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A LITERATURA BRASILEIRA
ESP Reitor Jacques Marcovitch
VUe-reitor Adolpho José Melfi
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nnlsido Editorial
Plinio Martins Filho (Presidente pro-
tempore)
José Mindlin
Oswaldo Paulo Foratimi
TupS Gomes Corrêa
Unioni Editorial
retara Comercial nr
Administrativo Silvana Biral Eliana Urabayashi Renalo
idilora-assistenie Calbucei Cristina Fino
JOSÉ ADERALDO CASI
ELLO
V OLUME I
edusP
il ui | 099 by Jostí Adcr.ddo ( aslc
Sistema Bibliotocas/UE
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>•« Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(CAmura Brasileira do Livro, SP, Brasil) Universidade Estadual de
>Ȏ Adcruldo, 1921-
•uitura Brasileira: Origens c Unidade (1500-1960) / José
Londrina Sistema de
Bibliotecas 'fr)à
astelli» /Silo Paulo : IvdèfciTn
da Universidade de
São Pau-
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n depósito legal
i Bra/.il 1999
n depósito legal
Ao
Marcos e Paulo, o Vô
.
SUMÁRIO GERAL
Volume I
C\\ K11 ONSIDKRAÇÕES GERAIS A UNIDADE NA CONTINUIDADE E SUAS ETA- ' v. I(t p.issiiido
circunstâncias e condicionamento da atividade intelectual - .ice. ruipas: O Período
Colonial; O nal i visillo base do nacionalismo/brasilida- li () romantismo e o século
XIX; Do indianismo histórico ao nacionalismo/ naàlidade/regionalismo. O
modernismo. Romantismo/modernismo.
»ICES
*
CAPITULO I
1. IDENTIDADE
italtira, Hio de Janeiro, Francisco Alves, 1916, pp. 1 e ss., e o destaque que daí fazemos na nota do
tno» .1 atenção para a posição assumida porTristão de Ataíde, e cremos que em primeiro lu- allrmar:
“os tris grandes aconrecimentos histórico-culturais, a cuja luz vamos considerar a IO de nossas
condições literárias nacionais, são o Renascimento, a Reforma, a Revolução". Ao i « i tita, logo oíais:
"Esse termo humanismo é, por ventura, o que mais claramente reflete e it/a o Renascimento, pois como
que resume aqueles três aspectos acima apresentados. Hu- iit n pn i tua, ao mesmo tempo, uma
tríplice afirmação - primazia do homem, expansão uni- la i Wllhaçlto t lista, incorporação da cultura
clássica greco-latina” (v. Introdução ã Literatura i,i lllo di lancho, Agir, 1 pp, 17, 25, 23 e ss., grifos do
próprio autor).
mo. Visando à retransmissão de valores clássicos e de formas universais,
não resta dúvida de que este se impõe no estudo dos estilos na Literatura
Brasileira, ainda que a projeção de sua temática entre nós tenha-se limitado
à das incursões “americanistas” e se tenha contestado a adequação da
linguagem neoclássica e mitológica à visão da nossa paisagem física. L)e
qualquer maneira, é para o Arcadismo que se voltam os nossos românticos:
1“) pela procura e superestimação por parte deles mesmos de uma criação
literária anterior; 2“) como reflexão sobre poéticas em confrontação,
contribuindo para a formação da consciência crítica da Literatura Brasileira;
3fi) pela ligação do episódio da Inconfidência com a ideologia nacionalista;
4a) quanto à temática americanista (indianista), é preciso lembrar que ela
provém do século XVI. Contudo, na apreensão global dos três primeiros
séculos da nossa formação, apesar da valorização do período arcádico pelos
românticos, é o Barroco que de fato se projeta até aos nossos dias. Coloca-se
em primeiro plano no século XVII, para expandir-se durante o XVIII na
arquitetura, pintura, música, literatura, e alimentar uma tradição
reconhecida pelos nossos modernistas5.
Com o 2J Período ou Período Nacional I - Século XIX, dá-se a inversão da
interferência de “influxos”, em que os internos se fazem ativamente
atuantes sobre a relação homem <-► terra, inspirando teorias, enquanto a
nossa história geral começa a ser repassada pela revisão crítica. Uma coisa e
outra revigoram as coordenadas da primeira e da segunda fases do Período
Colonial, a saber: a) o nativismo evolui para nacionalismo; b) o indianismo
triparte-se: Ia) pelo campo da literatura, sob acentuado tratamento mítico,
2a) pela administração e política de defesa c proteção do índio, 3a) pelo dos
estudos definidamente científicos; 3
m.ição da consciência crítica ganha em auto-reflexão e se volta cpresentação
3 (ionsidere-se a criação cm 1936 do Serviço do Património Histórico e Artístico Nacional; v. também Guilhcrmino
César, “O Barroco c a Crítica Literária no Brasil”, cm Tempo Brasileiro, Rio de lunciro, Gráfica Editora Livro
S. A., de?,. 1963, ano II, n. 6, pp. 140-152. Por outro lado, retroa- gittdo, adotamos a expressão “manifestações
literárias" para caracterizar a produção literária ou intelectual do Período Colonial, esclarecida adiante (v.
nota 11 do capítulo II: “Definição do Período Colonial”).
do Brasil. Em suma, nativismo e indianismo en- i se agora para o
revigoramento da ideologia nacionalista. Atu- "e ,i relação homem <->
terra, ela alimenta constantes temáticas s: uma de ambientação rural,
envolvendo a sociedade rústica6; e ambientação urbano-metropolitana; e,
entre elas, outra de in- füral-urbano-provinciana. Desdobrando-se em séries
temáticas, iflguram ciclos regionalistas: patriarcalismo ou coronelismo lati-
io, cangaço, messianismo, seca etc. Naturalmente dão ênfase ao
0 rural brasileiro com suas características de sociedade rústica, mas ojeção
no universo urbano, desde que aí se observa o abalo, da- > século XIX, de
estruturas herdadas, concomitantemente com a •io c .1 extinção do trabalho
escravo7. Preenchendo o século XIX, itindo período tem como ponto de
partida o fermento das refor-
I > |u,u> VI no Brasil, de 1808-1820, e todas as conseqiiências Uiiil.e. A',
transformações literárias, com afirmações novas, en-
’ '■■.ui • .i ti iomnio, fundamentais para nós, provêm de Antonio Candido: “Convém agora “ i o mo, no texto, de
duas expressões: Cultura (c sociedade) rústica; cultura (e sociedade) l, O termo rilslicoí empregado aqui não como
equivalente de rural, ou de rude, tosco, embora lobt , Rural exprime sobretudo localização, enquanto ele pretende
exprimir um tipo social e ■d. indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do
campo; os snliaiam do ajustamento do colonizador português ao Novo Mundo, seja por transferência e tração dos
traços da cultura original, seja em virtude do contato com o aborígene” (v. Os Pardo Rio Hondo: Estudo sobre o
Caipira Paulista e a Transformação dos Seus Meios de Vida, Rio de t». José Olvmpio, 1964, p. 7). E Maria Isaura
Pereira de Queiroz observaria que aquela cultu- mada no decorrer dos dois primeiros séculos da colonização do
Bfasil, persiste “apresentando de cultura nativa com traços de cultura negra, mas tudo vitoriosamente colorido
com as to- des portuguesas”. E comenta ainda que, não sendo auto-suficiente, trata-se, no caso, com base •Hcito
de Gcorgcs Gurvith, de “sociedade parcial dotada de cultura parcial, isto é, de um pele sociedade global,
completada pela primitiva c pela citadina” (v. O Messianismo no Brasileño Sito Paulo, Dominus-Edusp, 1965, p.
140). Ainda mais, com relação aos dois conceitos reíos ui ¡111,1, i justo relembrar Euclidcs da Cunha (Os Sertões),
que batizou aquela mesma socie- le ",o, leiladc rude",
tu lai > ui II.IIIO e classe burguesa no Brasil, num esboço de perspectiva a partir do século XIX,
1 la 11,1111,1 IVu ira de Queiroz, Cultura, Sociedade Rural, sociedade Urbana no Brasil, São Paulo,
• dtlq, 19 ,'H
I juta / >om lo,lo VI no Brasil - IB0B-I82I, 2. ed„ Rio de Janeiro, José Olympio, 1945,
4 V. Raymond S. Sayers, The Negro in Brazilian Literature, New York, Hispanic institute in the United States,
1956; Evaristo de Morais, A Escravidão Africana no Brasil- Da Origem à Extinção, São Paulo, Cia. Ed.
Nacional, 1933; Eduardo Etzel, Escravidão Negra e Branca: O Passado através do ¡‘resettle, São Paulo,
Global, 1976.
I (I. Considere-se a bem dizer toda a historiografia do século XIX, do Romantismo, com um Francisco Adolfo
Varnhagen por exemplo, até a revisão de pesquisa e crítica de um Capistrano de Abreu.
I I. V. Oliveira Lima, op. cit., e José Aderaldo Castello, A Literatura Brasileira - /- Manifestações Literárias do
Período Colonial, 3. ed., 5. imp., São Paulo, Cultrix, 1981.
deu porque o Romantismo encontrou mre nós. É certo que, no Brasil,
pronunciamentos e posturas lite- imediatos ou paralelos à implantação do
Romantismo pesaram „•ravelmente no sentido da formação da consciência
crítica interna 'el à sua aceitação. Também, e ainda internamente, devemos
con- os reflexos dos estímulos anteriores. É o caso da experiência do o
Colonial, com o nativismo e o indigenismo/indianismo, em par- o Barroco -
ainda mais se lembrarmos a aceitação hoje generaliza- aproximações do
Barroco com o Romantismo12. E ainda a relação itica”, que se tornou
tradicional, do movimento da Independência Inconfidência Mineira e o
Arcadismo. Tudo isso alimentou a defi- r o reconhecimento da consciência
da nacionalidade e possibilitou ição das nossas origens européias às raízes
americanas, para a inves- > dos componentes autóctones de valores e
tradições e de pesquisa sibilidade nacional. Dessa maneira, não resta
dúvida, a valorização adismo em Minas Gerais com a sua associação ao
episódio da In-
Rousset, depois de admitir i]ue um romantismo interior a Rousseau, Nerval, Victor Hugo, alis, não se apresenta
idêntico ao Barroco, reconhece outro romantismo “mais periférico, tea- ilusionista, que carrega certos caracteres
exteriores do Barroco”. Mas interroga, com dúvida, is semelhanças são apenas exteriores, lembrando crítica de
Baudelaire a Delacroix e a aplicação .ritérios de Wõlfflin, para reconhecer que Barroco e Romantismo apresentam
pontos comuns nsihilidade: o movimento, a denúncia da violência e dos contrastes, a visão de um destino hu-
0 sujeito .1 instabilidade etc. Isso explicaria a posição de alguns, “Eugenio d’Ors à frente, coñudo uni barroco
permanente, do qual o Romantismo e o pós-romantismo dos impressionistas, uniliiilislas do I ')()() seriam
encarnações sucessivas. Pode-se ver assim a história como um longo , inin.iiitíin barroco que classicismos
precários interrompem” (e a propósito cita M. Schmidt, •loiiiieinenl de poésie”, cm La Jeune poésie et ses
harmoniques, Paris, Alain Michel, 1942). V. La hiKMii </« / ./qr baroque en /■rance - Circe et le paon, 7. réimp.,
Paris, José Corti, 1954, pp. 251- . "M| y iitiiihéui do mesmo autor L’Intérieur et l’extérieur: Essais sur la poésie et
sur le théâtre il II, S l é i h , Pans. José Corti, 1968; Emilio Carilla, La Literatura Barroca en Hispanoamérica,
1 Voit Abaya Ititoit, 1972.
7 l I embramos as edições dos épicos Frei José de Santa Rita Durão e José Basilio da Gama, feitas por Francisco
Adolfo Varnhagen, e de M. I. da Silva Alvarenga e I. J. de Alvarenga Peixoto, feitas por Joaquim Norberto
de Sousa e Silva, auror também de uma história da Inconfidência Mineira; o poema (lonzaga de J. M.
Pereira da Silva; o romance de Antônio Gonçalves Teixeira e Sousa, (imitaci ou a Conjuração de Tiradenter,
da peça teatral de Castro Alves, Gonzaga ou a Revolução de Minas, além dc outros.
nossa expressão e criação próprias; 3a) pela observação objetiva e ciai
do social já abalado em fins do século XIX, quando se abrem
perspectivas com a imigração e o fim da escravidão. Prosseguem os
ciclos regionalistas já indicados, agora enriquecidos por novas
temáticas: a da cana-de-açúcar, a da imigração, ao mesmo tempo ¡tas
e outras tendem para as suas expressões sintéticas finais. O ur-
desdobra-se por força da progressiva cosmopolitização.
Consideramos o Período Romântico um dos fundamentos da revi-
odernista dos nossos dias. Ele se projeta no Modernismo, por sua
ualmente renovação geral, nacional, ampla e complexa, também ida
em termos brasileiros: nacionalismo/regionalismo, brasilidade. ida
revisão geral do Brasil, sobre a primeira, - a do Romantismo, ia vez
sobre raízes do Período Colonial - o Modernismo tão logo .■ atitudes
ostensivas de combate, evolui construtivamente para a ada das
contribuições passadas. Assume uma amplitude de visão
perspectiva romântica ainda não podia alcançar, mas para a qual
buiria poderosamente. Sob muitos aspectos, do ponto de vista in-
0 Modernismo é uma forma de neo-romantismo.
nscrindo a nossa história literária no sistema geral da História do ,
podemos investigar esse terceiro momento, em que vivemos,
■IIIIII ¡ empregado conforme conceituação de Mário de Andrade, exposta neste trabalho no ■ I oí rilo
"Nai lunatismo, regionalismo, brasilidade. Mário de Andrade, a brasilidade. Um cs-
1 i ui. ui ■ • de I Vial Ao de Araíde. Gilberto Freyre e o Regionalismo do Congresso de 1926”, do
mio XVII
i bm .ild .1. Andrade. "Manifesto Antropófago’1, em Revista de Antropofagia, ano 1, n. 1, maio N |i|> I
ii /,
como período tendente para a síntese, apesar dos seus programas e pro-
postas, tidos como inovadores. Da bipartição tradicional de nossa história
literária - Período Colonial, Período Autonômico ou Nacional -, passamos,
portanto, para a tripartiçao, com o Modernismo incorporando experiências
dos momentos anteriores de nossa formação. Implicitamente se supõe o que
vem antes ou depois de cada um deles, quer dizer, as manifestações
estéticas e poéticas, com a presença de estilos de abrangên- cia limitada,
preenchendo fases consideradas de transição. E admitimos que a unidade
que se reconhece entre os três movimentos resulta das coordenadas
ideológicas e temáticas, indicadas.
Finalmente, no todo ou em etapas sucessivas dos espaços históricos
propostos, se distribuem presenças centralizadoras, nomeados autores-sín-
tese ou apenas obra-síntese8, para os quais, em definição, convergem re-
flexão, reação e expansão afetivas da inteligência, da sensibilidade, da
imaginativa e do potencial expressivo do brasileiro. Permitem-nos avaliar
melhor o nosso anseio de identidade através da representação literária,
primeiro voluntária, depois intencionalmente dirigida, de quadros que se
justapõem de nossa vida, organização, tradições e paisagem. Autores e
obra-síntese se exprimem assim atentos à formação da consciência crítica
que tem presidido a transformação literária simultaneamente com o pro-
cesso de nossa formação. Em última análise, sob a intuição capaz de gerar
visões antecipadoras ou mesmo proféticas e a sensibilidade mais a reflexão
voltadas para a sondagem do Brasil, exprime-se um esforço descritivo e a
seguir analítico de compreensão. Da descrição à análise é que se caminha
para a síntese, concomitantemente com teorias e ideologias.
***
Pensamos esboçar um quadro geral em que fique delineada a busca
progressiva da criação literária interna, distinguida até se tornar distinta,
8 Neste sentido, e com referência específica às origens, é importante lembrar a observação de Sílvio Romcro:
“Todo o movimento literário do Brasil no século XVI deve girar em torno do nome de José de Anchieta”
(História da Literatura Brasileira, 2. ed. melhorada pelo autor, Rio de Janeiro, Garnier, 1902, 2 vols., vol. 1, p.
141).
mesmo tempo assimiladora de modelos externos. Equivale a dizer: si ,i
de identidade própria rastreada em sucessivas etapas, três enfoques tu
ip.iis, interpenetrantes. Um, de estudo dos estilos de época, inclusi-
form.is literárias, ideais e atitudes de cada momento, com ênfase nas
lições críticas e no conhecimento das poéticas dominantes. Outro, de
onhecimento do substrato americano, alimentador de constantes e
dências temáticas e ideologias internas. E o terceiro, voltado para o 01
ou para a obra-síntese, situados, entre outras contribuições, nos •
grandes movimentos que progressivamente se erigiram em totalizais de
nossa cultura e civilização - Barroco, Romantismo e Modernis- ,
naturalmente sem omissão das posições intermediárias.
Em suma:
1“) Reconhecemos o que se escreveu sobre o Brasil e no Brasil desde
•culo XVI.
2“) Ressaltamos as condições indispensáveis à atividade intelectual
ultaneamente com a formação de centros que a comportavam.
3") Fundamentados na pesquisa17, rastreamos constantes e freqiiên-
temáticas e atitudes críticas, em busca do reconhecimento de cooradas
visando à unidade, tradição e identidade. Elas são expressas e ivadas,
numa primeira etapa, por escritores que no Período Colonial istiveram
no Brasil, passando a admiti-lo como pátria “imposta” ou eleição”18, ou
nasceram brasileiros. Traduzem, por um lado, a forma- dc origem e, por
outro, aquilo que provém de Portugal, da Espanha nbém da Itália, no
decorrer da colonização, e finalmente o que se ela- i e rcelabora entre
nós. Então foi também íundamental o papel da npanhia de Jesus 19 e de
outras ordens religiosas (precariamente, a ini- va leiga) no
desenvolvimento do ensino das humanidades e na pró-
APÊNDICE
9 i I Si i |ii I )iiul>roviky ct T/vcnin Todorov (dirs.), LEmeignement de la littérature. Paris, Plon, 1971.
obras ilos autores selecionados e estudados do século XVI ao XX, só
excepcionalmen- tc cito críticas e histórias da bibliografia geral sobre a
Literatura Brasileira. Neste caso, remetemos o leitor para o “Apêndice II —
Roteiro bibliográfico” e recomendamos a consulta a um bom dicionário
biobibliográfico.
***
11 CONDICIONAMENTO
Borba de Moracs, Livros e Bibliotecas no Brasil Colonial, Rio de Janeiro-São Paulo, LTC- usp, 1979, v. capítulo
“A Censura", p. 52.
iresença espanhola se faz sobretudo como reflexo do próprio domínio espanhol em Portugal, de Hl a
1640, período também de frequentes incursões de estrangeiros pelo Brasil, além das inva- •v as francesas
de 1555-1560, 1612-1615, 1710 e 1711 ; a holandesa, de 1624 e 1630-1654. Ao •smo tempo, o próprio luso-
brasileiro alargava as nossas fronteiras para o Centro e Sul e para o irte, com a conquista da Amazônia (v.
Sérgio Buarque de Holanda e outros, História Geral da i'tltM\iUi Brasileira, tomo 1, vol. 1: A Época Colonial,
Do Descobrimento à Expansão Territorial 5.
, San Paulo Rio de Janeiro, Difel, 1976, e vol. 2: Administração, Economia, Sociedade, 4. ed., lug. „ 1977),
I a, H, U.unos de ( ai valho, As deformas Pombalinas da Instrução Pública, São Paulo, J. Magalhães, V, I os,' 11
neii.i ( 'arraio, Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais, São Paulo, Cia. Ed. Nain il I do ,|> I9ÍIM; |. P (
àilógeras, Os Jesuítas e o Ensino, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1911.
sa. Sem ensino superior leigo, o brasileiro que o aspirasse devia ir para
Portugal.
A participação da Igreja também se fez presente através da censura,
que exerceu conjuntamente com a do Estado e a da Inquisição, a partir de
1536, compondo-se um sistema tríplice, severamente atuante na Mo-
narquia Portuguesa e seus domínios do século XVI até o XVIII, quando
0 Marquês de Pombal o substituiu por um órgão único de ação moderada
- a Real Mesa Censória. Com a queda do instituidor, esta por sua vez se
transforma em Comissão Geral para o Exame e a Censura dos Livros,
continuando atuante, entre nós, até a Independência. Decorrente desse
esquema, são impostas as restrições voltadas especificamente para a vida
cultural e intelectual do Brasil Colónia: proibição da implantação de es-
tabelecimentos tipográficos, vigilância oficial sobre a perspectiva e efeti-
vação de organizações ou de associações culturais e intelectuais e publi-
cações só feitas em Portugal4.
Finalmente, constata-se a extrema precariedade do sistema de co-
municações: utilizavam-se preferencialmente as vias naturais, o mar na
extensão litorânea, os rios para o interior adentro. As estradas eram pre-
cárias e o correio se fazia por meio de particulares ou “próprios” 5. Tam-
bém a administração pública, o poder militar e o judiciário permaneceram
sob a dependência da metrópole portuguesa, apesar da criação em 1549 do
Governo Geral com sede em Salvador, com a outorga, a partir de 1640, do
título de Vice-rei e com sua sede transferida em 1763 para o Rio de Janeiro.
Contudo, a convergência das diretrizes administrativas, que internamente
deveriam incidir em Salvador, depois no Rio de Janeiro, relacionavam-se
com além-mar, onde se achava a sede da monarquia portuguesa.
Transforma-se a bem dizer em virtualidade a ação do Governo Geral,
como também a seguir a do Vice-rei, ambos convertidos em 12
ciarários. Toda essa perspectiva se agrava com as limitações de comér-
12 V. Rubens Borba de Moracs, op. cif, Carlos Rizzini, O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil, Rio de janeiro,
Kosmos, 1946.
V V, ( apistrano de Abreu, Capítulos de História Colonial (1500-1SOO), Rio de Janeiro, Briguier, 1934 (edição da
Sociedade Capistrano de Abreu).
intercâmbio externos, só possíveis com a metrópole, uma vez que o il
Colónia estava fechado aos contatos livres com o resto da Europa 6, i
vedadas também a entrada de estrangeiros e as viagens de brasilei-
lém-Portugal, as quais, sobretudo para estudos, só seriam registradas
ficativamente em fins do século XVIII.
Outro aspecto fundamental a ser considerado é a ocupação do espa-
•ográfico descoberto e conquistado. Em virtude da defesa de sua in-
dade, alongou-se de um extremo a outro da faixa ocidental do con- ite
sul-americano e alargou-se continente adentro com a penetração
onções, entradas e bandeiras em busca de riquezas ou em lutas pelo
amento e escravização do indígena7. Mas, na verdade, a colonização
começo do século XVIII foi predominantemente litorânea. Pelo JS é
assim que a delineamos em relação à investigação cultural e in- ual,
voltada para a literatura que aqui se projetou ou foi cultivada, eiro
para traduzir impressões e reações geradas pelos contatos inici- >m a
paisagem física e humana autóctone, depois para exprimir um rsso
progressivo de identificação da e com uma nação mestiça que
trochava.
A história responde à avaliação dos efeitos do rápido panorama aci-
elineado. Comecemos pela visão inicial do espaço ocupado, que nos a
pela literatura dita informativa ou, antes, testemunha do expan- ¡mo.
Do descobrimento ao primeiro Governo Geral, colhemos, a • da data
do próprio descobrimento, as impressões da Carta de Pero le Caminha
e, de 1530/1532, as do Diário da Navegação de Pero 5 de Sousa; essas
impressões ou, mais do que isso, descrições e infor- es, continuam a
enriquecer-se com o estabelecimento do primeiro
Hlvm.i Urna, oft. cit., c Formação Histórica da Nacionalidade Brasileira, trad. de Aurelio «, Kio de Janeiro,
Leitura, 1944; Brasil Bandccchi, História Económica e Administrativa tiaid I eil, rcv., SJo Paulo, Obelisco,
1967; Rodolfo Garcia, Ensaio sobre História Política c liililtnillM ilo llnisil (I “¡00-1H10), Rio de Janeiro, José
Olympio, 1956.
V" llinm|UC de I Iolanda, <>p. cit.
13 A primeira carta foi escrita pelo Pe. Manuel da Nóbrega, em 10 de abril de 1549 (v. Serafim Leite, S.J., Cartas
dos Primeiros Jesuítas do Brasil / (1538-1553), São Paulo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1956,
pp. 108-115).
mbém proveniente do XVI. Desde então contou com a obra
intelectual dos jesuítas, que lá implantaram o colégio da Com-
Je.sus, além dos conventos de outras ordens9. Mas só registraria
içôes literárias no século XVII, quando também principiam i
uções arquitetônicas religiosas e civis e a acumulação de patri-
tístico-religioso. São Paulo, apesar de fundada no século XVI,
ítaria vida cultural e intelectual digna de nota bem mais tarde,
XVII1, e não apresenta destaque de património arquitetônico . O
que ainda possui do seu passado é a imagem do antigo Co-
(csuítas, fundado no século XVI, reconstruído conforme com o
/111; contam-se também a sede de um convento setecentista e
¡»rejas pobres. Finalmente, nos limites do Período Colonial, mas
ilo XVIII, surgem a Vila Rica de Ouro Preto e outros núcleos la
região aurífera, no Brasil Central. Ouro Preto, sede da Capi-
Minas Gerais, se fez em cerca de cinquenta anos um centro de
jueza arquitetônica e artística, com atividade igualmente artís-
iosa e literária, o que Salvador só conseguiria de dois a três sé- ia,
para a posteridade, a vantagem da preservação da integrida- todo
urbano. Confrontado com outros centros da constelação •
possível entrever e sentir a atmosfera do século XVIII, barro- oso,
ambicioso e despótico, que o envolveu10.
> XVI, tendo como ponto de partida Salvador, os jesuítas se expandiram para o Nordeste Grande
do Norte c Ceará, para o Sul até Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com incur- interior.
Estabclcccram-se em diferentes lugares, cabendo destaque a Salvador, a partir de ’ernambuco,
desde 1550, Rio de Janeiro, a contar de 1552-1560-1565, e São Paulo, de 554. Nas très primeiras
capitanias fundaram colégios com dotações reais, devendo-se con- mbém o Colégio de São Paulo.
V. Serafim Leite, S. J., História da Companhia de Jesus no I : Século XVI - O Estabelecimento, ed. cit.; Eduardo
Hoornaerf e outros, História da Igreja Ensaio de Interpretação a partir do Povo — Primeira Época, 2. ed.,
Perrópolis, Vozes, 1979, < Época A Igreja no Brasil no Século XIX, lug. cit., 1980.
I Azevedo, Vilas e Cidades do Brasil Colonial - Ensaio de Geografia Urbana Retrospectiva, I, I ,II oldudc de
filosofia, Ciências e Lctras-USP, 1956; Nelson Omegna, A Cidade Colo- ib liniclro, |o»é Olympio,
1961; Wanderley Pinho, História Social de Salvador- Aspectos ia Sai ml da ( idade 1549/1650, ed. póst.,
Salvador, Publicações da Prefeitura Municipal lui 1'iiiM, vn|, I; Manuel bandeira. Guia de Ouro
Preto, Rio de Janeiro, Publicações do lo 1'niliiiõiilo Histórico c Artístico Nacional, 1938; Gilberto
Frcyre, Olinda -2a Guia
Os núcleos urbanos em que se concentraria a vida cultural e inte-
lectual do Brasil Colonia - Salvador, Recife/Olinda, Rio de Janeiro, Sao
Paulo, Ouro Preto — caracterizam-se, portanto, em momentos sucessivos,
do século XVI ao XVIII. Por isso, a visão de conjunto do espaço geográfico
partilhado só seria possível a contar do século XVIII. Mas em todos eles se
constata uma população de brancos reinóis, superiores e prepotentes, e de
seus descendentes em linha direta, já fixados; assim também os mestiços,
os negros e os indios, estes em progressivo desaparecimento, por força do
extermínio ou da miscigenação. Sobretudo, constata-se entre aqueles
centros uma quase completa falta de intercâmbio, salvo, assim mesmo com
restrições, o que aflora com o movimento academicista do século XVII ao
XVIII. Estão praticamente isolados num espaço imenso e pouco povoado.
Contudo, opera-se em todos eles, haja ou não manifestações culturais e
intelectuais concomitantes, uma unidade, na verdade uniformidade,
espantosamente surpreendente, capaz mesmo de à primeira vista
confundir, no sentido da existência de intercâmbio". É que a ação da
política colonizadora portuguesa, atuando diretamente e a partir de certo
momento simultaneamente sobre todos
Prático, Histórico e Sentimental de Cidade Brasileira, 3. cd. rev., atual, c aum. Rio dc Janeiro, José Olympio, 1960;
Ernáni Silva Bruno, História e Tradição da Cidade de São Paulo, Rio dc Janeiro, José Olympio, 1953, 3 vols.;
Vivaldo Coaracy (V. Cy), Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Rio dc Janeiro, José Olympio, 1955.
11. Nos nossos estudos do Período Colonial, sempre adotamos a expressão “manifestações culturais" ou
“intelectuais” ou, mais precisamente, “literárias”, conforme o título do nosso ensaio A Literatura Brasileira - I -
Manifestações Literárias do Período Colonial (1500-1808/1836), ed. cit., uma vez que não se reconhece neste período
uma atividade literária regular, transformações ao mesmo tempo sistemáticas, sob o sentimento de
autonomia que se alimenta da identidade própria. Reconhecemos a origem da expressão em José
Veríssimo, como exemplifica a citação seguinte: “Entretanto no tempo de Vieira, a maior parte do século
XVII, já no Brasil havia manifestações literárias no medíocre poema de Bento Teixeira (1601) e nos poemas e
prosas ainda inéditos mas que circulariam em cópias ou seriam conhecidas dc ouvido, de seu próprio irmão
Bernardo Vieira Ravasco, do padre Antônio de Sá, pregador, de Eusebio de Matos c de seu irmão Gregório
de Matos, o famoso satírico, de Botelho de Oliveira, sem falar nos que incógnitos escreviam relações,
notícias e crónicas da terra, um Gabriel Soares ( 1587), um Frei Vicente do Salvador, cuja obra é de 1627, o
ignorado autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil c outros de que há notícia” (cf. História da Literatura Brasileira -
De Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908), Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1916, p. 26, o grito da expressão
é nosso).
ano também proveniente do XVI. Desde então contou com a obra dosa c
intelectual dos jesuítas, que lá implantaram o colégio da Comina de Jesus,
além dos conventos de outras ordens 9. Mas só registraria nilcstações
literárias no século XVII, quando também principiam s construções
arquitetônicas religiosas e civis e a acumulação de patri- nio artístico-
religioso. São Paulo, apesar de fundada no século XVI, ipresentaria vida
cultural e intelectual digna de nota bem mais tarde, século XVIII, e não
apresenta destaque de património arquitetônico tístico. O que ainda possui
do seu passado é a imagem do antigo Coei dos Jesuítas, fundado no século
XVI, reconstruído conforme com o ulo XVIII; contam-se também a sede de
um convento setecentista e amas igrejas pobres. Finalmente, nos limites do
Período Colonial, mas 10 século XVIII, surgem a Vila Rica de Ouro Preto e
outros núcleos »anos da região aurífera, no Brasil Central. Ouro Preto, sede
da Capi- ia das Minas Gerais, se fez em cerca de cinquenta anos um centro
de nde riqueza arquitetônica e artística, com atividade igualmente artís- t,
religiosa e literária, o que Salvador só conseguiria de dois a três sé- os.
Teria, para a posteridade, a vantagem da preservação da integrida- do seu
todo urbano. Confrontado com outros centros da constelação •ífera, é
possível entrever e sentir a atmosfera do século XVIII, barro- e religioso,
ambicioso e despótico, que o envolveu10.
No século XVI, tendo como pomo de partida Salvador, os jesuítas se expandiram para o Nordeste até o Rio
Grande do Norte c Ceará, para o Sul até Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com incursões pelo interior.
Estabeleceram-se em diferentes lugares, cabendo destaque a Salvador, a partir de 1549, a 1‘crnambuco, desde
1550, Rio de Janeiro, a contar de 1552-1560-1565, e São Paulo, de 1553 a 1554. Nas três primeiras capitanias
fundaram colégios com dotações reais, devendo-se considerar também o Colégio de São Paulo. V. Serafim Leite,
S. J., História da Companhia de Jesus no Brasil, t. I; Século XVI - O Estabelecimento, ed. cit.; Eduardo Hoornaerf c outros,
História da Igreja no lirasil Ensaio de Interpretação a partir do Povo - Primeira Epoca, 2. ed., Petrópolis, Vozes, 1979, i 'seguitila
Epoca - A Igreja no Brasil no Século XIX, lug. cit., 1980.
V Amido Azevedo, Vilas e Cidades do Brasil Colonial - Ensaio de Geografia Urbana Retrospectiva, ' ni l'olio, faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras-USP, 1956; Nelson Omegna, A Cidade Coloni,d Il in ili lanei to, José Olympio, 1961;
Wanderley Pinho, História Social de Salvador - Aspectos ,l,i I Iniih to Vu, tal da Cidade - 154911650, ed. póse, Salvador,
Publicações da Prefeitura Municipal di Vili nini, I'»681 vol. I; Manuel Bandeira, Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro,
Publicações do Si u lto do Pioitmõnlo Histórico e Artístico Nacional, 1938; Gilberto Frcyre, Olinda — 2" Guia
Prático, Histórico e Sentimental de Cidade Brasileira, 3. ed. rev., atual, e aum. Rio dc Janeiro, José Olympio, I960;
Ernâni Silva Bruno, História e Tradição da Cidade de São Paulo, Rio dc Janeiro, José Olympio, 1953, 3 vols.;
Vivaldo Coaracy (V. Cy), Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Rio dc Janeiro, José Olympio, 1955.
11. Nos nossos estudos do Período Colonial, sempre adotamos a expressão “manifestações culturais" ou
“intelectuais" ou, mais precisamente, “literárias”, conforme o título do nosso ensaio A Literatura Brasileira - I -
Manifestações Literárias do Período Colonial (1500-1808/1836), ed. cit., uma ver que não se reconhece neste período
uma atividade literária regular, transformações ao mesmo tempo sistemáticas, sob o sentimento de
autonomia que se alimenta da identidade própria. Reconhecemos a origem da expressão em José
Veríssimo, como exemplifica a citação seguinte; “Entretanto no tempo de Vieira, a maior parte do século
XVII, já no Brasil havia manifestações literárias no medíocre poema de Bento Teixeira ( 1601 ) e nos poemas e
prosas ainda inéditos mas que circulariam cm cópias ou seriam conhecidas de ouvido, de seu próprio irmão
Bernardo Vieira Ravasco, do padre António de Sá, pregador, de Eusébio de Matos e de seu irmão Gregório
de Matos, o famoso satírico, dc Botelho de Oliveira, sem falar nos que incógnitos escreviam relações,
notícias e crónicas da terra, um Gabriel Soares (1587), um Frei Vicente do Salvador, cuja obra é de 1627, o
ignorado autor dos Diálogos das Grandezas do Brasil e outros de que há notícia” (cf. História da Literatura Brasileira -
De Bento Teixeira ( 1601) a Machado de Assis (1908), Rio de Janeiro, Francisco Alves. 1916, p. 26, o grifo da expressão
é nosso).
14 V. Josê Adcraldo Castello (org.), O Movimento Academicista no Brasil- 1641-1820/1822, São Paulo, Conselho Estadual
de Cultura, 1969-1978 (vol. 1, tomos I a VI: “Academias”, 1969, 1970, 1971, 1971, 1978; vol. 2, tomos I c II:
“Atos Acadêmicos”, 1977, 1978; vol. 3, tomos I aVI: “Festejos Públicos Comemorativos”, 1974, 1975, 1975,
1976, 1976, 1977). Com a colaboração de Ytdda Dias Lima e, para a leitura dos textos latinos, de Isaac
Nicolau Salum (a publicação ainda 11.1o está concluída).
I I. V. notas I e 4 deste capitulo.
16 Nesse sentido, basta examinar as dedicatórias das obras impressas do século XVI ao XVIII, além da
literatura encomiástica nela contida.
obras publicadas representam seleções do que foi escrito. Sem dúvida a
justa avaliação do seu conteúdo continua a depender da pesquisa que
localize manuscritos, sobretudo dos editadas, para uma releitura criteriosa,
com a ajuda da edótica, de maneira que também se analise em extensão a
ação da censura.
A mentalidade que se desenvolveria no Brasil Colónia não poderia
ser senão a imagem da metrópole. Mas esse sistema político de vigilância
sobre a atividade intelectual na verdade teve sobretudo efeitos negativos
imediatos. Pois, à medida que tolhia a transformação e a expansão, em
contrapartida gerava tensões que mais cedo ou mais tarde eclodiriam em
reações quase agressivas, como foi o caso do antilusismo de princípios a
fins do século XIX, revigorando a ideologia nacionalista, antecipado pelas
revoltas nativistas do Período Colonial. Antes, portanto, da eclosão
patriótica a contar da Independência, é preciso considerar do Período Co-
lonial aquelas reações chamadas nativistas simultaneamente com as ten-
tativas, embora ainda incaracterizadas, de encontro com uma identidade
nova nascente. Demonstram-nas certos eventos da história, a temática
americana de exaltação das coisas da terra em confronto com os modelos
externos, reflexões críticas sobre transposições de estilos e formas literárias,
o louvor da participação igualmente de portugueses, negros e índios na
nossa formação, não obstante a subserviência e o elogio à metrópole 18.
Por seu lado, o próprio Portugal se achava muito preso à tradição
insular ibérica. Escritores que se prendem às manifestações literárias
Brasil Colonia — desde Anchieta, com obras em português, espanhol, i
guarani e latim, mas sobretudo os escritores do século XVII ao XVIII
uderam conhecer com certa intimidade os autores espanhóis e escre- im
17 V. Capisrrano de Abreu, op. cit. Da nossa parte, desenvolvemos mais longamente os problemas indicados em
A Literatura Brasileira — I — Manifestações Literárias do Período Colonial, cit. (qualquer edição, a partir da terceira).
18 As chamadas lutas ou revoltas nativistas, traduzindo uma reação interna de afirmação própria, começam com
as insurreições maranhense c pernambucana, que resultaram na expulsão dos holandeses, que como
invasores, de 1630 a 1634, dominaram a faixa litorânea de Pernambuco ao Maranhão; prosseguem com a
Revolta dos Beckman (1684), a Guerra dos Emboabas (1708), a Guerra dos Mascates (1710), a Inconfidência
Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798). Quanto aos
também em espanhol, latim e português. Na verdade, o estudo das
ercussões do barroco literário no Brasil não pode ser feito apenas e
■tamente com relação a Portugal. Reconhecemos um barroco penin- ir
ibérico do qual derivam as nossas manifestações barrocas e através
|ual repetimos e incorporamos processos, atitudes e ideologias que nos
am no movimento barroco em geral. A própria arquitetura barroca e te
plástica correspondente, assim também a música, devem ser penis
dentro desse contexto mais arejado de interinfluéncias e coinciden- de
freqüéncias universais. Nesse caso, a Companhia de Jesus, com lito de
ação e unidade universais, mas sem prejuízo de adaptações e ¡tamentos
a cada povo ou nação e respectivo condicionamento, exer- sem dúvida
uma elevada função de irradiação e inter-relação.
Ainda mais, no século XVIII, com a abertura das reformas do Mar- s
de Pombal, atingindo o sistema de censura, e o ensino em geral,
tacadamente a universidade, Portugal procurou reconquistar a sua
dização no universo intelectual europeu17. E o momento em que há or
freqiiência de brasileiros na Universidade de Coimbra e em que ins, à
semelhança de portugueses, viajam e estudam pela Inglaterra, liça e
Itália18. Como os portugueses, brasileiros também podem assi- ar
diretamente influências agora notadamente da Itália.
nitrou aspectos enumerados — temática americana etc. serão demonstrados no desenvolvimento leste livro.
/, noi.i I deste capítulo.
'rltu ipnlmrme pelo século XVIII, vários brasileiros se destacam na Universidade de Coimbra: os tltiitos
h.iriolomeu c Alexandre de Gusmão, José Joaquim da Cunha de A/eredo Coutinho, Antô- iio de Moines
Silva, Alves Maciel (ligado à Inconfidência Mineira), os irmãos Antônio Carlos e o« ItoiiiUi lo de Andrnda
c Silva, o l’c. Antônio Pereira de Sousa Caídas. As viagens destes dois
... ........ pi la l .uropa liália, França, Inglaterra - foram importantes para as repercussões pré-ro-
... ........ ...........no,
Ora, a perspectiva geral até aqui esboçada marca pelo menos quatro
pontos destacáveis: a persistencia, do século XVI ao XVIII, do modelo
português sobreposto e preponderante; a participação do modelo espanhol,
notadamente barroco e atenuador do primeiro, à medida que acentúa o
denominador comum do modelo cultural e intelectual ibérico; o papel da
Companhia de Jesus como uma instituição universal, cuja mis- s.ío
espiritual se estendeu fecundamente sobre nossa vida intelectual e artística;
e a influência italiana19. Certamente o núcleo, o pivô de giro comparativo, é
Portugal, mas também é certo que sua ação, embora preponderante e
restritiva, não foi exclusiva nem exclusivista. Tivemos assim outros fatores
atuantes e atenuantes, fundamentais no processo de diferenciação de uma
atividade interna do Brasil Colónia, a qual tem sido correntemente apenas
posta em confronto direto com os modelos portugueses dominantes.
Reinsistimos, contudo, que é o pivô, isto é, a geratriz portuguesa,
que possibilita a visão de conjunto e de unidade, a qual de outra ma-
%
ncira seria seccionada ou intermitente, fracionada. E é por isso, como
também pelas circunstâncias gerais de condicionamento acima indicadas,
que no estudo das manifestações literárias do Período Colonial não nos
preocupamos tanto com o debatido problema da delimitação de períodos
caracterizados por determinados estilos ou por movimentos culturais.
Devemos antes pensar no conjunto mais abrangente daquele período,
conforme com sua delimitação na história geral do Brasil 20. É aí, nesse
espaço amplo e pouco informal, que devemos investigar freqiiên- ci.ts,
incidências e imitações dos modelos de determinados estilos, como de suas
poéticas, com relação à expressão de uma temática de dupla origem -
externa e interna. É assim uma maneira de dar abertura à visão das
transformações internas sob a constante da ideologia nativista, a partir do
século XVI.
19 Ainda é matéria para pesquisa e estudo a presença espanhola nas manifestações literárias do Brasil Colónia;
quanto à Companhia de Jesus, veja-se a obra monumental do Pe. Serafim leite. História da Companhia de Jesus
no Brasil, ed. cit., 10 vols., e o trabalho pioneiro de Paulo F. Santos, O Barroco e Jesuítico na Arquitetura do Brasili,
Rio de Janeiro, Kosmos, 1951 ; sobre o Arcadismo e a in- fluência italiana, além da obra fundamental de
Antonio Candido, Formação da Literatura Brasileira (Momentos Decisivos), São Paulo, Martins, 1959, 2 vols. (v. voi.
1, 1750-1836); v. o ensaio de Carla Inama, Metastasio e i Poeti Arcadi Brasiliani, São Paulo, Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras- USP, 1961.
20 Mais uma vez damos razão a José Veríssimo, cujas sugestões temos retomado. Em primeiro lugar, ele
reconhece aquela bidivisão abrangente já referida, com fundamento na nossa formação e trans- fiu inação
históricas - Período Colonial, Período Nacional; em segundo lugar, ressaltando a subor-
2. AÇÃO DOS INFLUXOS EXTERNOS E INTERNOS
dinaçáo do Período Colonial à literatura de Portugal, não reconhece, por isto mesmo, a possibilidade de
divisão sistemática ou metódica para este período; mas, em terceiro lugar, referindo-se de início ao
Romantismo e à nossa “emancipação literária”, dá relevo ao fato de que “o sentimento que
0 pinmovcu e principalmente o distinguiu, o espírito nativista primeiro e o nacionalismo depois,
1 MC a veio formando desde as nossas primeiras manifestações literárias, sem que a vassalagem ao
prmaitncnto e ao espírito português lograsse abalá-lo”. É exatamente essa persistência no tempo e no espaço
de tal sentimento, manifestado literariamente, que dá à nossa literatura a unidade e lhe justifica a
autonomia (v. op. dt., pp. 5 e 1).
21 A nossa posição, embora se harmonize com a de Antonio Candido, na verdade é distinta, pois que,
esclarecendo perspectiva semelhante, ele fala em “visão interna’’ e “visão externa”, conforme o seu ensaio
“Introducción a la Literatura de Brasil”: “EI sentido y Ia importancia de una literatura se hallan
íntimamente ligadas a la visión interna y a la visión externa que la misma determina. Expliquemos tales
expresiones. Visión interna es la que poseen los escritores, críticos o lectores directamente interesados, com
mayor o menor consciencia del hecho literario. Visión externa es la que se constituye en la sociedad en
general, o en otros ramos de la cultura, o en la vaga opinión colectiva, c incluso en la aparición de leyendas
y mitos sobre los escritores” (Venezuela, Monte Ávila, 1968).
século XVI; b) através de elementos spersos da poética clássica, barroca,
neoclássica ou arcádica conjunta- ente com reflexos do Iluminismo e Pré-
romantismo, de fins do sécu- XVIII para princípios do século seguinte. As
manifestações nativistas riam geradas pelos influxos internos, uma vez
estimulados pelos ex- rnos em reações e respostas ao condicionamento
novo em que estes cidem, desde os primeiros colonizadores à sua
descendência mestiça, o manifestações nativistas que se transformarão no
nacionalismo do rulo XIX, simultaneamente com o indigenismo e o
indianismo tamul provenientes do Período Colonial, em marcha, para
chegarmos fílmente à brasilidade do Modernismo.
CAPITULO III
I. As ORIGENS
22 V. Jaime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha, com um estudo de..., Rio de Janeiro, Livro de Pnuu|(4l, 1943.
culos do Período Colonial. Das impressões dos descobridores, esta
literatura evolui, amplia o conhecimento da terra, relata governo, fatos,
acontecimentos. Acompanha o surgimento do “sentimento nativista”, de
.mlo-reconhecimento. Podemos dizer o mesmo da poesia, ainda que não
tenha sido tão ampla quanto a prosa. No século XVI, porém, as formas
poéticas cultivadas demonstrariam melhor os ideais humanísticos defen-
didos pela Companhia de Jesus.
Projeção de influxos externos, a prosa e a poesia a serem consideradas
no todo do Período Colonial, com as características universais de épocas,
de que são portadoras, passam sucessivamente do humanismo
quinhentista, ao Barroco, ao Arcadismo e ao Pré-romantismo. Sua unidade
entre nós residirá na progressiva ação dos influxos internos, reconhecível
no que podemos designar como “temática do colonizado”, sempre a
caminho da identidade.
Durante o século XVI, o espaço de observação e ação, gerando a
perspectiva acima delineada, restringe-se à faixa litorânea de Pernambuco
a São Vicente e até mesmo ao Paraná. Mas os centros urbanos que aí sc
implantam e se desenvolvem, como São Vicente, São Paulo, Rio de Janeiro,
principalmente Salvador, Recife e Olinda, a contar da expedição de Martim
Afonso de Sousa, 1530-1532, aos primeiros governos gerais, 1549 em diante,
só paulatinamente apresentarão condições propícias a atividades de vida
cultural e intelectual. Prendem-se a grandes destaques desse século: à
instituição do Governo Geral, com a pacificação de índios, e à expulsão de
invasores, à prosperidade do comércio de pau-brasil e da cultura da cana-
de-açúcar; à ação da catequese jesuítica e à criação de seus colégios em
Salvador, Olinda, São Paulo, Rio de Janeiro 2. A obra de observação e
informação descritiva sugere nitidamente o processo de adaptação ou a
rejeição à integração do colonizador na terra. Indica-nos o princípio do
cumprimento de uma missão humanística de cristianiza- i,.io que passa à
responsabilidade principal da Companhia de Jesus, en-
23 V. Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso - Os Motivos Edênicos no Descobrimento e Coloniza- fão do Brasil, 2. ed.
rev. e ampl., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1969.
24 O Pe. José de Anchieta dedicar-lhe-ia um poema épico descritivo de seus feitos - De Gestis Mendi de Soa. Adiante
comentado, foi publicado na época, mas por longo tempo esquecido. V. nota 18, a seguir.
3, lodos os historiadores são unânimes em falar da prosperidade de Pernambuco no século XVl ( atingindo com o
governo de Jorge de Albuquerque Coelho o gosto pela vida intelectual, ele mesrtio homem dado às letras (cf.
A. V. A. Sacramento Blacke, Dicionário Bibliográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1898, vol. 4,
pp. 259-260). V. Oliveira Lima, Pernambuco - Seu Desenvolvi. mento Histórico, Leipzig, F. A. Brockhaus, 1895.
(}, Trata-sc da literatura informativa ou descritiva da terra e do homem e da obra de Anchieta, a seguir apreciadas.
Sobre expansão geográfica, v. Basílio de Magalhães, Expansão Geográfica do Brasil Colonial 3. ed. cor. e amp„ Rio
de Janeiro, Epasa, 1944; Sérgio Buarque de Holanda e outros, História Geral da Civilização Brasileira -1 - A Época
Colonial ed. cit.
e a seguir o Pe. José de Anchieta, síntese representarlo nosso século XVI ao
tentar harmonizar o universo de origem do mizador com o universo
conquistado e a ser colonizado. E também
ii imeiros cronistas portugueses.
t PROSA INFORMATIVO-DESCRITIVA
I'. Gabriel Soares de Sousa, Tratado Descritivo do Brasil em 1587 (ou Noticia do Brasil), a seguir ferido.
nino uma das primeiras tentativas de sistematização informativa em geral, inclusive de viagens, que m icvc sobre o
Brasil de 1 SOO aos séculos XVIII-XJX, lembramos o estudo de Almir de Andrade, >i ma\<1o da Sociologia Brasileira - I
- Os Primeiros Estudos Sociais no Brasil - Séculos XVI, XVII e VIII, Rio ilr janeiro, José Olympio, 1941, sem esquecer Artur
Mota, História da Literatura Brasi- i KI , San Paulo, Cia. F.d. Nacional, 1930, 2 vols. V. também Alfredo de Carvalho,
Biblioteca Exóti- Inuiilrini, Rio de janeiro, Empresa Gráfica; São Paulo, Pongetti, 1929-1930, 3 vols.
sc toma aqui a visão das origens ou raízes do que somos como expressão de
cultura e em particular da representação literária de nós mesmos. Como
ponto de partida é sobretudo documento válido para o historiador c outros
estudiosos. Igualmente, é fonte esclarecedora ou inspiradora da nossa
literatura e, em alguns casos, criações literárias legítimas.
27 V. cd. cit. c Carta a El-rei D. Manuel Introdução, organização de texto, glossário, bibliografia e índices de Leonardo
Arroyo, São Paulo, Dominus, 1963.
*rn.y+/mi) MOOt yyt^^^fjv+^-y ¿A, Je*
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Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa
Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não
deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que —
para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que,
para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o
não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei-de falar
começo e digo:
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi, segunda-feira, 9 de Março. Sábado, 14
do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achámos entre as Canárias?mais perto da Grã-
Canária, onde andámos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E
domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das Ilhas de Cabo
Verde, ou melhor, da Ilha de S. Nicolau, segundo o dito Pêro Escolar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com
sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas
diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo até que, terça-feira das Oitavas
de Páscoa, que foram vinte e um dias de Abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas,
segundo os pilotos diziam, topámos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de
ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de
rabo-de-asno. E, quarta-feira seguinte, pela manhã topámos...
\s impressões de Caminha, podemos juntar as do Pe. José de An- ., desta
vez captadas na divisão da orla marítima com a selva a ser lidada. Não
menos ricas literária e lingüisticamente do que as pri- s, essas outras
impressões também em carta foram escritas em quando Anchieta, já
peregrino amoroso de nossas terras, andava
0 Paulo ao Paraná10. Para arquitetarmos a perspectiva do século as cartas
de ambos dão a medida inicial do que se escreveu nesta ria: a prosa
informativa dos cronistas portugueses e a poesia do pró- úichieta. Nos dois
casos, ressaltam-se preocupações, quando não sos, dirigidos para a
adequação a um novo condicionamento. Su-
1 mesmo a identificação com a terra por amor, depois que o coloni-
imposto a converte em “terra de eleição” e logo mais em “terra de nento” 11.
Paralelo com o sentimento de repulsa, depois de frustra- esde que o amor
da terra começa a fermentar os germes do “senti- > pátrio” - com o sentido
de local de nascimento - motiva-se o mento nativista” e suas derivações. E
aquelas duas cartas se comple- omunicando-nos o deslumbramento inicial
do colonizador caúsala exuberância e pela promessa de riqueza da terra a
ser revelada e ísões e dificuldades da perspectiva do desbravamento.
«las obras dos cronistas portugueses que virão a seguir, desdobra-se tetído
das cartas, isto é, as impressões da terra e de seu habitante :ivo, relacionadas
com os objetivos do expansionismo, acrescidas de 5 de fatos da história da
colonização. A primeira dessas obras é o fim Leite S. J„ Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil - III
(1558-1563), São Paulo, Comissão V Centenário da Cidade de São Paulo, 1958 - v. carta “Do Ir. José de Anchieta ao
Pe. Diego tes, Roma”, datada de São Vicente, 31 de maio de 1560, pp. 202-236 e “Apêndices - I - Traio Portuguesa
da Carta de Anchieta, de São Vicente, Último de Maio de 1560 (Carta 34)”, pp. (II. V. também vol. 2 (1553-1558),
lug. cit., 1957, outra carta, “Do Ir. José de Anchieta ao Pc. io de Loyola, Roma”, de São Paulo, 1* de setembro de
1554, pp. 83-118; e Carta (...) seguida iiinas (...), traduzidas do latim por João Vieira de Almeida, prefácio de
28 Pero Lopes de Sousa (século XVI), Ditino da Navegação de... (1530-1532), Estudo crítico pelo comandante Eugênio
de Castro, prefácio de J. Capistrano de Abreu, 2. ed., Rio de Janeiro, Comissão Brasileira dos Centenários
Portugueses de 1940, s. d., 2 vols.
29 A expressão, seguida de adjetivo e por ele mesmo grifada - obnubilação brasílica -, provém de Araripe Jr., com
bastante fundamento, e lhe surgiu a partir de suas reflexões sobre o nosso século XVI, cujo estudo não pode
se subordinar aos mesmos métodos dos séculos seguintes. Assim é que, depois de propor sua teoria ou
orientação metodológica, a da “obnubilação brasílica”, efeito da “poderosa influência do ambiente
primitivo” no homem civilizado, atenuando-lhe “todas as camadas de hábitos que subordinavam” esse
homem à civilização, o crítico interroga: “Qual foi o sentimento que se gerou no português, logo que se
sentiu abandonado às suas próprias forças no solo americano?” “Qual a nova direção que tomaram as suas
tivemos a primeira tentativa sistematizada de descrição da terra, acentu-
ando o enfoque comparativo com as coisas distantes de além-mar, e tam-
bém o primeiro esboço da história do Brasil Colónia, do descobrimento ao
Governo GeraPL Com ele, o índio não é mais visto com a simpatia dos
autores anteriores, e se põe em dúvida o programa da cristianização. E em
fins do século XVI surge Gabriel Soares de Sousa, com a Notícia do Brasil31. É a
grande obra descritivo-informativa do século. Acentuando as intenções
orientadoras da colonização e de suas possibilidades, com ricas observações
sobre o habitante autóctone, é a mais completa e objeti-
faculdades estéticas, em consequência dessa queda psíquica, ou, para exprimir-me melhor, dessa regressão
ao tipo mental imediatamente inferior, por desagregação da placenta européia?” (v. “Literatura Brasileira”,
em Obra Crítica de Araripe Júnior -1- 1868-¡887, Rio de Janeiro, Casa de Rui Barbosa-MEC, 1958, pp. 489-497 (trechos
citados da p. 497).
30 Pero de Magalhães de Gandavo (século XVI), Tratado da Terra e Gente do Brasil, no qual se Contém a Infortnação das
Coisas que Há nestas Partes e História da Província de Santa Cruz, a que Vulgarmente Chamamos Brasil (ed. conjunta), Rio de
Janeiro, Publicação da Academia Brasileira de Letras, 1934; Tratado da Província do Brasil Rio de Janeiro,
Instituto Nacional do Livro-MEC, 1965 (ed. fac-similar e diplomática, com introdução e comentários de
Emmanuel Pereira Filho).
31 Gabriel Soares de Sousa (século XVI), Tratado Descritivo do Brasil em 1587, ed. de Francisco Adolfo Varnhagen, 3.
ed., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1938 (Col. Brasiliana, 5. série, voi. 117) ou Noticia do Brasil ed. de Pirajá da
Silva, São Paulo, Martins, s. d., 2 vols.
ria do Brasil
COMENTARIOS E NOTAS
DE
iKN. PIRAJA DA SILVA E EDELWEISS
EDIÇÃO PATROCINADA
PELO
JTO DE ASSUNTOS CULTURAIS DO M E C.
SAO PAULO-BRASIL
MCMLXXIV
A obra dos jesuítas. Não resta dúvida de que os jesuítas ampliam a obra
dos cronistas portugueses. Mas o que eles escrevem — consideremos os
padres Manuel da Nóbrega, José de Anchieta, Fernão Cardim - deve ser
visto como programa de uma instituição que se distingue com proce-
dimentos próprios. A obra deles documenta e esclarece objetivos e reali-
zações precipuos da Companhia de Jesus no Brasil: a catequese do gentio e
o ensino. Além do mais, os jesuítas tiveram um desempenho notável na
colonização. Em contínuo conflito com os interesses portugueses, projetam
uma imagem talvez a mais discutida do Período Colonial. Nos limites do
século XVI, o que eles escreveram visava essencialmente à informação e à
orientação ligadas ao seu programa humanístico em execução. Com
fundamento na observação da paisagem física e humana, feita de maneira
disciplinada ou orientada, a obra deles proporcionou o conhecimento dessa
paisagem, do indígena e das relações com ele estabelecidas pelos jesuítas e
colonizadores; deixou informações sobre a sociedade que aqui se
implantava desde os contatos iniciais do adventício com o autóctone;
também sobre a obra espiritual e as manifestações intelectuais, in-
tensificadas nos colégios da Companhia de Jesus. Tudo isso é registrado a
partir de 1549, ano da primeira carta de Nóbrega, precioso documento sobre
o caos moral e espiritual de Salvador por ocasião da chegada do primeiro
Governo Geral32. Prosseguem as indicações em cartas, relatórios,
“narrativas”, sermões, pesquisas e trabalhos lingiiísticos. Do ponto de vista
ideológico, não se pode compreender a passagem do indigenismo para o
indianismo sem o recurso dessa soma considerável de cartas, que aumen-
taria enquanto os jesuítas participaram da nossa formação33.
Cronistas estrangeiros. O terceiro grupo de escritores situados no sé- culo
XVI é representado por aventureiros ou viajantes estrangeiros: Hans
32 Serafim Leite S. )., Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil - / (1538-1553), São Paulo, Comissão do IV Centenário da
Cidade de São Paulo, 1956, v. carta “Do Pe. Manuel da Nóbrega ao Pe. Simão Rodrigues, Lisboa", datada da
Bahia, 10 de abril de 1549, pp. 108-115.
33 V. Serafim Leite S. J., Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil, ed. cit-, 3 vols.; Manuel da Nóbrega, Cartas do Brasil -
1549-1560, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1931; Cartas Avulsas (1550- 1568), lug. cit., 1931; José de Anchieta,
Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões (1554- 1594), lug. cit., 1933; Fernão Cardim, Tratados da Terra e Gente
do Brasil, 2. cd., São Paulo, Cia. Kd. Nacional, 1939 (introdução e notas de Batista Caetano, Capistrano de
Abreu e Rodolfo Garcia).
Staden, Anthony Knivet, Jean de Léry e André Thevet18, os dois últimos
ligados à invasão francesa do Rio de Janeiro — a França Antartica, de 1555.
Escreveram um misto de relato de aventuras trabalhadas pela imaginação,
de observação sobre a paisagem e o autóctone e de matéria de interesse
histórico. Admitimos que eles se apresentam, de origem, seduzidos pelo
amor ou pela atração do exótico, que então se generalizava pela Europa,
estimulando a aventura e o seu relato. Também é preciso levar em conta o
aguçamento das ambições européias pelos sucessos dos descobridores
espanhóis e portugueses, descortinando-lhes visão de riquezas. Por isso
mesmo, Portugal evitou o quanto possível a revelação das possibilidades de
sua conquista na América, impedindo mesmo os contatos livres do
estrangeiro. Mas, iniciada essa obra informativo-descritiva e histórica de
estrangeiros, quer tenha sido ela produto de curiosidade e observação de
aventureiros ou invasores durante o Período Colonial, deve ser relacionada
com outras escritas bem mais tarde, a partir de Dom João VI, produto de
missões culturais e científicas que se estendem pelo século XIX. Ambas se
converteram, sabidamente, em fonte preciosa dos estudos sobre o Brasil, do
antropológico, social e histórico ao naturalista, e até ofereceram matéria
para a inspiração literária. Elas se situam na bibliografia estrangeira sobre o
Brasil, mas, particularmente nos limites do século XVI, oferecem confronto
curioso e ilustrativo com as impressões dos cronistas portugueses.
IH. Citamos divulgação recente de suas obras: Hans Staden, Duas Viagem ao Brasil - Arrojadas Aventuras no século
XVI entre Antropófagos do Novo Mundo, trad. de Guiomar de Carvalho Franco, com introdução c notas de
Francisco de Assis de Carvalho Franco, São Paulo, Hans Staden, 1942; 11 André Thevet, Singularidades da
França Antártica, a que Outros Chamam de América, pref., h,id c notas do Prol'. Estêvão Pinto, São Paulo, Cia.
Ed. Nacional, 1944; Jean de Léry, Viagem à tersa do Brasil, trad. int. c notas de Sérgio Milliet, São Paulo,
Martins, 1941. V. nota 8 deste I ,l|llllllo
3. JOSÉ DE ANCHIETA
19. São as seguintes as principais edições das obras conhecidas - poesia, teatro (em verso) e prosa informativa c
Cartas, Informações, Fragmentos Históricos e Sermões (1554-1549), ed. cit.;
histórica do Pe. José de Anchieta:
Arte de Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro-Imprensa Nacional, 1933: Poema da Bem-aventurada Virgem Mãe de Deus Maria, ed. c trad. Pc. A.
Cardoso, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1940; Poesias, manuscriro do século XVI, cm português,
castelhano, latim e tupi, transcrição, traduções e notas de Maria de Lourdes de Paula Martins, São Paulo,
Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954; Excelentíssimo singularisque fidei ac pietatis uiro
Mendo de Saa, Australis seu Brasilicae Indiae praesidi praestantissimo - Conimbricae apud Joatinen Aluarum
Typographum Hegiurn - MDLXIII (cf. comunicação leita por Luís de Matos ao II Coloquium Internacional
de Estudos Luso-brasileiros, São Paulo, set. 1954, sob o título “O Poema de Anchieta sobre os Feitos de Mcm
de Sá”); De Gestis Mendi de Saa, original acompanhado da tradução vernácula pelo Pe. Armando Cardoso, S.
I„ Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1958 (v. reedição nas Obras Completas, São Paulo, 1970, vol. 1); Poemas
Eucarísticos e Outros - De Eucaristia et aliis - Poemata Varia - Obras ( ompletas, São Paulo, Loyola, 1975, vol. 2;
Teatro de Anchieta, originais acompanhados de tradução versificada, introdução e notas pelo Pe. Armando
Cardoso S. I., São Paulo, Loyola, 1977 (Obnu Completas, vol. 3). O quarto volume das Obras Completas é uma
reedição do Poema da Bem- aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus (sic), originais latinos, trad. e introdução do
Pe. Armando (lardoso, S. L, São Paulo, Loyola-INL, 1980, 2 tomos.
Poesías, de Anchieta.
JOSE DE AKCHIF.TA, S J.
POESIAS
Msnjwnta Uu *4«. XVI. tm portuguto «»Ulhaoo.
de
M. DE L. DE'PAULA MARTINS
são paulo
OBRASCOMPLE
Ji VOLUME
m U I l U h l / ' / * % I ? / \ • , 1 I l D D Í A n n r\ I t f\ n c o f n n n m i r \ M I A l
A produção informativo-descritiva e literária do século XVI marca s
origens do que continua a ser escrito nos séculos seguintes, XVII e (VIII.
Para os estudos específicos da história literária por essa época, ela los
testemunha o sentido do Humanismo que presidiu os princípios da
olonização. É principalmente a fonte que gera e alimenta constantes te-
náticas, freqiiência de atitudes e inspirações: 1“) a curiosidade e o lou- or
dos recursos e aspectos naturais da terra; 2 U) a relação homem —► pai-
agem americana —> terra brasileira, que se traduz, de início, pelo amor la
terra com o oposto paralelo do seu repúdio, de qualquer forma de-
encadeando o processo da identificação. Em outras palavras, inspira o jue
se chamaria - expressão já consagrada - de “sentimento nativista”, ambém
alimentador de valores e legendas criados no decorrer da nossa ormação.
E desde a Carta de Caminha, amplia-se com outros cronistas Hirtugueses e
com os jesuítas a visão comparativa da terra feita sempre om as
persistências evocadoras de além-mar e multiplicam-se os relatos le leitos
e acontecimentos históricos. Neste caso, ressaltam-se progressi- 'amente: a
participação portuguesa e a indígena (a africana seria desta- :ada mais
tarde) e a intromissão dos invasores estrangeiros enquanto o ndio, objeto
de programas humanísticos, é defendido pelos jesuítas con- ra a intenção
escravagista.
Sob o aspecto entrevisto, o século XVI é o fundamento indispensável
para os estudos e compreensão das origens da formação da Literatura
Irasileira. Nos seus limites e inserido nos do Período Colonial, ele deve á
ser pensado em termos da rusticidade e da agressividade da natureza
•nfrentada e, não obstante os ideais de cristianização, dos interesses ma-
criais. Mas não se impede o desabrochar da sensibilidade, da consciên- ia
peculiar e da imaginativa que exprimirão mais tarde a realidade e o aráter
do brasileiro. Os modernistas de 1922 reconheceriam a impor- Altcia c o
significado de ir até ao século XVI em busca das origens. Sob •ssc aspecto,
lembremos manifestações e atitudes que eles rotulariam de
“Pau-brasil”, “Primitivismo”, “Verde-amarelismo”, enquanto reviam os cronistas
. ESCLARECENDO AS RAÍZES
35 V. Revista de Antropofagia, São Paulo, ano I, 1928, 10 números (corresponde à chamada l" dentição); e Revista de
Antropofagia (órgão do clube de Antropofagia), 2‘ dentição, página do Diário de S. Paulo, semanalmente, 1929, 15
números, de 1 jul. 1929 a 1 ago. 1929 (v. edição fac-simi- lar, São Paulo, Abril-Metal Leve, 1975, com introdução de
Augusto de Campos); Monteiro Lobato, O Primeiro Livro sobre o Brasil, sobre Hans Staden, de 1926, e que integra o
Na Antevéspera, e a adaptação para a literatura infantil da obra desse viajante sob o título de Hans Stadetr, v.
livro
Oswald de Andrade, destacadamente alguns poemas de Pau-Brasil, c alguns manifestos modernistas: Gilberto
Mendonça Teles, Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro, apresentação e crítica dos principais manifestos
vanguardistas, 6. ed. rev. e ampl. com does., Petrópolis, Vozes, 1976; alêm de outras referências.
36 V. Padre Serafim Leite S. J., Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil - II (1553-1558), ed. cit.: “Diálogo sobre a conversão do
gentio do Pe. Manuel da Nóbrega”, datada da Bahia, 1556-1557, pp. 317-345; em pequeno “Prefácio” ao texto, o Pe.
Serafim Leite observa e resume: “Este Diálogo, pelo gênero, ó o primeiro documento verdadeiramente literário escrito
no Brasil. Tema de missio- logia fundamental, a capacidade dos índios para se converterem. Os índios, não obstante a
antiga condição em que vivem e se criaram, são capazes de se converter: em direito, porque são homens; e, dc fato,
porque já muitos se converteram. Mas imporra criar novas condições, extrínsecas aos índios, aptas a facilitar a
conversão: umas, da parte dos missionários, que devem tender cada vez mais á perfeição dc evangelizadores; outras da
parre dos índios, com uma sujeição moderada. Com santidade de vida, atrairão de Deus a graça da conversão dos
Gentios; com a sujeição, facilita-se a reedu- cação dos adultos com a aprendizagem e prática da lei cristã, na medida do
possível (sempre foi difícil em todas as partes do mundo a conversão de adultos), e promove-se a educação cristã dos
filhos sob um regime de autoridade paterna” (pp. 317-318).
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CAPÍTULO IV
' I mu iimiim, ciiamiu, não obstante o toque de bairrismo: Aníbal Fernandes, Pernambuco, Berço da I ilrntlUM Hnuihira, Recife,
1953 (texto mimeografado).
PRODUÇÃO INTELECTUAL DO PERÍODO COLONIAL - II SÉCULOS XVII-XVIII -
PRESENÇA DO BARROCO
terra natal, de seu povo, de sua língua nacional, mais são eles poetas eternos [...] E Eliot conclui: O lato é que um
poeta, se ele não é um grande poeta cm seu país, não será grande poeta em parte nenhuma”. Acresccnte-se, ainda
de José Lins do Rego, a propósito de Charles Vildrac e a discussão, na França, em torno do romance proletário:
“Vildrac, no entanto, insurgiu-se contra o evangelismo de Itarbussc para afirmar que a arte vai mais além da
pátria ou da classe (...) tudo que lhe revele qualquer coisa do mundo é obra que fica, pouco lhe importando o
local ou a qualidade das criaturas cvoi.idas, desde que a evocação seja autêntica e que comova. Assim, tudo que
sai do povo é vivo e palpitante e i arrega a seiva que vem das entranhas da terra e da gente” (v. Homens, Seres e
Coisas, Rio d. laurirn, MEC Serviço de Documentação, 1952, pp. 42-43).
ao estilo mitológico, não obstante a tentativa que ele mesmo fez de trans-
plantação do universo mitológico para a paisagem americana. Ressalte-se
também o caráter encomiástico do poemeto, dedicado a um nobre pode-
roso e escrito em seu louvor, procedimento geral, corrente por muito
tempo, mas contestado a certa altura.
O preceito horaciano aconselhava que, antes do desenho definitivo, o
poeta fizesse uni debuxo, escrevesse um rascunho, para depois refazê- lo
lentamente39. Admitimos que Bento Teixeira encontrava um apoio, embora
desvirtuasse seu verdadeiro sentido, para justificar a irregularidade, as
insuficiências e o caráter de obra inacabada, que é a Prosopopéia. Com
semelhante justificativa que se lê no prólogo e mais de uma vez no contexto
do poemeto40, evidencia-se uma formação literária falha, embora o poeta se
comprometa com o clássico, tanto pelo modelo camoniano, que
pretensiosamente corrige, quanto por contradição. Considera a mitologia
um “vão estudo”, opõe os deuses mitológicos ao Deus do cristianismo41,
mas termina adotando o estilo mitológico, ao atribuir a Proteu a
%
função de narrador dos acontecimentos perante uma assembleia de deuses
situada em recifes de Pernambuco. Poderíamos a propósito levantar a
hipótese da relação desta atitude com a condição de cristão novo, de Bento
Teixeira42. De qualquer forma, ele se antecipava à posição de princípios do
século XIX, com Frei Francisco de S. Carlos e logo depois à de Gonçalves de
Magalhães, quer dizer, de repúdio ao estilo mitológico.
39 Bento Teixeira, Prosopopéia, ed. cit. da Academia Brasileira, p. 22; e v. nota 15, a seguir.
40 Idem, pp. 22-23.
41 Idem, p. 27.
42 V. J. Galante de Sousa, Em torno do Poeta Bento Teixeira, São Paulo, IEB-USP, 1972; e Luís Roberto Alves,
Confissão, Poesia e Inquisição, dissertação de mestrado no Departamento de Lingüística c Letras Orientais,
USP, texto datilografado, 1977.
Manuel Botelho de Oliveira são superiores. Ele foi porta- de pensamento
crítico importante sobre o estilo dominante, o Bar- i, conjuntamente com a
consciência de sua posição na atividade lite- i que se esboçava no Brasil. Na
dedicatória da Música do Parnasso )S), dirigida a um nobre da época, Dom
Nuno Alvares Pereira de o, Duque de Cadaval, e no “Prólogo ao Leitor”
está bem definido o cdimento indicado7. E isso sem contar com o contexto
da obra, npanhada de duas comédias — “Hay Amigo para Amigo e Amor,
años y Celos” —, escritas de acordo com o modelo da “Comedia /a", dado
por Lope de Vega8.
Manuel Botelho de Oliveira principia com um rápido esboço das ¡situdes
da poesia: desde a Grécia com Homero, Roma antiga com ;ílio e Ovídio, até
a Itália com Tasso e Marino. Também a Espanha Lope de Vega e “o culto
Gôngora”, merecedor de “extravagante es- ição”, e Portugal com Camões,
Jorge Monte-Maior e Gabriel Pe- i de Castro. Evidenciam-se fontes ou
modelos preferidos. O poeta aproxima desses antecedentes, observando
que a “inculta habitação gamente de Bárbaros índios”, onde “mal se podia
esperar que as as se fizessem Brasileiras”, contava já em princípios do
século XVIII muitos poetas que imitavam os da Itália e Espanha. Manifesta
cônscia crítica que leva a reconhecer no Brasil - barroco e academicista
éculo XVII para o XVIII - condições de cultivar a literatura. Tan- ¡sim que
ele mesmo diz ter resolvido divulgar a sua obra “para ao os ser o primeiro
filho do Brasil, que faça pública a suavidade do •o Declaração que nos
remete ao problema da nacíonalida-
ívil do escritor, antecipando discussões do século XIX, voltada para
Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnasso - A Ilha de Maré, Academia Brasileira, pp. 49- (deilii .uória ao
Excelentíssimo Senhor D. Nuno Alvares Pereira de Melo, Duque de Cadaval) e 57 NH ("Prólogo ao Leitor”).
laipc d< Vcp,.i, Arte Nueva de Hacer Comedias - La Discreta Enamorada, 2. ed., Buenos Aircs- ‘nlio, I ip.iv.,1 ( alpe
Argentina, 1948, pp. 11-19. mm I Boi> llm de ( Xivcira, op. cit., p. 51.
43 José Veríssimo, ao colocar o problema da “nacionalidade literária”, prende-se a três critérios: primeiro, o da
distinção entre o Período Colonial e o Período Nacional, este, da Independência em dianre; segundo, o do
nascimento, que não se dissocia do sentimento nacional correspondente, donde excluir todos os
estrangeiros que aqui exerceram atividade literária; e, terceiro, relacionando o primeiro com o segundo
critério, a afirmação seguinte, referindo-se naturalmente à Literatura Brasileira: “No seu primeiro período
ela é a dos escritores portugueses nascidos no Brasil, no segundo dos escritores brasileiros de nascimento e
atividade literária” (op. cit., pp. 15-16). Mas o problema vem desde princípios do século XIX para atingir
Sílvio Romero e o citado José Veríssimo, dos quais se projeta ainda nos nossos dias, conforme veremos no
momento oportuno.
44 Manuel Botelho de Oliveira, op. cit., p. 51.
45 Idem, p. 57.
46 Idem, p. 57-58, onde se Ic: “!...] No princípio celebra-se uma dama com o nome de Anarda, estilo antigo de
alguns Poetas, porque melhor se exprimem os afetos amorosos com experiências próprias:
[ U S#•Ins©*«®©-
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RIMAS
ÍUESAS, CASTELHA-
Italianas, & Latinas.
S C I N T E C O M I C O QtJEZVSI- dotm
duai Comediatt
FFER EGIDA
NTISSIMO SENHOR DOMNUNO yn dt Mrllo ,
Duquc do Cadaval, &c.
E E N T O A D A
AM MOR MANOEL BOTELHO
veyra,FidilgodaCaza de Sua
Magesladc.
L I S B O A .
objeto, se agregaram ourras Rimas a vários assuntos: e as- n como a natureza se preza da variedade para a
formosura das cousas criadas, assim também o irndímrnto a deseja, para tirar o tédio da lição dos livros”.
'rm. pp, S7-SB.
que então se dava à estrutura da composição literária. São normas e ati-
tudes próprias do estilo a que se prende, o Barroco, e dos modelos se-
guidos. Sob esse aspecto o poeta adquire relevo em sua época: demonstra
em primeira mão, com reflexões de valor crítico e realização, um aspecto da
poesia barroca, a ser relacionada com a que foi executada nas academias do
século XVIII.
2. POETAS SEISCENTISTAS
47 Bento Teixeira, Prosopopéia, reprodução fiel da edição de 1601 segundo o exemplar existente na Biblioteca
Nacional e Pública do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Tipografia Imperial Instituto Artístico, 1873 (ed. de
Ramiz Galvão); “Bento Teixeira Pinto [...] e aProsopopéia , Revista de História de Pernambuco, Recife, ano I,
agosto de 1927, n. 1 ; Prosopopéia, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1923 (sobre o problema
biobibliográfico que envolve o poeta e sua obra, v. J. Galante de Sousa, Em torno do Poeta Bento Teixeira, São
Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros-USP, 1972).
iiicrra, Manuel Botelho de Oliveira e Frei Manuel de Santa Maria aparica,
além da oratória religiosa e do academicismo que então princi- ia. Mas não
podemos pensar em grupo literário. Eles atuam quase que ncessiva e
isoladamente, destacando-se Gregório de Matos a ser conside- ido figura-
síntese do seu século, ao lado do Pe. Antônio Vieira, prosador.
Manuel Botelho de Oliveira apresenta-se com uma dupla impor- Incia:
a das preocupações poéticas sobre aspectos formais da poesia da poca, já
ressaltada; e a do ajustamento de linguagem cultista à expresso nativista,
independentemente da temática barroca. O nativismo des- ritivo do poeta,
exaltando e louvando as coisas da terra e a natureza, ncontra antecedentes
na prosa informativo-descritiva. O traço de sen- ualidade nele se excede por
força do estilo literário a que se prende. Lpresenta nesse sentido a
composição “Silva à Ilha de Maré”, responsá- el pelo renome do poeta e até
em detrimento do restante da sua obra, nde melhor reconhecemos
compromissos barrocos: a fugacidade dos entimentos e da beleza ou a
transitoriedade da vida e a exploração de ímbolos como o da rosa,
expressos com acentuada habilidade formal em |uatro línguas - português,
espanhol, italiano e latim. Acrescentem-se quelas duas comédias em
espanhol16, sob o modelo da “comedia nueva” le Lope de Vega, ampliando
a influência literária espanhola entre nós, i remarcável na obra de Gregório
de Matos. Completa-se sua expres- ão barroca com a inspiração religiosa
das composições até há pouco iné- litas sob o título de Sacra. Itaparica
seguiria igualmente a linha de poe- ia de sentimento e de inspiração
religiosa, escrevendo o poema sobre a ida de Santo Eustáquio, ao qual se
juntou também uma silva descriti-
6. Mainici Botelho de Oliveira, Música do Pamasso - A Ilha de Maré. Rio de Janeiro, Academia Brasileira
(reproduz apenas as poesias em português da 1. ed. de 1705);Música do Pamasso, Rio de Janeiro, Instituto
Nacional do Livro-MEC, 1953, 2 tomos, prefácio e organização do texto por Antenor Nascente. A edição
prínceps, em um só volume, traz como título completo: Música do Pai nano/ dividida em quatro coros/ de rimas/
Portuguesas, Castelha/ nas, Italianas, & Latinas/ Com ieu deu,mie comico reduzi/do em duas Comédias,/ oferecida!
[etc.]. São títulos das comédias, escritas i in espanhol! I lay Amigo para Amigo” e “Amor, Engafios, y Celos”.
De publicação recente é Lyra S a, hi, San I 'nulo, < ’onselho Estadual de Cultura, 1971; leitura paleogràfica
de Heitor Martins.
va inspirada na ilha de Itaparica, paralela à da ilha de Maré, situadas no
Recôncavo Baiano48.
O cultismo de Manuel Botelho de Oliveira talvez deva ser pensado
como uma postura assumida, em que os ideais do homem barroco e suas
contradições, tomados como conteúdo, cedem lugar às preocupações for-
mais. Sua atitude não corresponderia à inquietação e à projeção sensua-
lista como visão do mundo, que revelaria no escritor barroco o homem
barroco, interdependência que é uma das características da poesia de
Gregório de Matos. Este, retornando ao Brasil depois de sua formação em
Coimbra, marcado pela influência de Gôngora e Quevedo, enfrentaria um
desajustamento que acentua as contradições e conturbaçÕes do seu
temperamento. Oporia, assim, a expressão lírica, amorosa e religiosa do
mais alto nível e inspiração à agressão e ao deboche da sátira social e
individual. Sua glória se fez de satírico, mas é pelo confronto contrastivo
desta expressão poética com a lírica amorosa e religiosa que ele deve ser
projetado como o maior poeta barroco da língua portuguesa 49.
O caso de Gregório de Matos é paralelo, embora substancialmente
diferente em atitude, ao do Pe. Antônio Vieira: ambos são escritores de
48 Frei M. de Santa Maria Itaparica, Eustachidos. Poema sacro, e tragicomico, Em que se contem A Vida de Sto
Eustachio Martyr, chamado antes Plácido, E de sua Mulher, e Filhos. Por hum anonymo. Natural da Ilha de
Itaparica, termo Da Cidade da Bahia... Dado à luz por hum devoto do santo. [s. n. t.]; conte!m, a partir da p. 105, a
“Descrição da ilha de Itaparica, termo da cidade da Bahia, da qual se faz menção no Canto quinto”, cf.
Rubens Borba de Moraes, Bibliografia Brasileira do Periodo Colonial, São Paulo, Instituto de Estudos
Brasileiros-USP, 1969, p. 195, em que faz referência a outras composições poéticas do autor em Relação
Panegírica... de João Borges de Barros. Francisco Adolfo Varnhagen reproduz o poemeto descritivo em
Florilégio da Poesia Brasileira, 2. ed., Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1946, 3 tomos, t. I, pp. 197-216-226.
49 O poeta ainda aguarda uma edição crítica de sua obra (Guilhermino César vinha trabalhando neste sentido),
indispensável à exata e desapaixonada análise crítica, não obstante o louvável esforço de James Amado, cm
edição sob o título Crónica do Viver Baiano Seiscentista Feita em Verso Intitulada Obras Completas de Gregório de
Matos - Sacra - Lírica - Satírica — Burlesca, Salvador, Janaína, 1968, 7 vols.; v. também Obras de Gregório de
Matos, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1923, 1929, 1930, 1933, 6 vols., I: Sacra, 11: Lírica, III: Graciosa, IV-
V: Satírica, VI: Última. Fernando Percz divulgou os resultados de suas pesquisas sobre o poeta, cujo nome
correto é Gregório de Mattos e Guerra: Os Filhos de Gregório de Mattos e Guerra, Salvador, Centro de Estudos
Baianos, 1969; “Documentos para uma Biografia de Gregório de Mattos e Guerra”, em Ocidente, Lisboa, v.
LXXVI, 1969, pp. 194-201; e Gregório de Mattos e Guerra: Uma Re-visão Biográfica, Salvador, Macunaíma, 1983.
Capa de um dos
apócrifos do poeta.
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3. A ORATÓRIA RELIGIOSA
I'1 I'' AncAnlo Vieira, Sermões, reprodução fac-similada, organizada pelo Pe. Augusto Mague, São Piiulu, Aiulmt.i
(1943-1945) e Cartas, coordenadas e anotadas por J. Lúcio d’Azevedo, Coimbra, Imph nvi d.i Universidade.
1925, 1928, 1928, 3 vols.
Cf. Serafim Leite, História da
Companhia de Jesus no Brasil[ Rio de
Janeiro/Lisboa, INL/ 1’ortugalia,
1943, t. 4.
indistintamente de
Portugal, do Brasil
Colónia e da
Companhia de Jesus,
com a particularidade
de ser um clássico da
língua portuguesa.
Como pregador,
modelo da oratória
conceptista, irradia sua
influência e exige
confronto com outros
pregadores do século
XVII ao XVIII no Brasil
Colónia, notadamente
da sua época, com Frei Eusébio de Matos, na Bahia, e o Pe. Antônio de Sá,
no Rio de Janeiro. Mas o clássico da língua se projetaria mais longe. Depois
do período romântico — quando, entre nós, um Frei Francisco de Monte-
Alverne, como este mesmo o confessa, buscaria modelos franceses50 -, o Pe.
Antônio Vieira atingirá o último
50 V. Fr. Francisco de Monte Alverne, Obras Oratórias, nova edição, Rio de Janeiro, Garnier, s. d., 2 tomos. No
“Discurso Preliminar” (t. I, pp. V-XX), observa Monte Alverne: “[...] entregando-se i
dos nossos grandes oradores, Rui Barbosa, de reconhecido nível literário,
ostensivamente preocupado com a pureza da língua.
4. Os CRONISTAS
...) um astrólogo [diz o primeiro interlocutor, Brandônio] achara que a terra nova- ncnte
descoberta havia de ser uma opulenta província, refugio e abrigo da gente por- uguesa...
cultura da eloquência, o jovem orador brasileiro era condenado a ficar na obscuridade, estudando os
oradores portugueses, cujos sermonários eram comuns entre nós; ou procurar na leitura dos pregadores
franceses as inspirações, de que carecia para ilustrar o seu espírito, e abrilhantar seus discursos. Havia
porém neste estudo um grande inconveniente; c era a corrupção da língua portuguesa. I i i preciso
responder à glória, que nos chamava; era possível abnegar os pundunores do amor-pró- prio; convinha
ceder ao nosso entusiasmo. Não havia tempo para ler Freire de Andrade, estudar F. 1 uís de Sousa, c o Padre
Antônio Vieira” (p. XII).
1 1 Anthiósio Fernandcs Brandão (séculos XVI-XV11), Diálogos das Grandezas do Brasil, 2. ed. inte- gl il M gundo o
apógrafo de Leiden, aumentada por José Antônio Gonsalves de Mello, Recife, Im- piensa Universitária,
A
1966, pp. 11-12. (Sobre o problema de autoria que envolve essa obra, v. I I ii In > di is Santos Ramos,
Autoria dos Diálogos das Grandezas do Brasil, Recife, Imprensa Ofi- i ial, l'M6, separata da Revista do
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco.)
Não permita Deus que padeça a nação portuguesa tantos danos que venha o Brasil a
ser o seu refúgio e amparo.
Se isso é assim, e se pode fazer desse modo, confessarei que lhes ficam inferiores os
jardins lavrados e cultivados a tanto custo no nosso Portugal, pois não vejo lá haja mais castas
de fruto de espinho do que tendes apontado51.
(...] camacarim apropriado para taboada; outro pau chamado d’arco, porque se fazem dele muita
fortaleza e rigidão; aflbucai também muito estimado para eixos de engenhos e estearia;
canafistula, de cor parda; camará, rigidíssimo, e por esse respeito assaz estimado; pau-ferro, que
lhe deram este nome por ser igual a ele em fortaleza52.
51 Idem, p. 143.
52 Idem, p. 108 (as palavras grifadas são do próprio texto).
53 Frei Vicente do Salvador, História do Brasil - 1500-1627, 3. ed. rev. por Capistrano de Abreu e Rodolfo Garcia,
São Paulo, Melhoramentos, s. d., p. 32
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54 Pe. Simão de Vasconcelos (século XVII), Crónica da Companhia de Jesus do Estado do Brasil\ 2. cd. cor. e aum.,
Lisboa, Fernandes Lopes, 1865, 2 vols. (1. ed. de 1663);Vida do Venerável Pe. José de Ancbieta, ed. de Serafim
Leite, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1943, 2 vols. Na primeira obra, publica-se pela primeira vez, em
1663, o poema de Anchieta, Jesus Maria - De Beata Vtrgine Dei Matre Maria (vol. 2, pp. 139-274-8).
História da América Portuguesa.
de colonização e exploração, não obstante aqueles que vinham com a
intenção de retornar. E entre os que vinham aceitando a fatalidade da
permanência e os que se alimentavam da esperança do retorno, se
estabeleceria certa distinção, compensada pela valorização das nossas
coisas em comparação com similares de além-mar. Alimentava-se, então,
uma visão interna, de efeito retroativo, para compor-se aos poucos a nossa
própria história, da qual os primeiros exemplos marcantes foram Ambrosio
Fernandes Brandão, Frei Vicente do Salvador e o Pe. Simão de Vasconcelos.
Contadas outras contribuições do século XVII, seja a crítica contida
nos sermões e na correspondência do Pe. Antônio Vieira, seja a crónica da
guerra holandesa de um Frei Manuel Calado - O Valeroso Lucideno55, exprime-
se logo mais um sentimento de luso-brasileirismo paralelamente com as
posições que acabamos de esboçar. Trata-se de um falso equilíbrio de
posições - internas e externas, do brasileiro em formação e do reinol e
mandatário, traduzida em princípios do século XVIII por Sebastião da
Rocha Pita.
Com a História da América Portuguesa, desdobra modelos anteriores:
descrição informativa da terra e narrativa dos acontecimentos históricos do
descobrimento a princípios do século XVIII. Mas o espírito que impregna
essa obra gera aquele falso equilíbrio: traduz a transformação na maneira
de ver e apreciar, não propriamente na de criticar. Em primeiro lugar, o
louvor exagerado da visão material da paisagem e da terra, das suas
possibilidades incomensuráveis, superafeta o nativismo de des-
55 Frei Manuel Calado, O Valeroso Lucideno e o Triunfo da Liberdade, primeira parte, 2. ed., São Paulo, Cultura,
1945, 2 vols. Esta foi a única parte da obra publicada pela primeira vez em 1648. Sabe- sc que o autor, antes
de morrer, já tinha pronta para publicação a segunda parte, a qual, contudo, permanece desconhecida. A
publicação da Cultura, dada como “2. ed.”, é na verdade a terceira, sendo a segunda de 1668, conforme
Alfredo de Carvalho, op. cit., pp. 274-275. O texto da obra alterna prosa c verso. V. ainda Fr. Rafael de Jesus,
Castrioto Lusitano ou História da Guerra entre o Hrasil e a Holanda, durante os Anos de 1624 a 1654,... Obra em
que se descrevem os beróicos feitos de loão Fernandes Vieira... Nova edição segundo a de 1679..., Paris, Aillaud,
1844. E Gaspar Bailéu, História dos Fritos Recentemente Praticados durante Oito Anos no Brasil e noutras partes
sob o governo do ilustríssimo lodo Maurício conde de Nassau \etc...\, tradução e anotações de Cláudio Brandão,
Rio ile lanclro, Ministério da Educação, 1960. A primeira edição data de 1647.
11IST0R1A
AMERICA
POHTDGUEZA,
NOSSO
SEXflfUI,
LISBOA OCCIDENTAL,
XA OFPICINA DE JOSEPH ANTONIO DA SILVA,
ImprOMor itn Academia Real
M.ÜOC.XXX.
Em nenhuma outra região se mostra o Céu mais sereno, nem madruga mais bela
Aurora: Sol em nenhum outro Hemisfério tem os raios tão dourados, nem os refle- >s
noturnos tão brilhantes: as Estrelas são as mais benignas, e se mostram sempre ale- cs: os
horizontes, ou nasça o sol, ou se sepulte, estão sempre claros: as águas, ou se unem nas
fontes pelos campos, ou dentro das Povoações nos aquedutos, são as mais iras: é enfim o
Brasil Terreal Paraíso descoberto, onde tem nascimento, e curso os aiores rios; domina
salutífero clima; influem benignos Astros, e respiram auras lavíssimas, que o fazem fértil, e
povoado de inúmeros habitadores, posto que por fi- ir debaixo da Tórrida Zona, o
desacreditassem, e dessem por inabalável Aristóteles, ínio e Cícero, e com Gentios os Padres
da Igreja Santo Agostinho, e Beda, que a rcm experiência deste feliz Orbe, seria famoso
assunto das suas elevadas penas, aon- ' a minha receia voar, posto que o amor da Pátria me
dê asas, e a sua grandeza me late a esfera" .
, O MOVIMENTO ACADEMICISTA
Sebastião da Rocha Pita, História ria América Portuguesa, desde o ano de mile quinhentos, do seu descobrimento, até o de mil
e setecentos e vinte e quatro, 2. ed., Salvador, Imprensa Económica, 1878, pp. 3-4. Editada pela primeira vez em
1730, já na época se falou com certa reserva do seu caráter panegírico. Assim o diz Antônio Rodrigues da
Costa, da Academia Real da História Portuguesa, cm parecer sobre a obra: “[...| e ainda que me parece
mais elogio ou panegírico, que História, não entendo, que desmerece o Autor” (no início das “Licenças”,
sem numeração). E Rocha Pita era sócio provincial daquela Academia. Considere-se que um pouco antes
era publicada, e logo confiscada, a importante obra de André João Antonil, Cultura e Opulência do Brasil por
suas Drogas e Minas (li me de IVdilion tle 1 7 1 1 , traduction française et commcntaire critique par Andrée
Mansuy), Pa- i!» lusiluui tlt s I Unte» Êtudesde 1’Amérique Latine, 1965.
demicista, na prosa e na poesia. Movimento de ampla filiação barroca,
reflete a transposição de procedimentos europeus freqiientes em vários
países desde o século XVI ao XVIII, ligado à atividade cultural e intelectual
da nobreza, mas em alguns casos com a participação do povo, receptor'1.
Prestava-se, sob a ação vigilante da censura, às expansões do servilismo
áulico. E o foco de sua irradiação ao Brasil Colónia foi Portugal.
Manifestou-se entre nós em centros urbanos maiores e menores, nota-
damente Salvador, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Ouro Preto, pelo
Norte/Nordeste, Centro e Sul. Ocorrência simultânea, excepcionalmcnte
intercomunicante, sua unidade derivava da irradiação do foco português
atuando sobre uma mesma uniformidade de vida e de condições culturais
e intelectuais. Imperava um comando único, controlando expansões sociais
em núcleos vigiados e isolados.
Amplamente documentado desde 1641, de quando conhecemos a
primeira notícia de um festejo público, estende-se até princípios do século
XIX. O seu caráter de movimento consiste tanto na distribuição geográfica
e na continuidade quanto na similitude de procedimentos no âmbito da
vida cultural e da atividade intelectual - literária, histórica e científica. A
análise de textos publicados e inéditos, que chegaram até nós, leva-nos à
tentativa de aglutinação e classificação das atividades e produção desse
movimento em três grupos:
1-’) O de celebrações oficialmente autorizadas e também regulamen-
tadas de festejos públicos e de comemorações solenes, subdivididos em: a)
atividades recreativas ou lúdicas, com festas tradicionais e populares -
¡luminárias, cavalhadas, procissões, cortejos, danças, representações tea-
trais; b) solenidades religiosas, com Te Deum, sermões, procissões; c) às
vezes, umas e outras ampliadas por “atos acadêmicos”. 56
56 V. Claude-Gilbert Dubois, Le Batoque - profondeurs de l'apparence, Paris, Larousse, 1973; Ycdda Dias Lima, O Festejo
Público de 1770 em São Paulo, edição diplomática, com estudo crítico e vocabulário, Aix-en-Provence, 1973
(monografia mimeografada); e Affonso Ávila, Resíduos Seiscentistas em Minas — Textos do Século de Ouro e as
Projeções do Mundo Barroco, Belo Horizonte, Centro de Estudos Mineiros, 1967, 2 vols.
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/ 1 1 0/J/Z/OJ;
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JÚBILOS
GOMES FREIRE
DE A N D R A D A ,
Do Conte lho dc Sua Magefladc, Governador, e CapitaS General das Ca-
pitaniasduRio.MinasGeraes, eS. Pauto , Cavallciro profcffo na Ordem
dc Chriflo, ao Polio ,e Emprego de Mettrc de Campo General , e Pri-
meiro Commiffario da Mcdiçaõ , c Demarcaçaõ dos Domínios Mcri-
dionaes Americanos entre as duas Coroas, Fidelilfima, e Catholica:
COLLECÇAQ
Das Obras da Academia dos Seleäos , que na Cidade do Rio
Na Officina do D**
_____ A ano dt MDCCUV.
Com todas as licenças ttecejjartas.
Página cie rosto de Os Júbilos da América.
mas de festejos públicos, comemorações solenes, atos acadêmicos e aca-
demias, documentados63 64.
Foi, pois, imensa a produção deixada, entre publicações, direta ou
indiretamente ligadas ao movimento, e inéditos, recentemente divulgados.
Do programa histórico das duas mais importantes, a Academia Brasílica dos
Esquecidos e a Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, conta-se
número considerável de “dissertações” e monografias sobre variados
assuntos de interesse para a história, para a geografia.
Estão ligados direta ou indiretamente ao movimento academicista: Frei
Antônio de Santa Maria Jaboatão, poeta acadêmico, cronista religioso do
Novo Orbe Seráfico Brasílico, e genealogista do Catálogo Genealógi- coV); o beneditino,
Dom Domingos do Loreto Couto, de Pernambuco, sócio correspondente da
Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, da Bahia, cronista dos
Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco, e a quem devemos a visão mais
avançada do reconhecimento de valores, legendas, tradições, atividades
culturais e intelectuais resultantes dos contatos de portugueses, índios,
africanos, no processo da nossa formação; José Mírales, cuja história militar
do Brasil também está ligada àquela academia; o genealogista paulista Pedro
Taques de Almeida Pais Leme, que escreveu sobre a genealogia paulistana, e
Borges da Fonseca, sobre a genealogia pernambucana, ampliando, com
Jaboatão, a contribuição de Loreto Couto ao reconhecimento da linhagem
das famílias que, de origem portuguesa e outras, se faziam brasileiras 65.
63 V. José Aderaldo Castello, “Éditos c Inéditos do Movimento Academicista no Brasil - 1641-1820/ 1822 -
Apresentação”, em O Movimento Academicista do Brasil, ed. cit., vol. 1,1.1, pp. VII-XXI, c A Literatura Brasileira -1 -
Manifestações Literárias do Período Colonial, ed. cit., pp. 97-124, na qual sc encontra a bibliografia conhecida sobre o
assunto. Acrescente-se: André Camlong, O Movimento Academicista no Brasil - A Academia Brasílica dos Esquecidos -
Étude de langue et de style - Thesepour le Doctorat d’État, Toulouse, Université de Toulouse-le-Mirail, 1976, 4 tomos;
João Palma-Ferreira, Academias Literárias dos Séculos XVII e XVIII, Lisboa, Biblioteca Nacional,
1982; Ycdda Dias Lima, op. cit., e Academia Brasílica dos Académicos Renascidos — Fontes e Textos, tese de doutoramento
apresentada à Área de Literatura Brasileira-FFLCH-USP, São Paulo, 1980 (mimeografada).
64 V. Novo Orbe Seráfico Brasílico, ou Crónica dos Frades Menores da Província do Brasil, por Fr. Antônio de Santa Maria
Jaboatão, impressa em Lisboa em 1761 c reimpressa por ordem do Instituto Illntôrico e (ieogrãflco Brasileiro,
vol. I, Rio de Janeiro, Tip. Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, IH58;c Parte Segunda (inédito), loc. cit.,
1859; Catálogo Genealógico das Principais Fami- lliil que 1‘rocederam de Albuquerques e Cavalcantes em Pernambuco e Caramurus
na Bahia, Salvador, lltsiilllto t ienealógico da Bahia-lmprensa Oficial da Bahia, 1950.
65 Domingos do I-orero Couto, Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. Datada de 1757, esta obra permaneceu
Por outro lado, ainda em complementação da criação em prosa, é
preciso considerar o exercício da oratória acadêmica. Juntamente com a
poesia, foi forma de comunicação imediata. Ambas corroboram o auli-
cismo, revigorado por uma temática de paralelos de autoridades da época
com grandes exemplos da história antiga. Enfatizava-se ao mesmo tempo o
gosto dominante da erudição, traduzida em linguagem rebuscada,
destacadamente nos períodos longos da prosa, em que predominavam as
comparações e alusões. A poesia, porém, mais do que a prosa, tem sido alvo
da crítica histórica, apontando-lhe a artificialidade e sensabo- ria,
depreciando-a como produção literária, sem levar em consideração que era
produto de uma atividade de origem associativa ou acadêmica marcada pela
erudição e pela habilidade formal. É, pois, primeiro dentro da perspectiva
da época e a seguir em relação com a evolução formal da poesia que se deve
dar atenção à produção literária academicista.
Na avaliação do movimento, o que nos parece verdadeiramente im-
portante, em primeiro lugar, é o princípio de disciplina e aglutinação dado
aos trabalhos e estudos históricos. Estimulava o esforço de equipe para o
desenvolvimento de pesquisas destinadas à elaboração de monografias que
pudessem levar à composição de obra geral e complexa. Sem dúvida
prenuncia-se uma atividade universitária, ausente entre nós, assim
compensada pelas academias. Marca-se de qualquer maneira um nível já
desenvolvido e relativamente condicionado de atividade intelectual apoiada
pelo espírito associativo. Poderíamos dizer que não há outro ca
inédita até que se publicou a sua primeira parte nos Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, 1902-1903, vols.
24 e 25; José Mirales, “História Militar do Brasil" em Anais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro, 1900, vol. 22, pp.
1-238; PedroTaques de Almeida Pais Leme, Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica, São Paulo, Martins,
1953, 3 vols.; Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, Nobiliarquia Pernambucana, Rio de Janeiro, Biblioteca
Nacional, 1935, 2 vols.
minho para se enxergar e analisar a vida cultural e intelectual internas
do Brasil Colonia, sem que se pretenda subestimar outras atividades isola-
das e mesmo de grupos. Em segundo lugar, reconhecemos nos festejos
públicos sementes de muitas de nossas práticas folclóricas e de outras
manifestações de cultura popular simultaneamente com o interesse que
representam para o estudo da historia do teatro no Brasil Colonia e do
espetáculo aberto e lúdico. Em terceiro lugar, desenvolveram o princípio da
vida literária; levaram a criação poética e teatral à comunicação direta com o
público, erudito e seleto de um lado, popular de outro, numa época em que
as publicações impressas, além de raras, só se faziam em Portugal, e em que
eram poucos os letrados ou leitores; exerceram uma disciplina
preestabelecida, normativa, quase pedagógica, sobre a atividade criadora e
os trabalhos eruditos; em consequência desse procedimento, principiaram o
exercício da crítica, embora agravada pelo auto-elogio e pelo aulicismo
devido ao absolutismo e à censura ideológica; apresentam grande interesse
lingüístico. Finalmente, foi um movimento geral e concomitante por toda a
extensão do Brasil Colónia em que se pontilhava o desenvolvimento urbano,
simultaneamente com as manifestações barrocas na arquitetura e na pintura
acrescidas da atividade musical.
Entre os vários aspectos de que se reveste o movimento academi- cista
no Brasil, do século XVII ao XVIII, como vimos sugerindo, merece destaque
a função crítica exercida por academias e atos acadêmicos. Naquelas como
nestes, a criação literária em prosa e principalmente em poesia, esta em
observância às formas fixas e artifícios, consistiam no desenvolvimento de
temas ou assuntos militares, morais, religiosos e históricos, previamente
enunciados e distribuídos aos participantes do ato acadêmico, oficialmente
convidados, ou aos sócios das academias. E uma vez elaborados, estavam
sujeitos à apreciação dos dirigentes responsáveis pela programação. Misto
de crítica e censura, este procedimento predominou sobretudo nas
academias propriamente ditas cujas propostas dc trabalho pressupunham
planejamentos e avaliação extensivos â criação literária, aos trabalhos
científicos e aos históricos. Relem-
6. Dois DESTAQUES
[...] fui somente levado da justa mágoa de ver o grande descuido, que teve Pernambuco em
perpetuar as virtudes de seus filhos, que com elas o ilustraram: e que insensivelmente ia o
tempo consumindo a notícia de tantos esclarecidos Heróis, por faltar quem se resolvesse a
escrevê-las. Por esta razão, mais atento à glória da Pátria que à reputação do tneu nome,
pretendi romper o tenebroso caos, em que estavam sepultadas tantas glórias ilustres, para fazer
patentes aquelas notícias, que o Mundo ignorava. Acrescentando-se ao motivo referido outro
maior estímulo, que foi avaliar como obrigação precisa, refutar alguns erros, e calúnias, com
66 "Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, “Distribuição dos Empregos para os quais a Academia dos
Renascidos Elegeu por Votos Conformes, Depois de Repetidas Conferências, Alguns de Seus Sócios e
Dissertações Distribuídas pelos Sócios da Academia dos Renascidos”, cm Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, 3. ed., 1908, t. I (t. I, 2 trimestre de 1939, n. 2, pp. 68- 76). E a recomendação: “Para compor na língua
portuguesa as Memórias Históricas para a Biblioteca Brasílica, incluindo todos os autores naturais do Brasil, e
todos que escrevessem na América, ainda que não fossem naturais da mesma, e os que ex-profcsso
escrevessem da América em qualquer parte do Mundo, ou as suas obras se achem impressas ou manuscritas.
Foram escolhidos nomeadamente quatro membros”, lug. cit.
67 Cf. carta de Domingos do Loreto Couto ao secretário da Academia dos Renascidos, transcrita por Alberto
Lamego, A Academia Brasílica dos Renascidos - Sua Fundação e Trabalhos Inéditos, Paris- Bruxelas, LÉdition d'Art
Gáudio, 1923, pp. 11-114.
que alguns Autores, que têm escrito do Brasil, mancharam a opinião dos nossos índios, e de
algumas pessoas beneméritas, sem mais fundamento, que o de umas tradições tão suspeitosas,
como mal nascidas, e falsas54.
M
DedicadoT àI Virgem
A R R A V O
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COMPENDIO
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DA A M E R I C A
'JUNO MARQUES
P E R E I R A .
~í«(>g)í?9-
L 1 S B O A OCCJDRNTAr
Ñ. Officina de MANOEL FERNANDES DÃÕÕSTÃ-
lir.nrííTnr IJA O, _ rwr
C-nr. iteci ei Lmnça.
69 Nuno Marques Pereira, Compêndio Narrativo do Peregrino da América, 6. ed. completada com a segunda parte, até
agora inédita, acompanhada de noras e estudos de Varnhagen, Leite de Vasconcelos, Afrânio Peixoto,
Rodolfo Garcia e Pedro Calmon, Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1939, 2 vols. (a 1. ed. data de 1728).
Sobre o problema referido do início da narrativa ficcional no Brasil, v. José Aderaldo Castello, A literatura
Brasileira - I - Manifestações Literárias do Período Colonial, ed. cit., pp. 124-130.
CAPITULO V
CAPITULO V
( iláudio Manuel da Costa, Obras Poéticas, nova edição, Rio de Janeiro, Garnier, 1903; vol. I, pp. 99-101.
V. "O Parnaso Obsequioso” em O Inconfidente Cláudio Manuel da Costa, de Caio de Melo Franco, Rio de Janeiro,
Schmidt, 1931, pp. 80-90. A presença “academicista e cultista" na proposta de Cláudio Manuel da Costa,
confirmando a associação da iniciativa acadêmica - “atos acadêmicos”, “festejo* públicos” ou “academias” -
ao elogio do poderoso, está claramente expressa no “Problema”, constituído ile duas “perguntas” que deviam
ser confrontadas competitivamente, sem dúvida formuladas pui eh- mesmo (v. Caio de Melo Franco, op. cit., p.
92). E Cláudio foi sócio supranumerário da Aca- ilenii» brasílica dos Acadêmicos Renascidos, chegando a
rejubilar-se com a sua eleição e a se corres- ofn i,ilmcme com sócios efetivos, na Bahia (v. cartas de Cláudio
Manuel da Costa, em Alberti I dinego, op, cil., pp. 98-105).
I,linho Manuel da Costa, Obras, Rio de Janeiro, Garnier, 1902, vol. 1, pp. 98-105.
[...] destinado a buscar a Pátria, que por espaço de cinco anos havia deixado, aqui entre
a grossaria dos seus genios, que menos pudera eu fazer, que entregar-mc ao ócio, e sepultar-
me na ignorancia! Que menos, do que abandonar as fingidas Ninfas destes rios; e no centro
deles adorar a preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de toda
a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia; onde o som das águas inspirava a
harmonia dos versos. Turva, e feia a corrente destes ribeiros primeiro que arrebate as idéias de
um poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra que lhes tem pervertido as
cores71.
OR B AS
CLAUDIO
MANOEL DA COSTA,
Arcade Ultramarino , chamado
GLAUCESTE SATURNIO,
OFFEitECIDAS
Ao
mo mo
I L L. E E X. S N R.
DJOZE LUIZ DE MENEZES
ABRANCHES CASTELLO BRANCO,
Conde de Valladares , Comm: idad >r di»% Com-
mendai de S Joaó da CjOanhcira. S Jtilia6 de
,
Aloiuc'iìegro S. MJ ria d: V iode . eh Maria
de I.ocores. da Ordcm de Chnflo. Governa,
dor , e Opti ¿ó General da Capitanía das
Minas Geraes, dee. £u*. «xc.
*
**
♦**
c O I M B R A.
Na Officina de Luiz Secco Ferrei™.’
M.DCC.LXV11I.
Cm /<«*?< “a R«r M-ct.i Co/rr a.
Sérgio Buarque de Holanda afirma, logo no início de Raízes do Brasil: “A tentativa de implantação da cultura
curopéia em extenso território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à sua
tradição milenar, c. nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em conseqiiências.
Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas idéias, c timbrando em
manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil, somos ainda boje uns desterrados em
nossa terra. Podemos construir obras excelentes, enriquecer nossa humanidade de aspectos novos e
imprevistos, elevara perfeição o tipo de civilização que representamos: o certo é que todo o fruto de nosso
trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra
paisagem” (Raízes do Brasil 3. ed., Rio de Janeiro, José Olympio. 1956, p. 15).
Manuel Inácio da Silva Alvarenga, Obras Poéticas, coligidas, anotadas e precedidas de juízos críticos dos i v
rllotes uai ionais c estrangeiros e de uma notícia sobre o autor e suas obras e acompanhadas d> dm unientos
históricos, por J. Norberto de Sousa e Silva, Paris, Garnier, 1864, 2 tomos; Glaura Mi, ui,,, / iiHiivs Rio de
Janeiro, Instituto Nacional do Livro-MEC, 1943, p. 86.
N A AHCADIA,
ALCINDO PALMIRENO
V
LISBOA:
» N A O PFICINA N UKESIAHA .
ANHO M. DCC. XClX.
CcmliçeH{S de Mefa do Dcfer.bargO do PdfO;
Página de rosto da Ia. edição, cf.
reedição de Afonso Arinos de
Melo Franco, Rio de Janeiro,
Imprensa Nacional, 1943.
Sipílio”, temos a medida dos conhecimentos teóricos que ele nos transmite.
Exalta as qualidades de O Uraguai e o toma como exemplo de livre
aplicação dos preceitos que deviam guiar a criação literária. Indica as fon-
tes das quais eles provêm: resumo parcial da poética retomada a Horácio,
Aristóteles, Lucrécio, aos seus divulgadores da época arcádica, nomeada-
mente Boileau. Tratava-se de procedimento geral, mas Silva Alvarenga só
propõe o que ele mesmo adota na criação literária ou reconhece em bons
exemplos. De O Uraguai, ressalta a pintura da natureza “em quadros mil
diversos” e o domínio da língua adequada ao assunto: se “trágico coturno”
não comportava arroubos furiosos nem humildade chã, e sim um tom
nobre, sóbrio e elevado. Aborrece o mau gosto do preciosismo ainda fre-
quente, por ser contrário ao excitar “do humano coração a origem das
paixões”, a exemplo do episódio da morte de Lindóia, em que não cabiam
“alambicadas frases e aguados epigramas ”. Prossegue com observações,
sobre a boa arte de escrever, normas que fundamentam uma possível ori-
entação crítica adequada ao estilo arcádico. Ao comentar aquele preceito
sobre a pintura da natureza “em quadros mil diversos”, escreve que o
poeta precisa seguir as leis mais simples da própria natureza, com conhe-
cimento e senso de oportunidade, para não forçar o que pretende dizer ou
pintar. A pintura tanto quanto o fato narrado devem brotar espontâneos
da composição. A exibição erudita leva ao artificialismo de concepção e de
expressão, à semelhança do academicismo barroco. Em síntese, a forç.
criadora do poeta é a originalidade, ao passo que a imitação inferioriza, se
faz repetitiva e desordenada, sem interesse, pois “o que se fez vulgar
perdeu a estimação”. Modéstia, tempo e trabalho são privilégios de eleitos,
a exemplo de José Basilio da Gama77. Reconhece, enfim, que o Arcadismo,
salvo uma ou outra restrição, abriu novas perspectivas da criação
literária78, num momento adequado, o do governo de D. José I.
José Basilio da Gama completa o panorama que esboçamos. Sua
contribuição seria a da sátira “O Entrudo”79, que lhe é atribuída, e onde são
repudiados rivalidades e elogios fáceis. Mas o que a faz significativa é a
observação, coincidente com Filinto Elisio, sobre o abandono da “antiga
locução, áspera e dura”:
80 Idcrn, p. 202.
81 Idem, p. 1 5 1 .
ci José de Santa Rita Durão e José Basilio da Gama, este, noviço egres- da
Companhia de Jesus, brasileiros, com experiência brasileira, reabriam suas obras
em Portugal, mas sobre temática nossa.
Todos eles compõem um conjunto representativo da poesia arcàdica
neoclássica, de início ainda não contaminada pelo Iluminismo. Logo ais surgem
os poetas ditos pré-românticos: Pe. Antônio Pereira de >usa Caídas, com
viagens pela Itália, realizando sua obra em Portugal; ei Francisco de São Carlos,
religioso do Rio de Janeiro; José Bonifácio ■ Andrada e Silva, paulista que
retorna ao Brasil e se fixa no Rio de Ja- ■iro, depois de longa experiência em
Portugal e outros países da Euro- i; Domingos Borges de Barros, baiano que
também se fixará no Rio de neiro, com experiência na França. É quando o Rio de
Janeiro, com a esença da Corte Portuguesa e a consequente independência do
Brasil, issa a ser foco de convergência e irradiação da vida do país. Concentra
itão o nosso Pré-romantismo com suas reminiscências arcádicas e neo- íssicas, as
consequências políticas, intelectuais e culturais da passagem ) Estado colonial
para o Brasil-nação, as sugestões renovadoras de es- ingciros, e a busca
reativada e intensa da identidade nacional.
Com os dois agrupamentos indicados, o de Ouro Preto e o do Rio : Janeiro,
define-se, pois, de fins do século XVII1 para princípios do IX, uma fase arcàdica
e neoclássica ainda muito presa aos modelos ou íluxos externos portugueses
predominantes e também à influência ¡tana. A fase subsequente, a pré-
romântica, daria a abertura para a subs- uição dos modelos portugueses pelos
modelos franceses, que por sua z se tornariam igualmente predominantes. Mas
então a substituição é nossa livre escolha.
Do primeiro momento, não resta dúvida, provém, com Cláudio anuel da Costa,
Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Santa Rita Durão e Baio da ( ¡ama, o melhor
conjunto da produção poética de todo o Perío- i < olonial, o que em grande
parte foi favorecido pelo estágio de de- ivolvimcmo cm que se encontrava o
Brasil Colónia. Estes poetas dão IMIIO ao denominador comum da poética e da
temática da época o
toque pessoal de cada um, acentuando influxos internos bem como distinções em
nivel de valor literário, se postos em confronto com seus colegas portugueses.
Nesse sentido, Cláudio Manuel da Costa é o mais consciente de todos eles.
Reconhecemos que ele sentiu na criação, e da mesma maneira exprimiu na
reflexão poética, o problema da inadequação de uma linguagem de
condicionamento europeu - a do arcadismo neoclássico - ao ambiente inspirador
americano. Por isso, entre outras razões e por ter realizado a maior parte de sua
obra em Portugal, ele muito pouco lhe acrescentasse aqui. Deixou-nos, todavia, o
Vila Rica, inadvertidamente subestimado pela crítica voltada para a valorização da
obra escrita em Portugal. Na fase européia, a poesia de Cláudio Manuel da Costa
reflete modelos portugueses e italianos — do Renascimento e Quinhentismo
clássico, com Petrarca e Camões, até o Arcadismo notadamente com Metastásio 82.
Habilidade no manejo do verso de construção conforme o gosto clássico, marca
aliás dos bons neoclássicos em língua portuguesa, escrevendo também com
domínio em italiano, o poeta se destaca como sonetista e cultivador de outras
formas - églogas, idílios, cantatas. Deu ao tratamento temático, como a maioria dos
seus contemporâneos, o toque pessoal suficiente para desfavorecer os lugares-
comuns. É o que podemos observar, sobretudo quando ele exprime sentimento
sombrio de desencanto. Jogou então com comparações e oposições que
confrontam beleza e natureza, freqiientemente noturna, estado de espírito
desesperançado e incorrespondencia amorosa mais beleza e natureza. E o fez seja
em composições líricas inspiradas em sua musa seja em poesias em que finge
sentimentos através dos amores descritos de pastores, estas de mais acentuado
bucolismo arcádico do que aquelas. Temos, na verdade, um poeta da mais
legítima tradição européia, embora, como já vimos, ele tenha sido o primeiro a
acentuar o contraste e a difícil conciliação dessa expressão poética com a paisagem
e inspiração pátrias. Não pretendeu
ia linguagem nova, a rigor tentou adequar a experiência do momento xpressão
da visão e até dos seus sentimentos pátrios americanistas, sem qetivismo,
simplesmente de maneira evocadora e relativo orgulho de •ntidade.
Lembramos a “Fábula do Ribeirão do Carmo”, mesmo que lha sido inspirada no
modelo camoniano - o episódio do gigante amastor - e expressa em linguagem
mitológico-arcádica. Mas aqui, ja-se de passagem, a transparência cristalina e
Inácio Josc! de Alvarenga Peixoto, Obras Poéticas, coligidas, anotadas e precedidas de juízos críticos dos escritores
nacionais e estrangeiros e de uma notícia sobre o autor e suas obras e acompanhadas de documentos históricos, por J.
Norberto de Sousa e Silva, Rio de Janeiro, Garnier, 1865; M. Rodrigues Lapa, Vida e Obra de Alvarenga Peixoto, Rio de
Janeiro, Instituto Nacional do Livro- MF.C, 1960.
Tomás Antônio Gonzaga, Marllia de Dirceu e mais Poesias, Lisboa, Sá da Costa, 1937, com prefácio c notas de Rodrigues Lapa;
Obras Compleuts - I - Poesias - Cartas Chilenas; II - Tratado de Direito Natural- Cartas sobre a Usura - Minutas - Correspondência - Documentos,
edição crítica de Rodrigues Lapa, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro-MEC, 1957, 2 vols. Sobre o problèma ila
autoria das Cartas Chilenas, v. Critilo (Tomás Antônio Gonzaga), Cartas Chilenas, precedida de uma epístola atribuída a
Cláudo Manuel da Costa, introdução e notas por Afonso Arinos de Melo [‘ranco, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,
1940.
>» rmnílmicos não só mitificaram a Inconfidência Mineira como também o fizeram em destaque mu liimâs Antônio
Gonzaga, o lírico de Marília, que sacrifica o amor pela liberdade da pátria ado- i v , i ; I m a punir daí que sc falseou a
sua biografia, com o retrato do poeta desterrado, solitário e lumliisn. enquanto os românticos ainda se inspiravam em
sua vida e mesmo obra como assunto li- • i u|o i Imuuvam as suas liras. Contudo, não se pode falar da influência da
obra poética de iim/aga na pm sia brasileira, a não serem casos excepcionais.
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M A R I L I A
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L I S B O A :
NA TYPOGRAFIA NUNESIANA
ANUO M. DCC. xai.
84 Idenr, v. “O Desertor ”, r. 11, pp. 3-44, e quintilhas “ao vice-rei Luís de Vasconcelos e Sousa no dia dc seus
anos”, t. 1, pp. 227-232.
23. Idem, "A José Basílio da Gama” (epístola), op. cit., 1.1, pp. 289-294.
26 Frei Josd de Santa Rita Durão, Caramuru (poema ¿pico do descobrimento do Brasil), Lisboa, 1 7 8 1 , c a nova
edição brasileira, precedida de biografia do autor pelo Visconde de Porto-Seguro, Rio de lanciro, Garnicr,
s. d.; José Basílio da Gama, O Uraguai (poema), Lisboa, Régia Oficina Tipográfi- i a, 1769, c Obnis Poéticas,
precedidas de uma biografia crítica e estudo literário do poeta por José Vi l Isaimo, Rio de janeiro,
Garnier, s. d.; Cláudio Manuel da Costa, “Vila Rica”, em Obras Poéticas, ed, cit,, 2 vols, w
' 1 illberio Mendonça Teles, Camões na Poesia Brasileira, 3. ed. rev., Rio de Janeiro, LTC, 1979.
88 Lembramos apenas Jorge de Lima, “Invenção de Orfeu: Canto II - Subsolo e Supersolo - XIX", em Obra Completa - I
- Poesia e Ensaios, Rio de Janeiro, Aguilar, 1958, pp. 704-706.
DARAMUItU.
»©»ata ss»!©©
DO
DESCOBRIMENTO
DA
BAHIA.
COMPOSTO
POH
. JOSt- DE SANTA RITA DURÍO ,
)i-dcin dos Eremitas de Santo Agostinho,
turai da Catu-Preta nas Minas GeraeS.
BAHIA*
ip. tv\ TYPOCRAPHIA or. S ERVA E Conf« lina do
5<s/*> Co se ». ° ¿0.
18377
Página de rosto do
Caramuru.
OURAGUAY
P O E M A
JOSÉ BASIUO DA GAMA
NA ARCA DIA DE ROMA
TERMINDO SIPJLIO
DEDICADO
AO I LL . MO
E EIC."" SENHOR
FRANCISCO XAVIER
DE MENDONÇA FURTADO
SECRETARIO DE ESTADO
S. M A C E S T A D E F I D E L Í S S I M A
c?v. te.
LISBOA
NA RECIA OFFICINA TYTOCRAPJCA
* A«NO HDpctxix
Com licença da Ru! Mexa
Cenftrlñ.
. POETAS PRÉ-ROMÂNTICOS
IV /\ni6llio Pcreiia ilc Sousa Caldas, Obras Poéticas, Paris, Oficina de P. N. Rougeron, 1820-1821, lumiM (ni.
pdsuima dévida a Antonio de Sousa Dias, com notas de Francisco de Borja^îarçâo Sim Ider),
89 Frei Francisco de São Carlos, A Assunção - Poema Composto em Honra da Santa Virgem..., Rio de Janeiro,
Impressão Régia, 1819, e nova ed. cor., Rio de Janeiro, Garnier, 1862 (introdução de J. C. Fernandes Pinheiro).
90 José Bonifácio de Andrada c Silva, Poesias Avulsas de Américo Elísio, Bordéus, 1825; ed. fac-simi- lar, Rio de
Janeiro, Academia Brasileira, 1942; Domingos Borges de Barros, Poesias Oferecidas às Senhoras Brasileiras,
por um Baiano, Paris, Aillaud Librairie, 1825, 2 vols.; Novas Poesias Oferecidas às Senhoras Brasileiras, por um
Baiano, Rio de Janeiro, Laemmert, 1841; Os Túmulos, Bahia, Tipografìa de Carlos Pongetti, 1850; Maciel
Monteiro, Poesias (ed. póstuma), texto organizado e apresentado por José Aderaldo Castello, São Paulo,
Conselho Estadual de Cultura-Comissão de Literatura, 1962.
vez alimentarão o nosso nacionalismo romântico, aguçando a busca de
identidade própria.
CAPITULO VI
A CAMINHO DA UNIDADE
COLONIAL
o 2.2. BARROCO
c
to Recife (Séc.
A T\ XVII) • Ambròsio
Fernandes
Brandão
O • Manuel
c Calado
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Influxos Externos
4—)
C Festejos e Atos Acadêmicos
V ; Fonseca (Frei
Caneca)
V
Salvador
na (Séc. XVII) • Gregório • Manuel • Frei Vicente
• Pe. Antônio
H de Matos Botelho de de Salvador Vieira
s Botelho de (erudito)
o Oliveira
X • Frei Itaparica
o
O'
ní F i gur as-sin te se : Vieira e Gregàrio de Matos e Guer
0 Festejos e Atos Acadêmicos
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• POESIA TEATRO CRÓNICA ORATÓRIA
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Festejos e Atos A
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Rio de Janeiro
(Séc. XVII) • Jesuítico • Pe. António de
Sá
(Séc. XVIII) M. I. da
Silva
o o Alvarenga
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São Paulo
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(Séc. XVIII) • Frei Gaspar
da Madre
de Deus
• Pedro Taques
e Costa
2 . 4 . PRÉ-
ROMANTISMO
V
c /RUPTURA
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(Séc. XVIII XIX)
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• Pe. A. P. de
Sousa Caídas
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Francisco de S.
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Carlos Alverne
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d • Domingos
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Reformas de D. João VI
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2.5. FREQUÊNCIA 2.5.1. E COORDENADAS POÉTICAS E DESABROCHAR DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA
s
2.5.2.
<u NATIVISMO E SUAS DIVERSIFICAÇÕES INDICENISMO/INDIANISMO
& 2.5.3.
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irt Raízes Internas do Romantismo
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isldi u m < ,is restrições c vigilâncias impostas: proibição de estabelecimentos tipográficos: cen- siibn a atividade
intelectual, destacadamente sobre os livros que só se editavam em Portugal; lu l i dr ensino oficial de nível superior;
proibição de intercâmbio com o estrangeiro etc. (v. noli S f ó lio capitulo II). ®
91 V. Hernâni Cidade, Lições de Cultura e Literatura Portuguesas (Séculos XVa XVIII)t 2. ed. rct. e ampliada, Coimbra, 1942, vol. I;
Fidelino Figueiredo, História da Literatura Clássica (1502-1580), Lisboa, Clássica, 1917, vol. 1.
ição de linguagem e de sentimentos contraditórios, cujas transfórmanos e
enriquecimento metafórico são propiciados exatamente pelo Bar- DCO, do século XVII
ao XVIII. Portanto, a prosa que se cultivou não só >lm- o Brasil e no Brasil, mas
também a própria prosa portuguesa, do ■culo XVI ao XVIII, caminham nas suas
transformações para a caracte- i/ação barroca. E é assim também que os nossos
cronistas e prosadores, ompreendida aí a oratória sacra e acadêmica, se nos
apresentam ao mes- 10 tempo distinguidos pelos influxos do condicionamento
interno. E bservemos que na literatura do Brasil Colónia, curiosamente, só pódelos
divisionar a diferenciação de estilos e formas literárias, a contar do dassicismo
quinhentista ao Barroco e Arcadismo, no domínio da poesia rica e épica, na qual,
contudo, prevalecerá o modelo camoniano. Mas, mto a prosa quanto a poesia
acentuarão sempre a sua marca diferencia- ora interna com relação aos modelos
externos por força da ação dos in- uxos do condicionamento interno, alimentadores do
sentimento nati- ista e do indigenismo/indianismo. Finalmente, consideremos ao
mesmo •mpo que, com as atividades literárias locais, se registram a partir de içados
do século XVII promoções e realizações de festejos públicos, en- (| nocidos no século
XVIII pelos atos acadêmicos e pelas academias his- íricas, literárias e científicas.
Em síntese, reconhecido o filão barroco do século XVI-XVI1 ao VIII, devemos
considerar através dos séculos indicados:
1“) A prosa descritivo-histórica, a genealógica e até a narrativa modista, além da
oratória sacra, cultivadas em centros urbanos em desen- ilvimento como Salvador,
Recife/Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo.
2“) A poesia épica, a satírica e a lírica, que na segunda metade do VIII evoluem do
Barroco para o Arcadismo e Pré-romantismo. Foram iltivadas, desde o século XVI,
sucessivamente em Salvador, Recife, Rio • Janeiro e Ouro Preto. Elas traduziam, para
nós, como imposição dos fluxos externos, as repercussões e poéticas da época.
'“) A frcqüéncia de festejos, atos acadêmicos e academias, em todos < nitros indicados
de meados do século XVII a princípios do MX, aos
t.l là.1 I . A . . ^
quais se acrescentam outros centros menores. Marcadas pelo Barroco, estas
manifestações, a que chamamos “movimento academicista”, foram muito mais
propriamente simultâneas pela extensão do Brasil do que inter-relacionadas, embora
apresentem as mesmas características temáticas e quase toda a gama das formas
estereotipadas dos artifícios e da temática da poesia barroca.
Em conclusão, contam-se dtujs linhas de produção literária: a primeira
compreende prosa e poesia, que em determinado momento, sobretudo no século
XVIII, se interligará com o movimento academicista, passando assim de individual a
atividade de grupo; a segunda, restringe-se somente à poesia da segunda metade do
século XVIII, arcádica, ao lado da linha da prosa barroca.
Finalmente, se admitimos que para chegarmos à visão de conjunto e da unidade
proposta o ponto de fuga é a Literatura Portuguesa, é certo também que para a sua
análise o ponto de partida é a freqiiência das reflexões sobre poéticas, traduzindo o
desabrochar progressivo da consciência crítica interna, a contar do século XVII,
antecedida pelo reconhecimento das coordenadas do nativismo e do
indigenismo/indianismo, provenientes do século XVI.
2. NATIVISMO
Viu um deles [um índio] umas concas de rosário, brancas; fez sinal que lhas desse, e folgou muito
com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e
novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
95 Pero Vaz de Caminha, Carla a El-rei D. Manuelcit. (Leonardo Arroyo), pp. 35, 65 e 67.
scs: o índio em estado pagão e selvagem, a perspectiva de exploração de
riquezas possíveis mesmo em terra ainda desconhecida. Dá-se origem ao nativismo,
com inspiração na paisagem a serjouvada em superlativo. Mas houve exceções, isto é,
descrições objetivas ou da paisagem realmente sentida em oposição à entrevista sob o
recurso das comparações. Como ponto de partida, Caminha é deslumbramento,
enquanto Anchieta- e o Pe. Manuel da Nóbrega o antecede da mesma maneira 5 - é a
visão do observado e ao mesmo tempo sentido, mas sem que os sentidos perturbem a
objetividade. Quando não é possível, resta perplexidade, por :xemplo, sobre
superstições que chegaram até nós. Em carta de Anchie- a‘\ é longa a descrição de
partes sul do Brasil: situação geográfica; esta- ,óes do ano e frequência das chuvas;
peixes, cobras, lagartos, animais diversos, até formigas, abelhas, insetos, aves; ervas e
árvores, dando ênfase is medicinais; e, finalmente, antes de concluir com referência à
sanidade lo índio, a observação sobre superstições:
Quanto ao que costuma atemorizar os índios, os espectros noturnos ou antes emônios, o direi em
poucas palavras. É conhecido, e anda na boca de todos, haver ns demónios que os brasis chamam corupira,
que muitas vezes no mato acometem os idios c os ferem com açoites, atormentam e matam. Disto são
testemunhas os nossos mãos que viram algumas vezes os mortos por elas [sic\. Por isso, os índios, num ca-
linho, que por matos ásperos e montes íngremes vai para o sertão, ao passar no cimo D monte mais alto,
costumam deixar penas de aves, abanos, flechas e outros objetos melhantes, rogando-lhes muito que lhes
não façam mal. Há outros nos rios, que di- ■m igpupiara, isto é, “moradores da água”, que do mesmo modo
matam os índios, um rio, que fica perto de nós, antes de para lá irem os cristãos, afogavam muitas !Z£S os
índios ao atravessarem-no em pequenas canoas, que fazem de um só pau ou sca. Há outros, sobretudo nas
praias junto do mar e dos rios, que se chamam baè tá, isto é “coisa de fogo”, que é mesmo que uma faúlha de
fogo a correr com veloci- dc dum lugar para outro. Ataca os índios e os mata como o corupira. O que isto seja
ida não consta7.
'» iti fim Ixitc, Cartas lios Primeiros Jesuítas do Brasil-1- 1538-1553, cit., pp. 108-115 (carta datá- «l.i <l.i b.ilii.i, "| I0(?) dc
abril]”, 1549, c, a partir desta, várias outras).
V noia 10 <1« < spinilo MI.
'M I IIMII I me, ii/i rii., Ili - (1558-1563), “Apêndices”, pp. I-XVI1, citação de páginas )^1-XV1I.
imliHim i.inltliloanterior.
de Nuno Marques Pereira. Talvez provenham daí futuras posições pessi-
mistas, do século XIX, em choque com o otimismo irradiante dos “ufa-
nistas”, herdeiros da linha de louvor da terra.
3. I NDIGENISMO /I NDIANISMO
96 V. Afonso Arinos de Melo Franco, O índio Brasileiro e a Revolução Francesa: As Origem Brasileiras da Icaria
da Bondade Natural, Rio de janeiro, José Olympio, 1937; Lewis Hauke, Aristóteles e os índios Americanos,
trad. de Maria Lúcia Galvão Carneiro, São Paulo, Martins, s. d.; Demetrio Reñios (apresen.) e outros,
Estudios sobre Política Indigenista Española en América, Seminario de Historia de América, Universidad
de Vallodolid, I - 1975; II - 1976; III - 1977.
Indigenismo, digamos, histórico, compreende propriamente a observação
empírica que daria materia para a antropologia e para a política de defesa e
proteção do índio, preservação da sua cultura, ou o inverso, a aculturação,
não só da época, mas sobretudo posterior, até os nossos dias". Das mesmas
observações e descrições empíricas, como da crónica sobre relações quase
sempre conflitivas entre colonizadores e catequi- sadores, em função do
índio, nasceria,o indianismo^ isto é, o tratameji- to literário da visão
tendente ao legendário e mítico. As interpenetrações de um no outro, do
indigenismo ao indianismo, geram a complexidade própria da coordenada,
distinguindo-a do nativismo.
No principio, o indio é visto como um dos elementos vivos que in-
tegravam os aspectos físicos da terra. De objeto de curiosidade, ele passará
logo mais a objeto de cristianização do programa expansionista com os
jesuítas, em confronto com os propósitos escravagistas do portugués, e
atuará na miscigenação do brasileiro. De início, ainda apenas descrito nos
limites da faixa litorânea, foi visto com simpatia por Caminha e^Pero Lopes
de Sousa. Os contatos que se seguem, com aproximações e conflitos entre
colonos e catequisadores, ampliam as observações que enriquecem as
descrições informativas. Se nem sempre os textos de outros cronistas
passam a exprimir antipatia e mesmo repulsa, de qualquer maneira eles
confirmam aquelas intenções escravagistas. Agravam-se então as pos-
sibilidades de integrar-se o índio na civilização cristã, conforme já entre-
vemos em Pero cie Magalhães de Gandavo, o primeiro cronista português a
tentar sistematizar informações gerais sobre o Brasil Colónia. Em
contrapartida, os jesuítas seriam mais observadores que os portugueses,
além de portadores de certa imparcialidade informativa e descritiva 12. Era
fundamental para o programa de defensores da liberdade e da cristiani-
zação do índio. Eles precisavam de dados completos sobre o autóctone, pois
seria exatamente a objetividade das observações uma garantia para 97
97 V. I lerbert H.ildus, “Métodos e Resultados da Ação Indigenista no Brasil”, em Homem, Cultura e WIHIMU
no Uniu1 (org. Egon Schaden), São Paulo, Vozes, 1972, pp. 209-228.
12, V, upltulo III, •
M. N. Da parte do gentio digo que uns e outros tudo são ferro frio, e que quando [os]
Deus quiser meter na forja logo se converterão; e se estes na frágua de Deus ficaram para se
meterem no fogo por derradeiro, o verdadeiro ferreiro, senhor do ferro, lá sabe o porquê,
mas de aparelho de sua parte tão mau o têm estes como o tinham todas as outras gerações.
[••.]
M. N. Contai-me o mal de um destes e o mal de um filósofo romano. Um destes, muito
bestial, sua bem-aventurança é matar e ter nomes, e esta é sua glória por que mais fazem. A
lei natural não a guardam porque se comem; são muito luxuriosos, muito mentirosos,
nenhuma coisa aborrecem por má, e nenhuma louvam por boa; têm crédito em seus
feiticeiros: aqui me encerrareis tudo. Um filósofo é muito sábio, mas muito soberbo, sua bem-
aventurança está na fama ou nos deleites, ou nas vitórias de seus inimigos; muito malicioso,
que a verdade que lhe Deus ensinou, escondeu, como diz São Paulo; não guardam a lei
natural, posto, que a entendam; muito viciosos no vício contra a natura; muito tiranos e
amigos de senhoriar; mui cobiçosos e mui temerosos de perderem o que têm; adoram ídolos,
sacrificam-lhe sangue humano, e senhores de todo o gênero de maldade: o que não achareis
nestes porque, segundo dizem os padres que confessam, em dois ou três dos Mandamentos
tem que fazer com eles; entre si vivem mui amigavelmente como está claro: pois qual vos
parece maior penedo para desfazer?
G. A. De ruim gado não há que escolher, mas todavia queria que me respondêsseis as
razões de riba mais distintamente.
M. N. Pelo que está dito bem clara está a resposta1'1.
98 V. Jean Jacques Rousseau, Discours sur Ies sciences et les arts/Discours sur l'origine et les fondements de
l'inégalité parmi les hommes, Paris, Garnier-Flammarion, 1971.
99 Manuel da Nóbrega, “Diálogos sobre a Conversão do Gentio”, em Serafim Leite, Cartas dos Primeiros
Jesuítas do Brasil — II, ed. cit., pp. 317-345; citação de páginas 344-345. Modernizamos a ortografia,
respeitamos a pontuação e indicamos os nomes dos interlocutores pelas iniciais M. N.: Mateus Nogueira e
G. A.: Gonçalo Alvares.
C) certo é que o retrato composto por Caminha, ressaltando traços nireza e
ingenuidade, ou de beleza no caso de Pero Lopes de Sousa 15, edendo espaço
aos traços negativos. Seria contestado, até mesmo com i agressividade, pelos
cronistas seguintes, salvo a objetividade de Ga- I Soares de Sousa e o fato,
quase singular, de ainda ter sido com eles primeiro se fixou a lenda de
Caramuru e Paraguaçu16. Também se •tua a compreensão cristã dos jesuítas.
Em última análise, os cronistas im sob o dualismo do programa
expansionista da Metrópole, oscilan- intre simpatia e repulsa, respeito ou
não à condição humana do au- one, deformação, fantasia ou objetividade
mesmo que fundamenta- em observações superficiais. Também narrariam
guerras e atritos •e portugueses e índios - estes às vezes solidários orà com
invasores, ranceses, ora com os próprios portugueses. No todo, cronistas e
poe- inclusive viajantes estrangeiros, do século XVI ao XVIII, forneceram
éria para a antropologia e para a história. Interligados pela posição da ja,
além da informação, são portadores de legendas e de procedimen-
ideológicos, devem ser relacionados com a mitificação posterior do «>
passado. Nesse sentido, não temos dúvida de que o ponto de parti- .1
cnlatizado é o Pe. José de Anchieta, síntese antecipadora de posi- i conflitivas
no condicionamento americano.
A poesia destinada à declamação constituiu a experiência inicial do anismo
de Anchieta. O conhecimento que adquiriu da língua, sensi- lade e costumes
do índio, o conduziu ao cultivo da poesia simples e à na teatral voltada para
a catequese. Expressão de tolerância e compre- io, tudo indica que Anchieta
aspirava integrar o indígena na civiliza-
Pcro Va/. dc Caminha, op. cit., em quase toda a sua extensão; e Pero Lopes de Sousa, op. cit., em tlc se lê,
rcfcrindo-sc à Bahia; “[...] A gente desta terra é toda alva; os homens mui bem dispostos, i, mulheres mui formosas,
que não hão nenhuma inveja às da Rua Nova de Lisboa” (p. 157). I III Iaipis dc Sousa (op. cit., p. 155) faz referência
a Diogo Alvares Correia. Destacamos, a semi t iahlicl Soares dc Sousa, Noticiai do Brasil, vol. 1, p. 246; Frei Vicente
do Salvador, Histó- ,i ilo llimil 1100-1627, ed. cit., pp. 105 e 150-151; Sebastião da Rocha Pita, História da América
'oiinyiii > , i , ed, cit., pp. 38-41, cm que se lê a versão completa da aventura legendária de Diogo Ivarm Correia.
* ção cristã,
respeitando a sua cosmovisão ingénua e simplista, seu espírito guerreiro,
manifestações lúdicas, canto e dança: conseguia naquele momento o milagre
do sincretismo cultural. Ao mesmo tempo que desempenhava uma função
pedagógica, ele não “ensina” mas “realiza” a catequese, em função da qual
surge a criação literária. Ajustada a formas da tradição medieval, ela
exprime uma temática que é um misto de duas culturas em contatos iniciais,
a do adventício com a do autóctone, como se abrisse para o futuro a
perspectiva para a retrovisão romântica mitifi- cadora. Nesse sentido, avulta
a contribuição do poema épico sobre Os Feitos de Mem de Sá, no qual Anchieta
conciliou um duplo ângulo dc vi são, o do colonizador e o da Igreja, na
proposta do ideal de cristianização do indígena. Pacifica-se o índio rebelado,
vítima da escravização arbitrária, impõem-se a lei e a ordem, visando à
harmonia e à justiça entre as partes. Retoma-se a proposta da Carta de
Caminha, com a contribuição da Companhia de Jesus, que juntamente com o
governo estabelecia regras, nova maneira de vida e organização social do
subjugado, quer dizer, de convivência com o dominador:
' |IIM i|r Atu hicta, l)r íirstis Mendi de Sua, ed. cit., das Obras Completas, vol. 19, p. 1 <v
No poema de
Santa Rita
Durão -
Caramuru, o
indio voltaria
a ser o i orno
objeto da
historia e da
etnografía:
contatos e
conflitos com
o mizador,
descrição de
hábitos,
costumes,
i
espírito
guerreiro, em suma, tspectos de sua vida e organização, à maneira dos
cronistas. O poeta envolve como assunto central a legenda de Diogo
Alvares Correia, »vendido entre índios antropófagos e guerreiros.
Fundamentado na s.i de cronistas anteriores19, Santa Rita Durão
continua a ser um cro- .1 i|tic escreve em verso, embora tenha tido a
ambição de escrever os 101
CON1MBIUCÆ.
cdPnd loe.nntm cJìuttrum Tjpogra-
th m 'F^tgthm.
^.O.tAUI,., r.
'C-
Si
-
102 V. Santa Rita Durão, “Reflexões Prévias e Argumento" ao Caramuru, ed. cit.
103 V. nota 14 deste capítulo.
in todo caso, projetou um mito pouco convincente na tradição brasilei-
i, à imitação do de Inês de Castro, o de Moema e Caramuru, mas em et
ri mento daquilo que poderia ter resultado na recriação legendária de
araguaçu.
José Basilio da Gama e Cláudio Manuel da Costa também apare-
•in comprometidos com a história, mas não enfática e abrangentemente
im a história dos feitos portugueses na América. Sem dúvida, José Basí-
Secundo CMC tratado, celebrado em Madri, permutava-se, entre outras providencias, a Colónia do
Sacramento pela dos Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai, o que motivou a rebelião de índio» i
jeiultai destas Missões, não só por ser materialmente uma violência como, por outro lado, porque não
convinlu aos missionários cm virtude da política antijesuítica do Marques de Pombal.
l U N D A C Ò t S i ( 1 1 I M Rlnnn n n n D K B l o n n r n m u i n
interna. Sob este aspecto, ele parece intencional, não importa que o poema
seja considerado medíocre104. Entende-se também que use um processo
criativo, que já podemos considerar experimental, embora ainda im-
proprio para suas verdadeiras intenções. Traduz o esforço de adequar ou
harmonizar a herança barroco-arcádica com as sugestões da paisagem e
com o aproveitamento poético do habitante primitivo. Procede surpre-
endendo-o no envolvimento de lendas, isoladamente ou em contatos com
os desbravadores do sertão, descobridores das minas e fundadores de Vila
Rica, que seria o nosso núcleo urbano mais agitado do século XVIII. Se se
deixa seduzir por mitos e alegorias camonianas - o gigante Adamastor -
não persiste, porém, na reelaboração do episódio amoroso clássico: dilui o
conteúdo essencial da associação amor e morte no desenrolar da ação.
Tenta assim harmonizar a idealização arcádica com a ingenuidade do
fantástico indígena, alimentado por lendas, na paisagem americana.
Aproximar-se-ia muito mais do que seria o traço essencial do indianismo
romântico - a mitificação.
Chegamos ao momento em que o desenrolar dessa temática indígena
se opõe à supremacia da visão da história externa, ou seja, da nossa
história tomada como capítulo da história do expansionismo português.
Então, a obra dos poetas épicos do Arcadismo, antecipados por Anchie- ta,
se completa com a posição assumida por Loreto Couto, e até mesmo com a
repercussão da teoria de Rousseau na famosa ode de Sousa Caldas105. Mas
é destacadamente o beneditino cronista que reconhece a participação
positiva do índio na nossa história interna e na nossa realidade, já bem
diferenciada das origens portuguesas.
104 Sempre subestimado pela crítica histórica, mesmo omitido, procuramos reabilitá-lo na parte que lhe coube
em nosso estudo - A Literatura Brasileira - /- Manifestações Literárias do Período Colonial, ed. cit., pp. 178-
188. Posteriormente Hélio Lopes também o fez de maneira exaustiva em Introdução à Leitura do Poema
“Vila Rica", São Paulo, 1979 (trabalho mimeografado, apresentado como tese de livre-docência na
Universidade de São Paulo).
105 Pe. A. P. de Sousa Caldas, “Ode. Ao homem selvagem", op. cit., pp. 125-132. Citamos ainda a observação de
Afonso Arinos de Melo Franco: “É interessante lembrar que um brasileiro do século dezoito também
aparece influenciado pelas doutrinas educacionais do ‘Emílio’. Santa Rita Durão leu, seguramente, o
tratado de educação de Rousseau”, op. cit., p. 147.
Não esquecer еще o quadro delineado com as coordenadas do nati- ю e
indigenismo/indianismo se completa com a poesia cultivada com lamento
em reflexões sobre as poéticas do século XVI/XVII e do Ar- smo.
Acompanhado de observações relativamente à inspiração inter- à
linguagem apropriada, juntamente com a prosa-informativa, desva e
histórica, de uma maneira geral a poesia do Período Colonial itua a
persistência de modelos e de outras linhas temáticas de procedas externas.
Primeiramente, aquelas próprias do Barroco, além da lição e das propostas
artificiais do academicismo; em segundo lugar, icolismo arcádico e o
Iluminismo neoclássico; e, finalmente, o prin- > das inovações pré-
românticas, tudo de mistura com motivos bragi- s já ressaltados. Além de
certas constantes: a poesia encomiástica, a .'nça camoniana e a poesia de
inspiração religiosa com destaque ao ) da Virgem Maria, provenientes do
século XVI. Com as formas po- s от voga, traduzem influxos externos sob
tensões dos internos, isto » nativismo e do indigenismo/indianismo.
Avançamos, finalmente, para o Romantismo, confirmado pelos anos 830,
e suas transformações subseqüentes. No caso da coordenada
'cnista/indianista, que vimos rastreando, opera-se definitivamente 1
bifurcaçãoásm indigenismo e indianismo, embora ambas continu-
nterpenetrantes; segundo, ainda relativamente ao índio, teorizam- Im-
posições humanísticas do século XVI, na linha que provém da a e de
Montaigne; terceiro, propõem-se novas sugestões de fora para ro em
termos de criação literária histórico-indianista. Dada, por sua i inter-relação
das duas coordenadas, reiteramos a observação de que de modo
abrangente, ao atingirem o século XIX, se constituem os »olientes
fundamentais do nosso nacionalismo romântico. A primei- ib os efeitos da
ruptura com a dominação portuguesa, gera o anti- no. O momento crítico
da ruptura são as três primeiras décadas do
0 X I X , literariamente caracterizadas pelo Pré-romantismo e suas |
nelas neoclássicas e pelas reformas administrativas e políticas de
1 Jn.io VI. Paralelamente se destacam, para se imporem, os progra-
«
mas literários renovadores de fora para dentro, mas agora amando num
contexto profundamente transformado por efeito daquelas reformas.
Caminha-se a passo largo para a progressiva afirmação crítica, teorica-
mente orientada, da busca da identidade própria. Será um novo período da
vida brasileira.
O 2o- PERÍODO OU O PERÍODO NACIONAL - I
O SÉCULO XIX EA IDENTIDADE DEBATIDA
CAPÍTULO Vil
cias: Estudantes, Estudantões, Estudantadas, São Paulo, s. ed., 1907/1912, 9 vols.; e Virgilio Correa Pilho,
“Como se Fundou o Instituto Histórico”, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.
255 (separata), abr.-jun. 1962, 1963.
108 Frei Francisco de São Carlos, A Assunção, nova ed. corr., cit., p. 103. I IV
A. 1’ de Sousa Caldas, Obras Poéticas, ed. cit.
que a Biblia, considerada fonte de inspiração poética, correspondia a certas
manifestações pré-românticas\ Também assumiria outras atitudes crí- t
icas nas notas que acompanham a obra citada. Ressaltando-lhe o caráter
religioso e moralizador, admite que é missão de todo poeta despertar o
amor da virtude, os sentimentos nobres e generosos, o horror ao crime.
I outra antecipação da atitude igualmente religiosa e moralizante de
(ionçalves de Magalhães, várias vezes exposta em páginas críticas ou nas
próprias composições deste poeta.
Dentre os pré-românticos, quem chegou, contudo, a um melhor
pronunciamento crítico, foi José Bonifácio de Andrada e Silva, lambón se
prende à atitude, já dominante, de atribuir à poesia uma função mora
tizante e civilizadora. Veja-se a “Dedicatória” às Poesias Avulsas. Repudia
manifestações bajulatórias da poesia anterior, para advertir que o papel do
"escritor honrado” devia ser o de atacar o crime e o vício, o de procu- i.n
instruir e enobrecer a humanidade, estimular a virtude e ao mesmo lempo
“deleitar o coração”. E ao tecer considerações sobre aspectos formais da
poesia, José Bonifácio faz ainda algumas observações curiosas, realmente
inovadoras. É quando escreve a propósito dos seus versos:
[...] Fui neles assaz parco de rimas, porque nossa bela língua, bem como a ingle- '..I,
espanhola e italiana, não precisa, absolutamente falando, do zum-zum das conso- anics para
fixar a atenção e deleitar o ouvido; basta-lhe o metro e ritmo: e quanto à monotônica
regularidade das estanças, que seguem à risca franceses e italianos, dela às vr/cs me apartei
de propósito, usando da mesma soltura e liberdade, que vi novamen- lr praticadas por um
Scott e um Byron, cisnes da Inglaterra6.
109 Cf. Paul Van Ticghcm, Le Préromantisme, Études d’Histoire Littéraire Européenne, Paris, Sfclt, 1947/8, 3 vols.
(>, |osé Bonifácio de Andrada e Silva, Poesias (...), ed. fac-similar. cit. p. VI.
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ii MrigctUili? Pidcliiisiiua na Cúlwledo llavre
'AHI Z,
N H O U G E R O N , rua de
rondelle, N.° as,
1021.
Ia. edição
k p. VII.
JOSÉ BONIFÁCIO
(Aincrico Elysio)
POESIAS
Edição fac-slmllar <la prliu-lpc, de 1825,
cxlrcmnnicnte rara; eom ns poesias
ajunladas na edição do 18(11, iiinUo rara;
eom uma eonlrlliuleão inédlla.
19 4 2
PUBLICAÇÕES DA ACADEMIA BKASILEIRA
KIO IlE JANEIRO
[...] Ousem pois os futuros Engenhos Brasileiros, agora que se abre nova
época no vasto e nascente Império do Brasil à língua Portuguesa, dar este nobre
exemplo; [.„1®.
>. Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, Obras Políticas e Literárias, 1. ed., Recife, Tip. Mercantil, I87V76, 2
tomos (v. tomo I, Tratado de Eloquência, pp. 63-155).
I frei Francisco de Monte Alverne, Obras Oratórias, nova ed.. Rio de Janeiro, Garnier, s. d., 2 tomos, (. I, p.
VII.
I lêlio Vianna, Contribuição à História da Imprensa Brasileira (1812-1869), Rio de Janeiro, Imprendi
National, 1945; e Nélson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil Rio dc Janeiro, Civili- /aiplo
brasileira, 1966.
113 V. Guilhermino César, Sismonde de Sismondi e a Literatura Brasileira, Porto Alegre, Lima, 1968; Bouterwek -
Os Brasileiros na “Gescbichte der Poesie un Beredsamkeit", Porto Alegre, Lima, 1968. Em ambos os trabalhos
se encontram, traduzidos, os respectivos textos dos dois historiadores estrangeiras. Posteriormente,
Guilhermino César nos daria trabalho mais completo, redivulgando cm tradução os textos críticos de
Bouterwek, Sismondi, Schlichthorst, de Ferdinand Denis (a parte relativa ao Brasil na íntegra), de
Ferdinand Wolf, além dos de Almeida Garrett, José da Gama e Castro e Alexandre Herculano, no volume
Historiadores e Críticos do Romantismo - l-A Contribuição F.uropíia: Crítica e História Literária. Introdução
é Ferdinand Denis. Mas os dois primeiros, um em 1805, o outro em 1813,
fariam observações que repercutiriam na obra do escritor francês, de 1826.
Bouterwek comentaria de passagem a obra de Antônio José, acentuando-
lhe a influência da ópera italiana, sob a restrição de que, além de
popularesco, o comediógrafo não chegava a contribuir para a “renovação
estilística da língua portuguesa”. Sismonde de Sismondi, da mesma
opinião, estuda-lo-ia melhor, no que seria corroborado por Ferdinand
Denis. E todos eles destacam Antônio José com relação ao Brasil,
naturalmente levados pelo que seria então o discutível conceito de
nacionalidade literária apoiado na nacionalidade civil. São posições que
tomarão vulto na crítica brasileira do século XIX. Quanto ao mais,
Bouterwek aprecia apenas a obra de Cláudio Manuel da Costa, chamando a
atenção para a sua descoberta da poesia italiana de Petrarca e Me- tastásio:
são influências que fazem de Cláudio Manuel da Costa “um dos primeiros
que voltaram a introduzir um estilo mais nobre na poesia portuguesa”, nos
sonetos, “os mais perfeitos da língua”, nas cançonetas e cantatas. Aponta-o
também sujeito à influência francesa nos epicédios 114.
Sismonde de Sismondi pensaria com o mesmo entusiasmo de Bou-
terwek ao destacar, com Cláudio Manuel da Costa, a contribuição do Brasil
Colónia para a Literatura Portuguesa:
Costa escreveu muitas elegias em versos brancos ou iâmbicos não rimados, (tetro pouco
empregado até agora pelos poetas portugueses, o que parece ter feito ont que perdesse alguma
coisa do seu colorido e da sua elevação poética; como se as icas línguas do Sul tivessem sempre a
necessidade de enganar o ouvido com o estrépi- :> das rimas18.
[...] No mais aprazível dos climas e no mais rico dos solos, fundaram [os portu- I M-S| uma
colónia que ultrapassa doze vezes a superfície da antiga mãe-pátria; para 115
lá transportaram hoje a sede de seu governo, sua marinha e seu exército; acontecimentos de todo
imprevistos conferem à nação outra juventude e novas energias; e não estarão próximos os
tempos em que o império do Brasil venha a produzir, em Ifngua portuguesa, dignos sucessores
115 t iiillhrunino t.ésar, op. cu., p. 23. A obra de Sismondi em que este se refere ao Brasil intitula-se / >■ hi
liiifnilurr ilu Midi de L'Europe, Paris, 1813 (2. ed., 1819; 3. ed., 1827).
I ii|t tit., pp. 24-2V
É
Brasil.
•iisTOini:
UTri:iíA»«i
mi
ITUGA
L,
auivi mi
Dl L lllSiOIKK HXIIÍRAIIU*
*u IIKÚSIL;
FAUlí»,
I I
HIUNA.
M)
DENIS.
I I i» IJ HI-.V, L.MMliVnUiS,
I nt\ WeiiMIN* , K- /,*>.
I H? f,
>lrm, p 37.
mitiremos que um dia visitamos a Europa em busca de “lembranças poéticas”,
reconhecendo que lá também se prendem as nossas raízes, cujos reflexos
continuam em nós. 6a) Delineia finalmente os traços psicológicos do
brasileiro, portador de “disposições naturais para receber impressões
profundas”119 120, resultantes de três raças: arrebatado, como o africano;
cavalheiresco, como o português; sonhador e amante da liberdade, como o
indígena; amante e cultivador, no campo e nas povoações, dos relatos ou
narrativas da tradição oral, do canto aos acordes do violão ou do bandolim,
da poesia improvisada dos repentistas, talvez herança de longa data; ama
exaltar a pátria e é seduzido pela aventura na natureza. Relembra, também, o
papel desempenhado pelas três raças na expulsão dos holandeses,
representadas por Fernandes Vieira, Henrique Dias e Felipe Camarão, além
do mestiço Calaban
O panorama histórico, que se segue, arrola poetas de Bento Teixeira a
Domingos Borges de Barros; refere-se ao teatro; à “propensão dos brasileiros
pela música”; a oradqres; a historiadores, à geografia e às viagens. E tudo isso
depois de reflexão e conselho sobre a criação de periódicos que, sabemos,
desde então representam papel importante na nossa literatura:
Mas, fato verdadeiramente notável é a influência que nossa literatura exerce hoje n dia sobre a dos
brasileiros. Orgulham-se estes dos autores que fixaram a sua lín- la; mas lêem os poetas franceses, conhecendo-os
a quase todos. O papel que nos cabe sempenhar nesse país é ainda muito significativo, e se os ingleses têm, mais
do que
Sobrepapel dc ferdinand Denis na literatura brasileira, o primeiro trabalho significativo i o de Paul I l i/ird,
As Origens do Romantismo no Brasil”, Revista da Academia Brasileira de Letras, XXV, set. I‘)J7, pp, 24-4V
Recomendamos o escudo mais recente dc Guilhermino César não só sobre Ferdi- IMIUI I )cni» mas também
sobre os demais estrangeiros aqui abordados, em “Inrrodução” à op. cit., |*oi t Ir niganí/ada. com traduções
para o português, pp. IX-LVII.
nós, a influencia comercial que em toda a parte lhes caracteriza a atividade, devemos contentar-
I * I l ' h M n • I H I O l » l R l n n n N A r t O M A i I r\ r « V
nos com ver uma nação esplendente de juventude e de engenho afeiçoar-se i\s nossas produções
literárias, por causa destas modificar suas próprias produções, e estreitar através dos liames
espirituais os que devem existir na ordem política121 122.
PERIÓDICOS
Com estas vistas nós abaixo-assinados, Redatores nomeados, pretendemos dis- lir a Revista da
Sociedade Filomática em duas divisões — Literatura — Ciências — E uma destas se subdividirá
em três classes - trabalhos da Sociedade - trabalhos os trabalhos oferecidos.
Na parte Científica daremos maior apreço às Ciências Sociais, e procuraremos nder as mais
sólidas ideias que se têm discutido na Europa acerca da Economia ica, do Direito Público, e da
Metafísica da organização Social. Olhos fitos no bem uiblico sempre propugnaremos pela
estabilidade, e adequada aplicação dos princí- racionais: só defenderemos ideias justas que não
utopias ou sistemas quiméricos, idade - Indústria - Racionalidade - e Associação hão de ser a um
tempo nossa ola, e o Norte a que deveremos tender.
Entregando-nos ao estudo da Filosofia, isto é, da Metafísica geral, base dos princí- abstratos de
todas as Ciências, a que somos constantemente obrigados a descer na sc profunda de qualquer
dos seus ramos, procuraremos quanto em nós couber cin- IOS ao Ecletismo: nem por sombra
abraçaremos as doutrinas de Spinosa, e Gassen- n trotante não seremos também sectários cegos
do absoluto espiritualismo Alemão. I ni I iteratura nossos princípios serão os da razão, e do bom
gosto, combinados
0 espírito, e necessidades do século: tão longe estaremos do Romantismo frenéti- imo d.i servil
imitação dos antigos. Desde já estamos convencidos que a I.iteratu-
1 i spn V..HI colorida do pensamento da época: esta idéia nos servirá para extremar- i iiiodilh
.IÇ.IO justa, c adequada nas antigas conveniências - do esquecimento
absurdo dos princípios da Natureza. Voltando as vistas para a Literatura nacional, protestamos
não dar guarida ao Elmanismo, e Galicismo, filhos bastardos de nossa linguagem pura e nobre;
nem ao Arcaísmo insosso, que nodoa suas feições varonis, porém modernas: poremos todo o
peito em sustentar a casta sisudez da escola respeitável de Camões, Ferreira, e Garção; e
repeliremos com azurrague crítico toda a inovação desnecessária, e que não seja consentânea com
a índole do nosso desprezado, mas tão formoso idioma'0.
*./11L
SSeaasaf®
JUNIIO HE IS33.
124 Revista da Sociedade Filomática, São Paulo, Novo Farol Paulistano, 1833, 6 números, de junho a dezembro de
1833, São Paulo, Edição fac-similar patrocinada pela Metal Leve, 1977, pp. 15-16.
125 Editado em Paris, Timothée Dehay, 1830.
126 Cf. advertência final “Ao Público”, n. 6, p. 198, ed. cit.
N.° 1.«
s. PAULO.
M. < I um Textos </ue Interessam à História do Romantismo no Brasil, org. por José Aderaldo Castello, San Piiulo, (
amsclho lisiadual de Cultura - Comissão de Literatura, vols. I e II, 1960. (V. também
todas essas revistas, sem dúvida a mais importante é a Revista do Ensaio 1'ilosófico
Paulistano, fundada por iniciativa de Alvares de Azevedo em 1850. Foi órgão
oficial da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano, cujo presidente de honra foi
Manuel Joaquim do Amaral Gurgel e efetivo, em 1857, Lafaiete Rodrigues
Pereira. Com o primeiro número, datado de maio de 1851, contou sempre
com uma quantidade considerável de colaboradores. Na crítica, no noticiário
literário e na crónica teatral se des- lacariam A. J. Macedo Soares, A. C.
Tavares Bastos e Pessanha Póvoa’ 127. Constitui uma amostra excelente do
pensamento da época, na filosofia, direito, história e literatura. É nela
principalmente que veremos coloca da a questão do sentimento nacionalista e
127 N I I I HII Rrviua tttmilirmr, Paris, Dauvin et Fontaine, 1836, t. I, n. 1, pp. 5-6. I hbm, l I. n
.!, pp. 261-262.
do sentido da poesia brasileira, Equacionada com tendências e características
das literaturas europeias, prevaleceria, na abordagem do sentimento da
natureza, o paralelo com a Literatura Norte-americana, além de freqiientes
reações à imitação da Literatura Francesa.
No Rio de Janeiro, ^ parte jornais e periódicos que surgem desde 1808
— o principal deles foi o Correio Brasiliense, editado no estrangeiro. Foi ponto de
partida de iniciativa literária de mais outra revista, a Niterói - Revista Brasiliense,
também editada no estrangeiro, em Paris. Data de 1836, fundada por um
grupo de jovens brasileiros - Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo
Porto Alegre, Francisco Sales Torres Homem, C. M. Azeredo Coutinho,
desejosos de transmitir à vida intelectual do Brasil o influxo renovador do
romantismo europeu. Apesar de ter circulado apenas duas vezes, a revista
pôde atingir o objetivo propugnado na apresentação “Ao leitor”, com que
abre o primeiro número: “[...] refletir sobre objetos do bem comum, e de
glória da pátria”, e, voltados para o “justo, santo, belo e útil', ver “a pátria marchar
na es-
a Antologia do Ensaio Literário Paulista, org. por José Aderaldo Castello, São Paulo, Conselho Estadual de
Cultura - Comissão de Literatura, 1960.) Cf. ainda Caminhos do Pensamento Crítico, org. por Afrânio Coutinho,
Rio de Janeiro, Comp. Americana/Prolivro, 1974, 2 vols. (Não mencionamos, mas trata-se de reedição, embora
incompleta, da edição de 1972, com o mesmo título, cit.)
34. Deste último, reeditamos Anos Acadêmicos. São Paulo — 1860-1864, São Paulo, Conselho Estadual de Cultura —
Comissão de Literatura, 1964.
Esperamos contudo, que, no seio do nosso país, reunidos, se nada houver que ' oponha ao
nosso ardente desejo de vermos o nosso país marchar na estrada da civi- lação e do progresso,
que parece hoje obstruída, continuaremos a sacrificar os nossos itudos em proveito do país, sem
esperança de outra recompensa que a satisfação de ¡ivcrnios lançado uma pedra para o edifício
da nossa ilustração3*’.
No Rio de Janeiro, o programa iniciado em Paris é acrescido com a
ontribuição de outros nomes, todos eles conduzidos pelos mesmos pro-
ósitos: Frei Francisco de Monte Aiverne, a quem Magalhães devia boa arte de
sua formação, Teixeira e Sousa, Francisco Adolfo Varnhagen, laquim Manuel
de Macedo, Gonçalves Dias, Melo Morais, João Caeta- o. Confirma-se a
continuidade do programa de Paris com a publicação as nossas duas
primeiras grandes revistas literárias - a Minerva Brasilien- ' e a Guanabara, ambas
no Rio de Janeiro. A primeira teve o subtítulo e Jornal de Ciências, Letras e Artes,
com a indicação: “publicada por uma ssociação de Literatos”. Circulou de fins
de 1843 a 1845 e contou com colaboração de escritores, quase todos eles
preocupados com pronunci- nentos e julgamentos críticos. Além de alguns
nomes já citados, menci- namos ainda Odorico Mendes, Santiago Nunes
Ribeiro, Emílio Adêt. bdos eles, através da Minerva Brasiliense, contribuíram
decisivamente para amadurecimento do pensamento crítico em torno do
romantismo no rasil. Cumpria-se o que afirmou F. S. Torres Homem, ao
traçar o pro- ama da revista, no artigo “Introdução — Progressos do Século
Atual”: I
Frontispício da Niterói, Revista
limsiliense, uni dos marcos de
definição de nosso romantismo.
REVISTA BRASIEIENSE.
•
itmmi prlmrll'0.
v. i-
Nas belas artes, e em todos os ramos da literatura, longo tempo se haviam reduzido a
imitar invariavelmente tipos antigos de admirável beleza, mas cuja reprodução contínua vinha
a ser monótona. Deixando as vestes e as cores do politeísmo, a que nada correspondia em
nossas crenças e sentimentos, a moderna poesia voou sobre as asas da musa cristã, através de
regiões misteriosas, até a fonte suprema do belo e do santo. Espíritos independentes, deixando
a trilha batida do gênio clássico, se aplicaram a estudar, e a pintar a natureza sob novos
aspectos3 .
O século XIX, não obstante a sucessão de estilos literários que apre- ita, foi
para nós predominantemente romântico. E se aceitarmos as
Scilm a* duas revista», Minerva brasiliensee Guanabara, chamamos a atenção para o trabalho de I lt*IÍM I
aipes, A Divisão das Águas - Contribuição ao Estudo das Revistas Românticas", São Paulo, Vi U i.uia de <
ailtura, Ciência cTecnologia, 1978.
distinções — estilo individual, estilo de época e estilo nacional 129, constatamos
que elas se aplicam perfeita e harmoniosamente ao nosso caso: lu)
exemplificando estilos individuáis macantes, com Gonçalves de MagaY Ihães,
Gonçalves Dias, José de Alencar, Machado de Assis, Raul Pompéia, Manuel
de Oliveira PaiVa^2lJ. estilos de época: sucessivamente o Romantismo, o
Realismo-naturalismo, o Parnasianismo e o Simbolismo; 3“) estilo nacional,
sob o predomínio do Romantismo. Admitimos, assim, um romantismo que se
projeta de fora para dentro, e um romantismo nacional, ou melhor, interno. A
poética e os ideais românticos universais, os reconhecidos estilo de época,
harmonizam-se com a nossa herança colo nial, convergindo para a busca
consciente da identidade nacional. |uma mente com a elaboração da
modalidade brasileira da língua portuguesa, alimentam a caracterização
brasileira do Romantismo - o nosso romantismo interno. Sobrepondo-se a
todo o século XIX, ele resistirá às tentativas de ruptura alimentadas por
importação de outros estilos e pelas próprias revisões internas. Rrojetar-se-á
no Modernismo dos anos de 1920 em diante, de tal forma que para
compreendermos as transformações ideológicas que refletem a nossa
realidade é fundamental o equaciona- mento de um momento com o outro.
129 Rene' Wellck y Austin Warren, Teoría Literaria, Madri, Gredos, 1953 (v. particularmente o capítulo XIV - Estilo y
Estilística) e Domício Procura Fillio, Estilos de Época na Literatura (através de textos comentados), 5. ed„ rcv. e
aum., Sao Paulo, Ática, 1978.
o período da Independência e pelo Primeiro Reinado. É quan- rompem
aquelas manifestações de patriotismo e nacionalismo, revi- las pela
procura de valores internos e tradições com fundamento no
> passado histórico. Exaltavam-se as raízes americanas, reconhecidos
jonentes legitimadores dos sentimentos que eclodiam, quer dizer,
malistas, provenientes do Período Colonial, com o nativismo e in-
lismo/indianismo. É certo que estas coordenadas, juntamente com ido
que nos deixa o Barroco, já condicionavam muitos traços signi- vos de
característico nacional: sensibilidade, sensualismo, imaginarei
igiosidade complacente, amor exaltado da terra. Fundamentos do
> romantismo interno, foram reconceituados pela estética, poética e ¡
universais importados, do romantismo de época.
130 V. Machado de Assis, “Literatura Brasileira: Instinto de Nacionalidade”, em Crítica Literária, Rio dc Janeiro,
Jackson, 1955, pp. 129-136.
essas perspectivas, reconhecemos a necessidade de reapreciar o de-
lvimento do nosso pensamento crítico, com suas impregnações ticas e de
procedência externa, expresso por ensaístas, críticos, bi- >s, historiadores,
poetas e romancistas através de jornais, revistas e entre os limites que vão
da Revista da Sociedade Filomâtica2 ao apo- i crítica machadiana.
Ito mais uma vez o aproveitamento dessas fontes do pensamento crítico brasileiro por Anto- andido, Formação da
Literatura Brasileira: Momentos Decisivos, ed. cit. (1. ed. de 1959); e io Cominho, A Tradição Afortunada, Rio de Janeiro, José
Olympio, 1968; além de outros. I SS . I parte, fundamentamo-nos em pesquisas que já divulgamos: A Polêmica sobre "A
Confede- dot Tamoiot“, críticas coligidas e precedidas de uma introdução por [...], ed. cit., 1953; An- i do Tnsaio Literário
Paulista, ed. cit. (1961); Textos que Intercsssam à História do Romantis- l v t l t a , vol. 1 (1961), vol. 3 (1964) (v. notas 33 e
34 do capítulo VII - Ruptura e Auto- luwlnunto),
dades, de 1836, renegasse aquele seu primeiro livro, sem dúvida de sabor
neoclássico. Nele, contudo, repousa a essência das idéias do autor,
entrevista no prefácio, datado de 1832, em que o poeta se define: se havia
menosprezo pela atividade poética, observa, cumpria-lhe justificá-la e
enobrecê-la, atribuindo-lhe exaltação patriótica e, na parte da filosofia
moral, a elevação das virtudes humanas. Num momento em que a nação
era dominada por lutas, ódios e ambições, esclarece, nada mais oportuno e
necessário a todo bom patriota do que dirigir seu canto poético contra
vícios e crimes, reconhecer a bondade do coração humano e estimular as
ambições de glórias necessárias à ilustração da “cara Pátria” 131. Destaca-se
ainda outra importante contribuição daquela revista, devida a D. Gavet e P.
Boucher, com a transcrição do prefácio ao romance da autoria de ambos -
Jakaré-ouassou, ou les tupinambas, cronique brési- lienne, reiterando a proposta
indianista de Ferdinand Denis e a inspiração na natureza e na paisagem
humana do “novomundo”132. São propostas que incidirão também nas
reflexões de José de Alencar )das Cartas sobre “A Confederação dos Tamoios”, e dão
à Revista da Sociedade Filomâtica e ao primeiro pronunciamento de Gonçalves de
Magalhães a função de elo entre o pensamento de Ferdinand Denis exmtras
colocações da Niterói — Revista Brasiliense, na qual Gonçalves de Magalhães
começa o seu desempenho de reformador, ao publicar õ “Ensaio sobre a
História da Literatura do Brasil — Estudo Preliminar”. Escrito com a ênfase
de manifesto, é síntese e ampliação do primeiro pronunciamento dele mes-
mo. Está dividido em quatro capítulos. O primeiro contém considerações
de natureza teórica, indicando as proposições básicas para o estudo da
nossa literatura: “Qual a origem da literatura brasileira? Qual o seu caráter,
seus progressos, e quais as circunstâncias que em diversos tem-
pos favoreceram ou tolheram o seu florescimento?” Magalhães considera
então a dificuldade de elaboração de uma história da literatura do Brasil em
virtude da escassez da bibliografia crítica e histórica: contava-se apenas
com os sumários de Bouterwek, Sismondi, Ferdinand Denis e Almeida
Garrett. O capítulo seguinte é de considerações sobre os três séculos
coloniais de nossa formação e sobre as condições da produtividade literária
131 V. Gonçalves de Magalhães, “Prefácio ”, Poesias, Rio de Janeiro, Agier, 1832. A exposição c comentário que
passamos a fazer do pensamento crítico de Gonçalves de Magalhães é extraído dos nossos trabalhos:
Gonçalves de Magalhães — Introdução, Seleção e Notas por (...), São Paulo, Assunção, 1946 c Gonçalves de
Magalhães - Trechos Escolhidos, Rio de Janeiro, Agir, 1961.
132 V. Revista da Sociedade Filomâtica, ed. cit., n. 3, ago. 1833, pp. 92-98.
de então. Já o capítulo terceiro assume valor de pronunciamento crítico,
primeira síntese de debates imediatamente anteriores: a precariedade do
ensino que nos foi dado por Portugal; a literatura dos nossos três primeiros
séculos, cultivada sob o modelo europeu, que transpôs para a paisagem
americana os deuses do paganismo e a impregnou de reminiscências de
origem extracontinental, sedução de todos os brasileiros daquele período.
Devíamos então buscar inspiração na natureza que nos cercava e no
verdadeiro sentimento religioso que nos animava. Também, com a
Independência, o Brasil se tornara “filho da civilização francesa”; enquanto,
com as mudanças experimentadas no princípio do século, se impunha uma
idéia absorvente, “a ideia de pátria”:
[...] Ela domina tudo, e tudo se faz por ela, ou em seu nome. Independência, liberdade,
instituições sociais, reformas políticas, todas as criações necessárias em uma nova Nação, tais
são os objetos que ocupam as inteligências, que atraem a atenção de todos, e os únicos que ao
povo interessam.
133 V. Niterói — Revista Brasiliense, Paris, n. 1,1.1, 1836, pp. 132-159; o ensaio de Magalhães, mudado o título para
“Discurso sobre a História da Literatura do Brasil”, foi reproduzido na sua obra Opúsculos Históricos e
Literários, Rio de Janeiro, Garnier, 1815, pp. 241 -271.
Francisco Sales Torres Homem. Do segundo e último número da Niterói -
Revista Brasiliense, vejamos, primeiramente o ensaio de J. M. Pereira da Silva
— “Estudos sobre a Literatura”. Reiterativo, o que nos interessa nele é o
cotejo com ideias e atitudes já ressaltadas, no sentido de surpreender uma
orientação comum que se propunha: a poesia compreendida como
“representante dos povos”; “arte moral”, capaz de influir sobre a
civilização e a sociabilidade e de traduzir os ideais de liberdade. Cita o
exemplo da França, com Chateaubriand, B. Constant, Mme. De Staél,
Lamartine, Víctor Hugo; da Itália, com Manzoni, Foscolo, Pellico; e também
cita Schiller, Martínez de la Rosa e Garrett. Arremata: esse sopro renovador
ainda não nos atingira, senão agora com os Suspiros Poéticos e Saudades,
festejada obra de “chefe de urna nova escola”134. A seguir vem a apreciação
crítica de F. S. Torres Homem ao mesmo livro. Reiterando Pereira da Silva,
mas de maneira mais completa, ele ressalta a renovação poética que a obra
representa, contrária aos moldes poéticos greco-latinos, expressão agora do
infortúnio humano e da religião, sob a influencia do cristianismo. Se
seguíamos até então os velhos modelos, ainda distantes da renovação já
triunfante da Europa, chegava a propósito o exemplo de Maga i hijos. Sua
obra, pautada no novo gosto, era também expressão de uma poesia de
sentimento melancólico, impregnada de “pensamentos filosóficos,
inspirados pela escola idealista alemã e pelas doutrinas do cristianismo”.
Merecia destaque a pureza e pompa da versificação; e ainda mais - o que
sem dúvida seria muito mais grato para
lagalhães a obra era um “código de moral na sua expressão a mais iblime,
nas suas formas as mais ternas e consoladoras”, “produção de n novo
género”, “destinada a abrir urna era à poesia brasileira”8. Era, ifim, a
consagração de quem foi considerado, e também discutido, befo de escola”.
E não foram outros o pensamento e o desejo de Gonçalves de Ma- ihães.
Estão claramente expressos tanto no contexto dos Suspiros Poéti- s e Saudades,
quanto no prefácio “Lede”, que acompanha o livro. Se- mdo o autor -
mesmo que ele nos pareça artificial, mas bem à imitação mântica -, sua obra
resultou de impressões locais e de momento, da spiração motivada pelas
139 Monte Alverne, Obras Oratórias, ed. cit., t. II, pp. 461-482.
V |n«< Adrmldo C.astcllo (org.), A Polêmica sobre "A Confederação dos Tamoios", ed. cit.
V I >i*i in di' Almeida Prado, João Caetano - O Ator, o Empresãrio, o Repertório, São Paulo, Perspec- llvn/l dmp, l‘)72.
140 Cf. Múcio da Paixão, O Teatro no Brasil, Rio de Janeiro, Brasília Ed., s. d., p. 158.
nacionais. Seria o ponto de partida para a organização de um teatro que
correspondesse à nossa realidade. Mais uma vez o que vale é a intenção de
Magalhães, pioneiro, pois o teatro que ele escreveu, a ser considerado
nacional, é bastante discutível.
A sua primeira peça, a tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição, é de
1838141. A 13 de março foi representada pela primeira vez no teatro da Praça
da Constituição, no Rio de Janeiro, pela Companhia de João Caetano, que
acabava de ser organizada. Foi distorcidamente considerada de assunto
nacional pelo próprio autor. Dividida em cinco atos, escrita em verso, metro
decassílabo, nos moldes clássicos, inspirava-se
M O YOS.
POEMA
ron
)E MAGALHAENS,
1804
№
JANEIRO
A DE B. L.
QARKIEB
t
riilitiiii itii ii iii.ofrmii Miciíum i— c\ cénti n viv c A
BRASILIANAS
POR
M. DE ABAUJO PORTO-ALEGRE.
VIENNA.
IMPKMAL K >1KAL. TtlMlC.ltAl'NIA 1803.
As Brasilianas.
142 V. Gonçalves de Magalhães, Obras (de), t. Ill, Tragédias (Antonio José, Olgiato e Otelo), Rio de Janeiro, Garnier, 1864.
ambém escrita conforme com a tradição. Fundamenta-a em episódio
história italiana e ainda à semelhança da anterior considerada propícia i
ítica aos abusos da tirania e às reflexões moralistas. E Magalhães en- issa a
opinião daquele pensador francês, reafirmando que o fim da arte > belo
moral, e a sua liberdade reside apenas nos meios de exprimi-lo. ,ií porque
renega o que considera verdadeiros “horrores” do estilo ro- ântico,
caracteres monstruosos, paixões desenfreadas, amores licencio- s. E ainda
que faça concessões ao teatro romântico, que diz conhecer ficientemente,
confessa preferir Alfieri a Corneille2'. Certamente, com lhas as tragédias
Gonçalves de Magalhães ampliou sua intenção de re- rma, abrangendo
criação e vida teatrais.
Ui III, l i t ,
uma expressão literária nossa. Parodiando o batido conceito de BufFon,
escrevia que a literatura é o povo, concluindo que foi “pela epopéia, pela
filosofia, ou pelo romance” que se distinguiram “no vasto quadro das
nações, aquelas que mais se têm compenetrado das ideias do grande, do
verdadeiro e do belo”. Combate o descaso em que eram tidas nossas ma-
nifestações literárias passadas. Aponta originalidade em Basílio da Gama,
Silva Alvarenga e Gregório de Matos, não obstante admitir que eles não
souberam compreender o espetáculo novo que lhe oferecia a paisagem
americana, deixando-se dominar por “antigas tradições”. F. evidente a re
petição de Ferdinand Denis, de Garrett e de Gonçalves de Magalhães. Mas
ao mesmo tempo aplaude a valorização que então j.i se lazia do indianismo
de Gonçalves Dias, por ele apontado “chefe de escola", 11 ia dor de uma
poesia que sugeria a matéria de nossa epopéia nacional, numa franca
oposição a Gonçalves de Magalhães. Referindo-se ainda a poetas do
passado, Basílio da Gama, Santa Rita Durão e até Frei Francisco de São
Carlos, concliú com uma advertência que já se fazia pensamento geral,
revertida em crítica ao programa de acentuada influência francesa que
culminou exatamente com Gonçalves de Magalhães: “Resta porém que não
sejam os Brasileiros os primeiros a esquecê-los e desprezá- los: convém que
o francesismo não invada até a literatura nacional, e que sejamos ao menos
gratos à memória dos que trabalharam para nós, e se esforçaram para dar
nome ao país e deixar-nos alguma coisa”143.
Entramos assim numa fase imediatamente posterior a das afirmações
quase dogmáticas, reconsiderando-as sob controvérsias e críticas. Aure-
liano Cândido Tavares Bastos escrevia para a Revista Mensal do Ensaio Filosófico
Paulistano, corroborando Antônio Joaquim de Macedo Soares sobre a
valorização literária do nosso passado histórico. Só o louvor ou a exaltação
da natureza, em termos puramente descritivos, não bastava para criar uma
expressão literária brasileira, opinião também de Duarte de
143 V. Textos que Interessam à História do Romantismo - //- Revistas da Epoca Romântica, José Aderaldo Castello (org.), ed.
cit., pp. 183-197.
Azevedo, acima citado. Coube a Macedo Soares formular melhor o pro-
blema ao traçar um paralelo da Literatura Brasileira com a norte-americana,
afrontando mais uma vez o modelo francês. Vale a pena relembrar
textualmente este excelente crítico da época romântica:
), t V, l»n til., |i, 84. A Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano durou de 1852 a 1864.
1 l Mili i do Soarc«, "Tipos Literários Contemporáneos - I - Gonçalves Dias”, lug. cit., pp. 97-116.
e não mostrou mais valor no combate”. O articulista ressalva que foi grande
o papel de Magalhães na reforma do nosso teatro, desde a tragédia Antônio
José, com sugestões que foram retomadas por outros. Mas, no que concerne à
poesia, quem se faz modelo a ser seguido é Gonçalves Dias 23. Podemos
reconhecer nesta opinião um equívoco de perspectiva histórica, projetando a
ação de Magalhães para depois dos Suspiros Poéticos e Saudades. Interessa,
porém, a agitação que o articulista documenta, caracterizando aquela fase
do processo de amadurecimento do pensa mento crítico da época romântica
no Brasil. Mas é novamente com Ma cedo Soares que reconhecemos uma
visão crítica e até mesmo histórica equilibrada. Ao discutir o valor e a
popularidade da poesia de ( ionçalvcs Dias, ele se firma numa perspectiva
igualmente válida para Gonçalves d<- Magalhães, cada um desempenhando
o_seu-papdem momentos adequa dos. Escreve o ensaísta, talando de
Gonçalves Dias: )
146 V. lug. cit., pp. 118-122. A proposição foi a seguinte: “Qual o caráter da poesia moderna cm geral, e da poesia
brasileira em especial?” (p. 118).
147 V. lug. cit., pp. 86 e ss.
literário29.
148 Cf. José de Alencar, “Bênção paterna”, prefácio ao seu romance Sonhos d'Ouro e o periódico dirigido pelo
escritor português José Feliciano de Castilho com a colaboração do romancista Franklin Távora, intitulado
Questões do Dia, Observações Políticas e Literárias escritas por vários e coordenadas por Lúcio Quinto Cincinato, Rio
de Janeiro, Imparcial, 1871,2 tomos (reúnem um total de 40 números da publicação, em que José de Alencar e
sua obra foram os alvos principais).
expandir a lucidez equilibrada de sua inteligência, a exemplo das pá- las
de reflexões sobre o estado do teatro brasileiro em sua época, cuja
portância documental e segurança de observação nos conduzem a re-
tões idênticas de Machado de Assis. Quanto ao mais, suas páginas so- ■
tendências, atitudes e criações byronianas documentam exatamente i
estado de espírito pessoal afetado pelas manifestações mais caracte-
icamente extranacionais do nosso romantismo. Mas é por onde pode- >s
penetrar no mundo deste poeta, na verdade irrealizado.
Embora ligados a Alvares de Azevedo pelas tendências byronianas, não
sentimos o mesmo conflito em Fagundes Varela e menos ainda Bernardo
Guimarães, quer em páginas críticas, quer na poesia. Ali-
0 que Fagundes Varela deixou, que possa ser considerado do ponto
vista crítico, é muito pouco significativo. Apresenta antes de mais la
valor de autojustificativa, de esclarecimentos, denotando às vezes lor
patriótico, outras vezes preocupações formais. Quase o mesmo emos de
Bernardo Guimarães, companheiro, com Aureliano Lessa (de rm ele traça
excelente perfil), do byroniano Álvares de Azevedo, quan- estudavam na
Faculdade de Direito de São Paulo. Certamente Berilo Guimarães se
destacaria como narrador ficcional, neste caso por- lor de algumas
reflexões críticas interessantes para a caracterização da ssa narrativa
romântica.
149 il» Alrikut r outros, A Polemica sobre A Confederação dos Tamoios", cd. cit.
volume cm que Alencar reuniu as suas “Cartas”, publicadas no Diário do ^relacionada com o valor da
palavra, considerada exatamente na sua otcncialidade plástica e sonora. O
poeta épico - e mais tarde Raul ampéia também o diria a propósito do
romancista - é considerado au- >r c ator, devendo por isso mesmo
preocupar-se com a propriedade da nguagem adequada aos grandes
sentimentos e pensamentos. Alencar rnbra o exemplo e modelo do segundo
canto do Paraíso Perdido. E centra Gonçalves de Magalhães, que não soube
explorar lances teatrais e Feitos cênicos, nem os correspondentes e
necessários recursos plásticos, cm a sonoridade da palavra 35.
Ao procurar definir melhor a associação entre poesia, música e pin- tra,
um ideal romântico, Alencar é mais explícito na quarta carta. Diva- a sobre a
poesia, lembra a Grécia, Roma antiga, a França com Racine, fictor Hugo e
Lamartine, e insiste finalmente no profundo traço de ir- tandade entre
aquelas três artes: “a forma, o som e a cor são as três mi- rgens que
constituem a perfeita encarnação da idéia; faltando-lhe um esses elementos,
o pensamento está incompleto”, pois ele fala pela tríplice frase da razão, do
coração e dos sentimentos”36. Ainda voltaria a nsistir no assunto ao escrever
a quinta Carta, onde o estudo da lingua- ;em e o emprego da palavra são
considerados arte e ciência, para a expressão fiel do pensamento e o ornato
fascinante da idéia. Para ele, “o erso é a melodia da palavra, como a música
é a melodia do som”37. Mon- e Alverne já havia pensado de maneira
semelhante, embora não fale em nelodia mas em harmonia, conforme
observa ao escrever que “a língua 1c Camões, pronunciada por um
brasileiro, devia realizar todos os pro- lígios, e todas as seduções da
harmonia”38. E essa observação se desdobra
Rio, sob o pseudónimo de Ig, nos meses de julho c agosto de 1856, Rio de Janeiro, Emp. Tip. do Didrio, 1856.
5. V A PoUmica sobre “A Confederação dos Tamoios", ed. cit., p. 11. Conferir o que se segue com a IntrnduçAu que
escrevemos à reunião dos rextos sobre a polêmica indicada.
6. I U(i,. dl,, pp. 11 c ss.
7. I ng, i !i„ p. 32.
M I u i I nindu n de Monte Alverne, op. cit., v. “Discurso Preliminar”, t. I, pp. V-XX.
É incontestável que o poema dos Tamoios contém muitos defeitos de estilo; uma grande
quantidade de versos carece de harmonia e cadência; falta mecanismo no metro; o número e a
colocação das sílabas é muitas vezes mal empregado.
No bom uso destes meios consiste o principal segredo da poesia que, semelhante à
música, possui a gama e o compasso.
Elas vão ao entendimento pela palavra e pelo som; por isso se chama canto as diferentes
frações da epopeia. Na justa distribuição da luz c da sombra está o auano da pintura; sua
linguagem é muda; fala à inteligência pelos olhos.
Na música, assim como na poesia, o elemento primordial repousa ua exata apir ciação
dos sons ou das sílabas, que constituem a cadência e harmonia dos versos. I l.i mister cantá-los;
e o canto supõe as gradações da escala.
Essas condições exigem-se mesmo em prosa. Não é preciso ser contrapuntista para
conhecer o desafinamento e a desarmonia dos tons; nem pintor c arquiteto para julgar da beleza
de um quadro ou da fachada de um edifício. Aqui cabe o epifonema de Montesquieu:
‘Desgraçado do artista se pretende que só os homens da arte conheçam os seus defeitos’39.
Pelo lado da arte, meus versos, segundo me parece, aspiram a casar-se com a prosa
medida dos antigos.
Sabe-se que os Latinos modulavam os períodos do discurso. Sabe-se que os Italianos, em
seu século clássico, imitaram miudamente àquele, de quem tinham herdado a literatura. Sabe-
se que os primeiros escritores portugueses cadenciavam igualmente suas construções. Sabe-se
que, atingindo a música prosaica a uma perfeição absurda, desterrou-se completamente do
discurso todo o artifício. A versificação triunfou sobre as ruínas da prosa. Bocage deixa de ser
poeta, para ser músico. A prosa tinha expirado.
Começa-se então a procurar um acordo. O módulo dos Latinos, estudado e seguido
pelos Italianos, quase aperfeiçoado pelos Portugueses, tinha algum tanto de justo c de belo. A
prosa recobrou os seus direitos.
.W. Monte Alverne, cm A Polêmica sobre “A Confederação dos Tamoios", ed. cit., pp. 130-131.
ludo isso traz consigo algumas perguntas necessárias:
Até onde irá a melodia da prosa? Será a prosa um dia tão acabada de melodia, de mo, de
harmonia mesmo, que venha a ser inútil a música da forma poética? Chega- um dia a literatura
a um tal grau, que distinga a prosa e a poesia tão somente pelo anee dos pensamentos? Nascerá
um dia destas duas expressões mais ou menos belas ia forma intermediária, que espose tanto
da singeleza da prosa, quanto do artifício versificação? Será o futuro o mesmo que o passado, -
e a prosa, em um círculo nstantemente vicioso, voltará para a poesia e a poesia de novo para a
prosa? O lêmaco de Fénelon, os Mártires de Chateaubriand, os Dramas modernos, os Roman- ¡
mesmo de agora, que são por ventura, arremedos de epopéias, não se levantam, mo brados
majestosos, contra esta última hipótese?
[...]
Presentemente, - cuido eu, — nenhuma resposta pode dar-se a estas questões, tão uma
dúvida. Pois bem: - meus versos representam esta hesitação, segundo pen- Procuram, a pesar
meu, a naturalidade da prosa, se receiam desprezar completarme a cadência bocageana40.
lunqticira Freire, Obras Poéticas, 4. ed. org. por J. M. Pereira da Silva, Rio de Janeiro, Garnier, s. d., 2 tomo», t. I, pp.
4-6.
V K.ml Pompéia, O Ateneu (Crónicas de Saudades), 6. ed. definitiva, Rio de Janeiro, Francisco Alves, s. d, (
Jiamamos a atenção para as reflexões sobre a arte feitas através do personagem Dr. t láudío, em forma de
conferência, pp. 134-144.
Mac liado de Assis, Critica (coleção feita por Mário de Alencar), Rio de Janeiro, Garnier (1910?) e i 'itili a II lenirla, Rio
de Janeiro, Jackson, 1938; Crítica Teatral, ibidem, 1938; e Critica, em Obra i innfilrln, s ol, 3, Poesia, Crónica, Crítica,
Miscelânea e Epistolàrio, Rio de Janeiro, Aguilar, 1959, pp 'ISO, (atamos a» edições Jackson.
apenas pontos de referencia para melhor situá-lo no momento histórico da
sua atuação de crítico, considerada regular e intensa. Correspondem dentro
da nossa perspectiva literária ao apogeu, já pelos anos 70, e declínio do
romantismo de época, quando sofre o impacto de teorias renovadoras: com
o surgimento da “Escola do Recife” e o advento do Rea- lismo/Naturalismo,
da poesia científica e da parnasiana, conforme páginas críticas do próprio
Machado de Assis: “O Primo Basilio, por Eça de Queirós”, de 1878 e do ano
seguinte “Nova Geração”150. E aquela década
151 Estas e outras citações tomadas ao ensaio “Instinto de Nacionalidade” foram tiradas da ed. cit., na nota 1.
da “cor local”. Condenou a posição extremada de quem reconhece espírito
nacional nas obras que tratam de assunto local, itrina que, a ser exata,
limitaria muito os cabedais da nossa literatura”, lepois de indicar nomes
nacionais e estrangeiros autores de obras de intos universais ou estranhos às
origens de cada um, observava que o • faz um escritor ser nacional é aquele
“sentimento íntimo, que o torne nem do seu tempo e do seu país, ainda
quando trate de assuntos remo- no tempo e no espaço”, opinião já citada,
mas novamente lembrada, a melhor avaliarmos a dimensão dada por
Machado de Assis a um pro- nra de tão larga fortuna na Literatura
Brasileira, amplamente debatido os modernistas, envolvendo
regionalismo/universalismo.
Machado de Assis também se pronunciou sobre o compromisso da : com
a sociedade, observando que à primeira “cumpre assinalar como i relevo na
história as aspirações éticas do povo - e aperfeiçoá-las e íduzi-las, para um
resultado de grandioso futuro”49. E ao apreciar o tro brasileiro da época, ele
se exprimia de maneira a complementar a lexão anterior:
Pelo lado da arte o teatro deixa de ser uma reprodução da vida social na esfera da
localidade. A crítica revolverá debalde o escalpelo nesse ventre sem entranhas próis, pode ir
procurar o estudo do povo em outra face; no teatro não encontrará o lho nacional; mas uma
galeria bastarda, um grupo furta-cor, uma associação de ionalidades50.
M i, lindo ili A*»í», Critica Teatral ed. cit., pp. 19-20. hinii, lii(t dt,, p.
17.
mais elevadas”, isto é, aos elementos que guardam a vida, mesmo através
das mudanças do tempo”’1, certamente harmonizada com aquele “senti-
mento íntimo” de cada povo, mas em nível menos comprometido do que o
da “cor local”.
Coerente com suas reflexões sobre o “instinto de nacionalidade” na
nossa literatura, Machado de Assis definiu-se também reconhecedor e
defensor da tradição, mas da tradição equacionada com a transformação.
Defendia, pois, a renovação das teorias sobre formas literárias sob a con-
vicção de que de um movimento literário extinto “alguma coisa entra e fica
no pecúlio do espírito humano” 152 153. Portanto, não se deve “continuar
literalmente o passado”, uma vez que o ideal deve ser o “acordo do mo-
derno com o antigo”154, respeitando-se assim a tradição:
[...] Que a evolução natural das coisas modifique as feições, a parte externa, ninguém
jamais o negará; mas há alguma coisa que liga, através dos séculos, Homero e l.ord Byron,
alguma coisa inalterável, universal e comum, que fala a todos os homens e a todos os tempos.
Ninguém q desconhece, de certo, entre as novas vocações; o esforço empregado em achar e
aperfeiçoar a forma não prejudica, nem poderia alterar a parte substancial da poesia - ou esta
não seria o que é e deve ser155.
U n liado <I, Assis, “O Ideal do Crítico”, em Crítica Literária, ed. cit., pp. 12-19. Da nossa parali mais tini*
outros lugares tentamos analisar o pensamento crítico de Machado de Assis: Matto tir Aliti ■ Critica, Rio de
Janeiro, Agir, 1959; e o capítulo “A Veracidade do Escritor”, em •liti,i,le r lini,tu em Machado de Assis, São
Paulo, Cia. Ed. Nacional/Edusp, 1969.
CAPITULO IX
156 V. Múcio da Paixão, op. cif, J. Galante de Sousa, O Teatro no Brasil\ Rio de Janeiro, Instituto Nacio-
.lo de nossa história literária, cujo ponto de partida foi Ferdinand li is; e até
o projeto de uma “epopeia nacional”, tardiamente elabora- caso
semelhante ao de Porto Alegre, por sua vez voltado para o pai-
americano.
Mal termina a repercussão do programa reformador de Magalhães,
espaço que se estende da Niterói — Revista Brasiliense e Suspiros Poéti- e Saudades
às revistas da década de 1840 — Minerva Brasiliense e Gua- uira, começam a
aparecer os nossos grandes poetas românticos./Eles pliam as propostas,
iniciais, formais e temáticas, dando caráter e dis- ;ão à poesia romântica
brasileira|Sobretudo, atingem nossa sensibili- le com o lirismo amoroso,
o indianismo épico e lírico, o sentimento natureza e o patriotismo, a
religiosidade, associados às preocupações iais sob os ideais do homem
livre, cuja expresSãoé acómpanhada pela oridade e colorido da palavra)j
Assim, Çonçalves Dias, Casimiro de •eu, Fagundes Varela, Álvares de
Azevedo, Junqueira Freire, Castro cs e mesmo Tobías Barreto, e poetas
menores em que surpreendemos >lclórico e o popular - e também nos
principais além do freqiiente t de intimidade quase doméstico ou familiar.
j
Quanto ao teatro - aqui referido apenas em virtude de ter sido envido
pelas discussões da reforma romântica ojiestaque que lhe da- s provém,
no caso, da proposta teórica de Magalhães, permanecen- o mais nos
limites da história. Mesmo que apenas para lembrar, mos João Caetano,
ator e também teórico da dramaturgia2, Martins ra, e com este outros
dramaturgos ou comediógrafos do momento, í de Alencar, Joaquim
Manuel de Macedo. Mas a implantação do ero entre nós, à parte as
manifestações do Período Colonial, seria de cedo marcada por crise
discutida e denunciada por um Álvares de
.il do l.ivro, 1000. 2 tomos (t. I - Evolução do Teatro no Brasil, t. II — Subsídios para uma Biblio- laliii do lí atro
no Brasil); Sábato Magaldi, Panorama do Teatro Brasileiro, São Paulo, Difusão Eu- <|M'M do Livro, 1%2.
I *i i lo di Almeida Prado, op. cit., c do mesmo autor João Caetano e a Arte de Representar, São atilo I mlIIII
o|i,ialado, aguardando publicação).
1. A POESIA
157 V. Alvares de Azevedo, “Carta sobre a atualidade do teatro entre nós”, em Obras de (...) precedidas de juízo
crítico de escritores nacionais e estrangeiros e de uma notícia sobre o autor e suas obras por J. Norberto de S.
S., 7. ed., Rio de Janeiro (Paris), Garnier, 1900, 3 tomos, t. III, pp. 237-241; e Machado de Assis, “Ideias sobre
o teatro", cm Crítica Teatral, op. cit., 1938, pp. 7-24.
158 Como resultado de pesquisas, revendo o que já se fez e sugerindo novas pistas, já tratamos desse problema
das origens do romance no Brasil em artigos depois reunidos em volume sob o título Aspectos do Romance
Brasileiro, Rio de Janeiro, MEC - Serviço de Documentação (1961).
159 É o seguinte o depoimento de José de Alencar em Como epor que Sou Romancista, Rio de Janeiro, \ Leuzinger,
1893, pp. 27-28; “Que estranho sentir não despertava em meu coração adolescente a notícia dessas homenagens
de admiração e respeito tributadas ao jovem autor da Moreninbd. Qual régio diadema valia essa auréola de
entusiasmo a cingir o nome de um escritor?”
rentemente renegaria. Seguem-se os Suspiros Poéticos e Saudades, de 1836,
consagrado através da história literária inaugurador da poesia romântica
no Brasil; de 1839, a tragédia Antônio José ou o Poeta e a Inquisição-, A Confederação
dos Tamoios, de 1856, Urânio, de 1862, e Cânticos Fúnebres, de 18646.
O primeiro livro — Poesia - é um composto de formas clássicas ou
neoclássicas: ode sáfica e pindárica, cantata, égloga, nênia, elegia, epicé-
dio, soneto, “lira”, epístola, sátira, epigrama, apólogo, cujo conteúdo pré-
romântico sob muitos aspectos condiz com o momento histórico brasileiro
e traduz o fundamento da formação do escritor, inclusive a religiosa.
Caminha da idéia de pátria à de liberdade e justiça; da exaltação das vir-
tudes morais ao compromisso com a religião católica; da natureza ainda
bucólica ao amor personificado nas Marílias de Dirceu; da poesia do culto
da amizade exagerada pelos louvores a uma poesia melancólica eivada de
reflexões sobre o homem, a morte, a miséria moral. Quatro anos depois, o
poeta proclamaria a liberdade formal, adotando nos Suspiros Poéticos e
Saudades a variedade de metros e os agrupamentos estróficos livres, embora
mantenha o gosto das composições longas e de conteúdo prolixo.
Destacam-se os temas novos: ruínas históricas da Europa; a evocação
saudosismo? - da pátria distante; a finalidade da poesia e o papel do poeta,
expressão de um espírito divino, escolhido por Deus; a natureza já
associada a Deus; persistem a lamentação que não convence, a temática da
infância, da mocidade e da velhice. Além dos motivos de Urânia- imitação
tardia e intelectualizada do já então famoso Marília de Dirceu - e tios Cânticos
Fúnebres, retomada igualmente tardia da “poesia dos túmulos”, dos albores
do Romantismo. É certo que reflexões ou lamen- i ações envolvendo
sentimentos pela perda de entes queridos, entre nós provenientes de
Domingos Borges de Barros e Firmino Rodrigues da Sil-
160 Fazemos alusão ao poema Os Túmulos (1825), 4. ed., Rio de Janeiro, Academia Brasileira, 1945; c à “Nènia a F. B.
Ribeiro” (Francisco Bernardino Ribeiro, ligado à Sociedade Filomática, Faculdade de Direito de São Paulo, datada
de 1837), em J. M. Pereira da Silva, Parnaso Brasileiro ou Selelção de Poesias dos Melhores Poetas Brasileiros, (...) por (...), Rio
de Janeiro, Lacmmert, 1848, 2 tomos, t. II, pp. 193-199, de Fagundes Varela, “Cântico do Calvário” e de Vicente de
Carvalho, “O Pequenino Morto”.
do Período Colonial, ressalvado o antilusismo, pós-independência, de
reavaliação do nosso passado em busca de raízes americanistas e não obstante
os louvores ao imperador.
Além de mal realizado^ o objetivo inovador atribuído ao poema fica
apenas na intenção de Magalhãé). São visíveis suas dívidas à tradição clássica:
ao substituir a oitava rima pelo verso decassílabo branco (raramente rimado) ele
retomava um procedimento da poesia neoclássica; não superou o esquema
básico do modelo camoniano (cinco partes, dez cantos); impregnou o poema do
culto à autoridade constituída, além daquele malogro da substituição do
maravilhoso e do vaticinador.
Não esqueçamos também a presença dominante do índio numa obra, cujo
autor ainda a aponta, em 1856, como exemplo de poema épico nacional. Ora, a
temática indianista romântica vinha sendo cultivada havia mais de dez anos.
Essência da poesia então dita “americana”, revertia-se às nossas raízes
autóctones diferenciadoras no processo de caractè- rização da nacionalidade.
Gonçalves Dias já era considerado novo modelo, pela linguagem, ritmò^em
suma, pelo cultivo adequado daquela temática. Em virtude desses antecedentes
e das impropriedades formais e de anacronismo, José de Alencar analisou o
poema de Magalhães, contestando não a intenção patriótica, mas a sua
realização. Advertia que “uma nova escola de poesia nacional”, de inspiração
indianista, já era mérito incontestável de Gonçalves Dias, conforme o que
escreve em uma das “Cartas” de critica ao poema.
Ao estrear em 1846, com os Primeiros Cantos8, entre outras preferências
românticas Gonçalves Dias apresentava composições indianistas que foram logo
reconhecidas exemplo de verdadeira “poesia americana”. Nao era só a
inspiração no índio isoladamente: também na paisagem e
CANTOS.
COLLECQÁO DE EÜEZ1AS
m;
A. GONÇALVES DIAS.
„ LEIPZIG:
F. A. B It O C K II A U S.
1857.
Página de rosto dos Cantos,
cuja 2a. edição é considerada
a melhor.
(...] Casar assim o pensamento com o sentimento — o coração com o i ntendi mento - a
ideia com a paixão - cobrir tudo isto com a imaginação, luiulii ilido isio com a vida e com a
natureza, purificar tudo com o sentimento da religião <• da divin dade, eis a Poesia - a Poesia
grande e santa - a Poesia como eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a
poder traduzir.
Dia),
161 ¿jonçalves Dia), Cantos. Coleção de Poesias de (...), 2. ed., Leipzig, F. A. Brockhaus, 1857, pp. XIX
DETfi vmim 2.
I Ü U.5.C K I 1 o.'S
l'ilr* de Altnoiil.i.
A ¡inula Byroniana no Brasil, cd. cit.; e Maria Alice de Oliveira Faria, Asiane e ! '/mal I hn Confronto
enne Alvares de Azevedo e Alfredo de Musset, Sao Paulo, Conselho Esta- iil dr < idilli,i, ( lonmsSo de Literatura, 1973.
Retrato de Castro Alves, em C.
A. Urna Página da Escola Realista,
Rio de Janeiro, ABL, 1943.
denúncia, em
Junqueira Freirejlp
ardor sensual, poesia
amorosa inspirada
ñas aventuras do
poeta e por isso
mesmo conduzida
por intenso realismo
erótico, ou a vibração
social e humana a
serviço da liberdade
e da dignidade da
condição humana,
com a denuncia
dramática da escravidão negra, em Castro Alvesi* também poesia social com
Tobías Barreto. Eles expressaram a essência da temática romântica, ressalvado
aquele individualismo que distingue a posição singular de cada um, Variam
entre maior ou menor espontaneidade e, à exceção de (Gonçalves Dias e Fagun-
des Varela, inquietações e ânsia de afirmações devem ser enquadradas nos seus
limites de adolescentes românticos. O importante é que ampliaram
¡varam a nossa sensibilidade que despontava. E com um grande
■ de comunicação: pela leitura direta; pela declamação pública ou a sso
familiar; pela transmissão oral a ponto de se fazerem anôni- n ui tas de
suas composições, até mesmo versos destacados; pelo canela música12.
Talvez esteja aí uma das maiores contribuições de nos- •sia romântica,
resposta solicitada pelo sentimento de nacionalidade
proclamado e debatido. Propunha-se, ao mesmo tempo, o apuro
isibilidade. Essa poesia se despojaria da capa tecida pelas variadas ões do
romantismo europeu, para fazer-se adequada e oportuna à ¡ta da
solicitação interna.
NARRATIVA FICCIONAL
rstudos ainda para serem pesquisados em sua extensão. Colhem-se sobre o assunto reflexões ma, como por
exemplo em Lopes Rodrigues, Castro Alves, Rio de Janeiro, Pongetti, 1947, 3 , voi V pp. 1301 a 1310; Uditene
Matos, Castro Alves no Folheto de Cordel (Salvador, Funda- I diluirai do listado da Bahia, 1982?)
npliílcum-no muito bem suas narrativas Jerônimo Corte-Rcal — Crònica do Século XVI, Manuel rloian, ( rùnica do
Século XVII, o primeiro de 1840, o segundo de 1866, além de outros: O >ri nino ilr I >, Miguel em 1828 e Religião,
Amor e Pátria, ambos de 1839; D. João de Noronha, < II i a do Sèi alo XVIII. Todos eles fogem aos temas históricos
brasileiros e assim outra narrativa ui mu .iiiior, de assunto contemporâneo, Asbàsia.
163 Martins Pena, que se consagra comediógrafo, é autor da narrativa Duguay- Trouim, que infelizmente não
conseguimos localizar; de Varnhagen é a Crónica do Descobrimento do Brasil de Justiniano José da Rocha, Os
Assassinos Misteriosos ou a Paixão dos Diamantes, de 1839, cuja ação se passa em Paris e O Pariá e a Sociedade
Brasileira. Deste último autor, contam-se as traduções que divulgaram entre nós O Conde de Monte-Cristo e Os
Miseráveis. De Joaquim Norberto, lembramos As Duas Orfiís, de 1841, e Maria ou Vinte Anos Depois, de 1843, que,
com mais duas outras narrativas, ele as reuniu no volume Romances e Novelas, 1852. Também é justo mencionar
Gonçalves de Magalhães, que, divulgador-reformador, ampliou sua experiência com a novela Amãncio, de 1844.
164 Abaixo do título, lê-se a indicação “Romance Brasileiro Original”. Mereceu reedição com introdução por Aurélio
Buarque de Holanda Ferreira, São Paulo, Melhoramentos/1NL-MEC, 1977.
MITEREAL
C HB QN IC A 00 8EC UL 0 XVI
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II I. r.ARMKIl, KI1IT0R
DII, tu li» t>0 VI »01», OU %t!» UUIIVM»,
O FILHO DO PESCADOR
Romance brasileiro
Original
Introdução dc
AURELIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA
EDIÇÕES MELHORAM!MOS
Ì
cm convenio com o
INSTITUTO NACIONAL 1)0 l.IVRO
MINISTERIO DA EDUCAÇAO E UH TURA
• I»|M dti .?**. edição.
165 |MM‘ cli' AlriK .it, Como e por que Sou Romancista, ed. cit.
V Iiililni( i ili.i de Muerdo, no Apêndice - 2.
^fêwtumcÂa«m/'d>Macédp
Leonardo Filho, que se «•Mitrino de milicias, que Manuel Antônio de Almeida o teria ouvido, v. Marques
Rebelo, Vida fin de Marniti Antônio de Almeida, Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro-MEC, 1943.
(...) faço sempre passar a ação dos meus romances em lugares que me são conhecidos, ou pelo
menos de que tenho as mais exatas e minuciosas informações, e me esforço por dar às
descrições locais um traçado e colorido o mais exato e preciso, o menos vago que é possível 167.
166 Cf. também Álvaro Lins, Jornal de Crítica, 2. série, Rio de Janeiro, José Olympio, 1943, pp. 138-152.
167 Bernardo Guimarães, O índio Afonso Seguido de a Morte de Gonçalves Dias, canto elegíaco por (...), Rio de Janeiro,
Garnier (1900), pp. VI1I-9 (sic).
A 1». edição é de 1854-1855.
¡CA DE LITERATURA BRASILEIRA
nórias de um
;ento de
Milícias
IntroduçAo d« Mário de Andrade.
Iluatraçõcs de F. Acquarone.
LIVRAHIA MARTINS
MUA It UR KOVRMHKO. 181 SÀO fAUU)
ERMITÃO DO MllODEM
00
HISTORIA DA FUNDAÇÃO DA ROMARIA DF MIIQ1IRH
NA PROVINCIA RE COYAI
BERNARDO GUIMARÃES
■ RIO HE JANEIRO
I.IVRAim !)K II. I,. l'.AItMKK, EDITOU
M, BI'» 1*0 Ol VIlkill, I»
PARIS, — fi. UKLIIATIK, 1,1 YÍIKIRO
MU I»B L'ABIUYK, II
! I hlein, 0 Irmitão do Muqutm ou História da Fundação da Romaria de Muquém na Província de (toiili por („.), Rio de Janeiro,
Garnier, s. d. (1. cd.), pp. V-VI1.
ALFREDO D’ESCRAGNOLLE TAUNAY
VISCONDE DE TAUNAY
Céus e Terras do Brasil. Houve por parte do autor a intenção de indii .11
modelos, circunstâncias e impressões de uma sociedade fechada, enraiza
damente patriarcalista, com zelos excessivos pela preservação da pureza e
da honra da mulher, conforme o que lemos naquelas obras indicadas.
Chega ao ponto, paisagista de quadros acabados, definitivos, de transpor o
primeiro capítulo — “O Sertão e o Sertanejo”, de Céus e Terras do Brasil para o
início de Inocência, mantendo até o mesmo título168. O enredo des-
168 Já fizemos esse rastreamento em artigo depois transcrito em Aspectos do Romance Brasileiro, ed. cit., pp. 49-53.
te romance, espécie de tragédia shakespeareana sertaneja, de extrema
simplicidade, no seu lento fluir ilustra-se com quadros naturais. Harmo-
niza-se com sugestões plásticas, quase estáticas. E o desfecho trágico da
narrativa emana de uma estrutura reacionária que se autodefende de
maneira a quase neutralizar emocionalmente o comportamento dos pro-
tagonistas. O tom evocador que impregna toda a narrativa nos dá também
a sugestão do acontecido reconstituído pela memória visual e sentimental
do autor-testemunha. O romance delineia o universo sertanejo, acentua
muito bem o conservadorismo patriarcalista e sua intransigente autodefesa
indiferente aos impulsos do coração. Não reconhecia nem admitia a
autonomia das aspirações sentimentais individuais. A obra se faz, de tal
forma representativa do universo sertanejo reorganizado, que é mais um
exemplo de ficção brasileira que atinge profundamente a nossa
sensibilidade e se converte em “fato real” pela tradição oral.
Passando por Bernardo Guimarães e pelo Visconde de Taunay, e
sempre à sombra de Alencar, Franklin Távora chegou mesmo a propor uma
diferenciação “regional” bipartida - Norte/Sul, com distinções geográficas,
embora distorcidas, pois na verdade opõe uma sociedade provinciana à
sociedade da Corte. Ele se situa entre exemplos finais de posições
“regionalistas” assumidas no século XIX. Falaria então de “literatura do
Norte” e “literatura do Sul”:
) \ li mklin Távora, O Cabeleira - História Pernambucana por (...), nova edição, Rio de Janeiro, Garnier, l'NM, pp XII-
XIII. Lé-se no cabeçalho da página de rosto: “Literatura do Norte / Primeiro livro”.
Quando, pois, está o Sul em tão favoráveis condições, que até conta entre os primeiros
luminares das suas letras este distinto cearense, têm os escritores do Norte que
verdadeiramente estimam seu torrão, o dever de levantar ainda com luta c esforço os nobres
foros dessa grande região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus costumes,
suas lendas, sua poesia máscula, nova, vivida e louçã tão ignorada no pró .prio templo onde se
sagram as reputações, assim literárias, como políticas, que se en viam às províncias.
Não vai nisto, meu amigo, um baixo sentimento de rivalidade que náo aninho cm meu
coração brasileiro. Proclamo uma verdade irrecusável. Norte e Sul sao irmãos, mas são dois.
Cada um há de ter uma literatura sua, porque o gênio de um nao se confunde com o do outro.
Cada um tem suas aspirações, seus interesses, e há de ler, se já não tem, sua política.
Enfim, não posso dizer tudo, e reservarei o desenvolvimento, que tais ideias exi gem,
para a ocasião em que te enviar o segundo livro desta série, o qual talvez venha ainda este ano,
à luz da publicidade.
Depois de haveres lido'0 Cabeleira, melhor me poderás entender a respeito da criação da
literatura setentrional, cujos moldes não podem ser, segundo me parece, os mesmos em que
vai sendo vasada a literatura austral que possuímos169.
\HKLLKIK
A ■ I
'LRNAMBUCA
NA
iiiihlia (Favor;!
in >1 mmui
•I O A y U I .» il lì 3 Ili .1 L I N»«l
170 ii
mo radical. E também continuava a refletir conceitos provenientes dos
primeiros momentos do Romantismo, mesmo que sob a bandeira da re-
novação. Leia-se, a propósito, o que escreveu ao reeditar a narrativa Um
Casamento no Arrabalde.
[...) Hoje em dia eu não poria em letra de imprensa produção de horizonte tão estreito,
porque entendo que nas letras, ainda as amenas, não é lícito prescindir de um ideal que
represente a vitória de um princípio, uma instituição, uma ideia útil ã sociedade. O romancista
moderno deve ser historiador, crítico, político ou filósofo.
O romance de fantasia, de pura imaginativa, este não quadra ao ideal dos nossos
dias.
Ora, ali, se não há pura imaginação, não há todavia um princípio vigoroso, nfio há o
estudo, a crítica de grandes forças, a aplicação de grandes leis sociais'1'’.
171 Franklin Távora, Um Casamento no Arrabalde - História do Tempo em Estilo de Casa por (...), Rio de Janeiro, Garnier,
1903. (Traz no cabeçalho da página de rosto a indicação: “Literatura do Norte / Quarto Livro”.) As reflexões
citadas datam de 1879, v. p. 94.
172 Visconde deTaunay (Alfredo d’EscragnolleTaunay), Brasileiros e Estrangeiros, São Paulo, Melhoramentos, 1931 (a
segunda edição da obra que, em 1883, foi publicada sob o título de Estudos Críticos). Sempre fiel ao
Romantismo, ao criticar o Naturalismo nascente, atua igualmente na transição dos estilos (V. capítulo XII).
representação daquele “viver brasileiro”, componente, diria Bernardo
Guimarães, da “formação de uma literatura propriamente brasileira, filha
da terra”, referindo-se à região Centro-Sul do Brasil28. Implicava igualmente
no contraste que se acentuava entre a sociedade urbana e a sociedade rural,
rústica. Enquanto esta se mantinha conservadora, aquela sofria mudanças
aceleradas, representada pela Corte, o Rio de Janeiro, para onde convergiam
as atenções estrangeiras, conforme também já havia observado José de
Alencar. % o que este último propunha era a visão de dois Brasis em linha
verticaf, o da faixa litorânea e o interiorano, para acentuar a diversidade,
entre urbano e rural29. Visão de dois Brasis em que já se delineava a
perspectiva da sua complexidade, sob a tentativa de compreensão e síntese
expressa por uma literatura cuja unidade interna se traduzia no confronto
de duas coordenadas, que eram ou são aquelas duas distinções - a urbana e
a rural. Mas Franklin Távora simplificaria essa visão reduzindo-a à
bipartição horizontal e ingénua de Norte e Sul, sob a vaga suspeita de
separatismo. Contudo, ele cumpria um papel nas transformações da
ideologia nacionalista, propiciando uma espécie de derivação
“regionalista”. Podemos mesmo admitir a projeção do romancista se
lembrarmos que bem mais tarde, em pleno Modernismo — naturalmente
em outro nível de formulação - Gilberto Freyre sublimaria a decadência
económica do Nordeste açucareiro, exaltando o papel permanente desta
região como expressão preservadora das tradições brasileiras30. Finalmente,
Franklin Távora também ainda nos ofereceu contribuição temática. Cultivou
a narrativa de características históricas românticas e explorou em extensão
um fenômeno que comporia um dos ciclos mais importantes da nossa ficção
- o cangaço. Mas este também
3. FOLHETIM/CRÔNICA/REVISTA OU HEBDOMADARIA
173 ('.f. José dc Alencar, Como e por que Sou Romancista, ed. cit., pp. 15-22.
174 Em nota a uma das crónicas dc França Júnior, R. Magalhães Júnior comenta uma citação feita a Alphnnsc
Karr, nos seguintes termos: “Este jornalista francês exerceu forte influência, quer no Brasil, quer em
Portugal, onde Eça de Queirós c Ramalho Ortigão imitaram seu panfleto "Les Gucpes’ em As farpas'. D.
Pedro 11 lia-o c admirava. Machado de Assis cita-o à miúde. Nascido em 1808, h ,m Biiptilte Alphonsc Karr
deixou vários livros e colaborou em ‘Le Figaro’. Desapareceu no ano «I* IH‘111 Mus acrescentamos não
somente em destaque Machado de Assis e França Júnior: antes
cipais cultores, ressaltou a heterogeneidade e a consequente versatilidade
do conteúdo de um gênero nascente. Obrigava “um homem a percorrer
todos os acontecimentos, a passar do gracejo ao assunto sério, do riso e do
prazer às misérias e às chagas da sociedade”; e isto com graça e nonchalance,
dizia ele, finura e delicadeza, fazendo “do escritor uma espécie de colibri” a
sugar “a graça, o sal e o espírito que deve necessariamente descobrir no
fato o mais comezinho!” Acrescentava: as reações que o “lo- lhetim”
provocaria em múltiplos leitores, de diferentes preferências, abrangiam
desde o crítico “de opinião que o folhetinista inventou em vez de contar, o
que por conseguinte excedeu os limites da crónica", até ao “literato”,
passando pela “amável leitora”, pelo “velho” exigente, o “na morado”, o
“caixeiro”, o “negociante”. E comparava-o ainda com outras atividades
regulares e disciplinadoras, para interrogar, censurando c ao mesmo tempo
completando seu conceito de “folhetim”:
[...] Somente o folhetim é que há de sair fora da regra geral, a ser uma espécie de
panacéia, um tratado de obini scibili etpossibili, um dicionário espanhol que contenha todas as coisas
e algumas coisinhas mais? Enquanto o Instituto de França e a Academia de Lisboa não
concordarem numa exata definição do folhetim, tenho para mim que a coisa é impossível 33.
Alencar escrevia por volta de 1854. Cinco anos mais tarde, e também
ainda nos primeiros momentos da carreira de escritor, Machado de Assis
ocupava-se do mesmo assunto, ele, que seria com o tempo o paradigma
dos nossos cronistas. Apontava o folhetim originário da França, de onde se
espalharia através do seu veículo de difusão - o jornal, mas de maneira a
acomodar “a economia vital de sua organização às conveniências das
atmosferas locais”. A afinidade do folhetinista com o jornalista “desenha as
saliências fisionómicas na moderna criação”, isto é, o “folhe-
destes, Jos í de Alencar, que lhe aporia o adjetivo grande. V. França Júnior, Política e Costumes - Folhetins
esquecidos (1867-1868) (org„ introd. e notas de R. Magalhães Júnior), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,
1957, citação de p. I.
33. Josú de Alencar, Ao Correr da Pena (revista hebdomadária). Rio de Janeiro, Garnier, s. d., pp. 19-21.
tim”, “fusão admirável do útil e do fútil”, “parto curioso e singular do
sério, consorciado com o frívolo”. Do jornalista que há no folhetinista,
provém “a luz séria e vigorosa, a reflexão calma, a observação profunda.
Pelo que toca ao devaneio, à leviandade, está tudo encarnado no folheti-
nista mesmo; o capital próprio”. Curiosameiyer^não bastassem reflexões
paralelas àquelas que foram feitas por Alenca}, Machado de Assis retomava
a mais a comparação do folhetinista com o colibri:
Entretanto, como todas as dificuldades se aplanam, ele podia bem tomar mais cor local,
mais feição americana. Faria assim menos mal à independência do espírito nacional, tão preso
a essas imitações, a esses arremedo, a esse suicídio de originalidade e iniciativas3'.
i ■/** V
N
M Mui liado dc Assis, Obra Completa, vol. 3 - Poesia, Crónica, Crítica. Miscelânea e Epistolário, Rio di laneiro,
Agilitar. 1959, pp. 968-969.
178 V. França Júnior, op. cit., e Folhetim, prefácio e coord. de Alfredo Mariano de Oliveira, 4. ed. aum. com
folhetins publicados nos jornais O Globo Ilustrado, O País e o Correio Mercantil\ Rio de Janeiro. Jacinto Ribeiro
dos Santos, 1976.
CAPÍTULO X
CAPÍTULO X
179 O que se segue é assumo que já abordamos mais dt- uma vez, e sempre reformulando. Cf. “Bibliografia e
Plano das Obras Completas de José de Alencar”, em Boletim Bibliográfico, vol. XIII, 1949, Publicações da
Biblioreca Pública de São Paulo; “A Literatura Brasileira do Romantismo ao Modernismo —Teoria e
Ideologia”, I e II, em Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, citados; “ Iracema e o Indianismo de
Alencar”, em Iracema, Edição do Centenário, org. por M. Cavalcânti Proen- ça. Rio de Janeiro, José Olympio,
1965, pp. 270-280; e na forma final aqui apresentada reproduz na parte inicial o ensaio - também revisto -
“Projeto de Literatura Nacional de José de Alencar”, em Boletim Bibliográfico, São Paulo, Biblioteca Mário de
Iracema, ed. cit., e outro sobre
Andrade, vol. 38, jul.-dez. de 1977, pp. 17- 32, seguindo-se-lhe o ensaio sobre
Senhora, divulgado em Misselánea de Estudos Literários (homenagem a Afrânio Courinho), Rio de Janeiro,
Palias, 1984, pp. 223-228.
segundo terço do século, ele principiava suas múltiplas atividades de po-
lítico, publicista, escritor, advogado, homem público180. Elas abrangiam
três etapas interpenetrantes: a primeira, nos limites da infância e adoles-
cência, marcada pela presença em família, envolvida em lutas políticas e
revolucionárias, na província natal e na Corte 181; a segunda, quando estu-
dante em São Paulo e no Recife182, é o momento crítico de formação183; e a
terceira, a contar do início da carreira de jornalista, advogado e político.
Ao fixar-se na Corte, estreia no jornalismo junto ao Correio Mercantile ao
Diário do Rio de Janeiro, nos quais publica crónicas semanais e as Cartas sobre “A
Confederação dosTamoios' (1856)184.
O poema de Gonçalves de Magalhães acabava de sair em luxuosa
“edição imperial”, portanto, ofrcíaímente patrocinada. Representava a
persistência de Gonçalves de Magalhães no desempenho da missão de
reformador, historicamente já cumprida. Retomar este propósito inicial era
um anacronismo, que ia de encontro à progressiva renovação. José de
Alencar também percebeu a ameaça que representava para a nossa litera-
180 Para o conhecimento da bibliografia completa de Alencar, v. José de Alencar, Obras Completas, Rio de Janeiro,
Aguilar, 1965 (4 vols.) e Fábio Freixieiro, Alencar - Os Bastidores e a Posteridade, Rio de Janeiro, Museu Histórico
Nacional, 1977; para a biografia, v. Raimundo Meneses, José de Alencar — Literato e Político, São Paulo, Martins,
1965 (2. ed., Rio de Janeiro, LTC, 1977).
181 Ele o diz em carta a Joaquim Serra: “Em minha infância, passada nas cercanias da lagoa de Mecejana (...)
quase todas as noites, durante os invernos, ouvia eu ao nosso vaqueiro o romance ou poemeto do Boi Espácio"
(v. José de Alencar, Obras Completas, ed. cit., vol. 4, p. 968). E evoca a tradição familiar, escrevendo a biografia
de seu pai, José Martiniano de Alencar, revolucionário de 1824, Governador do Ceará, Senador do Império.
182 Inicia-se com a leitura de Macedo a Alexandre Dumas, Alfredo de Vigny, Chateaubriand, Victor Hugo,
Lamartine, Balzac, sobre os quais comenta: “A escola francesa que eu então estudava nesses mestres da
moderna literatura, achava-me preparado para ela. O molde de romance, (...] fui encon- trá-lo fundido com
elegância e beleza que jamais lhe poderia dar”. Acrescentando: “O romance, coitro eu agora o admirava,
poema da vida real, me aparecia na altura dessas criações sublimes, que a Providência só concede aos
semideuses do pensamento” (v. José de Alencar, Obras Completas, ed. cit., vol. 1, p. 139).
Araripc Júnior nos informa do cuidado que Alencar teve com o estudo e domínio da língua, “copiando
trechos de João de Barros e Damião de Góis, decompondo os períodos monumentais desses ■ a rilorrs,
diluindo frases, compondo de novo, buscando com paciência beneditina descobrir o sego do da
originalidade dos seus dizeres tão pitorescos" (v. Araripe Júnior, José de Alencar, 2. cd„ Rio d, lanrirn,
Pauchon, 1894, p. 14).
li r I dr Alencar c outros, A Polêmica sobre “A Confederação dos Tamoios", ed. cit.
Renato de José de Alencar, d.
“Edição do Centenàrio” de Iracema,
organizada por M.
( Cavalcanti Proença, Rio de
Janeiro, José Olympio, 1965.
tura o mecenatismo tio jovem imperador Dom Pedro II, ainda alvo de
uma prática laudatoria ultrapassada. Mas não se deteve neste problema.
O importante era não alimentar fantasmas, cessar o elogio fácil e analisar
com isenção os modelos de reforma apresentados. Em suma, alimentar a
consciência crítica interna. Mas surgem os defensores de Gonçalves de
Magalhães e com eles a primeira e mais importante polêmica do nosso
romantismo, de significado relevante e indispensável ao estudo do india-
nismo como ideologia e poética romântica. E o primeiro grande prefácio
de Alencar ao que ele mesmo viria a escrever, em particular aos romances
chamados indianistas - O Guarani, Iracema e Ubirajara. Teria inspirado
mbém o plano do poema Os Filhos de Tupã e, no mesmo ano de 56 ira 57,
propulsionado a elaboração e publicação de O Guarani.
Definia-se uma carreira que desde então seria marcada pela crítica ■
autodefesa, na literatura e na política. Destacamos ainda mais dois
omentos de polêmica e também em defesa própria, entre 1871 e 72,
sencadeado pela crítica já mencionada do escritor português José liciano
de Castilho, então no Brasil, com a colaboração do nosso ro- incista
FranklinTávora, através das Questões do Dia. Investiram contra )bra de
Alencar, quer dizer, contra o nacionalismo romântico e contra inguagem
literária brasileira, da qual Alencar oferecia o modelo e na al se
aprofundava em estudos e pesquisas que iam até à poesia popu- . Pouco
depois, em 1875, a propósito do drama O jesuíta, Joaquim ibuco se
voltava contra o escritor, provocando outra polêmica 7.
Do que ele escreveu em autodefesa e esclarecendo seus objetivos de t
itor, em primeiro lugar destacamos o prefácio “Bênção Paterna” ao
n.mce Sonhos d’Ouro, de 1872. Datado do auge da carreira literária e iximo
da sua morte, este prefácio é de inquestionável importância para ilicar o
que o ficcionista escreveu - e ainda escreveria8. Confirma tam- m a
impressão de que o escritor foi portador de uma inteligência in- tiva que
inspirava seu pensamento reflexivo e sua criação, de maneira onduzi-lo
para uma realização abrangente. A posteriori, ele mesmo a onheceu como
um projeto totalizador e sintético da visão humana e valores e tradições
da nossa sociedade, do estratificado às mudanças, rural ao urbano, e da
nossa história das origens ao presente. Debaixo ;ta perspectiva,
tentaremos redelinear o painel que ela compõe, dando
lcconheccndo-se injusto, Joaquim Nabuco escrevia em A Minha Formaçãcr. “Travei com José de dentar uma
polémica em que receio ter tratado com a presunção e a injustiça da mocidade o granir CM ntor, - digo receio,
porque não tornei a ler aqueles folhetins e não me recordo até onde foi a ninha critica, sc cia ofendeu o que
há profundo, nacional, em Alencar: o seu brasileirismo. (Cf. aluiu m Aliánio Cominho, A Polêmica Alencar-Nabuco,
ed. cit., p. 1 1 . )
i« IIMque o primeiro a reiterar c defender a importância deste prefácio foi Olívio iMontenegro, O tomam r
Hnuileiro As Suas Origens e Tendências, Rio de Janeiro, José Olympio, 1938, pp. 37-47 e
relevo apenas aos componentes essenciais de sua extensão e complexidade
c readmitindo a classificação tradicional dos romances de Alencar em
indianistas, históricos, sertanistas e urbanos.
Com relação à própria obra, Alencar reconheceu três momentos da
nossa formação: O primeiro, o das lendas e mitos da terra selvagem e conquistada'^.
O segundo representado pelo Consórcio do povo invasor com a terra americana,
marcado pela assimilação mútua de conquistador e conquistado, de
maneira a alimentar o processo da gestação lenta do povo americano que devia sair
da estirpe lusa, — esclarece - para continuar no Novo Mundo as gloriosas tradições de seu
progenitor. O terceiro, a contar da Independência, voltado para a sociedade
brasileira contemporânea, urbana e rural.
Os dois primeiros períodos, contudo, são passíveis de reinterpreta-
ção desde que reapreciemos suas características em confronto com as
obras correspondentes apontadas por Alencar: O Guarani, Iracema e Ubirajara.
Rompemos a cronologia de suas edições mas não descartamos a unidade
das três obras, que compõem de fato uma trilogia, ao mesmo tempo que
admitimos a distinção seguinte: 1. No caso específico de Ubirajara,
reconhecemos o predomínio da poética indianista, exclusivo e retroativo à
nossa pré-história, que, considerada em si mesma, mantém traço de união
com as outras duas narrativas. Ubirajara, em tempo e espaço pré-colonial,
corresponde àquele primeiro período da proposta de Alencar, o “das
lendas e mitos da terra selvagem e conquistada”, quer dizer, a ser
“conquistada”. É a antevisão dos nossos primórdios americanistas. 2. O
Guarani e Iracemayk inserem na temática indianista a retrovisão histórico-
colonial, aproximando-se da narrativa de preponderância histórica, a
exemplo de As Minas de Prata, que, conjuntamente com outras, configura o
segundo período dito do “consórcio do povo invasor com a terra
americana”. A temática correspondente a este “período” passa a represen-
185
185 Os trechos grifados, daqui em diante, são transcrições textuais do prefácio “Bênção Paterna”, em Obras
Completas, cd. cit., vol. 1, pp. 691-702.
iativa do colonialismo, pelo que reconhecemos nele dois subgrupos de
narrativas: 2.1. Um com O Guarani (1857) e Iracema (1865), equilíbrio da poética
indianista com o modelo de narrativa histórica do Romantismo; 2.2. outro
sob predomínio do modelo histórico, com As Minas de Prata (1862; 1864-1865),
Alfarrábios — Crónicas dos Tempos Coloniais {O Garatuja, O Ermitão da Glória e A Alma do
Lázaro, 1873); A Guerra dos Mascates (1873-1874); e o drama histórico O Jesuíta
(1875). Desdobrando-se a sequência do painel, admitimos que O Guarani e
Iracema inter- medeiam a ligação do primeiro com o segundo período.
1 e 2. O primeiro período e o início do segundo - Eles se inter-relacionam,
conforme vimos, pela trilogia Ubirajara, O Guarani e Iracema, voltada para o
indianismo, específico na primeira narrativa e predominante nas outras duas.
Seu fundamemarepousa na poética indianista das Cartas sobre “A Confederação dos
lamoios ” e no plano de elaboração do poema épico Os Filhos de Tupã.
0 projeto deste poema de conteúdo indianista, talvez seja melhor dizer
americanista, era realmente ambicioso. Alencar chegou a iniciá-lo, mas o
abandonou em virtude das dificuldades de exprimir-se em versos. Vocação
de prosador, certo que de acentuada sensibilidade lírica, ele tenderia antes
para a expressão livre da sua prosa renovadora, favorecida pelo
Romantismo. Ele mesmo nos esclarece na “Carta ao Dr. Jaguaribe”, espécie
de prefácio a Iracema, referindo-se ao poema:
É, como viu e como então lhe esbocei a largos traços, uma heroica que tem por assunto as
tradições dos indígenas brasileiros e seus costumes. Nunca me lembrara eu de dedicar-me a esse
gênero de literatura, de que me abstive sempre, passados que foram os primeiros e fugaces
arroubos da juventude. Suporta-se uma prosa medíocre e até estima-se pelo quilate da ideia: mas
o verso medíocre é a pior triaga que se possa impingir ao pio leitor.
(iomcti a imprudência quando escrevia algumas cartas sobre A Confederação dos Hnnoios de
dizer: ‘as tradições dos indígenas dão matéria para um grande poema que liilve/ um dia alguém
apresente sem ruído nem aparato, como modesto fruto de suas vigília»',
1 .i li to bastou para que supusessem que o escritor se referia a si, e tinha já cm
.. ....... poema: várias pessoas perguntaram-me por ele. Meteu-me isto em brios literá-
rios: sem calcular das forças mínimas para empresa tão grande, que assoberbou dois ilustres
poetas, tracei o plano da obra e a comecei com tal vigor que a levei quase de um fôlego ao quarto
canto.
Esse fôlego susteve-se cerca de cinco meses, mas amorteceu, e vou confessar o motivo.
Desde cedo, quando começaram os primeiros pruridos literários, uma espécie de instinto
me impelia a imaginação para a raça selvagem indígena. Digo instinto, porque não tinha eu
então estudos bastantes para apreciar devidamente a nacionalidade de uma literatura; era
simples prazer que movia-me à leitura das crónicas e memórias antigas.
Mais tarde, discernindo melhor as cousas, lia as produções que sc publicavam sobre o
tema indígena; não realizavam elas a poesia nacional, tal como me apara ia no estudo da vida
selvagem dos autóctones brasileiros. Muitos pecavam pelo abuso dos termos indígenas
acumulados uns sobre outros, o que não só quebrava a harmonia da língua portuguesa, como
perturbava a inteligência do texto. Outras eram primorosas no estilo e ricas de belas imagens;
porém falta-lhes certa rudez ingénua de pensamento e expressão, que devia ser a linguagem dos
indígenas.
[-]
conhecimento da língua indígena é o melhor critério para a nacionalidade da literatura.
Ele nos dá não só o verdadeiro estilo, como as imagens poéticas do selvagem, os modos de seu
pensan^nto, as tendências de seu espírito, e até as menores particularidades de sua vida. É nessa
fonte que deve beber o poeta brasileiro; é dela que há de sair o verdadeiro poema nacional, tal
como eu o imagino186 187.
186 V. José de Alencar, Obras Completas, ed. cit., vol. 3, pp. 305-306.
187 Idem, op. cit., vol. 4, pp. 557-560 e ss.
A concepção tradicional do herói, tomada aos poemas épicos clássicos,
funde-se com ideais cavalheirescos, no sentido de acentuar a seleção de
valores e sentimentos comuns. E o que acontece com a coletividade converge
para o herói, soma das qualidades e destinos de sua raça. Daí a depuração de
linhas e relevos, luz e cor, naquele painel em que o dinamismo da ação épica
é desimpedido e inspirado essencial mente na índole guerreira do selvagem
americano, paralelamente com o poder estimulante da presença da mulher.
Em perspectiva americanista, sugere-nos o homem refeito após o dilúvio ou
às vésperas da extinção de nações que se fundiriam em nova nação. Ubirajara
corresponderia, por isso mesmo, à realização literária parcial do plano épico
de Os Filhos de Tupã. Admitida a inversão da cronologia das edições, equivale
ao introito de O Guarani e Iracema.
Em O Guarani, misto de ficção histórico-indianista, já reconhecemos as
intenções apontadas em Ubirajara, de criação do herói clássico, síntese de
valores e aspirações coletivas. Ele é o liame entre a natureza ainda selvagem e
primitiva, em que se situa, e a presença do adventício, portador de valores e
ideais conforme suas origens peninsulares. Prende- s e á tradição
cavalheiresca, entre ambições e traições em confronto com i lealdade c o amor
do autóctone. É um suposto flagrante de duas cultu- t a s a s e fundirem para
uma civilização nova. Ainda nos remete a Ubira- l.iia, e também a Iracema:
justapõe a dupla visão épica e lírica do herói e
da heroína, ressalvada a diferença fundamental de que neles ambos so-
breviverão, projetando valores, tradições e sentimentos pelo decurso daquela
“gestação lenta do povo americano”, sugestão final da narrativa, em que, na
opinião de Machado de Assis, Alencar compõe uma das mais belas alegorias
da nossa literatura. Sem dúvida inspirou-se na versão indígena do
repovoamento da terra após o dilúvio universal 188.
Iracema apresenta de maneira condensada características dos dois
188 Machado de Assis refere-se à página final de O Guarani, associando-a à projeção de Alencar na posteridade: “[...)
O autor dc Ira cr ma c do Guarani pode esperar confiado. Há aqui mesmo uma inconsciente alegoria. Quando o
Paraíba alaga tudo, Peri, para salvar Cecília, arranca uma palmeira, a poder de grandes esforços. Ninguém
ainda esqueceu esta página magnífica. A palmeira tomba. Cecília é depositada nela. Peri murmura ao ouvido
da moça: Tu viverás, e vão ambos por ali abaixo, entre água c céu, até que se somem no horizonte. Cecília é a
alma do grande escritor, a árvore é a Pátria que a leva na grande torrente do tempo. Tu viverás." Machado de
Assis, Critica Literária, cd. cit., p. 348.
romances - Ubirajara e O Guarani, às quais não deixamos de associai .1 presença
dos sentimentos mais íntimos do autor voltados para o berço natal,
reminiscências da sua paisagem, de tradições orais, acumuladas na infância.
Esta narrativa, sem dar vulto ou ênfase às proporções ambii 10 nadas em
Ubirajara e às preocupações históricas e de densidade de O Guarani, se
apresenta desde as primeiras páginas sob a pressão pungente da nostalgia,
do fatalismo, da resignação. Seu argumento depurado ou reduzido ao
essencial, flui sobre inspirações líricas, também envolvendo o épico e o
histórico com significados idênticos aos das outras duas. Para dar destaque
ao herói e à heroína, o primeiro representação do adventício, a segunda, do
autóctone, em comunhão com a beleza plástica e luminosa da paisagem, em
encontro de amor e predestinação eles também se perpetuarão, mas agora
simbolicamente na figura do descendente. Configuram a “lenda” — “lenda
do Ceará” - que, a partir de dado instante histórico, passa a traduzir a
significação mais profunda da sentimentalidade e do destino de um povo
mestiço - aquele que habitará a “pátria” do poeta.
Ao chegarmos ao fim do romance-poema de Alencar, nos surpreen-
demos com a impressão de que elementos dispersos da paisagem conjun-
tamente com o quadro do desfecho da ação recompõem o seu painel de
crtura. Antes iluminado e colorido, ele desdobra-se em impregnações
stálgicas motivadas pela inevitável fuga, quer dizer, “retorno” do he- -
adventício. O seu deslocamento pelo espaço imenso entre o mar e o t, não
perturba o silêncio, mas acentua a sensação de solidão e de tris- a de
quem parte e de quem fica. Na terra, restariam os valores fecun- los pela
hospitalidade e pela aceitação do inevitável. É uma concepção nântica -
em que pesa a sentimentalidade - dos que desaparecem para •m
continuados pela reconstrução. Também com a mesma conotação
náutica, arremata-se a “lenda” constituída pela narrativa, antevisão
doininantcmente lírica do momento originário da formação de nosso o 1
aqui novo paralelismo com O Guarani.
(ptíg. ao lado) Iracema, quadro de J.
Mcdciro, cf. “Edição do Centenário",
cit. O original pertence ao Museu
Nacional.
VrA
189 KlODO OU O PERI ODO NACI ONAI ... i n (írm r\ v.
citiva - o amor, suficiente para restabelecer o equilibrio do ideal afetivo com a
sociedade e mesmo de reabilitar o indivíduo que com ela se de- grade(E ao
demonstrar compreensão bastante avançada da autonomia afetiva da mulher
- espécie de feminismo romântico - ainda reconhecemos em Alencar certa
preocupação psicológica igualmente romântica, a fisiologia de que ele falava190.
.É a dissecação descritiva dos sentimentos, mais exteriorizados do que
íntimos, equacionando temperamento, personalidade, comportamento
individual com educação, nível social, mudanças sociais, tudo sempre sob o
poder auto-identificador, reabili- tador e humanizador do amor em que pesa
a autenticidade afetiva a par com o equilíbrio moral, a moral romântica.
A Além da importância que damos a Como epor que Sou Romancista, ponto de
partida para a análise de qualquer obra do romancista, consideremos a mais,
para o caso específico das narrativas de ambientação urbana, os “folhetins”
ou crónicas semanais de Ao Correr da Pena, publicadas inicialmente no Correio
Mercantil. E do grupo de narrativas urbanas - Cinco Minutos, A Viuvinha, Lucióla,
Diva, A Pata da Gazela, Sonhos d'Ouro, Senhora, Encarnação - consideramos Senhora
demonstração de criação romântica e de visão social contemporânea no
projeto de literatura nacional do romancista. Lembremos de início uma das
crónicas, datada de 31 de dezembro de 1854, em que Alencar se vê
dialogando com um ser misterioso, representação do tempo, portador da
experiência de todas as glórias vividas, com o seu cortejo de ambições e
decepções, também de amor e ilusões. É na contra-resposta, em diálogo, que
Alencar exprime a sua concepção essencial da condição humana:
— Meu caro senhor, sinto dizer-lhe que o senhor, embora me desse alguns mo-
mentos de prazer, contudo fez-me muitos males, e um principalmente que eu não lhe
posso por maneira alguma perdoar.
— Qual, senhor?
— O ter-me feito mais velho um ano.
O homem ficou fulminado. Eu continuei:
- Roubou-me uma boa parte daquelas doces ilusões dos primeiros anos da
mocidade; desfolhou-me algumas dessas flores que nascem nos seios d’alma,
orvalhadas com as primeiras lágrimas do coração, e que perfumam os sonhos mais
belos desta vida.
UI
O que há neste mundo que valha os nossos sonhos cor-de-rosa, as nossas noites
»*XT»X-XO^OO
POR
G. M.
8» bt |aneiro
B. L. GARNIER
LIYUIBO-EDITO* DO INSTITUTO HIITDUW
#9, Ru» d« Ouvidor, 09
isrí
Senhorti, tie Josc de Alencar.
192 V. Roberto Schwarz, Ao Vencedor as Balatas - Forma Literária e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro,
São Paulo, Duas Cidades, 1977 e Raimundo Faoro, Machado de Assis: A Pirâmide r o Ihtpétio, São Paulo, Cia. Editora
Nacional, 1974.
a* / O X_ j£ £ ^ À
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0^ Q~UL ctjl*C^-$*¿\A-<~áLhj i
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fiS V-
* L.ÍK^> ce>( £-/^< <-v_1 v ¿C>VA«
pVí* t. .-i
/t-tB-nu - "»O
.1
I ' MArio de Andrade deixou em manuscrito de Macunaimaa seguinte dedicatória: “A José de Alencar | M I d» vivo que
brilha no vasto campo do céu”. V. ed. crítica deTelê Porto Ancona Lopez, São Paulo. i ix ;/scer-sp, 1978,
p.210.
O ÚLTIMO QUARTEL DO SÉCULO X I X - Ia
Ou A FALSA RUPTURA
<» .. Ill.lll..
CAPÍTULO XI
193 Machado de Assis, “A Nova Geração”, em Revista Brasileira, Rio de Janeiro, Midosi, 1879, ano I, t.
194 pp. 373-413. Citação da p. 373. Passaremos a citar a reprodução deste ensaio conforme o volume Crítica Literária,
Rio de Janeiro, Jackson, 1938, pp. 187-235.
Frontispício da Revista
Brasileira, 2a. fase, secretariada
BRAZILEI
Visconde de Taunay, Luís
Delfino, A. J. de Macedo
Soares e outros.
RA
— 4F-—
PRIMEIRO ANNO
TOMO I
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. ,N. MIDOSI. ÈHtOR
KVKI1TORIO ll.V ItHVISTA IIRAZILEIBA
■Í7, KVA ftl ClOXÇAtA í» DIAS
(M0CCCLXX1X
/
seu tempo inicial. Pois é sabido que eles caracterizam, com acentuado
valor documental, reações e propostas inovadoras, legítimas ou não, de
qualquer forma geradoras de mudanças. E para bem avaliar as transfor-
mações é sempre indispensável repassar tanto as adesões quanto as rea-
ções às novas propostas, aí compreendidos pensamento crítico e estético
ou posições formalistas e preferências temáticas, antes mesmo de serem
reconhecidas através da criação, portanto, quase que lhe servindo de
corolário. Trata-se de fenômeno freqiiente, quase regra, na Literatura
brasileira: ao dar-se início a um novo processo, ativa-se a criação renova-
do!.i ,i partir dos paradigmas externos. Foi assim com o Romantismo e a
chamada reforma “nacionalizante” da nossa literatura, seria agora com
este novo período, que ficaria conhecido pela qualificação de “realista”, e
seria mais tarde com o “Modernismo”.
Reconhecida uma “nova geração”, essa de fins da década de 70,
cumpre investigar origens e intenções iniciais. Também as reações às vezes
pouco convincentes a um Romantismo ainda atuante, uma vez que aquela
geração emergeria sob o peso de modelos poderosos, como o de Victor
Hugo2. Sílvio Romero afirmaria que a reação ao Romantismo no Brasil
principiou com o movimento de renovação centralizado na l ami dade de
Direito do Recife, com uma primeira fase a partir de 1 Kó.’ I .ssa reação,
porém, não chegaria a configurar uma ruptura: veremos que alu aria
sobretudo na sentimentalidade e no patriotismo do nosso romani is mo;
afetaria a linguagem literária, disfarçaria o subjetivismo sob a prole rência
artificial de uma temática ou realista ou exótica; e refleti ria na
transformação da ideologia nacionalista. Sob o efeito de teorias novas
importadas, reage-se cpntra o bovarismo, a caminho do extremo oposto, o
pessimismo, embora sem nos libertarmos daquela nossa marca essenci-
almente romântica.
A renovação iniciada em Pernambuco, a que Sílvio Romero daria o nome de
“Escola do Recife”, para sempre consagrado, se foi por ele mes-
C il. a propósito o considerável número de tradutores, de românticos aos primeiros parnasianos, reunidos
em volume por Múcio Teixeira, Hugonianas - Poesias de Victor Hugo Traduzidas por Poetas Brasileiros, Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1885.
I. De acordo com Sílvio Romero, é a data da chegada de Tobias Barreto ao Recife, onde, ao lado de Castro Alves,
Victoriano Palhares, Plínio de Lima, Guimarães Júnior, Castro Rebelo Júnior, desencadearia o romantismo
social à Victor Hugo, combatendo as influências de Byron c Lamartinc. Sc- guem-se: invadindo a década de
70, o “realismo” de Celso de Magalhães, Generino dos Santos c Sousa Pinto: com o próprio Sílvio Romero: a
poesia voltada para uma nova “concepção crítica do universo, que é o grande feito da ciência do dia,
concepção que tem o tríplice apoio do positivismo de Coirne, das idéias monistica; de Darwin e da ciência
religiosa alemã”. Observando-se, contudo, “que do positivismo só a fecunda noção dos três estados” seria
“aproveitada para a intuição crítica da literatura de hoje”; finalmente, o princípio do “moderno naturalismo
do romance brasileiro”. Cf. Sílvio Romero, “Vista Geral sobre a Escola Literária do Recife”, em Estudos de
Literatura Contemporânea - páginas de crítica. Rio de Janeiro, Laemmert, 1 8 8 5 , pp. 87-98, citação de pp. 88 c ss.:
v. também “A Prioridade de Pernambuco no Movimento Espiritual do Recife”, em Revista Brasileira, cit., pp.
86-96.
mo datada de princípios da década de 1860\ só tomaria vulto a contar de
meados da década seguinte com a publicação dos Ensaios e Estudos de Eilosofia
e Crítica, deTobias Barreto (1875). É dos anos 60 aos 70 que se registram o
clímax do romantismo externo no Brasil e o princípio de sua deterioração,
concomitantemente com a divulgação de novas correntes de idéias e a
procura de novas preferências literárias. A segunda década, a de 70, é
também o momento em que se concentra a atividade crítica de Vlachado
de Assis, já apontado pela preocupação com o equilíbrio da orma com o
conteúdo, com a linguagem vernácula, correta e essencial :m função da
temática, “nobre e elevada”, conforme expressões suas.
À renovação geral que se processa a partir dos anos de 1870, José
/eríssimo proporia a designação de período eclético, englobando: evolu-
ionismo, positivismo, naturalismo científico e literário, Realismo, Parna-
ianismo, Simbolismo. Sem dúvida era difícil dar-lhe um rótulo abrangen-
e, satisfatório, sobretudo porque comportava contradições ou oposições,
das José Veríssimo ainda pensaria em outro: - Modernismo5. Finalmente,
ilvez em oposição ao romantismo anterior, prevaleceria a designação
Realismo” - período realista, na verdade válida essencialmente para a rosa
literária. Sem dúvida, período eclético ou Modernismo, são de- gnações
que se tornam vagas e imprecisas com o tempo.
196 Com referência à publicação de Os Cantos do Fim do Século (¡869-1873), Rio de Janeiro, Tip. Fluminense, 1878, Sílvio
Romero observa em nota ãs pp. 242-244 que, já preocupado com essa renovação geral e, voltando-sc contra o
romantismo c o indianismo brasileiros, escreveu uma série de artigos, dos quais cita 20 títulos divulgados entre
1869 e 1874, prosseguindo até 1876.
197 V. Apêndice - 1, Pesquisa c Historiografia na Literatura Brasileira.
198 Sílvio Romero, Cantos do Fim do Século, ed. cit., pp. I11-XX11. Os textos-documentos que passaremos a usar
relativamente ao advento da poesia “científico-filosófica", “socialista” e parnasiana, com algumas exceções entre
as que citamos, já foram também selecionadas por Péricles Eugênio da Silva Ramos c organizadas em volume
com introduções geral e parciais sob o título Flistória, Teoria e Critica do Parnasianismo Brasileiro, originalmente
destinado à Biblioteca Universitária de Literatura Brasileira. Também nos servimos de material pesquisado e
cedido por Lizir Arcanjo Alves, professora da Universidade Católica de Salvador, a quem registramos os nossos
agradecimentos.
Está claro que Sílvio Romero se refere aos primórdios da nossa histo
riografia literária da época romântica, marcada de início e durante o séi u lo
XIX por aquelas preocupações. Mas elas não só exprimiam uma ideolo gia
interna como também um procedimento universal, de posições teóricas e
metodológicas na busca e discussão do reconhecimento das nacionalida des
literárias. Ele mesmo, Sílvio Romero, como Araripe Júnior e José Veríssimo não
escapariam ao envolvimento de um debate que preencheria todo o século XIX
brasileiro. Sílvio Romero certamente prenunciava uma nova abordagem de
procedimentos12 que seriam substituídos pela objetividade dos “realistas” (ou
“naturalistas”), até o impacto de Os Sertões.
Voltando aos limites universais, fiquemos com as atitudes inovadoras
imediatas. Também comprometidas com o condoreirismo romântico199'. Sílvio
Romero e outros contemporâneos o exemplificam, ainda bem próximos de
Tobias Barreto e Castro Alves. É a persistência de um estilo, que Sílvio Romero
classificaria com muita justeza de “poética recitató- ria”H. Mas ele não se livrou
desta pecha, ainda presente nos seus “cantos do fim do século”. Inspirado,
segundo ele mesmo, na humanidade e na natureza, o poeta lembra a Légende des
siècles, embora contestando a vi-
199 I. Idem, lug. cit., pp. XV-XVII. As palavras grifadas são do original. V. também “Vista Geral sobre a Escola Literária
do Recife”, em Estudos de Literatura Contemporânea - páginas de crítica, cd. cit., pp. 87-98 e o Naturalismo em Literatura,
São Paulo, Tip. da Província de São Paulo, 1882.
12. V. capítulo XIV: As Coordenadas Internas - Verso e Reverso.
I I. líssa designação provém de Capistrano de Abreu.
N. Sílvio Romero, Estudos de Literatura Contemporânea, ed. cit., pp. 327-328.
200 Idem, Cantos do Fim do Século, ed. cit., pp. XXI-XXII e p. 240.
201 Idem, lug. cit., pp. 239-240, 244. Acentua também o papel de Litrré como difusor do positivismo.
202 V. Isidoro Martins Júnior, Visões de Hoje, 2. cd., completamente refundida c acrescentada de uma Síntese Artística,
Pernambuco, Tip. Apoio, 1886. V. os prefácios “Linhas Explicativas” à 1. ed., datada de 1881, pp. 9-12, e “Novas
Linhas”, a esta 2. ed. (citando Comte, Martins Júnior refere-sc à i lassifieaváo seguinte: Matemática, Astronomia,
Kísica, Química, Fisiologia, Física Social).
203 Idem, lug. cit., p. 11
204 Silvio Romero, Cintos do Fim do Século, ed. cit., pp. VIII-IX; v. nota 3, anterior.
/0 Isidoro Marrins Júnior, op. cit., pp. 14 e 16. Em A Poesia Cientifica, a seguir citada, ele afirmaria i|uc essa poesia tanto
pode ser do “terreno dos sentimentos” quanto do “terreno das ideias”, segundo a Fsthétitjue positive, sendo que a
segunda posição é uma conquista do século (p. 28).
2 I Isidoro Marrins Júnior, A Poesia Cientifica (Escorço de um livro futuro), 2. ed., destinada a auxiliar a construção do
monumento do autor, Recife, Imprensa Industrial, 1914. O prefácio da 1. ed., por ele assinado, data de 1883.
207 Idetn, lug. cit., nota 5, pp. 10-11 e 34, e nota 14, p. 49. França Pereira, prefaciando a edição citada, arrola como
seguidores dos ideais positivistas Artur Orlando, João Bandeira, Clóvis Beviláqua, (iarlos Porto Carreiro c
Teotônio Freire; e como poetas: Pardal Mallct, Phaelante da Câmara, Adelino Filho, Germano Hasloscher (p.
XVI).
). Xavier Marques, “Estrofes à Emancipação”, em Temas e Variações (Poesias), Bahia, Tip. de João Gonçalves Tourinho,
1884, pp. 183-189, citação da p. 187. i. idem, v. cm Temas e Variações, ed. cit., pp. 174-176, a composição crítico-satírica
às novas tendência* poéticas realistas a Zola e positivistas, que ele chama de “poesia do delírio”.
1 V. David Salles, O Ficcionista Xavier Marques: Um Estudo da Transição Ornamentai, Rio de ¡anci rn, ( avili/ação
Brasileira/MEC, 1977.
A Indicação da primeira publicação da sátira de Rebelo Júnior c as cópias de sua edição de 1883 e do livro de
poesias Temas e Variações de Xavier Marques nos foram dadas por Liiir Arcanjo Alves.
, V 1 iuilhermino César, História Literária do Rio Grande do Sut cd. cit., pp. 282-285.
Nosso terceiro exemplo, o gaúcho Damasceno Vieira, repartiria suas
atividades entre Porto Alegre, Santos e Salvador, mas sem jamais perder os
contatos com as origens. Deixou extensa produção literária e foi um dos
participantes do Partenon Literário28. Dele, Guilhermino César indi- c .1 o livro
Musa Moderna como tendo inaugurado “no Rio Grande do Sul i lasc da poesia
dita moderna ou científica, lamentável concepção terato- lógica que teve no Brasil
a sua época, ao mesmo tempo que o positivismo i omtista” 29. Mas o que nos
interessa são idéias e circunstâncias que envolveram a divulgação do livro, isto
é, as repercussões da “nova poesia" lio extremo sul. Em comunhão com o
positivismo, Damasceno Vieira .nua o “realismo contemporâneo adaptado à
poesia”, para usar expressão dele no prefácio “A Musa Moderna - Estudo
Crítico”, que escreveu para o seu livro30. Coloca-se na linha crítica de Xavier
Marques e Castro Rebelo Júnior e prende-se a formulações dos iniciadores
Martins Júnior e Sílvio Romero. Representa convergência de idéias e definições,
ainda que ingénuas. Em síntese: Byron e Victor Hugo são dados como os
iniciadores da “musa moderna”. Esta, cuja evolução, a datar dos rapsodos
gregos, p.issou do “estado teológico ao metafísico”, encontrava-se então no
“estado positivo”, aquele que a humanidade atravessava, donde o poeta não
poder ser senão positivista. O progresso científico levava o poeta ou a poesia a
romper com o passado. Contesta então posições de um Teófilo Braga (Visão dos
Tempos) em Portugal, ou de Aníbal Falcão (prefácio às ()/>alas, de Fontoura
Xavier), no Brasil; e adere à visão racional, sem prejuízo da sensibilidade e da
imaginação. Era preciso, porém, que o “realismo moderno” superasse dois
defeitos que o ameaçavam: a “inconveniên- cia em descarnar fatos repulsivos
sem um fim moral” e a “parcialidade” daí decorrente, com desprezo dos
sentimentos bons. Provém da última restrição um preceito que tanto nos
lembra a doutrina crítica de Macha-
210 Raimundo Farias Brito, Cantos Modernos (poesias). Rio de Janeiro, Laemmert, 1889.
211 Francisco Antônio de Carvalho Júnior, Parisina, Rio de Janeiro, Agostinho Gonçalves Guimarães, 1879 (com
introdução de Artur Barreiros).
4 1. IVricles Eugênio da Silva Ramos já fez essa associação, ressaltando Carvalho Júnior “como o principal poeta do
realismo brasileiro" com influências no companheiro (v. Panorama da Poesia Brasileira 10)1, III Parnasianismo, Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1959, p. 17. Teúfilo Dias é autor di l lorri r Amores, 1874; l.ira dos Verdes Anos, 1876; Cantos Tropicais,
1878; Fanfarras, 1882; A < omtdia doi Deuses, 1887.
213 Cf. Valcntim Magalhães, op. cit., pp. 56-57 e ss. V. nota a seguir.
214 V. Valcntim Magalhães e Silva Jardim, Idéias de Moço, São Paulo, Tip. Comercial, 1878, pp. 26- 28. São de 1876 e
1878: Lira dos Verdes Anos e Cantos Tropicais, deTeófilo Dias.
215 V. Icófilo Dias, “Carta a Artur Barreira”, em Alberto de Oliveira, Poesias (¡877-1895), primeira série, cd.
melhorada, Rio de Janeiro, Garnier, 1912, pp. 3-9.
216 V. Machado de Assis, “Meridionais (1879-1883)”, prefácio ao livro indicado de Alberto de Oliveira, cm Poesias
(¡877-1895), ed. cit., pp. 71-74. Alberto de Oliveira declararia que “o chamado parnasianismo" nasceu com Artur
de Oliveira, com quem se reuniam cm um café da rua do
Ouvidor por volta de 1877 ele mesmo, Fontoura Xavier, Teófilo Dias, Francisco Antônio de Carvalho Júnior, c
outros, para ouvi-lo ler Gautier, Banville, Sully Prudhommc, Beaudelaire, com os quais havia convivido em Paris.
Refere-se também à “guerra do Parnaso entre 1880-1881 pelo Di- Ario do Rio de Janeiro, combatendo os românticos, e
a repercussão entre nós, a contar de 1878, da “Escola Coimbrã” (principia em 1865-1866) com Teófilo Braga,
Antero de Quental, Vieira de < .astro, Guilherme Braga, Cláudio José Nunes, Guerra Junqueira, que exerceriam
“alguma influência" sobre cies. Finalmente, faz referencia ao naturalismo e cita Tomás Alves Filho, presente na
"guerra do Parnaso". V. Alberto de Oliveira, entrevista a Prudente de Morais, Neto, em Terra Roxa t OutraJ Terras,
São Paulo, ano 1, n. 7, 17 set. 1926, p. 4, e “O Culto da Forma na Poesia Brasilei- f a . cm Conferências (1914-1915),
diversos autores, São Paulo, Sociedade de Cultura Artística,Ttp. I evi, 1916, pp. 27-31.
!M Alberto de Oliveira, Poesias, cd. cit., pp. 77-78.
ii llcxos do Leconte ele Lisie, Gautier, Banville, dados como amantes do dii
ionário, conforme recomendação de Artur de Oliveira41’. Apesar das
qualidades literárias, esses renovadores não escapam aos ataques dos so-
breviventes do “didatismo” da poesia “científico-filosófica” de compro-
metimento extra-literário, ou dos defensores do naturalismo. Sílvio Romero
aproveita-se da crítica de Zola e Leconte de Lisie, ataca Luís Delfino e seu
“levantismo charlatanesco, incongruente; e, sem perdoar a Machado de Assis,
condena a “impassividade” parnasiana, dando como exemplo .1 "Mosca Azul”,
ao lado de “Trote de Camelos”217 218, enquanto em Portu gal, Fialho de
Almeida, escrevendo sobre Luís Guimarães, se voltava (. (>n tr.i os atacantes do
Parnasianismo:
%
Mas a poesia parnasiana prossegue triunfante. Definem-se princípios da
sua poética, ou melhor de um parnasianismo adaptado e transformado .)
brasileira. Supera a acusação de impassividade sentenciada por Urbano I
)itarte, que opôs o primeiro livro de Alberto de Oliveira - Canções Románticas, aos
dois subseqiientes - Meridionais e Sonetos e Rimas. Bilac reagiu, para esclarecer o
equívoco do crítico, afirmando categoricamente:
217 Vnlemim Magalhães, Subsídios Literários, Rio de Janeiro, Continental de Faro e Lino, 1883, pp. 44 c ss.
Ml, Sílvio Romero, Estudos de Literatura Contemporânea, ed. cit., pp. 276-279.
41. Fialho de Almeida, “Luiz Guimarães”, em Sonetos e Rimas de L. G. J., 2. ed., Lisboa, Tavares Cardoso, 1886, pp. VII-
XXV. A 1. ed. é de 1880.
Nenhum dos poetas da nova geração quer fazer do verso um instrumento sem
vida: nenhum deles quer transformar a Musa num belo cadáver. O que eles não querem
é que a Vénus grega seja coxa e desajeitada e faça caretas em vez de sorrir.
Não houve nunca no Brasil um poeta que tratasse com mais carinho a harmonia
do verso e cultivasse com mais primor o ouro puríssimo da língua portuguesa (...E2.
(2. Apiiit Antônio Constammo, "Olavo Bilac, Estudante em São Paulo”, em Revista Brasileira, Rio de Janeiro, ano I, n. I,
jun. 1941, pp. 183-185.
1.1. V, Machado dc Assis, log. cit., pp. 252-254.
14 V. t )lavo Bilac, Últimas Conferências e Discursos, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1924, p. 21.
220 Cl'. Alberto de Oliveira, “O Culto da Forma na Poesia Brasileira”, lug. cit., pp. 263-288. V. também como páginas
importantes para o estudo da poética parnasiana: do mesmo autor, “A Rima e o Ritmo I,i(,ftcs Prolessadas na
Escola Dramática”, em Revistado Brasil, São Paulo, n. 1, ano I, vol. I. jan. I*>16, pp. 24-30 e n. 3, ano I, vol. 1, mar.
1916, pp. 272-276 e “O Soneto Brasileiro (De
poética repousam na tradição literária interna, sufi- i icntc para assimilar e
reformular as sugestões externas.
Grcgório de Matos a Raimundo Correia)”, em Revista da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, n. 8, 1920; Olavo Bilac e
Guimarães Passos, Tratado de Versificação - A Poesia no Brasil, A Métrica, Gêneros Literários, 8. cd., Rio de Janeiro, Francisco
Alves, 1944; Magalhães de Azeredo, “Nota Necessária a Odes e Elegias", em Odes e Elegias, mesmo autor, Roma, Tip.
Centenário, 1904 (sobre os metros bárbaros e seu uso entre nós).
58, Ainda cabe, porém, assinalar três nomes: 1. Antônio Valentim da Costa Magalhães (1859 a 1903), escritor c
jornalista, figura ativa no seu momento, dedicou-se à poesia (em oposição à poesia realista), á crónica, ao
romance e ao teatro, e se destacou como diretor de A Semana, desde 1891, importantíssima revista literária,
antiabolicionista e republicana. 2. Luís Dclfino dos Santos (1834- 1910). Participou do mundo literário de seu
tempo, com vasta colaboração cm revistas e jornais. Proveniente do Romantismo, passaria pelos parnasianos e
simbolistas, acatado por todos e reconhecido como excelente poeta e exímio sonetista. Com exceção de In Excelsior,
1884, seus demais livros de poesias são de publicação póstuma: Poemas, 1928; Algos e Musgos, vol. 1, s. d.; íntimas e
Aspásias, 1935; A Angústia do Infinito, 1936; Atlante Esmagado, s. d.; Rosas Negras, 1938; Esboço de Epopéia Americana, s. d;
Imortalidade, Livro de Helena, vol. 1, 1941; Imortalidade, vol. 2, 1942. 3. l uís Guimarães Júnior, presença obrigatória em
nossas antologias c cm saraus de declamações com o fitmoso soneto “Visita á Casa Paterna”, talvez por causa da
imediata comunicação ao traduzir a tentativa da memória de recuperar imagens, vozes de um passado afetivo.
EM CRMINHO DR
taz A Lano Ui Mimtonfo
CHRYSALIDAS
POESIAS
i)K
MACHADO DE ASSIS
CO» t'< l'iti:in ...................... ..... curisi) HI.nomi,
V), Machado dc Assis, Poesias Completas - Crisálidas, Falenas, Americanas, Ocidentais, Rio dc Janeiro, ( iarnicr, 1901, p.
30. Alberto de Oliveira, em considerações sobre o verso alexandrino cm língua portuguesa, observa que o
alexandrino clássico, conforme o modelo francês, chegou i poesia pomi-
Depois deste livro virão em 1870, Falenas, cinco anos mais tarde,
Americanas, e finalmente Ocidentais. Reunidos e acrescidos de composições
posteriores, formaram o volume das Poesias Completas, de 1901, de onde se
destacam algumas poesias verdadeiramente antológicas, do lirismo
amoroso à reflexão: os “Versos a Corina”, poemas e sonetos: “Menina e
Moça”, “A Morte de Ofélia”, “O Desfecho”, “Círculo Vicioso”, “Mundo
Interior”, “A Mosca Azul”, “Soneto de Natal”, “Carolina”; além daquelas
em que ele revela seu culto literário a Dante, Camões, José de Anchieta,
Shakespeare, José Basilio da Gama, Víctor Hugo, Edgard Poe, Gonçalves
Dias, Alencar e ao contemporâneo Artur de Oliveira — hoje desconhecido,
mas então proclamado mentor dos jovens parnasianos brasileiros.
A caminho da perfeição, a poesia de Machado de Assis é pautada pela
evolução gradativa, à semelhança da obra do prosador. Depura a forma,
inova o alexandrino, impõe-se como sonetista. Sempre com sobriedade,
cultiva desde temas e motivos americanistas, ao início, e destacase pelo
lirismo amoroso, atinge a intimidade da condição humana, nos convidando
à reflexão conjuntamente com ele. Assumiu uma posição de relevo no
nosso parnasianismo, acrescida da contribuição do crítico. An- tecipador
imediato, colocar-se-á ao lado dos consagrados: Alberto de Oliveira,
Raimundo Correia, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho.
E foi Machado de Assis, como crítico, o primeiro a chamar a atenção
para a poesia de Alberto de Oliveira, estreante de 1878, com Canções
Românticas. Desde então, este poeta preencheria uma longa trajetória, até
1927/1928, ultrapassando os limites históricos do Parnasianismo entre nós.
Já não foi tão longo o percurso de Raimundo Correia, com produção entre
1879 e 1892, e de Vicente de Carvalho, de 1885 a 1912, en-
gucsa provavelmente por iniciativa de Bocage. Outros árcades, Silva Alvarenga, José Basilio da Gama,
usaram o “alexandrino antigo”, à maneira espanhola e italiana. No Brasil, Teixeira de Melo - Sombras e Sonhos
- foi provavelmente o primeiro a cultivar o alexandrino clássico. E caberia a Machado de Assis “deslocar as
pausas clássicas do alexandrino, quebrando-lhe a forma rígida em que se ínteiriçava, alando-o, sutilizando-
o, como neste verso das Crisálidas (1864): ‘Olhar de vida, olhar de graça, olhar de amor’” (em Almanaque
Brasileiro, Rio de Janeiro, Garnier, 1914, pp. 249-251).
(ill Alberto de Oliveira, Póstuma, Rio de Janeiro, Publicação da Academia Brasileira de Letras, 1944, pp, 9-15. Kssa
página vem com a data dez. 1929).
fil Alberto de Oliveira, Meridionais (1879-1888), em Poesias (¡887-1895), 1. série, ed. melhorada, Rio de Janeiro,
Garnier, 1912, p. 269.
Tudo entre nós se extingue e se evola em fumaça,
221 Idem, Poesias, 3. série (1904-1911), 3. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1928, pp. 9-16.
222 Idem, Poesias. 4. série (1912-1925), 2. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1928, p. 7.
223 Idem, Póstuma, ed. cit„ pp. 17-18.
224 Canções Românticas datam de 1878, com produção poética situada entre 1877-1878. É o primeiro a integrar a 1.
ed. das Poesias (1877-1895), 1. série, juntamente com Meridionais (1878-1883) de 1884, Sonetos e Poemas (1884-1886) de
1886, Versos e Rimas (1887-1894), de 1894, Por Amor de uma Lágrima (1885).
AII M - II » ilc
Oliveira, > I Koimos,
ano 2, uni 1*105, n,
10.
e de Fagundes Varela:
74. É certo o que Aloysio de Castro diria de Alberto de Oliveira, ao prefaciar-lhe Póstuma: “Dele se disse
parnasiano, e é certo não se pode separar Alberto de Oliveira de Olavo Bilac e de Raimundo Correia. Mas a
verdade é que não poetou para servir a escolas ou grupos. Fez a poesia que sabia fazer - a alta poesia -,
sentimento, razão e forma, na majestade de uma língua de ouro”, cm Póstuma, cd. cit., pp. 5-6.
75. V. Raimundo Correia, Poesias Completas (org., prefácio e notas de Múcio Leão), São Paulo, Cia. I d, Nacional.
1948, 2 vols. Aí se encontram - ¡Vimeiros Sonhos, 1879; Sinfonias, 1882; Versos e 1 rriõei, 1887; Aleluias (1888-1891),
1891. Reunidos sob o título de Poesias, teve sua 1. ed. em IH9H c a quatta cm 1922.
76 Itimi, big. clt„ pp. 8-9.
K.V Idem, lug. ci(. V. Sinfonias, de 1882. A propósito da discutida originalidade deste soneto, v. a nota do
organizador da edição indicada, Múcio Leão, de pp. 272-277.
H.l No livro seguinte - Versos e Versões- também de 1882, contam-se 20 traduções entre 44 composi ções originais, de
diferentes poetas: Heine, Coppée, Gautier, Victor Hugo, J. Kicltepin, M. Rollímat, J. Autran, Catulle
Mendès, Leconte de Lisle, Le Brilly, Mme. Ackermann.
H4. V, Sinfonias, lug. cit.
HV V. 1‘oesias Completas, ed. cit.; Aleluias (1888-1890), 1891; Poesias Avulsas, reunidas pela primeira voz nesta edição
citada de Múcio Leão.
H(> Versos t!a Mocidade, Porto, Chardon, 1912, reúne Ardenlias (1885), Relicário (1888), Avulsas (1889-1895) c traz
prefácio datado de 1909. Poemas e Canções teve sua primeira edição cm 1908, contudo, entre outras muitas
produções - Rosa, Rosa de Amor... é datada de 1902.
Teixeira, Poesias Completas, São Paulo, Anhembi, 1959. Prefácios de Cassiano Ricardo, Gustavo Teixeira,
presença de Vicente de Carvalho, Ementário.
90, V. Vicente de Carvalho, Páginas Soltas, vol. 1, São Paulo, Tip. Brasil, 1911, pp. 64-65.
91, hlem, lug. cit.
92, V. cm Versos da Mocidade, ed. cit., p. 32, a composição “Spleen”, em que, evocando preferências do momento,
se destaca o seguinte verso: “Sinto ansiarem-me nalma instintos de chacal...”.
também,
frequente no seu
momento, a
paráfrase e a
tradução de
românticos como
Byron ou Victor
Hugo, ou a
inspiração na
tragédia de amor
shakespeareano.
O lirismo
amoroso ainda nesta fase é a descoberta do amor, a sedução que lhe exerce
a formosura jovem. Este impulso, porém, é refreado pela sugestão de
pureza da idade adolescente, donde sobriedade e alegria interior, que se
farão persistentes até à experiência neoclássica de Poemas e Canções, quando
predomina o modelo camoniano. Se diviniza a mulher, e lhe ressalta a
esquivança, também exalta aquela alegria que lhe proporciona o amor.
Tanto assim que, se o amor cessa por qualquer motivo, o poeta se resigna
sem lamúria, ao contrário, aceita o fato como uma consequência de nossa
condição, reconhecida. Daí, às vezes, a retomada da metáfora do pássaro
que chega para depois partir e não
HUÍS voltar, numa evidente reminiscência de Raimundo Corrcia; o u da
ii|;i'si.u) do movimento em contínuo, que não retorna, já da poesia cie »
mnçalvcs Dias; como também lembra este poeta romântico ao louvar a
beleza dos olhos da amada.
Retomando Ardentías, a temática da criança e a morte aparecem pela
primeira vez como contraste que se estabeleceu freqiientemente entre o
esplendor externo da vida e sua decomposição no seio da terra. Projetada >
m “Pequenino Morto”, de Poemas e Canções9\ aquela temática ganha nuira
dimensão, de acentuado toque emocional, pela destruição do pe queno ser
arrebatado à vida e conduzido ao túmulo. Aproxima se do po i ma
romântico, de emoção autobiográfica, de Fagundes Varela,"( .mino do C
àtlvário”. Mas prevaleceria pelos anos 70/80 a visão da vida, tida romo
beleza em oposição à morte, considerada decomposição do corpo cm vci nu
e lama, conforme o vimos em Alberto de Oliveira e Raimundo ( 01 leia,
prenunciando Augusto dos Aaijos, que igualaria uma e outra.
Contudo, o que mais avulta em Vicente de Carvalho dos Poemas e \
( ançõesé a presença da natureza e sobretudo a presença do mar, as quais se
tornarão progressivamente maiores e constantes. O mar, em destaque, t
apreendido desde os aspectos ingénuos do viver praieiro, de sabor qua se
popular, até às impressões de grandiosidade, motivando reflexão, no-
vamente nos revertendo a Gonçalves Dias. Sem dúvida, a sugestão dos
espaços imensos, a ânsia panteísta do poeta:
•M, V. Poemas e Canções, 10. ed., São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1938. A primeira edição é de 1908 e contém Rosa,
Rosa de Amor, de 1902.
94. Idem, lug. cit., p. 236.
OM. V. Poesias, 19. ed., Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1942, contendo Panóplias, Via Linea, Sarças de Fogo,
Alma Inejuieta, As Viagens, O Caçador de Esmeraldas e Tarde (1. cd., 1919). As Poesias, assim constituídas,
tiveram sua primeira edição em 1921.
99. V. Critica e Fantasia, Conferências Literárias, ultimas Conferências e Discursos, Ironia e Piedade, e em
colaboração: Cantos Pátrios, Livro de Leitura, Teatro Infantil, A Pátria Brasileira, Tratado de Versificação,
Livro de Composição, Através do Brasil.
100. V. nota anterior.
É difícil separar dos últimos poetas que aí ficam citados os que se lhes
seguiram. A» duas gerações confundem-se. Machado de Assis (1839-1909) e Luís
Delfino
243 Suo obras básicas para o estudo do Simbolismo, entre outras: Guy Michaud, Message poétique du
symbolisme, Paris, Nizet, 1951 e 1947, 3 vols.,e La doctrine symboliste (Documents), lug. cic.. 1947; Sverni
(oliatiseli, Le symbolisme - Étude sur le style des symbolistes français, Copenhague, linai Munksgaard, 1945;
Alain Mercier, Les sources ésotériques et occultes de la poésie symboliste (IN '0 1914), Paris, Nizet, 1969, 1974,
2 vols.; José Carlos Seabra Pereira, Decadismo e Simbolismo nu Po nia Portuguesa, Coimbra, Centro de
Estudos Românicos, 1975; C. M. Bowra, La Herencia de! Sim Iwlitmo, Buenos Aires, Losada, 1951. E para o
seu estudo no Brasil, sobretudo como documenta çâo, são fundamentais: Andrade Muricy, Panorama do
Movimento Simbolista Brasileiro, 2. cil,, Ilia •Ilia, INL-MEC, 1973, 2 vols., (1. ed„ 1952); e Cassiana Lacerda
Carollo, Decadismo e Simbolismo no Brasil: Critica e Poética (seleção e apresentação de...), Rio de
Janciro/Brasllia, L.ivros Técnico» e Científicos, INL/MEC, 1980, 2 vols. No nosso caso, usamos
independentemente desia» obras por lima questão de uma documentação de fontes primárias que
igualmente se encontram nelas; este i apltulo é uma reclaboração de nosso pequeno ensaio,
“Apontamentos para a História do Simboli» mo no Brasil”, cm Revista da Universidade de São Paulo, n. 1,
São Paulo, 1950, pp. 111-121.
seguidores ardorosos e combativos. Talvez tenha sido Araripe Júnior o
primeiro crítico de destaque a compreendê-los e discuti-los. Em 1893
escrevia para a revista A Semana - em sua segunda fase dirigida por Va-
lentim Magalhães e Max Fleiuss - vários artigos, três anos mais tarde
publicados em volume sob o título Movimento de 1893. Observava que o
acontecimento de maior relevo da vida literária do ano anterior (1892)
havia sido “a tentativa de adaptação do decadismo à poesia brasileira”, sob
a responsabilidade de Cruz e Sousa. Mas, antes dessa tentativa dada como
definitiva, ele mesmo registra outras, de divulgação e adaptação das ideias
simbolistas. É o caso de Medeiros e Albuquerque, em 1887, quando
conseguiu reunir as melhores produções de Verlaine, René Ghil, St. Merril,
Jean Moréas, Mallarmé, e revistas em que Vieille Griffin, Paul Adam,
Charles Viguier e outros difundiam as novas idéias e combatiam o
Realismo. Teriam resultado daí, ainda conforme Araripe Júnior, as Canções
da Decadência1.
Em que consistiu este livro de Medeiros e Albuquerque, com prefácio
datado de 1889? Reúne poesias de 1883 a 1887, dos 15 aos 18 anos de idade,
quando, confessa, desembaraçando-se“das peias do Espiritualismo, exultava em
uma alegria ruidosa e descomedida”. Procedeu, porém, voltado
propriamente para o cientificismo e filosofia daquela década, não obstante
o título do livro, em que a palavra decadência pode remeter de início à
influência possível da poesia simbolista, também dita decadente. Medeiros
e Albuquerque mesmo nos esclarece, em nota final: “O título deste volume
dependeu das poesias com pretensões científicas que há nele e da convicção
filosófica de que a arte tende a desaparecer e precisamente, na Poesia, pelo
Cientificismo”. A composição que abre o livro — “Introibo ad..." - é uma
profissão de fé caricaturando a poesia “científico-filosófica” e o erotismo
“realista”3, mas não encontramos naquele vo-
2. T. A. Araripe Júnior, Movimento de 1893, Rio cie Janeiro, Tip. da Empresa Democrática, 18%, pp.
66-112.
3. V. Medeiros e Albuquerque, Canções da Decadência, Pelotas, Carlos Pinto, s. d., citação de pp. 3,
227 e 5-6. Tem valor documental sobre esta fase da poesia brasileira a seguinte confissão de
I O 2“ PERIODO OU O P E R l o n n w s r i n M » -
I tic CanfStt da
IkuttÜHcia, com poesías
mm-
de I N M l
IH87 e
advertencia di Iliaco de CANCÓES
IK8V.
DA
DECADENCIA
MEDEIROS E ALBUQUEROUE
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lume qualquer relação com o Simbolismo. Neste sentido é mais expressiva
a publicação anterior - Pecados, com produção de 1887-1888, onde Medeiros
e Albuquerque, embora ainda se mostre preso às posições iniciais, nos
oferece duas composições significativas. A primeira é o “Soneto
decadente”, com epígrafe tomada a Verlaine —
Medeiros e Albuquerque em Quando Eu Era Vivo - Memórias (1867 a 1934), ed. póstuma c definitiva, Porto
Alegre, Globo, 1942, pp. 64-65. “Foram desse período os meus dois primeiros livros de versos - Pecados e
Canções da Decadência. O último, embora de poesias que precederam as dos Pecados, saiu após este. / “A
crítica foi muito amável comigo, apesar de eu náo fazer parte de corrilhos literários. / Quem ler os versos que
eu então fiz (é uma distração a que certamenre bem pouca gente se entregará) há de verificar que são muito
sensuais. Em alguns casos, vão quase até a obscenidade. No entanto, toda essa exibição imoral não passava
de literatura: eu era um sujeito castíssimo. [...) Pensava, sobretudo, em dois poemas de que há fragmentos
naqueles livros: um de poesia científica, reminiscência de minhas leituras das Blasfêmias de Richepin,
cantaria a criação dos mundos, a evolução universal e atacaria as ideias religiosas; o outro seria uma epopeia
brasileira no gênero da Légende des Siècles de Victor Hugo e do Espoir du Monde de Haraucourt: poesias
soltas sobre os grandes episódios e os grandes vultos de nossa história, encadeados em ordem cronológica”.
4, Medeiros c Albuquerque, Pecados. Rio de Janeiro, Tip. da Papelaria Parisiense, 1889, citações das
pp, 76 e 161-162.
(Carta escrita por um poeta a 20
de Floreai sendo Verlaine Profeta
r Mallarmé - deus real).
I referindo-se a “tempos malditos”, ao “esquecimento” que envolví i.i
"os Poetas do Sentimento”, ele proclama:
ilonaria os nomes de alguns críticos preocupados com a sua divulgação (...] “Não tardou que os I lureis, nas
suas Enquêtes, os Childs, nos seus a vol d'oiseau, que as Nuevas Antologias, as Revistas e os Magasins se
ocupassem longamente com os novos poetas, e até entre nós houve um Karl Marx, que, pelo Jornal do
Comércio, pretendeu excluí-lo imediatamente das pretensões à partilha do Ocidente*, op. cit., pp. 71-72.
III, V. "1’aris Literário”, em Jornal de Notícias, Bahia, 4 nov. 1892, p. 2. Este texto nos foi cedido por l.izir Arcanjo
Alves.
ilonaria os nomes de alguns críticos preocupados com a sua divulgação [...] “Não tardou que os I lureis, nas
suas Enquêtes, os Childs, nos seus a vol d'oiseau, que as Nuevas Antologias, as Revistas e os Maga/.ins sc
ocupassem longamente com os novos poetas, e até entre nós houve um Karl Marx, que, pelo Jornal do
Comércio, pretendeu excluí-lo imediatamente das pretensões à partilha do Ocidente”, »p. fit,, pp. 71-72.
III, V. “ 1’uris Literário", cm Jornal de Notícias, Bahia, 4 nov. 1892, p. 2. Este texto nos foi cedido por l.izir Arcanjo
Alves.
tiva, a composição de Augusto de Lima de 1890 (ou de antes) - “Corres-
pondências”, reflexo de fato de princípios estéticos fundamentais do
Simbolismo:
251 Esta composição se encontra no segundo livro de Augusto de Lima, Símbolos - 1888-1890, Reproduzimo-la
conforme a edição das Poesias, contendo Contemporâneos, Símbolos, l-uutias Inéditas, Rio de Janeiro,
Garnier, 1909, pp. 136-137.
252 Cassiana Lacerda Carollo liga este grupo, dito dos novos, ao periódico O Pierrot, retificando a informação de
Araripe Júnior, cf. Decadismo e Simbolismo no Brasil - Crítica e Poética. Seleção e apresentação de C. L. C..
ed. cit., vol. 1, p. 491.
II M ni H o um mi i, 1 f\ r-\.
olita, mas evolui para motivos de castelos e duquesas ideais. Araripe Iunior
lhe reconhece tiques decadistas, antes da divulgação do simbolism o no
Brasil, e o aponta como influenciador dos companheiros'253.
Do mesmo grupo, porém comprometido com as renovações natu-
ralistas, Oscar Rosas retoma a proposta de Franklin Távora, de “separa-
tismo" nas letras: “Literatura do Sul” e “Literatura do Norte” 14. Se não i
oiitou com o apoio de todos os simbolistas, apesar de secundado por
< ni/ e Sousa e outros, também não é inteiramente certo, conforme oh
■ i vou Lima Campos, simbolista do momento, que a pretensão deles não
lussava de blague aos meios literários nortistas. Mas a proposta teve re |n
u ussões fora do núcleo de liderança do Rio de Janeiro e apresentava
.ugumentos que refletiam teorias novas voltadas para a influência ilo meio
e das nossas etnias. Quer dizer, sem compromissos com o Siinbolis mo,
prendia-se à teoqa deTaine, atuante na nossa historiografia literária i m
processo. Em segundo lugar, traduzia efeitos da centralização da nossa
vida literária no Rio de Janeiro, de onde dependia o sucesso do escri- ioi
provinciano que se deslocava para ali, em detrimento de sua afirma- i,ao na
província. Vem a propósito o ensaio de Xavier Marques divulgado na
imprensa baiana, colocando esses problemas com lucidez 15. Dessa maneira,
se confirmará com o tempo a crescente importância de uma proposta que
logo deixará de lado a idéia simplista de separatismo.
253 I V. Araripe Júnior, op.cit., pp. 88-90; e Andrade Muricy, “B. Lopes”, em Poesias Completas de U.
Rio de Janeiro, Zélio Valverde, 1945, 2 vols., vol. 1, pp. 19-20. V. nota 16, a seguir.
H <11, Franklin Távora, O Cabeleira — História Pernambucana, Rio de Janeiro, Tip. Nacional, 1876, lob a
indicação: Literatura do Norte - Primeiro Livro; v. aí o prefácio de pp. 5-14. V. também Um (latamento no
Arrabalde - História do Tempo em Estilo de Casa, nova edição, Rio de Janeiro tiarníer, 190.1, igualmente
com a indicação: Literatura do Norte - Quarto Livro; v. prefácio “Ao leitor”, datado de 1881, pp. V-VIII.
IS V, Xavier Marques, “Notas Literárias", “A Fantasia duma Federação Literária - Diferenças Existentes entre a
Literatura do Norte e a do Sul - Questão de Primazias - Necessidade de Descentralização Literária no
Brasil”, em Jornal de Notícias, Bahia, 20 e 22 out. 1890. A cópia destes artigos me lol gentilmente cedida pela
professora Lizir Arcanjo Alves, como resultado de suas pesquisas. V. nota 10.
Incidia na discutida e combatida hegemonia intelectual do Rio de Janeiro e
na conceituação da Literatura Brasileira em termos de geografia literária e
de regionalismo, repercutindo em nossos dias. Desdobrando-se, portanto, a
proposta separatista inicial ganha vulto com implicações na hegemonia
literária da Corte e no regionalismo, um dos problemas mais complexos e
debatidos de nossa historiografia literária até hoje. Aos simbolistas,
interessava realmente o próprio Simbolismo.
A manifestação definitiva de sua implantação no Brasil coube de fato
a Cruz e Sousa, que, ainda conforme Araripe Júnior, procede “no intuito
claro, manifesto, de acompanhar o nefelibalismo português”, publicando
Missal c Broquéis, ambos em 1893254. Ele se impõe desde logo como “chefe” da
renovação, seguido por Saturnino Meireles, Félix Pacheco, Néstor Vítor,
Gonçalo Jácome, Colatino Barroso, Wenceslau de Queirós255, Carlos Dias
Fernandes256, todos, porém, acentuadamente individualistas. Néstor Vítor
também se impõe tornando-se o principal responsável pela interpretação
crítica257.
Mesmo que aqueles simbolistas tenham sido artificiais, eles alimen-
taram uma atmosfera singular, formaram grupos que foram combatidos e
também combateram. Assumiam posições essencialmente divergentes da
forma literária consagrada, também extensivas às artes plásticas. Carlos
Dias Fernandes refere-se à dissidência que, por volta de 1887, houve entre
os alunos da Escola de Belas-Artes no Rio de Janeiro. Dividi-
MIM sc c m dois grupos: “um, fiel à tradição didática dos professores;
■ •ui io infenso aos métodos, que se ali praticavam, jungindo muito à cul-
254 Araripe Júnior, op. cit., p. 90. Em página anterior, ele já havia apontado a projeção do Simbolismo no Brasil
com escala primeiramente em Portugal. Subestimava, assim, o papel de Medeiros e Albuquerque, o de
Gama Rosa e o dele mesmo (idem, ibidem, p. 70).
255 Eloy Pontes, A Vida Exuberante de Olavo Bilac, Rio de Janeiro, José Olympio, 1944, voi. 2., pp. 506 e 509.
256 Carlos D. Fernandes, “Um dos Pintores Dissidentes”, em Amores e Livros, suplemento literário de A Manhã,
ano II, voi. 3, n. 17, Rio de Janeiro, 6 dez. 1942, pp. 263 c 266.
257 Sobre as atitudes iniciais dos simbolistas, ele depôs: "Nós, sobretudo Cruz e Sousa, eu, Emiliano Perneta,
Gonzaga Duque, Colatino Barroso, trazíamos o ar mais desesperado, por antecipação, de quem não confia
na atmosfera em torno. O sentimento inicial nosso era o de que vínhamos declamar, lembrando aquele
grande clássico orador português, para os peixes". Nestor Vítor, “O Suave Convivio“ (livro de Andrade
Muricy), cm O Mundo Literário, ano I, voi. 3, n. Vili, Riode Janeiro, 5 dez. 1922.
I II ». llliUlnim tui
iiii.i clássica as aspirações estéticas dos insurretos”. Décio Vilares, que
■ I<1 luva os dissidentes, formou com Carlos D. Fernandes eTibúrcio de I n
iias o grupo mais achegado a Cruz e Sousa, a quem muito admira- v .mi
como artista e como homem20. E contaram com mais dois companheiros,
pintores revolucionários: Maurício Jubim e Gonzaga Duque,
i MC também crítico de artes plásticas. Chamados insubmissos, aqueles
ii i ist.is se relacionavam estreitamente com outro grupo, de Mário IV «li
meiras, Lima Campos e inclusive Gonzaga Duque. Por esse tempo, liim do
século XIX, Paris, com Verlaine, Moréas, Barrès, Samain e ou lios, era o
centro para onde convergiam todas as atenções. Imitando os I MOCCSCS ,
fazendo o que já haviam feito os simbolistas de Lisboa, i licfi idos por
Eugênio de Castro, os do Rio de Janeiro também instituíram
0 seu François I, que era o Cabaré Pelotense. Sem modéstia, julgavam os
“Magnificenjes da Palavra Escrita”, proclamando-se “Romeiros da
1 si rada de San-Tiago”. Eram ao todo uns vinte e procuravam oportu-
nidades para se exibir em jornais, revistas, editoras, palcos. Pouco tempo,
porém, se mantiveram coesos. Dispersam-se, três ou quatro anos mais
tarde, permanecendo solidários apenas Gonzaga Duque, Mário Pederneiras
e Lima Campos21.
Com uma intensidade sem precedente, fundaram várias revistas,
quase todas de curta duração, sempre ligadas a grupos22. A principal - liosa
Cruz (1901) - ressurgirá em 1904, com a sobrevivência do grupo d<
Saturnino Meireles (então falecido). F. o arremate histórico do simbolismo
no Brasil, uma vez que o consideremos “movimento literário" co- .'II (lurloi D.
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As REALIZAÇÕES SIMBOLISTAS
M V, Nestor Vítor, Obra Critica, Rio dc Janeiro, MEC-Casa de Rui Barbosa, 1969 e 1973, 2 vols.
' l Ronald dc Carvalho aponta como simbolistas Cruz e Sousa, B. Lopes, Emílio de Meneses, Nestor Vllor (ressaltado como
crítico), Fcílix Pacheco, Alphonsus de Guimaraens, Silveira Neto, Mário IVdcrnciras, e prosadores, Cruz e Sousa e
Gonzaga Duque. Nélson Werneck Sodré indica Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens, Nestor Vítor (ressaltado como
crítico), B. Lopes, Mário Pederneiras, Gonzaga Duque, Emílio dc Meneses, Augusto dos Anjos, sendo que este último é
dado Como preso ao cientificismo introduzido no Brasil por intermédio de Portugal. Agripino Gricco i IIa Cruz e Sousa,
Emiliano Perneta, Silveira Neto, Alphonsus de Guimaraens; coloca (conforme o llliilo de um capítulo da obra que
citamos) “entre o Parnasianismo e o simbolismo" os seguintes: Augusto dos Anjos, Raul de Leôni, Alceu Warnosy,
Eduardo Guimaraens, Amaral Orneias, Teodo- iii o de Brito, Alberto Ramos, Pereira da Silva, Belmiro Braga, Olegirio
Mariano, Pinheiro Viegas, Oncstaldo de Penaforte, Atílio Milano, Da Costa e Silva, Cleômenes Campos, Paulo
Gonçalves, (íliveira e Silva, Angelina Macedo, Auta dc Sousa, Cecília Meireles, Lia Correia Dutra; e menciona tomo
sonetistas exímios: Júlio Salusse, Ciro da Costa, Padre Antônio Tomaz, Raul Machado, Aníbal Teófilo. Jaime de Barros
menciona Cruz e Sousa, Emiliano Perneta, Silveira Neto, Mário Pederneiras, Nestor Vítor, Francisco Mangabcira,
Alphonsus dc Guimaraens c Augusto dos Anjos, rsle entre o Parnasianismo e o Simbolismo; como pré-modernistas:
Raul de 1-coni, Hermes Fontes. Pereira da Silva, Da Costa e Silva e vários outros. Finalmente, Edison Lins arrola como
simbolistas os mesmos nomes apontados na obra de Ronald de Carvalho. Ronald de Carvalho, Pequena Hilló- ria tla
Literatura Brasileira, com pref. dc Medeiros e Albuquerque, 2. ed. rev. e aum., Rio de Jtnci ro, Briguict, 1922, pp. 352 e
ss; Nélson Werneck Sodré, História da Literatura Brasileira. 2. cd., Rio de Janeiro, José Olympio, 1940, pp. 201 e ss;
Agripino Grieco, Evolução da Poesia Brasileira, 2, cd., Rio de Janeiro, H. Antunes, 1944, pp. 106-121, 122 e ss; Jaime de
Barros, Poetas do Brasil Rio dc Janeiro, José Olympio, 1944, pp. 111-119, 121 e ss; Edison Lins, História e Critica da Poe-
sia Brasileira, Rio de Janeiro, Ariel, 1937, pp. 189 e ss.
258 Escreve Félix Pacheco: “Quando Cruz e Sousa apareceu com o Missal e os Broquéis, todos se conclamaram contra o esteta
novo e estranho, apedrejando-o como um vazio e campanudo arrumador de frases. Araripe, não. Deteve-se a examinar
longamente aqueles dois livros, que já anunciavam o poder das Evocações, a claridade dos Faróis e a sabedoria dos
Últimos Sonetos". E lembra logo a seguir a reconsideração de Sílvio Romero: “Seis anos depois, na monografia do Livro
do Centenário, Sílvio Romero incluía o negro admirável entre os reis do verso no Brasil, dizendo que ele era a muitos
respeitos ‘o melhor poeta que o nosso país tem produzido’, o verdadeiro ‘ponto culminante de nossa lírica após
quatrocentos anos de existência”’. V. “Recepção do sr. Félix Pacheco”, em Discursos Académicos (1907-11113), vol. 2, Rio
de Janeiro, Civilização Brasileira, 1935, p. 343, e Sílvio Romero, "A Literatura”, cm Livro do Centenário (1560-1900), Rio
de Janeiro, Imprensa Nacional, 1900, vol, I, pp. 110-112.
259 Araripe Júnior, Movimento de Ifi93 - O Crepúsculo dos Povos, Rio de Janeiro, Tip. da F.mprcsa Democriti«. *896,
pp. 90-100.
mas ressalta a expressão próxima da inibição pa tológica. Não aceita ou não
compreende em Cruz e Sousa a revolução sintática. Considera-a um defeito do
poeta, o qual, além do mais, exire mamente sensível às grandes sonoridades
ruidosas. Por isso, embora ad mira que a poesia, como roda a arte, tende ao
absoluto, ao vago, ao indefinido > Cruz e Sousa, contudo, não conseguiu exprimir a
sua dor de maneira a realçá-la em expressão clara. Sua poesia resultou numa
espécie de alucinação, caso único, isolado ou particular, na Literatura Brasileira.
Imitá-la seria impossível, pois ela traduz o que foi o poeta: “um negro bom”,
“sentimental , “ignorante”, “de uma esquisita sensibilidade”, cujos “choques com o
ambiente social resultaram em poesia” 260.
Não resta dúvida de que encontramos muitos pontos de contato entre
Araripe Júnior e José Veríssimo, com a diferença que este último contesta a poesia
simbolista em geral. Caso contrário, José Veríssimo leria reconhecido a poesia de
Cruz e Sousa como expressão própria ilo Simbolismo, marcada exatamente, além
daquela revolução sintática e ila
musicalidade, pela quase alucinação, dada a omissão da ideia e da lógica da
linguagem, além do excessivo individualismo. Em última análise, o crítico se
deixou trair pelo poder da sua intuição, não obstante a frieza e o equilíbrio que
acompanham de ordinário sua análise ou interpretações. E é assim que ele, Araripe
Júnior à frente, e também Sílvio Romero, são o ponto de partida de outras críticas
posteriores, de Néstor Vítor a Andrade Muricy e Roger Bastide261.
Reconsideramos, contudo, que Cruz e Sousa não surgiu sob a influência
imediata do Simbolismo. Bem jovem ainda, pelos dezoito anos, entre 1881-1882,
fundou com Virgílio Várzea, em Desterro, hoje Florianópolis, um jornal de feição
literária, A Tribuna Popular. Seria o começo de sua carreira literária, numa primeira
fase, adepto do Naturalismo e do Parnasianismo, em oposição ao Romantismo.
260 José Ver'“1"'0' Uma Poetisa c Dois Poetas", em Estudos de Literatura Hrasileira, Rio de Janeiro, Garnier, 1907, sexta série,
pp. 176-185.
261 Depois de Araripe Júnior, o simbolismo no Brasil teria seu próprio crítico em Nestor Vítor, também poeta. Divulgador,
como o primeiro, foi orientador ao mesmo tempo dos poetas ligados às novas tendências. Ele se tornaria com a sua
crítica um elemento de ligação com outras novas tendências que viriam com o Modernismo. V. de Nestor Vítor, Obra
crítica de..., Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa-MEC, 1969, vol. I ; A Crítica de Ontem, Rio de Janeiro, Leite
Ribeiro &C Maurillo, 1919; Cartas à Gente Nova, edição do Anuãrio do Brasil, 1924; Os de Hoje, São Paulo, Cultura
Moderna, Rio de Janeiro, Moderna, 1938. De Andrade Muricy, O Suave Convívio. Ensaios Críticos, Rio de Janeiro,
Anuário do Brasil (e outros), 1922, e Panorama do Movimento Sim- bolista Brasileiro, Rio de Janeiro, Instituto Nacional
do Livro - Ministério da Educação e Saúde, 1952, 3 vols. (2. ed., 1973, 2 vols.). De Roger Bastide, “Quatro Estudos sobre
Cruz e Sousa”, “A Nostalgia do Branco”, em A Poesia Afro-brasileira, São Paulo, Martins, 1943, pp. 87-128.
Ainda com Virgílio Várzea, fundaria outro jornal, Colombo. Comporiam um grupo
de novos, dessa vez antecedentes imediatos do nosso Simbolismo que se
manifestaria conscientemente na década de 1890262.
Néstor Vítor aponta a transferência de Cruz e Sousa para o Rio de Janeiro,
entre 1888-1889, como responsável pela transformação do poe-
la sob influências novas, de Schopenhauer, Beaudelaire, Sar Peladon, Villii is. Pouco
depois, ele se proclamaria simbolista radical, então sinónimo de decadismo à
Verlaine, de satanismo à Beaudelaire, de nefeliba- lismo à Eugênio de Castro, até
mesmo de Naturalismo à Flaubert c à ( ioncourt. Exemplifica a poesia simbolista
com Missalc Broquéis, rcco- nlu i idos como iniciadores da revolução do verso entre
nos, até mesmo I>01 parte daqueles que a seguir adotariam o verso polimórfico e a
estro l.içáo assimétrica, renegados por Cruz e Sousa. Deixar-nos-ia inédito o sou
melhor livro, de publicação postuma - Ultimos Sonetos. Depois da morte, em 1898,
passaria a ser cultuado pelos nossos simbolistas"1.
A fase inicial do poeta está documentada pela produção reunida sob a
designação de Inéditos e Dispersos, na seguinte ordem: 0 Livro Denuda n>, Campesinas,
Cambiantese Juvenília1'. No primeiro destes livros ja pir domina uma poesia que
exprime todas as características do Simbolismo. I xprime desprezo pela construção
sintática, gosto pela sequência de subs tantivos e derivados,xde adjetivos do mesmo
campo semântico, tudo vi- s.mdo à musicalidade e a uma atmosfera urbana, quase
mística. Postas de lado as composições posteriores à definição simbolista,
predomina na primeira fase o neobucolismo de Campesinas, em cuja forma
reconhecemos vagamente traços parnasianos; e, sob influência de B. Lopes, agora
em
Kl. Lembramos o grupo da revista Rosa Cruz, lançada em 1901 no Rio de Janeiro e cujo objetivo principal foi o de cultuar a
memória de Cruz e Sousa. Liderada por Saturnino Meireles, contou com a presença de outros simbolistas: Carlos Dias
Fernandes, Gonçalo Jácome, Pereira da Silva, Castro Meneses, Paulo Araújo, Tibúrcio de Freitas, Alphonsus de
Guimaraens, Maurício Jubim, Rocha Pombo, Félix Pacheco. (Cf. Tavares Bastos, nota 45 deste capítulo.
11 A primeira publicação conjunta de obras de Cruz e Sousa é devida a Nestor Vítor, seu prefaciado! c anotador, Obras
262 Este grupo receberia de Gama Rosa uma orientação na linha do evolucionismo spenceriano e do Naturalismo literário.
Comunicar-se-ia com escritores residentes no Rio de Janeiro, como Oscar Rosas, Luís Delfmo, B. Lopes. Em 1885, Cruz e
Sousa lançaria o livro de prosa Tropos e Fantasias, cm colaboração com Virgílio Várzea, que bem mais tarde já cm 1907,
reuniria os versos da primeira fase do companheiro, sob os títulos de Campesinas e Versos Modernos, que seriam
publicados pela primeira vez eni 1945, na edição das Obras Poéticas de Cruz e Sousa, org. de Andrade Muricy, Rio de
Janeiro, INL-MEC, 1945, 2 vols. (I - Broquéis e Faróis, II — Últimos Sonetos — Inéditos Disper- im). V., a seguir, nota 31.
Completas de Cruz e Sousa, Rio de Janeiro. Anuário do Brasil, I923,2vols. (I Poesias - Broquéis - Faróis - Últimos Sonetos, e II
- Prosa - Missal - Evocações). Seguem-se: Poesias Completas de... (revista, com introdução deTasso da Silveira), Rio de
Janeiro, Zelia Valverde, 1944 (Broquéis, Faróis, Últimos Sonetos) reeditados pelas Edições de Ouro, Rio de Janeiro, s. d.i Obra
Completa (org. geral, introdução, notas, cronologia e bibliografia por Andrade Muricy), Rio de Janeiro, Aguilar, 1961 (Poesia -
Broquéis; Faróis; Últimos Sonetos; O Livro Derradeiro: Cambiantes, Outros Sonetos, Campesinos e Dispersos-, Prosa - Tropos e
Fantasias, Missal, Evocações, Várias Outras Evocações, Formas e Coloridos, Dispersos); Poesia Completa (introdução de
Maria Helena Camargo Regis), Florianópolis, Fundação Catarinense de Cultura, 1981 (Cf última edição citada de Andrade
Muricy).
Autógrafo e retrato de Cruz e Sousa, cf. Poesías, Rio de Janeiro, Anuário do Brasil, 1923.
33. Afonso Henriques da Costa Guimarães: constata-se, por parte do poeta, a procura de um nome poético, talvez
por influência do Simbolismo - Afonso Henrique de Guimarães, Afonso Guimarães, Alfonso Guy, Alfonso
Guimaraens, Alphonsus de Guimar, Alphonsus dc Vimaraens, escolhendo, definitivamente, Alphonsus de
Guimaraens. V. de Alphonsus de Guimaraens, Poesias, ed. dirigida c revista por Manuel Bandeira com retrato
do poeta e notícia biográfica e notas por João Alphonsus, Rio dc Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1938,
com 2. ed. aum. por Alphonsus dc Guimaraens Filho, Rio dc Janeiro, Simões, 1955, 2 vols.; e Obra Completa,
org. e preparo do lento por Alphonsus de Guimaraens Filho, introdução geral de F.duardo Portela e notícia
biográfi- i.i de Joio Alphonsus, Rio de Janeiro, Aguilar, 1960.
prosseguem de Câmara Ardente até Pulvis. Mas é no penúltimo livro que publicou - Pastoral
aos Crentes do Amor e da Morte, que se encontram de maneira acabada aquelas como todas as
demais características do poeta. Dá-se aí sua iniciação no verso polimõr- fico e
constata-se outra preferência que vem do início da sua carreira, a das reminiscências
medievais, idealizando nesse passado remoto o cavalheirismo amoroso e a fé
religiosa; acentua-se a expressão terna e comovedora do poeta para consigo mesmo34.
No todo da obra de Alphonsus de Guimaraens não há obscuridade; o poeta é
1-1. Cf. o poema “A Catedral ", do livro Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte, eds. Cits (nota 33 anterior).
Mallarmé35. Apesar de ter vivido a maior parte de sua vida em duas cidades históricas de
seu estado natal — Minas Gerais —, conviveu com o nosso meio literário de parnasianos
a simbolistas, quando estudante em São Paulo, pela década de 1890, e mais tarde, em
contatos com o grupo de Rosa Cruz e da Revista Contemporânea do Rio de Janeiro36. Participou
assim pessoalmente da renovação simbolista, impondo-se entre os renovadores daquela
década para o início do século atual.
Na mesma linha de simplicidade e de fácil comunicação vemos a poesia de Mário
Pederneiras. Nas duas primeiras décadas do século atual, ele participa de grupos e
revistas, ouvindo e orientando, ao lado de Lima Campos, Gonzaga Duque, Colatino
Barroso. Com os dois primeiros, fundou Fon-Fon, em 1908, contando com a colaboração de
Olegário Mariano, Felipe de Oliveira, Hermes Fontes, Álvaro Moreira 37. Teve intensa
atividade literária e jornalística, mas publicou pouco em livros, verdadeiras plaquetes,
conforme o gosto gráfico dos simbolistas: de 1900 a 1921, deixou Agonia, Rondas Noturnas,
Histórias do meu Casal, Ao Léu do Sonho e à Mercê da Vida, Outono’*'. Respondendo a inquérito de João do
Rio, reconheceu em si mesmo influências da poesia de Tomás Antônio Gonzaga e
Casimiro de Abreu3'3. Relacionam-se de fato com esses modelos o neobucolismo e o
caráter intimista, voltado para o campo, o
35. Cf. eds. cits., nota 33 deste capítulo e Henriqueta Lisboa, Alphonsus de Guimaraens, Rio de Janeiro, Agir, 1945.
36. Quando estudante na Faculdade de Direito de São Paulo, a partir de 1890, trabalhou no Diário Mercantil, no
Comércio de São Pauto, no Correio Paulistano e sobretudo em O Estado de S. Paulo, onde, na seção “Parnaso”,
publicou vários poemas. Também manteve contatos com parnasianos, chegando a colaborar em O Vassourense,
jornalzinho mantido por Raimundo Correia em Vassouras, estado do Rio de Janeiro, com colaborações de Olavo
Bilac, Coelho Neto, Júlio Ribeiro, Alberto de Oliveira (cl. estudos nas edições citadas, nota 33 deste capítulo).
37. Antes disso, Mário Pederneiras, em 1895, estava ligado à Rio Revista, logo depois ao jornal Mercúrio, com
colaborações de Raul Pederneiras, Julião Machado e Benedito Calixto, artistas plásticos, que ilustraram algumas
composições do poeta. Em Fon-Fon manteve as seções “Crónicas”, “Bilhetes a Cora”, “Notas de Bom-humor”,
“Diário das Ruas”. Também colaborou no Novidades e na Gazeta de Notícias, todos do Rio de Janeiro. Cf
depoimento de Mário Pederneiras em O Momento Literário, de João do Rio, Rio de Janeiro, Garnier, s. d., pp. 214-
216.
38. Cf nota anterior.
39. João do Rio, O Momento Literário, ed. cit., v. depoimento citado de Mário Pederneiras.
I romiipício do RontLu
Nnturnus, capa c ilustrações
ili| Raul Pederneiras.
263 Andrade Muricy, Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, 2. ed„ cit., vol. II, pp. 1208-1212.
4 I, V. Antonio Dimas, Rosa-Cruz, Contribuição ao Estudo do Simbolismo, São Paulo, Universidade dc São Paulo,
FFLCH, Boi. 31 (Nova série), Curso dc Literatura Brasileira, J, 1980.
simbolistas:
Manda-me também os teus novos versos, temos a “Rio-revista para publicá-los, para ter
a honra, o orgulho de os compor em tipo elzevir, e os imprimir em cetinoso papel branco como
os linhos claros ao luar de Junho265.
265 Gonzaga Duque, “Carras Inéditas de Gonzaga Duque”, em Terra de Sol, Rio de Janeiro, 1924, voi. I, p. 29. E a
Rio-Revista, como as demais revistas simbolistas, seria de efémera duração. Causas principais: dificuldades
financeiras, exigências relativas ã feição material do periódico e à colaboração literária. Os trechos de cartas
transcritos já nos sugerem isso mesmo. E é sabido como em vão tentariam fundar revistas que não passavam
de simples projetos.
I I. A. Austregésilo, “Reminiscências do Simbolismo”, em Autores e Livros, suplemento literário de A Matthä,
ano II, voi. 3, n. 12, Rio de Janeiro, 18 out. 1942, p. 186.
diariamente nos cafés ou na Rua do Ouvidor, para discutir valores, nomes
estrangeiros e nacionais já consagrados, usando e abusando da i xprcssão medíocre.
Sentiam-se orgulhosos e ao mesmo tempo insatisfeitos: para eles “não havia grandes
brasileiros: tudo, rasteiro e trivial ".
Atitudes idênticas seriam retomadas pelo último grupo entre os mais ex pn
ssivos do Rio de Janeiro, formado por volta de 1901, com o objeiivo pu cí puo de
reavivare homenagear a memória de Cruze Sousa. Fundariam .1 ie\ IM.I liosa Cruz.
Aparecida em junho, manteve-se até setembro daquele ano, atin 1 indo o quarto
número. Ressurgiria mais tarde, de junho a agosto de I90 i, quando foram
publicados mais três números. Este grupo, a que podemos 111.1
m.11 da Rosa Cruz, chefiado e inspirado por Saturnino Meireles, contou com .1
participação de Carióos D. Fernandes, Conçalo Jácome, Pereira da Silva, (lastro
Meneses, Paulo Araújo, Tibúrcio de Freitas, Alphonsus de Guimaracns, Mau rício
Jubim, Rocha Pombo, Félix Pacheco. Acrescentem-se, como simples colaboradores
da revista, na primeira fase: Luís Delfino, Cabral de Alencar, Rafae-
I111.1 de Barros, João Andréia, Colatino Barroso, Carlos Góis, Archangelus de
Cuimaraens, Miguel Melo e Amadeu Amaral; na segunda fase: Flávio da Silveira,
Mário Tibúrcio Comes Carneiro, H. Malaguti, Bernardes Sobrinho c Roberto
Gomes267 268. E quase todos os nomes acima já foram mencionados anteriormente: o
grupo não passava, portanto, de uma sobrevivência dos anterio res, os quais, por sua
vez, se interpenetram.
A Rosa Cruz apresentava um programa de intransigente guerra aos metía Hiñes e
contra a burguesia endinheirada, conforme sua linguagem e exprimia ódio ao que os
simbolistas em geral chamavam - profundus vulgus. Sousa Ban deira também a menciona
como tendo sido urna revista dedicada unicamente à arte269. Seu mantenedor,
Saturnino Meireles, e colaboradores não admitiam anuncios, mesmo que fossem
disfarçados em versos, conforme procedimento de outros periódicos. Idealismo e
270 Destacamos o seguinte trecho: “(...] continuo exilado entre as paredes do meu quarto, tendo somente a
consoladora companhia de Macterlinck, Emerson, Carlyle, Novalis, Helio, Swedenborg, Platão, Spinosa,
Pascal e tantos outros que das minhas estantes me ensinam a ter sábia resignação de rudo aceitar com um
sorriso nos lábios. E por isso eu encontro sempre uma desculpa para todos vocês que me não procuram. Mas
agora preciso de ti um conselho: que hei de fazer para sair o 3o número da Rosa-Cruz, se tu mesmo e todos
os demais companheiros náo me vêm animar com a sua presença, com o produto do seu espírito e com os
meios pecuniários necessários? Manda-me um trabalho teu, a contribuição que prometeste e vem até cá,
para não assistirmos aos Riñerais de tão bela revista”. E cm outro trecho de uma segunda carta: “[...) manda-
me o teu trabalho e o mais que prometeste; mas caso só tenhas o trabalho, manda só o trabalho. Não
compreendes o quanto luto para dar essa revista. Além de falta de recursos, falta o auxílio espiritual”. Apud
Tavares Bastos, lug. cit.
4H. Sousa Bandeira, lug. cit.
ligado o grupo cujos nomes já foram indicados como diretores desta revista. Em
Salvador, presos á Nova Cruzada, continuada por Os Annaes, mencionam-se os nomes de
An lun de Salles, Caldino de Castro, Carlos Chiacchio, Godofredo Viana, I r.musi o
Mangabeira, Pedro Kilkery, Pethion de Villar (Egas Muni/ Barreto de Arag.io) e
outros. Em Belo Horizonte, compõe-se um grupo em princípios do século, nomeado
“Romeiro do Ideal”, com Edgar Mata, Álvaro Viana, Eduardo ( ri queira, Carlos
Raposo, Alfredo Sarandy Raposo, Archangelus de Vim.ir.iens, que se correspondia
com Alphonsus de Guimaraens e também com I TCÍI . IS Valle, ambos em São Paulo.
Contava com as revistas Horus, a principal, de 1902, precedida dcç Minas Artística, de
1901, e seguida por A Época, de 1905. São Paulo não fundaria revistas, mas contaria
com a “Página Literária”, sema nal, do Diário Mercantil com a colaboração de Scveriano
de Resende, Alphonsus de Guimaraens, que estudava na Faculdade de Direito,
Wenceslau de Queirós, Leo Fonseca, além de nomes de fora, corno Cruz e Sousa,
Virgílio Várzea, Emiliano Perneta. E, em 1906, aqueles três primeiros, mais Adolpho
Araújo, fundariam A Gazeta. Mas, é curioso considerar a Revista do Brasil em fins do
século, sob a direção de Cunha Mendes, com Carvalho Aranha, Amadeu Amaral e
Teófilo Dias, além da colaboração também de fora, de Araripe Júnior, Adolfo
Caminha, Figueiredo Pimcntel, Júlio Perneta, Emiliano Perneta, Silvei ra Neto,
Dario Veloso70. No Ceará, como reflexos mais gerais da renovação i i cntífica,
filosófica e literária a partir dos anos 70, depois da “Academia I rance 272 273
sa”( 1873-1875) — agremiação que se faria paralela ao movimento da “Escola do
Recife” —, organizar-se-ia a “Padaria Espiritual” (1892-1898), da qual Araripe
Júnior, apreciando o movimento literário de 1893, apontaria a produção poética de
Lopes Filho e Sabino Batista274. Reconsiderado por Sânzio de Azevedo, foi Lopes
Filho quem estampou no periódico da “Padaria Espiritual”
- O Pão, o soneto - I — sob o título da série “Musa Nefelibata”275. Pretende assim que
272 Andrade Muricy, lug. cit. V. também Cassiana Lacerda Carollo, op. cit., vol. I, pp. 211-305.
273 V. Andrade Muricy, Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, ed. cit., 2 vols.; Cassiana Lacerda
Carollo, Decadismo e Simbolismo no Brasil, ed. cit., 2 vols"; Cecília de Lara, Nova Cruzada (contribuição para
o estudo do pré-modernismo), São Paulo, Instituto de Estudos Brasileiros-USP, 1971; Antônio Dimas, Rosa-
Cruz (contribuição ao estudo do simbolismo), ed. cit.
274 V. Araripe Júnior, op. cil.tpp. 100-112. Também faz referência a Clóvis Beviláqua, que não pertenceu àquela
agremiação.
275 V. O Pão da Padaria Espiritual, ed. fac-sitnilar (introdução de Sânzio de Azevedo), Fortaleza, Edições
este soneto seja um marco inicial que comprovaria a independência de
manifestações simbolistas no Ceará com relação a núcleos irradiadores do sul,
notadamente o Rio de Janeiro. O Simbolismo ali teria surgido sob a influência direta
de Portugal, com Antônio Nobre, embora cite Antônio Sales que, em prefácio ao
livro de Lopes Filho — Phantos, reconheceria neste poeta influências conjuntas dos
mestres franceses do Simbolismo, ao lado de Eugênio de Castro e Antônio Nobre 276.
Sânzio de Azevedo indica ainda outros simbolistas cearenses
— Tibúrcio de Freitas, Cabral de Alencar e Lívio Barreto, considerando este último o
mais expressivo de todos, com o livro de publicação póstuma — Dolentes277. Quanto ao
Rio Grande do Sul, a repercussão do Simbolismo se dá um pouco tardiamente, já
pela primeira década do século atual278.
Universidade do Ceará, 1983. Circulou, irregularmente, em 1892 (6 números) e de fins de 1895 a 1896, com 30
números, totalizando, pois, 36 (na edição citada falta o n. 6). O soneto “Musa Nefelibata - I - Antônio Sales”,
encontra-se no n. 3, ano I, p. 6.
52. V. Sânzio de Azevedo, A Padaria Espirituale o Simbolismo no Ceará, Fortaleza, Secretaria de Cultura e
Desporto do Governo do Ceará, 1983, pp. 42-43 e ss. e p. 146 e ss. O livro de Lopes Filho (João Lopes de
Abreu Lage), Phantos, foi editado em Fortaleza, Padaria Espiritual Editora, Ttp. Universal, 1893, com “Carta-
prefácio” de Antônio Sales.
277 Idem, Padaria Espiritual (1892-1898), Fortaleza, Imprensa Universitária, 1970, p. 28; v. também do mesmo
autor A Academia Francesa do Ceará (1873-1875), lug. cit., 1971, e O Centro Literário (1894-1904), lug. cit.,
1972; e Leonardo Mota, A Padaria Espiritual, Fortaleza, Edésio, 1938.
278 Observa Guilhermino César: “Cruz e Sousa, vizinho de Florianópolis, Alphonsus de Guimaraens, mineiro, e
o grupo de O Cenáculo, de Curitiba, lograram rápida difusão em Porto Alegre e no interior do Estado.
Eugênio de Castro, Antônio Nobre e mesmo Cesário Verde haviam encontrado também ressonância entre os
nossos poetas do novo século, penetrando-lhes profúndamente a sensibilidade, acordando-os para a batalha
do anti-materialismo". E logo a seguir considera, também, as influências “francesas e belgas - Verlaine,
Rodenbach, Samain -, sobretudo a partir de Eduardo Guimaraens, cuja estréia em livro se dá em 1908”,
História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902), Porto Alegre, Globo, 1956, pp. 392-393.
CAPITULO X
I. O REALISMO-NATURALISMO
279 Alberto de Oliveira, “O Culto da Forma na Poesia Brasileira”, lug. cit., p. 272.
E o Visconde de Taunay, embora reconhecendo que o Naturalismo já havia
deitado raízes maiores em Portugal que no Brasil, coloca-nos “quase que
diretamente sob a influência das idéias parisienses”, ao mesmo tempo que informa:
O crime do Padre Amaro foi para Portugal a revelação de Zola, quando no Rio de Janeiro já
era muito lida e comentada a obra do ilustre realista280.
280 Visconde de Taunay, Brasileiros e Estrangeiros, ed. cit., p. 24. Obs.: No prefácio a esta edição, Afonso
dclaunay adverte tratar-se de uma reedição dos Estudos Críticos de Alfredo de Taunay, editados em 1883 c
publicados antes na imprensa do Rio de Janeiro, notadamente na Gazeta de Notícias. É provável que os
artigos sejam de 1880, ano do lançamento do romance Nana, ou de um pouco depois, a propósito do qual o
escritor brasileiro critica o naturalismo de Zola.
281 Machado de Assis, Crítica Literária, ed. cit., pp. 160-185.
alcance ou distorção foi tão deba- i ido na época. Tocava-se no ponto que talvez
tenha sido o mais visado: a sedução que a descrição minuciosa dos “latos viciosos”,
descrição “quase técnica, das relações adulteras” exerceria sobre o leitor282 283.
Ampliando a crítica aos compromissos do Naturalismo com a t iên cia da
época, não é outra a posição do Visconde de Taunay ao escrevei sobre Nana, romance
então de impressionante sucesso na França e igual mente de repercussão mundial.
Apesar de apoiados na ciência e na filo sofia, conforme o indica, com Darwin e
Haeckel, Comte e Spenccr, Taunay acentua a “inconveniência desses estudos
naturalistas que gene ralizam fatos destacados e, de um tipo quase sempre mau e
odiento calcado em circunstâncias especiais, inferem a feição, a expressão última e
completa de uma classe, de uma sociedade inteira e até de uma nação” Voltados
para uma visão dos “fenômenos teratológicos, quer de ordem física, quer moral”,
enfatizando as descrições lúbricas e sensuais da prática sexual, para ele os
naturalistas não reconheciam na condição humana o antagonismo dominante do
bem e do mal. Quanto à dependência da ciência em que se colocava então a
literatura, ele defendia a autonomia da última, ressaltando sobretudo a força do
estilo que a caracteriza e, portanto, a distingue284.
Uma terceira posição nos é dada pela crítica polêmica de Sílvio Romero.
Destaca-se com o opúsculo O Naturalismo em Literatura, em que cita diretamente, além de
romances de Zola, os Documents littéraires e l.es romanciers naturalistes, conhecidos também dos
críticos anteriores. Dis-
[...] O trecho é instrutivo, e eu chamo para ele a atenção de alguns realistas brasileiros
que jogam nas páginas dos jornais uma gíria grosseira, falsa e fátua na sua pretensiosidade de
naturalismo. Antes de tudo a verdade, a lógica, o bom senso e o talento. Zola tem razão
quando escreve: Dans le mouvement naturaliste qui s’opére, on prend trop souvent l’audace
pour la verité. Une note crue n’est pas quand même une note vraie286.
285 Considere-se no seu todo o ensaio de Sílvio Romero - O Naturalismo em Literatura, aqui apenas
parcialmentc citado pelo seu interesse imediato de conceituação brasileira do naturalismo. V. nota seguinte.
H. Silvio Romero, O Naturalismo em Literatura, São Paulo, Tip. da Província de São Paulo, 1882, pp. 11 e ia.,
citação da p. 12.
287 Urbano Duarte, “O Naturalismo”, em Revista Brasileira, Rio de.Janeiro, Midosi, 1880, ano II, t. V, pp. 2S-30,
citação da p. 27-28. José Veríssimo também, embora mais tarde, teria visão idêntica - v. História da
Literatura Brasileira, cd. cit., pp. 9 e ss., v. nota 5, anterior.
1'MMKIUO ANNO
TOMO 1'IIIM UI I 1« O
Velha verdade que o amor e a glória são as duas forças principais da terra".
288 Resumimos sobre Machado de Assis o que já desenvolvemos no nosso ensaio Realidade eIlusão em
Machado de Assis, São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1969.
289 V. o subcapítulo “3. Folhetim/Crônica/Revista ou Hebdomadário” do capítulo VII - A Produção Literária do
Romantismo de Época.
290 Machado dc Assis, Obras Completas, Rio de Janeiro, Aguilar, 1950, voi. 3, p. 566.
17. Idem. ibidem, p. 659.
conflito com o amor, demonstrava, portanto, que rsias duas aspirações tanto
uniam quanto dividiam os homens. Mas é pre- i iso ponderar que Machado de
Assis, seja como homem ou escritor, abor in ia o poder e a glória em suas
múltiplas manifestações. Lembremos tre
i ho de carta íntima, de março de 1868, à sua futura companheira:
Para não mentir, direi que o que me impressionou, antes da eletricidade, foi
o gesto do cocheiro. Os olhos do homem passavam por cima da gente que ia no meu
bond\ com um grande ar de superioridade. Posto não fosse feio, não eram as prendas
físicas que lhe davam aquele aspecto. Sentia-se nele a convicção de que inventara,
não só o bond elétrico, mas a própria eletricidade. Não é meu ofício censurar essas
O código, como não crê em feitiçaria, faz dela um crime, mas quem diz ao
código que a feitiçaria não é sincera, não crê realmente nas drogas que aplica e nos
bens que espalha? A psicologia do código é curiosa. Para ele, os homens só crêem
aquilo que ele mesmo crê; fora dele, não havendo verdade, não há quem creia
outras verdades - como se a verdade fosse uma só e tivesse trocos miúdos para a
circulação moral dos homens19.
lava “a convicção de não ter nada” sem qualquer “ambição de possuir in.iis". 1\
lembra em oposição a conhecida anedota do cidadão pobre de Atenas que se
julgava dono de todos os navios que aportavam no Pireu, p.ii.i concluir:
A lição é que não peçais nunca dinheiro grosso aos deuses, senão com a
cláusula i q nessa de saber que é dinheiro grosso. Sem ela, os bens são menos que
as flores de um dia. Tudo vale pela consciência. Nós não temos outra prova do
mundo que nos i rn a senão a que resulta do reflexo dele em nós: é a filosofia
verdadeira. [...] A veril.i de, porém, ó o que deveis saber, uma impressão interior’0.
C) essencial aqui é dizer que não faço confissão alguma, nem do mal, nem ilo hem. Que mal
me saiu da pena ou do coração? Fui antes pio e equitativo que rigoroso c injusto. Cheguei à elegia e
à lágrima, e se não bebi todos os Cambarás c Jataís deste mundo, é porque espero encontrá-los no
outro, onde já nos aguardam os xaropes do Mosque e de outras partes. Lá irá ter o grande Kneipp, e
anos depois o Kneíppismo, pela regra de que primeiro morrem os autores que as invenções. Há
mais de um exemplo na filosofia e na farmácia.
Não tireis da última frase a conclusão de ceticismo. Não achareis linha cùfica nestas minhas
conversações dominicais. Se destes com alguma que se possa dizer pessimista, adverte que nada há
mais oposto ao ceticismo. Achar que uma coisa é ruim, não é duvidar dela, mas afirmá-la. O
verdadeiro cético não crê, como o dr. Pangloss, que os narizes se fizeram para os óculos, nem, como
eu, que os óculos é que se fizeram para os narizes; o cético verdadeiro descrê de uns e de outros.
Que economia de vidros e de defluxos, se eu pudesse ter esta opinião!293
Em suma, o que Machado de Assis diria de Renan - “tão plácido para com as
fatalidades, tão prestes a absolver as coisas irremissíveis" - transpõe-se perfeitamente
para ele mesmo.
O crítico, solidamente fundamentado em princípios da teoria literária de fins do
século XVIII para o XIX, completaria com o cronista o preparo e a capacitação do
ficcionista. O pequeno ensaio - “O Passado,
desentranhar deles mil riquezas, que, à força de velhas se fazem novas, nao me partee que se deva desprezar. Nem tudo
tinham os antigos, nem tudo têm os modernos: com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio
comum' .1
usos peculiares da sociedade em que nasce, [por outro lado, a obra de arte requer] que o poeta
O realismo não conhece relações necessárias, nem acessórias, sua estética é o inventário“6.
Pelo que diz respeito às letras, o nosso instinto é ver cultivado, pelas musas brasileiras, o
romance literário, o romance que reúne o estudo das paixões humanas aos toques delicados e
originais da poesia, — meio único de fazer com que uma obra de imaginação, zombando do açoite
do tempo, chegue inalterável e pura, aos olhos severos da posteridade2'.
O drama existe, porque está nos caracteres, nas paixões, na situação moral dos personagens;
o acessório não domina o absoluto28;
SI. Cl. Raimundo Faoro, Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio, ed. cit.; Flávio Loureiro Chaves, O Mundo Social de
irtlor tu lUlahts - Forma Literária e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro, ed. cit.
1948
i l l M | H l i f i » I \t \ / \ I I i\ n n o f n n n k i A n w u m » A r i k p . t i A H *
Tornava-se fundamental demonstrá-la também em nível social, con-
frontando o homem com o homem no jogo das ambições e competições.
I o que Machado de Assis faz em Qtiincas Borba. Como complementado de
Memórias Póstumas de Brás Cubas e relacionado com a parte fraca di espécie a
ser eliminada, Quincas Borba derivaria explicitamente do nexo proveniente
daquele egoísmo seletivo, demonstrado no romance anterior e teorizado
pelo “filósofo” Quincas Borba. A partir daí, propon- • lo se uma análise de
fora para dentro, impunha-se necessariamente a uansformação do eu-
narrador em ele-narrador. Em ambos os casos, o autor prossegue sem
exercer a sua função de conhecedor onisciente da quclcs universos. É antes
um observador, cujo ângulo de visão é igual ao do leitor, ou simultâneo.
Para manter o direito de comentar em pé de igualdade, ele renuncia ao
poder de interferir na autonomia dos univci sos interpenetrados de cada
um dos dois romances.
Em Dom Casmurro, propõe-se a visão sintética da aproximação do amor
e da glória. Mas^a perspectiva harmoniosa será desfeita pelo coníli to
moral e afetivamente inconciliável, latente nas raízes, de maneira a
desencadear um desfecho irreversível. Confronta, portanto, dois proce-
dimentos, o do amor e o da glória, destacando o primeiro como ângulo di'
visão dominante. Ao contrário, em Memórias Póstumas de Brás Cubas e Quincas
Borba a glória foi dominante e desindividualizada. Em Dom Casmurro, a
individualização desta visão faz com que o contexto da sociedade
contemporânea, em que se situa o romance, seja enfatizado como
condicionador da conduta em procura da glória. Torna-se fundamental o
delineamento de uma sociedade em mudanças, com a ascensão da classe
burguesa, envolvendo os impulsos de glória, situação até certo ponto
também reconhecível em Quincas Borba. Quanto aos do amor, embora
equacionados com a sociedade tradicional, base daquele contexto em
mudanças, na verdade mergulham adentro do universo existencial. Assim,
a sobrevivência da ilusão repousa na possibilidade do reconhecimento da
verdade de cada um em função da reciprocidade. Se triunfa a
incomunicabilidade, a ilusão se desfaz ou se retrai, deixando fluir o po-
absoluta frieza, livre, pois, de envolvimento emocional abrangente, isto é,
correspondente ao todo do percurso existencial. Quer dizer, cada ação ou
reação tem a sua emoção no instante em que elas ocorrem e cessam com
elas, naquele mesmo instante, conforme Machado de Assis. Elas são,
portanto, isoladas no seu presente, sem antecedentes e sem futuro, sem
possibilidade de permanência conseqiiente ou de duração interior. Dessa
maneira, a trajetória do personagem morto, memorialista, se confunde com
a geral, a da espécie, acentuando-se a sucessão inesgotável de contradições,
incoerências, ambições, vaidades, derrotas, triunfos etc., num desfde sem
fim. O famoso capítulo do delírio de Brás Cubas, figurando o escoar
incessante, seria a sua representação sintética a ser posta em confronto com
a do protagonista-memorialista, conforme o todo da narrativa. De tal
forma, o universo de Brás Cubas, não mais individual ou do personagem,
se projeta abrangente. O seu eu, como eu-narrador, não se faz
propriamente o eu do memorialista, pois este poderia ser emocionalmente
envolvido. É antes o eu do indivíduo versus espécie, ambos empenhados na
luta fria da sobrevivência amparada pela seleção dos egoísmos individuais,
isto é, pelos mais fortes e dominadores. E como há seleção, há eliminação.
A luta, porém, é mais subentendida do que explícita em Memórias Póstumas
de Brás Cubas. A rigor, Brás Cubas a neutraliza, abdicando do amor e da
glória, ao pressenti-los irreconciliáveis e admitindo que o que mais valia
era a aparência. Resulta pôr-se em competição não com o seu semelhante,
mas em competição com a própria vida, acatando o fim com o humor, ou
os fins repetidos, para observar triunfalmente o espetáculo, também
repetido, da competição entre os homens. Era, pois, uma maneira de
dissecar as intenções da vida de cada um, até o desafio final do balanço
com o vazio da solidão. Dada a condição neutra em que aí se colocam os
competidores, o “haver” e o “deve” não poderiam ser nem de triunfo nem
de derrota, fosse dele Brás Cubas, ou da vida, isto é, da espécie. Apenas
ficava implícito que a luta entre os homens seria em última análise uma
projeção do instinto de preservação.
lòrnava-se fundamental demonstrá-la também em nível social, con-
frontando o homem com o homem no jogo das ambições e competições.
I o que Machado de Assis faz em Quincas Borba. Como complementario dc
Memórias Póstumas de Brás Cubase relacionado com a parte fraca >l.i espécie a
ser eliminada, Quincas Borba derivaria explícitamente do u> so proveniente
daquele egoísmo seletivo, demonstrado no romance anterior e teorizado
pelo “filósofo” Quincas Borba. A partir daí, propondo sc urna análise de
lora para dentro, impunha-se necessariamente .1
n.iiislormação do eu-narrador em ele-narrador. Em ambos os casos, o
.•(itoi prossegue sem exercer a sua função de conhecedor onisciente da
>pieles universos. É antes um observador, cujo ângulo de visão é igual a>>
do leitor, ou simultâneo. Para manter o direito de comentar em pe de
igualdade, ele renuncia ao poder de interferir na autonomia dos uiiivei ■.os
interpenetrados de cada um dos dois romances.
Em Dom Casmurro, propõe-se a visão sintética da aproximação cio
amor e da glória. Mas a perspectiva harmoniosa será desfeita pelo conlli lo
moral e afetivamente inconciliável, latente nas raízes, de maneira a
desencadear um desfecho irreversível. Confronta, portanto, dois proce-
dimentos, o do amor e o da glória, destacando o primeiro como ângulo de
visão dominante. Ao contrário, em Memórias Póstumas de Brás Cubas e (guineas
Borba a glória foi dominante e desindividualizada. Em Dom Casmurro, a
individualização desta visão faz com que o contexto da sociedade
contemporânea, em que se situa o romance, seja enfatizado como
condicionador da conduta em procura da glória. Torna-se fundamental o
delineamento de uma sociedade em mudanças, com a ascensão da c las se
burguesa, envolvendo os impulsos de glória, situação até certo ponto
também reconhecível em Quincas Borba. Quanto aos do amor, embora
equacionados com a sociedade tradicional, base daquele contexto em
mudanças, na verdade mergulham adentro do universo existencial. Assim,
a sobrevivência da ilusão repousa na possibilidade do reconhecimento da
verdade de cada um em função da reciprocidade. Se triunfa a
incomunicabilidade, a ilusão se desfaz ou se retrai, deixando fluir o po-
tendal de solidão que a acompanha, como condição primordial do homem.
Machado de Assis, ao admitir que o “eu” se reconhece no “ele” — ou seja,
pela sua projeção na realidade exterior — fazia pressupor a corres-
pondencia do “ele”, como ilusão ou não, mas de qualquer forma necessária
para compor o par ou alimentar a reciprocidade. Mas o mito poderia ser
confundido, isto é, a falsa correspondência de um poderia responder à
ilusão do outro, ainda que ambos - mais o segundo do que o primeiro —
estivessem sujeitos à derrocada de seus universos ideais.
No confronto amor e glória, exposto em Dom Casmurro, dissemos que o
ângulo dominante é o do amor, com sua carga subjetiva e existencial,
donde a escolha que Machado de Assis novamente faz do eu-narra- dor.
Procede à semelhança do que fez em Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas ao
mesmo tempo em oposição. Ainda mais, acentuado o subjetivismo daquela
narrativa, firma-se a impossibilidade do eu-narrador penetrar na verdade
do “ele”, ressaltando-se conseqüentemente a condição essencial do ser
solitário, isto é, a incomunicabilidade. Quer dizer, o eu-narrador,
memorialista, ao reconstruir sua existência, reduz a verdade de outros ao
ângulo dele mesmo, não reconhecido por aqueles. Sendo a verdade de
Capitu a verdade dela mesma, a verdade que dela delineia Bentinho passa
a ser a do próprio Bentinho. Ou por outra, desde que ele desfaz a aparência
de correspondência à sua ilusão de amor, à medida que também
aparências exteriores concorriam para isso, gerando incertezas ou dúvida,
a verdade que se tenta recompor sob a ação da dúvida é existencialmente
de quem assim procede. Nesse sentido, a narrativa não deixa transparecer
nada proveniente de Capitu, notadamente em discurso direto, de maneira
que se possa recompor a verdade moral e afetiva dela paralelamente com a
verdade de Dom Casmurro. Mesmo o seu impulso para a glória,
alimentando a ascensão social, só pode ser analisado através dos dados de
Bentinho, isto é, do eu-narrador. Torna-se importante, também, a
visualização do universo ficcional. Nesse sentido, oferece-se um tríplice
ângulo de visão: o de Bentinho, enquanto Bentinho, projetando- se da
infância à velhice solitária - que seria a de Dom Casmurro -, deli-
ncando a ilusão enquanto ela lhe parecia correspondida; o de Bentinho
ir.msformado em Dom Casmurro, da velhice solitária à infância, minado
pela dúvida e derruindo a ilusão de Bentinho; e o do narrador igual a
leitor, pois aquele deixa livre para este, ou admitir a incomunicabilidade
igual à solidão, reconhecendo portanto a verdade de Dom Casmurro,
apesar da dúvida; ou optar pela aparente verdade de Capitu, rejeitando a
dúvida de Dom Casmurro. Pelo autor, diríamos que a escolha é secun-
daria, uma vez que importa existencialmente a verdade de cada um, con-
siderada em si mesma. Por isso o romance não propõe julgamento mo ul,
mas sim a superação do conflito que destruiu a ilusão existencial,
lemetendo o homem à solidão e recolocando-o no seu universo intei ior, ii
sombra da memória. De lato, considerando-se que o ângulo de vis.io
principal opera do fim para o começo da vida do memorialista, propõe se
dessa forma a reversão ao tempo da ilusão ainda não desfeita. Tratava '■e
reconhecê-la na sua duração interior, que fosse ilimitada, como única força
capaz de neutralizar a solidão, mesmo já desaparecida a pessoa físi- i a de
Capitu. Mas, desfeita a ilusão pela incorrespondência e pela dúvida, a
reversão para a recuperação se tornaria impossível.
Entre Dom Casmurro e Memorial de Aires situa-se Esaú e Jacó. Retoma uma
concepção trágica da vida incidindo na eleição do mito amoroso. Como
vimos, em Helena se arma um esquema com complicações so- i iais de
maneira a reativar o indiscriminado poder punitivo sobre a culpa
hereditária. Em Esaú e Jacóy as implicações dessa indiscriminação vão além
dos limites sociais. Elas são primordiais, instinto competitivo nascido com
o homem voltado contra a semelhança, isto é, do homem como duplo, ora
fundindo-se consigo mesmo ora se auto-repelindo. Semelhança igualmente
absoluta e relativa, projeta a confusão dos componentes do duplo e ao
mesmo tempo sua distinção. É um jogo que acentua pela competição o
desdobramento da dualidade do ser ou dos seus impulsos conflitivos
tomados como inatos. Projetam-se, distinta e contraditoriamente, duas
imagens que alternam com .a própria fusão delas em uma única.
Simbolizam a contradição que marca a natureza humana, fazendo
começar nos limites da individualidade a luta devoradora. Luta que se
projeta em terceiro, transformando-o em vítima inocente, indiscrimina-
damente eleita. Dado que esta vítima expiatória é individualidade una,
sem culpa ou mácula, é por sua vez símbolo que sugere de origem a nati-
vidade perfeita. Ela é confrontada e se conturba com a ilusão visual que, a
partir de individualidade física aparentemente desdobrada, configura de
fora para dentro a duplicidade do ele - eu x eu - que devera ser também
uno, enquanto nessa realidade física desdobrada, cada “eu” do “duplo”
que devera ser “uno”, torna-se competidor um com o outro. Como não se
destroem, comprazem-se com a conturbação de terceiro. Este, uma jovem
perplexa dominada pelo conflito, que nela não tem causa moral nem
afetiva. Só lhe restaria, e inexplicavelmente para testemunhos, a aceitação
complacente da condição humana sujeita à fatalidade indiscriminada. Essa
tolerância exprime-se finalmente pela palavra re- confortadora atribuída ao
Conselheiro Aires, figura a ser retomada no Memorial de Aires, e prenunciada
no padre Melchior, de Helena.
Em Memorial de Aires, Machado de Assis reorganiza seletivamente o
complexo universo que vinha construindo, no sentido da harmonia ideal.
Obra cie arremate, ela é elaborada sob a visão do Conselheiro Aires,
memorialista que passeia entre os vivos com a tranqüilidade que é mais do
contemplador que do observador. A aparente neutralidade que o ca-
racteriza, ou melhor, a sua serenidade reflete as qualidades supremas da
maturidade: tolerância, complacência, severidade e auto-satisfação na
idade, em grau de reconhecimento da correspondência dos sentimentos
que identificam as pessoas em harmonia com as legítimas aspirações à
glória, aquela que se volta para o bem comum e compreensão humana. O
par que se extingue fisicamente, o casal Aguiar, símbolo da harmonia no
amor, tranqiiilo, arrastaria apenas “saudades de si mesmos”, sem dúvida
porque, independentemente da vontade própria, ele não se podia
reconhecer continuado nos filhos adotivos, nos quais, contudo, projetara
sua harmonia. Eles, ao deixarem o casal de pais adotivos, o fazem porque a
vida pede sucessão, não para substituir, mas para prosseguir, e ago-
i.i harmonizando o amor correspondido com o brilho da glória em justa
causa. Impera neles o altruísmo que anula o egoísmo comum à glória,
possibilitando seu equilíbrio com o amor.
Retomando-se uma metáfora de Machado de Assis, a da esfera divi-
dida - de um lado o amor, do outro, a glória -, observa-se que nos ro-
mances da fase inicial ele propôs primeiramente a visão harmoniosa do
todo. Contudo, deixava esboçada a separação, que poderia ser inconcili-
ável. Na segunda fase, com Memórias Póstumas de Brás Cubase Quinais Borba nos
apresenta a perspectiva da supremacia de uma das metades, a glória.
Admitindo o confronto dos opostos, prossegue depois tanto para
demonstrar o conflito quanto a harmonia. É o que se verifica com Com
Casmurro e com Memorial de Aires. Esaú e Jacó, por sua vez retomada da visão
trágica de Helena, coloca-se como um traço de união entre esles dois
romances, da mesma maneira que Helena assume posição idêntica entre A
Mão e a Luva e laiá Garcia. Ressurreição restaria isolado e sim plista, ponto de
partida mais comprometido com o Romantismo do que os três outros da
primeira fase.
Sem dúvida, a obra de Machado de Assis é subordinada a um tra-
tamento universalizante e desde cedo progressivamente independente de
vinculação limitadora. Também, reinsistimos, oferece rico material para
que se pesquise a sociedade contemporânea do Rio de Janeiro, em que se
situa e o mundo que o romancista observou e sobre o qual refletiu. í. certo
que no conjunto de toda a sua obra - na seleção temática, reflexões, análises
críticas e observação do cotidiano registrada pelas crónicas, nos romances,
contos, até poesia e teatro - prevalece a investigação do sentido da
existência. Machado de Assis pensou uma filosofia de vida que pudesse
proporcionar ao homem o equilíbrio perfeito ou ideal. I se traz a marca do
humor e do pessimismo, estes são contrabalançados pela tolerância. Com
processos expressivos tão peculiares e a multiplicidade de propostas,
colocou-se em função de uma perspectiva aberta, de livre escolha, seja de
aceitação, seja de.contestação, tanto para ele quanto para o leitor.
Para o romancista, sem dúvida o maior campo de experiencia re-
flexiva foi a crónica. De variada materia, estendeu-se por toda a atividade
do escritor. Fez o registro do cotidiano observado e informado de
diferentes maneiras, nos limites da vida no Rio de Janeiro - mundanismo,
vida artística, política nacional representada por deputados, senadores,
ministros - até outros fatos em âmbito nacional e mundial. Acumulou
dados diversos, associados, para a procura de um denominador comum. E
o cronista extrairia do gênero, em que se tornou mestre, sugestões e
situações decisivas para a ficção. Aperfeiçoaria uma linguagem
inconfundível, de tal maneira, como já o dissemos, que muitas páginas de
romances e contos tiveram nas crónicas a primeira forma de tratamento.
Por outro lado, a crítica cultivada durante a primeira fase de formação
literária daria a Machado de Assis o testemunho seguro das mudanças e
inovações do Romantismo ao Realismo e Parnasianismo. Como experiência
e orientação, revela segurança, preparo e imparcialidade, enquanto, pelo
exercício dessa atividade, se tornaria severo observador e aperfeiçoador de
si mesmo.
Sem dúvida, atitudes críticas, ideias estéticas e o conhecimento da
tradição deram ao Machado de Assis da maturidade - de Memórias Póstumas
de Brás Cubas em diante — total independência como escritor. Mas essa
independência se faria com dívida ao Romantismo e à tradição re-
presentada pelos grandes modelos literários. Oferecia à nossa ficção, em
primeiro lugar, técnica acentuadamente original; em segundo lugar, pro-
blemática nova: tempo, memória, análise psicológica, investigação exis-
tencial em que avultam incomunicabilidade e solidão em oposição à defesa
da persistência ou sobrevivência da imagem de cada um projetada em seu
semelhante, através da ilusão ou do mito. Nesse sentido, como narrador
ficcional e como cronista, ressalvada sua filiação romântica e participação
nas posições nacionalistas do momento, ele se destaca cronologicamente
como o segundo autor-síntese do século XIX - o anterior foi José de Alencar
- com projeção decisiva no processo de maturidade da Literatura Brasileira,
atingindo alguns dos nossos maiores escritores
ilo Modernismo: Ciro dos Anjos, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de
Andrade, entre outros.
Com relação às coordenadas principais da nossa ficção, Machado de
Assis retoma a linha de continuidade proveniente do Romantismo, ou seja,
a do romance social urbano com ambientação no Rio de Janeiro. Através da
ficção, esboça a sociedade da época, a ascensão da classe burguesa e, à
semelhança dos românticos, o poder do dinheiro nessa so- i iedade,
delimitada do Segundo Império à implantação da República.
Complementam-na os registros e as reflexões das crónicas, destacada
mente as de comentário sobre a vida política e cultural.
3. CONTRIBUIÇÕES RKAUSTAS-NATURALISTAS
,12. Sua estréia data de 1880, seguindo-se O Mulato, 1881; Memórias de um Condenado, 1882, muda do o título para
Condessa Vesper em 3. ed. de 1902; Mistérios da Tijuca ou Girândola de Amores, 1883; Casa de Pensão, 1884; O Homem,
1887; O Cortiço, 1890; O Esqueleto (Mistérios da casa de Bragança), 1890, de parceria com Coelho Neto, Olavo Bilac c
Pardal Mallet; Filomena Borges, 1884; Demónios (contos), 1893; Pegadas (contos); Mortalha de Alzira, 1893; O Coruja,
1895; Livro de uma Sogra, 1895.
.IV Considcrc-sc que o conto “O Alienista" e o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis,
datam respectivamente de 1881 e 1880, e o romance de Celso de Magalhães é de 1881.
dade onde a narrativa se situa, São Luís do Maranhão, que reagiria através
da crítica contra a obra do jovem provinciano audacioso'4.
Com o sucesso, Aluísio Azevedo fixa-se definitivamente no Rio de
laneiro sob a convicção de fazer exclusivamente literatura. Eça de Queirós,
também canal de difusão de Zola, passou a exercer acentuadas influências
sobre ele. Sabe-se que o escritor português pensou numa obra seriada, para
representar a sociedade lusa à semelhança de Zola, que considerava
“historia natural e social de uma família” do II Império, na Fi an ça, a
melhor maneira de demonstrar a teoria do romance naturalista. Alu ísio
Azevedo desejou fazer o mesmo sobre o Rio de Janeiro1', porém, nao
chegou a executar o seu projeto, nem também realizou convincentemente o
romance naturalista. Deu-se ao realismo de observação direta, visan do à
reprodução fiel da realidade, preso as camadas sociais populares e
pequeno-burguesas, acentuando-lhe o comportamento sexual, impulsos
dos instintos e dramas daí decorrentes. É certo também que enfatizou a
importancia condjcionadora do momento conjuntamente com o meio; as
relações conflitivas, ou não, da ascensão social e do poder corruptor do
dinheiro; e deu certa atenção às etnias. Mas contrariando o propósito de
obra seriada não teve condições de desenvolver a análise dos efeitos da
herança biológica no comportamento humano soh a dupla interferencia do
meio e do momento, conforme o fundamento da teoria de Zola. Mesmo
assim, além de O Mulato, concebeu muito bem pelo menos três romances
que também ficaram consagrados. Casa de Pensão representa a vida pequeno
burguesa, onde se situam os protagonistas de um crime passional a partir
de fato verídico36; o autor procede confuí
.54. Cl. Josué Momello, Aluísio Azevedo e a Polêmica (TO Mulato, Rio de Janeiro, José Olympio Ml t . 1975.
.55. Sobre o piano de Zola, denominado “Os Rougon-Macquarrs — História Natural e Social de iim.i Família no
Tempo do Segundo Império", v. Matthew Josephson, Zola e seti Tempo (tradução de Godofredo Rangel), São
Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1947, pp. 1 15-144; sobre projetos e comportamento literário de Aluísio Azevedo, v.
Henrique Coelho Neto, A Conquista, 4. ed., Porto, Lcllo, 1928 e Fogo Fàtuo, Porto, Chardron, 1929. *
36. Cf. Raimundo Menezes, Aluísio Azevedo, unta Vida de Romance, São Paulo, 1958.
.17. Paru « conhecimento de toda a produção literária de Raul Pompéia, v. a edição de suas Obras, organização dc
Afrânio Cominho, Rio de Janeiro, MEC, 1 - Novelas, 1981; II — O Ateneu, 1981; 111 - ( untili, 1981; IV - Canções
sem Metro, 1982; V - Escritos Políticos, 1982; VI - Crâniens, 1982.
RAUJL PO M PEIA
A THENEU
(CHRONICA DE SAUDADES)
1UO DE JANEIRO
ìGù, MI* IK> OUVIDOR. itil
S. PAUU»
65, RCA DK A. HKKTO, 65
REl.fjO HOHI/.ONTB
1066, MIA DA UAHIA. KkV»
2" Edíçno iloMniUvM
(Conformo M IM RUI I. Í I Hr OH ili'«c nini« i l . . ) « . |in|n
Molili)
ALIES 1 C"