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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Instituto de Química
Departamento de Química Fundamental (DQF)
Disciplina: Química Geral – IC310
Estudos Continuados Emergenciais – ECE 2020.5

Material Suplementar
3. Ligação Química

3.1. Introdução
3.2. Tipos de ligação química
3.3. Ligação iônica
3.4. Ligação metálica
3.5. Ligação covalente
3.5.1. Estruturas de Lewis
3.5.2. Ressonância
3.5.3. Carga formal
3.6. Modelo de repulsão dos pares de elétrons da camada de valência (RPECV)
3.7. Momento de dipolo e geometria das moléculas
3.7.1. Eletronegatividade
3.7.2. Polaridade de ligações e de moléculas
3.8. Teoria de Ligação de Valência
3.8.1. Ligações sigma e pi
3.8.2. Hibridização
UFRRJ – Instituto de Química – Departamento de Química Fundamental
IC310 – Química Geral (Estudos Continuados Emergenciais – ECE 2020.5)
Capítulo 3 – Ligação Química

3 – LIGAÇÃO QUÍMICA

Autor: Prof. Gustavo Bezerra da Silva


Revisão: Prof. Leonardo da Cunha Ferreira

3.1. Introdução 3.2. Tipos de ligação química


Até esse ponto você já aprendeu sobre as bases De um modo geral podemos classificar as
fundamentais da matéria, desde a sua constituição interações interatômicas em três tipos de ligação
até a evolução dos principais modelos atômicos (ver química: (i) iônica; (ii) covalente ou (iii) metálica.
Cap. 1). Além disso, você também estudou as Na ligação iônica, temos a participação de dois
propriedades dos átomos e sua influência na ou mais átomos com características bem distintas no
densidade eletrônica, e como as mesmas modificam que diz respeito à eletroafinidade. O que se observa
raios, energias de ionização e afinidades eletrônicas é que um dos elementos apresenta uma baixa energia
(ver Cap. 2). Porém, no nosso cotidiano nos de ionização e, portanto, uma facilidade em perder
deparamos com diferentes materiais e seres vivos elétrons, enquanto o outro elemento apresenta uma
que são constituídos por vários átomos iguais ou alta afinidade eletrônica, ou seja, uma capacidade
diferentes. Mas as perguntas que nos fazemos são: maior em receber esses elétrons. Exemplos típicos
como ocorre essa interação interatômica? Quais são são os sais inorgânicos como, o NaCl (sal de
as forças necessárias para que dois átomos possam cozinha), KCl, MgO, Ca(NO3)2, etc.
se combinar? Será que um mesmo átomo sempre A ligação metálica como o próprio nome diz
interage da mesma forma com os demais? ocorre entre os metais presentes na Tabela Periódica,
Esses são alguns dos questionamentos que este como, por exemplo, numa barra de cobre, de aço, de
Capítulo vai elucidar para compreendermos melhor chumbo ou de zinco. Mas como elementos que são
como as ligações químicas envolvidas entre os ditos eletropositivos são capazes de exibir esse tipo
átomos são responsáveis pela geração de várias de ligação? Isso ocorre devido a uma deslocalização
moléculas, compostos e materiais existentes na dos elétrons de valência desses átomos por toda a
nossa natureza. Será que uma barra de cobre (Cu), rede metálica. Dependendo do metal envolvido, as
açúcar (sacarose, C12H22O11) e sal de cozinha mais variadas propriedades são observadas, desde
(cloreto de sódio, NaCl) exibem as mesmas um material bastante macio como o sódio (Na) até
ligações? Definitivamente, a resposta é não. um metal duro como o cobre (Cu).
Se tomarmos NaCl e C12H22O11, como exemplos, Por fim, temos uma ligação covalente que, em
ao adicionarmos uma colher de chá de sal de cozinha geral, não envolve elementos que possuam uma
ou de açúcar a 200 mL de água separadamente, eletroafinidade e/ou eletropositividade muito
ocorre a formação de uma solução transparente e distintas. Como consequência, temos um
límpida, de uma única fase. Entretanto na solução compartilhamento de densidade eletrônica entre os
aquosa de NaCl, há a formação dos respectivos íons elementos. Essa é a base da formação dos compostos
Na+(aq) e Cl–(aq), enquanto o açúcar simplesmente orgânicos, como o açúcar (sacarose, C12H22O11), o
sobre uma dissolução. DNA, proteínas, lipídios, carboidratos, etc.
Nesse âmbito é importante que tenhamos em
NaCl(s) Na+(aq) + Cl–(aq) mente como se encontra a distribuição dos elétrons
(Solução de sal de cozinha – eletrolítica) de valência nesses átomos, antes de formarem as
C12H22O11 (s) C12H22O11(aq) ligações químicas. Isso será o ponto de partida para
(Solução de açúcar – não-eletrolítica) compreendermos melhor os tipos de ligações
envolvidos. Portanto, é necessário utilizarmos os
Esse processo de dissolução será melhor símbolos de Lewis, para identificarmos a quantidade
detalhado nos próximos Capítulos, em especial, no de elétrons de valência dos átomos.
de Química de Soluções. O que nos importa é que na Para tanto, representamos o símbolo do elemento
solução salina, há a geração de íons e, portanto, e colocamos ao redor dele o número de elétrons de
formamos uma solução eletrolítica adequada para valência representados por pontos. Mas como saber
condução elétrica. Já na solução de açúcar, como não quantos elétrons estão presentes? Basta olhar a sua
há ionização ou dissociação da molécula de sacarose, Tabela Periódica e, neste curso, iremos focar
forma-se uma solução não-eletrolítica e que não somente nos elementos representativos, portanto, os
conduz eletricidade. Sendo assim, NaCl e C12H22O11 grupos 1, 2 e 13-18 ou IA-VIIIA.
possuem ligações químicas diferentes.
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Capítulo 3 – Ligação Química

Distribuição Símbolo Distribuição Símbolo


Grupo Elemento Grupo Elemento
eletrônica de Lewis eletrônica de Lewis
1 Li [He] 2s1 Li 15 N [He] 2s2 2p3 N
2 Be [He] 2s2 Be 16 O [He] 2s2 2p4 O
13 B [He] 2s2 2p1 B 17 F [He] 2s2 2p5 F
14 C [He] 2s2 2p2 C 18 Ne [He] 2s2 2p6 Ne
Tabela 3.1. Símbolos de Lewis dos elementos do 2o período da Tabela Periódica.

Exemplo: o átomo de Be pertence ao Grupo IIA das ligações no Cl2) ganha este elétron formando o
ou 2 e possui dois elétrons de valência. Neste âmbito, ânion Cl– (Fig. 3.1).
o seu símbolo é representado pelo Be com dois
pontos: . Be . (Tabela 3.1). Na(s) + ½Cl2(g) NaCl(s) H = –411 kJ.mol–1
Desta forma, os átomos realizam ligações
químicas visando atingir uma configuração de gás
nobre (grupo VIIIA ou 18), ou seja, de oito elétrons Na + Cl Na+ Cl
de valência, seja pela doação/recepção ou
compartilhamento de elétrons, atingindo assim uma
estabilidade (regra do octeto).
Possui Possui
Exemplos: (i) Cloreto de potássio (KCl): baixa EI alta AE

Figura 3.1. Formação do NaCl a partir de sódio metálico


+ Cl e gás cloro.1
K Cl K+
O potássio (grupo 1) doa um elétron para o cloro
(grupo 17) e ambos atingem a configuração do gás
nobre argônio, estabilizando-os.

(ii) fosfina (PH3):

3H + P H P H
H
Os hidrogênios (grupo 1) compartilham um par
de elétrons com o átomo de fósforo (grupo 15),
porém como o P possui 5 elétrons de valência, ele
necessita realizar três compartilhamentos e,
portanto, se liga a três átomos de hidrogênio.

3.3. Ligação iônica Os compostos iônicos são formados por atrações


puramente eletrostáticas entre partículas de cargas
Este tipo de ligação é muito comum quando opostas e não apresentam direcionalidade de ligação.
ocorre a combinação de um metal (com baixa Entretanto, formam estruturas regulares tridimen-
energia de ionização – EI, ver Cap. 2) e um ametal sionais das mais variadas possíveis. O cloreto de
(com alta afinidade eletrônica – AE, ver Cap. 2), na sódio, por exemplo, forma uma estrutura na qual os
qual o metal doa elétrons para um ametal, para que cátions Na+ são envoltos por 6 ânions Cl– e vice e
ambos atinjam uma condição de alta estabilidade versa, ou seja, há um arranjo regular de íons (Fig.
(configuração de gás nobre). 3.2). Nestas estruturas, os íons encontram-se
Um exemplo é a reação do sódio metálico com a empacotados o mais próximo possível. Vale ressaltar
gás cloro, cujo produto é o sal de cozinha, o cloreto que não é fácil encontrar uma fórmula molecular
de sódio (NaCl). Esta reação é extremamente para descrever a rede iônica, e dessa forma
exotérmica, onde o Na perde um elétron para formar representamos como uma fórmula mínima.
o cátion Na+ e, por sua vez, o Cl (gerado pela ruptura
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Figura 3.2. Estrutura tridimensional do cloreto de sódio Levando-se em conta a regra do octeto, os
(NaCl).1 elementos dos grupos IA, IIA e IIIA tendem a perder
elétrons formando os respectivos cátions com cargas
+1, +2 e +3, respectivamente, enquanto os ametais
dos grupos VA, VIA e VIIA tendem a receber
elétrons formando ânions com cargas –3, –2 e –1,
respectivamente.

3.4. Ligação Metálica


Os compostos metálicos que se unem através da
ligação metálica, podem ser compreendidos pelo
modelo do mar de elétrons (Fig. 3.3). Neste modelo,
Na formação dos compostos iônicos, as energias os metais com baixa eletroafinidade perdem elétrons
de ionização e as afinidades eletrônicas são
para uma região de densidade eletrônica que é
importantes e suas magnitudes podem elucidar a
deslocalizada por toda rede metálica. Portanto, neste
existência ou não de compostos iônicos. Porém, modelo é como se essa densidade eletrônica
devemos levar em consideração a energia de rede deslocalizada negativamente fosse contrabalanceada
que pode ser definida como a energia necessária para pela rede de metais carregados positivamente. Dessa
separar completamente um mol de um sólido iônico forma, a força da ligação é dependente da atração dos
em seus respectivos íons gasosos. elétrons e dos cátions resultantes.
Essa energia de rede depende das cargas dos íons
envolvidos, da distância dos íons (raio do cátion +
Figura 3.3. Modelo de mar de elétrons para ligação
raio do ânion) e do arranjo presente nos sólidos
metálica.1
iônicos. A energia de rede pode ser compreendida de
forma análoga a energia potencial envolvida na
interação entre duas partículas carregadas:
𝑄1 𝑄2
𝐸𝑅 = 𝜅
𝑑
Onde k é uma constante (8,99 x 109 J m.C–2), Q1
e Q2 são as cargas nas partículas e d é a distância
entre seus centros.
Assim, em um determinado arranjo, a energia de
rede aumenta à medida que se aumentam as cargas
ou que se diminuem os raios dos íons (Tabela 3.2).

Composto Energia de rede (kJ.mol–1)


LiF 1030
LiCl 834
LiI 730
NaF 910
NaCl 788
NaBr 732
NaI 682 Essa força de ligação é capaz de influenciar em
KF 808 várias propriedades dos metais, tais como: (i)
KCl 701 maleabilidade e ductilidade; (ii) brilho; (iii) energia
KBr 671 de ionização; (iv) densidade; (v) estrutura da rede.
CsCl 657
CsI 600
MgCl2 2326 3.5. Ligação Covalente
SrCl2 2127
MgO 3795 Diferentemente da ligação iônica que se
CaO 3414 caracteriza por uma transferência eletrônica entre os
SrO 3217 átomos, a ligação covalente é baseada em um
ScN 7547 compartilhamento de elétrons, conceito este
Tabela 3.2. Valores de energias de rede para alguns introduzido por G. N. Lewis (1916). Portanto, na
compostos iônicos.1 ligação covalente cada átomo compartilha elétrons
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com seus átomos vizinhos para alcançar um total


de oito elétrons de valência (regra do octeto). Cl P Cl Cl P Cl Cl P Cl
Dois átomos vizinhos podem compartilhar um, Cl Cl Cl
dois ou três pares de elétrons. Além disso, pode
haver a presença de pares isolados, que apesar de não ou ou
participarem diretamente da ligação, influenciam na Cl P Cl Cl P Cl
geometria e em algumas propriedades físico-
químicas. Cl Cl

H + Cl H Cl
Exemplo 3.2: desenhe as estruturas das seguintes
moléculas: (i) H2O; (ii) CH4; (iii) BH3; (iv) ClF3 e
Levando-se em conta a regra do octeto no âmbito
(v) SO2.
de compartilhamento de elétrons, o número de
Resolução:
ligações necessárias a serem realizadas pelos
(i) molécula de H2O: H pertence ao grupo 1 e,
elementos será justamente o número de elétrons
portanto, possui um elétron de valência, enquanto
restantes para fechar o octeto. Portanto, os elementos
o O, pertencente ao grupo 16, possui 6 elétrons.
dos grupos IVA, VA, VIA e VIIA realizam 4, 3, 2 e
Portanto: 2 x 1e– + 6e– = 8e–. Dispomos os átomos,
1 ligação(ões) covalente(s).
fazendo as ligações O–H, os demais 4e– são
dispostos no O completando o octeto, pois os
3.5.1. Estruturas de Lewis átomos de H terminais se estabilizam somente
com dois elétrons.
Como visto no início deste Capítulo, os símbolos
de Lewis são o ponto de partida para mostrar as O H O H O H
ligações existentes nas moléculas. Desta forma,
podemos utilizar estruturas de Lewis, para descrever H H H
os compostos moleculares existentes.
Sendo assim, uma série de pequenas regras (ii) molécula de CH4: H possui um elétron de
podem ser adotadas para auxiliá-lo a desenhar as valência, enquanto o C pertencente ao grupo 14
moléculas. As regras para determinar as estruturas de ou possui 4 elétrons. Portanto: 4 x 1e– + 4e– = 8e–
Lewis são: . Dispomos os átomos, fazendo as ligações C–H
(i) Somar todos os elétrons de valência dos átomos, completando o octeto de todos os elementos.
levando em consideração a carga, ou seja, caso seja
H H
um cátion de carga n+, diminuir n elétrons, porém se
for um ânion n–, aumentar n elétrons; H C H H C H
(ii) Dispor os átomos (símbolos dos elementos), de
uma forma que mostre quais estão ligados entre si. H H
(iii) Distribuir os elétrons, mostrando as ligações (iii) molécula de BH3: H possui um elétron de
primeiramente entre o átomo central e os átomos valência, enquanto o B pertencente ao grupo 13
terminais, possui 3 elétrons. Portanto: 3 x 1e– + 3e– = 6e–.
(iv) Por fim, completar o octeto nos átomos terminais Dispomos os átomos, fazendo as ligações B–H.
e depois no átomo central; Entretanto, o B não completa o seu octeto pois
(v) Fazer ligações múltiplas (duplas ou triplas), possui menos de 8 elétrons de valência.
quando necessário.
H B H H B H
Exemplo 3.1: desenhe a estrutura de Lewis da H H
molécula de PCl3.
Resolução: O átomo de P pertence ao grupo 15, o Compostos de B e Be são conhecidos por serem
que confere 5 elétrons de valência. Já os átomos deficientes em densidade eletrônica e assim,
de Cl do grupo 17, possuem 7 elétrons cada. possuem estruturas de Lewis com seis e quatro
Assim: 5e– + 3 x 7e– = 26 elétrons. Depois é só elétrons de valência em torno do átomo central,
dispor os átomos de P (átomo central) e Cl, respectivamente.
colocar as ligações simples existentes entre P–F (iv) molécula de ClF3: F e Cl ambos do grupo 17,
(pares de elétrons ou traços), dispor os demais possuem 7 elétrons de valência cada. Portanto: 4
elétrons (pares isolados) nos átomos terminais de x 7e– = 28e–. Dispomos os átomos, fazendo as
Cl, completando o octeto e, por fim, o par restante ligações Cl–F. Em seguida, completamos o octeto
no átomo de P. dos átomos de F terminais e os outros 4e –
dispomos no átomo de Cl.
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Capítulo 3 – Ligação Química

Experimentalmente conseguimos comprovar a


Entretanto, ao contarmos a quantidade de elétrons
condição de ressonância pelas distâncias de ligação.
em torno do Cl observamos que é maior do que
Vamos raciocinar juntos: uma ligação dupla O=O é
oito elétrons.
mais forte que uma ligação simples O–O. Quanto
F Cl F mais forte a ligação, mais próximos os átomos estão.
F Cl F F Cl F
Portanto, uma ligação dupla O=O é mais curta que
F F F uma ligação simples O–O. Tendo isso em mente, se
alguma das estruturas acima fosse preferencial
De um modo geral, ametais do 3o período para deveríamos ter uma ligação mais curta do que a
baixo na Tabela Periódica podem exceder o outra. Porém, experimentalmente o que observamos
octeto, ou seja, se estabilizam com mais de oito são distâncias de ligação exatamente iguais (Fig.
elétrons de valência. No escopo desta disciplina, 3.4). Isso mostra que a ligação dupla encontra-se
não iremos entrar em detalhes. Porém, ao deslocalizada por toda molécula. Vale ressaltar que
desenhar as estruturas de Lewis e no caso de o a energia do híbrido de ressonância possui menor
átomo central ser do 3o período para baixo, não energia que as estruturas de Lewis isoladas.
estranhe que ele sofra hipervalência.
Figura 3.4. Distâncias de ligação e distribuição de
(v) molécula de SO2: S e O pertencem ao grupo 16 densidade eletrônica na molécula de O3.1
e possuem 6 elétrons de valência, cada um deles.
Portanto: 3 x 6e– = 18e–. Dispomos os átomos,
fazendo as ligações S–O. Em seguida,
completamos o octeto dos átomos de O terminais
e dispomos o restante dos elétrons no S.
Entretanto, o S não completa o octeto e, quando
isso ocorre, é necessário fazer ligações múltiplas,
ou seja, ligações duplas ou triplas. Para tanto,
retira-se um par de elétrons de um dos O terminais
e faz-se uma ligação dupla S=O. Na química orgânica, um dos exemplos mais
clássicos é o benzeno (C6H6) cujas estruturas de
O S O O S O ressonância são representadas abaixo (estruturas de
Kekulé). Inclusive os híbridos de ressonância
possuem uma única representação, para mostrar que
as três ligações duplas estão deslocalizadas por toda
O S O O S O a molécula.
Você deve ter observado neste exemplo que a
ligação dupla foi desenhada com a primeira
ligação S–O. Mas será que não poderíamos =
representar utilizando a segunda ligação S–O? A
resposta é sim, e a essa possibilidade chamamos
de ressonância. 3.5.3. Carga formal

3.5.2. Ressonância Na ligação puramente covalente a densidade


eletrônica encontra-se igualmente distribuída entre
O SO2 é um ótimo exemplo para ilustrar esse ambos os átomos envolvidos na ligação. Dessa
fenômeno, pois na verdade duas estruturas de Lewis forma, é possível estimar uma carga formal presente
podem ser utilizadas para descrever esta molécula e nos átomos envolvidos das ligações em uma
é justamente a combinação de ambas as estruturas molécula. Para se determinar a carga formal dos
que contribuem para a estrutura real do SO 2. átomos, primeiramente representa-se a molécula ou
Portanto, a verdadeira estrutura de uma molécula é íon poliatômico, segundo a sua estrutura de Lewis e,
considerada como a superposição, ou média, de em seguida, cada elétron de valência é atribuído ao
todas as estruturas de Lewis possíveis para um átomo apropriado de acordo com as seguintes regras:
dado arranjo atômico (híbridos de ressonância). (i) atribuímos cada par isolado ou elétron livre aos
Por exemplo, a molécula de ozônio (O3) possui seus respectivos átomos;
duas estruturas de ressonância, assim como SO2: (ii) dividimos cada par de elétrons compartilhados
atribuindo um elétron para cada átomo ligado por
O O este par.
Portanto, a carga formal (CF) para cada átomo é
O O O O dada por:
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Capítulo 3 – Ligação Química

𝐶𝐹 = (𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑠 𝑑𝑒 𝑣𝑎𝑙ê𝑛𝑐𝑖𝑎)á𝑡𝑜𝑚𝑜 𝑖𝑠𝑜𝑙𝑎𝑑𝑜 − (𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑠 𝑑𝑒 𝑣𝑎𝑙ê𝑛𝑐𝑖𝑎)á𝑡𝑜𝑚𝑜 𝑛𝑎 𝑒𝑠𝑡𝑟𝑢𝑡𝑢𝑟𝑎

Exemplo 3.3: forneça as cargas formais dos 3.6. Modelo de Repulsão dos Pares de
átomos nas seguintes moléculas e/ou íons: (i) Elétrons da Camada de Valência
cianeto (CN–); (ii) dióxido de carbono (CO2) e (RPECV)
(iii) NO2F.
Resolução: A representação das estruturas de Lewis é de
(i) íon cianeto – CN– suma importância para mostrarmos as ligações entre
Contagem de elétrons: 4e– (C) + 5e– (N) + 1e– os átomos, a presença de ligações múltiplas e dos
(carga negativa) = 10e– pares isolados nos átomos. Porém, ela por si não traz
Estrutura de Lewis: nenhuma informação sobre a geometria e a
polaridade das moléculas. Dessa forma, o uso do
C N modelo de RPECV é uma ferramenta bastante
poderosa na previsão das geometrias das moléculas.
Cargas formais: CF (C) = 4 – 5 = –1 Este modelo baseia-se no posicionamento espacial
CF (N) = 4 – 5 = 0 das regiões de maior densidade eletrônica (ligações
e pares isolados), que aqui são definidas como
-1 0 domínios de elétrons, o mais distante possível, ou
C N seja, condição de mínima repulsão intereletrônica.
Vale ressaltar que neste modelo, cada ligação
(ii) molécula de CO2 múltipla (dupla ou tripla) é considerada como de
Contagem de elétrons: 4e– (C) + 2 x 6e– (O) = 16e– fosse um único domínio de elétrons.
Estrutura de Lewis: ao desenhar a estrutura é
necessário fazer duas ligações múltiplas no a) Moléculas com dois domínios eletrônicos (AB2)
carbono, que podem ser 2 ligações duplas ou 1
simples e 1 tripla, como mostrado a seguir A disposição que possui a menor repulsão
possível entre duas ligações A–B é justamente a
0 0 0 -1 0 +1 condição de menor repulsão possível, ou seja, um
O C O O C O arranjo linear com ângulos de 180o. Portanto, a
geometria adotada é a geometria linear.
Ao calcularmos as cargas formais em ambas
as estruturas observamos que na primeira todos os
180 o Arranjo linear
átomos possuem carga zero, o que é típico de uma
Geometria linear
ligação covalente. Enquanto na segunda estrutura
Ângulos de ligação de 180o
temos uma distribuição de cargas. Portanto, a B A B
Exemplos: CO2, HCN
primeira estrutura é a mais estável e a que melhor
descreve a real estrutura do CO2.
b) Moléculas com três domínios eletrônicos (AB3)
(iii) molécula de NO2F
Contagem de elétrons: 5e– (N) + 2 x 6e– (O) + 7e– A disposição que possui a menor repulsão
(F) = 24e– possível entre três ligações A–B é aquela exibida por
Estrutura de Lewis: um arranjo trigonal plano com ângulos de 120o.
Disposição Ligações Pares Portanto, a geometria adotada é a geometria trigonal
dos átomos isolados plana. Entretanto, quando em torno do átomo central
O N O O N O O N O (A) há duas ligações e um par isolado, o arranjo
continua sendo trigonal plano, para manter a
F F F condição de uma menor repulsão possível.
Entretanto, a geometria é angular.
-1 +1 -1 -1 +1 0 0 +1 -1
O N O O N O O N O
Portanto, o arranjo diz respeito à disposição dos
domínios de elétrons na molécula, porém a
F +1 F 0 F 0 geometria informa a disposição dos átomos.
III II I A presença de um par isolado é capaz de alterar
Realização de ligação dupla para fechar octeto no N ângulos de ligação (Fig 3.5). Como esses pares
Estruturas ressonantes isolados, diferentemente dos pares de elétrons nas
As estruturas I e II são as que melhores ligações, não são totalmente direcionados (pois são
descrevem a molécula de NO2F pois são as que atraídos somente por um núcleo) e se distribuem pela
possuem menor distribuição de cargas (menor molécula causando, portanto, repulsão nas ligações
caráter iônico). A–B e, como consequência, há uma aproximação
dessas ligações. Desta forma, é de se esperar que os
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Capítulo 3 – Ligação Química

ângulos de ligação sejam um pouco menores que Arranjo tetraédrico


120o. Geometria angular
A Ângulos de ligação
B Arranjo trigonal plano B <109,5o
Geometria trigonal plana Exemplos: H2O,
120 o <109,5 o B H2S
Ângulos de ligação de
A 120o
B B Exemplos: BF3, CO32– Assim como nos sistemas AB2, a presença dos
pares isolados altera os ângulos de ligação. Por
Arranjo trigonal plano exemplo, a molécula de CH4 possui ângulos de
Geometria angular ligação 109,5o. Entretanto, NH3 e H2O possuem
A Ângulos de ligação ângulos de 107 e 104,5o, respectivamente. As três
<120o moléculas possuem arranjo tetraédrico (AB4), porém
B B
Exemplos: O3, SO2 NH3 possui um par isolado que comprime os ângulos
<120o N–H e H2O possui dois pares isolados que
comprimem mais ainda as ligações O–H.
Fig. 3.5. Distribuição dos pares de elétrons ligantes e não-
ligantes.1 d) Moléculas com cinco domínios eletrônicos (AB5)

A disposição de cinco domínios em torno do


átomo central é bastante comum para elementos que
são capazes de expandir sua valência (hipervalentes,
por exemplo, fósforo, enxofre, cloro, etc). O arranjo
(e a geometria) de menor energia é aquele exibido
por um bipirâmide trigonal, na qual, três domínios
encontram-se em um plano trigonal e dois domínios
encontram-se no eixo perpendicular a esse plano.

B
B 90o
c) Moléculas com quatro domínios eletrônicos Arranjo/geometria
(AB4) 120 o A B bipirâmide trigonal
Exemplo: PCl5
B
Em sistemas AB4 o arranjo tetraédrico com
ângulos de 109,5o é o de menor repulsão para estes B
sistemas. Este arranjo é composto de uma pirâmide
de quatro lados, com um átomo no centro do Assim como nos demais sistemas AB x, existe a
tetraedro e os demais nos vértices. Quando os quatro possibilidade da presença de pares isolados. Vamos
domínios em torno de A são formados por ligações considerar um sistema AB5 formado por quatro
A–B, temos uma geometria também tetraédrica. ligações A–B e um par isolado (Fig. 3.6). A pergunta
Entretanto, quando em torno do átomo central há três que nos fazemos é em qual posição desse arranjo
ligações e um par isolado ou duas ligações e dois bipirâmide trigonal esse par isolado vai ocupar? Para
pares isolados, as geometrias adotadas são piramidal respondermos esta pergunta, temos que levar em
e angular, respectivamente. consideração que pares isolados causam maior
repulsão que ligações, logo eles vão ocupar posições
B Arranjo tetraédrico que causem a menor repulsão possível. De posse
Geometria dessas informações, podemos dizer que o par isolado
tetraédrica ficará no plano trigonal ao invés do eixo
A Ângulos de ligação perpendicular, uma vez que, nesse plano os ângulos
B de 109,5o entre os domínios é de aproximadamente 120o, ao
B
<109,5 o B Exemplos: CH4, contrário, do eixo que é em torno de 90o. Portanto,
SO42– nessa configuração a geometria adotada é a do tipo
Arranjo tetraédrico gangorra.
Geometria piramidal Se o sistema AB5 tiver três ligações e dois pares
Ângulos de ligação não ligantes e duas ligações e dois pares não ligantes
A
B <109,5o as geometrias serão forma de T e linear,
B Exemplos: NH3, respectivamente.
<109,5 o B SO32–
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Capítulo 3 – Ligação Química

Fig. 3.6. Par isolado nas posições (a) axial e (b) B


equatorial no arranjo bipirâmide trigonal.2 Arranjo octaédrico
B B Geometria piramidal
A quadrada ou
pirâmide de base
B B quadrada
Exemplo: BrF5

Arranjo bipirâmide
B B
trigonal
A Geometria quadrado
planar
B B
B Exemplo: ClF3
B Arranjo bipirâmide
A trigonal Os pares isolados nos sistemas AB5 e AB6
Geometria gangorra também afetam os ângulos de ligação, porém não
B Exemplo: SF4 iremos analisar estes sistemas neste curso.
B
B 3.7. Momento de dipolo e geometria das
Arranjo bipirâmide
trigonal
moléculas
A B Geometria forma de
Na ligação covalente temos um comparti-
T
lhamento eletrônico, porém em ligações envolvendo
Exemplo: ClF3
B heteroátomos essa distribuição de densidade
eletrônica não é necessariamente homegênea. Dessa
B forma, pode existir uma distribuição de cargas ao
longo da ligação e a grandeza que mede o grau de
Arranjo bipirâmide
separação de cargas numa molécula é chamada de
A trigonal
Geometria linear momento de dipolo ().
Exemplos: I3– 𝜇 = 𝛿𝑑 = 𝐷𝑒𝑏𝑦𝑒 = 𝐶. 𝑚
B Onde: 1D = 3,34 x 10–30 C.m
As geometrias em que as ligações A–X são
e) Moléculas com seis domínios eletrônicos (AB6) simétricas em torno do átomo central (p. ex.
geometrias linear, trigonal plana, e tetraédrica) dão
Neste caso, os seis domínios de elétrons se origem a moléculas com momento de dipolo nulo,
organizam em um arranjo octaédrico, em que todas ou seja, moléculas apolares (CO2, BF3 e CH4).
as ligações possuem ângulos de 90o. Quando os seis As geometrias em que os átomos X das ligações
domínios são formados por seis ligações A–B temos A–X tendem a ficar em um lado da molécula (p. ex.
uma geometria octaédrica. Por outro lado, quando geometrias angular e piramidal) possuem momento
há 5 ligações A–B e um par isolado, a geometria é de dipolo não nulo e são moléculas polares (NH3,
piramidal quadrada (ou pirâmide de base H2O).
quadrada). Por fim, quando temos 4 ligações A–B e
dois pares isolados, a geometria mais favorável é a 3.7.1. Eletronegatividade
quadrada planar, na qual os dois pares isolados
encontram-se direcionados no mesmo eixo com um Em uma ligação química, cada átomo possui uma
ângulo de 180o entre si. habilidade de atrair os elétrons daquela ligação para
si e a esta capacidade denominamos de eletronegati-
B vidade.
Existem várias escalas de eletronegatividade
B B estudadas usando diferentes parâmetros. Neste
Arranjo/geometria
A 90o octaédrica curso, iremos apenas abordar a escala de
Exemplo: SF6 eletronegatividade de Linus Pauling (Fig. 3.7). Sua
B B escala se baseou nas energias de dissociação de
B ligações, cujos resultados mostraram escala variando
de 0,7 (Cs) até 4,0 (F).
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Capítulo 3 – Ligação Química

Figura 3.7. Escala de eletronegatividade de Pauling dos Figura 3.8. Distribuição de cargas em algumas
elementos representativos.2 moléculas.1

Fig. 3.9. Momentos de dipolo das moléculas de CO2


(apolar) e de H2O (polar).1

O que observamos é que ao descermos nos


grupos a eletronegatividade diminui de um modo
geral, ao passo que, ao longo dos períodos as
eletronegatividades aumentam, onde o F é o átomo
mais eletronegativo e o Cs o menos eletronegativo,
em uma ligação química.

Exemplos:
(i) F2 – ligação covalente apolar
 = (F) – (F) = 4,0 – 4,0 = 0
(ii) HF – ligação covalente polar
 = (F) – (H) = 4,0 – 2,1 = 1,9
(iii) LiF – ligação iônica
 = (F) – (H) = 4,0 – 1,0 = 3,0 Na molécula de CO2, a geometria adotada é a
linear e, desta forma, temos dois momentos de dipolo
Portanto, as diferenças de eletronegatividade de mesma magnitude (pois são duas ligações iguais),
() entre dois átomos pode indicar o tipo de ligação porém com sentidos contrários. Sendo assim, os
envolvido entre os dois átomos. Quanto maior o momentos de dipolo se anulam e a CO2 é apolar. Já
valor de  maior é a polaridade da ligação e, em a molécula de H2O adota uma geometria angular e
geral,  > 2,0 indica uma ligação iônica. seus dois momentos de dipolo se somam, gerando,
portanto, uma resultante ( ≠ 0) e conferindo uma
3.7.2. Polaridade de ligações e de moléculas característica polar a molécula de água (Fig. 3.9).
Portanto, toda molécula angular e piramidal é
Toda ligação formada por átomos iguais é polar. Assim como toda molécula trigonal plana e
apolar, pois a distribuição de carga é homogêna, p. tetraédrica é apolar, desde que todas as ligações
ex., molécula de F2 (Fig. 3.8). Já em uma ligação sejam iguais, senão, ela será também polar (Fig.
entre heteroátomos, temos uma ligação polar, onde 3.10).
a extremidade positiva (ou polo) em uma ligação
polar é representada por + (elemento menos Figura 3.10. Exemplos de moléculas polares e apolares.1
eletronegativo) e o polo negativo por – (elemento
mais eletronegativo), p. ex., HF (Fig. 3.8). Quanto
maior essa diferença de eletronegatividade nas
ligações, maior o caráter iônico da ligação.
Ligações apolares dão sempre origem a
moléculas apolares. Porém, ligações polares podem
gerar moléculas tanto polares quanto apolares,
dependendo muitas vezes da geometria adotada.
Vamos considerar as moléculas de CO2 e de H2O.
Ambas possuem duas ligações polares, onde o
oxigênio é o elemento mais eletronegativo e,
portanto, é o que atrai mais densidade eletrônica para
si, tornando-se mais negativo (Fig. 3.9).
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3.8. Teoria de ligação de valência (TLV) núcleos dos elementos, que no caso do H2
corresponde a 74 pm. Nesta distância também temos
A teoria de ligação de valência (TLV) utiliza associada uma energia de ligação que para o H2
conceitos fundamentais de mecânica quântica corresponde a 436 kJ.mol–1, ou seja, esta é a energia
(funções de onda) e foi capaz de conectar as noções necessária para promover a quebra de 1,0 mol de
de Lewis sobre ligações por pares de elétrons e moléculas de H2 (Fig. 3.11)
orbitais atômicos. A TLV básica considera a Caso as densidades eletrônicas interpenetram
interação dos átomos, inicialmente separados, à mais, há um aumento na energia potencial da ligação
medida que eles se aproximam para formar uma H–H, enfraquecendo-a, devido ao aumento drástico
ligação química. Nesse processo, dois orbitais nas forças repulsivas decorrente desta superposição
atômicos de valência se superpõem e, dessa forma, a (Fig. 3.11).
superposição de orbitais permite que dois elétrons de De acordo com a TLV, haverá ligação entre dois
spin contrários compartilhem um espaço comum átomos quando se cumprem as seguintes condições:
entre os núcleos, formando uma ligação covalente. (i) um orbital de um átomo ocupar parte da mesma
Vamos considerar a formação da ligação H–H na região do espaço que um orbital de outro átomo, ou
molécula de H2. Dois átomos de hidrogênio se seja, quando ocorre uma superposição;
aproximam, interagindo entre si e, portanto, (ii) O número total de elétrons nos dois orbitais não
diminuindo a sua energia potencial à medida que as é maior do que dois (compartilhamento de no
densidades eletrônicas dos orbitais 1s de cada máximo um par de elétrons).
hidrogênio se superpõem (Fig. 3.11). Essa Como visto para o H2 (Fig. 3.11), há uma
superposição se dá até se atingir uma posição média, superposição entre os dois orbitais de valência do
em que há um equilíbrio entre as forças atrativas hidrogênio, que são os orbitais 1s (Fig. 3.12). Já na
(núcleo de um elemento com a densidade eletrônica formação do HCl, temos a superposição de um
do outro elemento) e forças repulsivas (núcleo- orbital 1s do H com um orbital 3p de valência do Cl.
núcleo e elétron-elétron). Como esses orbitais são descritos por funções de
Esta distância é denominada comprimento de onda, para que ocorra uma interferência construtiva
ligação e corresponde à distância entre os dois entre os orbitais os sinais das funções de onda devem
se somar, ou seja, devem possui o mesmo sinal.

Figura 3.11. Curva de energia potencial de formação da ligação H–H.

Figura 3.12. Superposição de orbitais durante a formação de H2, HCl e Cl2


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Você aprendeu na teoria quântica básica (ver esta ligação é classificada como ligação sigma ().
Cap. 1), que os orbitais s possuem um único sinal de Neste tipo de ligação, a densidade eletrônica se
função de onda em toda sua região de probabilidade encontra direcionada entre os núcleos.
de densidade eletrônica, entretanto, os orbitais p Na interação entre os orbitais 2px, ou 2py
possuem dois lóbulos, onde um deles possui um sinal (superposição lateral), as mesmas condições de
e o outro um sinal contrário. Sendo assim, na superposição são adotadas, porém se fizermos o
formação do H2, ambos os orbitais 1s devem possuir mesmo giro de 180o ao longo do eixo z, os sinais das
o mesmo sinal e na formação do HCl, o lóbulo do funções de onda são alterados e, portanto, estas
orbital 3p do Cl que interage com o orbital 1s do H ligações são classificadas como pi (). Por isso, que
deve possuir o mesmo sinal. em linhas gerais, uma ligação simples é do tipo
De forma análoga, na formação do Cl2, os dois sigma e as duplas e triplas são do tipo pi.
orbitais 3p de cada Cl se superpõem e estes lóbulos
devem possuir o mesmo sinal de função de onda. 3.8.2. Hibridização

3.8.1. Ligações sigma e pi Vamos considerar agora a molécula de água e


vamos usar a superposição de orbitais para mostrar a
Durante suas aulas de química orgânica no formação das ligações. O átomo central é o oxigênio,
Ensino Médio, você já deve ter ouvido falar em que por sua vez possui configuração do tipo [He] 2s2
ligações sigma e pi. Mas qual a diferença entre estes 2px2 2py1 2pz1. Portanto, ele possui dois orbitais 2p
dois tipos de ligação? semipreenchidos adequados para interagir com dois
Vamos tomar como exemplo a molécula de orbitais 1s de cada H para formar a molécula de H2O.
dinitrogênio (N2). Cada N no seu estado fundamental Porém, sabemos que os orbitais 2p são
possui como configuração eletrônica: [He] 2s2 2p3, perpendiculares entre si e que formam ângulos de
na qual, de acordo com a Regra de Hund, os três 90o. Ou seja, as ligações O–H deveriam possuir
orbitais 2p possuem um elétron cada. Sabemos que ângulos desta ordem. Mas por que então a água
os três orbitais 2p se dispõem ao longo dos três eixos apresenta ângulos de 104o? Para que a TLV se torne
cartesianos xyz. Portanto, temos os orbitais 2px, 2py mais robusta ele precisa utilizar um modelo de
e 2pz de cada N interagindo com os respectivos hibridização e de repulsão dos pares de elétrons da
orbitais de valência do outro átomo de N (Fig. 3.13). camada de valência para ser mais efetiva na
descrição da ligação química.
Fig. 3.13. Ligações sigma e pi na molécula de N2.
a) molécula de BeF2 e a hibridização sp

Vamos considerar a molécula de BeF2 e


determinar a sua estrutura de Lewis. Essa molécula
possui 16 elétrons de valência, que são dispostos da
seguinte forma:

F Be F
Como vimos o Be é uma exceção à regra do
octeto por ser deficiente em densidade eletrônica e
se estabilizar com apenas quatro elétrons de
valência. Sabemos também pelo modelo de RPECV,
como em torno do Be há dois domínios de elétrons,
a sua geometria é linear como apresentada acima.
Bom vamos utilizar agora a TLV para explicar as
duas ligações formadas entre os átomos de flúor e
berílio.
Primeiramente, o Be possui como configuração
no estado fundamental: [He] 2s2 (Esquema 3.1). Se
Quando ambos os orbitais 2pz interagem (eixo de levarmos somente em consideração esse estado do
ligação), é necessário que os lóbulos que se Be, observamos que ele não possui nenhum elétron
superpõem possuam o mesmo sinal de função de desemparelhado para promover uma ligação
onda para formar a ligação. Porém, qual o tipo desta covalente com os átomos de F que possuem um
ligação? Para sabermos, basta realizarmos um giro orbital 2p semipreenchido adequado para promover
de 180o ao longo do eixo z e observamos o que a ligação Be–F. Nesse contexto utilizamos um
acontece com os sinais das funções de onda. Neste modelo de hibridização dos orbitais do átomo
caso, os sinais se mantem inalterados e, portanto, central, para explicar a formação das ligações.
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Capítulo 3 – Ligação Química

Esquema 3.1. Hibridização do BeF2 (sp)

2 orbitais
híbridos sp

Promoção Hibridização

Esse modelo se baseia na promoção eletrônica Além disso, observe o formato dos orbitais
de elétrons para orbitais vazios de maior energia, híbridos gerados. Eles possuem distribuição
porém de mesmo número quântico principal (n). assimétrica, na qual um dos lóbulos ocupa um maior
Uma vez excitado, esses orbitais se misturam espaço, o que facilita a superposição com os orbitais
gerando um novo conjunto de orbitais hibridizados dos demais átomos, promovendo a ligação química.
que permitem a formação de um maior número de
ligações e, por consequência, uma maior estabili- b) molécula de BCl3 e a hibridização sp2
dade das moléculas formadas.
Desta forma, um dos elétrons do orbital 2s do Be Seguindo com mais uma molécula cujo átomo
é promovido para um de seus orbitais 2p. Em central é deficiente em densidade eletrônica, temos o
seguida, o orbital 2s e o orbital 2p (ambos BCl3. Essa molécula possui 24 elétrons de valência,
semipreenchidos) são hibridizados, gerando um cuja estrutura de Lewis é apresentada abaixo.
novo conjunto de orbitais hibridizados com energia
entre os orbitais 2s e 2p que lhe deram origem. Como Cl
este novo conjunto de orbitais é oriundo de um
orbital 2s e um orbital 2p, denominamos eles de
orbitais híbridos do tipo sp (Fig. 3.14).
B
Cl Cl
Figura 3.14. Combinação de orbitais atômicos para
formação de orbitais híbridos sp. Em torno do B há três domínios de elétrons e a
sua geometria é trigonal plana como apresentada
acima. De acordo com a estrutura temos três ligações
B–Cl e, portanto, precisamos explicar pela TLV
como se dão essas ligações, ou seja, o B precisa de
três elétrons desemparelhados para formar as três
ligações com os átomos de cloro.
A configuração eletrônica no estado fundamental
do átomo de B é [He] 2s2 2p1. Portanto, no estado
fundamental, o B só deveria fazer uma ligação
covalente. Neste âmbito, usamos o modelo de
hibridização para compreender essa formação de
ligação. Mais uma vez, ocorre a promoção de um
elétron de um orbital 2s para um orbital 2p. Nesta
condição, há três orbitais semipreenchidos
Os orbitais híbridos sp também se dispõem de adequados para as ligações com os átomos de Cl.
forma a minimizar a repulsão entre os elétrons Sendo assim, os três orbitais se misturam, gerando
adotando um arranjo linear, cujos ângulos são de um novo conjunto de orbitais híbridos do tipo sp2
180o. Portanto, toda molécula que possua um (um orbital 2s + dois orbitais 2p, Esquema 3.2).
arranjo linear terá uma hibridização do tipo sp.

Esquema 3.2. Hibridização do BCl3 (sp2).

3 orbitais
híbridos sp2
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Figura 3.15. Combinação de orbitais atômicos para formação de orbitais híbridos sp2.

Os domínios nos orbitais híbridos sp2 também se covalentes, na qual um elétron do orbital 2s é
dispõem de forma a minimizar a repulsão entre os promovido ao orbital 2p vazio, gerando quatro
elétrons adotando um arranjo trigonal plano, cujos orbitais semipreenchidos. Por fim, os quatro orbitais
ângulos são de 120o (Fig. 3.15). Sendo assim, toda se misturam, gerando um novo conjunto de quatro
molécula que possua um arranjo trigonal plano orbitais híbridos do tipo sp3 (combinação de um
terá uma hibridização do tipo sp2. orbital 2s + três orbitais 2p, Fig. 3.16).
Os orbitais híbridos sp3 também se dispõem
c) molécula de CH4 e a hibridização sp3 espacialmente e adotam um arranjo tetraédrico para
evitar a repulsão e adotam, cujos ângulos são de
Vamos tomar como exemplo agora a molécula de 109,5o. Sendo assim, toda molécula que possua um
metano. Sua estrutura possui 8 elétrons de valência, arranjo tetraédrico terá uma hibridização do tipo
cuja estrutura de Lewis é apresentada ao lado. sp3.
Segundo o modelo RPECV, sua geometria é do Vamos retomar agora aquela pergunta feita no
tipo tetraédrica, pois possui quatro domínios de início desse tópico: como a molécula a água
elétrons em torno do carbono. Assim, precisamos de apresenta ângulos de 104o, sendo que seus orbitais
quatro elétrons desemparelhados para formar as 2p disponíveis fazem ângulos de 90o?
quatro ligações com os hidrogênios. Novamente, A resposta é que a molécula de água também
utilizando a configuração no estado fundamental do sofre um processo de hibridização. Quando
carbono: [He] 2s2 2p2, vemos que o carbono deveria observamos a configuração no estado fundamental
ser divalente (Esquema 3.3). do átomo de oxigênio, de fato observamos que ele já
possui dois orbitais 2p semipreenchidos adequados
H para promover a duas ligações O–H (Esquema 3.4).
Portanto, nenhum processo de promoção é
H C H necessário. Entretanto, sabemos que H2O possui dois
pares de elétrons isolados no átomo de oxigênio,
assim como na sua configuração de valência. Pares
H isolados ou ligações contam como domínios
eletrônicos e eles tendem a ocupar uma posição no
Portanto, um processo de hibridização ocorre espaço a minimizar as repulsões como visto no
para explicar a formação das quatro ligações modelo RPECV.

Esquema 3.3. Hibridização do CH4 (sp3)

4 orbitais
híbridos sp3
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Figura 3.16. Combinação de orbitais atômicos para formação de orbitais híbridos sp3.

Esquema 3.4. Hibridização da H2O (sp3). d) molécula de CH2O (metanal) e o sistema 

Vamos ver agora um exemplo de molécula com


sistema , mais especificamente realizando uma
4 orbitais ligação dupla. A seguir temos a estrutura de Lewis
híbridos sp3 do metanal:
Hibridização

Portanto, temos a mistura de um orbital 2s com


os três orbitais 2p, gerando um novo conjunto de
quatro orbitais híbridos do tipo sp3, onde dois desses
orbitais estão preenchidos e correspondem aos pares Assim como para o metano, o carbono faz quatro
isolados e os outros dois semipreenchidos realizam ligações e, portanto, precisa de quatro orbitais
as ligações O–H. Como neste caso, há quatro semipreenchidos. Desta forma, um dos elétrons do
domínios e quatro orbitais híbridos sp3, o arranjo é orbital 2s é promovido ao orbital 2p vazio do
tetraédrico e como já visto o ângulo de 104o é carbono, gerando os quatro orbitais semipreen-
decorrente do efeito dos pares isolados (Esquema chidos. Entretanto, somente três das ligações em
3.4). torno do carbono são do tipo sigma (ligações
simples) e é somente esse tipo de ligação que sobre
a hibridização. Portanto, um orbital 2s e dois orbitais
Atividade 4.1: faça o mesmo tipo de análise e 2p se combinam gerando três orbitais híbridos do
esquemas de hibridização correlacionando com a tipo sp2, o que justifica as três ligações sigma em
estrutura de Lewis da molécula de amônia (NH3). torno do carbono e a geometria trigonal plana. E a
ligação ? Ela será formada justamente pelo orbital
Até aqui vimos os esquemas de hibridação para 2p inalterado e que não se hibridizou. Como vimos
descrever as ligações simples (sistema ) através das anteriormente para que uma ligação seja , ela
hibridizações sp, sp2 e sp3. E os sistemas ? como precisa ter sinais de função de onda no orbital
conseguimos explicar sua formação? diferentes, para que ao se realizar um giro de 180o
em torno do eixo z, os sinais das funções de onda se
alterem e isso só possível para um orbital p e nunca
para um orbital s (Esquema 3.5).
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Capítulo 3 – Ligação Química

Esquema 3.5. Hibridização sp2 e sistema  do metanal.

3 orbitais
híbridos sp2
Promoção Hibridização

Esquema 3.6. Hibridização e sistema  do ácido cianídrico.

2 orbitais de simetria p

2 orbitais
híbridos sp
Promoção Hibridização

d) molécula de HCN e o sistema  do tipo sigma (ligações simples) e é somente esse


tipo de ligação que sobre a hibridização. Portanto,
Por fim, iremos ver agora como ocorre a um orbital 2s e um orbital 2p se combinam gerando
hibridização e os sistema  na molécula de ácido dois orbitais híbridos do tipo sp2, o que justifica as
cianídrico. A sua estrutura de Lewis é apresentada duas ligações sigma em torno do carbono e a
abaixo: geometria linear. Já o sistema  será formado pelos
orbitais 2p inalterados e que não se hibridizaram
H C N (Esquema 3.6).
Mais uma vez para explicar as quatro ligações em A Tabela 3.3 a seguir resume a correlação entre
torno do carbono, um dos elétrons do orbital 2s é os diferentes arranjos e hibridizações dos principais
promovido ao orbital 2p vazio, gerando os quatro sistemas e moléculas que serão estudados durante
orbitais semipreenchidos. Entretanto neste caso, este curso.
somente duas das ligações em torno do carbono são
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Capítulo 3 – Ligação Química

Número de Número Número


domínios de Arranjo de de pares Geometria molecular Hibridização
elétrons ligações isolados
2 B A B
2 0 sp
(AB2)
linear linear
B

3 0 A sp2
B B
3 trigonal plano
(AB3)

trigonal plano
2 1 A sp2
B B
angular
B

4 0 A sp3
B
B
B
tetraédrico

4 A
(AB4) 3 1 B sp3
B
B
tetraédrico piramidal

A
2 2 B sp3

B
angular
Tabela 3.3. Arranjos, geometrias e hibridizações das moléculas de sistemas AB2, AB3 e AB4. Adaptado de [1].

Créditos das figuras / tabelas / esquemas

1 – BROWN, T., LE MAY, H. E., BURSTEN, B. E.,


Química: a Ciência Central, 13ª Ed., São Paulo,
Pearson, 2017.
2 – ATKINS, P. W., JONES, L. L. Princípios de
Química. Questionando a vida moderna e o meio
ambiente, 7ª Ed., Porto Alegre, Bookman, 2018

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