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Índice

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFRN
•A ssistente em Administração
EDITAL Nº 005/2015

Língua Portuguesa

Organização do texto 1.1. Propósito comunicativo. 1.2. Tipos de texto (dialogal, descritivo, narrativo, injuntivo,
explicativo e argumentativo). 1.3. Gêneros discursivos. 1.4. Mecanismos coesivos. 1.5. Fatores de coerência textual. 1.6.
Progressão temática. 1.7. Paragrafação. 1.8. Citação do discurso alheio. 1.9. Informações implícitas. 1.10 Linguagem
denotativa e linguagem conotativa ............................................................................................................................................01
Conhecimento linguístico 2.1. Variação linguística. 2.2. Classes de palavras: usos e adequações. 2.3. Convenções da
norma padrão (no âmbito da concordância, da regência, da ortografa e da acentuação gráfca). 2.4. Organização do
período simples e do período composto. 2.5. Pontuação. 2.6. Relações semânticas entre palavras (sinonímia, antonímia,
hiponímia e hiperonímia) ...........................................................................................................................................................34
Produção de texto (Redação) 3.1. A Prova de Redação exigirá que o candidato produza um texto argumentativo em
prosa, segundo a norma padrão da língua portuguesa escrita, com base em uma situação comunicativa determinada, em
um dos seguintes gêneros: artigo de opinião ou carta argumentativa ...................................................................................83

Legislação

1. Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990 - Regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das
fundações públicas federais........................................................................................................................................................01
Índice
Conhecimentos Específcos

1. Conhecimentos Básicos em Administração: características básicas das organizações, natureza, fnalidade, evolução,
níveis e departamentalização .....................................................................................................................................................01
2. Funções do processo administrativo: planejamento, organização, direção e controle ..............................................04
3. Ferramentas administrativas: organograma, uxograma, cronogramas e manuais operacionais ..........................10
4. Conhecimentos básicos em Administração Financeira: fundamentos e técnicas; orçamento e controle de custos .........13
5. Conhecimentos básicos em Administração de Materiais e logística e serviços gerais ...............................................16

6. Técnicas
documentos de arquivo e controle de documentos: classifcação,
........................................................................................... codifcação, catalogação e arquivamento de
.......................................................................................21
7. Elementos de redação técnica: documentos ofciais, atas de reuniões, tratamento de correspondências, normas e
despachos de correspondências e uso de serviços postais ........................................................................................................22
8. Atendimento ao usuário: procedimentos, postura e tratamento adequado. ...................................................43
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Língua Portuguesa
Língua Portuguesa
Exemplos: texto de opinião, carta do leitor, carta de solicita-
1. ORGANIZAÇÃO DO T EXTO 1. 1. PROPÓSI- ção, deliberação informal, discurso de defesa e acusação (advo-
TO COMUNI CATIVO. 1 .2. TIPOS DE TEXTO cacia), resenha crítica, artigos de opinião ou assinados, editorial.
(DIALOGAL, DESCRITIVO, NARRATIVO, Exposição: Apresenta informações sobre assuntos, expõe
ideias; explica, avalia, reete. (analisa ideias). Estrutura básica;
IN JU NT IV O, EX PLI CATI VO E ARG UM EN- ideia principal; desenvolvimento; conclusão. Uso de linguagem
TATIVO). 1.3. GÊNEROS DISCUR SIVOS. 1.4. clara. Ex: ensaios, artigos cientícos, exposições etc.
ME CAN IS MO S CO ESI VOS . 1.5. FATOR ES D E Injunção: Indica como realizar uma ação. É também utilizado
COERÊNCI A TEXTUAL. 1 .6. PROGRESSÃO para predizer acontecimentos e comportamentos. Utiliza lingua-
TEMÁTICA. 1.7. PARAGRAFAÇÃO. 1.8. CI- gem objetiva e simples. Os verbos são, na sua maioria, emprega-
TAÇÃO DO DISCU RSO ALHEIO. 1.9. INFOR- dos no modo imperativo. Há também o uso do futuro do presente.
MAÇ ÕES IM PLÍ CI TAS. 1.10 LI NG UA GE M Ex: Receita de um bolo e manuais.
DE NO TATIVA E LIN GU AG EM C ON OTATI- Diálogo: é uma conversação estabelecida entre duas ou mais
VA. pessoas. Pode conter marcas da linguagem oral, como pausas e
retomadas.
Entrevista: é uma conversação entre duas ou mais pessoas (o
entrevistador e o entrevistado), na qual perguntas são feitas pelo
Texto Literário: expressa a opinião pessoal do autor que tam- entrevistador para obter informação do entrevistado. Os repórteres
bém é transmitida através de guras, impregnado de subjetivismo. entrevistam as suas fontes para obter declarações que validem as
Ex: um romance, um conto, uma poesia... (Conotação, Figurado, informações apuradas ou que relatem situações vividas por per -
Subjetivo, Pessoal). sonagens. Antes de ir para a rua, o repórter recebe uma pauta que
contém informações que o ajudarão a construir a matéria. Além
Texto Não-Literário: preocupa-se em transmitir uma mensa- das informações, a pauta sugere o enfoque a ser trabalhado assim
gem da forma mais clara e objetiva possível. Ex: uma notícia de como as fontes a serem entrevistadas. Antes da entrevista o repór-
jornal, uma bula de medicamento. (Denotação, Claro, Objetivo, ter costuma reunir o máximo de informações disponíveis sobre o
Informativo). assunto a ser abordado e sobre a pessoa que será entrevistada. Mu-
O objetivo do texto é passar conhecimento para o leitor. Nesse nido deste material, ele formula perguntas que levem o entrevista-
tipo textual, não se faz a defesa de uma ideia. Exemplos de textos do a fornecer informações novas e relevantes. O repórter também
explicativos são os encontrados em manuais de instruções. deve ser perspicaz para perceber se o entrevistado mente ou ma -
Informativo: Tem a função de informar o leitor a respeito de nipula dados nas suas respostas, fato que costuma acontecer prin -
algo ou alguém, é o texto de uma notícia de jornal, de revista, cipalmente com as fontes ociais do tema. Por exemplo, quando
folhetos informativos, propagandas. Uso da função referencial da o repórter vai entrevistar o presidente de uma instituição pública
linguagem, 3ª pessoa do singular. sobre um problema que está a afetar o fornecimento de serviços
Descrição: Um texto em que se faz um retrato por escrito de à população, ele tende a evitar as perguntas e a querer reverter a
um lugar, uma pessoa, um animal ou um objeto. A classe de pala- resposta para o que considera positivo na instituição. É importante
vras mais utilizada nessa produção é o adjetivo, pela sua função que o repórter seja insistente. O entrevistador deve conquistar a
caracterizadora. Numa abordagem mais abstrata, pode-se até des- conança do entrevistado, mas não tentar dominá-lo, nem ser por
crever sensações ou sentimentos. Não há relação de anteriorida- ele dominado. Caso contrário, acabará induzindo as respostas ou
de e posterioridade. Signica “criar” com palavras a imagem do perdendo a objetividade.
objeto descrito. É fazer uma descrição minuciosa do objeto ou da As entrevistas apresentam com frequência alguns sinais de
personagem a que o texto se refere. pontuação como o ponto de interrogação, o travessão, aspas, re-
Narração: Modalidade em que se conta um fato, ctício ou ticências, parêntese e as vezes colchetes, que servem para dar ao
não, que ocorreu num determinado tempo e lugar, envolvendo
certos personagens. Refere-se a objetos do mundo real. Há uma leitor maior informações que ele supostamente desconhece. O títu-
relação de anterioridade e posterioridade. O tempo verbal predo- lo da entrevista é um enunciado curto que chama a atenção do lei-
minante é o passado. Estamos cercados de narrações desde as que tor e resume a ideia básica da entrevista. Pode estar todo em letra
nos contam histórias infantis, como o “Chapeuzinho Vermelho” maiúscula e recebe maior destaque da página. Na maioria dos ca -
ou a “Bela Adormecida”, até as picantes piadas do cotidiano. sos, apenas as preposições cam com a letra minúscula. O subtítu-
Dissertação: Dissertar é o mesmo que desenvolver ou expli- lo introduz o objetivo principal da entrevista e não vem seguido de
car um assunto, discorrer sobre ele. Assim, o texto dissertativo ponto nal. É um pequeno texto e vem em destaque também. A fo-
pertence ao grupo dos textos expositivos, juntamente com o texto tograa do entrevistado aparece normalmente na primeira página
da entrevista e pode estar acompanhada por uma frase dita por ele.
de apresentaçãoEm
enciclopédico. cientíca,
princípio,o orelatório, o texto didático,
texto dissertativo não está opreocu-
artigo As frases importantes ditas pelo entrevistado e que aparecem em
pado com a persuasão e sim, com a transmissão de conhecimento, destaque nas outras páginas da entrevista são chamadas de “olho”.
sendo, portanto, um texto informativo.
Argumentativo: Os textos argumentativos, ao contrário, têm Crônica: Assim como a fábula e o enigma, a crônica é um
por nalidade principal persuadir o leitor sobre o ponto de vista gênero narrativo. Como diz a srcem da palavra (Cronos é o deus
do autor a respeito do assunto. Quando o texto, além de explicar, grego do tempo), narra fatos históricos em ordem cronológica, ou
também persuade o interlocutor e modica seu comportamento, trata de temas da atualidade. Mas não é só isso. Lendo esse texto,
temos um texto dissertativo-argumentativo. você conhecerá as principais características da crônica, técnicas de
sua redação e terá exemplos.

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Língua Portuguesa
Uma das mais famosas crônicas da história da literatura lu- De uma forma geral, passamos por diferentes níveis ou etapas
so-brasileira corresponde à denição de crônica como “narração até termos condições de aproveitar totalmente o assunto lido. Es-
histórica”. É a “Carta de Achamento do Brasil”, de Pero Vaz de sas etapas ou níveis são cumulativas e vão sendo adquiridas pela
Caminha”, na qual são narrados ao rei português, D. Manuel, o vida, estando presente em praticamente toda a nossa leitura.
descobrimento do Brasil e como foram os primeiros dias que os
marinheiros portugueses passaram aqui. Mas trataremos, sobretu- O Primeiro Nível é elementar e diz respeito ao período de
do, da crônica como gênero que comenta assuntos do dia a dia. alfabetização. Ler é uma capacidade cerebral muito sosticada e
Para começar, uma crônica sobre a crônica, de Machado de Assis: requer experiência: não basta apenas conhecermos os códigos, a
gramática, a semântica, é preciso que tenhamos um bom domínio
O nascimento da crônica da língua.

“Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. O Segundo Nível é a pré-leitura ou leitura inspecional. Tem
É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando duas funções especícas: primeiro, prevenir para que a leitura pos-
as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sa- terior não nos surpreenda e, sendo, para que tenhamos chance de
cudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmos- escolher qual material leremos, efetivamente. Trata-se, na verdade,
féricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras de nossa primeira impressão sobre o livro. É a leitura que comu-
sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace mente desenvolvemos “nas livrarias”. Nela, por meio do salteio de
est rompue está começada a crônica. (...) partes, respondem basicamente às seguintes perguntas:
(Machado de Assis. “Crônicas Escolhidas”. São Paulo: - Por que ler este livro?
Editora Ática, 1994) - Será uma leitura útil?
- Dentro de que contexto ele poderá se enquadrar?
Publicada em jornal ou revista onde é publicada, destina-se
à leitura diária ou semanal e trata de acontecimentos cotidianos. Essas perguntas devem ser revistas durante as etapas que se
A crônica se diferencia no jornal por não buscar exatidão da in- seguem, procurando usar de imparcialidade quanto ao ponto de
formação. Diferente da notícia, que procura relatar os fatos que vista do autor, e o assunto, evitando preconceitos. Se você se pro -
acontecem, a crônica os analisa, dá-lhes um colorido emocional, puser a ler um livro sem interesse, com olhar crítico, rejeitando-o
mostrando aos olhos do leitor uma situação comum, vista por ou - antes de conhecê-lo, provavelmente o aproveitamento será muito
tro ângulo, singular. baixo.
O leitor pressuposto da crônica é urbano e, em princípio, um Ler é armazenar informações; desenvolver; ampliar horizon-
leitor de jornal ou de revista. A preocupação com esse leitor é que tes; compreender o mundo; comunicar-se melhor; escrever me-
faz com
ção que, dentre do
aos problemas os assuntos
modo detratados, o cronista
vida urbano, dê maior
do mundo aten-
contem- lhor; relacionar-se melhor com o outro.
porâneo, dos pequenos acontecimentos do dia a dia comuns nas Pré-Leitura
grandes cidades. Nome do livro
Jornalismo e literatura: É assim que podemos dizer que a crô- Autor
nica é uma mistura de jornalismo e literatura. De um recebe a ob- Dados Bibliográcos
servação atenta da realidade cotidiana e do outro, a construção da Prefácio e Índice
linguagem, o jogo verbal. Algumas crônicas são editadas em livro, Prólogo e Introdução
para garantir sua durabilidade no tempo.
O primeiro passo é memorizar o nome do autor e a edição do
Interpretação de Texto livro, fazer um folheio sistemático: ler o prefácio e o índice (ou
sumário), analisar um pouco da história que deu srcem ao livro,
O primeiro passo para interpretar um texto consiste em de- ver o número da edição e o ano de publicação. Se falarmos em ler
compô-lo, após uma primeira leitura, em suas “ideias básicas ou um Machado de Assis , um Júlio Verne, um Jorge Amado, já esta-
ideias núcleo”, ou seja, um trabalho analítico buscando os con- remos sabendo muito sobre o livro. É muito importante vericar
ceitos denidores da opinião explicitada pelo autor. Esta operação estes dados para enquadrarmos o livro na cronologia dos fatos e na
fará com que o signicado do texto “salte aos olhos” do leitor. Ler atualidade das informações que ele contém. Verique detalhes que
é uma atividade muito mais complexa do que a simples interpre- possam contribuir para a coleta do maior número de informações
tação dos símbolos grácos, de códigos, requer que o indivíduo possível. Tudo isso vai ser útil quando formos arquivar os dados
seja capaz de interpretar o material lido, comparando-o e incorpo- lidos no nosso arquivo mental. A propósito, você sabe o que seja
rando-o à sua bagagem pessoal, ou seja, requer que o indivíduo um prólogo, um prefácio e uma introdução? Muita gente pensa que
mantenha um comportamento ativo diante da leitura. os três são a mesma coisa, mas não:
Prólogo: é um comentário feito pelo autor a respeito do tema
Os diferentes níveis de leitura e de sua experiência pessoal.
Prefácio: é escrito por terceiros ou pelo próprio autor, referin-
Para que isso aconteça, é necessário que haja maturidade para do-se ao tema abordado no livro e muitas vezes também tecendo
a compreensão do material lido, senão tudo cairá no esquecimento comentários sobre o autor.
ou cará armazenado em nossa memória sem uso, até que tenha- Introdução: escrita também pelo autor, referindo-se ao livro
mos condições cognitivas para utilizar. e não ao tema.

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Língua Portuguesa
O segundo passo é fazer uma leitura supercial. Pode-se, nes- mente exercícios físicos com o propósito de melhorar a aparência
se caso, aplicar as técnicas da leitura dinâmica. e a saúde. Pois bem, embora não tenhamos condições de ver com
o que se apresenta nossa mente, somos capazes de senti-la quando
O Terceiro Nível é conhecido como analítico. Depois de vas- melhoramos nossas aptidões como o raciocínio, a prontidão de in-
culharmos bem o livro na pré-leitura, analisamos o livro. Para isso, formações e, obviamente, nossos conhecimentos intelectuais. Vale
é imprescindível que saibamos em qual gênero o livro se enquadra: a pena se esforçar no início e criar um método de leitura eciente
trata-se de um romance, um tratado, um livro de pesquisa e, neste e rápido.
caso, existe apenas teoria ou são inseridas práticas e exemplos. No
caso de ser um livro teórico, que requeira memorização, procure Ideias Núcleo
criar imagens mentais sobre o assunto, ou seja, veja, realmente, o
que está lendo, dando vida e muita criatividade ao assunto. Note O primeiro passo para interpretar um texto consiste em de-
bem: a leitura efetiva vai acontecer nesta fase, e a primeira coisa a compô-lo, após uma primeira leitura, em suas “ideias básicas ou
fazer é ser capaz de resumir o assunto do livro em duas frases. Já ideias núcleo”, ou seja, um trabalho analítico buscando os con-
temos algum conteúdo para isso, pois o encadeamento das ideias já ceitos denidores da opinião explicitada pelo autor. Esta operação
é de nosso conhecimento. Procure, agora, ler bem o livro, do início fará com que o signicado do texto “salte aos olhos” do leitor.
ao m. Esta é a leitura efetiva, aproveite bem este momento. Fique Exemplo:
atento! Aproveite todas as informações que a pré-leitura ofereceu.
Não pare a leitura para buscar signicados de palavras em dicioná- “Incalculável é a contribuição do famoso neurologista aus-
rios ou sublinhar textos, isto será feito em outro momento. tríaco no tocante aos estudos sobre a formação da personalidade
humana. Sigmund Freud (1859-1939) conseguiu acender luzes
O Quarto Nível de leitura é o denominado de controle. Tra- nas camadas mais profundas da psique humana: o inconsciente
ta-se de uma leitura com a qual vamos efetivamente acabar com e subconsciente. Começou estudando casos clínicos de compor-
qualquer dúvida que ainda persista. Normalmente, os termos des- tamentos anômalos ou patológicos, com a ajuda da hipnose e em
conhecidos de um texto são explicitados neste próprio texto, à me- colaboração com os colegas Joseph Breuer e Martin Charcot (Es-
dida que vamos adiantando a leitura. Um mecanismo psicológico tudos sobre a histeria, 1895). Insatisfeito com os resultados obti-
fará com que quemos com aquela dúvida incomodando-nos até dos pelo hipnotismo, inventou o método que até hoje é usado pela
que tenhamos a resposta. Caso não haja explicação no texto, será psicanálise: o das ‘livres associações’ de ideias e de sentimentos,
na etapa do controle que lançaremos mão do dicionário. estimuladas pela terapeuta por palavras dirigidas ao paciente
Veja bem: a esta altura já conhecemos bem o livro e o ato de com o m de descobrir a fonte das perturbações mentais. Para
interromper a leitura não vai fragmentar a compreensão do assunto este caminho de regresso às srcens de um trauma, Freud se uti-
como um
tópicos todo. Será, se
importantes, também, nessaPara
necessário. etaparessaltar
que sublinharemos os-
trechos impor lizou especialmente
rando os sonhos comoda linguagem onírica
compensação dos pacientes,
dos desejos conside-
insatisfeitos na
tantes opte por um sinal discreto próximo a eles, visando principal- fase de vigília.
mente a marcar o local do texto em que se encontra, obrigando-o a Mas a grande novidade de Freud, que escandalizou o mundo
xar a cronologia e a sequência deste fato importante, situando-o cultural da época, foi a apresentação da tese de que toda neurose
no livro. é de srcem sexual.”
Aproveite bem esta etapa de leitura. Para auxiliar no estudo, é (Salvatore D’Onofrio)
interessante que, ao nal da leitura de cada capítulo, você faça um
breve resumo com suas próprias palavras de tudo o que foi lido. Primeiro Conceito do Texto: “Incalculável é a contribuição
do famoso neurologista austríaco no tocante aos estudos sobre a
Um Quinto Nível pode ser opcional: a etapa da repetição formação da personalidade humana. Sigmund Freud (1859-1939)
aplicada. Quando lemos, assimilamos o conteúdo do texto, mas conseguiu acender luzes nas camadas mais profundas da psique
aprendizagem efetiva vai requerer que tenhamos prática, ou seja, humana: o inconsciente e subconsciente.” O autor do texto arma,
que tenhamos experiência do que foi lido na vida. Você só pode inicialmente, que Sigmund Freud ajudou a ciência a compreender
compreender conceitos que tenha visto em seu cotidiano. Nada os níveis mais profundos da personalidade humana, o inconsciente
como unir a teoria à prática. Na leitura, quando não passamos pela e subconsciente.
etapa da repetição aplicada, camos muitas vezes sujeitos àqueles
brancos quando queremos evocar o assunto. Para evitar isso, faça Segundo Conceito do Texto: “Começou estudando casos clí-
resumos. nicos de comportamentos anômalos ou patológicos, com a aju-
Observe agora os trechos sublinhados do livro e os resumos da da hipnose e em colaboração com os colegas Joseph Breuer e
de cada capítulo, trace um diagrama sobre o livro, esforce-se para Martin
os Charcot
resultados (Estudos
obtidos pelosobre a histeria,
hipnotismo, 1895).o Insatisfeito
inventou método quecom
até
traduzi-lo com suas próprias palavras. Procure associar o assunto
lido com alguma experiência já vivida ou tente exemplicá-lo com hoje é usado pela psicanálise: o das ‘livres associações’ de ideias
algo concreto, como se fosse um professor e o estivesse ensinando e de sentimentos, estimuladas pela terapeuta por palavras dirigi-
para uma turma de alunos interessados. É importante lembrar que das ao paciente com o m de descobrir a fonte das perturbações
esquecemos mais nas próximas 8 horas do que nos 30 dias poste- mentais.” A segunda ideia núcleo mostra que Freud deu início a
riores. Isto quer dizer que devemos fazer pausas durante a leitura e sua pesquisa estudando os comportamentos humanos anormais ou
ao retornarmos ao livro, consultamos os resumos. Não pense que doentios por meio da hipnose. Insatisfeito com esse método, criou
é um exercício monótono. Nós somos capazes de realizar diaria- o das “livres associações de ideias e de sentimentos” .

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Língua Portuguesa
Terceiro Conceito do Texto: “Para este caminho de regresso - Os adjetivos ligados a um substantivo vão dar a ele maior
às srcens de um trauma, Freud se utilizou especialmente da lin- clareza de expressão, aumentando-lhe ou determinando-lhe o sig-
guagem onírica dos pacientes, considerando os sonhos como com- nicado;
pensação dos desejos insatisfeitos na fase de vigília.” Aqui, está - Esclarecer o vocabulário;
explicitado que a descoberta das raízes de um trauma se faz por - Entender o vocabulário;
meio da compreensão dos sonhos, que seriam uma linguagem me- - Viver a história;
tafórica dos desejos não realizados ao longo da vida do dia a dia. - Ative sua leitura;
- Ver, perceber, sentir, apalpar o que se pergunta e o que se
Quarto Conceito do Texto: “Mas a grande novidade de Freud, pede;
que escandalizou o mundo cultural da época, foi a apresentação - Não se deve preocupar com a arrumação das letras nas al-
da tese de que toda neurose é de srcem sexual.” Por m, o tex-
to arma que Freud escandalizou a sociedade de seu tempo, ar- ternativas;
- As perguntas são fáceis, dependendo de quem lê o texto ou
mando a novidade de que todo o trauma psicológico é de srcem como o leu;
sexual. - Cuidado com as opiniões pessoais, elas não existem;
- Sentir, perceber a mensagem do autor;
Podemos, tranquilamente, ser bem-sucedidos numa interpre- - Cuidado com a exatidão das questões em relação ao texto;
tação de texto. Para isso, devemos observar o seguinte: - Descobrir o assunto e procurar pensar sobre ele;
- Todos os termos da análise sintática, cada termo tem seu
- Ler todo o texto, procurando ter uma visão geral do assunto; valor, sua importância;
- Se encontrar palavras desconhecidas, não interrompa a leitu- - Todas as orações subordinadas têm oração principal e as
ra, vá até o m, ininterruptamente; ideias se completam.
- Ler, ler bem, ler profundamente, ou seja, ler o texto pelo
menos umas três vezes; Vícios de Leitura
- Ler com perspicácia, sutileza, malícia nas entrelinhas;
- Voltar ao texto tantas quantas vezes precisar; Por acaso você tem o hábito de ler movimentando a cabeça?
- Não permitir que prevaleçam suas ideias sobre as do autor; Ou quem sabe, acompanhando com o dedo? Talvez vocalizando
- Partir o texto em pedaços (parágrafos, partes) para melhor baixinho... Você não percebe, mas esses movimentos são alguns
compreensão; dos tantos que prejudicam a leitura. Esses movimentos são conhe-
- Centralizar cada questão ao pedaço (parágrafo, parte) do tex-
cidos como vícios de linguagem.
to correspondente;
Movimentar a cabeça: procure perceber se você não está
-- Vericar, com os
Cuidado com atenção e cuidado,
vocábulos: destoao enunciado
(=diferentedede...),
cada não,
questão; movimentando a cabeça enquanto lê. Este movimento, ao nal
correta, incorreta, certa, errada, falsa, verdadeira, exceto, e outras; de pouco tempo, gera muito cansaço além de não causar nenhum
palavras que aparecem nas perguntas e que, às vezes, dicultam a efeito positivo. Durante a leitura apenas movimentamos os olhos.
entender o que se perguntou e o que se pediu; Regressar no texto, durante a leitura: pessoas que têm dicul-
- Quando duas alternativas lhe parecem corretas, procurar a dade de memorizar um assunto, que não compreendem algumas
mais exata ou a mais completa; expressões ou palavras tendem a voltar na sua leitura. Este movi-
- Quando o autor apenas sugerir ideia, procurar um fundamen- mento apenas incrementa a falta de memória, pois secciona a linha
to de lógica objetiva; de raciocínio e raramente explica o desconhecido, o que normal-
- Cuidado com as questões voltadas para dados superciais; mente é elucidado no decorrer da leitura. Procure sempre manter
- Não se deve procurar a verdade exata dentro daquela respos- uma sequência e não que “indo e vindo” no livro. O assunto pode
ta, mas a opção que melhor se enquadre no sentido do texto; se tornar um bicho de sete cabeças!
- Às vezes a etimologia ou a semelhança das palavras denun- Ler palavra por palavra: para escrever usamos muitas pala-
cia a resposta; vras que apenas servem como adereços. Procure ler o conjunto e
- Procure estabelecer quais foram as opiniões expostas pelo perceber o seu signicado.
autor, denindo o tema e a mensagem; Sub-vocalização: é o ato de repetir mentalmente a palavra.
- O autor defende ideias e você deve percebê-las; Isto só será corrigido quando conseguirmos ultrapassar a marca de
- Os adjuntos adverbiais e os predicativos do sujeito são im- 250 palavras por minuto.
portantíssimos na interpretação do texto. Exemplos: Usar apoios: algumas pessoas têm o hábito de acompanhar a
leitura com réguas, apontando ou utilizando um objeto que salta
Ele morreu de fome. “linha a linha”. O movimento dos olhos é muito mais rápido quan -
de fome: adjunto adverbial de causa, determina a causa na do é livre do que quando o fazemos guiado por qualquer objeto.
realização do fato (= morte de “ele”).
Ele morreu faminto. Leitura Eciente
faminto: predicativo do sujeito, é o estado em que “ele” se
encontrava quando morreu. Ao ler realizamos as seguintes operações:

- As orações coordenadas não têm oração principal, apenas as - Captamos o estímulo, ou seja, por meio da visão, encami-
ideias estão coordenadas entre si; nhamos o material a ser lido para nosso cérebro.

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Língua Portuguesa
- Passamos, então, a perceber e a interpretar o dado sensorial - Ambiente: o ambiente de leitura deve ser preparado para ela.
(palavras, números etc.) e a organizá-lo segundo nossa bagagem Nada de ambientes com muitos estímulos que forcem a dispersão.
de conhecimentos anteriores. Para essa etapa, precisamos de moti- Deve ser um local tranquilo, agradável, ventilado, com uma cadei-
vação, de forma a tornar o processo mais otimizado possível. ra confortável para o leitor e mesa para apoiar o livro a uma altura
- Assimilamos o conteúdo lido integrando-o ao nosso “arqui- que possibilite postura corporal adequada. Quanto a iluminação,
vo mental” e aplicando o conhecimento ao nosso cotidiano. deve vir do lado posterior esquerdo, pois o movimento de virar a
página acontecerá antes de ter sido lida a última linha da página di-
A leitura é um processo muito mais amplo do que podemos reita e, de outra forma, haveria a formação de sombra nesta página,
imaginar. Ler não é unicamente interpretar os símbolos grácos, o que atrapalharia a leitura.
mas interpretar o mundo em que vivemos. Na verdade, passamos - Objetos necessários: para evitar que, durante a leitura, le-
todo o nosso tempo lendo!
O psicanalista francês Lacan disse que o olhar da mãe con- vantarmos para pegar
devemos colocar lápis,algum objeto eque
marca-texto julguemos
dicionário importante,
sempre à mão.
gura a estrutura psíquica da criança, ou seja, esta se vê a partir de Quanto sublinhar os pontos importantes do texto, é preciso apren-
como vê seu reexo nos olhos da mãe! O bebê, então, segundo der a técnica adequada. Não o fazer na primeira leitura, evitando
esta citação, lê nos olhos da mãe o sentimento com que é rece-
que os aspectos sublinhados parecem-se mais com um mosaico de
bido e interpreta suas emoções: se o que encontra é rejeição, sua
informações aleatórias.
experiência básica será de terror; se encontra alegria, sua expe-
riência será de tranquilidade, etc. Ler está tão relacionado com o Os concursos apresentam questões interpretativas que têm por
fato de existirmos que nem nos preocupamos em aprimorar este nalidade a identicação de um leitor autônomo. Portanto, o can-
processo. É lendo que vamos construindo nossos valores e estes didato deve compreender os níveis estruturais da língua por meio
são os responsáveis pela transformação dos fatos em objetos de da lógica, além de necessitar de um bom léxico internalizado.
nosso sentimento. As frases produzem signicados diferentes de acordo com o
Leitura é um dos grandes, senão o maior, ingrediente da ci- contexto em que estão inseridas. Torna-se, assim, necessário sem-
vilização. Ela é uma atividade ampla e livre, fato comprovado pre fazer um confronto entre todas as partes que compõem o texto.
pela frustração de algumas pessoas ao assistirem a um lme, cuja Além disso, é fundamental apreender as informações apresentadas
história já foi lida em um livro. Quando lemos, associamos as in- por trás do texto e as inferências a que ele remete. Este procedi-
formações lidas à imensa bagagem de conhecimentos que temos mento justica-se por um texto ser sempre produto de uma postura
armazenados em nosso cérebro e então somos capazes de criar, ideológica do autor diante de uma temática qualquer.
imaginar e sonhar.
É por meio da leitura que podemos entrar em contato com Como ler e interpretar uma charge
pessoas
ções distantes ouque
e descobertas do passado, observando suas
foram imortalizadas crenças,
por meio da convic-
escrita. Interpretar cartuns, charges ou quadrinhos exigem três habi-
Esta possibilita o avanço tecnológico e cientíco, registrando os lidades: observação, conhecimento do assunto e vocabulário ade-
conhecimentos, levando-os a qualquer pessoa em qualquer lugar quado. A primeira permite que o leitor “veja” todos os ícones pre-
do mundo, desde que saibam decodicar a mensagem, interpre- sentes - e dono da situação - dê início à descrição minuciosa, mas
tando os símbolos usados como registro da informação. A leitura que prioriza as relevâncias. A segunda requer um leitor “antenado”
é o verdadeiro elo integrador do ser humano e a sociedade em que com o noticiário mais recente, caso contrário não será possível es-
ele vive! tabelecer sentidos para o que vê. A terceira encerra o ciclo, pois,
O mundo de hoje é marcado pelo enorme uxo de informa- sem dar nome ao que vê, o leitor não faz a tradução da imagem.
ções oferecidas a todo instante. É preciso também tornarmo-nos Desse modo, interpretar charges - ou qualquer outra forma de
mais receptivos e atentos, para nos mantermos atualizados e com- expressão visual – exige procedimentos lógicos, atenção aos deta-
petitivos. Para isso, é imprescindível leitura que nos estimule cada lhes e uma preocupação rigorosa em associar imagens aos fatos.
vez mais em vista dos resultados que ela oferece. Se você pretende
acompanhar a evolução do mundo, manter-se em dia, atualizado e
bem informado, precisa preocupar-se com a qualidade da sua leitura.
Observe: você pode gostar de ler sobre esoterismo e uma pes-
soa próxima não se interessar por este assunto. Por outro lado, será
que esta mesma pessoa se interessa por um livro que fale sobre
História ou esportes? No caso da leitura, não existe livro interes -
sante, mas leitores interessados.
A pessoa que se preocupa com a qualidade de sua leitura e
com o resultado que poderá obter, deve pensar no ato de ler como
um comportamento que requerguns al cuidados, para ser realmente ecaz.

- Atitude: pensamento positivo para aquilo que deseja ler.


Manter-se descansado é muito importante também. Não adianta
um desgaste físico enorme, pois a retenção da informação será Benett. Folha de São Paulo, 15/02/2010
inversamente proporcional. Uma alimentação adequada é muito
importante.

5
Língua Portuguesa
Charges são desenhos humorísticos que se utilizam da ironia los meios de comunicação não apenas é inevitável, como também
e do sarcasmo para a constituição de uma crítica a uma situação pode vir a ser benéca no que tange ao processo da constituição
social ou política vigente, e contra a qual se pretende – ou ao me- de posicionamentos críticos e ideológicos no debate democrático.
nos se pretendia, na srcem desse fenômeno artístico, na Inglaterra Rearmando aquele lugar-comum, mas válido, do dramaturgo
do século XIX – fazer uma oposição. Diferente do cartoon, arte Nelson Rodrigues (do qual eu nunca encontrei a citação, confes-
também surgida na Inglaterra e que pretendia parodiar situações so), “toda unanimidade é burra”. Por isso, é preciso compreender
do cotidiano da sociedade, constituindo assim uma crítica dos e identicar a linha editorial do veículo de comunicação no qual a
costumes que ultrapassa os limites do tempo e projeta-se como charge foi publicada, pois esta revela a ideologia que inspira o foco
crítica de época, a charge é caracterizada especicamente por ser de parcialidade que este dá às suas notícias.
uma crônica, ou seja, narra ou satiriza um fato acontecido em de-
terminado momento, e que perderá sua carga humorística ao ser
desvencilhada do contexto temporal no qual está inserida. Toda-
via, a palavra cartunista acabou designando, na nossa linguagem
cotidiana, a categoria de artistas que produz esse tipo de desenho
humorístico (charges ou cartoons)
Na verdade, quatro passos básicos para uma boa interpretação
político-ideológica de uma charge. Anal, se a corrida eleitoral
para a Presidência da República já começou, não vai mal dar uma
boa olhada nas charges publicadas em cada jornal, impresso ou
eletrônico, para ver o que se passa na cabeça dos donos da grande
mídia sobre esse momento ímpar noprocesso democrático nacional…

Thiago Recchia. Gazeta do Povo, 01/04/2010


Passo 4: Compreenda qual o posicionamento ideológico fren-
te ao fato, do qual a charge quer te convencer: Assim como a
notícia vem, como já foi comentado, carregada de parcialidade
ideológica, a charge não está longe de ser um meio propício de co-
municação de um ponto de vista. E com um detalhe a mais: a char-
ge convence! Por seu efeito humorístico, a crítica proposta pela
charge permanece enraizada por tempo indeterminado em nossa
Amarildo. A Gazeta-ES, 12/04/2010 imaginação e, por decorrência, como vários autores da consagra-
da psicologia da imagem já demonstraram, nos processos incons-
cientes que podem inuenciar as decisões e escolhas que julgamos
Passo 1: Procure saber do que a charge está tratando: A char- serem estritamente voluntárias. Compreender a mensagem ideo-
ge geralmente está relacionada, por meio do uso de ANALOGIAS, lógica da qual é composta uma charge acaba tendo a função de
a uma notícia ou fato político, econômico, social ou cultural. Por- tornar conscientes estes processos, fazendo com que nossa decisão
tanto, a primeira tarefa de um “analista de charges” será compreen- seja fundamentada numa decisão mais racional e posicionada, e
der a qual fato ou notícia a charge em questão está relacionada. ao mesmo tempo menos ingênua e caricata da situação. Aí, sim,
a charge poderá auxiliar na formulação clara e cônscia de um po-
Passo 2: Entenda os elementos contidos na charge: Numa sicionamento perante os fatos e notícias apresentados por esses
charge de crítica política ou econômica, sempre há um protago- meios de comunicação!
nista e um antagonista da situação – ou seja, um personagem al-
vejado pela crítica do chargista e outro que faz a vez de porta-voz Exercícios
da crítica do chargista. Não necessariamente o antagonista aparece
na cena… O próprio cenário da charge, uma nota de rodapé ou a Atenção: As questões de números 1 a 5 referem-se ao texto
própria situação na qual o protagonista está inserido pode fazer a seguinte.
vez de antagonista. Já nas charges de caráter social ou cultural,
geralmente não há protagonistas e antagonistas, mas elementos do Fotograas
fato ou da notícia que são caricaturizados – isto é, retratados hu-
Toda fotograa é um portal aberto para outra dimensão: o
moristicamente – com vistas a trazer força à notícia representada
na charge. No caso das charges de crítica econômica e política, a passado.
po, A câmaraofotográca
transformando é uma
que é naquilo queverdadeira máquina
já não é mais, que-
dootem
porque
identicação dos papéis de protagonista e antagonista da situação temos diante dos olhos é transmudado imediatamente em passado
é fundamental para o próximo passo na interpretação desta charge. no momento do clique. Costumamos dizer que a fotograa con -
Passo 3: Identique a linha editorial do veículo de comunica- gela o tempo, preservando um momento passageiro para toda a
ção: Não é novidade para nenhum de nós que a imparcialidade da eternidade, e isso não deixa de ser verdade. Todavia, existe algo
informação é uma mera ilusão, da qual nos convenceram de tanto que descongela essa imagem: nosso olhar. Em francês, imagem e
repetir. Não existe imparcialidade nem nas ciências, quanto mais magia contêm as mesmas cinco letras: image e magie. Toda ima-
na imprensa! E por mais que a manipulação da notícia seja um ato gem é magia, e nosso olhar é a varinha de condão que descongela
moralmente execrável, a parcialidade na informação noticiada pe- o instante aprisionado nas geleiras eternas do tempo fotográco.

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Língua Portuguesa
Toda fotograa é uma espécie de espelho da Alice do País 5. Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre
das Maravilhas, e cada pessoa que mergulha nesse espelho de pa- o texto:
pel sai numa dimensão diferente e vivencia experiências diversas, (A) Apesar de se ombrearem com outras artes plásticas, a fo-
pois o lado de lá é como o albergue espanhol do ditado: cada um tograa nos faz desfrutar e viver experiências de natureza igual-
só encontra nele o que trouxe consigo. Além disso, o signicado mente temporal.
de uma imagem muda com o passar do tempo, até para o mesmo (B) Na superfície espacial de uma fotograa, nem se imagine
observador. os tempos a que suscitarão essa imagem aparentemente congelada...
Variam, também, os níveis de percepção de uma fotograa. (C) Conquanto seja o registro de um determinado espaço, uma
Isso ocorre, na verdade, com todas as artes: um músico, por exem- foto leva-nos a viver profundas experiências de caráter temporal.
plo, é capaz de perceber dimensões sonoras inteiramente insus- (D) Tal como ocorrem nos espelhos da Alice, as experiências
peitas para os leigos. Da mesma forma, um fotógrafo prossional físicas de uma fotograa podem se inocular em planos temporais.
lê as imagens fotográcas de modo diferente daqueles que desco - (E)abrir
Nenhuma
nhecem a sintaxe da fotograa, a “escrita da luz”. Mas é difícil te para mão deimagem fotográca
implicâncias é congelada
semânticas sucientemen-
no plano temporal.
imaginar alguém que seja insensível à magia de uma foto.
(Adaptado de Pedro Vasquez, em Por trás daquela foto. Atenção: As questões de números 6 a 9 referem-se ao texto
São Paulo: Companhia das Letras, 2010) seguinte.

1. O segmento do texto que ressalta a ação mesma da percep- Discriminar ou discriminar?


ção de uma foto é:
(A) A câmara fotográca é uma verdadeira máquina do tempo. Os dicionários não são úteis apenas para esclarecer o sen-
(B) a fotograa congela o tempo.
tido de um vocábulo; ajudam, com frequência, a iluminar teses
(C) nosso olhar é a varinha de condão que descongela o ins-
controvertidas e mesmo a incendiar debates. Vamos ao Dicionário
Houaiss, ao verbete discriminar, e lá encontramos, entre outras,
tante aprisionado. estas duas acepções: a) perceber diferenças; distinguir, discernir ;
(D) o signicado de uma imagem muda com o passar do tempo. b) tratar mal ou de modo injusto, desigual, um indivíduo ou grupo
(E) Mas é difícil imaginar alguém que seja insensível à magia de indivíduos, em razão de alguma característica pessoal, cor da
de uma foto. pele, classe social, convicções etc.
Na primeira acepção, discriminar é dar atenção às diferen-
2. No contexto do último parágrafo, a referência aos vários ças, supõe um preciso discernimento; o termo transpira o senti-
níveis de percepção de uma fotograa remete do positivo de quem reconhece e considera o estatuto do que é
(A) à diversidade das qualidades intrínsecas de uma foto. diferente. Discriminar o certo do errado é o primeiro passo no
(B) às diferenças de qualicação do olhar dos observadores. caminho da ética. Já na segunda acepção, discriminar é deixar
(C) aos
(D) graus deque
às relações insensibilidade de algunscom
a fotograa mantém diante de uma
as outras foto.
artes. agir o preconceito, é disseminar o juízo preconcebido. Discrimi-
nar alguém: fazê-lo objeto de nossa intolerância.
(E) aos vários tempos que cada fotograa representa em si Diz-se que tratar igualmente os desiguais é perpetuar a de-
mesma. sigualdade. Nesse caso, deixar de discriminar (no sentido de dis-
cernir) é permitir que uma discriminação continue (no sentido de
3. Atente para as seguintes armações: preconceito). Estamos vivendo uma época em que a bandeira da
I. Ao dizer, no primeiro parágrafo, que a fotograa congela o discriminação se apresenta em seu sentido mais positivo: trata-se
tempo, o autor defende a ideia de que a realidade apreendida numa de aplicar políticas armativas para promover aqueles que vêm
foto já não pertence a tempo algum. sofrendo discriminações históricas. Mas há, por outro lado, quem
II. No segundo parágrafo, a menção ao ditado sobre o alber- veja nessas propostas armativas a forma mais censurável de dis-
gue espanhol tem por nalidade sugerir que o olhar do observador criminação... É o caso das cotas especiais para vagas numa uni-
não interfere no sentido próprio e particular de uma foto. versidade ou numa empresa: é uma discriminação, cujo sentido
III. Um fotógrafo prossional, conforme sugere o terceiro pa- positivo ou negativo depende da convicção de quem a avalia. As
rágrafo, vê não apenas uma foto, mas os recursos de uma lingua- acepções são inconciliáveis, mas estão no mesmo verbete do di-
gem especíca nela xados. cionário e se mostram vivas na mesma sociedade.
Em relação ao texto, está correto oque se arma SOMENTE em (Aníbal Lucchesi, inédito)
(A) I e II.
(B) II e III. 6. A armação de que os dicionários podem ajudar a incendiar
(C) I. debates conrma-se, no texto, pelo fato de que o verbete discri-
(D) II. minar
(E) III. (A) padece de um sentido vago e impreciso, gerando por isso
inúmeras controvérsias entre os usuários.
4. No contexto do primeiro parágrafo, o segmento Todavia, (B) apresenta um sentido secundário, variante de seu sentido
existe algo que descongela essa imagem pode ser substituído, sem principal, que não é reconhecido por todos.
prejuízo para a correção e a coerência do texto, por: (C) abona tanto o sentido legítimo como o ilegítimo que se
(A) Tendo isso em vista, há que se descongelar essa imagem. costuma atribuir a esse vocábulo.
(B) Ainda assim, há mais que uma imagem descongelada. (D) faz pensar nas diculdades que existem quando se trata de
(C) Apesar de tudo, essa imagem descongela algo. determinar a srcem de um vocábulo.
(D) Há, não obstante, o que faz essa imagem descongelar. (E) desdobra-se em acepções contraditórias que correspon-
dem a convicções incompatíveis.
(E) Há algo, outrossim, que essa imagem descongelará.

7
Língua Portuguesa
7. Diz-se que tratar igualmente os desiguais é perpetuar a À noite, cessava o trabalho, ou a diversão. Mas já ao raiar
desigualdade. do dia, sem recursos, com simples cordas e as próprias mãos, to-
Da armação acima é coerente deduzir esta outra: dos se empenhavam no lúcido objetivo comum. Comum, vírgula.
(A) Os homens são desiguais porque foram tratados com o O sorveteiro vendeu centenas de picolés. Por ele a baleia cava
mesmo critério de igualdade. encalhada por mais duas ou três semanas. Uma santa senhora
(B) A igualdade só é alcançável se abolida a xação de um teve a feliz ideia de levar pastéis e empadinhas para vender com
mesmo critério para casos muito diferentes. ágio. Um malvado sugeriu que se desse por perdida a batalha e se
(C) Quando todos os desiguais são tratados desigualmente, a começasse logo a repartir os bifes.
desigualdade denitiva torna-se aceitável. Em 1966, uma baleia adulta foi parar ali mesmo e em quinze
(D) Uma forma de perpetuar a igualdade está em sempre tratar minutos estava toda retalhada. Muitos se lembravam da alegria
os iguais como se fossem desiguais. voraz com que foram disputadas as toneladas da vítima. Essa de
(E) Critérios diferentes implicam desigualdades tais que os agora teve mais sorte. Foi salva graças à religião ecológica que
injustiçados são sempre os mesmos. anda na moda e que por um momento estabeleceu uma trégua en-
tre todos nós, animais de sangue quente ou de sangue frio.
8. Considerando-se o contexto, traduz-se adequadamente o Até que enm chegou uma traineira da Petrobrás. Logo uma
sentido de um segmento em: estatal, ó céus, num momento em que é preciso dar provas da e-
(A) iluminar teses controvertidas (1º parágrafo) = amainar cácia da empresa privada. De qualquer forma, eu já podia reco-
posições dubitativas. lher a minha aição. Metáfora fácil, lá se foi, espero que salva,
(B) um preciso discernimento (2º parágrafo) = uma arraigada
a baleia de Saquarema. O maior animal do mundo, assim frágil,
dissuasão.
(C) disseminar o juízo preconcebido (2º parágrafo) = dissua-
à mercê de curiosos. À noite, sonhei com o Brasil encalhado na
areia diabólica da inação. A bordo, uma tripulação de camelôs
dir o julgamento predestinado.
(D) a forma mais censurável (3º parágrafo) = o modo mais anunciava umas bugigangas. Tudo fala. Tudo é símbolo.
repreensível.
(E) As acepções são inconciliáveis (3º parágrafo) = as versões (Otto Lara Resende, Folha de S. Paulo)
são inatacáveis.
10. O cronista ressalta aspectoscontrastantes do caso de Sa-
9. É preciso reelaborar, para sanar falha estrutural, a redação quarema, tal como se observa na relação entre estas duas expressões:
da seguinte frase: (A) drama da baleia encalhada e três dias se debatendo na
(A) O autor do texto chama a atenção para o fato de que o areia.
desejo de promover a igualdade corre o risco de obter um efeito (B) em quinze minutos estava toda retalhada e foram disputa-
contrário. das as toneladas da vítima.
(B) Embora haja quem aposte no critério único de julgamento, (C) se esfalfar em vão na luta pela sobrevivência e levar pas-
para se promover a igualdade, visto que desconsideram o risco do téis e empadinhas para vender com ágio.
contrário. (D) o lhote de jubarte conseguiu ser devolvido ao mar e lá se
(C) Quem vê como justa a aplicação de um mesmo critério foi, espero que salva, a baleia de Saquarema.
para julgar casos diferentes não crê que isso rearme uma situação (E) Até que enm chegou uma traineira da Petrobrás e Logo
de injustiça. uma estatal, ó céus.
(D) Muitas vezes é preciso corrigir certas distorções aplican-
do-se medidas que, à primeira vista, parecem em si mesmas dis- 11. Atente para as seguintes armações sobre o texto:
torcidas. I. A analogia entre a baleia e a União Soviética insinua, entre
(E) Em nossa época, há desequilíbrios sociais tão graves que outros termos de aproximação, o encalhe dos gigantes.
tornam necessários os desequilíbrios compensatórios de uma ação II. As reações dos envolvidos no episódio da baleia encalhada
corretiva. revelam que, acima das diferentes providências, atinham-se todos
a um mesmo propósito.
Atenção: As questões de números 10 a 14 referem-se à crônica III. A expressão Tudo é símbolo prende-se ao fato de que o au-
abaixo.
tor aproveitou o episódio da baleia encalhada para também gurar
Bom para o sorveteiro o encalhe de um país imobilizado pela alta inação.
Em relação ao texto, está correto o que se arma em
Por alguma razão inconsciente, eu fugia da notícia. Mas a (A) I, II e III.
notícia me perseguia. Até no avião, o único jornal abria na minha (B) I e III, apenas.
cara o drama da baleia encalhada na praia de Saquarema. Anal, (C) II e III, apenas.
depois de quase três dias se debatendo na areia da praia e na tela (D) I e II, apenas.
da televisão, o lhote de jubarte conseguiu ser devolvido ao mar. (E) III, apenas.
Até a União Soviética acabou, como foi dito por locutores espe-
cializados em necrológio eufórico. Mas o drama da baleia não 12. Foram irrelevantes para a salvação da baleia estes dois
acabava. Centenas de curiosos foram lá apreciar aquela monta- fatores:
nha de força a se esfalfar em vão na luta pela sobrevivência. Um (A) o necrológio da União Soviética e os serviços da traineira
belo espetáculo. da Petrobrás.

8
Língua Portuguesa
(B) o prestígio dos valores ecológicos e o empenho no lúcido Entre a escolha pelo mérito e a escolha pelo voto há neces-
objetivo comum. sidades muito distintas. Num concurso público, por exemplo, a
(C) o fato de a jubarte ser um animal de sangue frio e o prestí- avaliação do mérito pessoal do candidato se impõe sobre qual-
gio dos valores ecológicos. quer outra. A seleção e a classicação de prossionais devem ser
(D) o fato de a Petrobrás ser uma empresa estatal e as iniciati- processos marcados pela transparência do método e pela adequa-
vas que couberam a uma traineira. ção aos objetivos. Já a escolha da liderança de uma associação
(E) o aproveitamento comercial da situação e a força desco- de classe, de um sindicato deve ocorrer em conformidade com o
munal empregada pela jubarte. desejo da maioria, que escolhe livremente seu representante. Entre
a especialidade técnica e a vocação política há diferenças profun-
13. Considerando-se o contexto, traduz-se adequadamente o
das de natureza, que pedem distintas formas de reconhecimento.
Essas questões vêm à tona quando, em certas instituições, o
sentido de um segmento em: prestígio do “assembleísmo” surge como absoluto. Há quem pre-
(A) em necrológio eufórico(1º parágrafo) = em façanha mortal. tenda decidir tudo no voto, reconhecendo numa assembleia a “so-
(B) Comum, vírgula (2º parágrafo) = Geral, mas nem tanto. berania” que a qualica para a tomada de qualquer decisão. Não
(C) que se desse por perdida a batalha (2º parágrafo) = que se por acaso, quando alguém se opõe a essa generalização, lembran-
imaginasse o efeito de uma derrota. do a razão do mérito, ouvem-se diatribes contra a “meritocra-
(D) estabeleceu uma trégua entre todos nós (3º parágrafo) = cia”. Eis aí uma tarefa para nós todos: reconhecer, caso a caso, a
derrogou uma imunidade para nós todos. legitimidade que tem a decisão pelo voto ou pelo reconhecimento
da qualicação indispensável. Assim, não elegeremos deputado
(E) é preciso dar provas da ecácia (4º parágrafo) = convém alguém sem espírito público, nem votaremos no passageiro que
explicitar os bons propósitos. deverá pilotar nosso avião.
(Júlio Castanho de Almeida, inédito)
14. Está clara e correta a redação deste livre comentário sobre
o último parágrafo do texto. 15. Deve-se presumir, com base no texto, que a razão do mé-
(A) Apesar de tratar do drama ocorrido com uma baleia, o rito e a razão do voto devem ser consideradas, diante da tomada
cronista não deixa de aludir a circunstâncias nacionais, como o de uma decisão,
impulso para as privatizações e os custos da alta inação. (A) complementares, pois em separado nenhuma delas satis-
faz o que exige uma situação dada.
(B) Mormente tratando de uma jubarte encalhado, o cronista (B) excludentes, já que numa votação não se leva em conta
não obsta em tratar de assuntos da pauta nacional, como a inação nenhuma questão de mérito.
ou o processo empresarial das privatizações. (C) excludentes, já que a qualicação por mérito pressupõe
(C) Vê-se que um cronista pode assumir, como aqui ocorreu, o que toda votação é ilegítima.
(D) conciliáveis, desde que as mesmas pessoas que votam se-
papel tanto de um repórter curioso como analisar fatos oportunos,
qual seja a escalada inacionária ou a privatização. jam as que decidam pelo mérito.
(D) O incidente da jubarte encalhado não impediu de que o (E) independentes, visto que cada uma atende a necessidades
de bem distintas naturezas.
cronista se valesse de tal episódio para opinar diante de outros fa-
tos, haja vista a inação nacional ou a escalada das privatizações. 16. Atente para as seguintes armações:
(E) Ao bom cronista ocorre associar um episódio como o da I. A argumentação do ministro, referida no primeiro parágrafo,
jubarte com a natureza de outros, bem distintos, sejam os da eco- é rebatida pelo autor do texto por ser falaciosa e escamotear os
nomia inacionada, sejam o crescente prestígio das privatizações. reais interesses de quem a formula.
II. O autor do texto manifesta-se francamente favorável à ra-
Atenção: As questões de números 15 a 18 referem-se ao texto zão do mérito, a menos que uma situação de real impasse imponha
abaixo. a resolução pelo voto.
III. A conotação pejorativa que o uso de aspas confere ao ter -
mo “assembleísmo” expressa o ponto de vista dos que desconsi-
A razão do mérito e a do voto deram a qualicação técnica.
Em relação ao texto, está correto SOMENTE oque se arma em
Um ministro, ao tempo do governo militar, irritado com a (A) I.
campanha pelas eleições diretas para presidente da República, (B) II.
buscou minimizar a importância do voto com o seguinte argumen- (C) III.
to: − Será que os passageiros de um avião gostariam de fazer uma (D) II
(E) I eeII.
III.
eleição para escolher um deles como piloto de seu voo? Ou prefe-
ririam conar no mérito do prossional mais abalizado? 17. Considerando-se o contexto, são expressões bastante pró-
A perfídia desse argumento está na falsa analogia entre uma ximas quanto ao sentido:
função eminentemente técnica e uma função eminentemente polí- (A) fazer uma eleição e conar no mérito do prossional.
tica. No fundo, o ministro queria dizer que o governo estava indo (B) especialidade técnica e vocação política.
muito bem nas mãos dos militares e que estes saberiam melhor que (C) classicação de prossionais e escolha da liderança.
ninguém prosseguir no comando da nação. (D) avaliação do mérito e reconhecimento da qualicação.
(E) transparência do método e desejo da maioria.

9
Língua Portuguesa
18. Atente para a redação do seguinte comunicado: - é um tipo de texto gurativo;
- retrato de pessoas, ambientes, objetos;
Viemos por esse intermédio convocar-lhe para a assembleia - predomínio de atributos;
geral da próxima sexta-feira, aonde se decidirá os rumos do nos- - uso de verbos de ligação;
so movimento reivindicatório. - frequente emprego de metáforas, comparações e outras
guras de linguagem;
As falhas do texto encontram-se plenamente sanadas em: - tem como resultado a imagem física ou psicológica.
(A) Vimos, por este intermédio, convocá-lo para a assembleia
geral da próxima sexta-feira, quando se decidirão os rumos do Texto Dissertativo - a dissertação é um texto que analisa, in-
nosso movimento reivindicatório. terpreta, explica e avalia dados da realidade. Esse tipo textual re-
quer reexão, pois as opiniões sobre os fatos e a postura crítica em
bleia(B) Viemos
geral por estesexta-feira,
da próxima intermédioonde
convocar-lhe
se decidirápara a assem-
os rumos do relação ao que se discute têm grande importância. O texto disserta-
tivo é temático, pois trata de análises e interpretações; o tempo ex-
nosso movimento reivindicatório. plorado é o presente no seu valor atemporal; é constituído por uma
(C) Vimos, por este intermédio, convocar-lhe para a assem- introdução onde o assunto a ser discutido é apresentado, seguido
bleia geral da próxima sexta-feira, em cuja se decidirão os rumos por uma argumentação que caracteriza o ponto de vista do autor
do nosso movimento reivindicatório. sobre o assunto em evidência. Nesse tipo de texto a expressão das
(D) Vimos por esse intermédio convocá-lo para a assembleia ideias, valores, crenças são claras, evidentes, pois é um tipo de
geral da próxima sexta-feira, em que se decidirá os rumos do nos- texto que propõe a reexão, o debate de ideias. A linguagem ex-
so movimento reivindicatório. plorada é a denotativa, embora o uso da conotação possa marcar
(E) Viemos, por este intermédio, convocá-lo para a assem- um estilo pessoal. A objetividade é um fator importante, pois dá
bleia geral da próxima sexta-feira, em que se decidirão os rumos ao texto um valor universal, por isso geralmente o enunciador não
do nosso movimento reivindicatório. aparece porque o mais importante é o assunto em questão e não
quem fala dele. A ausência do emissor é importante para que a
Respostas: 01-C / 02-B / 03-E / 04-D / 05-C / 06-E / 07-B / ideia defendida torne algo partilhado entre muitas pessoas, sendo
08-D / 09-B / 10-C / 11-B / 12-E / 13-B / 14-A / 15-E / 16-A / 17-D admitido o emprego da 1ª pessoa do plural - nós, pois esse não
/ 18-A descaracteriza o discurso dissertativo.
- expõe um tema, explica, avalia, classica, analisa;
Tipo textual é a forma como um texto se apresenta. As únicas - é um tipo de texto argumentativo.
tipologias existentes são: narração, descrição, dissertação ou ex- - defesa de um argumento: apresentação de uma tese que será
posição, informação e injunção. É importante que não se confun- defendida; desenvolvimento
- predomínio ou argumentação;
da linguagem objetiva; fechamento;
da tipo textual com gênero textual.
- prevalece a denotação.
Texto Narrativo -tipo textual em que se conta fatos que ocor-
reram num determinado tempo e lugar, envolvendo personagens e Texto Argumentativo - esse texto tem a função de persuadir o
um narrador. Refere-se a objeto do mundo real ou ctício. Possui leitor, convencendo-o de aceitar uma ideia imposta pelo texto. É o
uma relação de anterioridade e posterioridade. O tempo verbal pre- tipo textual mais presente em manifestos e cartas abertas, e quando
dominante é o passado. também mostra fatos para embasar a argumentação, se torna um
- expõe um fato, relaciona mudanças de situação, aponta an- texto dissertativo-argumentativo.
tes, durante e depois dos acontecimentos (geralmente);
- é um tipo de texto sequencial; Texto Injuntivo/Instrucional - indica como realizar uma
- relato de fatos; ação. Também é utilizado para predizer acontecimentos e com-
- presença de narrador, personagens, enredo, cenário, tempo; portamentos. Utiliza linguagem objetiva e simples. Os verbos são,
- apresentação de um conito; na sua maioria, empregados no modo imperativo, porém nota-se
- uso de verbos de ação; também o uso do innitivo e o uso do futuro do presente do modo
- geralmente, é mesclada de descrições; indicativo. Ex: Previsões do tempo, receitas culinárias, manuais,
- o diálogo direto é frequente. leis, bula de remédio, convenções, regras e eventos.

Texto Descritivo - um texto em que se faz um retrato por es - Narração

critopalavras
de de um lugar, uma pessoa,
mais utilizada umprodução
nessa animal oué oumadjetivo,
objeto. A classe
pela sua A Narração é um tipo de texto que relata uma história real,
ctícia ou mescla dados reais e imaginários. O texto narrativo
função caracterizadora. Numa abordagem mais abstrata, pode-se apresenta personagens que atuam em um tempo e em um espaço,
até descrever sensações ou sentimentos. Não há relação de anterio- organizados por uma narração feita por umnarrador. É uma série de
ridade e posterioridade. É fazer uma descrição minuciosa do obje- fatos situados em um espaço e no tempo, tendo mudança de um es -
to ou da personagem a que o texto refere. Nessa espécie textual as tado para outro, segundo relações de sequencialidade e causalidade,
coisas acontecem ao mesmo tempo. e não simultâneos como na descrição. Expressa as relações entre os
- expõe características dos seres ou das coisas, apresenta uma indivíduos, os conitos e as ligações afetivas entre esses indivíduos
visão; e o mundo, utilizando situações que contêm essa vivência.

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Língua Portuguesa
Todas as vezes que uma história é contada (é narrada), o narra- Causa - Por quê? Motivo pelo qual ocorreu o fato
dor acaba sempre contando onde, quando, como e com quem ocor - Resultado - previsível ou imprevisível.
reu o episódio. É por isso que numa narração predomina a ação: o Final - Fechado ou Aberto.
texto narrativo é um conjunto de ações; assim sendo, a maioria dos
verbos que compõem esse tipo de texto são os verbos de ação. O Esses elementos estruturais combinam-se e articulam-se de
conjunto de ações que compõem o texto narrativo, ou seja, a his- tal forma, que não é possível compreendê-los isoladamente, como
tória que é contada nesse tipo de texto recebe o nome de enredo. simples exemplos de uma narração. Há uma relação de implica-
As ações contidas no texto narrativo são praticadas pelas per- ção mútua entre eles, para garantir coerência e verossimilhança
sonagens, que são justamente as pessoas envolvidas no episódio à história narrada. Quanto aos elementos da narrativa, esses não
que está sendo contado. As personagens são identicadas (nomea- estão, obrigatoriamente sempre presentes no discurso, exceto as
das) no texto narrativo pelos substantivos próprios. personagens ou o fato a ser narrado.
Quando o narrador conta um episódio, às vezes (mesmo sem
querer) ele acaba contando “onde” (em que lugar) as ações do Exemplo:
enredo foram realizadas pelas personagens. O lugar onde ocorre
uma ação ou ações é chamado de espaço, representado no texto Porquinho-da-índia
pelos advérbios de lugar.
Além de contar onde, o narrador também pode esclarecer Quando eu tinha seis anos
“quando” ocorreram as ações da história. Esse elemento da narra- Ganhei um porquinho-da-índía.
tiva é o tempo, representado no texto narrativo através dos tempos Que dor de coração me dava
verbais, mas principalmente pelos advérbios de tempo. É o tempo Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
que ordena as ações no texto narrativo: é ele que indica ao leitor Levava ele pra sala
“como” o fato narrado aconteceu. Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
A história contada, por isso, passa por uma introdução (parte Ele não gostava:
inicial da história, também chamada de prólogo), pelo desenvolvi- Queria era estar debaixo do fogão.
mento do enredo (é a história propriamente dita, o meio, o “miolo” Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...
da narrativa, também chamada de trama) e termina com a conclu- - O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.
são da história (é o nal ou epílogo). Aquele que conta a história
é o narrador, que pode ser pessoal (narra em 1ª pessoa: Eu...) ou Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. 4ª ed.
impessoal (narra em 3ª pessoa: Ele...). Rio de Janeiro, José Olympio, 1973, pág. 110.
Assim, o texto narrativo é sempre estruturado por verbos de
ação, porque
tantivos advérbios
nomeiamde as
tempo, por advérbios
personagens, deoslugar
que são e pelos
agentes subs-
do texto, çõesObserve que,ganhar
de situação: no texto
umacima, há um conjunto
porquinho-da-índia da situa--
de transforma
é passar
ou seja, aquelas pessoas que fazem as ações expressas pelos ver- ção de não ter o animalzinho para a de tê-lo; levá-lo para a sala ou
bos, formando uma rede: a própria história contada. para outros lugares é passar da situação de ele estar debaixo do
Tudo na narrativa depende do narrador, da voz que conta a fogão para a de estar em outros lugares; ele não gostava: “queria
história. era estar debaixo do fogão” implica a volta à situação anterior;
“não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas” dá a entender
Elementos Estruturais (I): que o menino passava de uma situação de não ser terno com o
animalzinho para uma situação de ser; no último verso tem-se a
- Enredo: desenrolar dos acontecimentos. passagem da situação de não ter namorada para a de ter.
- Personagens: são seres que se movimentam, se relacionam e Verica-se, pois, que nesse texto há um grande conjunto de
dão lugar à trama que se estabelece na ação. Revelam-se por meio mudanças de situação. É isso que dene o que se chama o compo-
de características físicas ou psicológicas. Os personagens podem nente narrativo do texto, ou seja, narrativa é uma mudança de es-
ser lineares (previsíveis), complexos, tipos sociais (trabalhador, tado pela ação de alguma personagem, é uma transformação de si-
estudante, burguês etc.) ou tipos humanos (o medroso, o tímido, o tuação. Mesmo que essa personagem não apareça no texto, ela está
avarento etc.), heróis ou anti-heróis, protagonistas ou antagonistas. logicamente implícita. Assim, por exemplo, se o menino ganhou
- Narrador: é quem conta a história. um porquinho-da-índia, é porque alguém lhe deu o animalzinho.
- Espaço: local da ação. Pode ser físico ou psicológico. Assim, há basicamente, dois tipos de mudança: aquele em que al-
- Tempo: época em que se passa a ação. Cronológico: o tem- guém recebe alguma coisa (o menino passou a ter o porquinho-da
po convencional (horas, dias, meses); Psicológico: o tempo inte- índia) e aquele alguém perde alguma coisa (o porquinho perdia, a
rior, subjetivo. cada vez que o menino o levava para outro lugar, o espaço confor-
tável de debaixo do fogão). Assim, temos dois tipos de narrativas:
Elementos Estruturais (II): de aquisição e de privação.

Personagens - Quem? Protagonista/Antagonista Existem três tipos de foco narrativo:


Acontecimento - O quê? Fato
Tempo - Quando? Época em que ocorreu o fato - Narrador-personagem: é aquele que conta a história na
Espaço - Onde? Lugar onde ocorreu o fato qual é participante. Nesse caso ele é narrador e personagem ao
Modo - Como? De que forma ocorreu o fato mesmo tempo, a história é contada em 1ª pessoa.

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Língua Portuguesa
- Narrador-observador: é aquele que conta a história como Aqui há poucos – coitado! – pousei no arranchamento dele.
alguém que observa tudo que acontece e transmite ao leitor, a his- Casado ou doutro jeito, afamilhado. Não no víamos desde muito
tória é contada em 3ª pessoa. tempo. (...)
- Narrador-onisciente: é o que sabe tudo sobre o enredo e as Fiquei verdeando, à espera, e fui dando um ajutório na matan-
personagens, revelando seus pensamentos e sentimentos íntimos. ça dos leitões e no tiramento dos assados com couro.
Narra em 3ª pessoa e sua voz, muitas vezes, aparece misturada (J. Simões Lopes Neto – Contrabandista)
com pensamentos dos personagens (discurso indireto livre).
- Em 3ª pessoa:
Estrutura:
Onisciente: não há um eu que conta; é uma terceira pessoa.
- Apresentação: é a parte do texto em que são apresentados Exemplo:
alguns personagens e expostas algumas circunstâncias da história,
como o momento e o lugar onde a ação se desenvolverá. “Devia andar lá pelos cinco anos e meio quando a fantasiaram
- Complicação: é a parte do texto em que se inicia propria- de borboleta. Por isso não pôde defender-se. E saiu à rua com ar
mente a ação. Encadeados, os episódios se sucedem, conduzindo menos carnavalesco deste mundo, morrendo de vergonha da malha
ao clímax. de cetim, das asas e das antenas e, mais ainda, da cara à mostra,
- Clímax: é o ponto da narrativa em que a ação atinge seu sem máscara piedosa para disfarçar o sentimento impreciso de ri-
momento crítico, tornando o desfecho inevitável. dículo.”
- Desfecho: é a solução do conito produzido pelas ações dos (Ilka Laurito. Sal do Lírico)
personagens.
Narrador Objetivo: não se envolve, conta a história como
Tipos de Personagens: sendo vista por uma câmara ou lmadora. Exemplo:

Os personagens têm muita importância na construção de um Festa


texto narrativo, são elementos vitais. Podem ser principais ou se-
cundários, conforme o papel que desempenham no enredo, po- Atrás do balcão, o rapaz de cabeça pelada e avental olha o
dem ser apresentados direta ou indiretamente. crioulão de roupa limpa e remendada, acompanhado de dois meni-
nos de tênis branco, um mais velho e outro mais novo, mas ambos
A apresentação direta acontece quando o personagem aparece
com menos de dez anos.
de forma clara no texto, retratando suas características físicas e/ou
Os três atravessam o salão, cuidadosamente, mas resoluta-
psicológicas, já a apresentação indireta se dá quando os persona-
mente, e se dirigem para o cômodo dos fundos, onde há seis mesas
gens oaparecem
com aosdopoucos
desenrolar enredo,e oouleitor
seja,vai construindo
a partir de suas aações,
sua imagem
do que desertas.
O rapaz de cabeça pelada vai ver o que eles querem. O ho -
ela vai fazendo e do modo como vai fazendo. mem pergunta em quanto ca uma cerveja, dois guaranás e dois
pãezinhos.
- Em 1ª pessoa: __ Duzentos e vinte.
O preto concentra-se, aritmético, e conrma o pedido.
Personagem Principal: há um “eu” participante que conta a __Que tal o pão com molho? – sugere o rapaz.
história e é o protagonista. Exemplo: __ Como?
__ Passar o pão no molho da almôndega. Fica muito mais gos-
“Parei na varanda, ia tonto, atordoado, as pernas bambas, o toso.
coração parecendo querer sair-me pela boca fora. Não me atrevia O homem olha para os meninos.
a descer à chácara, e passar ao quintal vizinho. Comecei a andar __ O preço é o mesmo – informa o rapaz.
de um lado para outro, estacando para amparar-me, e andava outra __ Está certo.
vez e estacava.” Os três sentam-se numa das mesas, de forma canhestra, como
(Machado de Assis. Dom Casmurro) se o estivessem fazendo pela primeira vez na vida.
O rapaz de cabeça pelada traz as bebidas e os copos e, em se-
Observador: é como se dissesse: É verdade, pode acreditar, guida, num pratinho, os dois pães com meia almôndega cada um.
eu estava lá e vi. Exemplo: O homem e (mais do que ele) os meninos olham para dentro dos
pães, enquanto o rapaz cúmplice se retira.
“Batia nos noventa anos o corpo magro, mas sempre teso do Os meninos aguardam que a mão adulta leve solene o copo de
Jango Jorge, um que foi capitão duma maloca de contrabandista cerveja até a boca, depois cada um prova o seu guaraná e morde o
que fez cancha nos banhados do Ibirocaí. primeiro bocado do pão.
Esse gaúcho desabotinado levou a existência inteira a cruzar O homem toma a cerveja em pequenos goles, observando cri-
os campos da fronteira; à luz do Sol, no desmaiado da Lua, na teriosamente o menino mais velho e o menino mais novo absorvi-
escuridão das noites, na cerração das madrugadas...; ainda que dos com o sanduíche e a bebida.
chovesse reiúnos acolherados ou que ventasse como por alma de Eles não têm pressa. O grande homem e seus dois meninos.
padre, nunca errou vau, nunca perdeu atalho, nunca desandou cru- E permanecem para sempre, humanos e indestrutíveis, sentados
zada!... naquela mesa.
(...) (Wander Piroli)

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Língua Portuguesa
Tipos de Discurso: Na estação da Sorocabana perguntou as horas a uma mulher.
Sempre cam mulheres vagabundeando por ali, à noite. Pelo jardim,
Discurso Direto: o narrador passa a palavra diretamente para pelos escuros da Alameda Cleveland. Ela lhe deu, ele seguiu. Igno-
o personagem, sem a sua interferência. Exemplo: rava a exatidão de seus cálculos, mas provavelmente faltava mais ou
menos uma hora para chegar em casa. Os bondes passavam.
Caso de Desquite (João Antônio – Malagueta, Perus e Bacanaço)
Discurso Indireto-Livre: ocorre uma fusão entre a fala do per-
sonagem e a fala do narrador. É um recurso relativamente recente.
__ Vexame de incomodar o doutor (a mão trêmula na boca). Surgiu com romancistas inovadores do século XX. Exemplo:
Veja, doutor, este velho caducando. Bisavô, um neto casado. Agora
com mania de mulher. Todo velho é sem-vergonha. A Morte da Porta-Estandarte
__ Dobre
me pise, a língua,
co uma mulher. O hominho é muito bom. Só não
jararaca. Que ninguém o incomode agora. Larguem os seus braços.
__ Se quer sair de casa, doutor, pague uma pensão. Rosinha está dormindo. Não acordem Rosinha. Não é preciso se-
__ Essa aí tem lho emancipado. Criei um por um, está bom? gurá-lo, que ele não está bêbado... O céu baixou, se abriu... Esse
Ela não contribuiu com nada, doutor. Só deu de mamar no primei- temporal assim é bom, porque Rosinha não sai. Tenham paciên-
ro mês. cia... Largar Rosinha ali, ele não larga não... Não! E esses tambo-
__Você desempregado, quem é que fazia roça? res? Ui! Que venham... É guerra... ele vai se espalhar... Por que
não está malhando em sua cabeça?... (...) Ele vai tirar Rosinha da
__ Isso naquele tempo. O hominho aqui se espalhava. Fui jo- cama... Ele está dormindo, Rosinha... Fugir com ela, para o fundo
gado na estrada, doutor. Desde onze anos estou no mundo sem do País... Abraçá-la no alto de uma colina...
ninguém por mim. O céu lá em cima, noite e dia o hominho aqui (Aníbal Machado)
na carroça. Sempre o mais sacricado, está bom?
__ Se car doente, Severino, quem é que o atende? Sequência Narrativa:
__ O doutor já viu urubu comer defunto? Ninguém morre só.
Sempre tem um cristão que enterra o pobre. Uma narrativa não tem uma única mudança, mas várias: uma
__ Na sua idade, sem os cuidados de uma mulher... coordena-se a outra, uma implica a outra, uma subordina-se a ou-
__ Eu arranjo. tra.
__ Só a troco de dinheiro elas querem você. Agora tem dois A narrativa típica tem quatro mudanças de situação:
cavalos. A carroça e os dois cavalos, o que há de melhor. Vai me - uma em que uma personagem passa a ter um querer ou um
dever (um desejo ou uma necessidade de fazer algo);
deixar sem nada? - uma em que ela adquire um saber ou um poder (uma compe-
__ morrer.
deixou Você tinha amula
Tenho e a potranca.
culpa? Só queroApaz,
mulaum
vendeu
prato edea potranca,
comida e tência para fazer algo);
- uma em que a personagem executa aquilo que queria ou de-
roupa lavada. via fazer (é a mudança principal da narrativa);
__ Para onde foi a lavadeira? - uma em que se constata que uma transformação se deu e em
__ Quem? que se podem atribuir prêmios ou castigos às personagens (geral-
__ A mulata. mente os prêmios são para os bons, e os castigos, para os maus).
(...)
(Dalton Trevisan – A guerra Conjugal) Toda narrativa tem essas quatro mudanças, pois elas se pres-
supõem logicamente. Com efeito, quando se constata a realização
de uma mudança é porque ela se vericou, e ela efetua-se porque
Discurso Indireto: o narrador conta o que o personagem diz, quem a realiza pode, sabe, quer ou deve fazê-la. Tomemos, por
sem lhe passar diretamente a palavra. Exemplo: exemplo, o ato de comprar um apartamento: quando se assina a
escritura, realiza-se o ato de compra; para isso, é necessário poder
Frio (ter dinheiro) e querer ou dever comprar (respectivamente, querer
deixar de pagar aluguel ou ter necessidade de mudar, por ter sido
O menino tinha só dez anos. despejado, por exemplo).
Quase meia hora andando. No começo pensou num bonde. Algumas mudanças são necessárias para que outras se deem.
Mas lembrou-se do embrulhinho branco e bem feito que trazia, Assim, para apanhar uma fruta, é necessário apanhar um bambu
afastou a idéia como se estivesse fazendo uma coisa errada. (Nos ou outro instrumento para derrubá-la. Para ter um carro, é preciso
bondes, àquela hora da noite, poderiam roubá-lo, sem que perce- antes conseguir o dinheiro.

besse; e depois?... Que é que diria a Paraná?) Narrativa e Narração


Andando. Paraná mandara-lhe não car observando as vitri-
nes, os prédios, as coisas. Como fazia nos dias comuns. Ia rme Existe alguma diferença entre as duas? Sim. A narratividade é
e esforçando-se para não pensar em nada, nem olhar muito para um componente narrativo que pode existir em textos que não são
nada. narrações. A narrativa é a transformação de situações. Por exem-
__ Olho vivo – como dizia Paraná. plo, quando se diz “Depois da abolição, incentivou-se a imigra-
Devagar, muita atenção nos autos, na travessia das ruas. Ele ção de europeus”, temos um texto dissertativo, que, no entanto,
ia pelas beiradas. Quando em quando, assomava um guarda nas apresenta um componente narrativo, pois contém uma mudança
esquinas. O seu coraçãozinho se apertava. de situação: do não incentivo ao incentivo da imigração européia.

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Língua Portuguesa
Se a narrativa está presente em quase todos os tipos de texto, - Não quer que se carpa o quintal, moço?
o que é narração? Estava um caco: mal vestida, cheirando a fumaça, a face es-
A narração é um tipo de narrativa. Tem ela três características: calavrada. Mas os olhos... (sempre guardam alguma coisa do pas-
- é um conjunto de transformações de situação (o texto de Ma- sado, os olhos).”
nuel Bandeira – “Porquinho-da-índia”, como vimos, preenche essa
condição); (Kiefer, Charles. A dentadura postiça. Porto Alegre: Mer-
- é um texto gurativo, isto é, opera com personagens e fatos cado Aberto, p. 5O)
concretos (o texto “Porquinho-da-índia” preenche também esse
requisito); Exemplo - Espaço
- as mudanças relatadas estão organizadas de maneira tal que, Considerarei longamente meu pequeno deserto, a redondeza
entre elas, existe sempre uma relação de anterioridade e posterio- escura e uniforme dos seixos. Seria o leito seco de algum rio. Não
ridade (no texto “Porquinho-da-índia” o fato de ganhar o animal é havia, em todo o caso, como negar-lhe a insipidez.”
anterior ao de ele estar debaixo do fogão, que por sua vez é anterior (Linda, Ieda. As amazonas segundo tio Hermann. Porto
ao de o menino levá-lo para a sala, que por seu turno é anterior ao Alegre: Movimento, 1981, p. 51)
de o porquinho-da-índia voltar ao fogão).
Exemplo - Tempo
Essa relação de anterioridade e posterioridade é sempre perti -
nente num texto narrativo, mesmo que a sequência linear da tempo - “Sete da manhã. Honorato Madeira acorda e lembra-se: a mu-
ralidade apareça alterada. Assim, por exemplo, no romance macha - lher lhe pediu que a chamasse cedo.”
diano Memórias póstumas de Brás Cubas, quando o narrador come- (Veríssimo, Érico. Caminhos Cruzados. p.4)
ça contando sua morte para em seguida relatar sua vida, a sequência
temporal foi modicada. No entanto, o leitor reconstitui, ao longo da Tipologia da Narrativa Ficcional:
leitura, as relações de anterioridade e de posterioridade.
Resumindo: na narração, as três características explicadas - Romance
acima (transformação de situações, guratividade e relações de - Conto
anterioridade e posterioridade entre os episódios relatados) devem - Crônica
estar presentes conjuntamente. Um texto que tenha só uma ou duas - Fábula
- Lenda
dessas características não é uma narração.
- Parábola
- Anedota
Esquema que pode facilitar a elaboração de seu texto narrativo: - Poema Épico
- Introdução: citar o fato, o tempo e o lugar, ou seja, o que Tipologia da Narrativa Não-Ficcional:
aconteceu, quando e onde.
- Desenvolvimento: causa do fato e apresentação dos perso- - Memorialismo
nagens. - Notícias
- Desenvolvimento: detalhes do fato. - Relatos
- Conclusão: consequências do fato. - História da Civilização
Caracterização Formal: Apresentação da Narrativa:
Em geral, a narrativa se desenvolve na prosa. O aspecto nar- - visual: texto escrito; legendas + desenhos (história em qua-
rativo apresenta, até certo ponto, alguma subjetividade, porquanto drinhos) e desenhos.
a criação e o colorido do contexto estão em função da individuali - - auditiva: narrativas radiofonizadas; tas gravadas e discos.
dade e do estilo do narrador. Dependendo do enfoque do redator, a - audiovisual: cinema; teatro e narrativas televisionadas.
narração terá diversas abordagens. Assim é de grande importância
saber se o relato é feito em primeira pessoa ou terceira pessoa. No Descrição
primeiro caso, há a participação do narrador; segundo, há uma in-
ferência do último através da onipresença e onisciência. É a representação com palavras de um objeto, lugar, situação
Quanto à temporalidade, não há rigor na ordenação dos acon- ou coisa, onde procuramos mostrar os traços mais particulares
tecimentos: esses podem oscilar no tempo, transgredindo o aspecto ou individuais do que se descreve. É qualquer elemento que
linear e constituindo o que se denomina “ ashback”. O narrador seja apreendido pelos sentidos e transformado, com palavras,
que usa essa técnica (característica comum no cinema moderno) em imagens. Sempre que se expõe com detalhes um objeto, uma
demonstra maior criatividade e srcinalidade, podendo observar as pessoa ou uma paisagem a alguém, está fazendo uso da descrição.
ações ziguezagueando no tempo e no espaço. Não é necessário que seja perfeita, uma vez que o ponto de vista
do observador varia de acordo com seu grau de percepção. Dessa
Exemplo - Personagens forma, o que será importante ser analisado para um, não será para
outro. A vivência de quem descreve também inuencia na hora de
“Aboletado na varanda, lendo Graciliano Ramos, O Dr. transmitir a impressão alcançada sobre determinado objeto, pes-
Amâncio não viu a mulher chegar. soa, animal, cena, ambiente, emoção vivida ou sentimento.

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Língua Portuguesa
Exemplos: pronome oblíquo as é um anafórico que retoma ores, se alterar-
mos a ordem das frases ele perderá o sentido. Por isso, precisamos
(I) “De longe via a aleia onde a tarde era clara e redonda. Mas mudar a palavra ores para a primeira frase e retomá-la com o
a penumbra dos ramos cobria o atalho. anafórico elas na segunda.
Ao seu redor havia ruídos serenos, cheiro de árvores, peque- Por todas essas características, diz-se que o fragmento do
nas surpresas entre os cipós. Todo o jardim triturado pelos instan- conto de Machado é descritivo. Descrição é o tipo de texto em
tes já mais apressados da tarde. De onde vinha o meio sonho pelo que se expõem características de seres concretos (pessoas, objetos,
qual estava rodeada? Como por um zunido de abelhas e aves. Tudo situações, etc.) consideradas fora da relação de anterioridade e de
era estranho, suave demais, grande demais.” posterioridade.
(extraído de “Amor”, Laços de Família, Clarice Lispector)
(II) Chamava-se Raimundo este pequeno, e era mole, aplica- Características:
do, inteligência tarda. Raimundo gastava duas horas em reter aqui- - Ao fazer a descrição enumeramos características, compara-
lo que a outros levava apenas trinta ou cinquenta minutos; vencia ções e inúmeros elementos sensoriais;
com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro. Reunia a
- As personagens podem ser caracterizadas física e psicologi-
isso grande medo ao pai. Era uma criança na, pálida, cara doente;
raramente estava alegre. Entrava na escola depois do pai e retirava- camente, ou pelas ações;
-se antes. O mestre era mais severo com ele do que conosco. - A descrição pode ser considerada um dos elementos consti-
(Machado de Assis. “Conto de escola”. Contos. 3ed. tutivos da dissertação e da argumentação;
São Paulo, Ática, 1974, págs. 31-32.) - É impossível separar narração de descrição;
- O que se espera não é tanto a riqueza de detalhes, mas sim
Esse texto traça o perl de Raimundo, o lho do professor da a capacidade de observação que deve revelar aquele que a realiza.
escola que o escritor frequentava. Deve-se notar: - Utilizam, preferencialmente, verbos de ligação. Exemplo:
- que todas as frases expõem ocorrências simultâneas (ao “(...) Ângela tinha cerca de vinte anos; parecia mais velha pelo
mesmo tempo que gastava duas horas para reter aquilo que os ou- desenvolvimento das proporções. Grande, carnuda, sanguínea e
tros levavam trinta ou cinquenta minutos, Raimundo tinha grande fogosa, era um desses exemplares excessivos do sexo que pare-
medo ao pai); cem conformados expressamente para esposas da multidão (...)”
- por isso, não existe uma ocorrência que possa ser conside- (Raul Pompéia – O Ateneu)
rada cronologicamente anterior a outra do ponto de vista do relato - Como na descrição o que se reproduz é simultâneo, não exis-
(no nível dos acontecimentos, entrar na escola é cronologicamente te relação de anterioridade e posterioridade entre seus enunciados.
anterior
duas a retirar-seé dela;
ocorrências no nívelodo
indiferente: querelato, porém,quer
o escritor a ordem dessas
é explicitar - Devem-se evitar os verbos e, se isso não for possível, que se
usem então as formas nominais, o presente e o pretério imperfeito
uma característica do menino, e não traçar a cronologia de suas do indicativo, dando-se sempre preferência aos verbos que indi-
ações); quem estado ou fenômeno.
- ainda que se fale de ações (como entrava, retirava-se), todas - Todavia deve predominar o emprego das comparações, dos
elas estão no pretérito imperfeito, que indica concomitância em adjetivos e dos advérbios, que conferem colorido ao texto.
relação a um marco temporal instalado no texto (no caso, o ano de
1840, em que o escritor frequentava a escola da rua da Costa) e, A característica fundamental de um texto descritivo é essa ine-
portanto, não denota nenhuma transformação de estado; xistência de progressão temporal. Pode-se apresentar, numa descri-
- se invertêssemos a sequência dos enunciados, não correría- ção, até mesmo ação ou movimento, desde que eles sejam sempre
mos o risco de alterar nenhuma relação cronológica - poderíamos simultâneos, não indicando progressão de uma situação anterior
mesmo colocar o últímo período em primeiro lugar e ler o texto para outra posterior. Tanto é que uma das marcas linguísticas da
do m para o começo: O mestre era mais severo com ele do que
descrição é o predomínio de verbos no presente ou no pretérito
conosco. Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes...
imperfeito do indicativo: o primeiro expressa concomitância em
Evidentemente, quando se diz que a ordem dos enunciados relação ao momento da fala; o segundo, em relação a um marco
pode ser invertida, está-se pensando apenas na ordem cronológica, temporal pretérito instalado no texto.
pois, como veremos adiante, a ordem em que os elementos são Para transformar uma descrição numa narração, bastaria
descritos produz determinados efeitos de sentido. introduzir um enunciado que indicasse a passagem de um estado
Quando alteramos a ordem dos enunciados, precisamos fazer anterior para um posterior. No caso do texto II inicial, para trans-
certas modicações no texto, pois este contém anafóricos (pala- formá-lo em narração, bastaria dizer: Reunia a isso grande medo
vras que retomam o que foi dito antes, como ele, os, aquele, etc. ou do pai. Mais tarde, Iibertou-se desse medo...
catafóricos (palavras que anunciam o que vai ser dito, como este,
etc.), que podem perder sua função e assim não ser compreendi- Características Linguísticas:
dos. Se tomarmos uma descrição como As ores manifestavam
todo o seu esplendor. O Sol fazia-as brilhar, ao invertermos a O enunciado narrativo, por ter a representação de um aconte-
ordem das frases, precisamos fazer algumas alterações, para que o cimento, fazer-transformador, é marcado pela temporalidade, na
texto possa ser compreendido: O Sol fazia as ores brilhar. Elas relação situação inicial e situação nal, enquanto que o enunciado
manifestavam todo o seu esplendor . Como, na versão srcinal, o descritivo, não tendo transformação, é atemporal.

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Língua Portuguesa
Na dimensão linguística, destacam-se marcas sintático-se- A descrição pode ser apresentada sob duas formas:
mânticas encontradas no texto que vão facilitar a compreensão:
- Predominância de verbos de estado, situação ou indicadores Descrição Objetiva: quando o objeto, o ser, a cena, a passa-
de propriedades, atitudes, qualidades, usados principalmente no gem são apresentadas como realmente são, concretamente. Exem-
presente e no imperfeito do indicativo (ser, estar, haver, situar-se, plo:
existir, car).
- Ênfase na adjetivação para melhor caracterizar o que é des- “Sua altura é 1,85m. Seu peso, 70kg. Aparência atlética, om -
crito; bros largos, pele bronzeada. Moreno, olhos negros, cabelos ne-
gros e lisos”.
Exemplo:
Não se dá qualquer tipo de opinião ou julgamento. Exemplo:
“Era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entala-
do num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo ia-se alargan- “A casa velha era enorme, toda em largura, com porta central
do até à calva, vasta e polida, um pouco amolgado no alto; tingia que se alcançava por três degraus de pedra e quatro janelas de gui-
os cabelos que de uma orelha à outra lhe faziam colar por trás da lhotina para cada lado. Era feita de pau-a-pique barreado, dentro
nuca - e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, mais brilho à de uma estrutura de cantos e apoios de madeira-de-lei. Telhado de
calva; mas não tingia o bigode; tinha-o grisalho, farto, caído aos quatro águas. Pintada de roxo-claro. Devia ser mais velha que Juiz
cantos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. de Fora, provavelmente sede de alguma fazenda que tivesse cado,
Tinha uma covinha no queixo, e as orelhas grandes muito despe- capricho da sorte, na linha de passagem da variante do Caminho
gadas do crânio.” Novo que veio a ser a Rua Principal, depois a Rua Direita – sobre
(Eça de Queiroz - O Primo Basílio) a qual ela se punha um pouco de esguelha e fugindo ligeiramente
do alinhamento (...).”
- Emprego de guras (metáforas, metonímias, comparações, (Pedro Nava – Baú de Ossos)
sinestesias). Exemplo:
Descrição Subjetiva: quando há maior participação da emo-
“Era o Sr. Lemos um velho de pequena estatura, não muito ção, ou seja, quando o objeto, o ser, a cena, a paisagem são trans-
gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu gurados pela emoção de quem escreve, podendo opinar ou expres-
corpo rechonchudo, tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que sar seus sentimentos. Exemplo:
lhe dava petulância de rapaz e casava perfeitamente com os olhi-
“Nas ocasiões de aparato é que se podia tomar pulso ao ho-
nhos de azougue.” mem. Não só as condecorações gritavam-lhe no peito como uma
couraça de grilos. Ateneu! Ateneu! Aristarco todo era um anún-
(José de Alencar - Senhora)
cio; os gestos, calmos, soberanos, calmos, eram de um rei...”
(“O Ateneu”, Raul Pompéia)
- Uso de advérbios de localização espacial. Exemplo:
“(...) Quando conheceu Joca Ramiro, então achou outra es-
“Até os onze anos, eu morei numa casa, uma casa velha, e essa perança maior: para ele, Joca Ramiro era único homem, par-de-
casa era assim: na frente, uma grade de ferro; depois você entrava -frança, capaz de tomar conta deste sertão nosso, mandando por
tinha um jardinzinho; no nal tinha uma escadinha que devia ter lei, de sobregoverno.”
uns cinco degraus; aí você entrava na sala da frente; dali tinha um (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas)
corredor comprido de onde saíam três portas; no nal do corredor
tinha a cozinha, depois tinha uma escadinha que ia dar no quintal e Os efeitos de sentido criados pela disposição dos elementos
atrás ainda tinha um galpão, que era o lugar da bagunça...” descritivos:
(Entrevista gravada para o Projeto NURC/RJ)
Como se disse anteriormente, do ponto de vista da progressão
Recursos: temporal, a ordem dos enunciados na descrição é indiferente, uma
vez que eles indicam propriedades ou características que ocorrem
- Usar impressões cromáticas (cores) e sensações térmicas. simultaneamente. No entanto, ela não é indiferente do ponto de
Ex: O dia transcorria amarelo, frio, ausente do calor alegre do sol. vista dos efeitos de sentido: descrever de cima para baixo ou vice-
- UsarEx:
concretas. o vigor e relevo
As criaturas de palavras
humanas fortes, próprias,
transpareciam exatas,
um céu sereno, -versa, do detalhe para o todo ou do todo para o detalhe cria efeitos
de sentido distintos.
uma pureza de cristal. Observe os dois quartetos do soneto “Retrato Próprio”, de Bo-
- As sensações de movimento e cor embelezam o poder da cage:
natureza e a gura do homem. Ex: Era um verde transparente que
deslumbrava e enlouquecia qualquer um. Magro, de olhos azuis, carão moreno,
- A frase curta e penetrante dá um sentido de rapidez do texto. bem servido de pés, meão de altura,
Ex: Vida simples. Roupa simples. Tudo simples. O pessoal, muito triste de facha, o mesmo de gura,
crente. nariz alto no meio, e não pequeno.

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Língua Portuguesa
Incapaz de assistir num só terreno, - Desenvolvimento: observação do plano de fundo (explica-
mais propenso ao furor do que à ternura; ção do que se vê ao longe).
bebendo em níveas mãos por taça escura - Desenvolvimento: observação dos elementos mais próximos
de zelos infernais letal veneno. do observador - explicação detalhada dos elementos que compõem
a paisagem, de acordo com determinada ordem.
Obras de Bocage. Porto, Lello & Irmão, 1968, pág. 497. - Conclusão: comentários de caráter geral, concluindo acerca
da impressão que a paisagem causa em quem a contempla.
O poeta descreve-se das características físicas para as caracte-
rísticas morais. Se zesse o inverso, o sentido não seria o mesmo, Descrição de pessoas (I):
pois as características físicas perderiam qualquer relevo. - Introdução: primeira impressão ou abordagem de qualquer
O objetivo de um texto descritivo é levar o leitor a visualizar
uma cena. É como traçar com palavras o retrato de um objeto, aspecto de caráter geral. características físicas (altura, peso, cor da
- Desenvolvimento:
lugar, pessoa etc., apontando suas características exteriores, facil- pele, idade, cabelos, olhos, nariz, boca, voz, roupas).
mente identicáveis (descrição objetiva), ou suas características
- Desenvolvimento: características psicológicas (personali-
psicológicas e até emocionais (descrição subjetiva).
dade, temperamento, caráter, preferências, inclinações, postura,
Uma descrição deve privilegiar o uso frequente de adjetivos,
também denominado adjetivação. Para facilitar o aprendizado des- objetivos).
ta técnica, sugere-se que o concursando, após escrever seu texto, - Conclusão: retomada de qualquer outro aspecto de caráter
sublinhe todos os substantivos, acrescentando antes ou depois des- geral.
te um adjetivo ou uma locução adjetiva.
Descrição de pessoas (II):
Descrição de objetos constituídos de uma só parte: - Introdução: primeira impressão ou abordagem de qualquer
aspecto de caráter geral.
- Introdução: observações de caráter geral referentes à proce- - Desenvolvimento: análise das características físicas, asso-
dência ou localização do objeto descrito. ciadas às características psicológicas (1ª parte).
- Desenvolvimento: detalhes (lª parte) - formato (comparação - Desenvolvimento: análise das características físicas, asso-
com guras geométricas e com objetos semelhantes); dimensões ciadas às características psicológicas (2ª parte).
(largura, comprimento, altura, diâmetro etc.) - Conclusão: retomada de qualquer outro aspecto de caráter
- Desenvolvimento: detalhes (2ª parte) - material, peso, cor/ geral.
brilho, textura.
- Conclusão: observações de caráter geral referentes a sua uti- A descrição, ao contrário da narrativa, não supõe ação. É uma
lidade ou qualquer outro comentário que envolva o objeto como estrutura pictórica, em que os aspectos sensoriais predominam.
um todo. Porque toda técnica descritiva implica contemplação e apreen-
Descrição de objetos constituídos por várias partes: são de algo objetivo ou subjetivo, o redator, ao descrever, precisa
- Introdução: observações de caráter geral referentes à proce- possuir certo grau de sensibilidade. Assim como o pintor capta o
dência ou localização do objeto descrito. mundo exterior ou interior em suas telas, o autor de uma descrição
- Desenvolvimento: enumeração e rápidos comentários das focaliza cenas ou imagens, conforme o permita sua sensibilidade.
partes que compõem o objeto, associados à explicação de como as
partes se agrupam para formar o todo. Conforme o objetivo a alcançar, a descrição pode ser não-
- Desenvolvimento: detalhes do objeto visto como um todo -literária ou literária. Na descrição não-literária, há maior preo-
(externamente) - formato, dimensões, material, peso, textura, cor cupação com a exatidão dos detalhes e a precisão vocabular. Por
e brilho.
ser objetiva, há predominância da denotação.
- Conclusão: observações de caráter geral referentes a sua uti-
lidade ou qualquer outro comentário que envolva o objeto em sua
totalidade. Textos descritivos não-literários: A descrição técnica é um
tipo de descrição objetiva: ela recria o objeto usando uma lingua-
Descrição de ambientes: gem cientíca, precisa. Esse tipo de texto é usado para descrever
- Introdução: comentário de caráter geral. aparelhos, o seu funcionamento, as peças que os compõem, para
- Desenvolvimento: detalhes referentes à estrutura global do descrever experiências, processos, etc. Exemplo:
ambiente: paredes, janelas, portas, chão, teto, luminosidade e aro-
ma (se houver). Folheto de propaganda de carro
- Desenvolvimento: detalhes especícos em relação a obje-
tos lá existentes: móveis, eletrodomésticos, quadros, esculturas ou Conforto interno - É impossível falar de conforto sem incluir
quaisquer outros objetos. o espaço interno. Os seus interiores são amplos, acomodando tran-
- Conclusão: observações sobre a atmosfera que paira no am- quilamente passageiros e bagagens. O Passat e o Passat Variant
biente. possuem direção hidráulica e ar condicionado de elevada capaci-
dade, proporcionando a climatização perfeita do ambiente.
Descrição de paisagens: Porta-malas - O compartimento de bagagens possui capacida-
- Introdução: comentário sobre sua localização ou qualquer de de 465 litros, que pode ser ampliada para até 1500 litros, com o
outra referência de caráter geral. encosto do banco traseiro rebaixado.

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Língua Portuguesa
Tanque - O tanque de combustível é confeccionado em plás- Características:
tico reciclável e posicionado entre as rodas traseiras, para evitar a
deformação em caso de colisão. - ao contrário do texto narrativo e do descritivo, ele é temático;
- como o texto narrativo, ele mostra mudanças de situação;
Textos descritivos literários: Na descrição literária predo- - ao contrário do texto narrativo, nele as relações de
mina o aspecto subjetivo, com ênfase no conjunto de associações anterioridade e de posterioridade dos enunciados não têm maior
conotativas que podem ser exploradas a partir de descrições de importância - o que importa são suas relações lógicas: analogia,
pessoas; cenários, paisagens, espaço; ambientes; situações e coi- pertinência, causalidade, coexistência, correspondência, implica-
sas. Vale lembrar que textos descritivos também podem ocorrer ção, etc.
tanto em prosa como em verso. - a estética e a gramática são comuns a todos os tipos de reda-
ção. Já a estrutura, o conteúdo e a estilística possuem característi-
cas próprias a cada tipo de texto.
Dissertação
São partes da dissertação: Introdução / Desenvolvimento /
A dissertação é uma exposição, discussão ou interpretação de Conclusão.
uma determinada ideia. É, sobretudo, analisar algum tema. Pres-
supõe um exame crítico do assunto, lógica, raciocínio, clareza, Introdução: em que se apresenta o assunto; se apresenta a
coerência, objetividade na exposição, um planejamento de traba- ideia principal, sem, no entanto, antecipar seu desenvolvimento.
lho e uma habilidade de expressão. É em função da capacidade Tipos:
crítica que se questionam pontos da realidade social, histórica e
psicológica do mundo e dos semelhantes. Vemos também, que a - Divisão: quando há dois ou mais termos a serem discutidos.
dissertação no seu signicado diz respeito a um tipo de texto em Ex: “Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha
que a exposição de uma ideia, através de argumentos, é feita com de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro...”
a nalidade de desenvolver um conteúdo cientíco, doutrinário ou - Alusão Histórica: um fato passado que se relaciona a um
artístico. Exemplo: fato presente. Ex: “A crise econômica que teve início no começo
dos anos 80, com os conhecidos altos índices de inação que a dé-
Há três métodos pelos quais pode um homem chegar a ser pri- cada colecionou, agravou vários dos históricos problemas sociais
meiro-ministro. O primeiro é saber, com prudência, como servir-se do país. Entre eles, a violência, principalmente a urbana, cuja es-
de uma pessoa, de uma lha ou de uma irmã; o segundo, como calada tem sido facilmente identicada pela população brasileira.”
- Proposição: o autor explicita seus objetivos.
trair ou solapar os predecessores; e o terceiro, como clamar, com
zelo furioso, contra a corrupção da corte. Mas um príncipe discreto coisa- apresentada
Convite: proposta
no texto.aoEx:
leitor
Vocêpara
querque participe
estar de Quer
“na sua”? alguma
se
prefere nomear os que se valem do último desses métodos, pois sentir seguro, ter o sucesso pretendido? Não entre pelo cano! Faça
os tais fanáticos sempre se revelam os mais obsequiosos e sub - parte desse time de vencedores desde a escolha desse momento!
servientes à vontade e às paixões do amo. Tendo à sua disposição - Contestação: contestar uma idéia ou uma situação. Ex: “É
todos os cargos, conservam-se no poder esses ministros subordi- importante que o cidadão saiba que portar arma de fogo não é a
nando a maioria do senado, ou grande conselho, e, anal, por via solução no combate à insegurança.”
de um expediente chamado anistia (cuja natureza lhe expliquei), - Características: caracterização de espaços ou aspectos.
garantem-se contra futuras prestações de contas e retiram-se da - Estatísticas: apresentação de dados estatísticos. Ex: “Em
vida pública carregados com os despojos da nação. 1982, eram 15,8 milhões os domicílios brasileiros com televisores.
Jonathan Swift. Viagens de Gulliver. Hoje, são 34 milhões (o sexto maior parque de aparelhos recepto-
São Paulo, Abril Cultural, 1979, p. 234-235. res instalados do mundo). Ao todo, existem no país 257 emisso-
ras (aquelas capazes de gerar programas) e 2.624 repetidoras (que
Esse texto explica os três métodos pelos quais um homem apenas retransmitem sinais recebidos). (...)”
chega a ser primeiro-ministro, aconselha o príncipe discreto a - Declaração Inicial: emitir um conceito sobre um fato.
escolhê-lo entre os que clamam contra a corrupção na corte e jus- - Citação: opinião de alguém de destaque sobre o assunto do
tica esse conselho. Observe-se que: texto. Ex: “A principal característica do déspota encontra-se no
- o texto é temático, pois analisa e interpreta a realidade com fato de ser ele o autor único e exclusivo das normas e das regras
conceitos abstratos e genéricos (não se fala de um homem par - que denem a vida familiar, isto é, o espaço privado. Seu poder,
escreve Aristóteles, é arbitrário, pois decorre exclusivamente de
ticular
homemeem dogeral
que faz
e depara chegar
todos a ser primeiro-ministro,
os métodos mas do
para atingir o poder); sua vontade, de seu prazer e de suas necessidades.”
- Defnição: desenvolve-se pela explicação dos termos que
- existe mudança de situação no texto (por exemplo, a mu- compõem o texto.
dança de atitude dos que clamam contra a corrupção da corte no - Interrogação: questionamento. Ex: “Volta e meia se faz a
momento em que se tornam primeiros-ministros); pergunta de praxe: anal de contas, todo esse entusiasmo pelo fu-
- a progressão temporal dos enunciados não tem importân- tebol não é uma prova de alienação?”
cia, pois o que importa é a relação de implicação (clamar contra a - Suspense: alguma informação que faça aumentar a curiosi-
corrupção da corte implica ser corrupto depois da nomeação para dade do leitor.
primeiro-ministro). - Comparação: social e geográca.

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Língua Portuguesa
- Enumeração: enumerar as informações. Ex: “Ação à dis- Não é uma utopia?!
tância, velocidade, comunicação, linha de montagem, triunfo das Um exemplo vivo são os bóias-frias que trabalham na colheita
massas, Holocausto: através das metáforas e das realidades que da cana de açúcar que devido ao avanço tecnológico e a lei do go -
marcaram esses 100 últimos anos, aparece a verdadeira doença do vernador Geraldo Alkmin, defendendo o meio ambiente, proibindo
século...” a queima da cana de açúcar para a colheita e substituindo-os então
- Narração: narrar um fato. pelas máquinas, desemprega milhares deles. (D)
Em troca os sindicatos dos trabalhadores rurais dão cursos de
Desenvolvimento: é a argumentação da ideia inicial, de forma cabeleleiro, marcenaria, eletricista, para não perderem o mercado
organizada e progressiva. É a parte maior e mais importante do de trabalho, aumentando, com isso, a classe de trabalhos informais.
texto. Podem ser desenvolvidos de várias formas: Como cam então aqueles trabalhadores que passaram à vida
estudando, se especializando, para se diferenciarem e ainda estão
- Trajetória Histórica: cultura geral é o que se prova com desempregados?, como vimos no último concurso da prefeitura do
este tipo de abordagem. Rio de Janeiro para “gari”, havia até advogado na la de inscrição.
- Defnição: não basta citar, mas é preciso desdobrar a idéia (E)
principal ao máximo, esclarecendo o conceito ou a denição. Já que a Constituição dita seu valor ao social que todos têm
- Comparação: estabelecer analogias, confrontar situações o direito de trabalho, cabe aos governantes desse país, que almeja
distintas. um futuro brilhante, deter, com urgência esse processo de desní-
- Bilateralidade: quando o tema proposto apresenta pontos veis gritantes e criar soluções ecazes para combater a crise gene-
favoráveis e desfavoráveis. ralizada (F), pois a uma nação doente, miserável e desigual, não
- Ilustração Narrativa ou Descritiva: narrar um fato ou des- compete a tão sonhada modernidade. (G)
crever uma cena.
- Cifras e Dados Estatísticos : citar cifras e dados estatísticos. 1º Parágrafo – Introdução
- Hipótese: antecipa uma previsão, apontando para prováveis
resultados. A. Tema: Desemprego no Brasil.
- Interrogação: Toda sucessão de interrogações deve apre- Contextualização: decorrência de um processo histórico pro-
sentar questionamento e reexão. blemático.
- Refutação: questiona-se praticamente tudo: conceitos, va-
lores, juízos. 2º ao 6º Parágrafo – Desenvolvimento
- Causa e Consequência: estruturar o texto através dos por-
quês de uma determinada situação. B. Argumento 1: Exploram-se dados da realidade que reme-

-- Exemplifcação
Oposição: abordar umexemplos.
: dar assunto de forma dialética. tem aC.uma análise do2:tema
Argumento em questão.a respeito de outro dado da
Considerações
realidade.
Conclusão: é uma avaliação nal do assunto, um fechamento D. Argumento 3: Coloca-se sob suspeita a sinceridade de
integrado de tudo que se argumentou. Para ela convergem todas as quem propõe soluções.
ideias anteriormente desenvolvidas. E. Argumento 4: Uso do raciocínio lógico de oposição.

- Conclusão Fechada: recupera a ideia da tese. 7º Parágrafo: Conclusão


- Conclusão Aberta: levanta uma hipótese, projeta um pen- F. Uma possível solução é apresentada.
samento ou faz uma proposta, incentivando a reexão de quem lê. G. O texto conclui que desigualdade não se casa com moder -
nidade.
Exemplo:
É bom lembrarmos que é praticamente impossível opinar sobre
Direito de Trabalho o que não se conhece. A leitura de bons textos é um dos recursos
que permite uma segurança maior no momento de dissertar sobre
Com a queda do feudalismo no século XV, nasce um novo algum assunto. Debater e pesquisar são atitudes que favorecem o
modelo econômico: o capitalismo, que até o século XX agia por senso crítico, essencial no desenvolvimento de um texto disserta-
meio da inclusão de trabalhadores e hoje passou a agir por meio tivo.
da exclusão. (A)
A tendência do mundo contemporâneo é tornar todo o traba- Ainda temos:
lho automático, devido à evolução tecnológica e a necessidade de
qualicação cada vez maior, o que provoca o desemprego. Outro Tema: compreende o assunto proposto para discussão, o as-
fator que também leva ao desemprego de um sem número de tra - sunto que vai ser abordado.
balhadores é a contenção de despesas, de gastos. (B) Título: palavra ou expressão que sintetiza o conteúdo discu-
Segundo a Constituição, “preocupada” com essa crise social tido.
que provém dessa automatização e qualicação, obriga que seja Argumentação: é um conjunto de procedimentos linguísticos
feita uma lei, em que será dada absoluta garantia aos trabalhado - com os quais a pessoa que escreve sustenta suas opiniões, de forma
res, de que, mesmo que as empresas sejam automatizadas, não per- a torná-las aceitáveis pelo leitor. É fornecer argumentos, ou seja,
derão eles seu mercado de trabalho. (C) razões a favor ou contra uma determinada tese.

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Língua Portuguesa
Estes assuntos serão vistos com mais anco posteriormente. 3-
- A Santa Missa em seu lar.
Alguns pontos essenciais desse tipo de texto são: - Terço Bizantino.
- Despertar da Fé.
- toda dissertação é uma demonstração, daí a necessidade de - Palavra de Vida.
pleno domínio do assunto e habilidade de argumentação; - Igreja da Graça no Lar.
- em consequência disso, impõem-se à delidade ao tema;
- a coerência é tida como regra de ouro da dissertação; 4-
- impõem-se sempre o raciocínio lógico; - Inúmeras são as diculdades com que se defronta o governo
- a linguagem deve ser objetiva, denotativa; qualquer ambi- brasileiro diante de tantos desmatamentos, desequilíbrios socioló-
guidade pode ser um ponto vulnerável na demonstração do que se
quer expor. Deve ser clara, precisa, natural, srcinal, nobre, correta gicos- eExistem
poluição.
várias razões que levam um homem a enveredar
gramaticalmente. O discurso deve ser impessoal (evitar-se o uso pelos caminhos do crime.
da primeira pessoa).
- A gravidez na adolescência é um problema seríssimo, porque
pode trazer muitas consequências indesejáveis.
O parágrafo é a unidade mínima do texto e deve apresentar:
uma frase contendo a ideia principal (frase nuclear) e uma ou mais - O lazer é uma necessidade do cidadão para a sua sobrevivên-
frases que explicitem tal ideia. cia no mundo atual e vários são os tipos de lazer.
Exemplo: “A televisão mostra uma realidade idealizada (ideia - O Novo Código Nacional de trânsito divide as faltas em vá-
central) porque oculta os problemas sociais realmente graves. rias categorias.
(ideia secundária)”.
Vejamos: Comparação: A frase nuclear pode-se desenvolver através da
Ideia central: A poluição atmosférica deve ser combatida ur - comparação, que confronta ideias, fatos, fenômenos e apresenta-
gentemente. -lhes a semelhança ou dessemelhança.
Exemplo:
Desenvolvimento: A poluição atmosférica deve ser comba-
tida urgentemente, pois a alta concentração de elementos tóxicos “A juventude é uma infatigável aspiração de felicidade; a ve-
põe em risco a vida de milhares de pessoas, sobretudo daquelas lhice, pelo contrário, é dominada por um vago e persistente senti-
que sofrem de problemas respiratórios: mento de dor, porque já estamos nos convencendo de que a felici-
dade é uma ilusão, que só o sofrimento é real”.
- A propaganda intensiva de cigarros e bebidas tem levado (Arthur Schopenhauer)
muita gente ao vício.
- A televisão é um dos mais ecazes meios de comunicação Causa e Consequência: A frase nuclear, muitas vezes, encon-
criados pelo homem. tra no seu desenvolvimento um segmento causal (fato motivador)
- A violência tem aumentado assustadoramente nas cidades e e, em outras situações, um segmento indicando consequências (fa-
hoje parece claro que esse problema não pode ser resolvido apenas tos decorrentes).
pela polícia. Exemplos:
- O diálogo entre pais e lhos parece estar em crise atualmen-
te. - O homem, dia a dia, perde a dimensão de humanidade que
- O problema dos sem-terra preocupa cada vez mais a socie- abriga em si, porque os seus olhos teimam apenas em ver as coisas
dade brasileira. imediatistas e lucrativas que o rodeiam.
O parágrafo pode processar-se de diferentes maneiras:
- O espírito competitivo foi excessivamente exercido entre
Enumeração: Caracteriza-se pela exposição de uma série de nós, de modo que hoje somos obrigados a viver numa sociedade
coisas, uma a uma. Presta-se bem à indicação de características, fria e inamistosa.
funções, processos, situações, sempre oferecendo o complemente
necessário à armação estabelecida na frase nuclear. Pode-se enu- Tempo e Espaço: Muitos parágrafos dissertativos marcam
merar, seguindo-se os critérios de importância, preferência, classi- temporal e espacialmente a evolução de ideias, processos.
cação ou aleatoriamente. Exemplos:
Exemplo:
Tempo - A comunicação de massas é resultado de uma lenta
1- O adolescente moderno está se tornando obeso por várias evolução. Primeiro, o homem aprendeu a grunhir. Depois deu um
causas: alimentação inadequada, falta de exercícios sistemáticos signicado a cada grunhido. Muito depois, inventou a escrita e só
e demasiada permanência diante de computadores e aparelhos de muitos séculos mais tarde é que passou à comunicação de massa.
Televisão. Espaço - O solo é inuenciado pelo clima. Nos climas úmidos,
os solos são profundos. Existe nessas regiões uma forte decompo-
2- Devido à expansão das igrejas evangélicas, é grande o nú - sição de rochas, isto é, uma forte transformação da rocha em terra
mero de emissoras que dedicam parte da sua programação à veicu- pela umidade e calor. Nas regiões temperadas e ainda nas mais
lação de programas religiosos de crenças variadas. frias, a camada do solo é pouco profunda. (Melhem Adas)

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Língua Portuguesa
Explicitação: Num parágrafo dissertativo pode-se conceituar, Tese, ou proposição, é a ideia que defendemos, necessaria-
exemplicar e aclarar as ideias para torná-las mais compreensí- mente polêmica, pois a argumentação implica divergência de opi-
veis. nião.
Exemplo: “Artéria é um vaso que leva sangue proveniente do Argumento tem uma srcem curiosa: vem do latim Argumen-
coração para irrigar os tecidos. Exceto no cordão umbilical e na tum, que tem o tema ARGU, cujo sentido primeiro é “fazer bri -
ligação entre os pulmões e o coração, todas as artérias contém san- lhar”, “iluminar”, a mesma raiz de “argênteo”, “argúcia”, “arguto”.
gue vermelho-vivo, recém oxigenado. Na artéria pulmonar, porém, Os argumentos de um texto são facilmente localizados: identica-
corre sangue venoso, mais escuro e desoxigenado, que o coração da a tese, faz-se a pergunta por quê? Exemplo: o autor é contra a
remete para os pulmões para receber oxigênio e liberar gás carbô- pena de morte (tese). Por que... (argumentos).
nico”. Estratégias argumentativas são todos os recursos (verbais e
Antes de se iniciar a elaboração de uma dissertação, deve não-verbais) utilizados para envolver o leitor/ouvinte, para im-
pressioná-lo, para convencê-lo melhor, para persuadi-lo mais fa-
delimitar-se o tema que será desenvolvido e que poderá ser enfo - cilmente, para gerar credibilidade, etc.
cado sob diversos aspectos. Se, por exemplo, o tema é a questão
indígena, ela poderá ser desenvolvida a partir das seguintes ideias: A Estrutura de um Texto Argumentativo
- A violência contra os povos indígenas é uma constante na A argumentação Formal
história do Brasil.
- O surgimento de várias entidades de defesa das populações A nomenclatura é de Othon Garcia, em sua obra “Comunica-
indígenas. ção em Prosa Moderna”. O autor, na mencionada obra, apresenta o
- A visão idealizada que o europeu ainda tem do índio brasi- seguinte plano-padrão para o que chama de argumentação formal:
leiro. Proposição (tese): armativa sucientemente denida e limi-
- A invasão da Amazônia e a perda da cultura indígena. tada; não deve conter em si mesma nenhum argumento.
Análise da proposição ou tese: denição do sentido da propo-
Depois de delimitar o tema que você vai desenvolver, deve sição ou de alguns de seus termos, a m de evitar mal-entendidos.
fazer a estruturação do texto. Formulação de argumentos: fatos, exemplos, dados estatís-
ticos, testemunhos, etc.
A estrutura do texto dissertativo constitui-se de:
Conclusão.

Introdução: deve conter a ideia principal a ser desenvolvida Observe o texto a seguir, que contém os elementos referidos
(geralmente um ou dois parágrafos). É a abertura do texto, por
do plano-padrão da argumentação formal.
isso é fundamental. Deve ser clara e chamar a atenção para dois
itens básicos: os objetivos do texto e o plano do desenvolvimento.
Contém a proposição do tema, seus limites, ângulo de análise e a Gramática e desempenho Linguístico
hipótese ou a tese a ser defendida.
Desenvolvimento: exposição de elementos que vão funda- Pretende-se demonstrar no presente artigo que o estudo in-
mentar a ideia principal que pode vir especicada através da argu- tencional da gramática não traz benefícios signicativos para o
mentação, de pormenores, da ilustração, da causa e da consequên- desempenho linguístico dos utentes de uma língua.
cia, das denições, dos dados estatísticos, da ordenação cronológi- Por “estudo intencional da gramática” entende-se o estudo de
ca, da interrogação e da citação. No desenvolvimento são usados denições, classicações e nomenclatura; a realização de análises
tantos parágrafos quantos forem necessários para a completa expo- (fonológica, morfológica, sintática); a memorização de regras (de
sição da ideia. E esses parágrafos podem ser estruturados das cinco concordância, regência e colocação) - para citar algumas áreas.
maneiras expostas acima. O “desempenho linguístico”, por outro lado, é expressão técnica
Conclusão: é a retomada da ideia principal, que agora deve denida como sendo o processo de atualização da competência
aparecer de forma muito mais convincente, uma vez que já foi fun- na produção e interpretação de enunciados; dito de maneira mais
damentada durante o desenvolvimento da dissertação (um pará- simples, é o que se fala, é o que se escreve em condições reais de
grafo). Deve, pois, conter de forma sintética, o objetivo proposto comunicação.
na instrução, a conrmação da hipótese ou da tese, acrescida da A polêmica pró-gramática x contra gramática é bem antiga;
argumentação básica empregada no desenvolvimento. na verdade, Denida
gramáticas. surgiu com
comoos gregos, quando
“arte”, “arte de surgiram
escrever”,aspercebe-se
primeiras
Texto Argumentativo que subjaz à denição a ideia da sua importância para a prática da
língua. São da mesma época também as primeiras críticas, como se
Texto Argumentativo é o texto em que defendemos uma pode ler em Apolônio de Rodes, poeta Alexandrino do séc. II a.C.:
ideia, opinião ou ponto de vista, uma tese, procurando (por todos “Raça de gramáticos, roedores que ratais na musa de outrem, estú-
os meios) fazer com que nosso ouvinte/leitor aceite-a, creia nela. pidas lagartas que sujais as grandes obras, ó agelo dos poetas que
Num texto argumentativo, distinguem-se três componentes: a tese, mergulhais o espírito das crianças na escuridão, ide para o diabo,
os argumentos e as estratégias argumentativas. percevejos que devorais os versos belos”.

21
Língua Portuguesa
Na atualidade, é grande o número de educadores, lólogos e realidade: Monteiro Lobato, quando estudante, foi reprovado em
linguistas de reconhecido saber que negam a relação entre o estudo língua portuguesa (muito provavelmente por desconhecer teoria
intencional da gramática e a melhora do desempenho linguístico gramatical); Machado de Assis, ao folhar uma gramática declarou
do usuário. Entre esses especialistas, deve-se mencionar o nome que nada havia entendido; dicilmente um Luis Fernando Verís-
do Prof. Celso Pedro Luft com sus obra “Língua e liberdade: por simo saberia o que é um morfema; nem é de se crer que todos os
uma nova concepção de língua materna e seu ensino” (L&PM, nossos bons escritores seriam aprovados num teste de Português à
1995). Com efeito, o velho pesquisar apaixonado pelos problemas maneira tradicional (e, no entanto eles são os senhores da língua!).
da língua, teórico de espírito lúcido e de larga formação linguísti- Portanto, não há como salvar o ensino da língua, como re-
ca, reúne numa mesma obra convincente fundamentação para seu cuperar linguisticamente os alunos, como promover um melhor
combate veemente contra o ensino da gramática em sala de aula. desempenho linguístico mediante o ensino-estudo da teoria gra-
Por oportuno,
“Quem sabe,umalendo
citação
esteapenas:
livro muitos professores talvez aban- matical. O caminho é seguramente outro.
donem a superstição da teoria gramatical, desistindo de querer en- Gilberto Scarton
sinar a língua por denições, classicações, análises inconsistentes
e precárias hauridas em gramáticas. Já seria um grande benefício”. Eis o esquema do texto em seus quatro estágios:
Deixando-se de lado a perspectiva teórica do Mestre, acima
referida suponha-se que se deva recuperar linguisticamente um Primeiro Estágio: primeiro parágrafo, em que se enuncia cla-
jovem estudante universitário cujo texto apresente preocupantes ramente a tese a ser defendida.
problemas de concordância, regência, colocação, ortograa, pon- Segundo Estágio: segundo parágrafo, em que se denem as
tuação, adequação vocabular, coesão, coerência, informatividade, expressões “estudo intencional da gramática” e “desempenho lin-
entre outros. E, estimando-lhe melhoras, lhe fosse dada uma gra- güístico”, citadas na tese.
mática que ele passaria a estudar: que é fonética? Que é fonolo- Terceiro Estágio: terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo e oi-
gia? Que é fonemas? Morfema? Qual é coletivo de borboleta? O tavo parágrafos, em que se apresentam os argumentos.
feminino de cupim? Como se chama quem nasce na Província de - Terceiro parágrafo: parágrafo introdutório à argumentação.
Entre-Douro-e-Minho? Que é oração subordinada adverbial con- - Quarto parágrafo: argumento de autoridade.
cessiva reduzida de gerúndio? E decorasse regras de ortograa, - Quinto parágrafo: argumento com base em ilustração hipo-
zesse lista de homônimos, parônimos, de verbos irregulares... e tética.
estudasse o plural de compostos, todas regras de concordância, re- - Sexto parágrafo: argumento com base em dados estatísticos.
gências... os casos de próclise, mesóclise e ênclise. E que, ao cabo - Sétimo e oitavo parágrafo: argumento com base em fatos.
de todo esse processo, se voltasse a examinar o desempenho do Quarto Estágio: último parágrafo, em que se apresenta a con-
jovem estudante na produção de um texto. A melhora seria, indubi- clusão.
tavelmente, pouco signicativa; uma pequena melhora, talvez, na
gramática da frase, mas o problema de coesão, de coerência, de in-
A Argumentação Informal
formatividade - quem sabe os mais graves - haveriam de continuar.
Quanto mais não seja porque a gramática tradicional não dá conta
A nomenclatura também é de Othon Garcia, na obra já referi-
dos mecanismos que presidem à construção do texto.
da. A argumentação informal apresenta os seguintes estágios:
Poder-se-á objetar que a ilustração de há pouco é apenas hi -
potética e que, por isso, um argumento de pouco valor. Contra - Citação da tese adversária.
argumentar-se-ia dizendo que situação como essa ocorre de fato - Argumentos da tese adversária.
na prática. Na verdade, todo o ensino de 1° e 2° graus é grama- - Introdução da tese a ser defendida.
ticalista, descritivista, denitório, classicatório, nomenclaturista, - Argumentos da tese a ser defendida.
prescritivista, teórico. O resultado? Aí estão as estatísticas dos ves- - Conclusão.
tibulares. Valendo 40 pontos a prova de redação, os escores foram
estes no vestibular 1996/1, na PUC-RS: nota zero: 10% dos candi- Observe o texto exemplar de Luís Alberto Thompson Flores
datos, nota 01: 30%; nota 02: 40%; nota 03: 15%; nota 04: 5%. Ou Lenz, Promotor de Justiça.
seja, apenas 20% dos candidatos escreveram um texto que pode
ser considerado bom. Considerações sobre justiça e equidade
Finalmente pode-se invocar mais um argumento, lembran-
do que são os gramáticos, os linguistas - como especialistas das Hoje, oresce cada vez mais, no mundo jurídico a acadêmico
línguas - as pessoas que conhecem mais a fundo a estrutura e o nacional, a ideia de que o julgador, ao apreciar os caos concretos
funcionamento dos códigos linguísticos. Que se esperaria, de fato, que são apresentados perante os tribunais, deve nortear o seu pro-
se houvesse signicativa inuência do conhecimento teórico da ceder mais por critérios de justiça e equidade e menos por razões
língua sobre o desempenho? A resposta é óbvia: os gramáticos e os de estrita legalidade, no intuito de alcançar, sempre, o escopo da
linguistas seriam sempre os melhores escritores. Como na prática real pacicação dos conitos submetidos à sua apreciação.
isso realmente não acontece, ca provada uma vez mais a tese que Semelhante entendimento tem sido sistematicamente reitera-
se vem defendendo. do, na atualidade, ao ponto de inúmeros magistrados simplesmen-
Vale também o raciocínio inverso: se a relação fosse signi- te desprezarem ou desconsiderarem determinados preceitos de lei,
cativa, deveriam os melhores escritores conhecer - teoricamente fulminando ditos dilemas legais sob a pecha de injustiça ou inade-
- a língua em profundidade. Isso, no entanto, não se conrma na quação à realidade nacional.

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Língua Portuguesa
Abstraída qualquer pretensão de crítica ou censura pessoal Eis o esquema do texto em seus cinco estágios;
aos insignes juízes que se liam a esta corrente, alguns dos quais
reconhecidos como dos mais brilhantes do país, não nos furtamos, Primeiro Estágio: primeiro parágrafo, em que se cita a tese
todavia, de tecer breves considerações sobre os perigos da genera- adversária.
lização desse entendimento. Segundo Estágio: segundo parágrafo, em que se cita um argu-
Primeiro, porque o mesmo, além de violar os preceitos dos mento da tese adversária “... fulminando ditos dilemas legais sob a
arts. 126 e 127 do CPC, atenta de forma direta e frontal contra os pecha de injustiça ou inadequação à realidade nacional”.
princípios da legalidade e da separação de poderes, esteio no qual Terceiro Estágio: terceiro parágrafo, em que se introduz a tese
se assenta toda e qualquer ideia de democracia ou limitação de a ser defendida.
atribuições dos órgãos do Estado. Quarto Estágio: do quarto ao décimo quinto, em que se apre-
sentam os argumentos.
IssoJosé
perável é o Alberto
que salientou, e com
dos Reis, a costumeira
o maior maestria,
processualista o insu-
português, Quinto Estágio: os últimos dois parágrafos, em que se conclui
ao armar que: “O magistrado não pode sobrepor os seus próprios o texto mediante armação que salienta o que cou dito ao longo
juízos de valor aos que estão encarnados na lei. Não o pode fazer da argumentação.
quando o caso se acha previsto legalmente, não o pode fazer mes-
mo quando o caso é omisso”. Texto Injuntivo/Instrucional
Aceitar tal aberração seria o mesmo que ferir de morte qual-
quer espécie de legalidade ou garantia de soberania popular prove- No texto injuntivo-instrucional, o leitor recebe orientações
niente dos parlamentos, até porque, na lúcida visão desse mesmo precisas no sentido de efetuar uma transformação. É marcado pela
processualista, o juiz estaria, nessa situação, se arvorando, de for- presença de tempos e modos verbais que apresentam um valor di-
ma absolutamente espúria, na condição de legislador. retivo. Este tipo de texto distingue-se de uma sequencia narrativa
A esta altura, adotando tal entendimento, estaria instituciona- pela ausência de um sujeito responsável pelas ações a praticar e
lizada a insegurança social, sendo que não haveria mais qualquer pelo caráter diretivo dos tempos e modos verbais usado e uma se-
garantia, na medida em que tudo estaria ao sabor dos humores e quência descritiva pela transformação desejada.
amores do juiz de plantão. Nota: Uma frase injuntiva é uma frase que exprime uma or-
De nada adiantariam as eleições, eis que os representantes in- dem, dada ao locutor, para executar (ou não executar) tal ou tal
ação. As formas verbais especícas destas frases estão no modo
dicados pelo povo não poderiam se valer de sua maior atribuição,
injuntivo e o imperativo é uma das formas do injuntivo.
ou seja, a prerrogativa de editar as leis.
Desapareceriam também os juízes de conveniência e oportu -
Textos Injuntivo-Instrucionais: Instruções de montagem, re-
nidade política típicos dessas casas legislativas, na medida em que
sempre poderiam ser afastados por uma esfera revisora excepcional. ceitas,impõem
ação, horóscopos, provérbios,
regras; textos queslogans...
fornecemsão textos que
instruções. Sãoincitam
orienta-à
A própria independência do parlamento sucumbiria integral- dos para um comportamento futuro do destinatário.
mente frente à possibilidade de inobservância e desconsideração
de suas deliberações. Texto Injuntivo - A necessidade de explicar e orientar por es-
Ou seja, nada restaria, de cunho democrático, em nossa civi- crito o modo de realizar determinados procedimentos, manipular
lização. instrumentos, desenvolver atividades lúdicas e desempenhar algu-
Já o Poder Judiciário, a quem legitimamente compete scali- mas funções prossionais, por exemplo, deu srcem aos chamados
zar a constitucionalidade e legalidade dos atos dos demais poderes textos injuntivos, nos quais prevalece a função apelativa da lin-
do Estado, praticamente aniquilaria as atribuições destes, ditando guagem, criando-se uma relação direta com o receptor. É comum
a eles, a todo momento, como proceder. aos textos dessa natureza o uso dos verbos no imperativo (Abra o
Nada mais é preciso dizer para demonstrar o desacerto dessa caderno de questões) ou no innitivo (É preciso abrir o caderno
concepção. de questões, vericar o número de alternativas...). Não apresenta
Entretanto, a defesa desse entendimento demonstra, sem som- caráter coercitivo, haja vista que apenas induz o interlocutor a pro-
bra de dúvidas, o desconhecimento do próprio conceito de justiça, ceder desta ou daquela forma. Assim, torna-se possível substituir
incorrendo inclusive numa contradictio in adjecto. um determinado procedimento em função de outro, como é o caso
Isto porque, e como magistralmente o salientou o insuperável do que ocorre com os ingredientes de uma receita culinária, por
Calamandrei, “a justiça que o juiz administra é, no sistema da lega- exemplo. São exemplos dessa modalidade:
lidade, a justiça em sentido jurídico, isto é, no sentido mais aperta- - A mensagem revelada pela maioria dos livros de autoajuda;
do, mas menos incerto, da conformidade com o direito constituído, - O discurso manifestado mediante um manual de instruções;
independentemente da correspondente com a justiça social”. - As instruções materializadas por meio de uma receita culi-
Para encerrar, basta salientar que a eleição dos meios concre - nária.
tos de efetivação da Justiça social compete, fundamentalmente, ao
Legislativo e ao Executivo, eis que seus membros são indicados Texto Instrucional -o texto instrucional é um tipo de texto in-
diretamente pelo povo. juntivo, didático, que tem por objetivo justamente apresentar orien-
Ao Judiciário cabe administrar a justiça da legalidade, ade- tações ao receptor para que ele realize determinada atividade. Como
quando o proceder daqueles aos ditames da Constituição e da Le- as palavras do texto serão transformadas em ações visando a um ob -
gislação. jetivo, ou seja, algo deverá ser concretizado, é de suma importância
Luís Alberto Thompson Flores Lenz que nele haja clareza e objetividade. Dependendo do que se trata, é

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Língua Portuguesa
imprescindível haver explicações ou enumerações em que estejam “O iraquiano leu sua declaração num bloquinho comum de
elencados os materiais a serem utilizados, bem como os itens de anotações, que segurava na mão.”
determinados objetos que serão manipulados. Por conta dessas ca -
racterísticas, é necessário um título objetivo. Quanto à pontuação, Nesse período, o pronome relativo “que” estabelece conexão
frequentemente empregam-se dois pontos, vírgulas e pontos e vír - entre as duas orações. O iraquiano leu sua declaração num blo-
gulas. É possível separar as orientações por itens ou de modo coeso, quinho comum de anotações e segurava na mão , retomando na
por meio de períodos. Alguns textos instrucionais possuem subtítu- segunda um dos termos da primeira: bloquinho. O pronome relati-
los separando em tópicos as instruções, basta reparar nas bulas de vo é um elemento coesivo, e a conexão entre as duas orações, um
remédios, manuais de instruções e receitas. Pelo fato de o espaço fenômeno de coesão. Leia o texto que segue:
destinado aos textos instrucionais geralmente não ser muito extenso,
recomenda-se o uso de períodos. Leia os exemplos. Arroz-doce da infância
Texto organizado em itens:
Ingredientes
Para economizar nas compras 1 litro de leite desnatado
150g de arroz cru lavado
Quem deseja economizar ao comprar deve: 1 pitada de sal
- estabelecer um valor máximo para gastar; 4 colheres (sopa) de açúcar
- escolher previamente aquilo que deseja comprar antes de ir à 1 colher (sobremesa) de canela em pó
loja ou entrar em sites de compra;
- pesquisar os preços em diferentes lojas e sites, se possível; Preparo
- não se deixar levar completamente pelas sugestões dos ven- Em uma panela ferva o leite, acrescente o arroz, a pitada de
dedores nem pelos apelos das propagandas; sal e mexa sem parar até cozinhar o arroz. Adicione o açúcar e
- optar pela forma de pagamento mais cômoda, sem se esque - deixe no fogo por mais 2 ou 3 minutos. Despeje em um recipiente,
cer de que o uso do cartão de crédito exige certa cautela e plane- polvilhe a canela. Sirva.
jamento. Cozinha Clássica Baixo Colesterol, nº4.
Do mais, é só ir às compras e aproveitar! São Paulo, InCor, agosto de 1999, p. 42.
Texto organizado em períodos: Toda receita culinária tem duas partes: lista dos ingredientes
Para economizar nas compras e modo de preparar. As informações apresentadas na primeira são
retomadas na segunda. Nesta, os nomes mencionados pela primei-
Para economizar ao comprar, primeiramente estabeleça um ra vez na lista de ingredientes vêm precedidos de artigo denido,
valor máximo para gastar e então escolha previamente aquilo que o qual exerce, entre outras funções, a de indicar que o termo deter-
deseja comprar antes de ir à loja ou entrar em sites de compra. Se minado por ele se refere ao mesmo ser a que uma palavra idêntica
possível, pesquise os preços em diferentes lojas e sites; não se dei- já zera menção.
xe levar completamente pelas sugestões dos vendedores nem pelos No nosso texto, por exemplo, quando se diz que se adiciona o
apelos das propagandas e opte pela forma de pagamento mais cô- açúcar, o artigo citado na primeira parte. Se dissesse apenas adi-
moda: não se esqueça de que o uso do cartão de crédito exige certa cione açúcar, deveria adicionar, pois se trataria de outro açúcar,
cautela e planejamento. diverso daquele citado no rol dos ingredientes.
Do mais, aproveite as compras! Há dois tipos principais de mecanismos de coesão: retomada
ou antecipação de palavras, expressões ou frases e encadeamento
Observe que, embora ambos os textos tratem do mesmo assun- de segmentos.
to, o segundo é uma adaptação do primeiro: tanto o modo verbal
quanto a pontuação sofreram alterações; além disso, algumas pala- Retomada ou Antecipação por meio de uma palavra gramatical
vras foram omitidas e outras acrescentadas. Isso ocorreu para que (pronome, verbos ou advérbios)
o aspecto instrucional, conferido pelos itens do primeiro exemplo,
não se perdesse no segundo texto, o qual, sem essas adaptações, “No mercado de trabalho brasileiro, ainda hoje não há total
passaria a impressão de ser um mero texto expositivo.
igualdade
que aquelesentre homensequivalentes.”
em cargos e mulheres: estas ainda ganham menos do
Coesão

Uma das propriedades que distinguem um texto de um amon- Nesse período, o pronome demonstrativo “estas” retoma o
toado de frases é a relação existente entre os elementos que os termo mulheres, enquanto “aqueles” recupera a palavra homens.
constituem. A coesão textual é a ligação, a relação, a conexão entre Os termos que servem para retomar outros são denominados
palavras, expressões ou frases do texto. Ela manifesta-se por ele- anafóricos; os que servem para anunciar, para antecipar outros são
mentos gramaticais, que servem para estabelecer vínculos entre os chamados catafóricos. No exemplo a seguir, desta antecipa aban-
componentes do texto. Observe: donar a faculdade no último ano:

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Língua Portuguesa
“Já viu uma loucura desta, abandonar a faculdade no último - O artigo indenido serve geralmente para introduzir infor-
ano?” mações novas ao texto. Quando elas forem retomadas, deverão ser
São anafóricos ou catafóricos os pronomes demonstrativos, os precedidas do artigo denido, pois este é que tem a função de indi-
pronomes relativos, certos advérbios ou locuções adverbiais (nes- car que o termo por ele determinado é idêntico, em termos de valor
se momento, então, lá), o verbo fazer, o artigo denido, os prono - referencial, a um termo já mencionado.
mes pessoais de 3ª pessoa (ele, o, a, os, as, lhe, lhes), os pronomes
indenidos. Exemplos: “O encarregado da limpeza encontrou uma carteira na sala
de espetáculos. Curiosamente, a carteira tinha muito dinheiro
“Ele era muito diferente de seu mestre, a quem sucedera na dentro, mas nem um documento sequer.”
cátedra de Sociologia na Universidade de São Paulo.”
- Quando, em dado contexto, o anafórico pode referir-se a dois
O pronome relativo “quem” retoma o substantivo mestre. termos distintos, há uma ruptura de coesão, porque ocorre uma
ambiguidade insolúvel. É preciso que o texto seja escrito de tal
“As pessoas simplicam Machado de Assis; elas o veem como forma que o leitor possa determinar exatamente qual é a palavra
um pensador cín iço e descrente do amor e da amizade.” retomada pelo anafórico.
O pronome pessoal “elas” recupera o substantivo pessoas; o “Durante o ensaio, o ator principal brigou com o diretor por
pronome pessoal “o” retoma o nome Machado de Assis. causa da sua arrogância.”
“Os dois homens caminhavam pela calçada, ambos trajando O anafórico “sua” pode estar-se referindo tanto à palavra ator
roupa escura.” quanto a diretor.
O numeral “ambos” retoma a expressão os dois homens. “André brigou com o ex-namorado de uma amiga, que traba-
lha na mesma rma.”
“Fui ao cinema domingo e, chegando lá, quei desanimado
com a la.” Não se sabe se o anafórico “que” está se referindo ao termo
amiga ou a ex-namorado. Permutando o anafórico “que” por “o
O advérbio “lá” recupera a expressão ao cinema. qual” ou “a qual”, essa ambiguidade seria desfeita.
“O governador vai pessoalmente inaugurar a creche dos fun- Retomada por palavra lexical
cionários do palácio, e o fará para demonstrar seu apreço aos
servidores.” (substantivo, adjetivo ou verbo)
Uma palavra pode ser retomada, que por uma repetição, quer
A forma verbal “fará” retoma a perífrase verbal vai inaugu- por uma substituição por sinônimo, hiperônimo, hipônimo ou an-
rar e seu complemento. tonomásia.
Sinônimo é o nome que se dá a uma palavra que possui o
- Em princípio, o termo a que o anafórico se refere deve estar
mesmo sentido que outra, ou sentido bastante aproximado: injúria
presente no texto, senão a coesão ca comprometida, como neste
exemplo: e afronta, alegre e contente.
Hiperônimo é um termo que mantém com outro uma relação
“André é meu grande amigo. Começou a namorá-la há vários do tipo contém/está contido;
meses.” Hipônimo é uma palavra que mantém com outra uma relação
do tipo está contido/contém. O signicado do termo rosa está con-
A rigor, não se pode dizer que o pronome “la” seja um anafó- tido no de or e o de or contém o de rosa, pois toda rosa é uma
rico, pois não está retomando nenhuma das palavras citadas antes. or, mas nem toda or é uma rosa. Flor é, pois, hiperônimo de
Exatamente por isso, o sentido da frase ca totalmente prejudica- rosa, e esta palavra é hipônimo daquela.
do: não há possibilidade de se depreender o sentido desse prono- Antonomásia é a substituição de um nome próprio por um
me. nome comum ou de um comum por um próprio. Ela ocorre, prin-
Pode ocorrer, no entanto, que o anafórico não se rera a ne- cipalmente, quando uma pessoa célebre é designada por uma ca-
nhuma palavra citada anteriormente no interior do texto, mas que racterística notória ou quando o nome próprio de uma personagem
possa ser inferida por certos pressupostos típicos da cultura em que famosa é usada para designar outras pessoas que possuam a mes-
se inscreve o texto. É o caso de um exemplo como este: ma característica que a distingue:

“O casamento teria sido às 20 horas. O noivo já estava de- “O rei do futebol (=Pelé) som podia ser um brasileiro.”
sesperado, porque eram 21 horas e ela não havia comparecido.”
“O herói de dois mundos (=Garibaldi) foi lembrado numa
Por dados do contexto cultural, sabe-se que o pronome “ela” recente minissérie de tevê.”
é um anafórico que só pode estar-se referindo à palavra noiva.
Num casamento, estando presente o noivo, o desespero só pode ser Referência ao fato notório de Giuseppe Garibaldi haver lutado
pelo atraso da noiva (representada por “ela” no exemplo citado). pela liberdade na Europa e na América.

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Língua Portuguesa
“Ele é um hércules (=um homem muito forte). Vejamos estes versos do poema “Círculo vicioso”, de Macha-
do de Assis:
Referência à força física que caracteriza o herói grego Hér -
cules. (...)
Mas a lua, tando o sol, com azedume:
“Um presidente da República tem uma agenda de trabalho
extremamente carregada. Deve receber ministros, embaixadores, “Mísera! Tivesse eu aquela enorme, aquela
visitantes estrangeiros, parlamentares; precisa a todo momento Claridade imorta, que toda a luz resume!”
tomar graves decisões que afetam a vida de muitas pessoas; ne- Obra completa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1979, v.III,
cessita acompanhar tudo o que acontece no Brasil e no mundo. p. 151.
Um presidente deve começar a trabalhar ao raiar do dia e termi-
nar sua jornada altas horas da noite.” Nesse caso, o verbo dizer, que seria enunciado antes daquilo
que disse a lua, isto é, antes das aspas, ca subentendido, é omitido
A repetição do termo presidente estabelece a coesão entre o por ser facilmente presumível.
último período e o que vem antes dele. Qualquer segmento da frase pode sofrer elipse. Veja que, no
exemplo abaixo, é o sujeito meu pai que vem elidido (ou apagado)
“Observava as estrelas, os planetas, os satélites. Os astros antes de sentiu e parou:
sempre o atraíram.
“Meu pai começou a andar novamente, sentiu a pontada no
Os dois períodos estão relacionados pelo hiperônimo astros, peito e parou.”
que recupera os hipônimos estrelas, planetas, satélites.
Pode ocorrer também elipse por antecipação. No exemplo que
“Eles (os alquimistas) acreditavam que o organismo do ho- segue, aquela promoção é complemento tanto de querer quanto de
mem era regido por humores (uidos orgânicos) que percorriam, desejar, no entanto aparece apenas depois do segundo verbo:
ou apenas existiam, em maior ou menor intensidade em nosso cor-
po. Eram quatro os humores: o sangue, a euma (secreção pulmo- “Ficou muito deprimido com o fato de ter sido preferido. A -
nar), a bile amarela e a bile negra. E eram também estes quatro nal, queria muito, desejava ardentemente aquela promoção.”
uidos ligados aos quatro elementos fundamentais: ao Ar (seco), à
Água (úmido), ao Fogo (quente) e à Terra (frio), respectivamente.” Quando se faz essa elipse por antecipação com verbos que têm
Ziraldo. In: Revista Vozes, nº3, abril de 1970, p.18. regência diferente, a coesão é rompida. Por exemplo, não se deve
dizer “Conheço e gosto deste livro” , pois o verbo conhecer rege
Nesse texto, a ligação entre o segundo e o primeiro períodos complemento não introduzido por preposição, e a elipse retoma
se faz pela repetição da palavra humores; entre o terceiro e o se- o complemento inteiro, portanto teríamos uma preposição inde-
gundo se faz pela utilização do sinônimo uidos. vida: “Conheço (deste livro) e gosto deste livro”. Em “Implico
É preciso manejar com muito cuidado a repetição de palavras, e dispenso sem dó os estranhos palpiteiros” , diferentemente, no
pois, se ela não for usada para criar um efeito de sentido de inten- complemento em elipse faltaria a preposição “com” exigida pelo
sicação, constituirá uma falha de estilo. No trecho transcrito a verbo implicar.
seguir, por exemplo, ca claro o uso da repetição da palavra vice Nesses casos, para assegurar a coesão, o recomendável é co-
e outras parecidas (vicissitudes, vicejam, viciem), com a evidente locar o complemento junto ao primeiro verbo, respeitando sua
intenção de ridicularizar a condição secundária que um provável regência, e retomá-lo após o segundo por um anafórico, acres -
amenguista atribui ao Vasco e ao seu Vice-presidente: centando a preposição devida (Conheço este livro e gosto dele)
ou eliminando a indevida (Implico com estranhos palpiteiros e os
“Recebi por esses dias um e-mail com uma série de piadas dispenso sem dó).
sobre o pouco simpático Eurico Miranda. Faltam-me provas, mas
tudo leva a crer que o remetente seja um amenguista.” Coesão por Conexão
Segundo o texto, Eurico nasceu para ser vice: é vice-presiden-
te do clube, vice-campeão carioca e bi vice-campeão mundial. E Há na língua uma série de palavras ou locuções que são res -
isso sem falar do vice no Carioca de futsal, no Carioca de basquete, ponsáveis pela concatenação ou relação entre segmentos do texto.
no Brasileiro de basquete e na Taça Guanabara. São vicissitudes Esses elementos denominam-se conectores ou operadores discur-
que vicejam. Espero que não viciem. sivos. Por exemplo: visto que, até, ora, no entanto, contudo, ou
José Roberto Torero. In: Folha de S. Paulo, 08/03/2000, p. seja.
4-7. Note-se que eles fazem mais do que ligar partes do texto: es-
tabelecem entre elas relações semânticas de diversos tipos, como
A elipse é o apagamento de um segmento de frase que pode contrariedade, causa, consequência, condição, conclusão, etc. Es-
ser facilmente recuperado pelo contexto. Também constitui um sas relações exercem função argumentativa no texto, por isso os
expediente de coesão, pois é o apagamento de um termo que seria operadores discursivos não podem ser usados indiscriminadamente.
repetido, e o preenchimento do vazio deixado pelo termo apagado Na frase “O time apresentou um bom futebol, mas não alcan-
(=elíptico) exige, necessariamente, que se faça correlação com ou- çou a vitória”, por exemplo, o conector “mas” está adequadamen-
tros termos presentes no contexto, ou referidos na situação em que te usado, pois ele liga dois segmentos com orientação argumenta-
se desenrola a fala. tiva contrária.

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Língua Portuguesa
Se fosse utilizado, nesse caso, o conector “portanto”, o resul- porque o segundo segmento indica um desenvolvimento da expo-
tado seria um paradoxo semântico, pois esse operador discursivo sição. Não teria cabimento usar operadores desse tipo para ligar
liga dois segmentos com a mesma orientação argumentativa, sen- dois segmentos como “Disfarçou as lágrimas que o assaltaram e
do o segmento introduzido por ele a conclusão do anterior. escondeu o choro que tomou conta dele”.

- Gradação: há operadores que marcam uma gradação numa - Disjunção Argumentativa: há também operadores que in-
série de argumentos orientados para uma mesma conclusão. Divi- dicam uma disjunção argumentativa, ou seja, fazem uma conexão
dem-se eles, em dois subtipos: os que indicam o argumento mais entre segmentos que levam a conclusões opostas, que têm orienta-
forte de uma série: até, mesmo, até mesmo, inclusive, e os que ção argumentativa diferente: ou, ou então, quer... quer, seja... seja,
subentendem uma escala com argumentos mais fortes: ao menos, caso contrário, ao contrário.
pelo menos, no mínimo, no máximo, quando muito.
“Não agredi esse imbecil. Ao contrário, ajudei a separar a
“Ele é um bom conferencista: tem uma voz bonita, é bem arti- briga, para que ele não apanhasse.”
culado, conhece bem o assunto de que fala e é até sedutor.” O argumento introduzido por ao contrário é diametralmente
oposto àquele de que o falante teria agredido alguém.
Toda a série de qualidades está orientada no sentido de com-
provar que ele é bom conferencista; dentro dessa série, ser sedutor - Conclusão: existem operadores que marcam uma conclusão
é considerado o argumento mais forte. em relação ao que foi dito em dois ou mais enunciados anteriores
(geralmente, uma das armações de que decorre a conclusão ca
“Ele é ambicioso e tem grande capacidade de trabalho. Che- implícita, por manifestar uma voz geral, uma verdade universal-
gará a ser pelo menos diretor da empresa.” mente aceita): logo, portanto, por conseguinte, pois (o pois é con-
clusivo quando não encabeça a oração).
Pelo menos introduz um argumento orientado no mesmo
sentido de ser ambicioso e ter grande capacidade de trabalho; por “Essa guerra é uma guerra de conquista, pois visa ao contro-
outro lado, subentende que há argumentos mais fortes para com- le dos uxos mundiais de petróleo. Por conseguinte, não é moral -
provar que ele tem as qualidades requeridas dos que vão longe mente defensável.”
(por exemplo, ser presidente da empresa) e que se está usando o
menos forte; ao menos, pelo menos e no mínimo ligam argumentos Por conseguinte introduz uma conclusão em relação à arma-
de valor positivo. ção exposta no primeiro período.

“Ele não é bom aluno. No máximo vai terminar o segundo


grau.” - Comparação:
os que outroscomparação
estabelecem uma importantesdeoperadores
igualdade,discursivos são
superioridade
ou inferioridade entre dois elementos, com vistas a uma conclusão
No máximo introduz um argumento orientado no mesmo sen- contrária ou favorável a certa ideia: tanto... quanto, tão... como,
tido de ter muita diculdade de aprender; supõe que há uma escala mais... (do) que.
argumentativa (por exemplo, fazer uma faculdade) e que se está
usando o argumento menos forte da escala no sentido de provar a “Os problemas de fuga de presos serão tanto mais graves
armação anterior; no máximo e quando muito estabelecem liga- quanto maior for a corrupção entre os agentes penitenciários.”
ção entre argumentos de valor depreciativo.
O comparativo de igualdade tem no texto uma função argu-
mentativa: mostrar que o problema da fuga de presos cresce à me-
- Conjunção Argumentativa: há operadores que assinalam dida que aumenta a corrupção entre os agentes penitenciários; por
uma conjunção argumentativa, ou seja, ligam um conjunto de ar - isso, os segmentos podem até ser permutáveis do ponto de vista
gumentos orientados em favor de uma dada conclusão: e, também, sintático, mas não o são do ponto de vista argumentativo, pois não
ainda, nem, não só... mas também, tanto... como, além de, a par há igualdade argumentativa proposta, “Tanto maior será a cor-
de. rupção entre os agentes penitenciários quanto mais grave for o
problema da fuga de presos”.
“Se alguém pode tomar essa decisão é você. Você é o diretor Muitas vezes a permutação dos segmentos leva a conclusões
da escola, é muito respeitado pelos funcionários e também é muito opostas: Imagine-se, por exemplo, o seguinte diálogo entre o dire-
querido pelos alunos.” tor de um clube esportivo e o técnico de futebol:

Arrolam-se três argumentos em favor da tese que é o interlo- “__Precisamos promover atletas das divisões de base para
cutor quem pode tomar uma dada decisão. O último deles é intro- reforçar nosso time.
duzido por “e também”, que indica um argumento nal na mesma __Qualquer atleta das divisões de base é tão bom quanto os
direção argumentativa dos precedentes. do time principal.”
Esses operadores introduzem novos argumentos; não signi- Nesse caso, o argumento do técnico é a favor da promoção,
cam, em hipótese nenhuma, a repetição do que já foi dito. Ou seja, pois ele declara que qualquer atleta das divisões de base tem, pelo
só podem ser ligados com conectores de conjunção segmentos que menos, o mesmo nível dos do time principal, o que signica que
representam uma progressão discursiva. É possível dizer “Dis- estes não primam exatamente pela excelência em relação aos ou-
farçou as lágrimas que o assaltaram e continuou seu discurso”, tros.

27
Língua Portuguesa
Suponhamos, agora, que o técnico tivesse invertido os seg- A diferença entre as adversativas e as concessivas, portanto, é
mentos na sua fala: de estratégia argumentativa. Compare os seguintes períodos:

“__Qualquer atleta do time principal é tão bom quanto os das “Por mais que o exército tivesse planejado a operação (argu-
divisões de base.” mento mais fraco), a realidade mostrou-se mais complexa (argu-
mento mais forte).”
Nesse caso, seu argumento seria contra a necessidade da pro- “O exército planejou minuciosamente a operação (argumen-
moção, pois ele estaria declarando que os atletas do time principal to mais fraco), mas a realidade mostrou-se mais complexa (argu-
são tão bons quanto os das divisões de base. mento mais forte).”
- Explicação ou Justicativa: há operadores que introduzem
uma explicação ou uma justicativa em relação ao que foi dito duzem- Argumento Decisivo:
um argumento hápara
decisivo operadores
derrubardiscursivos que intro-
a argumentação con-
anteriormente: porque, já que, que, pois.
trária, mas apresentando-o como se fosse um acréscimo, como se
“Já que os Estados Unidos invadiram o Iraque sem autori- fosse apenas algo mais numa série argumentativa: além do mais,
zação da ONU, devem arcar sozinhos com os custos da guerra.” além de tudo, além disso, ademais.

Já que inicia um argumento que dá uma justicativa para a “Ele está num período muito bom da vida: começou a namo-
tese de que os Estados Unidos devam arcar sozinhos com o custo rar a mulher de seus sonhos, foi promovido na empresa, recebeu
da guerra contra o Iraque. um prêmio que ambicionava havia muito tempo e, além disso, ga-
nhou uma bolada na loteria.”
- Contrajunção: os operadores discursivos que assinalam
uma relação de contrajunção, isto é, que ligam enunciados com O operador discursivo introduz o que se considera a prova
orientação argumentativa contrária, são as conjunções adversati- mais forte de que “Ele está num período muito bom da vida”; no
vas (mas, contudo, todavia, no entanto, entretanto, porém ) e as entanto, essa prova é apresentada como se fosse apenas mais uma.
concessivas (embora, apesar de, apesar de que, conquanto, ainda
que, posto que, se bem que). - Generalização ou Amplicação: existem operadores que
Qual é a diferença entre as adversativas e as concessivas, se assinalam uma generalização ou uma amplicação do que foi dito
tanto umas como outras ligam enunciados com orientação argu- antes: de fato, realmente, como aliás, também, é verdade que.
mentativa contrária?
Nas adversativas, prevalece a orientação do segmento intro-
duzido pela conjunção. “O problema
de empregos. da erradicação
De fato, da pobreza
só o crescimento passa
econômico pela
leva aogeração
aumen-
“O atleta pode cair por causa do impacto, mas se levanta to de renda da população.”
mais decidido a vencer.”
O conector introduz uma amplicação do que foi dito antes.
Nesse caso, a primeira oração conduz a uma conclusão negati-
va sobre um processo ocorrido com o atleta, enquanto a começada “Ele é um técnico retranqueiro, como aliás o são todos os que
pela conjunção “mas” leva a uma conclusão positiva. Essa segun- atualmente militam no nosso futebol.
da orientação é a mais forte. O conector introduz uma generalização ao que foi armado:
Compare-se, por exemplo, “Ela é simpática, mas não é boni- não “ele”, mas todos os técnicos do nosso futebol são retranquei-
ta” com “Ela não é bonita, mas é simpática”. No primeiro caso, o ros.
que se quer dizer é que a simpatia é suplantada pela falta de beleza;
no segundo, que a falta de beleza perde relevância diante da sim- - Especicação ou Exemplicação: também há operadores
patia. Quando se usam as conjunções adversativas, introduz-se um que marcam uma especicação ou uma exemplicação do que foi
argumento com vistas a determinada conclusão, para, em seguida, armado anteriormente: por exemplo, como.
apresentar um argumento decisivo para uma conclusão contrária.
Com as conjunções concessivas, a orientação argumentativa “A violência não é um fenômeno que está disseminado apenas
que predomina é a do segmento não introduzido pela conjunção.
entre as camadas mais pobres da população. Por exemplo, é cres-
“Embora haja conexão entre saber escrever e saber gramáti- cente o número de jovens da classe média que estão envolvidos em
ca, trata-se de capacidades diferentes.” toda sorte de delitos, dos menos aos mais graves.”
A oração iniciada por “embora” apresenta uma orientação ar - Por exemplo assinala que o que vem a seguir especica,
gumentativa no sentido de que saber escrever e saber gramática exemplica a armação de que a violência não é um fenômeno
são duas coisas interligadas; a oração principal conduz à direção adstrito aos membros das “camadas mais pobres da população”.
argumentativa contrária.
Quando se utilizam conjunções concessivas, a estratégia ar - - Reticação ou Correção: há ainda os que indicam uma re-
gumentativa é a de introduzir no texto um argumento que, embo- ticação, uma correção do que foi armado antes: ou melhor, de
ra tido como verdadeiro, será anulado por outro mais forte com fato, pelo contrário, ao contrário, isto é, quer dizer, ou seja, em
orientação contrária. outras palavras. Exemplo:

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Língua Portuguesa
“Vou-me casar neste nal de semana. Ou melhor, vou passar - Sequenciadores de Ordem: são os que assinalam a ordem
a viver junto com minha namorada.” dos assuntos numa exposição: primeiramente, em segunda, a se-
guir, nalmente, etc.
O conector inicia um segmento que retica o que foi dito an-
tes. “Para mostrar os horrores da guerra, falarei, inicialmente,
Esses operadores servem também para marcar um esclareci- das agruras por que passam as populações civis; em seguida, dis-
mento, um desenvolvimento, uma redenição do conteúdo enun- correrei sobre a vida dos soldados na frente de batalha; nalmen -
ciado anteriormente. Exemplo: te, exporei suas consequências para a economia mundial e, por-
tanto, para a vida cotidiana de todos os habitantes do planeta.”
“A última tentativa de proibir a propaganda de cigarros nas
corridas de Fórmula 1 não vingou. De fato, os interesses dos fabri- - Sequenciadores para Introdução: são os que, na conver-
cantes mais uma vez prevaleceram sobre os da saúde.” sação principalmente, servem para introduzir um tema ou mudar
de assunto: a propósito, por falar nisso, mas voltando ao assunto,
O conector introduz um esclarecimento sobre o que foi dito fazendo um parêntese, etc.
antes.
Servem ainda para assinalar uma atenuação ou um reforço do “Joaquim viveu sempre cercado do carinho de muitas pes-
conteúdo de verdade de um enunciado. Exemplo: soas. A propósito, era um homem que sabia agradar às mulheres.”

“Quando a atual oposição estava no comando do país, não - Operadores discursivos não explicitados: se o texto for
fez o que exige hoje que o governo faça. Ao contrário, suas políti- construído sem marcadores de sequenciação, o leitor deverá in-
cas iam na direção contrária do que prega atualmente. ferir, a partir da ordem dos enunciados, os operadores discursivos
não explicitados na superfície textual. Nesses casos, os lugares dos
O conector introduz um argumento que reforça o que foi dito diferentes conectores estarão indicados, na escrita, pelos sinais de
antes. pontuação: ponto-nal, vírgula, ponto-e-vírgula, dois-pontos.

- Explicação: há operadores que desencadeiam uma explica- “A reforma política é indispensável. Sem a existência da de-
ção, uma conrmação, uma ilustração do que foi armado antes: lidade partidária, cada parlamentar vota segundo seus interesses
assim, desse modo, dessa maneira. e não de acordo com um programa partidário. Assim, não há ba-
ses governamentais sólidas.”
“O exército inimigo não desejava a paz. Assim, enquanto se Esse texto contém três períodos. O segundo indica a causa
processavam as negociações, atacou de surpresa.”
de a reforma
primeiro política
período está ser indispensável.
no lugar Portanto
de um porque . o ponto-nal do
O operador introduz uma conrmação do que foi armado
antes. A língua tem um grande número de conectores e sequencia-
dores. Apresentamos os principais e explicamos sua função. É pre-
Coesão por Justaposição ciso car atento aos fenômenos de coesão. Mostramos que o uso
inadequado dos conectores e a utilização inapropriada dos anafó-
É a coesão que se estabelece com base na sequência dos enun- ricos ou catafóricos geram rupturas na coesão, o que leva o texto a
ciados, marcada ou não com sequenciadores. Examinemos os prin- não ter sentido ou, pelo menos, a não ter o sentido desejado. Outra
cipais sequenciadores. falha comum no que tange a coesão é a falta de partes indispensá-
veis da oração ou do período. Analisemos este exemplo:
- Sequenciadores Temporais: são os indicadores de anterio-
ridade, concomitância ou posterioridade: dois meses depois, uma “As empresas que anunciaram que apoiariam a campanha de
semana antes, um pouco mais tarde, etc. (são utilizados predomi- combate à fome que foi lançada pelo governo federal.”
nantemente nas narrações). O período compõe-se de:
- As empresas
“Uma semana antes de ser internado gravemente doente, ele - que anunciaram (oração subordinada adjetiva restritiva da
esteve conosco. Estava alegre e cheio de planos para o futuro.” primeira oração)
- Sequenciadores Espaciais: são os indicadores de posição - que apoiariam a campanha de combate à fome (oração su-
relativa no espaço: à esquerda, à direita, junto de, etc. (são usados bordinada substantiva objetiva direta da segunda oração)
principalmente nas descrições). - que foi lançada pelo governo federal (oração subordinada
adjetiva restritiva da terceira oração).
“A um lado, duas estatuetas de bronze dourado, represen-
tando o amor e a castidade, sustentam uma cúpula oval de forma Observe-se que falta o predicado da primeira oração. Quem
ligeira, donde se desdobram até o pavimento bambolins de cassa escreveu o período começou a encadear orações subordinadas e
níssima. (...) Do outro lado, há uma lareira, não de fogo, que o “esqueceu-se” de terminar a principal.
dispensa nosso ameno clima uminense, ainda na maior força do Quebras de coesão desse tipo são mais comuns em períodos
inverno.” longos. No entanto, mesmo quando se elaboram períodos curtos é
José de Alencar. Senhora. preciso cuidar para que sejam sintaticamente completos e para que
São Paulo, FTD, 1992, p. 77. suas partes estejam bem conectadas entre si.

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Língua Portuguesa
Para que um conjunto de frases constitua um texto, não bas- marcantes (a visita que se percebia na sala apropriada e o cami-
ta que elas estejam coesas: se não tiverem unidade de sentido, solão que se usava para dormir); a segunda é caracterizada por
mesmo que aparentemente organizadas, elas não passarão de um amores perdidos, de que não se quer mais falar; a terceira, pela
amontoado injusticado. Exemplo: formalidade e pela responsabilidade indicadas pela participação
formal do nascimento da lha; a última, pela condescendência
“Vivo há muitos anos em São Paulo. A cidade tem excelentes para com a traquinagem do neto (a quem cabe a vez de assumir
restaurantes. Ela tem bairros muito pobres. Também o Rio de Ja- a ação). A primeira parte é uma sucessão de palavras; a segunda,
neiro tem favelas.” uma frase em que falta um nexo sintático; a terceira, a participação
do nascimento de uma lha; e a quarta, uma oração completa, po-
Todas as frases são coesas. O hiperônimo cidade retoma o
rém aparentemente desgarrada das demais.
substantivo São Paulo, estabelecendo uma relação entre o segun-
do e o primeiro períodos. O pronome “ela” recupera a palavra Como
em seus se explica
múltiplos que sejamos
sentidos, apesarcapazes
da faltade
deentender essede
marcadores poema
coe-
cidade, vinculando o terceiro ao segundo período. O operador tam-
bém realiza uma conjunção argumentativa, relacionando o quar - são entre as partes?
to período ao terceiro. No entanto, esse conjunto não é um texto, A explicação está no fato de que ele tem uma qualidade indis-
pois não apresenta unidade de sentido, isto é, não tem coerência. A pensável para a existência de um texto: a coerência.
coesão, portanto, é condição necessária, mas não suciente, para Que é a unidade de sentido resultante da relação que se esta -
produzir um texto. belece entre as partes do texto. Uma ideia ajuda a compreender a
outra, produzindo um sentido global, à luz do qual cada uma das
Coerência partes ganha sentido. No poema acima, os subtítulos “Infância”,
“Adolescência”, “Maturidade” e “Velhice” garantem essa unidade.
Infância Colocar a participação formal do nascimento da lha, por exem-
plo, sob o título “Maturidade” dá a conotação da responsabilida-
O camisolão de habitualmente associada ao indivíduo adulto e cria um sentido
O jarro unitário.
O passarinho Esse texto, como outros do mesmo tipo, comprova que um
O oceano conjunto de enunciados pode formar um todo coerente mesmo sem
A vista na casa que a gente sentava no sofá a presença de elementos coesivos, isto é, mesmo sem a presença
explícita de marcadores de relação entre as diferentes unidades lin-
Adolescência
guísticas. Em outros termos, a coesão funciona apenas como um
Aquele amor mecanismo auxiliar na produção da unidade de sentido, pois esta
depende, na verdade, das relações subjacentes ao texto, da não-
Nem me fale
contradição entre as partes, da continuidade semântica, em síntese,
Maturidade da coerência.
A coerência é um fator de interpretabilidade do texto, pois
O Sr. e a Sra. Amadeu possibilita que todas as suas partes sejam englobadas num único
Participam a V. Exa. signicado que explique cada uma delas. Quando esse sentido não
O feliz nascimento pode ser alcançado por faltar relação de sentido entre as partes,
De sua lha lemos um texto incoerente, como este:
Gilberta A todo ser humano foi dado o direito de opção entre a medio-
Velhice cridade de uma vida que se acomoda e a grandeza de uma vida
voltada para o aprimoramento intelectual.
O netinho jogou os óculos A adolescência é uma fase tão difícil que todos enfrentam. De
Na latrina repente vejo que não sou mais uma “criancinha” dependente do
Oswaldo de Andrade. Poesias reunidas. “papai”. Chegou a hora de me decidir! Tenho que escolher uma
4ª Ed. Rio de Janeiro prossão para me realizar e ser independente nanceiramente.
Civilização Brasileira, 1974, p. 160-161. No país em que vivemos, que predomina o capitalismo, o mais
Talvez o que mais chame a atenção nesse poema, ao menos à rico sempre é quem vence!
primeira vista, seja a ausência de elementos de coesão, quer reto- Apud: J. A. Durigan, M. B. M. Abaurre e Y. F. Vieira (orgs).
mando o que foi dito antes, quer encadeando segmentos textuais. A magia da mudança. Campinas, Unicamp, 1987, p. 53.
No entanto, percebemos nele um sentido unitário, sobretudo se
soubermos que o seu título é “As quatro gares”, ou seja, as quatro Nesses parágrafos, vemos três temas (direito de opção; adoles-
estações. cência e escolha prossional; relações sociais sob o capitalismo)
Com essa informação, podemos imaginar que se trata de a- que mantêm relações muito tênues entre si. Esse fato, prejudicando
shes de cada uma das quatro grandes fases da vida: a infância, a a continuidade semântica entre as partes, impede a apreensão do
adolescência, a maturidade e a velhice. A primeira é caracterizada todo e, portanto, congura um texto incoerente.
pelas descobertas (o oceano), por ações (o jarro, que certamente a Há no texto, vários tipos de relação entre as partes que o com-
criança quebrara; o passarinho que ela caçara) e por experiências põem, e, por isso, costuma-se falar em vários níveis de coerência.

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Língua Portuguesa
Coerência Narrativa Coerência Figurativa
A coerência narrativa consiste no respeito às implicações ló- A coerência gurativa refere-se à compatibilidade das guras
gicas entre as partes do relato. Por exemplo, para que um sujeito que manifestam determinado tema. Para que o leitor possa per -
realize uma ação, é preciso que ele tenha competência para tanto, ceber o tema que está sendo veiculado por uma série de guras
ou seja, que saiba e possa efetuá-la. Constitui, então, incoerên- encadeadas, estas precisam ser compatíveis umas com as outras.
cia narrativa o seguinte exemplo: o narrador conta que foi a uma Seria estranho (para dizer o mínimo) que alguém, ao descrever um
festa onde todos fumavam e, por isso, a espessa fumaça impedia jantar oferecido no palácio do Itamarati a um governador estran-
que se visse qualquer coisa; de repente, sem mencionar nenhuma geiro, depois de falar de baixela de prata, porcelana níssima, o-
mudança dessa situação, ele diz que se encostou a uma coluna e res, candelabros, toalhas de renda, incluísse no percurso gurativo
passou a observar as pessoas, que eram ruivas, loiras, morenas.
Se o narrador diz que não podia enxergar nada, é incoerente dizer guardanapos de papel.
que via as pessoas com tanta nitidez. Em outros termos, se nega a Coerência Temporal
competência para a realização de um desempenho qualquer, esse
desempenho não pode ocorrer. Isso por respeito às leis da coerên- Por coerência temporal entende-se aquela que concerne à su-
cia narrativa. Observe outro exemplo: cessão dos eventos e à compatibilidade dos enunciados do ponto
de vista de sua localização no tempo. Não se poderia, por exemplo,
“Pior fez o quarto-zagueiro Edinho Baiano, do Paraná Clu- dizer: “O assassino foi executado na câmara de gás e, depois,
be, entrevistado por um repórter da Rádio Cidade. O Paraná tinha condenado à morte”.
tomado um balaio de gols do Guarani de Campinas, alguns dias
antes. O repórter queria saber o que tinha acontecido. Edinho não Coerência Espacial
teve dúvida sobre os motivos:
__ Como a gente já esperava, fomos surpreendidos pelo ata- A coerência espacial diz respeito à compatibilidade dos enun-
que do Guarani.” ciados do ponto de vista da localização no espaço. Seria incoeren -
Ernâni Buchman. In: Folha de Londrina. te, por exemplo, o seguinte texto: “O lme ‘A Marvada Carne’
mostra a mudança sofrida por um homem que vivia lá no interior e
A surpresa implica o inesperado. Não se pode ser surpreendi- encanta-se com a agitação e a diversidade da vida na capital, pois
do com o que já se esperava que acontecesse.
aqui já não suportava mais a mesmice e o tédio” . Dizendo lá no
Coerência Argumentativa interior, o enunciador dá a entender que seu pronunciamento está
sendo feito de algum lugar distante do interior; portanto ele não
A coerência argumentativa diz respeito às relações de im- poderia usar o advérbio “aqui” para localizar “a mesmice” e “o
plicação ou de adequação entre premissas e conclusões ou entre tédio” que caracterizavam a vida interiorana da personagem. Em
armações e consequências. Não é possível alguém dizer que é a síntese, não é coerente usar “lá” e “aqui” para indicar o mesmo
favor da pena de morte porque é contra tirar a vida de alguém. Da lugar.
mesma forma, é incoerente defender o respeito à lei e à Constitui- Coerência do Nível de Linguagem Utilizado
ção Brasileira e ser favorável à execução de assaltantes no interior
de prisões. A coerência do nível de linguagem utilizado é aquela que con-
Muitas vezes, as conclusões não são adequadas às premissas. cerne à compatibilidade do léxico e das estruturas morfossintáti-
Não há coerência, por exemplo, num raciocínio como este: cas com a variante escolhida numa dada situação de comunicação.
Ocorre incoerência relacionada ao nível de linguagem quando, por
Há muitos servidores públicos no Brasil que são verdadeiros exemplo, o enunciador utiliza um termo chulo ou pertencente à
marajás. linguagem informal num texto caracterizado pela norma culta for -
O candidato a governador é funcionário público. mal. Tanto sabemos que isso não é permitido que, quando o faze-
Portanto o candidato é um marajá. mos, acrescentamos uma ressalva: com perdão da palavra, se me
permitem dizer. Observe um exemplo de incoerência nesse nível:
Segundo uma lei da lógica formal, não se pode concluir nada
com certeza baseado em duas premissas particulares. Dizer que “Tendo recebido a noticação para pagamento da chama -
muitos servidores públicos são marajás não permite concluir que da taxa do lixo, ouso dirigir-me a V. Exª, senhora prefeita, para
qualquer um seja. expor-lhe minha inconformidade diante dessa medida, porque o
A falta de relação entre o que se diz e o que foi dito anterior - IPTU foi aumentado, no governo anterior, de 0,6% para 1% do
mente também constitui incoerência. É o que se vê neste diálogo: valor venal do imóvel exatamente para cobrir as despesas da mu-
nicipalidade com os gastos de coleta e destinação dos resíduos só-
“__ Vereador, o senhor é a favor ou contra o pagamento de lidos produzidos pelos moradores de nossa cidade. Francamente,
pedágio para circular no centro da cidade? achei uma sacanagem esta armação da Prefeitura: jogar mais um
__ É preciso melhorar a vida dos habitantes das grandes ci- gasto nas costas da gente.”
dades. A degradação urbana atinge a todos nós e, por conseguin-
te, é necessário reabilitar as áreas que contam com abundante Como se vê, o léxico usado no último período do texto destoa
oferta de serviços públicos.” completamente do utilizado no período anterior.

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Língua Portuguesa
Ninguém há de negar a incoerência de um texto como este: À primeira vista, parece não haver nenhuma coerência na enu-
Saltou para a rua, abriu a janela do 5º andar e deixou um bilhe- meração desses elementos. Quando camos sabendo, no entanto,
te no parapeito explicando a razão de seu suicídio, em que há que eles fazem parte de um texto intitulado “100 motivos para
evidente violação da lei sucessivamente dos eventos. Entretanto gostar de São Paulo”, o que aparentemente era caótico torna-se
talvez nem todo mundo concorde que seja incoerente incluir guar - coerente:
danapos de papel no jantar do Itamarati descrito no item sobre
coerência gurativa, alguém poderia objetivar que é preconceito 100 motivos para gostar de São Paulo
considerá-los inadequados. Então, justica-se perguntar: o que, 1. Um chopps
anal, determina se um texto é ou não coerente? 2. E dois pastel
A natureza da coerência está relacionada a dois conceitos bá- (...)
sicos de enunciados.
entre os verdade: adequação à realidade e conformidade lógica 5. O polpettone do Jardim de Napoli
(...)
Vimos que temos diferentes níveis de coerência: narrativa, ar- 30. Cruzar a Ipiranga com a av. São João
gumentativa, gurativa, etc. Em cada nível, temos duas espécies (...)
diversas de coerência: 43. O “Parmera”
- extratextual: aquela que diz respeito à adequação entre o (...)
texto e uma “realidade” exterior a ele. 45. O “Curíntia”
- intratextual: aquela que diz respeito à compatibilidade, à (..)
adequação, à não-contradição entre os enunciados do texto. 59. Todo mundo estar usando cinto de segurança
(...)
A exterioridade a que o conteúdo do texto deve ajustar-se O texto apresenta os traços culturais da cidade, e todos con-
pode ser: vergem para um único signicado: a celebração da capital do esta-
- o conhecimento do mundo: o conjunto de dados referentes do de São Paulo no seu aniversário. Os dois primeiros itens de nos-
ao mundo físico, à cultura de um povo, ao conteúdo das ciências, so exemplo referem-se a marcas linguísticas do falar paulistano; o
etc. que constitui o repertório com que se produzem e se entendem terceiro, a um prato que tornou conhecido o restaurante chamado
textos. O período “O homem olhou através das paredes e viu onde Jardim de Napoli; o quarto, a um verso da música “Sampa”, de
os bandidos escondiam a vítima que havia sido sequestrada” é Caetano Veloso; o sexto e o sétimo, à maneira como os dois times
incoerente, pois nosso conhecimento do mundo diz que homens mais populares da cidade são denominados na variante linguística
não vêem através das paredes. Temos, então, uma incoerência - popular; o último à obediência a uma lei que na época ainda não
gurativa extratextual. vigorava no resto de
- A situação docomunicação:
país.
- os mecanismos semânticos e gramaticais da língua: o con-
junto dos conhecimentos sobre o código linguístico necessário à
codicação de mensagens decodicáveis por outros usuários da __A telefônica.
mesma língua. O texto seguinte, por exemplo, está absolutamente
__Era hoje?
sem sentido por inobservância de mecanismos desse tipo: Esse diálogo não seria compreendido fora da situação de in-
“Conscientizar alunos pré-sólidos ao ingresso de uma carrei- terlocução, porque deixa implícitos certos enunciados que, dentro
ra universitária informações críticas a respeito da realidade pro- dela, são perfeitamente compreendidos:
ssional a ser optada. Deve ser ciado novos métodos criativos nos
ensinos de primeiro e segundo grau: estimulando o aluno a forma- __ O empregado da companhia telefônica que vinha conser-
ção crítica de suas ideias as quais, serão a praticidade cotidiana. tar o telefone está aí.
Aptidões pessoais serão associadas a testes vocacionais sérios de __ Era hoje que ele viria?
maneira discursiva a analisar conceituações fundamentais.”
- O conhecimento de mundo:
Apud: J. A. Durigan et alii. Op. cit., p. 58.
31 de março / 1º de abril
Dúvida Revolucionária
Fatores de Coerência Ontem foi hoje?
Ou hoje é que foi ontem?
- O contexto: para uma dada unidade linguística, funcio-
na como contexto a unidade linguística maior que ela: a sílaba é Aparentemente, falta coerência temporal a esse poema: o que
contexto para o fonema; a palavra, para a sílaba; a oração, para a signica “ontem foi hoje” ou “hoje é que foi ontem?”. No entanto,
palavra; o período, para a oração; o texto, para o período, e assim as duas datas colocadas no início do poema e o título remetem a
por diante. um episódio da História do Brasil, o golpe militar de 1964, chama-
do Revolução de 1964. Esse fato deve fazer parte de nosso conhe -
“Um chopps, dois pastel, o polpettone do Jardim de Napo- cimento de mundo, assim como o detalhe de que ele ocorreu no dia
li, cruzar a Ipiranga com a avenida São João, o “Parmera”, o 1º de abril, mas sua comemoração foi mudada para 31 de março,
“Curíntia”, todo mundo estar usando cinto de segurança.” para evitar relações entre o evento e o “dia da mentira”.

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Língua Portuguesa
- As regras do gênero: Incoerência Proposital

“O homem olhou através das paredes e viu onde os bandidos Existem textos em que há uma quebra proposital da coerência,
escondiam a vítima que havia sido sequestrada.” com vistas a produzir determinado efeito de sentido, assim como
existem outros que fazem da não-coerência o próprio princípio
Essa frase é incoerente no discurso cotidiano, mas é comple- constitutivo da produção de sentido. Poderia alguém perguntar,
tamente coerente no mundo criado pelas histórias de super-heróis, então, se realmente existe texto incoerente. Sem dúvida existe: é
em que o Super-Homem, por exemplo, tem força praticamente aquele em que a incoerência é produzida involuntariamente, por
inabilidade, descuido ou ignorância do enunciador, e não usada
ilimitada; pode voar no espaço a uma velocidade igual à da luz;
funcionalmente para construir certo sentido.
quando ultrapassa essa velocidade, vence a barreira do tempo e Quando se trata de incoerência proposital, o enunciador dis-
pode transferir-se para outras épocas; seus olhos de raios X permi- semina pistas no texto, para que o leitor perceba que ela faz parte
tem-lhe ver através de qualquer corpo, a distâncias innitas, etc. de um programa intencionalmente direcionado para veicular de-
Nosso conhecimento de mundo não é restrito ao que efetiva- terminado tema. Se, por exemplo, num texto que mostra uma festa
mente existe, ao que se pode ver, tocar, etc.: ele inclui também os muito luxuosa, aparecem guras como pessoas comendo de boca
mundos criados pela linguagem nos diferentes gêneros de texto, aberta, falando em voz muito alta e em linguagem chula, osten-
cção cientíca, contos maravilhosos, mitos, discurso religioso, tando sua últimas aquisições, o enunciador certamente não está
etc., regidos por outras lógicas. Assim, o que é incoerente num querendo manifestar o tema do luxo, do requinte, mas o da vulga-
determinado gênero não o é, necessariamente, em outro. ridade dos novos-ricos. Para car no exemplo da festa: em lmes
como “Quero ser grande” (Big, dirigido por Penny Marshall em
- O sentido não literal: 1988, com Tom Hanks) e “Um convidado bem trapalhão” (The
party, Blake Edwards, 1968, com Peter Sellers), há cenas em que
“As verdes ideias incolores dormem, mas poderão explodir a os respectivos protagonistas exibem comportamento incompatível
com a ocasião, mas não há incoerência nisso, pois todo o enredo
qualquer momento.” converge para que o espectador se solidarize com eles, por sua
ingenuidade e falta de traquejo social. Mas, se aparece num texto
Tomando em seu sentido literal, esse texto é absurdo, pois, uma gura incoerente uma única vez, o leitor não pode ter certeza
nessa acepção, o termo ideias não pode ser qualicado por adjeti- de que se trata de uma quebra de coerência proposital, com vistas
vos de cor; não se podem atribuir ao mesmo ser, ao mesmo tempo, a criar determinado efeito de sentido, vai pensar que se trata de
as qualidades verde e incolor; o verbo dormir deve ter como sujei- contradição devida a inabilidade, descuido ou ignorância do enun-
to um substantivo animado. ciador.
No entanto, se entendermos ideias verdes em sentido não li- Dissemos também que há outros textos que fazem da inversão
teral, como concepções ambientalistas, o período pode ser lido da da realidade seu princípio constitutivo; da incoerência, um fator de
seguinte maneira: “As idéias ambientalistas sem atrativo estão la- coerência. São exemplos as obras de Lewis Carrol “Alice no país
tentes, mas poderão manifestar-se a qualquer momento.” das maravilhas” e “Através do espelho”, que pretendem apre-
sentar paradoxos de sentido, subverter o princípio da realidade,
- O intertexto: mostrar as aporias da lógica, confrontar a lógica do senso comum
com outras.
Falso diálogo entre Pessoa e Caeiro Reproduzimos um poema de Manuel Bandeira que contém
mais de um exemplo do que foi abordado:
__ a chuva me deixa triste...
__ a mim me deixa molhado. Teresa
José Paulo Paes. Op. Cit., p 79.
A primeira vez que vi Teresa
Muitos textos retomam outros, constroem-se com base em Achei que ela tinha pernas estúpidas
outros e, por isso, só ganham coerência nessa relação com o texto Achei também que a cara parecia uma perna
sobre o qual foram construídos, ou seja, na relação de intertextua-
lidade. É o caso desse poema. Para compreendê-lo, é preciso saber Quando vi Teresa de novo
que Alberto Caeiro é um dos heterônimos do poeta Fernando Pes- Achei que seus olhos eram muito mais velhos
[que o resto do corpo
soa;
líricaque heterônimo
distinta não é(opseudônimo,
da do autor maspara
ortônimo); que umaCaeiro
individualidade
o real é a (Os olhos nasceram e caram dez anos esperando
[que o resto do corpo nascesse)
exterioridade e não devemos acrescentar-lhe impressões subjeti-
vas; que sua posição é antimetafísica; que não devemos interpre - Da terceira vez não vi mais nada
tar a realidade pela inteligência, pois essa interpretação conduz a Os céus se misturaram com a terra
simples conceitos vazios, em síntese, é preciso ter lido textos de E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face
Caeiro. Por outro lado, é preciso saber que o ortônimo (Fernando [das águas.
Pessoa ele mesmo) exprime suas emoções, falando da solidão in- Poesias completas e prosa. Rio de Janeiro,
terior, do tédio, etc. Aguilar, 1986, p. 214.

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Língua Portuguesa
Para percebermos a coerência desse texto, é preciso, no míni-
mo, que nosso conhecimento de mundo inclua o poema:
2. CONHECIMEN TO LINGUÍ STICO 2.1. V A-
O Adeus de Teresa RI AÇÃ O L IN GU ÍS TI CA. 2.2. C LA SS ES DE
PALAVRAS : US OS E ADE QU AÇÕ ES. 2.3.
A primeira vez que tei Teresa, CONVENÇÕ ES DA NORMA P ADRÃO (NO
Como as plantas que arrasta a correnteza, ÂMB ITO DA CONC OR DÂN CI A, DA REG ÊN-
A valsa nos levou nos giros seus... CIA, DA ORTOGRAFIA E DA ACENTUAÇÃO
GRÁFICA). 2. 4. ORGANIZAÇÃO DO PERÍO-
Castro Alves DO SI MP LES E D O P ERÍ OD O C OM PO STO .
Para identicarmos a relação de intertextualidade entre eles; 2.5. PONTUA
TICAS ENT REÇÃO.
PALA2.6VRAS
. RELAÇÕES SEMÂN-
(SINON ÍMIA, AN-
que tenhamos noção da crítica do Modernismo às escolas literárias
precedentes, no caso, ao Romantismo, em que nenhuma musa se- TONÍMIA, HIPONÍMIA E HIPERONÍMIA).
ria tratada com tanta cerimônia e muito menos teria “cara”; que fa-
çamos uma leitura não literal; que percebamos sua lógica interna,
criada pela disseminação proposital de elementos que pareceriam
absurdos em outro contexto. “Há uma grande diferença se fala um deus ou um herói; se
um velho amadurecido ou um jovem impetuoso na or da idade;
se uma matrona autoritária ou uma dedicada; se um mercador
Sentido Próprio e Sentido Figurado: as palavras podem ser errante ou um lavrador de pequeno campo fértil (...)”
empregadas no sentido próprio ou no sentido gurado. Exemplos:
- Construí um muro de pedra. (sentido próprio).
Todas as pessoas que falam uma determinada língua conhe-
- Ênio tem um coração de pedra. (sentido gurado).
- As águas pingavam da torneira, (sentido próprio). cem as estruturas gerais, básicas, de funcionamento podem sofrer
- As horas iam pingando lentamente, (sentido gurado). variações devido à inuência de inúmeros fatores. Tais variações,
que às vezes são pouco perceptíveis e outras vezes bastantes evi-
Denotação e Conotação: Observe as palavras em destaque dentes, recebem o nome genérico de variedades ou variações lin-
nos seguintes exemplos: guísticas.
- Comprei uma correntinha de ouro. Nenhuma língua é usada de maneira uniforme por todos os
seus falantes em todos os lugares e em qualquer situação. Sabe-se
- Fulano
No nadava
primeiro em ouro
exemplo, .
a palavra ouro denota ou designa sim- que, numa mesma língua, há formas distintas para traduzir o mes-
plesmente o conhecido metal precioso, tem sentido próprio, real, mo signicado dentro de um mesmo contexto. Suponham-se, por
denotativo. exemplo, os dois enunciados a seguir:
No segundo exemplo, ouro sugere ou evoca riquezas, poder,
glória, luxo, ostentação; tem o sentido conotativo, possui várias Veio me visitar um amigo que eu morei na casa dele faz tempo.
conotações (ideias associadas, sentimentos, evocações que irra- Veio visitar-me um amigo em cuja casa eu morei há anos.
diam da palavra). Qualquer falante do português reconhecerá que os dois enun-
ciados pertencem ao seu idioma e têm o mesmo sentido, mas tam -
bém que há diferenças. Pode dizer, por exemplo, que o segundo é
de gente mais “estudada”.
Isso é prova de que, ainda que intuitivamente e sem saber dar
grandes explicações, as pessoas têm noção de que existem muitas
maneiras de falar a mesma língua. É o que os teóricos chamam de
variações linguísticas.
As variações que distinguem uma variante de outra se mani-
festam em quatro planos distintos, a saber: fônico, morfológico,
sintático e lexical.

Variações Fônicas

São as que ocorrem no modo de pronunciar os sons constituin-


tes da palavra. Os exemplos de variação fônica são abundantes e,
ao lado do vocabulário, constituem os domínios em que se percebe
com mais nitidez a diferença entre uma variante e outra. Entre es -
ses casos, podemos citar:
- a queda do “r” nal dos verbos, muito comum na linguagem
oral no português: falá, vendê, curti (em vez de curtir), compô.

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Língua Portuguesa
- o acréscimo de vogal no início de certas palavras: eu me - a substituição do pronome relativo “cujo” pelo pronome
alembro, o pássaro avoa, formas comuns na linguagem clássica, “que” no início da frase mais a combinação da preposição “de”
hoje frequentes na fala caipira. com o pronome “ele” (=dele): É um amigo que eu já conhecia a
- a queda de sons no início de palavras: ocê, cê, ta, tava, ma- família dele (em vez de ...cuja família eu já conhecia ).
relo (amarelo), margoso (amargoso), características na linguagem - a mistura de tratamento entre tu e você, sobretudo quando
oral coloquial. se trata de verbos no imperativo: Entra, que eu quero falar com
- a redução de proparoxítonas a paroxítonas: Petrópis (Petró- você (em vez de contigo); Fala baixo que a sua (em vez de tua)
polis), fór (fósforo), porva (pólvora), todas elas formam típicas voz me irrita.
de pessoas de baixa extração social. - ausência de concordância do verbo com o sujeito: Eles che-
- A pronúncia do “l” nal de sílaba como “u” (na maioria das gou tarde (em grupos de baixa extração social); Faltou naquela
regiões do Brasil) ou como “l” (em certas regiões do Rio Grande semana muitos alunos; Comentou-se os episódios.
do Sul e Santa Catarina) ou ainda como “r” (na linguagem caipira): Variações Léxicas
quintau, quintar, quintal; pastéu, paster, pastel; faróu, farór, farol.
- deslocamento do “r” no interior da sílaba: largato, preguntar,
É o conjunto de palavras de uma língua. As variantes do
estrupo, cardeneta, típicos de pessoas de baixa extração social. plano do léxico, como as do plano fônico, são muito numerosas
e caracterizam com nitidez uma variante em confronto com
Variações Morfológicas outra. Eis alguns, entre múltiplos exemplos possíveis de citar:
- a escolha do adjetivo maior em vez do advérbio muito para
São as que ocorrem nas formas constituintes da palavra. Nesse formar o grau superlativo dos adjetivos, características da lingua-
domínio, as diferenças entre as variantes não são tão numerosas gem jovem de alguns centros urbanos: maior legal; maior difícil;
quanto as de natureza fônica, mas não são desprezíveis. Como Esse amigo é um carinha maior esforçado.
exemplos, podemos citar: - as diferenças lexicais entre Brasil e Portugal são tantas e, às
- o uso do prexo hiper- em vez do suxo -íssimo para criar vezes, tão surpreendentes, que têm sido objeto de piada de lado
o superlativo de adjetivos, recurso muito característico da lingua- a lado do Oceano. Em Portugal chamam de cueca aquilo que no
gem jovem urbana: um cara hiper-humano (em vez de humaníssi- Brasil chamamos de calcinha; o que chamamos de la no Brasil,
mo), uma prova hiper difícil (em vez de dicílima), um carro hiper em Portugal chamam de bicha; café da manhã em Portugal se diz
possante (em vez de possantíssimo). pequeno almoço; camisola em Portugal traduz o mesmo que cha-
- a conjugação de verbos irregulares pelo modelo dos regu- mamos de suéter, malha, camiseta.
lares: ele interviu (interveio), se ele manter (mantiver), se ele ver
(vir) o recado, quando ele repor (repuser). Designações das Variantes Lexicais:
- a conjugação de verbos regulares pelo modelo de irregula-
res: vareia (varia), negoceia (negocia). - Arcaísmo: diz-se de palavras que já caíram de uso e, por
- uso de substantivos masculinos como femininos ou vice- isso, denunciam uma linguagem já ultrapassada e envelhecida. É
versa: duzentas gramas de presunto (duzentos), a champanha (o o caso de reclame, em vez de anúncio publicitário; na década de
champanha), tive muita dó dela (muito dó), mistura do cal (da 60, o rapaz chamava a namorada de broto (hoje se diz gatinha ou
cal). forma semelhante), e um homem bonito era um pão; na linguagem
- a omissão do “s” como marca de plural de substantivos e ad- antiga, médico era designado pelo nome físico; um bobalhão era
jetivos (típicos do falar paulistano): os amigo e as amiga, os livro chamado de coió ou bocó; em vez de refrigerante usava-se gasosa;
indicado, as noite fria, os caso mais comum. algo muito bom, de qualidade excelente, era supimpa.
- o enfraquecimento do uso do modo subjuntivo: Espero que o - Neologismo: é o contrário do arcaísmo. Trata-se de palavras
Brasil reete (reita) sobre o que aconteceu nas últimas eleições; recém-criadas, muitas das quais mal ou nem estraram para os di-
Se eu estava (estivesse) lá, não deixava acontecer; Não é possível cionários. A moderna linguagem da computação tem vários exem-
que ele esforçou (tenha se esforçado) mais que eu. plos, como escanear, deletar, printar; outros exemplos extraídos
da tecnologia moderna são mixar (fazer a combinação de sons),
Variações Sintáticas robotizar, robotização.
Dizem respeito às correlações entre as palavras da frase. No - Estrangeirismo: trata-se do emprego de palavras empresta-
domínio da sintaxe, como no da morfologia, não são tantas as dife- das de outra língua, que ainda não foram aportuguesadas, preser-
renças entre uma variante e outra. Como exemplo, podemos citar: vando a forma de srcem. Nesse caso, há muitas expressões lati -
- o uso de pronomes do caso reto com outra função que não a nas, sobretudo da linguagem jurídica, tais como: habeas-corpus
de sujeito: encontrei ele (em vez de encontrei-o) na rua; não irão (literalmente, “tenhas o corpo” ou, mais livremente, “estejas em
sem você e eu (em vez de mim); nada houve entre tu (em vez de liberdade”), ipso facto (“pelo próprio fato de”, “por isso mesmo”),
ti) e ele. ipsis litteris (textualmente, “com as mesmas letras”), grosso modo
- o uso do pronome lhe como objeto direto: não lhe (em vez de (“de modo grosseiro”, “impreciso”), sic (“assim, como está escri-
“o”) convidei; eu lhe (em vez de “o”) vi ontem. to”), data venia (“com sua permissão”).
- a ausência da preposição adequada antes do pronome rela- As palavras de srcem inglesas são inúmeras: insight (com-
tivo em função de complemento verbal: são pessoas que (em vez preensão repentina de algo, uma percepção súbita), feeling (“sen-
de: de que) eu gosto muito; este é o melhor lme que (em vez de sibilidade”, capacidade de percepção), brieng (conjunto de in-
a que) eu assisti; você é a pessoa que (em vez de em que) eu mais formações básicas), jingle (mensagem publicitária em forma de
cono. música).

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Língua Portuguesa
Do francês, hoje são poucos os estrangeirismos que ainda não “Tá na cara que eles não teve peito de encará os ladrão.”
se aportuguesaram, mas há ocorrências: hors-concours (“fora de (frase 1)
concurso”, sem concorrer a prêmios), tête-à-tête (palestra particu-
lar entre duas pessoas), esprit de corps (“espírito de corpo”, cor- Que tipo de pessoa comumente fala dessa maneira? Vamos
porativismo), menu (cardápio), à la carte (cardápio “à escolha do caracterizá-la, por exemplo, pela sua prossão: um advogado? Um
freguês”), physique du rôle (aparência adequada à caracterização trabalhador braçal de construção civil? Um médico? Um garimpei-
de um personagem). ro? Um repórter de televisão?
E quem usaria a frase abaixo?
- Jargão: é o lexo típico de um campo profssional como a
medicina, a engenharia, a publicidade, o jornalismo. No jar- “Obviamente faltou-lhe coragem para enfrentar os ladrões.”
gão médico temos uso tópico (para remédios que não devem ser (frase 2)
ingeridos), apneia (interrupção da respiração), AVC ou acidente
vascular cerebral (derrame cerebral). No jargão jornalístico cha- Sem dúvida, associamos à frase 1 os falantes pertencentes a
ma-se de gralha, pastel ou caco o erro tipográco como a troca ou grupos sociais economicamente mais pobres. Pessoas que, muitas
inversão de uma letra. A palavra lide é o nome que se dá à abertura vezes, não frequentaram nem a escola primária, ou, quando muito,
de uma notícia ou reportagem, onde se apresenta sucintamente o zeram-no em condições não adequadas.
assunto ou se destaca o fato essencial. Quando o lide é muito pro- Por outro lado, a frase 2 é mais comum aos falantes que ti -
lixo, é chamado de nariz-de-cera. Furo é notícia dada em primeira veram possibilidades socioeconômicas melhores e puderam, por
mão. Quando o furo se revela falso, foi uma barriga. Entre os jor- isso, ter um contato mais duradouro com a escola, com a leitura,
nalistas é comum o uso do verbo repercutir como transitivo direto: com pessoas de um nível cultural mais elevado e, dessa forma,
__ Vá lá repercutir a notícia de renúncia! (esse uso é considerado “aperfeiçoaram” o seu modo de utilização da língua.
errado pela gramática normativa). Convém car claro, no entanto, que a diferenciação feita aci-
ma está bastante simplicada, uma vez que há diversos outros fa -
- Gíria: é o lexo especial de um grupo (srcinariamente de tores que interferem na maneira como o falante escolhe as palavras
marginais) que não deseja ser entendido por outros grupos ou que e constrói as frases. Por exemplo, a situação de uso da língua: um
pretende marcar sua identidade por meio da linguagem. Existe a advogado, num tribunal de júri, jamais usaria a expressão “tá na
gíria de grupos marginalizados, de grupos jovens e de segmen - cara”, mas isso não signica que ele não possa usá-la numa situa-
tos sociais de contestação, sobretudo quando falam de atividades ção informal (conversando com alguns amigos, por exemplo).
proibidas. A lista de gírias é numerosíssima em qualquer língua: Da comparação entre as frases 1 e 2, podemos concluir que as
ralado (no sentido de afetado por algum prejuízo ou má sorte), ir condições sociais inuem no modo de falar dos indivíduos, geran-
pro brejo (ser malsucedido, fracassar, prejudicar-se irremediavel- do, assim, certas variações na maneira de usar uma mesma língua.
mente), cara ou cabra (indivíduo, pessoa), bicha (homossexual A elas damos o nome de variações socioculturais.
masculino), levar um lero (conversar).
- Geográca: é, no Brasil, bastante grande e pode ser facil-
- Preciosismo: diz-se que é preciosista um léxico excessiva- mente notada. Ela se caracteriza pelo acento linguístico, que é o
mente erudito, muito raro, afetado: Escoimar (em vez de corrigir); conjunto das qualidades siológicas do som (altura, timbre, inten-
procrastinar (em vez de adiar); discrepar (em vez de discordar); sidade), por isso é uma variante cujas marcas se notam principal-
cinesíforo (em vez de motorista); obnubilar (em vez de obscurecer mente na pronúncia. Ao conjunto das características da pronúncia
ou embaçar); conúbio (em vez de casamento); chufa (em vez de de uma determinada região dá-se o nome de sotaque: sotaque mi-
caçoada, troça). neiro, sotaque nordestino, sotaque gaúcho etc. A variação geográ-
ca, além de ocorrer na pronúncia, pode também ser percebida no
- Vulgarismo: é o contrário do preciosismo, ou seja, o uso de vocabulário, em certas estruturas de frases e nos sentidos diferen-
um léxico vulgar, rasteiro, obsceno, grosseiro. É o caso de quem tes que algumas palavras podem assumir em diferentes regiões do
diz, por exemplo, de saco cheio (em vez de aborrecido), se ferrou país.
(em vez de se deu mal, arruinou-se), feder (em vez de cheirar Leia, como exemplo de variação geográca, o trecho abaixo,
mal), ranho (em vez de muco, secreção do nariz). em que Guimarães Rosa, no conto “São Marcos”, recria a fala de
um típico sertanejo do centro-norte de Minas:
Tipos de Variação
“__ Mas você tem medo dele... [de um feiticeiro chamado
Não tem sido fácil para os estudiosos encontrar para as va- Mangolô!].
riantes linguísticas um sistema de classicação que seja simples __ Há-de-o!... Agora, abusar e arrastar mala, não faço. Não
e, ao mesmo tempo, capaz de dar conta de todas as diferenças que faço, porque não paga a pena... De primeiro, quando eu era moço,
caracterizam os múltiplos modos de falar dentro de uma comuni- isso sim!... Já fui gente. Para ganhar aposta, já fui, de noite, foras
dade linguística. O principal problema é que os critérios adotados, d’hora, em cemitério... (...). Quando a gente é novo, gosta de fa-
muitas vezes, se superpõem, em vez de atuarem isoladamente. zer bonito, gosta de se comparecer. Hoje, não, estou percurando
As variações mais importantes, para o interesse do concurso é sossego...”
público, são os seguintes: - Histórica: as línguas não são estáticas, xas, imutáveis. Elas
se alteram com o passar do tempo e com o uso. Muda a forma de
- Sócio-Cultural: Esse tipo de variação pode ser percebido falar, mudam as palavras, a graa e o sentido delas. Essas altera-
com certa facilidade. Por exemplo, alguém diz a seguinte frase: ções recebem o nome de variações históricas.

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Língua Portuguesa
Os dois textos a seguir são de Carlos Drummond de Andrade. Estão reclamando, porque não citei a conotação, o conglo-
Neles, o escritor, meio em tom de brincadeira, mostra como a lín- merado, a diagramação, o ideologema, o idioleto, o ICM, a IBM,
gua vai mudando com o tempo. No texto I, ele fala das palavras de o falou, as operações triangulares, o zoom, e a guitarra elétrica.
antigamente e, no texto II, fala das palavras de hoje. Olhe aí na la – quem? Embreagem, defasagem, barra tenso -
ra, vela de ignição, engarrafamento, Detran, poliéster, lhotes de
Texto I bonicação, letra imobiliária, conservacionismo, carnet da gira -
fa, poluição.
Antigamente Fundos de investimento, e daí? Também os de incentivos s -
cais. Knon-how. Barbeador elétrico de noventa microrranhuras.
Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram Fenolite, Baquelite, LP e compacto. Alimentos super congelados.
todas mimosas e prendadas. Não fazia anos; completavam prima-
veras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, Viagens
Pow! pelo crediário, Circuito fechado de TV Rodoviária. Argh!
Click!
faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas cavam longos
meses debaixo do balaio. E se levantam tábua, o remédio era tirar Não havia nada disso no Jornal do tempo de Venceslau Brás,
o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. (...) Os mais ido- ou mesmo, de Washington Luís. Algumas coisas começam a apa-
sos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; recer sob Getúlio Vargas. Hoje estão ali na esquina, para consumo
e também tomava cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, geral. A enumeração caótica não é uma invenção crítica de Leo
esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chu- Spitzer. Está aí, na vida de todos os dias. Entre palavras circula-
pando balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os mos, vivemos, morremos, e palavras somos, nalmente, mas com
quais, de pouco siso, se metiam em camisas de onze varas, e até que signicado?
em calças pardas; não admira que dessem com os burros n’agua. (Carlos Drummond de Andrade, Poesia e prosa,
(...) Embora sem saber da missa a metade, os pres