos são devidos à mulher, também
está ela obrigada a prestá-los ao marido, se deles necessitar.
A lei permite que os cônjuges silenciem a respeito das causas da separação;
mas, também não proíbe sejam elas mencionadas. Nem o juiz, nem o representante do Ministério
Público tem o direito de exigir aquela especificação.
Relativamente ao nome da mulher, a petição deverá esclarecer se ela
voltará a usar o nome de solteira, ou conservará o de casada. A opção por um terceiro nome não
existe em nosso direito.
Quanto ao procedimento, apresentada a petição ao juiz, este verificará se
ela preenche os requisitos exigidos nos dois artigos antecedentes; em seguida, ouvirá os cônjuges
sobre os motivos da separação, esclarecendo-lhes as consequências da manifestação de vontade
(CPC, art. 1.122).
Acrescenta o § 1º que “convencendo-se o juiz de que ambos, livremente e
sem hesitações, desejam a separação, mandará reduzir a termo as declarações e, depois de ouvir
o Ministério Público no prazo de cinco dias, a homologará; em caso contrário, marcar-lhes-á
dia e hora, com quinze a trinta dias de intervalo, para que voltem, a fim de ratificar o pedido”. E
remata o § 2º: “se qualquer dos cônjuges não comparecer à audiência designada ou não ratificar
o pedido, o juiz mandará autuar a petição e documentos e arquivar o processo”.
Satisfeitas as determinações legais, o juiz homologará o acordo, para que
produza seus jurídicos efeitos. Transitada em julgado, a decisão deverá ser averbada no Registro
Civil competente.
Se a partilha abranger bens imóveis, a sentença deverá ser transcrita no
registro imobiliário.
Se qualquer dos cônjuges deixar de comparecer, ou não ratificar o pedido, o
juiz procederá em consonância com o disposto no § 2º do art. 1.122. Feita a ratificação, o pedido

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é unilateralmente irretratável. Assim dispõe a Súmula nº 505: “acordo de desquite ratificado por
ambos os cônjuges não é retratável”.
O pedido de separação não ficará prejudicado se um dos cônjuges vem a
falecer antes de sua homologação pelo juiz.
Dispõe a lei 6.515, em seu art. 46: “seja qual for a causa da separação
judicial, e o modo como esta ser faça, é permitido aos cônjuges restabelecer a todo tempo a
sociedade conjugal, nos termos em que fora constituída, contanto que o façam mediante
requerimento nos autos da ação de separação”. Acrescenta o § único: “a reconciliação em nada
prejudicará os direitos de terceiros, adquiridos antes e durante a separação, seja qual for o
regime de bens”.
De conformidade com o art. 102 da lei 6.515, o ato de restabelecimento da
sociedade conjugal será também averbado no Registro Civil, com as mesmas indicações e efeitos.
Urge destacar que o regime de bens, não pode ser alterado pela
reconciliação.
Continuando, vamos agora falar sobre o divórcio.
A Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, deu nova redação
ao § 1º do art. 175 da CF, que ficou assim enunciado: “o casamento somente poderá ser
dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três
anos”.
O art. 2º da Emenda prescreveu mais que “a separação, de que trata o § 1º
do art. 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em juízo, e pelo prazo
de cinco anos, se for anterior à data desta Emenda”.
Com a superveniência dessa modificação constitucional, triunfou, em nosso
país, a campanha contra o princípio da indissolubilidade, consagrado em todas as constituições
anteriores.
O divórcio põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio
religioso (lei 6.515, art. 24). Relembre-se que, de conformidade com o art. 2º, nº IV, do mesmo
diploma legal, a sociedade conjugal termina pelo divórcio e segundo o § único, só pelo divórcio
ou pela morte de um dos cônjuges o casamento se dissolve. Num e noutro caso, é completa a
ruptura do vínculo. Aliás, a etimologia do vocábulo é bastante sugestiva. A palavra advém de
divortium, do verbo divertere, e que quer dizer separar.
Como na hipótese de simples separação judicial (art. 3º, § 1º), a legitimação
para agir, relativamente ao divórcio, cabe exclusivamente aos próprios cônjuges (art. 24, § único).
Só por exceção, nos casos de incapacidade, essa legitimação é estendida ao curador, ascendente
ou irmão.
Num primeiro tempo, como preparação ao divórcio, ter-se-á de pedir e
obter a separação, consensual ou judicial, pela forma já mencionada precedentemente.
Se essa separação, consensual ou judicial, se prolonga por mais de um ano,
contado da data da decisão, ou da que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º),
assistirá a qualquer dos cônjuges o direito de requerer sua conversão em divórcio.
Dispõe efetivamente o art. 25 da lei 6.515 que “a conversão em divórcio da
separação judicial dos cônjuges existente há mais de um ano, contado da data da decisão ou da
que concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), será decretada por sentença, da qual
não constará referência à causa que a determinou” (redação dada pela lei 8.408, de 13/2/92).
A lei 7.841, de 17 de outubro de 1989, modificou o art. 36, I, da lei 6.515,
reduzindo para um ano apenas, como determinado pelo art. 226, § 6º, da nova constituição do
país.

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O pedido será apensado aos autos da separação judicial (art. 48).


Entretanto, de acordo com o art. 47 “se os autos do desquite ou os da separação tiverem sido
extraviados, ou se encontrarem em outra circunscrição judiciária, o pedido de conversão em
divórcio será instruído com a certidão da sentença, ou da sua averbação no assento de
casamento”. Em consonância com o estatuído no art. 48, “aplica-se o disposto no artigo anterior,
quando a mulher desquitada tiver domicílio diverso daquele em que se julgou o desquite”.
Edita o art. 26, em seguida, que “no caso de divórcio resultante de
separação prevista nos §§ 1º e 2º do art. 5º, o cônjuge que teve a iniciativa da separação
continuará com o dever de assistência ao outro” (CC, art. 231, III).
O art. 231, III, CC, refere-se especificamente ao dever de mútua assistência,
que significa mútua prestação de socorro, material e moral, contraído pelo casamento.
Em tais condições, nas hipóteses de ruptura da vida em comum há mais de
um ano ininterrupto (§ 1º) e de grave doença mental, adquirida depois do casamento e reputada de
cura improvável (§ 2º), o cônjuge que promover a conversão da separação em divórcio continuará
com o encargo de assistir ao outro. A conversão, uma vez obtida, não o liberará da obrigação. Só
sob essa condição poderá prosperar o pedido.
Por outro lado, “o divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais
em relação aos filhos”.
Pelo art. 28 da lei 6.515, “os alimentos devidos pelos pais e fixados na
sentença de separação poderão ser alterados a qualquer tempo”. Trata-se de mera aplicação do
art. 401 CC, segundo o qual “se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na fortuna de quem os
supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar do juíz, conforme as
circunstâncias, exoneração, redução ou agravação do encargo”.
A alteração será demandada por intermédio de ação revisional nas suas
várias modalidades (majoração, redução e exoneração).
Referentemente aos alimentos devidos ao cônjuge, dispõe o art. 29 da lei
6.515 que “o novo casamento do cônjuge credor da pensão extinguirá a obrigação do cônjuge
devedor”. Não seria razoável, efetivamente, se continuasse a pensionar o cônjuge credor, que
convolou a novas núpcias.
Com relação ao cônjuge devedor, se vier a casar-se de novo, nenhuma
alteração ocorrerá quanto ao encargo alimentar, que não se modificará.
Não se decretará o divórcio se ainda não houver sentença definitiva de
separação judicial, ou se esta não tiver decidido sobre a partilha dos bens.
A lei, portanto, da sentença definitiva de separação judicial uma condição
da ação de divórcio. Só essa sentença rende ensejo à conversão da separação judicial em divórcio.
Idêntica a situação no caso em que tal decisão não tenha decidido sobre a
partilha dos bens. Se a partilha ainda não ficou definitivamente decidida, não há lugar para o
divórcio. Só depois de atendida a determinação legal, em qualquer de suas alternativas, se poderá
cogitar da convolação.
Se os cônjuges divorciados quiserem restabelecer a união conjugal só
poderão fazê-lo mediante novo casamento.
Sobre o divórcio direto, não precedido de separação judicial, a lei 7.841, de
17 de outubro de 1989, introduziu importantes modificações. Efetivamente, o art. 40 da lei
6.515/77 passou a vigorar com a redação seguinte: “No caso de separação de fato, e desde que
completados dois anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser
comprovado decurso do tempo da separação”.

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Como se vê, importantes foram as inovações, na lei anterior.


Primeiramente, foi reduzido o prazo da separação de fato de cinco para dois anos apenas, como
previra a CF88, art. 226, § 6º. Em segundo lugar, o legislador não mais se preocupa com a
ocasião em que decorreu a separação. Iniciada antes ou depois de 28 de junho de 1977, com o
decurso do prazo caberá a ação de divórcio direto. Em terceiro lugar, finalmente, deixa de
interessar a causa da separação, cuja prova o autor, ou a autora, obrigado estava anteriormente a
produzir.
Duas são, portanto, as hipóteses possíveis de divórcio: a consensual e a
litigiosa.
No divórcio consensual, o procedimento adotado será o previsto nos arts.
1.120 a 1.124 CPC, observadas, ainda, as seguintes normas: I) a petição conterá a indicação dos
meios probatórios da separação de fato, e será instruída com a prova documental já existente; II) a
petição fixará o valor da pensão do cônjuge que dela necessitar para sua manutenção, e indicará
as garantias para o cumprimento da obrigação assumida; III) se houver prova testemunhal, ela
será traduzida na audiência de retificação do pedido de divórcio a qual será obrigatoriamente
realizada; IV) a partilha dos bens deverá ser homologada pela sentença de divórcio.
Na forma litigiosa, adotar-se-á o procedimento ordinário (§ 3º), competindo
ao autor a prova de que reúne os três requisitos seguintes: a) existência da separação de fato; b) o
decurso da separação por dois anos consecutivos; c) a causa da separação.
O § 1º do art. 40, que se reportava às causas previstas nos arts. 4º e 5º e
seus §§, hoje expressamente revogado pela lei 7.841, de 17 de outubro de 1989 (ruptura da vida
em comum, além de doença mental, manifestada após o casamento, com duração de cinco anos),
não mais subsiste. De modo que, atualmente, bastará a comprovação de que o casal de fato está
separado há mais de dois anos e a ação de divórcio se justificará.
Segundo determinação do art. 43, “se, na sentença de desquite, não tiver
sido homologada ou decidida a partilha dos bens, ou quando esta não tenha sido feita
posteriormente, a decisão de conversão disporá sobre ela”.
Contar-se-á o prazo de separação judicial a partir da data em que, por
decisão judicial proferida em qualquer processo, mesmo nos de jurisdição voluntária, for
determinada ou presumida a separação dos cônjuges.
Ajunte-se que a mulher tem foro privilegiado para a ação de separação do
cônjuge e conversão desta em divórcio (CPC, art. 100, modificado pelo art. 52 da lei 6.515),
correndo em segredo de justiça tais procedimentos (CPC, art. 155, II).
Outrossim, o parágrafo único, nºs I, II e III, do art. 25, da lei 6.515/77, com
a redação alterada pela lei 8.408, de 13 de fevereiro de 1992, ao dispor sobre a conversão em
divórcio da separação judicial, determina que a mulher retome o nome que tinha antes do
casamento, podendo conservar o nome de casada nas seguintes hipóteses: a) se a alteração
acarretar evidente prejuízo para sua identificação; b) se houver manifesta distinção entre o seu
nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; c) em caso de dano grave reconhecido
em decisão judicial.
Depois de abordarmos a separação e o divórcio judiciais e também os
consensuais, estamos chegando ao final deste ponto, faltando apenas algumas pinceladas sobre a
proteção dos filhos.
No caso de separação consensual, basicamente fundamentada no acordo de
vontades, observar-se-á que os cônjuges houverem convencionado. Assim dispunha o art. 325 CC
e assim torna a repetir o art. 9º da lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977: “no caso de dissolução

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da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os
cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos”.
Se judicial a separação (lei 6.515, art. 5º), cabe ao juiz, na sentença em que
a pronuncie, prover acerca dessa mesma guarda.
Outrora, vigoravam duas regras consubstanciadas no antigo texto do art.
326 e seus §§ do CC: a) se a sentença, que decretasse o desquite, concluísse pela culpabilidade de
um dos cônjuges somente, os filhos menores deveriam ser entregues ao inocente; b) se ambos
fossem havidos como culpados a mãe teria direito de conservar as filhas em sua companhia,
enquanto menores, e os filhos varões até a idade de seis anos. Depois disso, passariam estes
últimos a guarda do pai.
A primeira regra, praticamente, não sofreu alteração com a superveniência
da lei 4.121, de 27 de agosto de 1962: sendo judicial o desquite, ficariam os filhos menores com o
cônjuge inocente.
Mas, no tocante à segunda, a modificação mostrou-se substancial: se ambos
os cônjuges fossem culpados, ficariam com a mãe os filhos menores, independentemente da
consideração do sexo deles, salvo se o juiz verificasse que, de tal solução, pudesse advir, para
eles, prejuízo de ordem moral.
A lei 6.515/77 manteve semelhante orientação. Edita o art. 10 que “na
separação judicial fundada no caput do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a
ela não houver dado causa”.
Acrescenta o § 1º que “se pela separação forem responsávis ambos os
cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução
possa advir prejuízo de ordem moral para eles”.
Estabelece mais o § 2º da lei 6.515: “verificado que não devem os filhos
permenecer em poder da mãe e nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente
idônea da família de qualquer dos cônjuges” ainda que não mantenha relações sociais com o
outro a quem entretanto será assegurado o direito de visita.
Quando a separação judicial ocorrer com fundamento no § 1º do art. 5º, os
filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia estavam durante o tempo da ruptura da
vida em comum.
Na separação judicial fundada no § 2º do art. 5º, o juiz deferirá a entrega
dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de
sua guarda e educação.
Entretanto, a própria lei prevê situações anormais e que reclamam
determinações diferentes. Dispõe realmente a lei 6.515, no art. 13, em consonância, aliás, com o
que editava o CC, no art. 327: “se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem
dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles
com os pais”.
Quer dizer: tanto nos casos de separação consensual, em que haja acordo
sobre a guarda dos filhos, como nos de separação judicial, assiste ao juiz a faculdade de apartar-se
do ajuste ou do editado nos art. 10 a 12 da lei 6.515, para, a bem dos filhos, prover como lhe
pareça mais prudente ou acertado.
Procuremos concretizar para melhor compreensão do assunto. Principiemos
pela separação consensual, imaginando situação em que os cônjuges, de comum acordo, atribuem
à mulher o direito de guarda. Entretanto, depois de dissolvida a sociedade conjugal, adota ela teor
de vida incompatível com a honestidade, vindo a tornar-se, de tal arte, um perigo para a formação
moral dos filhos menores, de cuja guarda se acha encarregada. Evidente que, nesse caso, o

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Direito Civil

interesse destes está a exigir que, sem delongas, se desloque o direito de guarda da mãe desonesta
para o pai, que venha procedendo de modo correto. As lágrimas dos primeiros tempos secarão e
assim recomposta a situação, assegurada estará a proteção aos menores, desejada pela lei civil.
Vejamos agora hipótese inversa. O filho menor é entregue ao pai, ao qual,
entretanto, a posteriori, se faz notar pela sua desordem moral. Pode o juiz, nessa emergência, a
requerimento da mãe, malgrado o acordo feito na separação, arrebatar ao primeiro o direito de
guarda para atribuí-lo a segunda e até mesmo a terceira pessoa, parente ou não.
Figure-se ainda uma terceira hipótese. De comum acordo, o filho vem a ser
entregue aos cuidados de terceiro, que se desincumbe a contento do encargo, prestando ao menor
toda assistência moral e material. Nessa situação, lícito não será a qualquer dos cônjuges postular
para si a entrega do filho, se não há mudança nas circunstâncias contemporâneas à separação.
Quem recebe criança para criar, conservando-a em sua companhia por muito tempo, adquire uma
espécie de direito de tê-la sob sua guarda, independentemente da suspensão ou da destituição do
pátrio poder. Esse o pensamento expresso no art. 33 da lei 8.069, de 13 de junho de 1990,
segundo o qual a guarda obriga à prestação de assistência moral, material e educacional ao menor,
conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
Vimos, até agora, as hipóteses mais frequentes nos procedimentos de
separação consensual. Examinemos em seguida, os casos mais comuns na prática das separações
judiciais.
Por exemplo, o juiz acolhe o pedido de separação formulado pelo marido,
reconhecendo a culpa da mulher. Como corolário, deve ordenar a entrega ao primeiro do filho
menor, por ser o cônjuge inocente. Verifica, porém, que esse filho é de tenra idade, tem saúde
frágil, ou se acha no período de amamentação. Em qualquer dessas hipóteses, no interesse do
infante, assiste-lhe a faculdade de diferir a entrega para ocasião mais oportuna.
Em complemento ao assunto ora tratado, cabe ainda acrescentar que
também no caso de anulação de casamento, havendo filho comum, se observará o disposto nos
arts. 10 a 13 da lei 6.515 (art. 14), esclarecendo o § único que “ainda que nenhum dos cônjuges
esteja de boa fé ao contrair o casamento, seus efeitos civis aproveitarão aos filhos comuns”.
Pelo art. 329 do CC, “a mãe, que contrai novas núpcias, não perde o
direito a ter consigo os filhos, que só lhe poderão ser retirados, mandando o juiz, provado que
ela, ou o padrasto, não os trata convenientemente”.
Confiado o filho menor a um dos cônjuges, assiste ao outro o direito de
visitá-lo. Realmente, dispõe o art. 15 da lei 6.515: “os pais, em cuja guarda não estejam os filhos,
poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua
manutenção e educação”.
Esse direito não pode ser recusado por maiores que sejam as culpas do
genitor. ainda que se trate de mãe adúltera, por exemplo, sagrado o direito dela se encontrar com
os filhos. Outrossim, dificuldades financeiras ou econômicas do genitor não constituem motivo
para impedi-lo de visitar o filho. Ainda que não pague prestação alimentícia a que está obrigado,
disso não há repercussão no direito de visita.
Tal direito poderá ser eventualmente suprimido se se comprovar que o
cônjuge vem exercendo nociva influência no espírito dos filhos. Nesse caso, a bem do menor, ou
de sua formação, assiste ao juiz o direito de reduzir ao mínimo o número de visitas e até suprimi-
lo, se julgar imprescindível tão extrema providência.
De conformidade com o art. 16 da lei 6.515, “as disposições relativa à
guarda e à prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos filhos maiores inválidos”.

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5. Concubinato

A sociedade brasileira vem sofrendo intensas e contínuas mudanças no


contexto social e a CF88, sensível a isto, deu legitimidade familiar a um modo de vida que por
muito tempo recebeu tratamento dispersivo e incerto, embora nem sempre condenatório: as
uniões livres estáveis, ou uniões concubinárias, a partir das quais se constituem famílias sem
casamento.
O art. 226 da CF88 elevou a união estável à categoria de entidade familiar.
Em seu § 3º, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e
a mulher como entidade familiar”.
O legislador, sempre com caráter protetivo, embora pressuponha como
objeto a família surgida a partir do casamento, não pode mais ser compreendida com tal restrição.
Não mais é possível imaginar o direito de família restringindo-se a tratar de um único tipo de
família, aquela originada do casamento.
Mesmo após o advento da CF88 houve quem defendesse que as uniões
estáveis geravam tão só efeitos previdenciários e obrigacionais, mas não familiares. A tese é, em
tudo e por tudo, insustentável. Não é a lei que define uma entidade familiar, mas sim a íntima e
duradoura vinculação física, afetiva e material entre seus integrantes.
As leis 8.971/94 e 9.278/96 procuram definir o que se deve entender por
união estável para efeito de entidade familiar. Mesmo diante de uma legislação própria e
autônoma regulando as uniões livres, a aplicação analógica dos princípios do casamento é
preponderante. Tal se dá porque seria de duvidosa equidade normatizar, de forma completamente
diferente, relações familiares que, como já se disse, são intrinsecamente iguais em aspectos
afetivos e psicológicos. É a evidência definitiva de que as uniões livres passaram a fazer parte do
direito de família.
As leis 8.971/94 e 9.278/96 vieram para consolidar o caráter das uniões
estáveis como verdadeiro instituto jurídico, integrante do direito de família ao lado do casamento.
O surgimento de tais diplomas, notadamente do último, com certeza propiciará grandes
discussões e divergências. Em campo tão sensível para a vida humana como é a família, é fácil
antever a repercussão destas disposições. Imprescindível, portanto, caracterizar bem tais entidades
familiares, a luz do direito vigente.
Em geral os termos união livre e concubinato podem ser usados como
sinônimos, referindo-se ambos a relações íntimas de um homem e uma mulher, sem haver
casamento. A adequada compreensão das uniões livres como entidades familiares exige o exame
atento de suas características.
O art. 226, § 3º, da CF88 dispõe que “para efeito da proteção do Estado, é
reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”. O art. 1º da lei 9.278, por sua vez, complementa “é
reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem
e de uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família”.
Comparando-se ambos os dispositivos extraem-se os seguintes elementos
essenciais: a dualidade de sexos, o conteúdo mínimo da relação, a estabilidade e a publicidade.
Em primeiro lugar, não se pode concluir de forma absoluta, com base nos
artigos mencionados, que as uniões estáveis ali albergadas sejam somente aquelas formadas por
pessoas desimpedidas de casar. Mesmo a lei 8.971/94, ao restringir a possibilidade de alimentos a
casos onde o parceiro devedor deveria ser solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo,

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não permitia esta conclusão, pois o separado judicialmente não está em condições de casar. De
notar que esta restrição não mais subsiste. A restrição foi revogada pela lei 9.278/96, que define a
entidade familiar, e possibilita os alimentos entre os conviventes, sem qualquer menção ao estado
civil dos mesmos.
Procura-se, com a caracterização das uniões livres, definir em que
circunstâncias elas configuram entidades familiares. Estão excluídas, portanto, em princípio e
terminantemente, as relações flagrantemente adulterinas. Além do aspecto moral e lógico de que
o estado não poderia proteger a relação de um cônjuge com terceiro, em adultério, porque estaria
acobertando infração ao dever conjugal da fidelidade; há o aspecto de ser inviável o cônjuge
adúltero, além de sua família constituída pelo casamento, formar outra, paralelamente,
relacionando-se com esposa e concubina, concomitantemente (ou, ao contrário, relacionando-se
com marido e concubino) e até, quem sabe, sobrevirem filhos de ambas (ou ambos). É inviável no
sentido de ser juricamente inaceitável. Quando ocorrer tal situação, na prática, o mais correto é
indicar que o adúltero continua integrando tão só a família constituída pelo matrimônio.
Nesta ótica, o casamento sempre deve prevalecer sobre as relações
concubinárias adulterinas. Se é o varão o cônjuge adúltero e tem, fora do casamento, com a
concubina, um filho, pode-se somente considerar, como uma entidade familiar à parte, a
concubina e seu filho, nos termos do art. 226, § 4º, da CF88, excluído o pai. Se a situação é
inversa, e o concubino da mulher casada com outro, for o pai do filho que ela venha a ter, o
problema é um pouco mais complexo. O concubino obviamente não se insere em nenhum
contexto familiar, neste âmbito. Não forma com a mulher adúltera uma entidade familiar porque
esta integra, como esposa, a família constituída pelo casamento, com seu marido. Este marido, em
função da presunção pater is est, é considerado pela lei o pai daquele filho, condição que só pode
ser desconstituída mediante a ação negatória prevista no art. 344 do CC. Todas estas
considerações demonstram que o concubinato adulterino é questão que merece outro tratamento,
não se confundindo com as uniões livres estáveis aptas a gerarem entidades familiares, nos
termos do art. 226, § 3º, da CF88.
Configurada a família informal pela união estável, surge a pretensão
alimentar. A necessidade de cobrança judicial de alimentos, é indicativo de que não há mais
convivência atual, mas parte do pressuposto de que a convivência houve.
Feitas estas observações, passa-se ao exame dos elementos essenciais
segundo a classificação aqui adotada: a dualidade de sexos, o conteúdo mínimo da relação, a
estabilidade, a publicidade e, por último, as características secundárias.
O primeiro elemento essencial para caracterização de um ente familiar
informal, decorrente de uma união livre estável, é a dualidade de sexos; a saber, a relação íntima
de um homem e de uma mulher (com exclusão das relações homossexuais e de quaisquer outros
sexos que a ficção ou a mídia consigam perceber ).
Sobre o conteúdo mínimo da relação, do conceito posto pelo art. 1º da lei
9.278/96, na parte que ora interessa, deve-se destacar a convivência de um homem e de uma
mulher entre si, estabelecida com objetivo de constituição de família. O art. 2º, por sua vez, ao
estabelecer o respeito e a consideração mútuos, e ainda a assistência moral e material recíproca
como direitos e deveres iguais dos conviventes, oferece mais um critério para definir este
conteúdo mínimo da relação. Para fins meramente metodológicos, divide-se a matéria em três
linhas de argumentação: a) o elemento subjetivo; b) o objetivo de constituir família; c) a
assistência material.
No elemento subjetivo concentram-se aspectos como o respeito e a
consideração, a assistência moral e a convivência. Neles há sempre um substrato comum que o

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afeto, o amor, o vínculo psicológico e emocional ente o homem e a mulher. Respeito e


consideração mútuos são regras morais antes que jurídicas. São requisitos intrínsecos de qualquer
convivência, mesmo que a lei não o dissesse, e são consequência lógica do envolvimento afetivo
entre os parceiros.
Quanto ao objetivo de constituir família, ergue-se sobre o requisito da
dualidade de sexos. A união é de um homem e de uma mulher porque, em face de filhos, ele
assumirá o papel de pai e ela o de mãe. Cabe salientar: os filhos não são obrigatórios para
caracterizar família; como já foi dito, tanto a família formal quanto a informal podem constituir-
se antes da filiação e independentemente dela.
As uniões livres têm a peculiaridade de que podem ser desfeitas antes
mesmo de produzirem qualquer efeito jurídico, antes mesmo de se cogitar de entidade familiar.
Informalmente como surgiram, podem se desfazer.
Avaliando toda a complexidade do relacionamento humano, principalmente
a união séria e íntima de um homem e uma mulher como entidade familiar, é fácil de ver que
assistência material é o aspecto mais simples e, mesmo, acessório. Não que seja de pouca
importância, mas a subsistência da união livre depende, intrínseca e fundamentalmente, de outros
fatores que não o material ou econômico.
A assistência material serve como fundamento ao pedido de alimentos, em
caso de necessidade. O pressuposto da pretensão judicial a alimentos entre os parceiros é que
tenha existido união estável, tenha existido família informal e, neste contexto, também alguma
assistência material tenha sido prestada.
Se um dos parceiros recorre ao Poder Judiciário para pleitear assistência
material, é sinal de que ela voluntariamente cessou e, junto com ela, a convivência. Necessário
provar, então, que união estável houve, e que há necessidade de alimentos.
Quando a lei 9.278 refere-se á assistência material como direito e dever
recíproco dos parceiros, quer dizer: aquele que tem condições econômicas, o homem ou a mulher,
pode ser compelido a pagar ao outro, a mulher ou o homem, alimentos se estes forem necessários.
A assistência material como elemento constitutivo da união estável é diferente; ela sempre existe.
Tanto faz que nenhum dos dois precise, um da ajuda econômica do outro, ou que um seja
totalmente dependente, a nível econômico, do outro. Não se cuida, aqui, de dependência
econômica. É indiferente se a assistência material é unilateral, só de um em benefício do outro.
Ela é característica da união. Se diz que sempre existe porque, por mais independente
financeiramente que seja cada um dos parceiros, qualquer comunhão de vida gera sempre uma
afetação econômica entre eles.
Com estas considerações abordou-se o segundo elemento essencial para a
caracterização da união livre como entidade familiar - o conteúdo mínimo da relação.
Continuando, agora é a estabilidade. União livre, para ser entidade familiar,
deve ser estável, isto é, prolongar-se por certo tempo. Tal qualidade deve ser considerada
imprescindível na formação das chamadas famílias informais, por duas razões distintas. A
primeira é a previsão literal da CF88 que, coerentemente, condiciona a equiparação de uniões
livres a entidades familiares ao preenchimento do requisito da estabilidade ou durabilidade. A
segunda razão advém de uma constatação bastante lógica, extraída da observação das relações
humanas. A subsistência de uma relação íntima ente um homem e uma mulher, com o passar do
tempo, cristaliza até presuntivamente uma noção de seriedade, de solidez. A duração de tal
relação por si propiciam o reconhecimento mais profundo dos parceiros. Relação estável é aquela
que subsistiu aos arroubos da paixão, ultrapassando fronteiras de simples namoro inconsequente
ou de satisfação puramente sexual.

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Direito Civil

A intenção do legislador e da doutrina, ao erigir a estabilidade como


característica fundamental das uniões livres foi, em primeira linha, afastar da idéia de família
informal as relações sexuais avulsas, descompromissadas, tornadas, aliás, tão comuns na
sociedade de hoje pelo culto ao individualismo e pela liberalização dos costumes. Há o requisito
de continuidade, não a convivência passageira. A lei prevê o prazo de cinco anos como condição
de duração para reconhecer alguns efeitos às relações concubinárias. A jurisprudência, em muitas
decisões, vem reconhecendo prazos até menores para caracterização da estabilidade. Qualquer
prazo mínimo porém, não deve ser imposto em termos absolutos. Necessário se faz a análise de
cada caso concreto: as circunstâncias econômicas e sociais, a idade dos parceiros, a existência de
filhos provenientes da união, etc, são fatores que influenciam para a configuração da
durabilidade.
A lei 9.278/96, em seu art. 1º , fala em convivência duradoura e contínua.
Não há diferença relevante entre estável e duradouro, mas a expressão contínua sugere algumas
observações: no contexto das uniões livres, o conteúdo legal de ser contínuo deve receber
interpretação maleável. Nem sempre pode ser compreendido como sem interrupções. A viagem a
negócios ou para estudos, a briga e a reconciliação subsequente, não afetam a continuidade da
relação entre os parceiros; óbvio que podem significar intervalos na convivência física, mas não
ruptura. É diferente.
A publicidade é mais uma característica do concubinato. Há quem prefira ,
para designar a mesma coisa, o termo notoriedade. Pretende-se significar, com esse elemento, que
a relação entre o homem e a mulher não deve ser sigilosa, secreta.
Publicidade de união livre não se confunde com vida em comum, more
uxório, que é característica secundária; nem com a publicidade do casamento. Não importa que o
círculo de parentes, amigos e vizinhos, saiba que os parceiros não são casados; importa que
saibam que há, ou houve, comunhão de vida estável entre eles. Publicidade, aqui, é conhecimento
da união por outras pessoas, não é necessariamente aparência de casamento. Publicidade do
casamento é diferente, é presumida e surge a priori na celebração do casamento e com o registro.
A notoriedade que se pretende caracterizar na união livre é gradativa, e só se estabelece com a
continuidade da relação.
O requisito da publicidade aponta para a importância da prova testemunhal.
A nível judicial, um dos parceiros alega que conviveu e se dispõe à prova, para obter um produto
jurídico da relação. Se o outro contesta, mas não põe em dúvida a existência da união, a
convivência em si não se discute. O evento se subordina ao princípio elementar da prova.
Publicidade só se aprecia se o vínculo do homem e da mulher é impugnado.
Os chamados elementos essenciais exigem manifestação, ou pelo menos
cogitação, de quem aplica a lei. Dualidade de sexos e estabilidade são critérios objetivos; ou
existem por inteiro, ou não existem. O conteúdo mínimo da relação e a publicidade dão espaço a
maior discricionariedade, mas sempre se apresentam com certa feição e em certo grau.
Características secundárias, ao contrário, nem sempre existem; são por si insuficientes - na falta
das outras - para definir a união livre estável.
Elegeram-se, aqui, três destes elementos acessórios: a) a convivência more
uxório - a aparência de casamento, incluindo a questão da residência comum e da fidelidade; b) a
dependência econômica e; c) a existência de filhos. Com certeza existem outros, mas que são
peculiares a cada caso concreto.
A convivência more uxório - a aparência de casamento, prescreve sob o
aspecto da convivência sob o mesmo teto, a residência comum. A fidelidade é característica das

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Direito Civil

uniões livres estáveis, no sentido de que as relações íntimas entre o homem e a mulher tenham
um caráter de exclusividade para ambos.
A dependência econômica é elemento que só circunstancialmente se
encontra nas uniões livres. É comum, ainda, em sociedades como a brasileira e, mesmo aí, mais
nas regiões rurais e nas pequenas cidades do que nos grandes centros. Esta característica leva em
conta uma estrutura familiar mais tradicional, na qual o homem é o provedor - o que traz os meios
econômicos para manutenção da família, e à mulher se atribuem as funções domésticas. É
evidente que tal divisão de obrigações não se adapta mais à moderna concepção de família.
Mesmo no casamento, começa-se a dar mais ênfase às potencialidades econômicas da mulher,
fruto, de certa forma, dos movimentos emancipatórios, do ingresso no mercado de trabalho e da
igualdade jurídica garantida expressamente na CF88, no âmbito da sociedade conjugal. A
independência da mulher passa, cada vez mais, a ser a regra e não a exceção.
Não se deve confundir, ainda, a dependência econômica com simples
auxílio ou assistência financeira. Se os rendimentos econômicos de cada um dos parceiros são
desiguais, nada mais lógico e comum que, aquele com condições melhores, auxilie
financeiramente o outro.
Conforme já se expôs anteriormente, a propósito do conteúdo mínimo do
concubinato, a família informal decorrente de uma relação estável configura-se
independentemente da existência de filhos. Mas, mesmo assim, um dos pilares sobre o qual
repousa a noção de família continua sendo a idéia de procriação, de perpetuação da espécie pela
descendência, quase instintiva no ser humano.
Cabe agora estudar os efeitos pessoais destas relações.
Sociedade de fato não se confunde com regime de bens. Regime de bens
regula para o futuro, com o casamento; sociedade de fato se constata porque existe ou já existiu,
entre quaisquer pessoas. Interessa, aqui, a existente entre parceiros de uma união livre estável.
Sociedade de fato não pressupõe relacionamento prolongado, não presupõe estabilidade; pode
existir entre os parceiros antes de se falar em entidade familiar, e independentemente dela. Sem
família, a sociedade de fato é questão de direito obrigacional. Esta, não interessa aqui.
Mesmo após a lei 9.278/96, não há regime de bens na união estável. O art.
5º da lei consagra uma presunção relativa de condomínio. Na prática, os efeitos são similares
àqueles de uma comunhão parcial. Ainda quando previamente as partes contratam por escrito
suas relações econômicas, restringindo ou ampliando a noção de sociedade, não fixam um regime
de bens.
Na união livre estável, quando o homem e a mulher juntam esforços,
dinheiro ou trabalho, para a aquisição de um bem, já caracterizam sociedade de fato. Se ambos se
tornam titulares deste bem, o condomínio é o resultado da sociedade de fato havida. Mas se
somente um deles se torna titular do bem, sociedade de fato continuou existindo, só que o efeito
jurídico, condomínio, não foi alcançado. O art. 5º da lei 9.278/96, inspirou-se nesta situação para
presumir este efeito, mas não o fez em termos absolutos.
O art. 5º da lei 9.278/96 está assim redigido: “Os bens móveis e imóveis
adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título
oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a
ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. § 1º:
Cessa a presunção do caput deste artigo se a aquisição patrimonial ocorrer com o produto de
bens adquiridos anteriormente ao início da união. § 2º: A administração do patrimônio comum
dos conviventes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito”.

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Direito Civil

Há, primeiramente, uma redundância ao se dispor que bem adquirido por


ambos os conviventes passa a pertencer a ambos... O artigo, como já se afirmou, consagra uma
presunção relativa de condomínio; portanto, bem adquirido por qualquer um dos conviventes, nas
condições aí elencadas, passa a pertencer a ambos. Bem adquirido por ambos já é condomínio,
não precisa a lei presumir.
A pretensão patrimonial fundada na presunção, surge com a ruptura, por
morte ou desentendimento. O efeito da presunção se vê no rompimento da união. Nesta ocasião,
confirmada a união ser estável, se analisará o termo inicial e final da relação. Dentro deste
parâmetro de tempo é que se há de avaliar se, atendidos os requisitos da lei, existem bens
comuns.
A união estável referida no art 5º da lei 9.278/96 é aquela definida no art.
1º. É irrelevante a dependência econômica entre os parceiros ou, sendo ambos economicamente
independentes, se um contribui mais do que o outro. Não se cuida, aqui, de assistência, nem de
averiguar necessidade. Presumir condomínio implica descartar prova da colaboração para a
aquisição patrimonial. Importa é haver ou ter havido família.
E não o dispositivo que tais bens são considerados em condomínio, salvo
prova em contrário. A presunção é relativa não porque admita prova em contrário, ou inverta o
ônus da prova. É relativa porque não se refere a todos os bens dos parceiros, e porque pode ser
afastada por contrato escrito.
Não é imprescindível que este contrato seja prévio. A qualquer momento na
constância da relação, os parceiros podem contratar para afastar a presunção de condomínio.
Além de ser prévio ou superveniente, o contrato pode ser parcial ou total.
Não são todos os bens móveis ou imóveis adquiridos por um dos parceiros, durante a união, que o
art. 5º presume pertencerem a ambos. A lei exclui aqueles adquiridos a título gratuito, como são
os casos típicos da doação e da herança.
Como se viu, a configuração do concubinato não pressupõe a existência de
sociedade de fato ou condomínio entre eles. Pode ser que contratem, nos termos do art. 5º, parte
final, da lei 9.278/96, excluindo a comunhão patrimonial; pode ser que os bens existentes sejam
do tipo que a lei já exclui; pode ser, ainda, que não haja patrimônio significativo.
Sociedade de fato entre convivientes ou o condomínio presumido pela lei,
nada tem a ver com assistência material. Despesas para manter a convivência, aquisição de bens
consumíveis, e mesmo de bens duráveis de pequeno valor, ou que sejam de uso estritamente
pessoal, como roupas e jóias; explicam-se mal pela solução do condomínio. Estes gastos
representam, muito mais, a assistência material entre os parceiros durante a convivência; e já se
qualificavam assim antes que a lei dispusesse sobre assistência como direito e dever recíproco
entre eles. Às vezes, ainda, estas despesas assumem o caráter de doação entre os parceiros. A jóia
com que se presenteia a mulher, durante a convivência, é para ela aquisição a título gratuito, não
está abrangida pela presunção de condomínio. É ato de liberalidade do companheiro. Em algumas
situações, esta conclusão assume proporções maiores. Imagine-se um veículo, por exemplo. Uma
coisa é dar o carro de presente ao parceiro, outra coisa é adquirí-lo para maior conforto da
entidade familiar. A questão, aí, é de prova.
Esta concepção de assistência material voluntariamente prestada e
recíproca entre os parceiros, durante a convivência, traduz-se nos alimentos entre eles quando do
rompimento, por desacordo, e até em certa medida após a morte.
Vale lembrar que a lei 8.971/94 continua oferecendo uma diretriz
importante: a existência de filhos é sintoma veemente de estabilidade. Há dois princípios em
jogo: o do prazo hábil para o exercício dos direitos, e o da consolidação das relações no tempo.

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Direito Civil

A necessidade que fundamenta os alimentos entre ex-parceiros, nesta parte,


é diferente daquela que existe entre ex-cônjuges, separados judicialmente; aí, o dever de
assistência subsiste; lá, na união estável, alimentos substituem a assistência que se extinguiu,
como dever, juntamente com a convivência. A necessidade, na união estável rompida, está
impregnada com a noção de atualidade ou iminência. Se, na dissolução, não se quis alimentos
porque houve partilha, a necessidade superveniente pode não ser justificável. Quanto mais passa
o tempo, menos justificável é a necessidade alegada contra o antigo parceiro; daí a vantagem da
regularização. Veja-se, apenas, que o prazo de cinco anos previsto no art. 178, § 10, I, CC, é para
cobrança de prestações vencidas e não da pretensão. É outra coisa.
Alimentos entre ex-parceiros podem ser fixados por prazo indeterminado,
por prazo certo ou por período extremamente curto. Com o rompimento da união, rompem-se
também os deveres; daí se dizer que, a rigor, os alimentos substituem a assistência material, não
são manifestação dela. Os alimentos evitam o desequilíbrio econômico entre as partes (não a
desigualdade, que pode ser uma contingência da vida).
Uma última observação a propósito dos alimentos: o ex-cônjuge, separado
de fato ou judicialmente, que recebe alimentos do outro ex-cônjuge; quando este credor constitui
com terceiro uma união livre estável, perde o direito aos alimentos ainda decorrentes do
casamento; e os perde porque, se a relação tem evidências de estabilidade, a assistência material é
prestada, ou deve ser procurada, do novo parceiro, ainda que a isto ele não estivesse obrigado por
lei.
Como já se afirmou, os alimentos, embora sejam efeito nitidamente
assistencial da união estável entre os parceiros, podem às vezes assumir um forte caráter
compensatório. Nesta condição, os alimentos às vezes compensam uma partilha desigual, por ser
mais conveniente para as partes e para evitar a subsistência de um condomínio problemático.
Outras vezes, ainda, os alimentos adquirem feição indenizatória. Quando assim sucede, os
aspectos pessoais presentes no momento da ruptura passam a ter maior relevo, e o debate se
desloca para o campo da responsabilidade civil. Só impropriamente se faz, nestes casos, alusão a
alimentos, em função do modo parcelado de pagamento. Esta compensação pecuniária, a rigor,
quase sempre tem índole de reparação por danos morais. Mas é tema que requer cuidado extremo.
Direitos sucessórios legais entre companheiros de uma união estável,
decorrentes da morte de um deles, surgiram com as leis 8.971/94 e 9.278/96. Não que antes delas
não existissem direitos sucessórios. Poderiam estar presentes por força da disposição
testamentária, por exemplo. Além disso, o companheiro sobrevivente poderia ter participação no
inventário da pessoa falecida, na qualidade de administrador provisório do espólio a que se
referem os arts. 985, 986 e 987 do CPC; ou mesmo como credor do autor da herança, se a
sociedade de fato entre eles já tivesse sido reconhecida. Atualmente, como é intuitivo, os efeitos
sucessórios são muito maiores.
A lei 9.278/96 trata de direitos sucessórios entre os parceiros, unicamente
no parágrafo único do art. 7º. Pouco sistematicamente, aliás, porque o § único não se vincula em
nada ao caput, são matérias distintas. Prevê-se, aí, o direito real de habitação ao parceiro
sobrevivente, sobre o imóvel destinado à residência da família. Esta disposição, assim, não é
incompatível e nem revogou o art. 2º da lei 8.971/94, que está assim redigido:
“As pessoas referidas no art. anterior participarão da sucessão do(a)
companheiro(a) nas seguintes condições: I) o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito
enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver
filhos deste ou comuns; II) o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não
constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora

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Direito Civil

sobrevivam ascendentes; III) Na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a)


sobrevivente terá direito à totalidade da herança”.
Convém, de início, esclarecer: quando o dispositivo diz: as pessoas
referidas no artigo anterior..., submete seu conteúdo às limitações do art. 1º da mesma lei
8.971/94. As pessoas referidas são a companheira do homem solteiro, separado judicialmente,
divorciado ou viúvo; e o companheiro da mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou
viúva. Estas pessoas é que participarão da sucessão. O parceiro falecido (ele ou ela) deverá ser
solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo. O sobrevivente (ela ou ele) poderá ser
casado e somente separado de fato de algum antigo cônjuge; aí é irrelevante. Se o parceiro
falecido for casado, mesmo que consolidadamente separado de fato de antigo cônjuge, este art. 2º
não incide em benefício do parceiro sobrevivente. Prevalecem os direitos do antigo cônjuge do de
cujus, embora de há muito separado de fato, porque ainda não está dissolvida a sociedade
conjugal; pelo menos não para efeitos sucesórios.
A lei 9.278/96 estabeleceu no § único do art. 7º que “Dissolvida a união
estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto
viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência
da família”. No casamento, o instituto equivalente encontra-se no art. 1.611, § 2º, CC, e até em
termos mais estritos, pois refere-se ao casamento sob o regime da comunhão universal de bens, e
a quando a residência da família é o único bem desta natureza a inventariar.
No campo do direito previdenciário, há tempo já se consagrou a
possibilidade de a companheira ou o companheiro ser inscrito como dependente do(a)
segurado(a). As condições em que isto se dá decorrem - mais recentemente - da exata
compreensão dos arts. da lei 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre os Planos de
Benefícios da Previdência Social, e do Decreto 357, de 7 de dezembro de 1991 (Regulamento),
aplicáveis a tais casos.
Pelo art. 16, I, da lei (art. 13 do Regulamento), a companheira pode ser
considerada dependente do segurado, na mesma situação do cônjuge ou de qualquer filho, menor
de 21 anos ou inválido. Para estes fins, conforme preceitua o § 3º do mesmo artigo, “considera-se
companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o
segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da CF88”. O §. 6º do art. 13 do
Regulamento, por sua vez, e nada acrescentando aos termos constitucionais, repete: “Considera-
se união estável aquela verificada entre o homem e a mulher como entidade familiar”. O § 7º do
art. 19 do Regulamento, ainda, equipara os parceiros casados somente no religioso à situação,
para fins previdenciários, de companheiros.

6. Das relações de parentesco

Toda pessoa se enquadra numa família por três ordens de relações: o


vínculo conjugal, o parentesco por consanguinidade e a afinidade.
O vínculo conjugal, como a própria palavra indica, liga marido e mulher;
esse vínculo estabelece-se pelo casamento e dissolve-se pela morte de um dos cônjuges, pelo
divórcio ou pela anulação do casamento.
Parentesco por consanguinidade, ou simplesmente parentesco, é o vínculo
existente entre pessoas que descendem de um mesmo tronco comum. A palavra parente aplica-se
apenas a indivíduos ligados pela consanguinidade; somente por impropriedade de linguagem se
pode atribuir tal designação a outras pessoas, como o cônjuge e os afins.

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O parentesco estabelece-se tanto pelo lado masculino, como pelo feminino;


ao primeiro, denominou-se outrora de agnação, em contraposição ao segundo, denominado
cognação. No tempo de Justiniano, porém, a expressão cognado abrangia todos oos parentes,
tanto os da linha masculina quanto os da linha feminina.
Afinidade é o vínculo que se estabelece entre um cônjuge e os parentes do
outro cônjuge. Esse vínculo, como se verá, conserva certa simetria como o parentesco por
consanguinidade, no que concerne às linhas, espécies e contagem de graus.
O exato conhecimento de todas essas relações é de suma importância,
porque delas resultam direitos, obrigações e restrições. Assim, no própiro direito civil, se
deparam numerosos direitos e ogrigações decorrentes ora do vínculo conjugal, ora do parentesco,
ora da afinidade. É o que sucede, exemplificativamente, com os impedimentos matrimoniais, os
direitos hereditários, os alimentos etc. No direito penal, a existência das referidas relações entre a
vítima e o autor do delito pode acarretar agravação da pena (art. 61, II, e, do CP), sua isenção e
até mesmo exclusão do Ministério Público para apresentação da denúncia, como acontece nos
casos dos arts. 181 e 182 CP. No direito processual, a presença dos aludidos vínculos entre as
partes e o juiz, ou o serventuário da justiça, produz suspeção destes (art. 134, IV e V, do CPC),
impede a citação ns hipóteses do art. 217, III etc. Finalmente, para não prolongar demasiadamente
a enumeração, em direito eleitoral, da existência das mesmas relações pode advir a
inelegibilidade de determinado candidato, com acontece nos casos do art. 14, § 7º, da CF88.
Comecemos pelo parentesco, que, como se acentuou, constitui relação
existente entre pessoas que procedem do mesmo tronco ancestral.
O vínculo de parentesco estabelece-se por linhas. Há duas linhas: a reta e
colateral. A linha é reta quando as pessoas descendem umas das outras. O CC, no art. 330, dispõe
precisamente que “são parentes, em linha reta, as pessoas que estão umas para com as outras na
relação de ascendentes e descendentes”. São parentes em linha reta.: o bisavô, o avô, o filho, o
neto e o bisneto.
A linha reta é ascendente ou descendente, segundo se sobe da pessoa
considerada para os seus antepassados (do pai para o filho, deste para o avô etc) ou se desce da
pessoa considerada para os seus descendentes (do avô para o filho, deste para o neto e assim por
diante).
A linha é colateral quando as pessoas, entre si, não descendem umas das
outras, mas procedem de um tronco ancestral comum. Dessa linha de parentesco ocupa-se o CC
no art. 331, quando dispõe que “são parentes em linha colateral ou transversal, até ao sexto
grau, as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem uma da outra”. Acham-se na
linha colateral irmãos, tios, sobrinhos, primos. Todos esses parentes advêm de um antepassado
comum, sem descenderem, entre si, uns dos outros.
A linha reta pode ser graficamente representada por uma perpendicular
traçada de um parente ao outro. A colateral, por um ângulo, cujo vértice é o antepassado comum,
ocupando os parentes considerados as duas bases laterais.
Na linha reta não há limite algum de parentesco; ela é infinita; por mais
afastadas que estejam as gerações, serão sempre parentes entre si. Na colateral assim não
acontece, pois, nessa linha, o parentesco não se estende além do sexto grau. Depois desse limite,
presume-se que o afastamento é tão grande que o afeto e a solidariedade não oferecem mais base
ponderável para servir de apoio às relações jurídicas.
A linha colateral pode ser igual ou desigual; igual, quando entre o
antepassado comum e os parentes considerados a distância em gerações é a mesma. Por exemplo:

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Direito Civil

entre irmãos, a linha colateral é igual, porque a distância que os separa do tronco comum, em
número de gerações, vem a ser a mesma.
É desigual, quando há diversidade de distância entre os parentes
considerado e o tronco comum. Por exemplo: entre tio e sobrinho, a linha colateral é desigual,
porque diversificam as distâncias que os separam do tronco comum, ao mesmo tempo, pai de um
e avô de outro; o antepassado comum separa-se por duas gerações do parente-sobrinho e por uma
só do parente-tio.
Finalmente, a linha colateral, também chamada transversal ou oblíqua,
pode ser duplicada. Por exemplo: dois irmãos casam-se com duas irmãs; os filhos que advierem
dos dois casais serão parentes colaterais em linha duplicada.
Cumpre agora verificar como se contam os graus de parentesco. Na linha
reta, é simples: contam-se pelo número de gerações; cada geração representa um grau. Entre pai e
filho medeia uma geração; serão assim parentes em primeiro grau; entre avô e neto medeiam duas
gerações (do avô para o filho, do filho para o neto); serão assim parentes em segundo grau, assim
por diante. Observe-se ainda que os modo de contagem, na linha reta, é idêntico tanto no direito
canônico, como no direito romano.
Na linha colateral, na contagem dos graus, computa-se igualmente o
número de gerações; considerados dois parentes, para se apurar o grau de parentesco que existe
entre os mesmos, sobe-se, contando as gerações, até ao ascendente comum, descendo depois até
encontrar o outro parente. É a regra prescrita pelo art. 333 do CC.
Na linha colateral, como é óbvio, não pode haver parentes em primeiro
grau.
O parentesco é legítimo ou ilegítimo; legítimo, se procede do casamento;
ilegítimo, em caso contrário. Assim dispunha o art. 332 CC, revogado pela lei 8.560, de 29/12/92.
De acordo com esse dispositivo, são parentes legítimos dois irmãos que procedem de um mesmo
casal unido pelos laços matrimoniais; se, todavia, os procedem de união livre ou extralegal, serão
parentes ilegítimos. Embora a CF88 vede quaisquer designações discriminatórias relativas à
filiação, elas continuam existindo e são invocadas em diversas oportunidades, não podendo, pois,
ser desconhecidas no estudo do direito de família.
A natureza da união dos genitores influi intensamente na questão da
filiação. Se ha casamento entre os genitores, os filhos serão legítimos; se não há casamento serão
ilegítimos.
O parentesco é ainda natrual ou civil; é natural se decorrente apenas da
consanguinidade; pai e filho são parentes naturais; seu parentesco foi criado pela própria
natureza, através do sangue. O parentesco civil é o criado pela lei, através do instituto da adoção.
Pai e filho adotivo são parentes civis; a relação jurídica que os vincula é produto exclusivo da lei,
que procura imitar a natureza.
Afinidade é vinculo que se estabelece entre cada cônjuge e os parentes do
outro. Como se realçou, a afinidade mantém certa simetria com o parentesco consanguineo,
principalmente na discriminação das linhas, graus e espécies.
A afinidade comporta, como o parentesco, duas linhas: a reta e a colateral,
abrangendo a primeira linha ascendente e descendente. Na linha reta ascendente estão sogro,
sogra, padrasto e madrasta, no mesmo grau que pai e mãe. Serão eles, destarte, afins em primeiro
grau.
Na linha reta descendente encontram-se genro, nora, enteado e enteada, no
mesmo grau de filho ou filha; serão eles, portanto, igualmente, afins do primeiro grau.

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Direito Civil

Na linha colateral, para a contagem dos graus, um dos cônjuges fica


colocado na posição do outro, com relação aos parentes deste; cunhados serão, assim, afins em
segundo grau.
Também quanto às espécies, a afinidade é legítima ou ilegítima, bem como
adotiva. É legítima, quando procede de casamento válido; não haverá, portanto, afinidade entre
determinado varão e os parentes de sua companheira, se entre eles existe simples mancebia; ou
melhor, a afinidade será ilegítima se decorre tão somente de união livre ou extralegal.
A afinidade é vínculo de ordem jurídica; ela não decorre da natureza, ou do
sangue, como o parentesco por consanguinidade, mas tão somente da lei. Esse conceito vem
claramente expresso na língua inglesa, que designa o afim pelo mesmo vocábulo com o qual
indica o consanguineo correspondente, acrescentando-lhe a frase in law (segundo a lei). Assim,
sogro é chamado father-in-law (pai segundo a lei) e cunhado brother-in-law (irmão segundo a
lei).
A afinidade é, outrossim, relação de índole estritamente pessoal e não se
estende além dos limites traçados em lei. Dessa regra decorrem as consequências seguintes: a)
nenhum vínculo de afinidade existe entre os parentes dos cônjuges; b) os afins de cada cônjuge
não são afins entre si (assim, concunhados não são afins entre si); c) no caso do segundo
matrimônio, os afins do primeiro casamento não se tornam afins do cônjuge tomado em segundas
núpcias.
Na linha reta, não se extingue a afinidade pela morte de um dos cônjuges;
morto o marido, a esposa continua ligada ao sogro pelo vínculo da afinidade.
Já na linha transversal, o óbito de um dos cônjuges faz desaparecer a
afinidade; assim, se desfaz o cunhadio com a morte de um dos cônjuges.
No caso de separação consensual ou judicial, porém, o vínculo não é
afetado, de modo que subsiste a afinidade entre o cônjuge separado e os parentes do consorte. Já
nos casos de nulidade ou anulação do casamento será preciso distinguir: reconhecida a
putatividade do matrimônio, persiste a afinidade legítima; se não reconhecida, a afinidade assume
o caráter de ilegítima. Quanto ao divórcio, como se rompe o vínculo, desaparece a afinidade.
Finalmente, cumpre acentuar que o cônjuge não é afim; entre cônjuges há
relação muito mais estreita do que a afinidade e o próprio parentesco.

6.1. Filiação

O vocábulo filiação exprime relação que existe entre o filho e as pessoas


que o geraram. Encarada em sentido inverso, isto é, do lado dos genitores referentemente ao filho,
essa relação chama-se paternidade ou maternidade. Note-se, entretanto, que, em linguagem
jurídica, às vezes, se designa por paternidade, em sentido amplo, tanto a paternidade
propriamente dita, como a maternidade. É assim, por exemplo, que deve ser entendida a
expressão “paternidade responsável”consagrada na CF88, art. 226, § 7º.
Os filhos são legítimos ou ilegítimos. Prescrevia o art. 337 CC que “são
legítimos os filhos concebidos na constância do casamento, ainda que anulado (art. 217), ou
mesmo nulo, se se constraiu de boa fé (art. 221)”, dispositivo revogado pela lei 8.560, de
29/12/92, que denomina os chamados filhos ilegítimos como filhos “havidos fora do casamento”.
Quando se poderá dizer que o filho foi concebido na constância do
casamento? Responde o art. 338, dizendo que se presumem concebidos na constância do
casamento: I) os filhos nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a

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convivência conjugal (art. 339); II) os nascidos dentro dos trezentos dias subsequentes à
dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite, ou anulação.
O aludido prazo de 180 dias começa a correr, não da celebração do
casamento, mas do momento em que se inicia a convivência conjugal (art. 338,I). Mediante essa
ressalva, busca o legislador, avisadamente, resguardar a legitimidade dos filhos cujos pais são
obrigados a separar-se logo em seguida ao enlace, ou que se casam por procuração.
Frisa a lei que se presumem legítimos os filhos nascidos 180 dias pelo
menos depois de estabelecida a convivência conjugal. Qual, portanto, a situação jurídica do filho
concebido antes do casamento e que por isso veio a nascer antes dos 180 dias contados da
celebração do casamento?
Sem dúvida, é a de legítimo. Várias as teorias que procuram explicar esse
estado de legitimidade, como a da ficção e a da regularização das relações extramatrimoniais. O
CC brasileiro, perfilhando, sem dúvida, esse último ponto de vista, estabelece no art. 339 que “a
legitimidade do filho nascido antes de decorridos os cento e oitenta dias, de que trata o nº I do
artigo antecedente, não pode, entretanto, ser contestada: I) se o marido, antes de casar tinha
ciência da gravidez da mulher; II) se assistiu, pessoalmente, ou por procurador, a lavrar-se o
termo de nascimento do filho, sem contestar a paternidade”.
A legitimidade do filho concebido na constância do casamento, ou
presumido tal (art.338), só se pode contestar, provando-se: I) que o marido achava-se fisicamente
impossibilitado de coabitar com a mulher nos primeiros cento e vinte e um dias, ou mais, dos
trezentos que houverem precedido ao nascimento do filho; II) que a esse tempo estavam os
cônjuges legalmente separados (art. 340 CC).
Preceitua o art. 342 que “só em sendo absoluta a impotência, vale a sua
alegação contra a legitimidade do filho”.
Os fatos apontados no art. 340 são os únicos que permitem contestatção da
paternidade. A enumeração feita pelo CC é taxativa. Não se pode cogitar, destarte, de
impugnação decorrente de ocultação do nascimento do filho por parte da mulher e prevista no
direito francês (Cód. de Napoleão).
Efetivamente, se a mulher oculta nascimento de filho, dá fundado motivo a
que se duvide da legitimidade deste. Mas o CC preferiu omitir referido caso de impugnação,
temeroso certamente dos escândalos que sua inclusão no direito positivo poderia ensejar.
O próprio adultério da mulher não autoriza a contestação. Estabelece de
fato o art. 343 que “não basta o adultério da mulher, com quem o marido vivia sob o mesmo teto,
para ilidir a presunção legal da legitimidade da prole”.
Entretanto, a alegação de adultério pode funcionar como prova
complementar da ilegitimidade do filho, se a ação de contestação da paternidade se apoiar nas
hipóteses previstas no art. 340 CC.
Ainda que a mulher venha a confessar o adultério, a declaração não fará
prova contra a legitimidade do filho. Edita realmente o art. 346: não basta a confissão materna
para excluir a paternidade.
Cabe privativamente ao marido o direito de contestar a legitimidade dos
filhos nascidos de sua mulher (CC, art. 344). Ninguém mais pode demandá-lo em seu nome,
ainda que se tenha tornado incapaz. Trata-se de ação personalíssima, que só se transmite aos
herdeiros se o suposto pai chegou a iniciá-la em vida. Nesse caso, aos herdeiros assiste a
faculdade de continuá-la até final decisão (art. 345).
Se o marido não chegou a iniciar a ação, aceitou o filho como seu. Falece
então qualidade aos herdeiros para propô-la em seu nome.

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Direito Civil

Ainda que se trate de filho póstumo, nascido após a morte do marido, não
assiste aos herdeiros deste o direito de ajuizar ação de contestação de paternidade, tornando-se
mais humano deixar em paz a memória do extinto.
Se o filho nasce, porém, depois de trezentos dias, a contar da morte do
marido, não o socorre a presunção da legitimidade do art. 338 CC, e, nesse caso, aos herdeiros
cabe o direito de propor ação impugnativa da filiação. Assim, também se a mulher dá à luz depois
de decorridos trezentos dias contados do desaparecimento do consorte; igualmente, nessa
hipótese, podem os herdeiros do desaparecido ajuizar referida ação, tendente a excluir o intruso
da comunidade familiar.
Os prazos prescritivos da ação de contestação da paternidade são os
mencionados no art. 178, §§ 3º e 4º, I. Saliente-se que se trata de prazos de decadência.
A filiação legítima prova-se pela certidão do termo de nascimento, inscrito
no Registro Civil. Esse dispositivo legal foi revogado pela lei 8.560/92. Contudo, embora não se
possa fazer menção à qualificação da filiação, continua sendo a certidão de nascimento a sua
prova mais eficiente.
O termo de nascimento constitui a prova principal da legitimidade da
filiação, mas, não a única. O art. 349 CC dispõe que “na falta, ou defeito do termo de nascimento
poderá provar-se a filiação legítima, por qualquer modo admissível em direito: I) quando houver
começo de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente; II) quando
existirem veementes presunções resultantes de fatos já certos”.
Suponha-se que o filho não foi registrado na ocasião oportuna ou que se
perdeu o livro em que se tomara o assento. Imagine-se ainda que o registrado foi inscrito como
filho de pai incógnito. Em qualquer dessas hipóteses, supre-se a lacuna mediante todo o gênero de
provas, entre as quais sobrelevam a testemunhal e a posse do estado de filho.
Mas essas provas só se admitem nas duas hipóteses do art. 349, isto é,
desde que haja começo de prova por escrito, emanada dos pais, conjunta ou separadamente, ou
desde que existam veementes presunções decorrentes de fatos já conhecidos e certos.
A ação tendente a obter reconhecimento da legitimidade de filiação
compete ao filho, por ser direito personalíssimo, enquanto viver, passando aos herdeiros, se ele
morrer menor ou incapaz (art. 350). Tal ação é imprescritível, quando proposta pelo próprio filho;
enquanto vivo, tem direito à ação. Morto, porém, tal direito transmite-se aos herdeiros, e nesse
caso a ação prescreve em um ano (CC, art. 178, § 6º, XII).
Se a ação tiver sido iniciada pelo filho, poderão continuá-la os herdeiros,
salvo se o autor desistiu, ou a instância foi perempta (art. 351).
Sobre a legitimação dos filhos, há quem sustente que esse capítulo do CC
tenha sido revogado pela CF 88, ao proibir qualquer menção à origem da filiação.
Na verdade, essa vedação foi reproduzida no art. 20 da lei 8.069, de
13/07/90, bem como no art. 5º da lei 8.560, de 29/12/92.
O art. 3º desse último diploma legal, aliás, proibe legitimar ou reconhecer
filho na ata do casamento.
Contudo, a mesma observação feita em outras oportunidades quanto ao
interesse doutrinário do assunto vale para a legitimação. E, sob o aspecto legal, perdura a
presunção de que dispensa outra forma de comprovação a filiação resultante de homem e mulher
unidos pelo casamento.
Examinamos a situação dos filhos legítimos anteriormente. Vamos apreciar
agora a dos legitimados. Os filhos são legitimados quando, por subsequente matrimônio dos pais,

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Direito Civil

se faz desaparecer a eiva originária de ilegitimidade que os afetava. A própria lei oferece assim
aos genitores o meio eficaz para reparar sua falta e reabilitar os filhos perante a sociedade.
Estabelece o CC, no art. 353, que “a legitimação resulta do casamento dos
pais, estando concebido, ou depois de havido o filho”. O art. 229 já tinha enunciado
anteriormente a mesma idéia: “Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos
comuns, antes dele nascidos ou concebidos”. O art. 200, § 4º, por sua vez, havia editado que “o
assento assim lavrado retrotrairá os efeitos do casamento, quanto aos estado dos cônjuges, à
data da celebração e, quanto aos filhos comuns, à data do nascimento”.
A legitimação pelo casamento subsequente apaga a irregularidade
originária do nascimento do filho. Ela faz supor que este sempre foi legítimo.
A legitimação outorga, realmente, aos filhos legitimados a mesma situação
jurídica dos filhos legítimos. Preceitua, de fato, o art. 352, que “os filhos legitimados são, em
tudo, equiparados aos legítimos”.
Não existe, com efeito, entre os mesmos, qualquer diferença de tratamento,
quer quanto aos direitos, quer quanto aos deveres, quer durante a vida, quer depois da morte dos
pais. Aliás, sempre se volta, em matéria de filiação, à equiparação introduzida pela CF88, que já
não estabelece qualquer distinção quanto à origem da filiação, antes a proíbe.
Assim, em matéria sucessória, dispõe o art. 1.605 que “para os efeitos da
sucessão, aos filhos legítimos se equiparam os legitimados, os naturais reconhecidos e os
adotivos”.
Nas certidões de registro civil, não se mencionará a circunstância de ser
legítima, ou não, a filiação, salvo a requerimento do próprio interessado ou em virtude de
determinação judicial.
A legitimação é ampla e abrange até mesmo os filhos adulterinos. Mas, ela
não pode alcançar filhos havidos como legítimos do primeiro leito da mulher.
Filhos incestuosos não podem ser legitimados, pela subsistência, a todo
tempo, do impedimento matrimonial.
Mas ela estende-se tanto ao filho apenas concebido, como ao já nascido,
segundo decorre dos arts. 229 e 353 CC. Cumpre ainda não perder de vista o disposto no art. 354,
segundo o qual “a legitimação dos filhos falecidos aproveita aos seus descendentes”.
Então, filhos legítimos são os nascidos de casal unido pelos laços do
matrimônio. Quando os filhos não procedem de justas núpcias, isto é, quando não há casamento
entre os genitores, se dizem ilegítimos.
Os filhos ilegítimos classificam-se em naturais e espúrios. São naturais
quando nascem de homem e mulher entre os quais não existe impedimento matrimonial; espúrios
quando nascem de homem e mulher impedidos de se casarem na época da concepção.
Se o impedimento decorre de parentesco próximo dos genitores, ou de
afinidade, conforme enumeração constante no art. 183, I a V, CC, os filhos se dizem incestuosos;
se o impedimento se relaciona com a existência de casamento anterior de um dos genitores com
outra pessoa e violação, destarte, do dever de fidelidade, os filhos são adulterinos.
Essa distinção revestia-se de suma importância no tema do reconhecimento
dos filhos ilegítimos. A atual situação de igualdade entre os filhos, porém, diminuiu essa
importância, ainda que perdure o interesse de seu estudo, mesmo porque a proibição de qualificar
a filiação não elide as diferenças que continuam a existir.
Compreende-se o interesse do legislador em não carrear aos filhos as
consequências de atos praticados pelos genitores. Por isso seus direitos são iguais, sejam casados
ou não os genitores.

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Direito Civil

O reconhecimento do filho natural é voluntário ou judicial. Do


reconhecimento voluntário cuida o CC no art. 357, onde se acham enumerados os modos por que
o mesmo se efetua: a) no próprio termo de nascimento; b) mediante escritura pública; c) por
testamento. O reconhecimento judicial opera-se por intermédio da ação de investigação de
paternidade ou da maternidade.
Essas formas de reconhecimento foram mantidas pela lei 8.069, de
13/07/90, que dispõe no art. 26: “Os filhos havidos fora do casamento poderão ser reconhecidos
pelos pais, conjunta ou separadamente, no próprio termo de nascimento, por testamento,
mediante escritura ou outro documento público, qualquer que seja a origem da filiação”.
De modo idêntico, assim dispôs a lei 8.560/92, em seu art. 1º: “O
reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I) no registro de
nascimento; II) por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III) por
testamento, ainda que incidentalmente manifestado; IV) por manifestação expressa e direta
perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o
contém”.
Aqueles modos de reconhecimento voluntário referem-se tanto ao pai como
à mãe, embora se torne mais frequente sua aplicação no tocante ao pai, sabido que a maternidade,
como fato positivo, normalmente consta do registro de nascimento. A maternidade é um fato, a
paternidade, presunção.
O reconhecimento por escritura ou documento público, ou por ato de última
vontade pode preceder ao nascimento do filho; pode também, em qualquer caso, suceder-lhe ao
falecimento, se deixou descendentes.
Cumpre esclarecer mais que o reconhecimento por escritura não depende
de ato público especial para esse fim, bastando que a paternidade seja declarada de modo
incidente ou acessório em qualquer ato notarial.
O Estatuto da Criança e do Adolescente abriu a possibilidade de o
reconhecimento ser feito apenas por um dos genitores, ou conjuntamente, por ambos, quer se trate
de filiação natural, quer adúltera ou mesmo incestuosa.
O filho ilegítimo, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no
lar conjugal sem o consentimento do outro. O bastardo é estranho à família legitimamente
constituída pelo genitor. Conseguintemente, só terá acesso ao lar deste, se houver anuência do
outro cônjuge. Negado o consentimento, porém, o filho natural tem direito a assistência e
alimentos fora do lar.
“O filho natural enquanto menor, ficará sob o poder do genitor que o
reconheceu e, se ambos o reconheceram, sob o poder da mãe, salvo se de tal solução advier
prejuízo ao menor; § 1º: Verificado que não deve o filho permanecer em poder da mãe ou do pai,
deferirá o Juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea, de preferência da família de
qualquer dos genitores; § 2º: Havendo motivos graves, devidamente comprovados, poderá o Juiz,
a qualquer tempo, decidir de outro modo, no interesse do menor”. Também a guarda dos filhos
mereceu tratamento especial do legislador, que dela se ocupou no Estatuto da Criança e do
Adolescente, em que se enfatizou a importância da convivência familiar e comunitária no
desenvolvimento do menor.
O reconhecimento é perpétuo e irrevogável; nesse sentido, o disposto no
art. 1º da lei 8.560/92. No máximo, poderá vir a ser eventualmente anulado, por inobservância das
formalidades legais, ou, então, se eivado estiver de algum dos defeitos dos atos jurídicos.
Inoperante se mostrará igualmente qualquer transação que vise à renúncia do estado de filho.

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Direito Civil

O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o


menor pode impugnar o reconhecimento dentro dos quatro anos que se seguirem à maioridade ou
emancipação.
No registro civil é proibida qualquer referência á filiação ilegítima.
Como se viu, a lei faculta aos pais diversas oportunidades para ao
reconhecimento voluntário dos filhos ilegítimos: a) no próprio termo do nascimento do filho, ao
ser registrado; b) por escritura pública; c) por testamento; d) por escrito particular; e) por
manifestação perante o juiz. Quanto ao reconhecimento judicial, processa-se este de acordo com
o art. 363, CC, complementado pela lei 8.560/92.
O CC veio admitir, entretanto, ao lado do voluntário, o reconhecimento
judicial, através de ação de investigação de paternidade.
Dispõe, com efeito, citado art. 363 que “os filhos ilegítimos de pessoas que
não caibam no art. 183, I a VI, têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o
reconhecimento da filiação: I) se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada com o
pretendido pai; II) se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo
suposto pai, ou suas relações sexuais com ela; III) se existir escrito daquele a quem se atribui a
paternidade, reconhecendo-a expressamente”.
A ação em referência, sendo personalíssima, indisponível e imprescritível,
só pode ser intentada pelo próprio filho; ninguém mais pode tomar-lhe o lugar, nem mesmo o
neto. Se menor, a ação deve ser ajuizada pelo respectivo representante legal, geralmente a mãe,
que promoverá o pleito em nome do filho, e não em nome dela.
Segundo se depreende ainda do mesmo art. 363, a ação investigatória deve
ser movida contra o pai (quando vivo), ou seus herdeiros (se já falecido). Se o réu não é o genitor
do autor, nem seu herdeiro (inclusive instituído), ocorrerá ilegitimidade de parte e anula-se o feito
ab initio.
Mas referida ação pode ser contestada por qualquer pessoa que tenha justo
interesse, econômico ou moral. A defesa pode ser assim apresentada pela mulher do réu, pelos
filhos legítimos deste ou pelos naturais reconhecidos anteriormente, pelos parentes sucessíveis e
por qualquer entidade obrigada ao pagamento de pensão aos herdeiros do suposto pai.
A sentença que julgar procedente a ação de investigação, produzirá os
mesmos efeitos do reconhecimento; podendo, porém, ordenar que o filho se crie e eduque fora da
companhia daquele dos pais, que negou esta qualidade. A decisão deve ser averbada no registro
competente.
Imprescritível é a ação de reconhecimento da filiação. Enquanto vivo,
assiste ao filho o direito de reclamar a investigação.
Também a investigação da maternidade é permitida em nosso direito.
Dispõe, realmente, o art. 364 que “a investigação da maternidade só se não permite quando
tenha por fim atribuir prole ilegítima à mulher casada, ou incestuosa à solteira”.
A filiação paterna e materna podem resultar de casamento declarado nulo,
ainda mesmo sem as condições do putativo. Nesse caso, se da união resulta filho, a paternidade só
pode ser atribuída ao varão que convivia com a genitora.
A CF88, em seu art. 227, § 6º, concedendo a todos os filhos, havidos ou
não do casamento, os mesmos direitos e qualificações, proibiu expressamente quaisquer
designações discriminatórias no tocante à filiação. Vale o preceito, evidentemente, para o direito
positivo, como regra geral a ser observada, não porém para a doutrina, perante a qual subsiste a
velha distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, com todas as suas diretrizes.

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De qualquer forma, porém, vale examinar as prescrições legais que se vêm


sucedendo nessa matéria, especialmente aquelas constantes da lei 8.560/92, que regula a
investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento.
O oficial que procedeu ao registro de nascimento de menor apenas com a
maternidade estabelecida deverá remeter ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome,
profissão, identidade e residência do suposto pai, a fim de ser averiguada oficiosamente a
procedência da alegação.
Destarte, ao oficial do registro civil é atribuída legitimidade para dar o
impulso inicial à ação, qualificada como personalíssima, ao remeter ao juiz certidão integral do
registro levado a efeito pela mãe, anexando nome e qualificação do indigitado pai, para que este
seja notificado para manifestar-se a respeito da paternidade que lhe é imputada.
Se o pai admitir a paternidade, será lavrado termo de reconhecimento, a ser
averbado pelo oficial do registro civil junto ao assento de nascimento.
Se o suposto pai negar a paternidade, ou não atender à notificação, os autos
serão remetidos ao Ministério Público para que este promova a ação de paternidade.
Se há o casamento posterior, que equivaleria à anterior legitimação, é
permitido averbar alteração do patronímico materno, decorrente do casamento, no termo de
nascimento do filho.
Na ação de investigação de paternidade, ainda que iniciada pelo Ministério
Público, se procedente o pedido, o juiz fixará alimentos definitivos ou provisionais, se deles
necessitar o reconhecido.

6.2. Adoção

Presentemente, encontram-se no direito brasileiro duas formas de adoção,


com fisionomia, requisitos e disciplina distintos: a) a adoção de criança e adolescente até os 18
anos de idade, regulada pela lei 8.069, de 13 de julho de 1990; b) a adoção do CC, aplicável a
pessoas maiores de 18 anos.
A adoção tratada no CC acha-se subordinada a vários requisitos, que não se
confundem com aqueles estabelecidos no ECA, voltados estes, em especial, para os menores de
18 anos que venham a integrar-se em família substituta. O primeiro diz respeito à idade do
adotante, que há de ter, pelo menos, 30 anos. Mas tal dispositivo foi alterado, passando a idade
para, pelo menos, 21 anos.
O art. 368, CC, teve um § único acrescido pela lei 3.133, assim redigido:
“Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos cinco anos após o casamento”.
Se o adotante é solteiro e conta essa idade, habilitado está a adotar,
satisfeitas as demais exigências legais. Se casado, porém, há de aguardar primeiramente o
transcurso do quinquênio, contado da realização do matrimônio.
Natural se obtenham os filhos pelo casamento. Uma das finalidades deste é
precisamente a procriação. Decorridos cinco anos sem o seu nascimento, concede a lei ao casal o
recurso da adoção, a fim de obter, embora artificialmente, o mesmo resultado.
Observe-se, nesta oportunidade, a profunda transformação operada em
nosso direito positivo. Anteriormente, pelo CC, só os maiores de 50 anos, sem prole, poderiam
adotar, mas, se casados forem, deverão aguardar cinco anos do casamento. Agora, com o advento
da nova lei, tendo o adotante mais de 21 anos de idade, independentemente do estado civil, pode
livremente adotar, tenha ou não prole, se o adotado for menor de 18 anos. O período de carência é

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estabelecido para assegurar-se a firmeza de propósitos do adotante e evitar-lhe o arrependimento,


se ulteriormente lhe sobrevém filho legítimo.
O segundo requisito da adoção é a diferença de idade que deve existir entre
adotante e adotado. De acordo com o art. 369 CC, o primeiro deveria ser, pelo menos, 18 anos
mais velho que o segundo. Essa diferença foi reduzida para 16 anos pela mesma lei 3.133,
inclusive pela lei 8.069, art. 42, § 3º, aplicável, também, ao menor de 18 anos.
Com mais forte razão, não se admite que o adotado seja mais velho que o
adotante. Semelhante adoção contraria a própria natureza.
O terceiro requisito diz respeito ao consentimento do adotado. O CC não
aludia expressamente à anuência do adotado sui juris, mas esta sempre se subentendeu. A lei
3.133, modificando a redação do art. 372, assim estatuiu: “Não se pode adotar sem o
consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro”.
A adoção cria direitos e deveres recíprocos, inclusive a mudança de estado
familiar do filho, com ingresso deste numa família que lhe era estranha. Ele só se sujeitará a tais
contingências se houver consentido no ato, sendo maior e capaz. Todavia, decidiu o STF que,
devido à natureza benéfica do ato, o consentimento não precisa ser isócrono, simultâneo, sendo
válido também o ulterior.
Se incapaz o adotado, ou simples nascituro, deve intervir no ato seu
representante legal. Nascituro, menor de 16 anos de idade, ou interdito, o adotado será
representado no ato pelo respectivo representante legal (pai, mãe, tutor ou curador). Observe-se
que, nesta matéria, não cabe suprimento judicial do consentimento.
Se relativamente incapaz o adotado, intervirá pessoalmente no ato para
exprimir sua concordância, assitido, porém, pelo representante legal, como nos demais atos
jurídicos. Sendo maior de 12 anos, a lei 8.069/90 exige expressamente este consentimento.
Anote-se ainda que relativas são as nulidades oriundas da falta de
consentimento do representante legal, porque de interesse meramente privado. Essas nulidades só
podem ser demandadas pelos próprios interessados.
A esses adotados alieni juris assegura a lei, entretanto, o direito de se
desligarem da adoção no ano imediato ao em que cessar a interdição ou a menoridade.
O último requisito da adoção é a exigência da escritura pública (CC, art.
134, I, combinado com o art. 375, primeira parte). O instituto da adoção não se achava regulado
no regime pré-codificado; as formalidades necessárias não se encontravam devidamente
estabelecidas. Já para a adoção de criança ou adolescente prevalece a sistemática indicada na lei
8.069/90.
O CC imprimiu-lhe, porém, indispensável solenidade; obrigatoriamente,
demanda ela instrumento público para a respectiva formalização.
Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e
mulher.
Cumpre acentuar, todavia, que, perante a nossa lei, o adotante pode adotar
quantos filhos quiser.
O adotante casado não depende do consentimento do outro cônjuge para
efetivar a adoção; nem o art. 235, nem o art. 242 da lei civil encerra qualquer restrição a respeito.
Outrossim, não é possível subordinar a adoção a termo ou condição.
Adoção é ato puro, que se realiza pura e simplesmente, não tolerando aludidas modificações dos
atos jurídicos. Quaisquer cláusulas que suspendam, alterem ou anulem os efeitos legais da adoção
são proibidas; sua inserção na escritura anula radicalmente o ato.

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Ex vi do disposto no art. 374 do CC, modificado pela lei 3.133, também se


dissolve o vínculo da adoção: I) quando as duas partes convierem; II) nos casos em que é
admitida a deserdação. Esse dispositivo prevê, por conseguinte, duas formas de ruptura da
adoção, a unilateral e a bilateral.
Verificar-se-á a primeira nos casos em que se admite a deserdação. Por
outras palavras, de acordo com o art. 1.744, autorizam a dissolução do vínculo (do lado do pai
adotivo): I) ofensas físicas; II) injúria grave; III) relações ilícitas com a mulher do filho ou neto,
ou com o marido da filha ou neta; IV) relações ilícitas com a madrasta, ou o padrasto; V)
desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Do lado do filho, cabe a dissolução nos casos do art. 1.745: I) ofensas
físicas; II) injúria grave; III) relações ilícitas com a mulher do filho ou neto, ou com o marido da
filha ou neta; IV) desamparo do filho ou neto em alienação mental ou grave enfermidade.
Cabe igualmente a dissolução nos casos do art. 1.595, isto é: I) se os filhos
adotivos houverem sido autores ou cúmplices em crime de homicídio voluntário, ou tentativa
deste, contra a pessoa dos pais adotivos; II) que a estes acusaram caluniosamente em juízo, ou
incorreram em crime contra a sua honra; III) que, por violência ou fraude, os inibiram de
livremente dispor dos seus bens em testamento ou codicilo, ou lhes obstaram a execução dos atos
de última vontade.
Ocorrerá ruptura bilateral quando ambas as partes nisso convierem. A
adoção constitui verdadeiro contrato bilateral. A mesma vontade que aproxima adotante e
adotado pode de novo separá-los e assim desfazer o vínculo. A adoção, em regra, é permanente,
destinada a durar a vida inteira; mas, faculta-se aos interessados, de comum acordo, dissolver o
liame.
A dissolução amigável efetiva-se através de escritura pública, enquanto a
outra, a unilateral, é promovida em juízo, por intermédio de ação ordinária, em que se demonstre
a existência de algum dos casos que justifiquem a deserdação.
De acordo com o art. 378 CC, o filho adotivo fica situado numa posição
toda especial no tocante ao estado de família: passa a ser considerado como verdadeiro filho do
adotante, sem que, no entanto, desapareçam os laços naturais que o vinculam à família de sangue.
Estatui realmente citado dispositivo: “Os direitos e deveres que resultam
do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido
do pai natural para o adotivo”.
A morte do adotante não restaura o pátrio poder do pai natural devendo o
adotado ser posto sob tutela. Na adoção de criança ou adolescente, a regra é diversa.
Não se perca de vista o disposto no art. 336, segundo o qual “a adoção
estabelece parentesco meramente civil entre o adotante e o adotado”.
Outra regra legal a considerar-se é a do art. 376, que restringe o parentesco
resultante da adoção exclusivamente ao adotante e ao adotado. As demais pessoas da família de
um e de outro conservam-se estranhas, exceto para efeitos matrimoniais, em que a lei consagra os
impedimentos dirimentes previstos no art. 183, III a V (além do I). Realmente, não podem casar:
o adotante com o cônjuge do adotado e o adotado com o cônjuge do adotante, bem como o
adotado com o filho superveniente ao pai ou à mãe adotiva.
Mencione-se ainda que, de acordo com o art. 371, “enquanto não der
contas de sua administração, e saldar o seu alcance, não pode o tutor, ou curador, adotar o
pupilo, ou o curatelado”. Trata-se de norma salutar, ditada pela moralidade, visando a impedir se
transforme a adoção em expediente destinado à burla de responsabilidades, nas mãos de tutores e
curadores inescrupulosos.

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Direito Civil

Esclarece a lei 3.133, de 08/03/57, art. 2º, que “no ato da adoção serão
declarados quais os apelidos da família que passará a usar o adotado”. Por sua vez, adverte o §
único que “o adotado poderá formar seus apelidos conservando os dos pais de sangue; ou
acrescentando os do adotante; ou ainda, somente os do adotante, com exclusão dos apelidos dos
pais de sangue”.
O nome escolhido transmitir-se-á aos descendentes do adotado. Se a
adoção tiver sido efetuada por mulher casada, é o nome pessoal desta e não do marido que poderá
ser usado pelo filho adotivo.
Para efeitos sucessórios, os filhos adotivos se equiparam aos legítimos,
(CC, art. 1.605). A existência de filho adotivo arreda da sucessão todos os demais herdeiros do
adotante, que não tenham a qualidade de filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos.
O prazo prescricional para propositura de ação tendente a anular adoção é o
estabelecido para as ações pessoais em geral, isto é, de 20 anos (CC, art. 177), contados da morte
do adotante.
A adoção deve ser averbada no Registro Civil das Pessoas Naturais; assim
também os atos que importem sua dissolução (lei. 6.015/73, art. 29, § 1º, alínea e). Qualquer
anotação, pressupõe registro de nascimento lavrado no país; se não existe assento, a anotação é
impossível.
A adoção perante o ECA dispôs sobre este estatuto, conforme já foi dito
anteriormente. Vamos enumerá-las:
1) a adoção da criança e do adolescente reger-se-á segundo o disposto nesse
estatuto;
2) é vedado perfazê-la por procuração;
3) o adotando deve contar, no máximo, 18 anos de idade, à data do pedido,
exceto se já tiver sob a guarda ou tutela dos adotantes;
4) a adoção atribui ao adotado a condição de filho, com os mesmos direitos
e deveres, inclusive sucessórios, desligando-se de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo
impedimentos matrimoniais;
5) se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, não se
extinguem os vínculos de filiação anteriores nem os vínculos com os parentes do cônjuge ou
concubino do adotante;
6) o direito sucessório é recíproco entre o adotado, seus descendentes, o
adotante, seus ascendentes e colaterais, até o quarto grau, sempre de acordo com a ordem de
vocação hereditária;
7) podem adotar os maiores de 21 anos, seja qual for o seu estado civil, não
porém, os ascendentes e irmãos do adotando; justifique-se a proibição ante a situação estranha
que se seguiria dos pais adotando seus filhos ou netos, e irmãos tornando-se genitores de irmãos;
8) a adoção por ambos os cônjuges poderá ser formalizada desde que um
deles haja completado os 21 anos; se não houve casamento ou concubinato entre os adotantes,
deverão comprovar a estabilidade da união;
9) o adotante há de ser, pelo menos, 16 anos mais velho que o adotado; este
princípio é repetição daquele já existente no CC;
10) se os adotantes forem separados judicialmente ou divorciados, poderão
adotar em conjunto se a convivência começou enquanto estavam casados e na separação ou
divórcio conste o regime de guarda e visita do filho adotado;
11) o falecimento do adotante no curso do processo de adoção não obsta
sua concretização, desde que houvesse inequivocamente manifestado a vontade de adotar;

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12) a adoção só será deferida se apresentar reais vantagens para o adotando


e fundar-se em motivos legítimos; a adoção é, efetivamente, instituto de proteção do adotado;
13) dependerá do consentimento dos pais ou representante legal do
adotando e fundar-se em motivos legítimos; a adoção é, efetivamente, instituto de proteção do
adotado;
14) deverá o ato ser precedido de um estágio de convivência, pelo prazo
que a autoridade judiciária fixar;
15) o vínculo constituir-se-á por sentença judicial, que deverá ser inscrita
no registro civil competente, sem qualquer observação relativa à origem do ato;
16) a adoção é irrevogável;
17) a morte dos adotantes não restabelece o pátrio poder dos pais naturais.

6.3. Alimentos

Existe um auxílio, que mutuamente se devem os parentes, se dá o nome de


alimentos, expressão que, na terminologia jurídica, tem sentido mais lato do que o vigorante na
linguagem comum, abrangendo não só o fornecimento de alimentação propriamente dita, como
também de habitação, vestuário, diversões e tratamento médico. Quando a pessoa alimentada for
de menor idade, os alimentos compreenderão ainda verbas para a sua instrução e educação. No
caso de pleito judicial entre alimentante e alimentado, incluir-se-ão também, além das demais
verbas, as expensa litis, isto é, honorários de advogado, custas e outras despesas judiciais.
Relativamente às dívidas, inclusive as denominadas dívidas de honra, o
alimentante não se acha sujeito ao respectivo reembolso.
Quem pode reclamar alimentos e contra quem podem ser reclamados? O
CC disciplina tal assunto no capítulo VII, do livro I, preceituando, inicialmente, que “de acordo
com o prescrito neste capítulo podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que
necessitem para subsistir” (art. 396).
Acentue-se, desde logo, o cunho tipicamente familiar do instituto que se
funda, exclusivamente, no vínvulo de parentesco, no jus sanguinis. Só os parentes, isto é, as
pessoas que procedem de um mesmo tronco ancestral, devem alimentos. Não existe semelhante
obrigação entre afins, por mais próximo que seja o grau de afinidade.
É verdade que a mulher casada tem direito a alimentos do outro cônjuge,
não sendo ela, entretanto, parente, ou afim, do marido. Mas essa obrigação de alimentar repousa
em outro fundamento legal, pois, citado capítulo VII do CC, que regula os direitos e deveres do
marido, impondo-lhe o dever de sustentar a família que constitui.
A maioridade não põe ponto final ao direito do filho: concorrendo os
presupostos legais, assiste-lhe o direito de reclamar alimentos aos genitores. Nesse caso, fundar-
se-á o pedido, não no citado art. 233, IV, mas no questionado capítulo VII. Aliás, nas mesmas
condições, idêntico direito assiste aos pais contra os filhos.
Completando esse dispositivo, prescreve o § único do art. 399 CC (§
acrescido pela lei 8.648, de 20/04/93): “No caso de pais que, na velhice, carência ou
enfermidade, ficaram sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se
despojaram de bens em favor da prole, cabe sem perda de tempo e até em caráter provisional,
aos filhos maiores e capazes, o dever de ajudá-los e ampará-los, com a obrigação irrenunciável
de assistí-los e alimentá-los até o final de suas vidas”.

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A lei 8.971/94 estabeleceu entre os concubinos que não sejam casados e


vivam juntos há mais de cinco anos, ou tenham filhos dessa união, a obrigação de alimentos.
Diante dos questionados preceitos legais, verifica-se que há quatro classes
de pessoas obrigadas à prestação alimentícia, formando verdadeira hierarquia no parentesco: 1ª)
pais e filhos, reciprocamente; 2ª) na falta destes, os ascendentes, na ordem de sua proximidade
com o alimentado; 3ª) os descendentes, na mesma ordem, excluído o direito de representação; 4ª)
os irmãos, unilaterais ou bilaterais; 5ª) e uma outra classe, calcada no concubinato, entre
concubinas, preenchidos determinados requisitos prévios.
Ainda com relação às pessoas com direito a alimentos, cumpre mencionar
que todos os filhos terão direito ao benefício, qualquer que seja a origem da filiação.
A concubina, porém, que não tinha direito a alimentos, passou a tê-lo,
podendo também pleiteá-los para a prole ilegítima. A mulher, embora casada, pode pedi-los aos
irmãos.
Preceitua o art. 399 CC que “são devidos os alimentos quando o parente,
que os pretende, não tem bens, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e o de
quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento”.
Verifica-se, por esse artigo, que não pode requerer alimentos, não pode
viver a expensas de outro, quem possui bens, ou está em condições de subsistir com o próprio
trabalho. Consequentemente, só pode reclamá-los aquele que não possuir recursos próprios e
esteja impossibilitado de obtê-los por doença, idade avançada, calamidade pública ou falta de
trabalho.
Terceiro elemento se impõe ainda à nossa atenção, o consoante do art. 400:
“Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da
pessoa obrigada”.
O critério usual para arbitramento da provisão devida pelo marido à
mulher, é de um terço dos vencimentos líquidos daquele.
Não é inalterável o quantum da pensão alimentícia fixada pelo juiz na ação
ordinária de alimentos. Referido quantum é arbitrado depois de convenientemente sopesadas as
necessidades do alimentado e a idoneidade financeira do alimentante, circunstâncias
eminentemente variáveis no tempo e no espaço. De pleno direito, o julgamento proferido
submete-se à condição de que os dados permaneçam no mesmo estado, rebus sic stantibus.
Nessas condições, se depois de fixados, sobrevém mudança na fortuna de quem os supre, ou na
de quem os recebe, pode o interessado reclamar do juiz, conforme as circunstâncias, exoneração,
redução ou agravação do encargo (CC, art. 401). Decisão que concede alimentos e lhes fixa o
montante, para esse efeito, nunca faz coisa julgada.
Por exemplo, fixa o juiz a provisão alimentar, tendo em vista determinado
salário auferido pelo alimentante. Posteriormente, vem este a obter promoção ou melhoria de
vencimentos. Pode o alimentado, com base nesses fatos supervenientes, solicitar majoração do
quantum obtido anteriormente.
Ao inverso, o alimentante vem a falir, reduz-se à miséria, sofre grandes
perdas pecuniárias ou é despedido do emprego. Poderá ele, por sua vez, invocando a ruína
econômica, pleitear completa exoneração do encargo alimentar ou, pelo menos, o respectivo
reajustamento, de acordo com as suas possibilidades atuais.
Todas essas modificações são requeridas mediante ação ordinária, aforada
perante o mesmo juízo que anteriormente havia arbitrado os alimentos, segundo o disposto no art.
108 CPC. É a ação de revisão ou de modificação a que se refere o art. 471, I, do mesmo código e
através da qual se assegura essa particular característica da obrigação alimentar, sua variabilidade.

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Dispunha outrora o art. 402, CC, que a obrigação de prestar alimentos não
se transmite aos herdeiros do devedor.
Mas, esse preceito veio a ser alterado pela recente lei 6.515/77, a qual, de
modo totalmente diverso, dispôs, em seu art. 23: “a obrigação de prestar alimentos transmite-se
aos herdeiros do devedor, na forma do art. 1.796 CC”.
Em segundo lugar, irrenunciável é o direito a alimentos. Pode-se deixar de
exercer, mas não se pode renunciar o direito a alimentos (art. 404). O que se pode renunciar é a
faculdade de exercício, não a de gozo.
Nos processos de separação consensual, com se viu anteriormente, torna-se
comum inserção de cláusula pela qual fica o marido dispensado de pensionar a mulher. Essa
estipulação é perfeitamente válida, pois a mulher não é parente do marido e a ela não se aplica,
por conseguinte, citado art. 404, que regula, tão somente, os alimentos devidos em razão do
parentesco. Parece, pois, impertinente qualquer ressalva que venha a garantir à mulher direito de
pleitear alimentos, caso deles necessite futuramente. Pactuada, porém, a desistência, não pode
reclamá-los posteriormente. Todavia, convencionada a pensão, assiste-lhe o direito de pleitear
majoração, caso se verifique a hipótese do art. 401.
Em terceiro lugar, a dívida de alimentos não comporta compensação (CC,
art. 1.015, II). Realmente, pela sua natureza, as dívidas alimentares não admitem esse modo de
extinção das obrigações.
Pela mesma razão, são impenhoráveis as prestações alimentícias; nenhum
credor da pessoa alimentada terá direito de fazer incidir penhora sobre o montante das prestações
devidas pelo alimentante.
Também não pode ser cedido o direito, quanto às prestações vincendas,
mas, no tocante às vencidas, como constituem dívida comum, nada impede sua cessão a outrem.
O art. 1.065 CC a ela não se opõe.
Igualmente, não pode ser objeto da transação o direito de pedir alimentos
(art. 1.035); todavia, é transacionável o quantum das prestações, tanto vencidas como vincendas.
Os alimentos objetivam a satisfação de necessidades atuais ou futuras e não
as passadas. A pensão alimentícia, em hipótese alguma, poderá ser subministrada para período
anterior à propositura da ação, não se atendendo, portanto, às necessidades passadas. Alimentos
são devidos ad futurum, não ad praeteritum.
Outro aspecto interessante da obrigação alimentar: na hipótese de
coexistirem vários parentes do mesmo grau, obrigados à prestação, não existe solidariedade.
Exemplificativamente: um indivíduo de idade avançada, pai de vários filhos, carece de alimentos.
Não se tratando de obrigação solidária, em que qualquer dos co-devedores responde pela dívida
toda (CC, art. 904), cumpre-lhe chamar a juízo, simultaneamente, num só feito, todos os filhos.
Não lhe é lícito dirigir a ação contra um deles somente, ainda que o mais abastado. Na sentença o
juiz rateará entre os litisconsortes a soma arbitrada, de acordo com as possibilidades econômicas
de cada um. Se um deles se achar incapacitado financeiramente, será por certo exonerado do
encargo.
Anote-se ainda que divisível é a obrigação. Em tais condições, numa ação
de alimentos, não pode o réu defender-se com a alegação de que existem outras pessoas
igualmente obrigadas e aptas a fornecê-los.
A pessoa obrigada tem liberdade de escolha quanto ao modo de solução.
Poderá pensionar o alimentado, subministrando-lhe periodicamente determinada quantia, ou optar
pelo recebimento deste em sua própria casa, onde lhe dará cama, comida e vestuário. Dispõe,

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efetivamente, o art. 403 que “a pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o
alimentado, ou dar-lhe em cada hospedagem e sustento”.
Aí estão as duas formas de prestação alimentar: a obrigação alimentar
própria (subministração direta dos alimentos na própria casa do alimentante) e a obrigação
alimentar imprópria (fornecimento periódico de uma mesada).
A liberdade de escolha outorgada ao alimentante e que à obrigação atribui
caráter alternativo (art. 884) não é, todavia, absoluta, pois, pode o juiz, se as circunstâncias
exigirem, fixar a maneira da prestação devida.
Cumpre estabelecer distinção entre alimentos provisionais e alimentos
definitivos. No CC, o único dispositivo concernente aos primeiros é o do art. 224, segundo o qual
pode a mulher pedir alimentos provisionais, na instância do desquite, nulidade ou anulação do
casamento, sendo eles arbitrados em conformidade ao art. 400.
Por intermédio dessa medida preventiva, a mulher reclama do marido, com
quem litiga, ou contra quem vai litigar, os meios necessários à sua mantença, até que afinal se
pronuncie a autoridade judiciária sobre a dissolução da sociedade conjugal.
Mas a mulher, separada de fato do marido, pode deste reclamar alimentos,
com base no art. 233, IV, se ele se descura da mantença da família. Assiste-lhe indubitavelmente
tal direito, ainda que ela não se resolva a mover ação de separação ou de divórcio. Nesse caso, os
alimentos dizem-se definitivos.
O foro competente para a propositura da ação de alimentos é o do domicílio
ou da residência do alimentado (CPC, art. 100, II).
Também ao filho menor assiste o direito de reclamar tal provisão, nos casos
indicados no art. 852, CPC: quando o devedor seja suspenso ou destituído do pátrio poder, e nos
de destituição de tutores e curadores.
Nos casos do art. 224 CC, a mulher tem direito aos alimentos provisionais
até que se ultime a partilha dos bens do casal.
Por fim, seu quantum pode ser igualmente revisto e alterado, de acordo
com o disposto no art. 401 do mesmo código.
A obrigação alimentar interessa ao estado. Efetivamente, em vários
dispositivos, depara-se esse público interesse. Assim, para garantir-lhe o fiel cumprimento,
estabelece a lei, dentre outras providências, a prisão do alimentante inadimplente, o que constitui
uma das poucas exceções ao princípio segundo o qual não há prisão por dívidas.
Todavia, só se decreta prisão se o alimentante, embora solvente, frustra, ou
procura frustrar, a prestação. Se ele se acha, no entanto, impossibilitado de fornecê-la, não se
legitima a decretação da pena definitiva.
Essa prisão só se impõe uma única vez, mas, com ela ou sem ela, persiste a
obrigação de satisfazer a todo tempo os alimentos arbitrados. Assim, não há incompatibilidade
entre a decretação da prisão civil e a execução da sentença de alimentos.
Só depois de malogradas tais providências se justifica a prisão do
alimentante. O habeas corpus, acrescente-se, não constitui meio idôneo para apreciar decisão do
juízo cível que ordena detenção por falta de pagamento da pensão.
Segundo o disposto no art. 178, § 10, I, do CC, prescrevem em cinco anos
as prestações de pensões alimentícias. O direito a alimentos é imprescritível. Enquanto vivo, o
alimentado tem direito a demandar do alimentante recursos que o habilitem a subsistir. Mas,
fixado judicialmente seu quantum, prescrevem num quinquênio as respectivas prestações. A
prescrição consuma-se paulatinamente, à medida que vai decorrendo cada lapso de cinco anos.

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7. Da tutela, curatela e da ausência

Antes de falar especificamente sobre a tutela e a curatela é necessário


abordar o instituto do Pátrio Poder. O pátrio poder pode ser conceituado como o conjunto de
obrigações, a cargo dos pais, no tocante à pessoa e bens dos filhos menores. Por natureza, é
indelegável.
Debaixo de seu manto protetor, colocam-se todos os filhos menores, sem
exceção, seja qual for a sua categoria: legítimos, legitimados, legalmente reconhecidos e adotivos.
Assim dispõe o art. 379 CC. Relativamente aos ilegítimos não reconhecidos, como a maternidade
quase sempre é certa, ficam eles, enquanto menores, sujeitos ao pátrio poder da genitora.
Ambos os pais têm o pátrio poder sobre o filho menor. Não se pense que o
exercício do pátrio poder pelo pai exclui a mãe desse direito. O pátrio poder cabe em comum aos
dois genitores, a ambos deve o filho obediência e respeito.
Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará a exercer o outro
com exclusividade.
O filho ilegítimo, não reconhecido pelo pai fica sob o poder materno. Se,
porém, a mãe não for reconhecida, ou capaz de exercer o pátrio poder, dar-se-á tutor ao menor.
No pátrio poder, salientam-se duas categorias de relações: a) direitos dos
pais quanto à pessoa dos filhos; b) direitos dos pais quanto aos bens dos filhos. As primeiras
chamam-se relações pessoais e as segundas, relações patrimoniais. Examinemos as primeiras.
Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I) dirigir-lhes a
criação e educação; II) tê-los em sua companhia e guarda; III) conceder-lhes, ou negar-lhes,
consentimento para casarem; IV) nomear-lhes tutor, por testamento ou documento autêntico, se o
outro dos pais lhe não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercitar o pátrio poder; V)
representá-los, até os 16 anos, nos atos da vida civil, e assistí-los, após essa idade, nos atos em
que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI) reclamá-los de quem ilegalmente os
detenha; VII) exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e
condição (art. 384); VIII) cumprir e mandar cumprir, no interesse deles, as determinações
judiciais; IX) assegurar-lhes convivência familiar e comunitária em ambiente livre de pessoas
dependentes de substâncias entorpecentes.
Examinado o pátrio poder quanto à pessoa dos filhos, resta analisá-lo
quanto aos bens. O pai e, na sua falta, a mãe, têm usufruto sobre os bens dos filhos menores, que
se achem sob o seu poder. O usufruto é inerente ao pátrio poder; cabe ao genitor, investido no seu
exercício e apenas cessa com a maioridade, emancipação, morte do filho ou inibição do pátrio
poder.
Relembre-se, a propósito do mesmo atributo, a norma consignada pelo art.
225, CC, segundo a qual “o viúvo, ou a viúva, com filhos do cônjuge falecido, que se casar antes
de fazer inventário do casal e dar partilha aos herdeiros, perderá o direito de usufruto dos bens
dos mesmos filhos”.
Bens existem que excluídos se acham do usufruto legal. Enumera-os o art.
390: I) os bens deixados ou doados ao filho com a exclusão do usufruto paterno; II) os bens
deixados ao filho, para fim certo e determinado.
Por outro lado, excluem-se ainda do usufruto, como da administração dos
pais: I) os bens adquiridos pelo filho ilegítimo, antes do reconhecimento; II) os adquiridos pelo
filho em serviço militar, de magistério, ou em qualquer função pública; III) os deixados ou

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Direito Civil

doados ao filho, sob a condição de não serem administrados pelos pais; IV) os bens que ao filho
couberem na herança (art.1.599), quando os pais forem excluídos da sucessão.
Em princípio, o patrimônio do filho menor é confiado à administração do
genitor, que estiver no exercício do pátrio poder (CC, art. 385). Os poderes do pai não devem
exceder, todavia, os da simples administração.
Só não pode o pai vender, hipotecar ou gravar de ônus real os imóveis do
filho, porque ultrapassam tais atos os limites da simples administração, constituindo atos de
disposição. Para a prática desses atos, torna-se indispensável prévia autorização judicial, desde
que ocorra necessidade ou evidente utilidade da prole.
O juiz competente para processar pedido de alvará para venda é o do
domicílio, e não o da situação; se recebido o imóvel em inventário, a competência será do juízo
respectivo, em virtude da conexidade de causas.
Em qualquer caso, a autorização judicial é condicionada à necessidade ou
evidente utilidade da prole. Por exemplo, se o menor carece de meios para continuar seus estudos,
ou tratamento médico, e não dispõe de outros recursos pecuniários; se ele se muda de um para
outro lugar, havendo dificuldade na administração do imóvel situado no antigo domicílio; em
todos esses casos, devido à evidente necessidade ou utilidade, autorizar-se-á a alienação
pretendida.
Não se perca de vista, porém, que a venda nunca se efetuará por preço
inferior ao da respectiva avaliação. Exige-se sempre vantagem ou conveniência para o incapaz.
Sempre que no exercício do pátrio poder colidirem os interesses dos pais
com os do filho, a requerimento deste ou do MP, o juiz lhe dará curador especial.
Para aplicação desta norma, não é mister haja prova de que o pai pretenda
lesar o filho. Basta se situem em posições aparentemente antagônicas os interesses de um e de
outro, para que se nomeie curador especial, que velará pelo incapaz.
Tornar-se-á, destarte, necessária a nomeação do referido curador nos
seguintes casos: a) para receber em nome do menor doação que lhe vai fazer o pai; b) para
concordar com a venda que o genitor efetuará a outro descendente; c) para intervir na permuta
entre o filho menor e os pais; d) para levantamento da inalienabilidade que pesa sobre o bem de
família.
Os prazos prescritivos são os mencionados no art. 178, § 6º, III e IV, CC.
Segundo o disposto no art. 392, CC, extingue-se o pátrio poder: I) pela
morte dos pais ou do filho; II) pela emancipação, nos termos do § único do art. 9º, parte geral; III)
pela maioridade; IV) pela adoção. Somente esses motivos, bem como aqueles enumerados nos
art. 394 e 395, acarretam tão grave consequência, sendo expressa a lei 8.069/90 no sentido de que
a falta de recursos materiais não constitui motivo para a perda ou suspensão do pátrio poder.
O gozo do pátrio poder, durante o casamento, ou enquanto perdurar a
entidade familiar, cabe simultaneamente a ambos os genitores, mas o exercício compete ao pai,
embora com a colaboração da mãe; se divergirem, prevalecerá a decisão paterna. Assim ocorre,
dentre outros motivos, para que haja unidade de direção nos assuntos domésticos, indispensável à
prosperidade e boa ordem das famílias.
O exercício do pátrio poder cabe, pois, ao pai; se este falece, transfere-se à
mãe. Se a mesma vem a morrer igualmente, extingue-se o pátrio poder, colocando-se então sob
tutela o filho menor. O óbito de ambos os genitores extingue, portanto, o poder paternal, o mesmo
acontecendo na hipótese de morte do filho menor, caso em que cessa também o pátrio poder, por
falta de objeto.

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Direito Civil

Em segundo lugar, constitui causa de extinção do pátrio poder a


emancipação do menor. Emancipação e a aquisição da capacidade civil antes da idade legal. Aos
21 anos completos, acaba a menoridade, ficando o indivíduo habilitado para todos os atos da vida
civil. Mas a incapacidade pode cessar antes desse termo, por meio da emancipação, que, em
nosso direito, ocorre pelos modos previstos no sobredito dispositivo legal (art. 9º, § 1º).
Finalmente, o pátrio poder extingue-se pela adoção, que faz desaparecerem
os direitos e deveres do filho para com o pai de sangue, especialmente o pátrio poder, que dele se
transfere para o adotivo. A adoção extingue assim o pátrio poder do pai carnal. Morto o pai
adotivo, o filho cai em estado de orfandade, não se restaurando absolutamente, como se poderia
imaginar, o pátrio poder do pai natural.
O ECA (lei 8.069/90), dentre outros procedimentos, previu a perda e a
suspensão do pátrio poder, somente possível por sentença judicial, em procedimento
contraditório.
O CC deixara estabelecido, no art. 394, que “se o pai, ou mãe, abusar do
seu poder, faltando aos deveres paternos, ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz,
requerendo algum parente, ou o MP, adotar medida, que lhe pareça reclamada pela segurança
do menor e seus haveres, suspendendo até, quando convenha o pátrio poder”.
Ajuntou o § único: “Suspende-se igualmente o exercício do pátrio poder,
ao pai ou mãe condenados por sentença irrecorrível, em crime cuja pena exceda de dois anos de
prisão”.
No tocante à perda, dispôs o art. 395: “perderá por ato judicial o pátrio
poder o pai, ou mãe: I) que castigar imoderadamente o filho; II) que o deixar em abandono; III)
que praticar atos contrários à moral e aos bons costumes”.
Não é possível confundir perda com a simples suspensão. Esta é muito
menos grave do que aquela. A primeira é permanente, a segunda, temporária. Desaparecendo a
causa determinante da suspensão, pode o pai, ou mãe, retornar ao exercício do pátrio poder.
No caso de perda, porém, tornar-se-á preciso que ele, ou ela, intente
procedimento judicial, de caráter contencioso, a fim de reabilitar-se e recuperar o direito que
perdera.
Ademais, a suspensão é facultativa e refere-se explicitamente a
determinado filho, ao passo que a inibição é abrangente e se estenderá a todos os filhos menores,
sem nenhuma exceção.
O art. 155 da lei 8.069/90 disciplina o procedimento a ser seguido em
ambas as hipóteses, podendo ter início por provocação do MP ou de quem tenha legítimo
interesse.
Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o MP,
decretar a suspensão do pátrio poder, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da
causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de
responsabilidade.
O requerido será citado para, no prazo de 10 dias, oferecer defesa escrita,
indicando as provas a serem produzidas e oferecendo, desde logo, o rol de testemunhas e
documentos.
Não sendo contestado o pedido, a autoridade judiciária dará vista dos autos
ao MP por cinco dias, salvo quando ele for o requerente, decidindo em igual prazo.
A requerimento de qualquer das partes, ou de ofício, pode o juiz determinar
a realização de estudo social, ou, se possível, perícia por equipe profissional.

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Direito Civil

A sentença que decretar a perda ou suspensão do pátrio poder, será


averbada à margem do registro de nascimento.
Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o
marido juntamente com a mulher. Se, porém, não mais existe quem o exerça, ou porque
faleceram ambos os genitores, ou porque suspensos ou destituídos do pátrio poder, ou ainda
porque julgados ausentes, os filhos menores são então postos em tutela. É a determinação
constante do art. 406 CC, que não alude a separação judicial ou divórcio.
Destina-se o tutor a substituir pai e mãe, que são os tutores naturais, os
primeiros e os melhores de todos; mas os pais não devem arrogar-se a qualidade de tutores, como
algumas vezes o fazem; eles são mais do que isso, eles têm o pátrio poder.
Existem três formas de tutela, oriundas do direito romano: a) por ato de
última vontade; b) legítima; c) dativa. Da primeira, cuida o CC, art. 407, em que se outorga ao
pai, ou à mãe, qual deles esteja no exercício do pátrio poder, direito de nomear tutor, por ato de
última vontade, aos filhos menores. Cada uma dessas pessoas o exercerá no caso de falta ou
incapacidade das que lhe antecederem na ordem estabelecida.
A nomeação, nessa forma de tutela, que tem preferência sobre todas as
demais, deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico. Estão nesse caso o
codicilo e a escritura pública.
Entretanto, para que tenha valor jurídico a nomeação por ato de última
vontade, feita pelo pai ou pela mãe, é mister que um e outro estejam no exercício do pátrio poder.
Nula é a designação efetuada por quem, ao tempo de sua morte, não tenha o pátrio poder.
Nessas condições, não valerá nomeação feita pela pai que decai
anteriormente ao pátrio poder por ato judicial; igualmente nula é a nomeação feita pelo pai em ato
de última vontade, se lhe sobrevive o genitor.
A segunda modalidade de tutela é a legítima, deferida pela lei aos parentes
consanguíneos do menor, na falta de tutela testamentária. A lei quer que o tutor seja parente, de
preferência a estranho. O art. 409 CC estabelece a ordem em que os parentes são chamados para
exercer a tutela: I) o avô paterno, depois o materno e, na falta deste, a avó paterna, ou materna; II)
os irmãos, preferindo os bilaterais aos unilaterais, o do sexo masculino ao do feminino, o mais
velho ao mais moço; III) os tios, sendo preferido o do sexo masculino ao do feminino, o mais
velho ao mais moço.
Finalmente, a terceira forma de tutela é a dativa, disciplinada pelo art. 410
CC e deferida pelo juiz, na falta das anteriores. Efetivamente, edita citado preceito legal que o
juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor: I) na falta de tutor testamentário, ou
legítimo; II) quando estes forem excluídos ou escusados da tutela; III) quando removidos, por não
idôneos, o tutor legítimo e o testamentário.
A nomeação judicial há de recair naturalmente em pessoa idônea, já que ao
tutor se confiarão a guarda do menor e a administração de seus bens. Não pode, destarte, ser
investido na tutoria, exemplificativamente, quem sofre condenação criminal. Por outro lado, o
tutor dativo deve ser residente no domicílio do menor, exigência que não se estende ao legítimo,
ou testamentário. O juiz competente para deferir compromisso de tutor será o do lugar em que o
menor vivia anteriormente com os pais.
Além das três espécies de tutela que acabamos de mencionar
(testamentária, legítima e dativa), costumam os doutrinadores aludir também à tutela irregular,
em que não há propriamente nomeação, em forma legal, mas em que o suposto tutor vela pelo
menor e seus interesses, como se estivesse legitimamente investido do ofício tutelar. Nosso

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direito não reconhece efeitos jurídicos a essa falsa tutela, que não passa, em última análise, de
mera gestão de negócios e como tal regida.
O art. 411 unifica a tutoria, dispondo, em sua primeira parte: “aos irmãos
órfãos se dará um só tutor”. A disposição é vantajosa para os pupilos, pela maior facilidade e
comodidade na gestão dos respectivos patrimônios. No caso, porém, de ser nomeado mais de um,
por disposição testamentária, entende-se que a tutela foi cometida ao primeiro, e que os outros lhe
hão de suceder pela ordem da nomeação, dado o caso de morte, incapacidade, escusa ou qualquer
outro impedimento legal.
Quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe
curador especial para os bens deixados, ainda que o menor se ache sob o pátrio poder, ou sob
tutela. Essa curadoria especial será exercida simultaneamente com o pátrio poder, ou com a
tutela, conforme o caso.
O Estatuto da Criança e do Adolescente igualmente previu o instituto da
tutela, cujo deferimento pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do pátrio poder, e
implica necessariamente o dever de guarda, com todos os deveres que esta acarreta: prestação de
assistência material, moral e educacional. Por outro lado, a guarda confere ao tutelado a condição
de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.
Quem são os incapazes de exercer a tutela? Enumera-os o CC no art. 413.
Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam: I) os que não tiverem lire
administração de seus bens; II) os que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem
constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer seus direitos contra este;
e aqueles cujos pais, filhos, ou cônjuges tiverem demanda com o menor; III) os inimigos do
menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela; IV) os
condenados por crime de furto, roubo, estelionato ou falsidade, tenham ou não cumprido a pena;
V) as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias
anteriores; VI) os que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela.
A tutela é munus público. Quem for chamado a exercê-la não pode fugir ao
encargo cometido, a menos que ocorra a seu favor alguma causa que o escuse do ofício tutelar. As
escusas admitidas em nosso direito são as enumeradas no art. 414 CC.
Podem escusar-se da tutela: I) as mulheres; II) os maiores de sessenta anos;
III) os que tiverem em seu poder mais de cinco filhos; IV) os impossibilitados por enfermidade;
V) os que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela; VI) os que exerceram tutela,
ou curatela; VII) os militares, em serviço.
Como se vê, o CC apresenta duas formas de escusas: as voluntárias,
mencionadas no citado art. 414, e as necessárias, discriminadas no artigo anterior. As primeiras
são meras causas de dispensa do exercício da tutela, ao passo que as segundas são causas de
incapacidade para o mesmo exercício, são causas proibitórias.
A escusa apresentar-se-á nos cinco dias subsequentes à intimação do
nomeado, sob pena de entender-se renunciado o direito de alegá-la. Se o motivo escusatório
ocorrer depois de aceita a tutela, os cinco dias contar-se-ão do em que ele sobrevier.
O juiz decidirá de plano o pedido de escusa. Se não a admitir, exercerá o
nomeado a tutela enquanto não for dispensado por sentença transitada em julgado.
Sublinha o CC, no art. 417, que, “se o juiz não admitir a escusa, exercerá o
nomeado a tutela, enquanto o recurso interposto não tiver provimento, e responderá desde logo
pelas perdas e danos, que o menor venha a sofrer”.
O tutor, antes de assumir a tutela, é obrigado a especializar, em hipoteca
legal, que será inscrita, os imóveis necessários, para acautelar, sob a sua administração, os bens

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do menor. Realmente, a lei confere dita garantia às pessoas que não tenham a administração de
seus bens, sobre imóveis de seus tutores e curadores.
Para esse efeito, dispõe o art. 1.188 do estatuto processual que, “prestado o
compromisso por termo em livro próprio rubricado pelo juiz, o tutor, antes de entrar em
exercício, requererá, dentro de dez dias, a especialização em hipoteca legal de imóveis
necessários para acautelar os bens que serão confiados à sua administração”.
Essa especialização é providência que se destina a completar o sistema de
garantias criado pela lei para acautelar e proteger as pessoas que, por incapacidade ou pela
natureza de sua constituição, se acham na impossibilidade de reger e defender por si próprias os
seus bens. Ela se processa de acordo com os art. 1.205 e seguintes do CPC, podendo ser requerida
pelo próprio tutor ou pelo representante do MP.
Se todos os imóveis de sua propriedade não valerem o patrimônio do
menor, reforçará o tutor a hipoteca mediante caução real ou fidejussória; salvo se para tal não
tiver meios, ou for de reconhecida idoneidade. De acordo com o estatuído no art. 1.191 do
estatuto processual, a nomeação ficará sem efeito se o tutor não puder garantir a sua gestão.
De efeito, dispensável será a hipoteca legal nas duas hipóteses seguintes: a)
se o menor não tem patrimônio; b) se o tutor é de notória integridade moral. No primeiro caso, há
dispensa da garantia, porque nada existe a acautelar ou resguardar; no segundo, porque a garantia
do órfão descansa na reconhecida idoneidade do tutor.
O juiz responde subsisdiariamente pelos prejuízos que sofra o menor em
razão da insolvência do tutor, de lhe não ter exigido a garantia legal, ou de o não haver removido,
tanto que se tornou suspeito.
Nessas três hipóteses (insolvência do tutor, dispensa da garantia e inércia
do juiz) a responsabilidade do magistrado é apenas subsidiária; mas a responsabilidade será
pessoal e direta, quando a autoridade judiciária não tiver nomeado tutor, ou quando a nomeação
não houver sido oportuna.
Incumbe ao tutor, sob a inspeção do juiz, reger a pessoa do menor, velar
por ele e administrar-lhe os bens.
Cabe ao tutor, quanto à pessoa do menor: I) dirigir-lhe a educação, defendê-
lo e prestar-lhe alimentos, conforme os seus haveres e condição; II) reclamar do juiz que
providencie, como houver por bem, quando o menor haja mister correção. Como se verifica, os
poderes do tutor são muito menos extensos que os do genitor, no exercício do pátrio poder,
devendo também matricular o menor na rede regular de ensino.
Compete mais ao tutor: I) representar o menor, até os 16 anos, nos atos da
vida civil, e assistí-lo, após essa idade, nos atos em que for parte, suprindo-lhe o consentimento;
II) receber as rendas e pensões do menor; III) fazer-lhe despesas de subsistência e educação, bem
como as da administração de seus bens; IV) alienar os bens do menor destinados a venda.
Compete-lhe também, com autorização do juiz: I) fazer as despesas
necessárias com a conservação e o melhoramento dos bens; II) receber as quantias devidas ao
órfão, e pagar-lhe as dívidas; III) aceitar por ele heranças, legados, ou doações, com ou sem
encargos; IV) transigir; V) promover-lhe, mediante praça pública, o arrendamento dos bens de
raiz; VI) vender-lhe em praça os móveis, cuja conservação não convier, e os imóveis, nos casos
em que for permitido; VII) propor em juízo as ações e promover todas as diligências a bem do
menor, assim como defendê-lo nos pleitos contra ele movidos, segundo o disposto no art. 84.
Acrescenta o art. 1.249 que os tutores não poderão dar em comodato, sem autorização especial, os
bens confiados à sua guarda.

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Desses atos, pela sua importância, merecem destaque a alienação e o


arrendamento de bens imóveis. Referentemente à primeira, cumpre realçar a máxima imperativa
do art. 429, segundo a qual “os imóveis pertencentes aos menores só podem ser vendidos, quando
houver manifesta vantagem, e sempre em hasta pública”.
São três, portanto, os requisitos para a venda de bens imóveis de menor sob
tutela: a) que haja manifesta vantagem na operação; b) prévia autorização judicial; c) sub-
hastamento do imóvel, isto é, sua venda em praça pública.
Já tivemos oportunidade de frisar a disparidade de situação entre menores
postos sob tutela e filhos sujeitos ao pátrio poder, no tocante à alienação de bens imóveis.
Se o menor se acha sob o pátrio poder, podem os bens ser vendidos, por
escritura pública. Essa autorização constará de alvará, expedido pela autoridade judiciária
competente.
Sob tutela o menor, a venda não pode ser feita mediante simples alvará. A
alienação efetuar-se-á sempre em hasta pública, providência que a lei toma a fim de evitar
conluios prejudiciais aos interesses do incapaz.
Atos existem que o tutor não pode de modo algum praticar, ainda que
autorizado pelo juiz, sob pena de nulidade. Enumera-os o art. 428: I) adquirir por si, ou por
interposta pessoa, por contrato particular, ou em hasta pública, bens móveis, ou de raiz,
pertencentes ao menor; II) dispor dos bens do menor a título gratuito; III) constituir-se cessionário
de crédito, ou direito, contra o menor.
São proibidos atos gratuitos, como a doação, a liberalidade. A
inobservância do preceito legal acarreta nulidade do ato, por ser ilícito o seu objeto. A norma é
inflexível e não comporta temperamentos.
Outras disposições concernentes ao exercício da tutela podem ser ainda
mencionadas: a) os bens do menor serão entregues ao tutor mediante termo especificado dos bens
e seus valores ainda que os pais o tenham dispensado; b) antes de assumir a tutela, o tutor
declarará tudo o que lhe deva o menor, sob pena de lhe não poder cobrar, enquanto exerça tutoria,
salvo provando que não conhecia o débito, quando a assumiu.
O tutor responde pelos prejuízos, que, por negligência, culpa, ou dolo,
causar ao pupilo; mas tem direito a ser pago do que legalmente despender no exercício da tutela,
e, salvo no caso do art. 412, a perceber uma gratificação pelo seu trabalho.
Em algumas legislações a tutela é gratuita. Pelo nosso direito, porém, seu
exercício comporta remuneração, cabendo ao juiz fixar-lhe o respectivo quantum, de acordo com
os rendimentos do pupilo. Mas, se este é pobre, não tem recursos, é claro que a tutoria será
inteiramente gratuita e desinteressada.
Não tendo os pais do menor fixado a gratificação, arbitrá-la-á o juiz, até
10%, no máximo da renda líquida anual dos bens administrados pelo tutor.
Os tutores não podem conservar em seu poder dinheiro de seus tutelados,
além do necessário, para as despesas ordinárias com o seus sustento, a sua educação e a
administração de seus bens.
Os objetos de ouro, prata, pedras preciosas e móveis desnecessários, serão
vendidos em hasta pública, e seu produto convertido em títulos de responsabilidade da União ou
dos Estados, recolhido à Caixas Econômicas ou aplicado na aquisição de imóveis, conforme
determinado pelo juiz. O mesmo destino terá o dinheiro proveniente de qualquer outra
procedência. Como se vê, o CC pátrio foi excessivamente minucioso quanto aos bens dos órfãos,
havendo por isso certo fundamento na censura que lhe é dirigida, de que dispôs como se todos os

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órfãos pertencessem às classes abastadas, quando, na realidade, a grande maioria é constituída de


indigentes e necessitados.
Os tutores respondem pela demora na aplicação dos valores acima ditos,
pagando os juros legais desde o dia em que lhes deveriam dar esse destino, o que não os exime da
obrigação, que o juiz fará efetiva, da referida aplicação. O crime de apropriação indébita tem a
pena aumentada, quando o agente recebeu a coisa na qualidade de tutor.
Os valores, uma vez depositados, na forma do artigo anterior, não se
poderão retirar, senão mediante ordem do juiz, e somente: I) para as despesas com o sustento e
educação do pupilo, ou a administração de seus bens; II) para se comprarem bens de raiz e títulos
da dívida pública da União, ou dos Estados; III) para se empregarem em conformidade com o
disposto por quem os houver doado, ou deixado; IV) para se entregarem aos órfãos, quando
emancipados, ou maiores, ou mortos eles, aos seus herdeiros.
De acordo com esse dispositivo, que enumera taxativamente os casos de
aplicação dos dinheiros pertencentes a órfãos sob tutela, não é possível levantarem-se parcelas
para investimento diverso, ainda que mais promissor, como, por exemplo, empréstimos sob
hipoteca, aquisição de ações de sociedades particulares, operações de bolsa e outros negócios.
Estabelece o art. 434 do CC que os tutores, embora o contrário dispusessem
os pais dos tutelados, são obrigados a prestar contas da sua administração.
Quem administra bens alheios, como o tutor, tem o dever ético e jurídico de
prestar contas, a fim de comprovar sua lisura e a regularidade da gestão. A prestação de contas
constitui a máxima garantia da administração do tutor.
As contas devem ser organizadas em forma mercantil, descrevendo o tutor
o ativo, sem omissão alguma, e justificando cabalmente o passivo, com oferecimento de toda a
documentação respectiva. Só se dispensa apresentação de documentos relativos a gasto de pouca
monta, em que habitualmente não se exigem recibos.
Os tutores prestarão contas de dois em dois anos, e bem assim quando, por
motivo qualquer, deixarem o exercício da tutela, ou toda a vez que o juiz houver por conveniente.
Além da prestação de contas, os tutores são obrigados ainda a apresentar
anualmente o balanço de sua administração, que é um resumo da receita e da despesa, uma
prestação de contas simplificada, para governo da autoridade judiciária.
Finda a tutela pela emancipação, ou a maioridade, a quitação do menor não
produzirá efeito antes de aprovadas as contas pelo juiz, subsistindo inteira, até então, a
responsabilidade do tutor. O pupilo, tornando-se maior, na ânsia, talvez, de eliminar todos os
resquícios de sua recente incapacidade, e também por consideração e respeito ao antigo tutor,
poderia dar-lhe quitação e assim exonerá-lo de qualquer responsabilidade. Para afastar esse
perigo, para arredar natural ascendência do tutor sobre o tutelado, dispõe a lei que a quitação
deste, embora maior ou emancipado, não vale enquanto as contas do tutor não sejam havidas
como boas e valiosas pelo competente juiz.
O art. 438 prescreve que, nos casos de morte, ausência ou interdição do
tutor, as contas serão prestadas por seus herdeiros, ou representantes. Assim, no caso de morte do
tutor casado, cabe à mulher requerer a prestação de contas para entrega dos saldos apurados. Deve
ela aguardar, entretanto, nomeação de novo tutor, para que este também se manifeste sobre as
contas.
As despesas com a prestação de contas serão pagas pelo tutelado.
Conseguintemente, o menor terá de arcar com o pagamento dos honorários de advogado, custas e
outras despesas judiciais, efetuadas pelo tutor, porque, como deve estar claro, a prestação de
contas é providência que visa acautelar o interesse do órfão. Entretanto, se há litígio, se a

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Direito Civil

prestação de contas assume aspecto contencioso, com impugnação de verbas constantes da receita
e da despesa, as custas serão pagas ao final pelo vencido de conformidade com o disposto no art.
20 CPC.
A tutela é naturalmente temporária. Ela é a proteção devida em razão da
idade e por isso cessa quando vem a quadra da responsabilidade. Efetivamente, dispõe o art. 442
que cessa a condição de pupilo: I) com a maioridade, ou emancipação do menor; II) caindo o
menor sob pátrio poder, no caso de legitimação, reconhecimento, ou doação.
Também desaparece a condição de pupilo, se o menor cai sob o pátrio
poder, é legitimado, reconhecido ou adotado. A tutela constitui ato suplementar do pátrio poder;
se este se estabelece, ou se restabelece, cessa a primeira automaticamente.
Por outro lado, cessam as funções do tutor: I) expirando o tempo em que
era obrigado a servir; II) sobrevindo escusa legítima; III) sendo removido.
O termo de duração da tutela estende-se por dois anos. Prescreve,
realmente, o art. 444 que os tutores são obrigados a servir por espaço de dois anos. Acrescenta o §
único que podem, porém, continuar além desse prazo, no exercício da tutela, se o quiserem, e o
juiz tiver por conveniente ao menor. Acrescenta o estatuto processual, no art. 1.198, que,
cessando as funções do tutor pelo decurso do prazo em que era obrigado a servir, ser-lhe-á lícito
requerer a exoneração do cargo; não o fazendo nos dez dias seguintes à expiração do termo,
entender-se-á reconduzido, salvo se o juiz o dispensar.
Também cessam as aludidas funções com a superveniência de escusa
legítima. Por exemplo, depois de se achar delas investido, atinge o tutor os 60 anos de idade. Em
tal hipótese, pode ele pleitear dispensa do encargo. Não teria o mesmo direito se tivesse tal idade
quando aceitou o munus; nessa conjuntura, deverá completar o biênio para o qual fora nomeado.
Em princípio, todo indivíduo maior ou emancipado deve por si mesmo
reger sua pessoa e administrar seus bens. A capacidade sempre se presume. Há pessoas,
entretanto, que, em virutde de doença ou deficiência mental, se acham impossibilitadas de cuidar
dos próprios interesses. Tais seres sujeitam-se, pois, à curatela, que constitui medida de amparo e
proteção, e não penalidade.
A curatela é, portanto, encargo deferido por lei a alguém para reger a
pessoa e administrar os bens de outrem, que não pode fazê-lo por si mesmo. Não se confunde
com a tutela. Recai esta, tão somente, sobre menores, ao passo que aquela, normalmente, incide
sobre indivíduos de maior idade, privados de discernimento.
De acordo com o art. 446 CC, estão sujeitos à curatela: I) os loucos de todo
o gênero; II) os surdos-mudos, sem educação que os habilite a enunciar precisamente a sua
vontade; III) os pródigos.
Além desses indivíduos, podem ser igualmente interditados os
toxicômanos, segundo o regulamento aprovado pelo Decreto 4.294, de 6/7/21, bem como o
Decreto-lei 891, de 25/11/38.
Os loucos de todo o gênero são absolutamente incapazes. Também os
surdos-mudos, que não possam exprimir a sua vontade; mas, no tocante a estes, pronunciada a
interdição, assinará o juiz, segundo o desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela.
Os toxicômanos, por sua vez, serão absoluta ou relativamente incapazes, como for assinado pelo
juiz, segundo a gravidade da intoxicação. Os pródigos, todavia, são apenas relativamente
incapazes.
Não há outras pessoas sujeitas à curatela; cegueira, analfabetismo, idade
provecta, por si sós, não constituem motivo bastante para interdição. A velhice acarreta, sem
dúvida, diversos males, verdadeiro cortejo de transtornos, mas, só quando assume caráter

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Direito Civil

psicopático, com estado de involução senil em desenvolvimento e tendência a se agravar, pode


sujeitar o paciente à curatela. Mas, enquanto não importe em deficiência, não reclama intervenção
legal.
O pródigo é apenas relativamente incapaz. Consoante o disposto no art. 459
CC, ele só não pode, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar
ou ser demandado, e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração. Não podem
também ser tutor, porque não tem livre a gestão de seus bens.
As restrições, que o pródigo sofre, dizem respeito, portanto, aos bens.
Relativamente à sua pessoa, nenhuma limitação existe. Pode assim dirigir-se como entender,
exercer sua profissão (desde que não seja a de comerciante), ser encarregado da fixação do preço,
no caso a que se refere o art. 1.123 CC, casar-se (dependendo do consentimento do curador) e ser
testemunha.
A incapacidade mental é apurada em processo de interdição, disciplinado
pelos arts. 1.177 e seguintes do CPC. Não se admite o pronunciamento da interdição em processo
comum. Torna-se possível, entretanto, investigar-se o estado mental do suposto incapaz em feitos
de outra natureza, como ação de anulação de testamento fundada no art. 1.627, II a IV, CC, ou de
compra e venda, além de outras.
Reconhecida nesses casos a insanidade, anula-se o ato, mas, não se decreta
a interdição, cujo reconhecimento depende, como se acentuou, de instauração do processo
específico, regulado pelos art. 1.177 e seguintes da lei adjetiva.
A interdição deve ser promovida: I) pelo pai, mãe, ou tutor; II) pelo cônjuge
ou algum parente próximo; III) Pelo MP.
Essa enumeração é taxativa. Não se permite assim a estranho ou mesmo a
parente afastado requerer a interdição. Sendo parente próximo, porém, surge a qualidade para
requerê-la, ainda que menor ou incapaz, hipótese em que agirá por intermédio do representante
legal.
É parte ilegítima, para promover o processo, cônjuge separado
judicialmente, o mesmo acontecendo com o próprio paciente, com os afins e associações,
entidades ou institutos previdenciários, de que ele seja membro. Também não pode o juiz, ex
officio, iniciar o procedimento. Para isso existe o MP, cujo representante, todavia, só pode agir
nos casos expressos no art. 448, a saber: I) no caso de loucura furiosa; II) se não existir, ou não
promover a interdição alguma das pessoas designadas no art. Antecedente, nºs I e II; III) se,
existindo, forem menores, ou incapazes.
De acordo com esse último dispositivo, vê-se que não é ilimitada a ação do
MP, que só pode agir em casos restritos. Se o insano sofre de loucura furiosa, pondo em risco
seus semelhantes, cabe à sociedade intervir, por intermédio de seu representante, competindo-lhe
simultaneamente um direito e um dever, um direito de defesa e um dever de proteção.
Por igual, se o demente não tem quem lhe requeira a interdição, ou se os
parentes se omitem, cabe então ao MP, em nome do interesse social, intentar o processo tendente
a interditar o enfermo.
Quanto ao pródigo, este só incorre em interdição se tiver cônjuge, ou
ascendentes e descendentes legítimos, que a promovam. Verifica-se assim, por esse artigo, que o
legislador visou, não à proteção e ao amparo do pródigo, mas à defesa dos interesses patrimoniais
da família. De moral, o interesse passou a econômico.
Não tem, destarte, qualidade para promovê-la o órgão do MP, nem o juiz ex
officio, nem qualquer outro parente, conquanto próximo, como o tio ou irmão.

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Direito Civil

Requerida pelo cônjuge, ou por algum parente, deve o peticionário instruir


o pedido com a prova de casamento, ou do parentesco, a fim de legitimar a iniciativa.
Promovida pelo órgão do MP, o juiz nomeará ao interditando curador à
lide; nos demais casos, isto é, nas hipóteses em que a interdição é requerida pelo outro cônjuge,
ou por parente, servirá como defensor o próprio representante do MP.
Nada impede, porém, que o interditando constitua advogado para a sua
defesa, sem prejuízo da atuação do curador nomeado pelo juiz.
O foro competente é o do domicílio do requerente.
Efetivamente, dispõe o art. 1.180 que na petição inicial o interessado
provará a sua legitimidade, especificará os fatos que revelam a anomalia psíquica e assinalará a
incapacidade do interditando que será citado para, em dia designado, comparecer perante o juiz,
que o examinará, interrogando-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios, bens e do mais
que lhe parecer necessário para ajuizar o seu estado mental, reduzidas a auto as perguntas e
respostas.
Dentro do prazo de cinco dias contados da audiência de interrogatório,
poderá o interditando impugnar o pedido. Decorrido esse prazo, o juiz nomeará perito para
proceder ao exame do interditando. O interditando e o requerente poderão nomear assistentes
técnicos.
Apresentado o laudo, o juiz designará audiência de instrução e julgamento.
Se o laudo declarar a insanidade mental do interditando, ou algum dos motivos que autorizam a
interdição, o juiz a decretará. Havendo dúvida sobre as conclusões, a interdição não deve ser
decretada.
Decretando a interdição, o juiz, na mesma sentença., nomeará curador para
o interdito. Para essa nomeação, observar-se-à o disposto no art. 454 da lei civil: “O cônjuge, não
sendo separado judicialmente, é, de direito, curador do outro, quando interdito. Na falta do
cônjuge é curador legítimo o pai; na falta deste, a mãe; e, na desta, o descendente maior. Entre
os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos, e, dentre os do mesmo grau, os
varões às mulheres. Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador”.
Impõe-se, todavia, os seguintes esclarecimentos: a) o encargo deve ser
exercido pessoalmente; b) a colisão de interesses afastará a nomeação; c) não se submete o
interdito à curatela de pessoa que não lhe merecia confiança, ao tempo em que ainda gozava de
pleno discernimento; d) a existência de filho adotivo exclui outros parentes da linha transversal;
e) nenhuma preferência a lei outorga aos demais parentes próximos, ainda que irmãos.
A decisão que decreta a interdição produz efeitos desde logo, embora
sujeita a recusa. Os atos anteriores à senteça declaratória são apenas anuláveis e só serão
invalidados se se demonstrar em juízo, mediante ação própria, que foram praticados em estado de
loucura.
No processo deve intervir o MP, sob pena de nulidade.
Enquanto se processa a interdição, pode dar-se ao interditando um
administrador provisório, a quem caberá receber as pensões que acaso lhe caibam, bem como
administrar-lhe os bens e tomar outras providências.
A interdição será levantada desde que se prove ter cessado sua causa. O
requerimento pode ser feito pelo próprio interdito. Junto aos autos, nomeará o juiz peritos para
procederem ao exame de sanidade mental. Após a apresentação do laudo, o juiz designará
audiência de instrução e julgamento. Verificando que o interdito recuperou o uso das faculdades
psíquicas, o juiz proferirá sentença, levantando a interdição.

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Direito Civil

Assim acontece igualmente nos casos de prodigalidade, que se levanta: a)


se desaparece a incapacidade que a determinara; b) se não mais existem os parentes mencionados
no art. 460. Também já se determinou o levantamento quando o único parente, a quem caberia
promovê-la, anui em que seja revogada.
Tanto a sentença que decreta, como a que levanta a interdição, devem ser
levadas a registro no cartório competente, e publicadas, para conhecimento de terceiros.
São aplicáveis à curatela todas as disposições legais concernentes à tutela.
De feito, é o que está contido no art. 453 do CC.
Em tais condições vigoram também para os curadores as causas voluntárias
e proibitórias, prescritas nos arts. 413 e 414, CC.
Em tais condições, bens de interditos só podem ser alienados os arrendados
em hasta pública, desde que haja manifesta vantagem na operação, e sempre mediante autorização
judicial. As próprias permutas não escapam à exigência da hasta pública.
A autoridade do curador estende-se à pessoa e bens dos filhos do
curatelado, nascidos ou nascituros. Não convém aos interesses solidários da família dar como
tutor aos filhos menores do interdito pessoa diversa do seu curador.
A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a
lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro, a lei determina se lhe nomeie curador,
se a mulher enviuvar, estando grávida, não tendo o pátrio poder.
Mas, só há interesse na nomeação se o nascituro tem a receber herança,
legado ou doação. Será ele então, nessa conjuntura, titular de direitos, embora subordinados a
condição suspensiva, o nascimento com vida.
Em princípio, a concubina não tem legitimidade para requerer a interdição
do companheiro, ou de ser nomeada sua curadora. Contudo, à vista dos direitos que lhe foram
conferidos pela lei 8.971/94, em que lhe são assegurados direitos sucessórios, quer na qualidade
de herdeira, se não há descendentes, ascendentes ou cônjuge, quer na condição de meeira dos
bens para cuja aquisição colaborou, poderá promover a interdição e exercer a curatela do
concubino.
Para finalizar chegamos à ausência. O que caracteriza essencialmente a
ausência é a incerteza entre a vida e a morte do ausente, a luta entre a presunção de vida, por não
estar provado o óbito do ausente, e a presunção de morte, pela absoluta falta de notícias e que
aumenta em razão do tempo decorrido.
No sentido técnico, a palavra ausência tem significado algo diferente do
que lhe empresta a linguagem comum. Para o vulgo, ausência é simplesmente não-presença.
Ausente será, portanto, aquele que presente não está em seu domicílio.
No sentido técnico, porém, ausente é aquele que,devido ao seu
desaparecimento, é declarado tal por ato do juiz. Não basta a simples não-presença para
configurar a ausência no sentido técnico. É essencial ainda a falta de notícias do ausente, de modo
a existir dúvida sobre a sua existência, bem como a declaração judicial desse estado. Se
pudéssemos lançar mão de uma fórmula, diríamos que: não-presença + falta de notícias + decisão
judicial = ausência.
No sentido comum, a falta de comparecimento do ausente, chamado por
editais, produz apenas a sua revelia, suprida pela nomeação do curador à lide. No sentido jurídico,
o ausente que desaparece de seu domicílio, sem que dele se tenha notícia depois de declarado tal
por juiz, é absolutamente incapaz, instituindo-se a sua curadoria.
Não é de se confundir, portanto, ausência com revelia; a primeira é de
direito substantivo, ao passo que a segunda é de direito adjetivo.

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Direito Civil

A ausência, no sentido técnico, que é a que nos interessa, se desdobra em


três fases distintas: a curadoria do ausente, a sucessão provisória e a sucessão definitiva. O
legislador procurou graduar, em cada uma dessas fases, as respectivas provisões, tendo em conta
a maior ou menor probabilidade de vida ou reaparecimento do ausente. A principio, como essa
probabilidade é maior, as provisões são menos sensíveis; com o tempo, porém, à medida que tal
probabilidade diminui, as provisões se agravam, podendo chegar até à perda total dos bens pelo
ausente, através do processo de sucessão definitiva.
Examinemos cada uma daquelas fases, começando pela curadoria do
ausente. A curadoria do ausente instaura-se em dois casos: a) desaparecendo uma pessoa de seu
domicílio, sem que haja notícia, se não houver deixado representante, ou procurador, a quem
toque administrar-lhe os bens, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, ou do Ministério
Público, nomear-lhe curador; b) também se nomeará curador, quando o ausente deixar
mandatário, que não queira, ou não possa exercer ou continuar o mandato.
Da combinação de ambos os dispositivos, decorre que é de rigor a
nomeação de curador sempre que houver bens em abandono, não se tiver notícia de seu dono e
não houver deixado quem o represente, ou, tendo deixado, não queira ou não possa o mandatário
exercer o mandato.
Levados esses fatos ao conhecimento do juiz, este, depois de certificar-se
de sua veracidade, podendo, para isso, recorrer a testemunhas e outras provas, procederá à
arrecadação dos bens mediante auto em que especificará minuciosamente tudo quanto haja
encontrado e arrecadado.
O cônjuge do ausente, sempre que não esteja separado, judicialmente, será
o seu legítimo curador. Em falta de cônjuge, a curadoria dos bens do ausente incumbe ao pai, à
mãe, aos descendentes, nesta ordem, não havendo impedimento que os iniba de exercer o cargo.
Entre os descendentes, os mais vizinhos precedem os mais remotos, e, entre os do mesmo grau,
os varões preferem às mulheres.
A curadoria dos bens do ausente estende-se, normalmente, pelo período de
um ano. Durante esse espaço, mediante editais, publicados de dois em dois meses, o ausente é
convidado a reaparecer e a entrar na posse de seus bens.
Se o ausente retorna, cessa imediatamente a curadoria, o mesmo
acontecendo, evidentemente, no caso em que haja notícia certa de sua morte.
Decorrido aquele prazo, sem que reapareça o ausente, ou se tenha notícia
positiva de sua morte, ou não haja representante, podem os interessados requerer se abra sucessão
provisória.
Sobre a sucessão provisória, dispõe realmente o preceito legal que:
“Passado um ano da publicação do primeiro edital sem que se saiba do ausente e não tendo
comparecido seu procurador ou representante, poderão os interessados requerer que se abra
provisoriamente a sucessão”.
Consideram-se, para este efeito, interessados: I) o cônjuge não separado
judicialmente; II) os herdeiros presumidos legítimos, ou os testamentários; III) os que tiverem
sobre os bens do ausente direito subordinado à condição de morte; IV) os credores de obrigações
vencidas e não pagas.
Findo o prazo do art. 469, e não havendo absolutamente interessados na
sucessão provisória, cumpre ao MP requerê-la ao juízo competente.
O interessado, ao requerer a abertura da sucessão provisória, pedirá a
citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador e, por editais, a dos ausentes para oferecerem
artigo de habilitação.

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Direito Civil

A sentença que determinar a abertura da sucessão provisória só produzirá


efeito seis meses depois de publicada pela imprensa; mas, logo que passe em julgado, se
procederá à abertura do testamento, se existir, e ao inventário e partilha dos bens, como se o
ausente fosse falecido.
Não comparecendo herdeiro, ou interessado, tanto que passe em julgado a
sentença que mandar abrir a sucessão provisória, proceder-se-à judicialmente à arrecadação dos
bens do ausente pela forma estabelecida nos art. 1.591 a 1.594, CC, a herança será considerada
jacente.
Como o óbito do ausente é apenas presumido e como se torna possível, de
um momento para outro, o retorno dele, os bens devem ser guardados pelos herdeiros na previsão
desse regresso, a fim de serem devolvidos, quando reclamados.
Para salvaguardar a entrega, a lei adota várias providências acautelatórias:
a) antes da partilha o juiz ordenará a conversão dos bens móveis, sujeitos a
deterioração ou a extravio, em imóveis, ou em títulos da dívida pública da União, ou dos Estados;
b) os herdeiros imitidos na posse dos bens do ausente darão garantias da
restituição deles, mediante penhores, ou hipotecas, equivalentes aos quinhões respectivos. O que
tiver direito à posse provisória, mas não puder prestar a garantia exigida neste artigo, será
excluído, mantendo-se os bens que lhe deviam caber sob a administração do curador, ou de outro
herdeiro designado pelo juiz, e que presta a dita garantia;
c) na partilha, os imóveis serão confiados em sua integridade aos
sucessores provisórios mais idôneos;
d) não sendo por desapropriação, os imóveis do ausente só se poderão
alienar, quando o ordene o juiz, para lhes evitar a ruína, ou quando convenha convertê-los em
títulos da dívida pública;
e) empossados nos bens, os sucessores provisórios ficarão representando
ativa e passivamente o ausente, de modo que contra eles correrão as ações pendentes e as que de
futuro àquele se moverem;
f) o descendente, ascendente, ou cônjuge, que for sucessor provisório do
ausente fará seus todos os frutos e rendimentos dos bens a que a este couberem. Os outros
sucessores, porém, deverão capitalizar metade desses frutos e rendimentos, segundo disposto no
art. 472, de acordo com o representante do MP, e prestar anualmente contas ao juiz competente;
g) o excluído, segundo o art. 473, § único, da posse provisória, poderá,
justificando falta de meios, requerer lhe seja entregue metade dos rendimentos do quinhão, que
lhe tocaria.
Se durante a posse provisória se provar a época exata do falecimento do
ausente, considerar-se-á, nessa data, aberta a sucessão em favor dos herdeiros, que o eram àquele
tempo. Realmente, a sucessão provisória converte-se em definitiva quando houver certeza da
morte do ausente.
Se o ausente aparecer, ou se lhe provar a existência, depois de estabelecida
a posse provisória, cessarão para logo as vantagens dos sucessores nela imitidos, ficando, todavia,
obrigados a tomar as medidas assecuratórias precisas, até a entrega dos bens a seu dono.
Finalmente, a sucessão definitiva. Dez anos depois de passada em julgado a
sentença, que concede a abertura da sucessão provisória, poderão os interessados requerer a
definitiva e o levantamento das cauções prestadas.
Também se pode requerer a sucessão definitiva, provando-se que o ausente
conta 80 anos de nascido, e que de 5 datam as últimas notícias suas.

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Direito Civil

Regressando o ausente nos dez anos seguintes à abertura da sucessão


definitiva, ou algum de seus descendentes, ou ascendentes, aquele ou estes haverão só os bens
existentes no estado em que se acharem, os sub-rogados em seu lugar, ou o preço que os
herdeiros e demais interessados houverem recebido pelos alienados depois daquele tempo.
Se, nos dez anos destes artigos, o ausente não regressar, e nenhum
interessado promover a sucessão definitiva, a plena propriedade dos bens arrecadados passará ao
Estado, ou ao Distrito Federal, se o ausente era domiciliado nas respectivas circunscrições, ou à
União, se o era em território ainda não constituído em estado.
O município adquire propriedade dos bens arrecadados, nos termos da lei
municipal específica.
A sucessão por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o
desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
No direito interno, o preceito é idêntico; a decretação da ausência deve ser
requerida ao juiz do domicílio do ausente, ou, na falta de domicílio, ao da comarca da última
residência deste.
Prescreve o art. 12, IV, CC que será inscrita em registro público a sentença
declaratória da ausência.
O regulamento dos registros públicos, aprovado pela lei 6.015, de 31/12/73,
no art. 94, esclarece que o registro de sentenças declaratórias de ausência, que nomearem curador,
será feito no cartório do domicílio anterior do ausente, com as mesmas cautelas e efeitos do
registro de interdição, declarando-se: 1º) data do registro; 2º) nome, idade, estado, profissão e
domicílio anterior do ausente, data e cartório em que foram registrados o nascimento e o
casamento, bem como o nome do cônjuge, se for casado; 3º) tempo de ausência até a data da
sentença; 4º) nome do promotor do processo; 5º) data da sentença e nome e vara do juiz que a
proferiu; 6º) nome, estado, profissão, domicílio e residência do curador e os limites da curatela.
No livro das emancipações, interdições e ausências será feita a averbação
das sentenças que puserem termo à interdição, das substituições dos curadores de interditos ou
ausentes, das alterações dos limites da curatela, da cessação ou mudança de internação, bem
como da cessação da ausência pelo aparecimento do ausente.
Será também averbada, no assento de ausência, a sentença de abertura de
sucessão provisória, após o trânsito em julgado, com referência especial ao testamento do
ausente, se houver, e indicação de seus herdeiros habilitados.
A existência da pessoa natural termina com a morte. Presume-se esta,
quanto aos ausentes, nos casos dos arts. 481 e 482, CC.
O casamento válido, entretanto, só se dissolve pela morte de um dos
cônjuges, não se lhe aplicando a presunção estabelecida no citado art. 10, segunda parte, CC. Por
mais prolongada que seja, a ausência não tem o dom de romper o vínculo matrimonial, nem de
desligar o outro cônjuge do dever de fidelidade.
Nessas condições, a presunção de morte de pessoa desaparecida há longos
anos não permite seja reconhecido, por terceiro, filho que este teve com o cônjuge ausente.
Se o ausente deixar filhos menores, e o outro cônjuge houver falecido, ou
não tiver direito ao exercício do pátrio poder, proceder-se-à com esses filhos, como se fossem
órfãos de pai e mãe.
Advirta-se, por fim, que limitada é a influência exercida pela declaração
judicial da ausência, quanto ao estado e à capacidade pessoal do ausente, no lugar em que se ache,
quer para modificá-los, quer para suprimi-los. Conquanto absolutamente incapaz no foro de seu

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Direito Civil

antigo domicílio, válidos serão, no entanto, os atos jurídicos que venha a praticar na localidade
em que se haja fixado.

O resumo, numa seleção e transcrição dos pontos mais importantes de cada autor,
foi feito a partir das seguintes obras:

a) Código Civil;
b) Programa de Direito Civil, San Tiago Dantas, Editora Rio, 2ª edição, 1º volume;
c) Curso de Direito Civil, Washington de Barros Monteiro, Editora Saraiva, 32ª
edição, volume II;
d) Introdução ao Direito Civil, Jefferson Daibert, Editora Forense, 2ª edição;
e) Curso de Direito Civil Brasileiro – introdução e parte geral, João Franzen de
Lima, Editora Forense, 7ª edição;
f) Instituições de Direito Civil, Caio Mário da Silva Pereira, Editora Forense, 3ª
edição, volume I;
g) Instituições de Direito Civil, Caio Mário da Silva Pereira, Editora Forense, 1ª
edição, volume V;
h) Código Civil – comentários didáticos, Antônio José de Souza Levenhagen,
Editora Atlas, 1ª edição, volume I (parte geral);
i) Código Civil – comentários didáticos, Antônio José de Souza Levenhagen,
Editora Atlas, 3ª edição, volume II (direito de família);
j) União Livre à luz da lei 8.971/94 e da lei 9.278/96, Rainer Czajkowski, Editora
Juruá, 1ª edição.

Ricardo Lúcio Salim Nogueira, Bacharel em Direito pela FUPAC - Fundação


Presidente Antônio Carlos – Barbacena/MG, turma 1989/1992, Pós-graduado (latu
sensu) em Direito Civil pela FUPAC/Grupo Prisma.

Rsalim@prover.com.br

ÍNDICE
1. Da Pessoa Natural. Pág. 1
1.1. Personalidade e Capacidade. Pág. 1
1.2. Da Pessoa Jurídica e seu registro. Pág 3
1.3. Da sociedade e das associações civis. Pág 5
1.4. Das Fundações. Pág 7
1.5. Do domicílio civil. Pág 8
2. Dos bens. Pág 10
3. Dos fatos jurídicos. Pág 24

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Direito Civil

3.1. Dos defeitos dos atos jurídicos. Pág 29


3.2. Da forma dos atos jurídicos e da sua prova. Pág 39
3.3. Das nulidades. Pág 50
3.4. Dos atos ilícitos. Pág 53
3.5. Da prescrição e da decadência. Pág 58
4. Do casamento. Pág 76
4.1. Impedimento e sua oposição. Pág 85
4.2. Celebração e prova do casamento. Pág 91
4.3. Casamento nulo e anulável. Pág 96
4.4. Efeitos jurídicos do casamento. Pág 108
4.5. Do regime de bens. Pág 122
4.6. Dissolução. Pág 138
5. Concubinato. Pág 150
6. Das relações de parentesco. Pág 158
6.1. Filiação. Pág 161
6.2. Adoção. Pág167
6.3. Alimentos. Pág 170
7. Da tutela, curatela e da ausência. Pág 174

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