Você está na página 1de 1

Após a chegada de Carlos a casa de Maria Eduarda na Rua de S.

Francisco, o protagonista da ação aparenta, por


um certo instante, não estar inteiramente ciente do seu grau de parentesco com Rosa. De facto, esta inocência é
demonstrada no momento em que aquela criança corria alegremente na sua direção com o intuito de o abraçar.
Curiosamente, a primeira reação apresentada por Carlos nada diferia relativamente ao seu habitual
comportamento, anterior à anagnórise. Todavia, a atitude face à filha de Maria Eduarda é repentinamente alterada
mal a reconhece pela primeira vez como sobrinha, largando-a por susto. Fixando os olhos nela, que não
compreendia o motivo daquela perturbação, reflete nostalgicamente sobre a diferente conceção que tinha de Rosa,
aquela com quem se divertia carinhosamente nos Olivais. Por fim, ao associar a aparência da sobrinha à de Maria,
rapidamente torna a acariciá-la de tal modo que a magoa involuntariamente, assustando-a. A interação familiar
entre os dois termina assim que Miss Sara aparece para levar a pequenina para a cama.

Enquanto se dá a primeira consumação do incesto, Afonso, dando conta da ausência do seu neto, dirige-se a Ega,
que coloca a hipótese de Carlos ter saído com Craft para ir ver o marquês. No dia seguinte, Baptista comunica que
ele teria ido cedo para a Tapada a cavalo. De facto, João da Ega considera extraordinário como o seu amigo chegado
consegue passear a cavalo e comparecer alegremente ao jantar do marquês após ser dado a conhecer a sua
desgraça, o que o leva a questionar sobre o que se teria passado na ida de Carlos à rua de São Francisco. No
regresso do jantar, o médico assume ainda não ter comunicado aquilo que pretendia a Maria Eduarda.

A meio da noite, Ega acorda por sede e ouve uma porta e uma janela a baterem por baixo, no quarto de Carlos, o
que o leva a sair da cama e averiguá-lo, ficando horrorizado quando, ao observar a cama ainda feita e vazia,
constata que o Maia estaria a dormir com a sua irmã. Indignado, ocorre-lhe primeiramente a ideia de fugir para
Celorico, de modo a não testemunhar aquela anormalidade, evitando nesse dia qualquer contacto com os Maias.
Ao voltar da soirée da Gouvarinho, é dado a saber por Afonso que, ele próprio, abdicando da sua integridade, teria
mandado alguém espreitar, não deixando agora qualquer rasto de dúvidas de que, para sua profunda tristeza e
revolta, o neto estaria, naquele preciso momento, a cometer incesto. Ega intensifica a sua determinação em partir
para Celorico, depois de dizer gravemente a Carlos que estaria a matar o avô. Na manhã seguinte, enquanto faz a
mala, tem a sorte de encontrar o dog-cart de Carlos e não hesita em o interpelar brutamente, interrogando-o se iria
para Santa Olávia e exigindo explicações para o seu comportamento fugaz. O outro apenas implora por paciência
para com ele e é esta súplica humilde que leva o seu melhor amigo a ponderar a decisão tomada, acabando por
reconhecer o egoísmo que seria abandonar os Maias num momento difícil, depois de se divertir, ser acolhido por
vários anos, acompanhando a pequena família de perto, num ambiente intrinsecamente familiar.

O conflito interior de Carlos após a reincidência no incesto dá-se no momento em que pretende regressar de casa de
Maria Eduarda para o Ramalhete, às quatro horas da madrugada. Na verdade, a certeza de que agora os seus entes
queridos sabiam da sua decadência moral suscitava-lhe o medo de encará-los. Deste modo, surge na personagem o
desejo tipicamente romântico de evasão. Deixa de ponderar a hipótese de fugir para Santa Olávia, separando-se de
Maria, por considerar que não era suficientemente aprazível na medida em que ele abominaria a ideia de que a
memória da sua perdição permaneceria intacta nos seus amigos chegados e no seu avô. Seria menos penoso deixar-se
levar pela paixão e escapar com Maria, inocente do seu grau de parentesco, para longe. Porém, este último desejo é
repelido por uma gradual repugnância que tem sentido por ela desde que soube da consanguinidade entre os dois. O
Maia apercebe-se de que poderia ter uma vida mais feliz, numa casa simples e acompanhado por uma mulher
legítima. Esta reflexão culmina, à maneira romântica, com o desejo de morte, que é reforçado assim que se depara
com o avô, que surge lívido e espetral no Ramalhete. Portanto, alguns grãos de láudano seriam, aos olhos de Carlos, a
solução perfeita para a sua angústia.

- Após encontrar o corpo de Afonso perto da cascata, no jardim, e de a morte do mesmo ser confirmada pelo Dr.
Azevedo, Carlos da Maia entra em choque e parece ser dominado por visões nostálgicas do seu avô a fumar ao
canto do fogão, bem como a regar as roseiras de manhã. O que mais o agonizava era não se terem despedido,
tendo o último momento dos dois correspondido ao instante de tensão, melancolia e angústia em que se
encontravam assim que avistou o velho com uma vela acesa na mão, destroçado e reconhecendo a desgraça do
neto pela qual falecera. Primeiramente, ocorre-lhe mais uma vez a ideia de suicídio, mas, desabafando com João da
Ega, que tenta repelir a ideia de que Carlos foi o responsável pelo perecimento, passa a aceitar humildemente a
morte do avô como um castigo, um peso na consciência com o qual deveria viver.

Você também pode gostar