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Bacharelado e Licenciatura em Letras • UEMS/Campo Grande
Mestrado em Letras • UEMS / Campo Grande
ISSN: 2178-1486 • Volume 4 • Número 10 • julho 2013
RESUMO: A cidade de São Luís no Maranhão, entre outras capitais brasileiras, recebeu um contingente
grande de africanos escravizados. Em razão disso, tornou-se também um espaço de resistência negra,
desde o período pré-abolicionista. Essa característica ludovicense é relatada em Os tambores de São Luís,
do escritor modernista Josué Montello. Nessa obra, o autor revela múltiplas formas de resistência: da
criação e expansão dos quilombos à mobilização das comunidades negras nos terreiros em prol da
libertação. O olhar apurado do escritor maranhense dialoga com o passado e invoca a discussão no
presente sobre preconceito e discriminação raciais e resistência da população negra. Neste sentido, esse
artigo tem como objetivo analisar essas narrativas, focando especificamente a luta dos negros no Brasil,
salientando a cultura negra brasileira e a contribuição do negro na formação da sociedade nacional. Para
tal fim, tem como marco legal e teórico a Lei 10.639/2003, que obrigou o estudo de História e Cultura
Afro-brasileira nas escolas de ensino fundamental e médio, demonstrando como a referida obra valoriza
aspectos da história, cultura, política, economia, linguagem e religiosidade da população negra.
ABSTRACT: The city of São Luis in Maranhão, among other capitals, received a large contingent of
African slaves. As a result, it has also become a space for black resistance, since pre-abolitionist. This
characteristic is reported in Os tambores de São Luís, the modernist writer Josué Montello. In this work,
the author reveals multiple forms of resistance: the creation and expansion of the Quilombo the
mobilization of black communities in the yards for the liberation. The sharp eyes of the writer
maranhense dialogues with the past and the present discussion relies on racial prejudice and
discrimination and resistance of the black population. In this sense, this article aims to analyze these
narratives, focusing specifically on the struggle of blacks in Brazil, highlighting the Brazilian black
culture and the black contribution in the formation of national society. To this end, has the legal and
theoretical 10.639/2003 Law, which required the study of History and Afro-Brazilian schools of
1
Professora da rede escolar pública do Distrito Federal desenvolve projetos para Educação Antirracista
em salas de aula, especialista em Língua Portuguesa e em Educação na Diversidade e Cidadania, com
ênfase na Educação de Jovens e Adultos. Mestre em Educação pela Universidade Católica de Brasília e
pesquisadora da Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e Sociedade da mesma universidade. CV:
<http://lattes.cnpq.br/5009165308375680.>.
2
Mestrando em Educação pela Universidade Católica de Brasília - UCB, Professor da rede pública
Estadual e Municipal do Maranhão, e pesquisador da Cátedra UNESCO de Juventude, Educação e
Sociedade da UCB e do grupo de linguagens, Cultura e Identidade da UFMA. CV: <
http://lattes.cnpq.br/6104635609099598. >.
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elementary and secondary education, demonstrating how such works valued aspects of the history,
culture, politics, economy , language and religion of the black population.
Introdução
De Norte a Sul, a escravidão imperou no Brasil pré-republicano; em alguns
estados, com maior destaque, dado o elevado percentual de indivíduos escravizados
aportados nestes lugares. O Maranhão, certamente, figura entre um desses. Nesse
período, embora a escravatura tenha ocupado parte considerável da historiografia
brasileira, a produção literária sobre o assunto reúne um percentual reduzido de obras
sobre o tema.
Diante dos escassos debates sobre a escravidão na literatura, o romance de Josué
Montello Os tambores de São Luís: a saga do negro brasileiro merece destaque ao
eleger o tema da escravidão para tratar dos dramas humanos intrínsecos a esse
fenômeno. Essa publicação, datada de 1975 (quase um século após a abolição), trouxe
para a discussão contemporânea temas ainda polêmicos como o preconceito, a
discriminação, o racismo e a violência racial presentes na sociedade brasileira pré-
abolicionista. Assim, o olhar apurado do escritor maranhense dialoga com o passado e
invoca a discussão no presente sobre essa instituição que dominou a cena política e
social do Brasil no fim do século XIX.
Para tal intuito, o escritor escolheu algumas províncias aos arredores de São Luís
e a capital maranhense – reconhecidamente espaço de resistência negra – para
comporem o cenário da narrativa. Ao longo da obra, o autor revela múltiplas formas de
resistência negra: da criação e expansão dos quilombos à mobilização das comunidades
negras nos terreiros em prol da libertação.
Neste contexto de estudos sobre literatura e contemporaneidade, esse artigo tem
como objetivo analisar as narrativas em Os tambores de São Luís, tendo como ponto de
partida a luta dos negros no Brasil, salientando a cultura negra brasileira e a
contribuição do negro na formação da sociedade nacional. Especificamente, também
pretende discutir a representação do negro na literatura e a inserção da Lei nº
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Nesse escritos, o negro é sujeito de ações que buscam uma identidade negra e
instauram uma poética da diversidade ou, mais precisamente, de uma
literatura negra brasileira, que ressalte-se, ainda é, até hoje, pouco estudada.
Ainda assim, ela tem-se mostrado como um espaço possível para a luta
contra a discriminação racial (BARBOSA, 2006, P. 97).
Neste perfil de autores que tratam da temática negra, Josué Montello, em sua
obra Os tambores de São Luís: a saga do negro brasileiro, discorre sobre aspectos
históricos da escravidão no Brasil, e, mais particularmente, no Maranhão. Assim, o
recorte realizado neste artigo investiga, inicialmente, a presença de elementos na obra
capazes de valorizar a história e cultura negra. Contudo, vale acrescentar que esse
estudo de caráter exploratório, ao longo da pesquisa em andamento, pormenoriza outros
aspectos ambíguos e equivocados em relação às relações raciais existentes na mesma
publicação, que não serão abordados aqui. A seguir, a análise foca trechos da obra sobre
duas vertentes: territórios de resistência negra: quilombos e terreiros e territórios de
denúncias e lutas.
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[...] A vida é iguar para todo mundo. Ninguém quer ser escravo, tudo quer ser
livre. Cativeiro de negro tem de acabar, Pra acabar só tem um jeito: é os preto
se juntar. No Brasil, tem muito preto, mas tudo espaiado, uns aqui, outros ali.
Não há lugar sem quilombo. E tudo no mato, escondido como nós [...] p. 30.
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Ilustração acima “Casa das Minas” criada pelo artista, jornalista e webdesigner Ricardo Borges.
Atualmente, é jornalista na Universidade de Brasília (UnB).
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A Casa das Minas na obra também é constantemente referenciada pelos sons dos
tambores que repercutem por toda a cidade de São Luís. Na obra, facilmente,
identificados:
E nisto começou a ouvir, por cima do sussurro do vento nas árvores do
quintal, o bater de tambores rituais. [...] O contravento de manga
esfumaçada arregalava o seu olho vermelho sobre a bandeira da porta,
como que vigiando os negros que dançavam no terreiro, ao som dos
tambores e das cabaças. p. 164.
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Diante dessas notas, percebe-se que tanto o estudo dos quilombos como dos
terreiros são importantes para o conhecimento e valorização da história dos povos
africanos e afrodescendentes na formação da sociedade brasileira, assim como a
investigação desses elementos e sua abordagem na literatura brasileira.
_ Escravos negros são tolerados no Brasil e outros domínios; mas por que
direito e com que títulos, confesso que o ignoro totalmente. p. 347.
Deus estaria de acordo com aquela distinção? Uns livres, outros escravos?
Uns sentados, outros de pé? No entanto, ali na fazenda, os brancos
constituíam a minoria privilegiada, que oprimia a multidão de negros, sem
lhes dar direito a nada, nem mesmo ao banco vazio da capela. E os negros
eram maioria e a força, o vigor e o trabalho. Não seria o caso de perguntar ao
bispo o que fazia Deus que não tirava os pretos do cativeiro? Ou o Deus era
dos brancos e não dos negros? p. 90.
Seria mais rude, mais objetivo. Por que os negros teriam de suportar, durante
toda a vida, o chicote de seus senhores? E onde estava a determinação de
Deus, para que os brancos escravizassem os pretos? p. 194.
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_ Que o preto dê aulas, vá lá: o que ele ensina, repete dos livros que os
brancos escreveram. O que eu não posso aceitar é que um negro dê nota a
um filho meu. P. 342.
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A esse dispositivo, soma-se outro que afirma que esses conteúdos serão
abordados no âmbito de todo o currículo, preferencialmente nas áreas de e literatura,
história e artes. Não queremos adentrar na questão curricular e seus desdobramentos,
porém vale ressaltar que é o professor que materializa o currículo, transversalmente ou
não. Logo, quando sugere que os conteúdos aqui considerados serão ministrados em
todo o currículo, a Lei está possibilitando professores a serem facilitadores no processo
de construção e transformação dos alunos na perspectiva que propõe. A regra que se
impõe é clara: desconstruir séculos de representações negativas sobre o negro e
reconstruir, reformular e resgatar a história.
De fato, a construção de uma educação voltada para as relações raciais
demandam por reconhecimento, valorização e afirmação dos direitos. No ponto
específico abordado neste trabalho, esse reconhecimento deve ser assegurado pelo
respeito às pessoas negras e pela divulgação dos processos históricos de resistência
exercida pelos povos aqui escravizados e por seus descendentes (BRASIL, 2004). Por
fim, o sucesso da aplicação da legislação em pauta, entre outras ações, exige um estudo
crítico sobre as obras literárias clássicas e atuais capaz de valorizar de valorizar a
história, cultura e identidade dos africanos e seus descendentes e também capaz de
desconstruir séculos de procedimentos raciais discriminatórios.
A título de conclusão
O negro ainda hoje é discriminado racialmente no Brasil. Aqui, o racimo age na
penumbra mesmo no atual estado democrático de direitos, que assegura a todos direitos
adquiridos constitucionalmente. Contudo, há desrespeito em diversas esferas em
relação aos afrodescendentes, quer seja no campo religioso, no intelectual e até mesmo
nas artes e literatura. Na obra de Montello, o que se observa são indícios de alguns
elementos enaltecedores da resistência e da cultura negra, que, como tais, podem ser
aproveitados e discutidos à luz da Lei nº 10.639.
Dessa forma, a obra Os Tambores de São Luís se torna um importante registro a
ser consultado em salas de aula, de forma que alunas e alunos possam ter acesso não só
à história de sofrimento, tão difundida majoritariamente pelos livros de história e
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