Você está na página 1de 13

27

“ Integrando Habilidades
Psicológicas nas fases de treino
da natação: um estudo de caso

Fernanda Tartalha do Nascimento


Unicamp

Paula Teixeira Fernandes


Unicamp

10.37885/201101942
RESUMO

O rendimento esportivo necessita de periodização e planejamento do treino, incluindo


treinamento físico, técnico, tático e psicológico. A natação enfatiza habilidades psicoló-
gicas para o bom desempenho, tanto no treinamento como nas competições. Assim, o
objetivo desse estudo foi apresentar uma intervenção psicológica realizada com um atleta
de natação, na qual a descrição do próprio atleta sobre seu funcionamento - habilidades
psicológicas de concentração, motivação, ativação, resiliência e confiança - foi organi-
zada, considerando seu período de treinamento e seu momento de competição. O atleta
descreveu estratégias que ele utilizava, como visualização da prova e estabelecimento
de metas e como deveria utilizá-las a cada momento. Ressaltamos que a intervenção
proposta possibilita a percepção mais explícita sobre as estratégias utilizadas pelo atleta
e sua integração a cada momento de treino e competição.

Palavras-chave: Psicologia do Esporte, Atenção, Motivação, Confiança, Resiliência.


INTRODUÇÃO

O rendimento esportivo ideal necessita de treinamento integral, no sentido de que o


desenvolvimento das capacidades físicas e psicológicas dos atletas acontece a partir de
um processo, que pode ser resumido em dois momentos: aplicação da carga de treina-
mento e adaptação posterior, para consequente melhora na performance (Weineck, 2003).
Assim, é necessário que sejam estabelecidos a periodização e o planejamento do programa
de treinamento do atleta, visando desenvolvimento sequencial e lógico de suas habilida-
des (Bompa, 1999).
Assim, o treinamento das habilidades do atleta deve considerar a interação complexa
de fatores fisiológicos, psicológicos, físicos, biomecânicos, táticos, nutricionais, genéticos e
socioculturais (Glazier, 2017).
Nosso estudo enfatiza o treinamento das habilidades psicológicas que, segundo
Weinberg e Gould (2011), fortalece a prática sistemática de: atenção, ativação, confiança
e motivação. Martin (2001), depois da investigação de estudos acerca das características
psicológicas do desempenho máximo, sugere quatro aspectos principais: duas relaciona-
das à concentração (orientação para estímulos adequados e responder adequadamente a
eles) e duas relacionadas a sensações corporais ou sentimentos (confiança e nível ideal de
prontidão/ativação).
Strack, Linden e Wilson (2011) definem como importantes para o bom desempenho as
seguintes habilidades psicológicas: alto nível de autoconfiança e de atenção, preocupação
em relação aos pensamentos e comportamentos relevantes, nível adequado de ansiedade,
habilidade de parar pensamentos irrelevantes e de reagir positivamente às experiências
negativas. Segundo Hagan, Pollmann e Schack (2017a), as evidências atuais mostram
que atletas de maior sucesso apresentam melhor nível de concentração, alto nível de au-
toconfiança, pensamentos positivos e direcionados à tarefa, usam mais a imaginação para
visualizar o sucesso e tem menores níveis de ansiedade.
Podemos notar que os diferentes autores apontam habilidades psicológicas em comum,
que serão utilizadas como base no presente estudo: concentração, motivação, ativação,
confiança e resiliência. Aqui, estas habilidades psicológicas foram estudadas a partir da
natação, uma modalidade de meio aquático e individual onde milésimos de segundo podem
fazer diferença no resultado final.
A competição de natação tem peculiaridades que contribuem para gerar ansiedade nos
atletas, como o contato com os adversários antes da prova e o anúncio dos nomes antes
do início da mesma (Fortes et. al., 2017), além de envolver altas cargas de treinamento (Cid
et. al. 2016). Nesse sentido, a natação tem características únicas que exigem o desenvol-
vimento de habilidades psicológicas para o bom desempenho: intensidade do treinamento,

Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1 357


necessidade de repetição, atenção aos detalhes, especificidade do momento competitivo e
objetividade do resultado (tempo).
Segundo MacIntyre et al. (2014), o conhecimento e o controle sobre os próprios proces-
sos mentais (metacognição) tem forte relação com o alto desempenho, tanto no treinamento,
quanto em momentos de competição. Na primeira situação, pelo conhecimento sobre as
habilidades que estão sendo adquiridas e na segunda, pela importância da autorregulação
nos momentos de estresse.
Assim, o autoconhecimento do atleta sobre seu próprio funcionamento e sobre suas
habilidades psicológicas pode contribuir com o seu rendimento, uma vez que o leva a ter
maior autocontrole sobre seus estados internos (podendo se aproximar de seu estado ideal
nos treinos e competições) e sobre seus comportamentos (agindo de formas que o levem
ao desempenho que busca).
A partir disso, o objetivo desse estudo foi apresentar uma intervenção psicológica reali-
zada com um atleta de natação, na qual a descrição do próprio atleta sobre seu funcionamen-
to - habilidades psicológicas de concentração, motivação, ativação, resiliência e confiança
- foi organizada, considerando seu período de treinamento e seu momento de competição.

MÉTODO

O participante deste relato de caso é um atleta profissional de natação, do sexo mascu-


lino, com 21 anos de idade, que iniciou no esporte aos sete anos de idade. Suas principais
competições incluem provas de 200 e 400m na modalidade medley e 200 livre. Atualmente,
compete em nível estadual e nacional, tendo experiência de integrar tanto seleções de base
quanto seleção adulta.
O material apresentado no presente artigo foi desenvolvido ao longo de duas sessões,
sendo que o atleta já realizava o acompanhamento psicológico há um ano. Nesse período
prévio, foi realizada a apresentação teórica sobre as habilidades psicológicas e a investiga-
ção do funcionamento do atleta por meio de perguntas e atividades.
O atleta descreveu em relação a cada habilidade psicológica (concentração, motivação,
ativação, resiliência e confiança): (1) seu conceito sobre a habilidade, (2) as estratégias que
ele utilizava, (3) como ele vivenciava cada uma dessas habilidades a cada momento (bloco
1 - força, bloco 2 - específico, polimento e competição) e (4) como ele deveria trabalhar cada
habilidade em cada um desses momentos. Inicialmente foi utilizada a descrição do próprio
atleta sobre os momentos de treinamento e competição e posteriormente esse quadro foi
apresentado ao técnico sendo que o mesmo não realizou nenhuma alteração.
O material produzido com o atleta e seu processo de elaboração foi descrito no pre-
sente artigo e aprovado pelo Comitê de Ética da UNICAMP (CAAE 15065419.2.0000.5404).

358 Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1


RESULTADOS

Na Tabela 1 está apresentada a conceituação do atleta em relação a cada habilidade


psicológica e as estratégias utilizadas por ele.

Tabela 1.Habilidades psicológicas do atleta: definição e estratégias utilizadas.

Habilidade Psicológica Conceito do atleta Estratégias utilizadas pelo atleta

Ter objetivos, concentrar no que faz, men-


Concentração Ter foco, ter controle
talizar a prova, saber o cronograma
Assistir eventos passados, mentalizar,
Motivação Feliz, determinado
pensar no objetivo
Perceber o nível de ativação.
Conversar, ouvir música e ficar sozinho
Nível de atividade física e psicológica ideal para a
Ativação para diminuir nível de ativação.
atividade
Intensificar o aquecimento e utilizar cafeí-
na para aumentar o nível de ativação.
Entender as dificuldades que tem pelo
caminho e ter estratégias para lidar com
Resiliência Capacidade de enfrentar dificuldades e se recuperar
elas.
Apoio social
Relembrar bons resultados anteriores,
Confiar em si mesmo, em sua capacidade de alcan- valorizar as evoluções e conquistas, lem-
Confiança
çar o que deseja brar das dificuldades, ter consciência das
habilidades e pontos fortes

As Tabelas 2 e 3 ilustram a descrição do atleta sobre suas habilidades psicológicas


em cada fase do treinamento (bloco 1, bloco 2 e polimento) e na competição e sua expec-
tativa de como deveria trabalhar cada uma das habilidades psicológicas para ter o melhor
aproveitamento em cada momento.

Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1 359


Tabela 2.Descrição das habilidades psicológicas reais e das possibilidades de mudança nos Blocos 1 e 2 de treinamento

Bloco 1 Bloco 2
Habilidade Psicológica
(Força) (Específico)

Descrição do atleta
sobre o objetivo prin- Principal consequência: nível de cansaço Principal consequência: Tempo do tiro/técnica
cipal de cada fase
Percepções em relação Plano em relação às Percepções em relação Plano em relação às
às habilidades psico- habilidades psicoló- às habilidades psico- habilidades psicoló-
lógicas gicas lógicas gicas
- Tirar o foco da dor; - Pensar no tempo;
- Focar no processo; - Pensar na estratégia –
- Foco em completar; Mais competitivo – co- tentar aplicar nos tiros;
Cansaço e dor dificul-
Concentração - Visão mais geral dos meçar a dar importân- - Buscar alcançar o que
tam a concentração
erros e acertos no cia pro resultado quer fazer na com-
nado; petição/ reproduzir
- Monitorar o corpo. características.
- Ver os ganhos passa- - Ver os ganhos passa-
dos (desse mesmo blo- dos (desse mesmo blo-
co em ciclos passados); Período de motivação co em ciclos passados);
Período de menor
Motivação - Saber o que quer; crescente pela aproxi- - Avaliação dos resulta-
motivação
- Saber o que motiva mação da competição dos do bloco 1;
– usar isso nos momen- - Aproximação do
tos mais difíceis. objetivo.
O próprio treino/ O próprio treino/
aquecimento já ativa aquecimento já ativa
Ativação o suficiente, sem gerar ____ o suficiente, sem gerar ____
estados excessivos de estados excessivos de
agitação ou ansiedade. agitação ou ansiedade.
Dificuldade: Dor
Estratégias: Pensamen-
to positivo; lembrança
Analisar o que aconte-
do que estou traba- Dificuldade é a frus-
ceu e confirmar com
Dor e estresse apare- lhando; interpretação tração (não conseguir
Resiliência técnicos, ter um plano
cem como dificuldades positiva da dor. fazer o que é ideal para
para melhorar, pensar
Dificuldade: Stress a prova)
no próximo treino.
Estratégia: Se afastar,
relevar mais, fazer as
coisas mais relaxado.
- Confiar no que está
- Confiar no que você
sendo passado (relação
fez antes.
Treinos bons dão do treino com resulta- Treinos bons dão
Confiança - Confiar em sua habili-
confiança dos anteriores); confiança
dade de executar o que
- Confiança no próprio
precisa.
empenho.

Tabela 3.Descrição das habilidades psicológicas reais e das possibilidades de mudança no polimento e na competição
Habilidade Psicológica Polimento Competição
Descrição do atleta
Principal consequência: Principal consequência:
sobre o objetivo prin-
Tempo e forma de execução/sensação do nado Tempo e forma de execução
cipal de cada fase
Percepções em relação Plano em relação às Percepções em relação Plano em relação às
às habilidades psico- habilidades psicoló- às habilidades psico- habilidades psicoló-
lógicas gicas lógicas gicas
- Foco nos detalhes da - Obter todas as infor-
Várias informações
execução; mações adequadas;
importantes! (você,
Período onde é mais - Importância do - Organizá-las e tomar
adversários, clima, cro-
Concentração fácil se manter concen- descanso; as decisões corretas;
nograma competição,
trado - Atenção ao tempo e - Conseguir focar ape-
estratégia, descanso,
a sensação do nado – nas no que é relevante
etc.).
busca do modo ideal. em cada momento;

360 Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1


Habilidade Psicológica Polimento Competição
- Ver os ganhos passa-
dos (desse mesmo blo-
Período de motivação co em ciclos passados);
Período de maior - Buscar tempo/ colo-
Motivação crescente pela aproxi- - Avaliação dos resulta-
motivação cação.
mação da competição dos do bloco 2;
- Aproximação do
objetivo.
Mais aquecimento fora
O próprio treino/ da água na parte da
De manhã é mais
aquecimento já ativa manhã.
difícil ativar; a tarde
Ativação o suficiente, sem gerar ____ Uso de estratégias de
gera mais ansiedade e
estados excessivos de relaxamento se nível
concentração
agitação ou ansiedade. de ansiedade estiver
muito alto a tarde
Analisar o que aconte-
Dificuldade é a frus- Analisar o que aconte-
ceu e confirmar com Dificuldade é a frustra-
tração (não conseguir ceu e confirmar com
Resiliência técnicos, ter um plano ção por um resultado
fazer o que é ideal para técnicos, pensar na
para melhorar, pensar ruim
a prova) próxima prova.
no próximo treino.
- Ter clareza do que
- Confiar no que você tem que fazer;
fez antes. - Ter conseguido fazer
Treinos bons dão Treinos bons dão
Confiança - Confiar em sua habili- nos treinos o que quer
confiança confiança
dade de executar o que executar;
precisa. - Relembrar melhores
desempenhos;

Discussão <T>
O objetivo da intervenção apresentada foi obter a descrição do atleta sobre seu próprio
funcionamento e as estratégias utilizadas em relação às habilidades psicológicas de con-
centração, motivação, ativação, resiliência e confiança. Esse relato foi organizado a partir
da periodização de treinamento do atleta, considerando os diferentes blocos de treinamento
e o momento da competição.
A importância de desenvolver a capacidade de descrição está na relação estabelecida
entre autoconhecimento e ação. O autoconhecimento (descrever o próprio funcionamento)
possibilita ao indivíduo melhores condições para prever e controlar seu próprio comporta-
mento (Skinner, 2006/1974). Neste sentido, desenvolver a descrição sobre si mesmo faz
com que o atleta consiga desenvolver, de forma mais adequada, estratégias que possibilitam
maior controle sobre eventos internos e sobre seu próprio comportamento.
Segundo Rothlin et al. (2016), o treinamento de habilidades psicológicas inclui o uso
de técnicas como autofala, visualização, estabelecimento de metas e regulação da ativa-
ção. O objetivo primordial é modificar estados internos e comportamentos com a finalidade
de colocar o atleta em melhor condição de desempenho.
Em relação aos benefícios das habilidades psicológicas Strack, Linden e Wilson (2011)
afirmam que as mesmas permitem que o atleta alcance o nível de conhecimento e controle
sobre si mesmo que o auxilia a desempenhar-se correspondendo às exigências do esporte,
mesmo nos momentos críticos da competição.
Na intervenção apresentada no presente artigo é possível perceber significativo grau de
conhecimento do atleta sobre seu próprio funcionamento. Esse autoconhecimento foi um dos

Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1 361


principais objetivos do trabalho psicológico aqui realizado durante o ano e foi estimulado ao
longo das sessões com o atleta, a partir de perguntas que colocaram seus eventos internos
e seu próprio comportamento em seu foco de atenção. Como salientado por Skinner (2006;
1974), o comportamento verbal, ou seja, falar sobre as coisas além de fazê-las, passa a
integrar o comportamento do indivíduo a partir de comunidade verbal que faz perguntas e
gera comportamentos descritivos.
Além disso, o desenvolvimento do autoconhecimento contribui para que as habilida-
des psicológicas sejam utilizadas tanto no período de treinamento – possibilitando maior
aproveitamento deste processo – quanto no período de competição – pela importância da
autorregulação nesse momento. Vale lembrar que principalmente o período competitivo gera
estados emocionais intensos e, para que o atleta consiga gerenciar de forma adequada suas
emoções, ele precisa ter um repertório de respostas de enfrentamento disponíveis para ele
(Hagan, Pollmann e Schack, 2017a).
Ter esse repertório disponível no momento competitivo inclui ter desenvolvido e apri-
morado essas habilidades no período de treinamento e ter consciência de quando e como
usá-las na competição. Em um estudo sobre ansiedade e uso de habilidades psicológicas
em atletas de tênis de mesa Hagan, Pollmann e Schack (2017a), concluíram que a ansie-
dade foi percebida pelos atletas como debilitante em situações críticas do jogo pois eles
foram incapazes de regular suas emoções de forma eficiente revelando uso de estratégias
disfuncionais nas situações de maior estresse.
Alguns pontos interessantes na descrição do atleta podem ser utilizados para demons-
trar o impacto positivo que o autoconhecimento tem sobre o gerenciamento eficaz de eventos
internos e comportamentos no período de treino e competição.
O primeiro ponto que destacamos são as estratégias para lidar com o primeiro bloco
de treinamento, o bloco de força, onde os atletas experimentam alto nível de cansaço e
dor. O próprio atleta descreveu que o objetivo principal desse bloco de treinamento seria
seu nível de cansaço, conseguindo interpretar uma sensação que seria desagradável como
sinal de que está cumprindo seus objetivos. Essa interpretação positiva é justamente uma
das estratégias principais utilizadas a fim de desenvolver sua resiliência.
Em relação a concentração nesse primeiro bloco o atleta descreve dois focos muito
importantes: monitorar o corpo (por ser um período muito intenso o corpo pode necessitar
de mais descanso e cuidados) e focar em completar cada treino (ao invés de focar na dor, o
que geraria desânimo, ou em ficar preocupado aos detalhes da execução do nado). O atleta
se utiliza bem das metas de processo nesse momento.
Segundo Weinberg e Gould (2011) existem três tipos de metas: de resultado (foco
no resultado da competição), de desempenho (foco em índices de desempenho individual,

362 Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1


independente do oponente) e de processo (foco nas ações que o indivíduo deve executar
para alcançar o desempenho desejado). Segundo os mesmos autores, metas de resultado
geram motivação, mas manter o foco apenas nestas pode gerar níveis significativos de
ansiedade. Portanto, é necessário desenvolver metas de desempenho e de processo que
conduzam ao alcance do resultado desejado e saber quando focar em cada uma das metas.
Justamente por ser um período de sobrecarga o atleta entende que não vai ser uma fase de
ótima execução do nado e focar nesse aspecto, ou seja, na meta de desempenho (forma de
execução ideal), geraria frustração. Focar apenas em completar o treino é o objetivo principal
desse período, e essa é uma meta de processo que se relaciona com suas metas maiores,
as de resultado a longo prazo.
Em relação à resiliência, é interessante notar que quando metas de resultado começam
a aparecer no treinamento, o atleta descreve que a sua maior dificuldade passa a ser a frus-
tração, a mesma dificuldade que enfrenta na competição. A estratégia utilizada – conversar
com o técnico sobre os motivos de não ter atingido o objetivo e traçar um plano pra melhorar
– possibilita mudança de foco de atenção: ao invés de manter o foco no treino ruim, colocar
o foco em ações que pode realizar no próximo treino para ter um resultado melhor. Tirar o
foco do evento que gera a frustração possibilita ao atleta lidar melhor com esse sentimento
e aproveitar melhor os próximos treinamentos. Praticar essa mudança de foco durante o
treinamento torna o atleta mais preparado para executá-la no momento de competição que
precise se recuperar rapidamente de uma prova ruim.
Ainda em relação a concentração enquanto no primeiro bloco a execução do nado não
está no foco de atenção do atleta, nos blocos seguintes ele se concentra cada vez mais nos
detalhes importantes para o alcance do ‘modo ideal’, como descrito por ele. Segundo Fronso
et al. (2017), prestar atenção aos componentes centrais da ação ajudam os atletas a se
recuperarem de estados internos não ideias para o desempenho (por exemplo, emoções dis-
funcionais) além de contribuir para uma execução mais automática das ações, o que aumenta
a experiência de fluxo (ou estado flow, estado ótimo relacionado ao desempenho máximo).
O tempo, a técnica de execução, a sensação do nado e a estratégia de prova são
aspectos que passam a ser cada vez mais importantes com a aproximação da competição
e o atleta deve usar as estratégias para se manter atento ao que é mais relevante a cada
momento para o melhor aproveitamento de cada treino e o melhor desempenho na compe-
tição. Na competição também existem muitas variáveis externas importantes (como o clima,
os adversários e o cronograma da competição) sendo importante que ele obtenha todas as
informações e as organize de forma a não perder nenhum elemento importante e manter
seu nível ideal de concentração em sua prova.

Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1 363


Em relação às estratégias de motivação enfatizamos o uso da visualização, um processo
no qual informações já existentes na memória ou imagens criadas são vívida e delibera-
damente experimentadas pelo atleta através da imaginação (Rothlin et al., 2016). O atleta
usava como estratégia de motivação a visualização tanto dos objetivos futuros sendo al-
cançados, quanto de eventos passados nos quais conseguiu cumprir as metas e a clareza
do atleta sobre essas cenas demonstra mais uma vez seu autoconhecimento. Além disso
o atleta consegue utilizar a divisão do treinamento em blocos para avaliar seus avanços e
aumentar o nível de motivação para o próximo momento através do alcance de objetivo do
momento anterior.
Com a aproximação da competição, o nível de motivação do atleta cresce natural-
mente, sendo a necessidade do uso de estratégias relacionadas a esse aspecto menores
a cada bloco de treinamento. No momento da competição apenas pensar no tempo ou
colocação que ele deseja já o motiva de forma ideal, sem a necessidade do uso de outros
pensamentos e imagens.
Em relação à confiança ao longo do processo de treinamento três elementos – a con-
fiança no processo de treinamento, no próprio empenho e a execução de bons treinos – o
tornam mais confiante. Assim como faz no aspecto motivacional o atleta usa sua experiên-
cia dentro do modelo de treinamento para aumentar sua confiança e, nesse sentido, ele já
começa o treinamento conseguindo trazer de sua história fatores que o tornam confiante.
Além disso, quando executa bons treinos, utiliza esses momentos para aumentar seu nível
de confiança. Devido a esse caminho já bem estabelecido durante o treinamento o atleta
chega a competição ‘bem confiante’, como ele mesmo avalia.
No momento da competição, a preparação adequada para esse dia específico se une
à preparação do processo de treinamento para que o atleta se sinta pronto para se desem-
penhar e, quando necessário, o atleta utiliza memórias de bons desempenhos anteriores
para aumentar seu nível de confiança. Saber exatamente como deve nadar para alcançar
o resultado que busca também contribui com a confiança do atleta além de ser essencial
para o alcance de um bom nível de concentração.
Podemos perceber que para a preparação adequada para a competição foi necessária
a utilização e lapidação das estratégias relacionadas ao desenvolvimento de habilidades
psicológicas ao longo do processo de treinamento. Essa necessidade do trabalho ao longo
do processo de treinamento é corroborada por Hagan, Pollmann e Schack (2017b) que,
ao investigar o uso de estratégias psicológicas de atletas durante a semana que antecede
a competição, concluem sobre a necessidade de integrar o treinamento de habilidades
psicológicas continuamente aos ciclos de treinamento. Os mesmos autores demonstram

364 Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1


diferenças individuais sobre o uso de estratégias psicológicas, o que reafirma, como defen-
dido no presente artigo, a necessidade do uso das estratégias de acordo com as escolhas
do próprio atleta.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Podemos notar que a intervenção proposta, ou seja, o registro da descrição do atleta


sobre seu funcionamento em relação a algumas habilidades psicológicas, possibilita a per-
cepção mais explícita sobre as estratégias utilizadas pelo atleta e sua adequação a cada
momento de treino e competição. Nesse sentido esse material torna-se útil tanto para o
próprio atleta, a fim de utilizar as estratégias adequadas para regular os aspectos mais rele-
vantes a cada momento, quanto para os profissionais que trabalham com o atleta, a fim de
conhecê-lo melhor. Especialmente para o psicólogo é interessante o mapeamento realizado
para que o mesmo possa direcionar seu trabalho de forma integrada ao planejamento de
treino geral do atleta.
Dada a utilidade da intervenção apresentada, propomos um protocolo para realização
da mesma seguindo os seguintes passos:
1. Educar o atleta sobre o que são habilidades psicológicas e as estratégias que podem
ser utilizadas para ter controle sobre as mesmas.
2. Identificar o funcionamento do atleta em cada uma das habilidades (concentração,
motivação, ativação, resiliência e confiança) nas diferentes fases do treinamento (as
fases do treinamento devem preferencialmente ser explicadas pelo técnico do atleta).

a. Exemplos de perguntas para investigação: No que você se concen-


tra nessa fase? O quanto você está motivado e qual é sua motivação
nessa fase? Existem dificuldades nessa fase? Quais são suas estra-
tégias de enfrentamento e o quanto elas funcionam?
3. Discutir com o atleta e, se possível, também com o técnico (ou comissão técnica) qual
seria o estado ideal para cada uma das habilidades em cada momento de treino e competição.

b. Exemplos de perguntas para investigação: Qual deveria ser seu


maior estímulo motivador nessa fase? Qual deveria ser seu nível de
ativação nessa fase? O que seria ideal nos basearmos para trazer
sua confiança nesse período?

4. Verificar a relação entre o estado que o atleta geralmente está em cada fase de trei-
namento e o estado ideal. Se os estados são parecidos identificar e anotar as estraté-
gias utilizadas para que ele mantenha seu funcionamento ideal. Se houver diferenças,

Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1 365


discutir as estratégias possíveis para que o atleta se aproxime do estado ideal nos
treinos/competições.
5. Dar ao atleta essa planilha para que ele tenha fácil acesso às estratégias que deve
usar e também pode dividir essa informação com a comissão técnica.
6. Monitorar, tanto o uso das estratégias, quanto o alcance do estado ideal e dos resulta-
dos pretendidos para que possíveis adaptações sejam feitas sempre que necessário.
Importante lembrar que o treinamento das habilidades físicas, técnicas e táticas dos
atletas deve acontecer de forma integrada ao treinamento de habilidades psicológicas uma
vez que o atleta otimizará seu aprendizado de outras habilidades se estiver no estado psi-
cológico ideal para cada momento de treino bem como conseguirá reproduzir de forma mais
eficaz todos os aprendizados para o momento competitivo. A intervenção aqui apresentada
pode facilitar essa integração, trazendo de uma maneira clara e objetiva quais habilidades
psicológicas e quais estratégias deveriam ser ressaltadas a cada momento de treino e com-
petição dentro da individualidade de cada atleta.

REFERÊNCIAS
1. Bompa, T. O. (1999). Periodization: Theory and methodology of training (4ª ed). Human Kinetics.

2. Cid, L., Silva, A., Monteiro, D., Louro, H., & Moutão, J. (2016). Paixão, motivação e rendimento
dos atletas de natação. Revista iberoamericana de psicología del ejercicio y el deporte, 11 (1),
53-58. Disponível em: http://hdl.handle.net/10400.15/1378 acessado em 12/10/2018.

3. Fortes, L. S., da Costa, B. D., Paes, P. P., do Nascimento Júnior, J. R., Fiorese, L., & Ferreira,
M. E. (2017). Influence of competitive-anxiety on heart rate variability in swimmers. Journal of
sports science & medicine, 16(4), 498-504. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/
articles/PMC5721179/ acessado em 14/10/2018.

4. Fronso, S. D., Robazza, C., Bortoli, L., & Bertollo, M. (2017). Performance optimization in
sport: A psychophysiological approach. Motriz: Revista de educação física, 23(4). http://dx.doi.
org/10.1590/S1980-6574201700040001

5. Hagan Jr, J. E., Pollmann, D. & Schack, T. (2017a). Elite athletes’ in-event competitive anxiety
responses and psychological skills usage under differing conditions. Frontiers in psychology, 8
(2280). https://doi.org/10.3389/fpsyg.2017.02280

6. Hagan Jr, J. E., Pollmann, D., & Schack, T. (2017b). Exploring temporal patterning of psycholo-
gical skills usage during the week leading up to competition: Lessons for developing intervention
programmes. PloS one, 12(8): e0181814. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0181814

7. Glazier, P. S. (2017). Towards a grand unified theory of sports performance. Human movement


science, 56, 139-156. https://doi.org/10.1016/j.humov.2015.08.001

8. MacIntyre, T. E., Igou, E. R., Campbell, M. J., Moran, A. P. & Matthews, J. (2014). Metacogni-
tion and action: A new pathway to understanding social and cognitive aspects of expertise in
sport. Frontiers in psychology, 5 (1155). https:// doi: 10.3389/fpsyg.2014.01155

366 Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1


9. Martin, G.L. (2001). Consultoria em psicologia do esporte: Orientações práticas em análise
do comportamento (N. C. Aguirre, Trad.) Campinas: Instituto de Análise de Comportamento.

10. Samulski, D. (2009). Introdução à psicologia do esporte. In Samulski, D. (Ed.), Psicologia do


esporte: Conceitos e novas perspectivas (2ª ed. pp. 1-20). Barueri: Manole.

11. Skinner, B.F. (2006). Sobre o behaviorismo (10ª ed.) (M. P. Villalobos, Trad.). São Paulo:
Cultrix. (Originalmente publicado em 1974).

12. Strack, B., Linden, M. & Wilson, V. S. (Eds.) (2011). Biofeedback & neurofeedback applications
in sport psychology. Assoc. for applied psychophysiology and biofeedback.

13. Röthlin, P., Birrer, D., Horvath, S. & Grosse Holtforth, M. (2016). Psychological skills training
and a mindfulness-based intervention to enhance functional athletic performance: Design of a
randomized controlled trial using ambulatory assessment. BMC psychology, 4(39). Disponível
em: https://bmcpsychology.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40359-016-0147-y Acessado
em 13/10/2018.

14. Weineck, J. (2003). Treinamento ideal (9ª ed.). São Paulo: Manole.

15. Weinberg, R.S. & Gould, D. (2011). Foundations of sport and exercise psychology (5a ed.).
Champaign: Human Kinetics.

Educação Física e Ciências do Esporte: Uma Abordagem Interdisciplinar - Volume 1 367

Você também pode gostar