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INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA
1 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
2 Começando a história
Caro estudante.
Na aula anterior, vimos que a posição do narrador pode variar dentro da narrativa
e, conforme o raciocínio de Theodor Adorno (1980), essa postura do narrador
caracteriza, em certa medida, a narrativa moderna. Importante lembrar, também,
que tal raciocínio recupera a ideia de Walter Benjamin (1994) quando declara
que a narração está em vias de extinção, pois não se pode mais narrar como
antigamente, devido à situação de barbárie em que vive o ser humano no século
XX. Ambos tecem suas discussões em torno do narrador de romance, assunto
que veremos, de forma mais detalhada, na aula 7.
Tecemos esse preâmbulo com o fim de nos situarmos na nossa realidade atual e,
também, porque os exemplos utilizados nesta aula para ilustrar nossas discussões
serão, em sua maioria, extraídos de romances brasileiros. Mas esperamos que fique
claro que o nosso principal objetivo aqui é discutirmos sobre as possibilidades
dos pontos de vista narrativos. Para tanto, passaremos por algumas considerações
teóricas necessárias.
3 Tecendo conhecimento
Bom, mas se formos dar exemplos logo aqui no início de nossa discussão,
levaremos um bom tempo e umas boas páginas. Deixemos para fazê-lo enquanto
esquematizamos as teorias.
Inspirados nas palavras de Leite (1993, p. 86), reforçamos aqui que são muitas as
teorias e discuti-las em sua totalidade foge aos limites desta aula; que esperamos
que o aluno/leitor possa ampliar suas ideias lendo diretamente as fontes aqui
indicadas; e, finalmente, que o esquema apresentado a seguir é apenas um
recorte e que, acima de tudo, trata-se de um “ponto de vista” nosso, ou seja, da
nossa escolha do que consideramos mais importante estudar, em se tratando
de narrador, mediante a gama de estudos que já foram feitos sobre este recurso
narrativo.
como obra literária não passa pela questão da escolha do foco narrativo, ou
mesmo pelo fato de ele representar questões da vida pessoal do escritor. Já
superamos essa discussão. Recuperá-la, aqui, tem como finalidade entender
melhor a contribuição das teses de Wayne Booth sobre a figura do “autor-
implícito”. Como assim? Para Wayne Booth, segundo Dal Farra (1978, p. 20-21),
[...] não há, na verdade, diferença radical entre o romance de
primeira e o de terceira pessoa, porque ambos os romances
comportam um narrador como máscara do autor. [...] Quando
ele [o autor] escreve, não cria somente um man in general
ideal e impessoal, mas cria juntamente com sua obra uma
versão implícita de si mesmo: o seu ‘autor-implícito’. Esse
‘eu’ raramente ou nunca é idêntico à imagem do narrador,
porque assegura a função crítica através da distância que
mantém em relação a este. Caleidoscópio formado pelo
mesmo número de elementos constitutivos, o autor reflete
uma imagem específica em cada trabalho que assina. (grifos
da autora).
Assim sendo, podemos dizer que a escolha por este ou aquele foco narrativo
está intimamente ligada a essa entidade categorizada como “autor-implícito” e
que considerá-lo em nossas análises-interpretações nos permite entender que,
mesmo em se tratando de obras que se queiram autobiográficas, a realidade nelas
prestadas é discutível e, por isso, uma confissão pode também ser considerada
ficção, tomando aqui por empréstimo termos de Antonio Candido (2006) quando
da análise de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, a partir da qual o crítico
levanta questões que dizem respeito ao grau de realidade (sobretudo da vida
pessoal) impressa na obra do escritor alagoano.
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AULA 04
Leite (mais conhecida pelo seu pré-nome Ligia Chiappini) parte de Platão e
Aristóteles e suas teses sobre a imitação e a narração, passando por Hegel, pelos
estruturalistas Roland Barthes e Tzvetan Todorov, até focar em Norman Friedman.
Foge aos limites dessa aula esmiuçar todas essas teorias e seus respectivos
teóricos. Por essa razão, faremos um resumo esquemático da tipologia de Norman
Friedman (2002), que já se baseia em outras teorias.
pouco mais essa noção de foco, acrescentemos mais um: o da onisciência. Por
isso, antes mesmo de iniciarmos nosso esquema teórico a partir das categorias
postuladas por Friedman, é preciso entender o que significa “onisciência”, uma
vez que se trata de um termo que aparece em quatro categorias de narrador
preconizadas por ele.
NARRADOR-
ONISCIENTE
NARRADOR- NARRADOR-
(EM TERCEIRA
PERSONAGEM OBSERVADOR
PESSOA, PODENDO
(EM PRIMEIRA (EM TERCEIRA
TAMBÉM ADOTAR
PESSOA) PESSOA)
O FOCO DE
PRIMEIRA PESSOA)
Tendo por base essas três maneiras mais gerais de se contar uma história, Friedman
(2002) considera, portanto, as seguintes possibilidades de focos narrativos e/ou
pontos de vista:
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O Narrador: foco narrativo e pontos de vista
[...] a distância entre a estória e o leitor pode ser longa ou curta, e pode
mudar a seu bel-prazer – com frequência por capricho e sem desígnio
aparente. A característica predominante da onisciência, todavia, é que
o autor está sempre pronto a intervir entre o leitor e a estória e, mesmo
quando ele estabelece uma cena, ele a escreverá como a vê, não como a
vêem seus personagens. (FRIEDMAN, 2002, p. 175)
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se
quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a
saliva que pacientemente juntava.
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AULA 04
Esse tipo de narrador leva essa nomenclatura porque vivencia as ações e, por
isso, também, pode testemunhar as ações dos personagens sobre os quais narra.
O propósito de trazer essa obra como exemplo desse tipo de narrador é reforçar os
postulados críticos frente a essa obra de Machado de Assim, os quais apresentam
como qualidade incontestável do romance justamente o fato de ser uma história
contada em primeira pessoa, o que incorre no desenvolvimento de uma técnica
narrativa a que se deve o primor dessa narrativa: manter, até o final, a dubiedade
da traição de Capitu, assunto bastante comentado em livros e salas de aula.
3.2.4 Narrador-protagonista
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O Narrador: foco narrativo e pontos de vista
à história que conta, devendo, assim, ampliar sua visão para “testemunhar” o
que ocorre com os demais personagens, enquanto que o narrador-protagonista
Importante verificar pelo trecho aqui apresentado que esse narrador também
conta a história em primeira pessoa, mas, diferentemente de Dom Casmurro, em
Estorvo, a narrativa é centrada nas ações desse personagem que é protagonista
e, também, o narrador da história. Seu ângulo de visão é fixo, assim como o olho
mágico, do qual ele inicia e pelo qual desenvolve sua trama.
Existe, sabemos, uma certa dificuldade para se ilustrar esse tipo de narrador,
porque ao analisar um trecho isolado como o que fizemos agora, pode-se
confundir a onisciência de que falamos aqui com uma voz meramente narrativa
de um narrador. Essa é, portanto, uma das razões de se ler a obra por completo
para poder entender melhor, não só essa questão desse foco narrativo, mas de
todos os demais elementos.
A diferença básica e crucial entre esse tipo de foco narrativo e o anterior é que,
aqui, o foco fica limitado somente a uma personagem.
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AULA 04
− É claro que não – ele respondeu, olhando para o pratinho com a fatia de melão.
3.2.8 Câmera
Eis um tipo de foco narrativo que praticamente exclui o autor. Como assim?
Ora, ao adotar esse ponto de vista, o narrador, ao mesmo tempo, exclui-se e se
distancia dos personagens, passando a, apenas, narrar as ações.
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O Narrador: foco narrativo e pontos de vista
Concluímos nossa aula, certos de que não demos conta de todas as teorias
existentes sobre foco narrativo, pois são muitas e seria impossível contemplá-las
aqui. No entanto, fizemos um recorte epistemológico que, com certeza, ampliará
seus conhecimentos, caro estudante, de forma que, a partir de agora, ao ler
narrativas de ficção você se sinta, de uma certa maneira, desafiado a analisar o
foco narrativo, vendo-o como elemento primordial da técnica narrativa criada
e/ou adotada pelo escritor.
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AULA 04
Noutras palavras, para falar de foco narrativo e/ou ponto de vista, colocamos em
questão o nosso ponto de vista a respeito do assunto. Nesse sentido, apresentar
a tipologia de Norman Friedman foi a nossa escolha pelo fato de ele considerar
tantas e variadas possibilidades de focos narrativos em suas teorizações. Esse
procedimento é o que consideramos válido aqui, pois você poderá se deparar
com narrativas de ficção cujos focos narrativos fogem totalmente daquela maneira
tradicional de se contar uma história. Em tempos atuais, as maneiras são tantas
quantas o escritor puder inventar.
Exercitando
2) É onisciente?
3) Partindo das categorias de Friedman, sob qual delas você analisa esse
narrador?
Figuras 5 - 7
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AULA 04
5 Trocando em miúdos
Nessa aula vimos que as narrativas de ficção têm, na figura do narrador, uma de
suas forças motrizes. Como assim? Ora, toda história, para que seja contada, precisa
de um narrador e este narrador assume o ponto de vista e/ou o foco narrativo
que melhor condiz com a técnica que o autor deseja desenvolver, levando-se em
consideração o grau de ilusão que se deseja imprimir na obra. Nesse sentido, são
diversos os focos narrativos, assim como são diversas as teorias a seu respeito.
Como precisamos fazer um recorte espistemológico, fizemo-nos elencando a
tipologia de Norman Friedman, por duas importantes razões: primeiro porque
seus postulados abrangem em larga escala as diversas possibilidades de focos
narrativos já desenvolvidos na literatura; e segundo porque se trata de um teórico
bastante referenciado, conforme pudemos constatar nos estudos de Maria Lúcia
Dal Farra e de Ligia Chiappini Leite.
6 Autoavaliando
Pare um pouquinho para pensar nos livros que já leu. Em qual deles, a maneira de
se contar a história foi o que mais lhe chamou atenção? Por quê? A partir dessas
reflexões iniciais, e, levando-se em conta nossas discussões, questione-se sobre o
seguinte ponto: ampliei minhas noções acerca do narrador ao ponto de, a partir
de agora, sempre que ler uma narrativa de ficção, serei motivado a prestar mais
atenção no tipo de narrador, no foco narrativo como sendo um elemento da maior
importância e um recurso intimamente relacionado à técnica desenvolvida pelo
autor? Ademais, procure também se questionar sobre a importância disso tudo.
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Referências
ANDRADE, Mário. Contos novos. 10 ed. São Paulo: Martins; Belo Horizonte:
Itatiaia, 1980.
ASSIS, Machado. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Globo, 2008.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 7 ed. Trad. Sérgio Paulo
Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas, v. 1).
LEITE, Ligia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 6 ed. São Paulo: Ática, 1993.
LISPECTOR, Clarice. O primeiro beijo e outros contos. 12 ed. São Paulo: Ática, 1996.