Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
FEMINISMO,
ANTI-RACISMO E
LUTA DE CLASSES
TEMA:
Feminismo e Marxismo
(COLETÂNEA DE TEXTOS)
II Encontro
A Mulher na História do Movimento Socialista
no Brasil
II Encontro
A Mulher na História do Movimento Socialista
no Brasil
Esta pequena coletânea de textos busca sistematizar alguns trechos de obras, textos e cartas de autoras
militantes da causa socialista que escreveram, polemizaram e registraram os debates acerca do feminismo no
Brasil.
Ressaltando a importância de sistematizar a atuação política da mulher e suas contribuições na luta de classes
em nosso país, buscamos nesse espaço, iniciar breve esboço desse processo coletivo, com um olhar especial
para trajetória das mulheres socialistas.
Importante considerar que pouco se encontra de seus escritos e biografias, mas encontram-se registros e
menções de uma participação intensiva de mulheres em diversas frentes de atuação, protagonistas de processos
de emancipação. Em sua maioria vinculadas às tarefas cotidianas e de organização de base, pouco escrevendo
e registrando seus pensamentos e debates coletivos de cada período. As que escreveram, o fizeram sobre temas
diversos, analisando aspectos da práxis militante onde organicamente estavam vinculadas.
Buscamos nesse compilado selecionar alguns dos textos encontrados. O foco dessa coletânea está centrado
em textos e documentos que tratam da luta da mulher, do feminismo e dos temas que a ele se conectam.
Escritos de Mulheres sobre temas que envolvem o feminismo na trajetória da luta socialista no Brasil.
Para melhor apresentar os materiais indicados para estudo, organizamos em cinco tópicos. O primeiro deles,
leitura obrigatória para o Encontro, denomina-se A Mulher na História do Movimento Socialista no Brasil,
que busca fazer um breve percorrido na trajetória do movimento socialista no Brasil, identificando a atuação
das mulheres.
Na sequência, apresentam-se textos e fragmentos de textos clássicos, cartas, e sugestão de filmes,
protagonizados por mulheres que se dedicaram às lutas de seu tempo. Nesse sentido, organizamos em quatro
grandes itens:
1. As mulheres Anarquistas e a luta de classes no início do século XX;
2. As Mulheres Comunistas na Luta de Classes no Brasil (1922-1964);
3. As Mulheres na luta pelo socialismo no período da Ditadura Civil Militar de 1964
4. As Mulheres Socialistas no processo de Redemocratização (Década de 1980)
Consideramos importante destacar a necessidade de mergulharmos no contexto temporal e espacial que
marcaram seus pensamentos e atuação militante. Pois seus escritos são marcados pelas questões e contradições
de uma época, embora impulsionem lições para fora de seu tempo dialogando com questões hoje vivenciadas.
1
Informações obtidas de pessoas que participaram dessas greves, mas principalmente através do livro História das Lutas Sociais –
Edevardo Dias, Editora Edaglit, 1962.
Mas que tipo de organização eram? Seus programas? Seus objetivos? E quem eram as suas associadas e as
suas dirigentes? Em que pese essa omissão ou essa generalização por outro lado a década de 1930 coloca uma
extensa lista de mulheres no centro de atividades políticas bem definidas, como foi o caso de centenas e
adesões à Aliança Nacional Libertadora. Entre as organizações de massa que dela faziam parte encontra-se o
nome da União Feminina do Brasil.
Grupos de mulheres e personalidades femininas defendia, em 1933, a participação da mulher nos júris
populares, estabelecendo polêmicas entre advogados dessa participação, como a baiana Edith Mendes de
Gama e Abreu, e adversários como os juízes Aprígio Garcia e Ramos da Costa, polêmicas que ocupavam as
páginas dos jornais.2
Em 1933, as opções pelos movimentos políticos, às quais já nos referimos, trouxeram às fileiras da Aliança
Nacional Libertadora mulheres que representavam o posicionamento mobilizador mais avançado daquele
tempo. Criada a Ala Feminina da Aliança Nacional Libertadora, dela faziam parte, entre dezenas de outras
mulheres, Amanda Álvaro Alberto, que foi sua presidente, Eugenia Álvaro Moreyra, Maria Moraes Werneck,
Francisca Moura, Eneida Moraes, Zoila Abreu Teixeira e Lydia Bessché. A ala feminina da Aliança Nacional
Libertadora, chegou a reunir 70 operárias, tenho sido criado o Comitê da Mulher Trabalhadora, cujo
“Manifesto contra o Fascismo” foi lido em comício no Rio de Janeiro, no dia 07 de outubro de 1934. Nesse
comício, estaria certamente Laura Brandão, a poetisa que comovia os trabalhadores na Praça Mauá e no Cais
do Porto, com a declamação de seus poemas revolucionários, e que, anos mais tarde morreria no exílio, na
cidade e Moscou. Laura, que pertencia a um grupo de defesa civil, tem o seu nome na lista dos combatentes
naquela cidade, onde deixou seus últimos poemas, seus últimos anos de vida e de luta na história da resistência
ao nazismo, durante a II Guerra Mundial.
Pelo direito de voto
Se no dia 24 de fevereiro de 1932, as mulheres conquistaram o direito de voto, na luta por esse direito deve
ser registrado historicamente o nome de Celina Guimarães Viana, como a primeira mulher eleitora no Brasil,
na cidade de Mossoró, Rio Grande do Norte. Seu voto foi posto na urna no dia 05/04/1928, como resultado
de um requerimento feito no dia 25/11/1927. A participação das mulheres nas eleições naquele Estado, foi
regulamentada pela Lei Estadual n. 660: “No território do Rio Grande do Norte podem eleger e ser eleitos
todos os cidadãos, sem diferença de sexo, desde que reúnam todas as condições estabelecidas pela Lei”. Em,
naquele mesmo ano de 1928, 15 mulheres foram candidatas ao Senado, que, no entanto, anulou os votos,
considerando que na legislação vigente não era reconhecido o direito de voto da mulher. Entre as mulheres
candidatas, foram eleitas algumas vereadoras, por exemplo, Alzira Soriano, na cidade de Lajes.
Das referências às pioneiras que lutaram pelo direito de voto não pode ser omitido, como vem sendo, o nome
de Alice Tibiriçá, que defendeu vigorosamente esse direito, durante o Congresso realizado, em 1931, pela
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Testemunhando as suas atividades em favor do direito de voto
para a mulher, o seu nome foi o que recebeu o maior número de indicações, sendo também um dos mais
sufragados no conjunto, em um Plebiscito promovido pelo “Diário e São Paulo”, em 1933. No entanto, ela
não quis candidatar-se. Chama a atenção que a luta pelo direito de voto não tenha se preocupado com o
anacronismo da condição jurídica da mulher, sancionado pelo Código de 1916.
Os que combateram esse direito alegavam que da eleição plebiscitária de 1848, na França, não havia
participado mulheres. Mas havia, em geral, na sociedade brasileira, inclusive da parte do governo do Sr.
Getúlio Vargas, um consenso em favor do direito de voto para a mulher. Embora o chefe do governo falasse
de “concessão”, o que houve na realidade foi uma conquista das mulheres, depois de uma luta que não
começou na década de 30, mas durante longos anos, da qual é expressão a declaração do poeta Castro Alves,
em 1871, em favor do voto feminino.
Por motivos que deverão ser pesquisados – e certamente serão – houve uma limitação no aproveitamento dessa
conquista, no sentido de que as mulheres passassem a ocupar um maior espaço político e avançassem na
2
“A Tarde” (Salvador-Bahia). Edição de 11.04.1933. “Folha da Manhã” (São Paulo – SP). Edição de 14.02.1933
conquista de novas reivindicações específicas. Aliás, a esse respeito dizia um jornal de SP: “A percentagem
de mulheres alistadas é pequena e não existe nenhuma organização feminina capaz de levar às Urnas, com
probabilidade de sucesso nenhuma candidata”.3 Realmente, a campanha esgotou-se com a lei, o que significa
a limitação organizativa da mesma, sem desdobramentos em favor de outros direitos específicos, e sem o
respaldo de uma mobilização popular.
1945: Novos Caminhos
[...] Iniciada a campanha pela anistia, em 1945, foi formado o Comitê Feminino pela Anistia, no RJ, que
trabalhou intensamente até a vitória. A seguir esse Comitê transformou-se em Comitê feminino Pró-
democracia, que incluía em seus Estatuto as lutas pelos direitos da mulher, em defesa da infância e pelas
liberdades democráticas.
[...] Conquistadas a anistia, as mulheres que participavam dos Comitês Democráticos desdobraram as suas
atividades, passando a organizar as Uniões Femininas. [...] Embora as Uniões Femininas tenham cuidado dos
problemas dos Bairros, localmente, e de outros como o da carestia e do abastecimento, fazendo desses
problemas gerais o centro de seus programas, elas foram, no entanto, os canais que permitiram o
encaminhamento, mais tarde , de outras atividades que tinham como centro a defesa dos direitos específicos
da mulher. À medida que se iam estruturando, era criadas as condições de mobilização que permitiriam a
organização da Federação de Mulheres do Brasil de âmbito nacional.
[...] As questões de ordem política, quebrados os grilhões da censura de tantos anos, eram gritadas por todos
os meios de comunicação de massas, escritas nos muros, distribuídas em panfletos, propagandas nos comícios
e nas passeatas, como a de convocação de uma Constituinte. Constituíam pano de fundo do movimento de
massas em geral, do qual fazia parte o movimento de mulheres. O grande mérito das Uniões Femininas e de
constituição de grupos de mulheres com outros nomes foi o de ter contribuído para que as organizações
municipais, estaduais, e a organização nacional fossem o resultado de um trabalho feito a partir das bases
populares, com mulheres de todas as camadas sociais, a partir de um conjunto de reivindicações, inclusive as
específicas de mulheres que ia sendo desenvolvidas no processo de conscientização. Assim, iam se definindo
as linhas mais avançadas nos anos seguintes ao ano de 1945.
Organização e Atividades
[...] Todas essas convenções e Conferências e demais eventos demonstraram a mobilização que houve em
todo o território nacional. E não somente a mobilização, também a organização de associações que
conseguiram ampliar seus contatos e suas atividades além dos limites das fileiras do FMB, como se verifica
em uma das resoluções do I Congresso Nacional de Federação de Mulheres do Brasil realizado em SP nos
dias 28 a 30 de julho com referência à Organização do Movimento Feminino”: “Orientar todas as suas filiadas
para ampliar sus trabalhos em torno dos problemas da mulher e da criança, trabalhando com todas as
organizações femininas que em seus programas possuam pelo menos um ponto em comum com o da FMB” e
ainda, “orientar suas filiadas no sentido de ampliar as iniciativas nos trabalhos, de forma que as mulheres se
organizem das mais variadas formas, de acordo com as suas necessidades específicas” 4.
No Manifesto de Convocação de seu I Congresso, a FMB, em um comovente apelo as mulheres, lembrava “as
suas lutas, os seus sofrimentos, as suas experiencias”, e as convidava para um “feliz encontro de mulheres,
donas de casas, professoras, operarias e camponesas, intelectuais, comerciárias, médicas, advogadas que
juntas poderão decidir da vida mais feliz e confortável para as famílias brasileiras”, acrescentando que ao
“fazer esse apelo chama a participar do mesmo todas as suas filiadas através do Conselho de Representantes
e um copo de delegadas e de mulheres em geral, para que, dentro da mais franca discussão, se coordenem e
unifiquem a ação das mulheres brasileiras em defesa de seus direitos 5. Esse apelo trouxe à capital de SP 150
delegadas, entre elas as eleitas no Congresso de Mulheres Goianas, que reuniu delegadas de Pires do Rio,
3
“Folha a Manhã” (São Paulo – SP). Edição de 26.03.1933.
4
O “Momento”. Edição de 18.08.1951.
5
Idem. Edição de 28.08.1951
Goiandira, Catalão, Santa Helena e Colônia Agrícola, “zona agrícola por excelência que elegeu quase 100
delegadas camponesas”. [...]6
[...] uma I Assembleia Nacional de Mulheres, que se realizou no RJ, de 14 a 18 de novembro de 1952, com a
presença de delegadas de 9 Estados, e que incluiu entre os temas de discussão “os direitos da mulher em geral”
e os “direitos da mulher trabalhadora”. A resoluções traçaram um programa de atividades não somente para
as organizações femininas já existentes, mas “para todas as mulheres, independente de suas opiniões política
ou religiosas ou de quaisquer outras divergências que as pudessem separar”. Essas resoluções correspondiam
ao pensamento da Comissão Patrocinadora daquela Assembleia [...]
Nos dias 9 e 10 de novembro de 1953, era em Porto Alegre, RS, que se instalava a II Assembleia Nacional de
mulheres, por ocasião da qual, segundo a convocatória “delegadas de todos os recantos do país encontrar-se-
ão em nossa cidade a fim de discutirem e encontrarem soluções para os problemas que mais afligem as mães,
as operarias, as donas de casa, as camponesas, enfim a todo o povo”. [...]
Diversas reuniões nacionais e internacionais já haviam se realizado antes, no país, mas a primeira reunião de
mulheres latino-americanas para tratarem de seus problemas, de seus direitos, de suas reivindicações foi a I
Conferencia Latino -Americana de Mulheres, com o patrocínio da Federação de Mulheres do Brasil, de 07 a
11 de agosto de 1954, em dias muito difíceis na conjuntura nacional. Foi o mês, naquele ano, do suicídio do
Chefe de Governo, Sr. Getúlio Vargas.
Essa I Conferência Latino-Americana de Mulheres foi precedida de um Encontro de mulheres Brasileiras,
onde pontos a serem debatidos são discutidos e apoiados por um grupo de convidadas: [...]
Representantes de todos os Estados brasileiros e delegações de 7 países do Continente, mais de 300 delegadas,
estiveram presentes á I Conferência Latino-americana de Mulheres. [...]
Muitas mulheres que participaram de todas as atividades foram vítimas de repressão policial (prisões,
violências e até assassinatos, como nos casos de Zélia Magalhães e Angelina Gonçalves). No entanto, as
organizações femininas respaldadas por um amplo movimento de massas, mesmo durante o governo do
General Eurico Dutra, apesar das pressões e perseguições, continuaram com suas portas abertas e funcionando.
No entanto, por estranho que pareça, logo após a Ascenção do Presidente Juscelino Kubitschek (1956), a
Federação das Mulheres do Brasil e todas as organizações a ela filiadas, inexplicavelmente, foram fechadas e
proibidas de funcionar (inclusive as organizações de bairro), em todo o país, Mais tarde, essa proibição foi
revogada. [...]
Trabalhadoras urbanas e rurais:
A maior participação das operárias nas lutas por seus direitos deve-se, em primeiro lugar, a um grande número
de mulheres trabalhando no setor da indústria de transformação, número que correspondia, naqueles anos, a
65%, enquanto no setor metalúrgico, por exemplo era de apenas 17%, segundo dados estatístico oficiais.
[...] Na greve dos mineiros de Lafaiete, Minas Gerais, em setembro de 1948, greve que terminou depois de 37
dias, foi decisivo o papel das mulheres. Compreendendo a importância da greve, participaram das comissões
de vigilância organizadas pelos grevistas e impediram a ação dos fura-greves, ao mesmo tempo em que
buscavam o apoio e a solidariedade da população.
[...] Uma das mais belas páginas dessas lutas foi o heroico movimento de mulheres dos ferroviários da rede
mineira. No fim de 1949, era de 3 meses o atraso do pagamento dos ferroviários, muitos deles ausentes por
muitos dias de seus lares, levando e deixando a fome nas linhas férreas que se que se estendiam até Goiás [...]
Em uma noite de fome e desespero, com a Bandeira Nacional emprestada pelo vigário, e com a senha “Joana
vai casar”, um grupo de mulheres tomou o trem, como se fosse uma romaria e obrigou o maquinista, que se
chamava Orozimbo, a não avançar: as mulheres subiram à máquina, soltaram a pressão de caldeira, desceram
e se deitaram nos trilhos. Algumas desmaiavam de fome. Estavam desativadas as máquinas, os telégrafos, e
as forças de repressão, pelas mulheres dos ferroviários da cidade de Cruzeiro, em Minas Gerais, naquele fim
de ano de 1949 e começo de 1950.
6
Idem. Idem.
[...] O ano de 1950 foi marcado com o sangue da operária têxtil [...] Angelina Gonçalves, assassinada na cidade
do Rio Grande do Sul, em uma passeata de trabalhadores, no dia 1 de maio.
[...] Na Bahia, realizou-se uma Conferencia baiana de mulheres trabalhadoras, que foi instalada no dia 1 de
mio de 1956, em Salvador, e que discutiu diversos problemas: “sindicalização das trabalhadoras; criação de
departamentos femininos nos sindicatos; “salário igual para trabalho igual”; condições de trabalho; casamento
e gravides como impedimentos ao direito de trabalho para a mulher e condições das trabalhadoras nos
trapiches de fumo, nos armazéns de café e no beneficiamento de sisal”.
A I Conferência Nacional de Trabalhadores, cuja sessão inaugural foi na Câmara do Distrito Federal (RJ),
compareceram 231 delegadas de todo o país. Os trabalhos das comissões e as sessões plenárias tiveram lugar
na sede do Sindicato dos Têxteis, quando foram discutidos dois temas: “Direitos e Reivindicações das
Trabalhadoras das Cidades e do Campo e Participação efetiva das trabalhadoras na vida e nas atividades de
suas respectivas organizações “. [...]
[...] Embora em todas as oportunidades, em todos os documentos constatassem referências às condições e às
reivindicações das mulheres camponesas, foi naqueles anos, a II Conferência Camponesa do Triangulo
Mineiro, realizada em Uberlândia em 1954, que se reportando “à mulher do campo oprimida terrivelmente e
que não desfruta de nenhum direito”, aprovou um “Programa de reinvindicações das mulheres labradoras e
trabalhadoras agrícolas”: “ Direito de organização em Sindicatos e Associações; inclusão da mulher que vive
de salários nos contratos das fazendas e usinas, fornecimento pelos patrões de carteiras de trabalho e anotação
nas mesmas dos salários, férias, tempo de serviço, etc. a fim de gozar da proteção da Legislação social;
assistência à maternidade e à infância, gratuita, com assinatura de contratos entre os fazendeiros e usineiros
com os hospitais e as maternidades existentes nos municípios para atender rapidamente a todos os casos de
necessidades das famílias dos lavradores e dos trabalhadores agrícolas; construção pelo Estado e pelo
município de postos de puericultura, onde sejam atendidas rápida e eficientemente a todas as crianças dos
labradores e trabalhadores agrícolas, construção pelos fazendeiros e usineiros de poços próximos às casas de
moradia para facilitar o trabalho das mulheres e evitar a utilização das águas dos córregos sujeitas à
contaminação; concessão de licença de 3 meses com salários integrais às mulheres que vivem de salários e
ordenados, por ocasião do parto, conforme manda a lei”.7
A Liga Feminina do Estado da Guanabara, trouxe da Paraíba, da Cidade de Sapé, Elizabeth Teixeira, logo
depois do assassinato de seu marido Pedro Teixeira (1962), para que ela denunciasse, no RJ, até que ponto
havia chegado a sanha dos “senhores da gleba”, contra os que lutava – continuam lutando – por uma reforma
agraria. Os atos de denúncias e de solidariedade à Elizabeth Teixeira, que se multiplicaram na cidade do RJ,
estão registrados nos arquivos do Sindicato dos Bancários que apoiou essas manifestações, com grande
repercussão na opinião pública nacional. [...]
Em 1963, em um Congresso de Camponeses realizado em Belo Horizonte, Minas Gerais, nos encontraríamos
com mulheres que vinham das fazendas de cacau, das plantações de café, de colheita de cítricos, dos algodoais,
com seus rostos marcados de rugas precoces que mais pareciam cortes, rugas que não correspondiam às datas
de nascimento inscritas nas fichas e credenciais dos delegados daquele congresso. [...] Mas suas bocas se
abriam para contar as histórias de sofrimento e de opressão, as histórias de esperanças e de lutas e para cantar
o Hino da autoria de Raphael Carvalho: “A luta é necessária, e nós vamos lutar pela reforma agrária para nos
libertar”.
“Momento Feminino” – porta voz das lutas das mulheres:
Procuramos cuidadosamente em várias publicações sobre a imprensa brasileira e não encontramos nenhuma
referência ao jornal “Momento Feminino”, “Momento Feminino”, nasceu no dia 24 de junho de 1947, tendo
publicado artigos, reportagens, crônicas, poesias sobre a vida e as lutas das mulheres.
Foi um jornal muito útil no decurso de seus dez anos de vida, coordenando o trabalho de todas as organizações
femininas então existentes, difundindo as experiencias e seus programas, contribuindo para a conscientização
7
“O Momento. Edição de 17.11.1954
das mulheres. Era vendido nos seguintes Estados e Municípios, Bahia, Ceará Distrito Federal (Rio), Anápolis
(Goiás), todas as cidades do Triangulo Mineiro, Belo Horizonte (MG), Pernambuco, Paraná, Estado do Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul, SP – Capital e em Santo Amaro, Santo André, Taubaté, Sergipe, Goiânia (GO),
São Luiz (MA), Santa Catarina, Paraíba, Mato Groso, Belém (PA). Em suas páginas encontramos a maioria
das resenhas das organizações femininas: congressos, conferencias, assembleias, programas.
[...] “Momento Feminino” foi fundado por um grupo de mulheres cujos nomes devem ser conhecidos pelos
serviços prestados, guardando nas páginas de um jornal para as mulheres, feito por mulheres, a memória de
uma década de lutas. Eneida Moraes, jornalista e escritora: Silvia Chalreo, pintora, Arcelina Mochel, advogada
e líder feminista, eleita vereadora no RJ, em 1946; Heloisa Ramos e Luisa Lebon Regis.
Quem lê o seu número 102, de outubro e novembro de 1953, sabe o que se passou lá no interior de Alagoas,
em São José de Lages, contado por Maria Leocádia de Freitas; ou nos morros da cidade de Vitória; ou na
cidade de Nova Hamburgo, em Santa Catarina, onde existiam cerca de 300 fabricas de calçados, onde
trabalhava uma maioria de mulheres e não existia uma única creche; ou que fora fundada a Associação
Feminina de Juiz de Fora (MG), e outras associações em Ribeirão Preto e Franca, em SP.
Uma reportagem de Ethel de Souza, publicada na edição no. 107 de 1954 conta a vida (vida?) e a morte de
mulheres e as crianças das favelas do RJ. Nair Batista assina uma reportagem no n.109, de 1955, sobre a
“miséria que nem o rio-mar, o Amazonas, consegue carregar para a sua foz”. “Assim vivem nossas irmãs no
Campo” (n.109/1955) pode servir de fonte de informação para uma tese sobre o latifúndio. Niterói (RJ)
também tem morro e Alice subiu os morros que as mulheres subiam, todos os dias, com latas de água na
cabeça (n.110/1955)
Pode-se ler a denuncia de que na Usina Leão, em Alagoas, as mulheres ganhavam menos da metade do salário
dos homens. N. 110/1955). E Ethel de Souza, na mesma edição, denunciava a inexistência do ensino primário
gratuito e obrigatório como rezava a constituição. Outras denuncias no N. 111/1955, sobre o regime de
trabalho primitivo e desumano que pesava sobre as têxteis de Santo André (SP) e sobre a exploração brutal
das camponesas em Goiás onde até o corpo das mulheres era propriedade do latifundiário.
A reportagem publicada no n.112/1955, vem de Raposos (MG), “cidade de silicose e da viuvez”, onde
mandava a companhia inglesa “Saint John del Rey Mining Company”. Uma extensa lista de organizações
femininas e suas atividades consta no n. 112/1955, e as lavadeiras de Olinda aparecem na edição seguinte
falando dos sofrimentos que mancham suas vidas, manchas que nem o sabão e nem a água conseguem lavar.
“Momento Feminino”, durante 10 anos divulgou e homenageou o dia 8 de março, “Dia Internacional da
Mulher”, publicando as notícias das comemorações, no presente e no passado.
[...] um dos mais importantes arquivos de memória das lutas das mulheres [...]
Como o leitor pode perceber as mulheres souberam também criar seu órgão unitário de informação, de
conscientização e mobilização.
O presente trata das redes de solidariedade formadas por mulheres que mantiveram vínculos orgânicos com a ALN
(Ação Libertadora Nacional) e que prestaram os mais diversos tipos de colaboração a essa organização, participando
não apenas de ações armadas, mas desempenhando também um papel primordial na retaguarda do movimento9, 10.
Muitas destas mulheres integraram uma rede legal de colaboradores ou tornaram-se quadros da organização.
Figuraram nos documentos da repressão como mantenedoras ou filiadas da ALN, tendo respondido a processos na
8
Doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e Pós-Doutora pelo Instituto de Altos Estudos da América
Latina (IHEAL/Sorbonne Nouvelle). Bolsista CAPES n° 9593-11-0. Atualmente Pesquisadora Colaboradora da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Email: mariaclaudia_badanribeiro@yahoo.com.br
9
A tese Experiência de luta na emancipação feminina: mulheres na Ação Libertadora Nacional (ALN) está disponível on-line
http://www.cedema.org/uploads/Badan_Ribeiro-2011.pdf .
10
Centro de Documentação e Memória (CEDEM-UNESP). O Guerrilheiro n° 1.
Justiça Militar ou constando como foragidas nesta documentação. Algumas atuaram sem despertar suspeita e jamais
foram presas ou investigadas pelo regime militar.
Muito além do setor armado, que invariavelmente teve maior repercussão no período, principalmente no tocante à
participação da mulher cuja atuação foi muito desqualificada pela polícia política e pela imprensa da época (basta
verificar a utilização na imprensa da famosa “loira dos assaltos”), resgatamos a experiência de mulheres que fizeram
parte de uma esquerda anônima e que foram fundamentais para garantir a vida de pessoas, bem como permitir a
continuação das atividades da organização no Brasil, em especial nos momentos mais repressivos da ditadura.
Uma parte de sua contribuição à luta contra a ditadura civil-militar foi justamente a realização, dia após dia, de
uma quantidade incalculável de tarefas, que em geral a historiografia tradicional não levou em consideração. Nossa
tentativa foi a de mostrar que essas atividades quotidianas revestiram-se de novo sentido para essas mulheres ao mesmo
tempo em que sua atividade, por mínima que fosse, também representou enormes riscos. Cabe lembrar o clima de terror
e suspeita da época. A imprensa estava amordaçada. À menor suspeita, a polícia fechava o campus das universidades e
colocava todos para marchar, inclusive motoristas e cobradores de ônibus. O livreiro na universidade poderia ser um
traidor em potencial (MELONI, 2009, p. 13).
Não havia segurança dentro da própria casa. Telefones eram controlados e não faltava trabalho para quem quisesse
trair seu semelhante. Medo: de ter sido vítima da delação de algum ressentido, de estar com o nome numa agenda
apreendida, do vizinho do lado, do colega de trabalho recém-contratado (MELONI, 2009, p.27-29).
As pesquisas realizadas nos 80 processos da Justiça Militar relacionados à Ação Libertadora Nacional (ALN), e
consultados no Acervo Brasil Nunca Mais do Arquivo Edgard Leuenroth revelam que foi justamente essa parcela de
colaboradoras a primeira a ser atingida pela repressão e, não obstante a compartimentação dos grupos armados, essas
pessoas formaram uma ampla rede de apoio, ainda de todo desconhecida pela historiografia.
Muitas dessas mulheres sequer chegaram a ser fichadas pelo DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social), tendo
suas qualificações totalmente ignoradas pela polícia. As suas condenações junto aos Tribunais Militares também não
refletem a militância que tiveram. Os processos da Justiça Militar eram instaurados com frequência, sem qualquer
comprovação de sua atuação política, havia pessoas presas por engano, ausência de exame caligráfico em documentação
apreendida e provas completamente forjadas. Por outro lado, os julgamentos judiciais, lançavam mão de que a militância
feminina tinha sido motivada por seus cônjuges ou companheiros, que se aproveitaram da ingenuidade e da boa fé
feminina para realizarem atividades para a organização.
Mesmo os advogados de defesa na ânsia de evitar condenação de suas clientes, apelaram para a imagem angelical
da mulher, para sua educação “à moda antiga”, e para o fato de estarem cumprindo seus papéis de esposa em obediência
aos seus respectivos maridos. Basta a demonstração destas questões presentes nos inquéritos policiais militares, para
compreender que a militância das mulheres foi ocultada pelos documentos da época.
A colaboração dessas mulheres foi parte também das transformações que se processaram na sociedade da época
com relação à presença da mulher no espaço público. Os anos de 1960 trouxeram a mulher à cena pública de forma
definitiva. Sua luta coincidiu e foi consequência de uma série de fatores do contexto político-econômico brasileiro. A
industrialização e o êxodo rural ampliaram a perspectiva da mulher ao colocarem-na em contato com novas formas de
vida e organizações da sociedade urbano-industrial. Elas engajaram-se de forma crescente em movimentos e associações
de bairro, tiveram acesso à educação, passaram a fazer parte da população economicamente ativa. A mudança deu ensejo
à luta pela transgressão de normas e códigos de gênero de forma mais acentuada, quando uma quantidade maior de
mulheres passou a viver nas cidades.
É claro, que aliado ao embate de ideias, e à ebulição política do período, verificava-se progressivamente na
sociedade um relaxamento das regras no comportamento social, que deixavam à mostra, tanto a necessidade de romper
com atitudes conservadoras, como uma politização intensa que permeava cada vez mais as relações interpessoais 11.
Militantes políticas também tiveram que conviver com o comportamento conservador de pais e mães. A mãe de
Jessie Jane, por exemplo, tinha receio de que a filha se transformasse em “mulher de aparelho”. Vera Lúcia Xavier de
Andrade, filha de um alto funcionário da construtora Odebrecht, sofreu com o rompimento de seu pai, ao dar um
depoimento sobre sua vida sexual-afetiva para a revista Realidade. Somente reataram as relações, quando Vera saiu da
prisão. Esta relação conflitiva também transparece, tanto para homens como para mulheres, nas poucas cartas de
despedida trocadas durante a militância ou no interior da prisão,
Mãezinha querida,
Perdoa-me tudo o que de mal lhe possa causar. Perdoa-me o que talvez pareça mais uma de minhas
loucuras. Parti hoje porque precisei. Talvez não compreenda. Eu cometi erros no passado. Sofri
barbaramente e injustificadamente sob pretexto de pagá-los. Hoje estou só, vazia e amedrontada. Sei
que aí em casa eu serei sempre um problema. Sei que a minha presença traz insegurança a todos e que
11
Até passado recente, por exemplo, as mulheres não tinham a mesma igualdade jurídica dos homens. Seu cônjuge podia interferir
tanto na sua vida profissional como desautorizá-la a realizar qualquer atividade sem sua autorização expressa. Uma mulher casada
não podia abrir conta em banco, nem se inscrever numa universidade, e, em menor grau ainda, sair desacompanhada. O divórcio,
por exemplo, até o ano de 1962 era classificado como um aspecto social negativo ou patológico. Esse dado encontra-se na
“Estatística do Século XX”, num estudo promovido pelo IBGE. Disponível em <:
http://www.ibge.gov.br/seculoxx/estatisticas_populacionais.shtm. Acesso: junho de 2008.
o papai jamais me perdoará o meu passado. Não sei ao certo o que vou fazer, nem para onde vou. Maria
Alice 19/05/197112.
Partimos. Sei que se nós lhe falássemos, iria se opor. Ficamos com saudade bastante, mas esta é a
solução quando um país inteiro morre de fome e se é jovem bastante para não se acomodar diante de
tanta injustiça. Qualquer que seja nossa sorte, sei que não terá motivo para tristeza [...]. Pedimos que
não culpe a ninguém em hipótese alguma, já que nosso ideal revolucionário vem de há muito. Eiraldo13.
Maria Lúcia Alves Ferreira (Malu) demorou alguns anos para se reconciliar com seu pai, que se sentiu traído por
não saber que a atuação da filha ia muito além do movimento estudantil.
O engajamento destas mulheres foi ganhando intensidade e abrindo novas perspectivas. Uma das militantes da
época afirmou ainda jovem ao tomar contato com a literatura revolucionária, “li o Manifesto Comunista e saí dando
minha bicicleta. Entendi pelo tinha lido, que tinha que ser despossuída 14”.
É com orgulho que algumas delas, especialmente em cidades do interior, tornaram-se as primeiras mulheres a
andarem de calças compridas, como afirmou Albertina Pedrassoli. Sair da casa dos pais também era vivido como sinal
de autonomia e independência para muitas delas, assim como a obtenção de trabalho representava independência
financeira de pais, maridos ou irmãos mais velhos15.
A participação da mulher na luta armada foi também resultado desta mudança de paradigma em curso, demonstrada
pela sua capacidade de rebelião e resistência, pela sua inserção em estruturas de guerra e de combate, modificando o
ideário da dona de casa inserida no espaço do lar e circunscrita à figura da mãe de família, da mulher casta e bem
comportada. A luta política se somou assim, à luta de liberação feminina e a ideia da revolução colocou em cheque, não
sem dificuldade, o quadro de pensamento da época e o modelo que em geral se aceitava na sociedade.
O Despertar
A resistência partiu claro, inicialmente, de uma escolha individual. A necessidade de ajudar incitou mulheres (e
também homens) que não tinham muitas vezes, vocação nem formação política definida ou muito clara, a participar da
oposição ao golpe militar. Estimulou também em momentos posteriores, a que eles aderissem organicamente às
organizações de luta armada, trazendo contribuições que foram muito além de um suporte material. No tocante às
mulheres, verifica-se que elas utilizaram progressivamente todos os espaços de vida para a ação política: a família, os
amigos, a escola, o trabalho, seus momentos de lazer.
A política, identificada como parte do universo masculino, num espaço em que as mulheres tinham pouca
visibilidade, foi se transformando também à medida que a esquerda brasileira – não em sua totalidade – afastava-se de
modelos fechados e antidemocráticos. A descoberta pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) dos crimes de Stálin foi a
consequência também de modificações nas práticas políticas da época, associadas anteriormente ao burocratismo de
Estado e à supressão das liberdades. No contexto ditatorial brasileiro, no entanto, o Partido Comunista e sua linha
pacífica não conseguiram manter sua hegemonia em meio às forças de esquerda mais combativas, perdendo sua
credibilidade, após o golpe civil-militar. O ano de 1965 caracterizou-se particularmente por essa mudança de posição
dos núcleos estudantis, culminando com as grandes mobilizações de rua e com a entrada de muitos jovens nas incipientes
organizações guerrilheiras nos anos de 1967 e1968.
Surgia uma nova esquerda no cenário brasileiro, avessa às propostas do partido comunista local e influenciada por
um novo rol de ideias e símbolos que tanto criticavam o capitalismo, como discordavam do socialismo soviético.
Deixava-se progressivamente de lado o socialismo comedido do partido para uma atuação interna mais incisiva e direta,
quando o poder passou a estar na ponta do fuzil. E neste caminho, a Ação Libertadora Nacional ALN se anunciava como
uma alternativa estimulando as mulheres a lutarem ombro a ombro com militantes homens. Desde os primeiros
documentos produzidos pela organização, a participação feminina na guerrilha ganhou destaque:
[...] A participação da mulher no movimento revolucionário desde o primeiro momento constitui assim,
uma garantia de êxito futuro e uma arma terrível contra o conservadorismo e a vacilação. Na luta
revolucionária, não há homem que queira retroceder quando na vanguarda encontra a mulher
combatendo16.
A figura de Carlos Marighella também encorajou estas mulheres a aderirem à ALN. Por muito tempo, o dirigente
foi assistente das bases femininas criadas pelo Partido Comunista (PCB) e sempre estimulou os homens do partido a
trazerem suas mulheres para as plenárias (TEIXEIRA, 2009, p.233).
No caso feminino, defender um sentimento de afirmação como mulher também esteve na origem da militância, em
meio ao ambiente circundante. A transgressão na ordem dos costumes deu lugar a mulheres fortes e decididas. O
rompimento destas mulheres com a sociedade patriarcal já vinha se dando anos antes e se intensificou nos anos de 1960
12
Carta de Maria Alice Campos Freire. Arquivo Edgard Leuenroth. Acervo Brasil Nunca Mais, Processo 172, p. 296-297.
13
Carta de Eiraldo Palha Freire. Arquivo Edgard Leuenroth. Acervo Brasil Nunca Mais, Processo 537, p. 197. Eiraldo foi morto
pela ditadura no episódio da tentativa de sequestro do avião Caravelle, pela ALN, em julho de 1970 no Rio de Janeiro.
14
Depoimento de Vera Sílvia para o documentário produzido pela TV Câmara. Memória Política. Vera Silvia: a história de uma
guerrilheira.
15
Os primeiros concursos para mulher bancária, por exemplo, uma profissão majoritariamente dominada por homens foram abertos
em 1969.
16
Centro de Documentação e Memória (CEDEM-UNESP). O Guerrilheiro n° 1.
no interior da família, contra o Estado opressor ditatorial e no âmbito dos costumes e da sexualidade. Se a perspectiva
de futuro para a mulher deixou de ser o casamento, a alavancada profissional deixou de ser a máquina de costura.
Necessário considerar que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi uma escola de formação de muitas mulheres,
que depois pertenceriam à ALN. Destacou-se nesse sentido, a Liga Feminina da Guanabara que fundada em 21 de abril
de 1960 integrou-se num amplo movimento de combate à carestia de vida, recolhendo também assinaturas para levar
caravanas de representantes à Brasília. Suas propostas foram entregues ao Presidente da República João Goulart, que
encontrava nelas um apoio para suas Reformas de Base. A Liga lutou também em 1964 pela anistia dos sargentos, fez
campanha contra os frigoríficos, denunciando o aumento do preço da carne e do leite em sucessivos comícios na Central
do Brasil e na Vila Leopoldina17. Algumas de suas mulheres integraram e/ou mantiveram vínculos com a ALN como
Antonieta Campos da Paz, Zilda de Paula Xavier Pereira, Clara Sharf e Ana Montenegro, que embora não tenha aderido
à luta armada, alojava frequentemente Carlos Marighella em sua casa.
Antonieta Campos da Paz assinava reportagens no Imprensa Popular, jornal do Partido, e foi a responsável pela
criação de uma revista intitulada Momento Feminino. Durante sua militância na ALN acolhia pessoas perseguidas,
permitiu um curso de explosivos em sua casa, guardou malotes de dinheiro retirados de bancos, e foi a responsável por
muitos levantamentos para as ações armadas da organização. Segundo sua filha Mariza, Antonieta nunca passou do
primário. O partido foi para ela uma verdadeira escola de vida, e tudo que aprendeu foi adquirido nos cursos de política
do PCB18.
Clara Sharf foi a primeira mulher a criar a Associação de Mulheres de Pernambuco. Participou do Conselho do
Partido Comunista através do qual conheceu Carlos Marighella, e mesmo sendo a esposa do homem mais procurado
pela repressão no Brasil, escondeu pessoas em sua casa e ajudou na manutenção financeira das famílias de militantes
que iam a Cuba, fazendo constantes doações de roupas, alimentos e remédios.
Edith Negraes Brisolla, também passou a dar apoio logístico à ALN, como atesta sua sobrinha, também militante
da organização, “quando veio o AI-5 e a repressão se tornou muito maior, minha tia me propôs fazer uma lista de pessoas
que poderiam dar esse apoio logístico, importante, conforme ela já sabia pela militância passada (no PCB) [...]” 19.
Se o partido foi um aprendizado para muitas mulheres, que a partir dele, se inseriram na política, para outras, ele
teve apelo pequeno ou gerou grandes frustrações, levando ao seu rompimento. Esse foi o caso de Miriam Malina que
viveu em Moscou onde concluiu o curso de Direito na Universidade Patrício e Lumumba para depois, no Brasil, se
incorporar à organização. Da mesma maneira, Neuza Santanna Pinheiro Coelho jornalista do Ultima Hora20, e colega
de trabalho Joaquim Câmara Ferreira (Toledo)21.
Maria de Lourdes Rego Mello, formada em filosofia pela Universidade da Bahia e ligada ao Partido Comunista,
era o braço direito de Toledo na ALN. Era a responsável pelos contatos com os militantes que chegavam de Cuba, pela
obtenção de locais de encontro para reuniões e por uma série de outras tarefas no interior da organização 22.
Para muitas delas, a conscientização política deu-se também a partir do viés religioso, acompanhando a sensível
transformação da igreja daqueles anos e associando militância a trabalhos assistenciais ou a cursos de alfabetização. O
ambiente dos internatos religiosos, que muitas delas frequentaram, pode ter colaborado também para o desejo de
modificação de costumes por parte dessas mulheres. A passagem por esses lugares foi ocasião de se defrontarem, em
maior ou menor grau, com o pensamento conservador da Igreja 23 ou, em alguns casos, com linhas até mais progressistas.
Moema São Thiago, por exemplo, acompanhava durante a faculdade, o grupo de alfabetização de Dom Fragoso em
Fortaleza. Arlete Diogo realizava educação de jovens na Favela da Vila Prudente, e, na Vila Zelina, onde morava,
também organizou um grupo de discussão política e panfletagens.
Ana Corbisier foi desde garota muito influenciada pelos trabalhos assistencialistas realizados pela tia na Favela da
Vila Altino passando a desenvolver posteriormente trabalho junto da Organização de Auxílio Fraterno (OAF), enquanto
cursava Ciências Sociais na USP. Participava também de todas as atividades promovidas pelos dominicanos, assistindo
aos cursos promovidos pelo Frei Carlos Josaphat, e realizando distribuição nas ruas do jornal Brasil Urgente.
Maria Lygia Quartim de Moraes, por exemplo, foi despertada pelo trabalho de assistência social desenvolvido por
sua tia Nadir Kfouri, fundadora do Partido Democrata Cristão. Sua visão de esquerda, como disse, foi muito influenciada
pela visão cristã, adquirida em colégio interno, para depois mergulhar na literatura de Simone de Beauvoir.
17
Cf. PAZ, Mariza Campos Da. Nieta dos campos da paz. Rio de Janeiro, Mauad X, 2012.
18
Entrevista de Mariza Campos da Paz, Rio de Janeiro, 06 de julho de 2010.
19
Entrevista de Sandra Negraes Brisolla, Campinas (SP), 24 de outubro de 2008.
20
A primeira edição da Ultima Hora foi lançada em 12 de junho de 1951. O jornal nasceu em um período de forte efervescência
política e social, e em apoio a Getúlio Vargas, presidente até então do país. O jornal esta disponível no acervo on-line do Arquivo
do Estado de S. Paulo< http://www.arquivoestado.sp.gov.br/uhdigital/>
21
Neuza Coelho integrou-se à ALN e era ativa militante no movimento sindical do Porto de Santos e no Sindicato dos Jornalistas
de São Paulo, do qual foi também, uma de suas fundadoras. Cf. Mulheres Jornalistas formam Coletivo no Sindicato. In: Unidade.
Jornal dos Jornalistas, março de 2010, edição n°325, p. 5.
22
Caetano Veloso fez uma homenagem a Maria de Lourdes, “Lurdinha”, sua colega de classe, confessando que foi graças a ela, que
ele deu apoio à Ação Libertadora Nacional (ALN). (Globo, 11/09/2011). Cf. Fonte: http://bahiaempauta.com.br/?p=47497
23
Maria Lygia Quartim de Moraes escutava na sala de aula: “melhor casar que abrasar”. Vera Gertel em suas memórias, afirma que
para ser contratada como atriz na época, foi obrigada a realizar exame contra doenças venéreas
Norma Leonor Hall Freire jornalista da revista Realidade afirma que antes de qualquer tipo de ideologia, o despertar
de uma consciência feminina parece estar na base de seu desejo de mudança. Foi educada no ambiente conservador de
um Colégio de Freiras, do qual foi expulsa por transgredir o regulamento. Outras militantes da ALN também
frequentaram estes colégios como Darci Toshiko Miyaki que estudava no Maria Imaculada em São Paulo, e Lídia
Guerlenda que descreveu à pesquisadora Ruth Lima, a dificuldade que teve para romper com sua formação religiosa
quando passou a militar24.
Moradora do bairro Taquaral em Campinas, interior de São Paulo, Diva Maria Burnier realizava trabalhos de
conscientização junto ao Padre Milton Santana da Igreja Nossa Senhora de Fátima na cidade. Oriunda também da
Juventude Católica, Yara Gouvêa, na época estudante de Letras na USP, acompanhou todos os seminários realizados
por padres estrangeiros que vinham ao Brasil naquele momento, e que pregavam a necessidade da integração do
intelectual à vida operária. Como ela diz, “[...] minha primeira atuação foi realmente imbuída desse espírito das leituras
das encíclicas todas, a gente estudava aquelas encíclicas, de João XXIII, todos os documentos de Medelín [...]” 25.
Ana Maria Ramos, militante do movimento secundarista também esteve ligada à Igreja Metodista, que formava na
época moças para serem missionárias da Igreja, antes de entrar na ALN. Sua turma foi a última a se formar, pois, pouco
tempo depois o Instituto Metodista foi fechado pelo regime militar.
Tereza Poggi, italiana que se transferiu para o Brasil para realizar trabalhos junto a Dom Helder Câmara na capital
pernambucana começou muito naturalmente a prestar solidariedade arranjando casas para esconder militantes
perseguidos. Partindo para São Luís do Maranhão passou não só a receber pessoas em sua própria casa, mas a ajudá-las
com recursos médicos e financeiros. Acolhendo pessoas, também permitiu o desenvolvimento de um trabalho político
junto às quebradeiras de babaçu na região.
O protagonismo político feminino contrastava, contudo, com a forma de atuar do regime, cuja ideologia não só
naturalizou as diferenças macho/fêmea, mas tratou de criar um arcabouço de ideias que procuravam desmobilizar
politicamente a mulher, apelando para comportamentos que “ameaçavam” a família brasileira.
A oposição política era dirigida e seletiva, e em especial contra a mulher militante. Já é conhecida a frase de um
torturador a uma mulher; “agora, sua puta, você vai parir eletricidade!” E de outro que, dizia a uma militante de Brasília,
“Vou colocar seu bebê numa bacia com gelo e vou deixa-lo até virar sorvete. Depois, vou quebrar um por um os seus
ossinhos. Esse vai ser seu castigo, para que nunca se esqueça do que fez em seu passado 26”.
Era uma maneira fácil de se livrar delas, colocando a opinião pública contra a oposição política que faziam. Sem
mencionar a internação destas mulheres em Manicômios Judiciários, cujo caso mais flagrante, foi o de Sylvia
Montarroyos alguns dias após o golpe de estado, internada no Manicômio da Tamarineira em Pernambuco e de Zilda
Xavier Pereira entregue pela repressão ao Instituto Pinel do Rio de Janeiro.
Também podemos destacar o papel do Juizado de Menores, que pouco fez pelas adolescentes detidas e torturadas,
como Maria Alice Campos Freire, Rosângela Alves Japiassu, Ilma Noronha ou mesmo homens como Jorge Wilson
Fayal que estavam na linguagem do regime, “sujeitos à legislação especial”.
24
Cf. LIMA, Ruth Ribeiro de. Nunca é tarde para saber: histórias de vida, histórias da guerrilha. 1998. Tese (Doutorado em História
Social), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
25
Entrevista de Yara Gouvêa, Brasília, 8 de julho de 2010.
26
Depoimento de Gilse Cosenza. Contos da Resistência n° 1. TV Câmara. 24/03/2004.
Verificamos por outro lado, que algumas mulheres tinham pais ou parentes conservadores, não raro aliados ao
esquema repressivo de Estado, a Ministros e a personalidades políticas (civis e militares) da época. O parentesco,
contudo, não serviu como fator de desmobilização para essas mulheres, que souberam utilizar as brechas e as
informações de governo, para impulsionar o movimento revolucionário. O pai de Maria Lygia, por exemplo, costumava
se encontrar casualmente com Romeu Tuma nos jogos de bocha nos fins de semana. Sabendo através de seu pai, dos
vínculos mantidos por Tuma no DOPS, Maria Lygia preveniu a organização.
A mãe de Ana Corbisier era secretária executiva do IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais) e trabalhava
com Golbery de Couto e Silva em São Paulo. Andava com seus arquivos em seu carro e circulava no meio dos
empresários. Amigos e conhecidos da família de Leda Gitahy, por exemplo, tinham graus de parentesco com a família
Camargo Correia. Não que isso os tornasse, por razões de família, apoiadores do regime. De qualquer forma, alguns
alertas chegavam até Leda para que evitasse presença nos protestos de rua.
A repressão era capaz de dividir famílias, de provocar cizânia entre pais e filhos, de colocar irmãos contra irmãos.
A ditadura muito habilmente estimulava a delação, a traição, e toda a sorte de baixezas possíveis na obtenção de
informações. Um assunto doloroso para as famílias, e não menos incômodo para Guiomar Silva Lopes. No afã de ajudá-
la a abreviar seus anos de cadeia seus pais foram influenciados a escrever uma carta de apelo, sem o conhecimento de
Guiomar, a Emílio Garrastazu Médici. Esse fato a desgostou tão profundamente que Guiomar tentou o suicídio na prisão.
Diva Burnier não encontrou muito apoio em sua família. Sobrinha do Brigadeiro João Paulo Burnier, idealizador
da Operação Para-Sar27, sua militância foi motivo de grande vergonha para os pais, que se mudaram de Campinas após
trinta anos morando na cidade. Sua mãe a visitava na cadeia, seu pai bem menos.
Yara Gouvêa também teve uma relação complicada com seu pai, apoiador do regime e oficial do Exército. Tinha
receio de que o próprio pai a entregasse para a repressão, pois ele mantinha relações muito íntimas com o pessoal da
Escola de Cadetes de Campinas. No DOPS, como ela afirma, tentaram obrigá-la a assinar um documento negando sua
militância política,
Meu pai e um outro delegado queriam que eu assinasse um documento, porque foi o momento que eles
faziam depoimentos falsos dizendo que você tinha sido induzida a participar [...] era o momento em
que eles começavam a pôr pessoas na televisão, os arrependidos. Isso foi feito, eles tentaram fazer isso
comigo28.
Moema São Thiago era sobrinha do deputado Flavio Marcilio responsável pela vinda ao Brasil do coronel
salazarista Hermes de Araújo Oliveira, convidado para dar aulas sobre Guerra Revolucionária e Contra Guerrilha.
Pelo acima exposto, salta aos olhos o desprendimento e coragem destas mulheres, firmes em suas escolhas. No que
se refere ao engajamento na ALN, devemos considerar que o denominado setor de apoio da organização, deu ampla
contribuição na luta contra a ditadura, prolongando a existência da ALN. Além de egressas do partido comunista, a ALN
teve representantes em escolas, centros culturais, empresas, fábricas e repartições públicas.
Ao se falar, porém na atuação das mulheres nas estruturas de apoio da guerrilha, reafirma-se constantemente que
esse tipo de atividade corroborou um papel feminino tradicionalmente marcado pelo “cuidado” com o outro, não sendo
por isso caracterizada como uma participação transgressora e de rompimento com o pensamento conservador da época.
Sua atuação pública ficaria restrita então, ao que a filósofa Sara Ruddick chamou de “pensamento maternal”, definido
como o ato interessado em manter e preservar a vida (RUDDICK, 1982: p. 76-94).
Essa interpretação desconsidera o papel de interferência que esse setor teve no movimento revolucionário, e
principalmente não explica todos os níveis de participação que mulheres e também homens tiveram no movimento de
resistência. Na política de ampliação de quadros da Ação Libertadora Nacional (ALN), foco de nossa pesquisa,
verificou-se que o processo de recrutamento respeitava as diferentes potencialidades de cada militante – fossem eles,
homens ou mulheres – que podiam contribuir de muitas maneiras dentro de suas habilidades pessoais ou de aspectos
relacionados à sua personalidade.
A estrutura horizontal da Ação Libertadora Nacional (ALN) contribuiu para fortalecer o sentimento da mulher de
ser protagonista da história e motor da mudança política. Estabelecendo a autonomia de ação como sua linha estratégica,
a organização impulsionou a participação política da mulher quando a militância passou a ocupar todos os espaços de
sua vida. Atuando em rede, estas mulheres realizaram uma variedade de atividades revolucionárias que não estavam a
priori, definidas como funções femininas ou masculinas e nem expressavam divisões sexistas no interior do grupo.
Além disso, quando se menciona a ausência da mulher em postos de comando no interior da ALN, deixa-se de
considerar toda a atividade desempenhada por elas em vários outros setores da organização, de igual ou maior
importância. As mulheres estiveram em todas as frentes de luta no interior da Ação Libertadora Nacional (ALN),
utilizando todos os espaços de vida para a ação política e emprestando seus talentos e suas competências na luta contra
a ditadura civil-militar.
27
A operação PARA-SAR, também conhecida como o Atentado do Gasômetro diz respeito a um plano de extrema direita
arquitetado pelo brigadeiro Joao Paulo Burnier em 1968 que visava empregar o esquadrão de resgate Para-Sar na detonação de
explosivos em atentados em diversas vias públicas do Rio de Janeiro, que seriam atribuídos aos movimentos de esquerda.
28
Entrevista de Yara Gouvêa, Brasília, 8 de julho de 2010.
A simples posse de material dito “subversivo” em casa, independente de sua difusão, já configurava delito contra
a Segurança Nacional, passível de pena pelo AI-5. Leslie Denise Belloque, por exemplo, foi presa sob esta alegação e
sua irmã, Carmem Belloque, por ter lhe prestado dinheiro...
Embora o eixo Rio - São Paulo tenha se destacado como o local privilegiado de atuação da organização, a ALN
esteve presente em muitos outros estados brasileiros, como Minas Gerais, Goiás, Brasília, Paraná, Espírito Santo,
Pernambuco, Ceará. No interior do estado de São Paulo ela também atuou como em Marília, Bauru e Ribeirão Preto.
Em cada estado a mulher atuou de forma diferenciada, tentando realizar trabalho de conscientização social, se inserindo
no movimento camponês, mesclando-se aos trabalhos das pastorais, utilizando as estruturas que os locais ofereciam para
a criação de bases de sustentação, áreas de recuo tático, rotas de saída para seus militantes. Em todos estes locais, sempre
houve o trabalho das mulheres. Quem se encarregava da base de Ribeirão Preto (SP), por exemplo, que serviria como
recuo tático para a ALN, era Ilda Gomes, viúva de Virgílio Gomes da Silva.
Pouco se sabe, por exemplo, da relação que foi estabelecida entre a organização e os remanescentes da Guerrilha
de Trombas e Formoso. Foi uma mulher pertencente à Corrente Revolucionária de Minas, já em fase de fusão com a
ALN, que foi enviado a Goiás para contatar estes militantes. Em Pernambuco, na Zona da Mata, havia um grupo de
mulheres que realizavam encontros com os camponeses nas plantações de cana de açúcar. Para a polícia local, a primeira
inspeção realizada era nas pernas, se encontrassem cortes, era a prova de que estavam envolvidas em “subversão”.
Em Mato Grosso, algumas mulheres utilizaram seus conhecimentos de enfermagem, para se inserir na região e
desenvolver trabalho político. Em Santos, Marighella contava com um núcleo de professoras que se reuniam
clandestinamente na “cidade vermelha” para discutir com o até então, Agrupamento Comunista de São Paulo, a proposta
de luta armada. Entre elas, uma diretora de escola, que anos mais tarde foi presa e fichada pelo DOPS.
Um elemento inovador, trazido pela pesquisa, foi mostrar como a militância política foi diversificada para estas
mulheres. Quando vemos mais de perto esta experiência, observamos que não havia uma distinção muito clara entre
vanguarda e retaguarda no movimento armado, e que muitas vezes não faz sentido em se falar da atuação feminina no
GTA (Grupo Tático Armado), quando na realidade, a ALN estimulou e utilizou, de acordo com as necessidades do
momento, as competências e talentos individuais de cada uma delas para a execução de muitas tarefas.
Isso não quer dizer que as mulheres que participaram de ações armadas, não devam ser lembradas. Foram firmes e
corajosas, estando sempre dispostas a combater como soldados, manejando com destreza as armas de fogo e mantendo
sangue frio permanente. Suas experiências foram além do que se convencionou chamar de “repouso do guerrilheiro”,
resultado da repugnância tradicional em relação à participação feminina em conflitos armados. Considera-se mais
frequentemente mulheres como vítimas dos conflitos políticos do que como sujeitos capazes de administrar o combate
e a morte.
Claro, que estar numa ação armada, trazia uma “recompensa” mais imediata para o militante, fosse homem ou
mulher, a se considerar que na época, o apelo era pela ação armada. Embora a ação armada fosse o elemento final numa
“guerra de guerrilhas”, não era apenas ele que determinava o valor de um quadro. Tanto é que Marighella era favorável
à manutenção do braço legal na organização, que além de diminuir os custos com a sobrevivência dos quadros
clandestinos, colaborava no recrutamento de gente. Para o dirigente, a passagem de um tipo de luta para a outra, não
excluía nenhuma delas. Nas tentativas de alianças que Carlos Marighella empreendeu esta máxima está presente. O
dirigente se reuniu com de um espectro largo de contatos, políticos e intelectuais justamente porque esta rede de apoio
era extremamente importante.
A ALN foi formada por muitos desses profissionais que funcionaram como mantenedores logísticos da organização
que, através de imóveis, de empresas privadas ou outros estabelecimentos particulares ou públicos, arrecadavam
dinheiro para organização. Estabelecimentos de ensino, estacionamentos de automóveis, casas de Xerox, óticas,
fotópticas, farmácias também foram utilizados pela organização quando não comprados por ela para servirem à luta
armada. Nesses locais realizavam-se reuniões clandestinas, impressão de material e arrecadação de dinheiro.
Militantes da ALN reuniam-se à luz de velas no interior da Ótica Riviera em Ribeirão Preto propriedade do pai de
Paulo Eduardo Pereira29, e iam treinar tiro na chácara de Waldemar Tebaldi no interior de São Paulo. Carlos Guilherme
Penafiel mantinha um estúdio fotográfico que servia à organização e Lúcia Novaes foi presa e acusada de abastecer a
guerrilha de títulos eleitorais, trabalhando no interior do Tribunal Regional Eleitoral.
Idnaura Marques era enfermeira e recolhia medicamentos para enviar à Guerrilha do Araguaia 30. No Hospital
Samaritano de São Paulo (SP), Lúcia Airosa mantinha num cofre documentos, medicamentos e instrumentos cirúrgicos
que teriam mesmo destino. Regina Elza Solitrenick psiquiatra, utilizava a Casa de Repouso onde trabalhava em Santo
André (SP), para abrigar pessoas perseguidas, até que elas pudessem deixar o país. Passava recado e diretrizes da
organização dentro de comprimidos de optalidon e, quando presa, ajudou a cuidar, como psiquiatra, de companheiros
de cela enlouquecidos pela tortura. Francisco Romero abriu uma autoescola no interior de São Paulo que servia à ALN
e Ana Maria Ramos até ser presa, era responsável por providenciar para a organização casas que servissem como
“aparelho”.
29
Entrevista de Maria Aparecida Santos, Ribeirão Preto, 28 de novembro de 2008.
30
Houve um acordo de cooperação entre a ALN e o PC do B. Depoimento de Carlos Eugênio Paz, São Paulo, 21 de setembro de
2003.
A formação de um guerrilheiro/a completo também era encorajada (cerca de trinta mulheres, por exemplo, foram
enviadas a Cuba para realizar treinamento de guerrilhas) e quase todas as mulheres sabiam atirar, ou tiveram um contato
mínimo com armas para defesa pessoal.
Por outro lado, os militantes da ALN, continuaram a utilizar os conhecimentos e contatos adquiridos no interior do
Partido Comunista (PCB), e em especial nos períodos mais críticos. Quadros do partido também ajudaram, seja
acolhendo, passando um dinheiro, ajudando a sair pela fronteira ou desmontando um mimeógrafo. Isso, claro, dependeu
mais da disposição pessoal de seus militantes, do que do partido, já que a posição política do Comitê Central era
diametralmente oposta à ideia da luta armada.
As mulheres abrigaram em suas casas cursos de explosivos, rodavam material político para distribuição nas
universidades e nas fábricas, realizavam levantamentos, atuavam como pombos correio no interior das prisões e como
portadoras de mensagens aos quadros da organização que estavam atuando no exterior. O panfleto atirado no
justiçamento de Boilesen, por exemplo, foi escrito por uma mulher. O setor de inteligência da organização estava
entregue também a duas mulheres. Conhecida é a atuação de Zilda Xavier Pereira, responsável por coordenar o trânsito
de militantes entre Brasil e Cuba. Pessoa de extrema confiança de Carlos Marighella, Zilda também desempenhou um
papel chave no estabelecimento de contatos no campo, organizando também a partida de militantes para as regiões do
Araguaia, Mato Grosso e Pará31. Sua filha, Yara Xavier Pereira, era quem difundia as notícias da Rádio Libertadora.
Ana Maria Nacinovic, por exemplo, além de carregar metralhadora, desenhava para os periódicos da ALN.
Tânia Mendes recolhia informações sobre a contribuição de dinheiro das empresas para a OBAN. Realizava um
trabalho estratégico para a ALN na gerência de marketing da Pirelli. Foi lá que descobriu não só que Albert Henning
Boilesen, diretor da companhia Ultragaz, alertava suas congêneres para o perigo das organizações armadas, mas se
deparou também com os organogramas das organizações armadas publicados junto aos boletins cambiais das empresas.
Ruth Tegon, por exemplo, trabalhava na época na Scala D’Oro, uma empresa de tecidos finos cuja diretoria
pertencia a um afilhado do Ministro da Economia Delfim Neto. Como parte das empresas que mantinham vínculos com
a OBAN, a Scala D’Oro recebia a visita de muitos militares, todos à procura de sedas para suas amantes.
Exercendo a profissão de jornalista, Norma Leonor Hall Freire também utilizou seu trabalho para repasse de
informações. Atuou como pombo correio no interior da ALN utilizando a rede dinâmica de contatos de sua profissão
para ajudar pessoas. Vilma Ary porta voz do movimento estudantil paulista na área de Educação no jornal, Folha de
São Paulo realizou muitas coberturas de passeatas estudantis, não sem os riscos que isso envolvia, apurando também as
mentiras plantadas na imprensa pela repressão 32.
Darci Miyaki fez treinamento militar na Coréia e em Cuba. Na casa de Nair Breyton realizavam-se os encontros
de Marighella com os militantes de São Paulo. A lista dos 15 banidos que saíram em troca do sequestro do embaixador
americano foi confeccionada ali. Presa, a casa entrou para os jornais como a “Casa do Terror”.
Outras mulheres cuidavam, junto de seus maridos, das propriedades compradas no campo pela ALN, com escritura
legal de terra. Nos documentos da repressão, encontram-se muitos contratos de compra de terra anexados aos processos
em locais como Vitória de Santo Antão (PE) e São Félix do Araguaia (MT).
A atuação política como se vê foi num crescendo, tanto para homens como para mulheres. O aprimoramento de
um quadro era sempre um elemento desejado. Em Cuba, por exemplo, durante as longas caminhadas do treinamento
guerrilheiro, o ritmo da tropa era determinado pelo último da fila. Foi pela interferência de Carlos Marighella junto aos
cubanos, por exemplo, que as mulheres puderam participar do treinamento de guerrilha rural na ilha, já que os cubanos
alegavam que as mulheres eram fatores de divisão na tropa.
A ousadia destas mulheres foi muito grande. A militância para elas foi uma decisão sem volta. Estavam dispostas
a tudo. Algumas mulheres chegaram a ter suas cabeças à prêmio, sendo perseguidas e monitoradas pelas ruas. Algumas
delas tiveram pena de morte decretada, como Sônia Ferreira Lima. Outras não viram a modificação da lei, convertida
posteriormente em prisão perpétua, sendo mortas em pontos de ônibus ou em centros clandestinos de tortura. Algumas
foram até incineradas a se considerar como verdadeiro o depoimento do ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra, sobre a
morte de Ana Rosa Kucinsky na Usina Cambahyba no interior do Estado do Rio de Janeiro33.
Naquela conjuntura, quando presas, estas mulheres não costumavam assumir em juízo as ações armadas que
praticavam, nem para o encarregado do inquérito, como é obvio, e mantendo sigilo até mesmo de seus advogados.
Quando não havia flagrante, a ideia na organização era assumir as ações de menor implicação, como roubo de perucas,
e pequenas expropriações em supermercados, do que um sequestro de avião, da captura de um embaixador estrangeiro,
ou de um ministro ou funcionário de governo. Nem por isso, contudo, estas mulheres deixaram de defender sua posição
revolucionária, manipulando o próprio sistema político designado para excluí-las e utilizando a seu favor o código de
gênero da época.
31
Cf. livro do jornalista Mário Magalhães, publicado em 2012 pela Companhia das Letras, Marighella: O guerrilheiro que incendiou
o mundo, que descreve em pormenores a atuação de Zilda Xavier Pereira na ALN. Cf. também A guerrilheira que mandava em
Carlos Marighella. Jornal Opção, Euler de França Belém http://www.jornalopcao.com.br/colunas/imprensa/a-guerrilheira-que-
mandava-em-carlos-marighella .
32
Entrevista de Vilma Ary, São Paulo, 16 de novembro de 2008.
33
GUERRA, Cláudio. Memórias de uma Guerra Suja. Rio de Janeiro: Editora Topbooks, 2012.
Homens também tiveram que superar sua falta de habilidade na condução de automóveis, no manejo de armas,
melhorar sua capacidade física e de disciplina. Se havia guerrilheiros cujo refino teórico era mais flagrante do que suas
qualidades militares, muitas mulheres também se destacaram como observadoras disciplinadas, boas atiradoras e com
capacidade de liderança. Elas também ocuparam postos estratégicos na ALN como Zilda Xavier Pereira e Guiomar
Silva Lopes, da direção nacional, Antonieta Campos da Paz da direção regional, Maria de Lourdes Rego Mello, da
direção estratégica de campo, Maria Cerqueira da direção regional do Rio de Janeiro, Ana Maria Nacinovic, da direção
regional de São Paulo.
Podemos afirmar que foi pela luta que as mulheres se fizeram reconhecer, foram combatentes antes mesmo de
muitas terem se libertado sexualmente. A guerra ensinou às mulheres muitas coisas no domínio material, sobretudo, as
ajudou a desvendar novas energias. Era natural que mulheres fossem recrutadas para a organização, em áreas nas quais
as mulheres já representavam um forte percentual na época, como em locais de ensino, junto a normalistas e
universitárias, em setores de serviço social, em trabalhos de secretariado ou no interior das fábricas e sindicatos. As
associações de bairro, vilas fabris também eram locais históricos de penetração da esquerda, assim como os espaços
engajados de cultura. A conquista pelos homens de certas especialidades até então reservadas às mulheres, é um fator
também significativo desta evolução34. Eles também atuaram como apoios integrados a outros setores da organização
que estavam longe do manejo de metralhadoras ou de ataques a bancos ou de tarefas decisórias reservadas ao Comando
Nacional da ALN.
O devotamento a uma causa como podemos ver, pode assumir também diversas formas de atuação, já que a guerra
também demanda os mais diferentes tipos de preparo, formação e desprendimento pessoal.
Ser simpatizante e legal ampliava também os acordos políticos, dava mobilidade e permitia uma série de atividades
revolucionárias. Muitas mulheres que não foram processadas nem presas pelo regime militar encaixavam-se nesse perfil.
Não eram as famosas loiras dos assaltos, e fizeram bem mais do que isso...
Referências Bibliográficas:
ALVES, Márcio Moreira. Torturas e torturados. Rio de Janeiro: Idade Nova, 1966.
ARY, Wilma. Trauma do ovo ou culpada e/ou inocente. São Paulo: Sol, 2005.
BREYTON, Jacques. D’un Continent à L’autre. Mémoires. [S.l., s.n.], 2005.
GERTEL, Vera. Um gosto amargo de bala, 1ª ed, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
GOUVÊA, Yara. BIRCK, Danielle. Duas vozes. São Paulo: Editora de Cultura, 2007.
LIMA, Ruth. Nunca é tarde para saber: histórias de vida, histórias da guerrilha. Tese (Doutorado em História Social), Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
MAGALHAES, Mario. Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo. Rio de Janeiro: Companhia das Letras¸ 2012.
MELONI, Catarina. 1968. O tempo das escolhas. São Paulo: Nova Alexandria, 2009.
MONTARROYOS, Sylvia de. Réquiem por Tatiana: memórias de um tempo de guerra e de uma descida aos infernos. Recife: Cepe, 2013.
RUFINO, Joel. Assim foi (se me parece). Rio de Janeiro: Rocco, 2008.
PAZ, Carlos Eugênio. Viagem à luta armada. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008.
PAZ, Mariza Campos Da. Nieta dos campos da paz. Rio de Janeiro, Mauad X, 2012.
RUDDICK, Sara. “Maternal Thinking In Rethinking the Family: Some Feminist Questions. New York: Longman, 1982.
TEIXEIRA, Edson. Carlos, a face oculta de Marighella. 1ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009.
34
Os presos políticos saíram transformados da prisão, quando em suas celas foram obrigados a realizar tarefas consideradas para a
sociedade da época, como de “domínio feminino”. Entrevista de Albertina Pedrassoli Salles, São Paulo, 02 de setembro de 2010.
dupla jornada é, então, o conceito chave que exprime a dialética feminina da produção versus reprodução
social.
Talvez seja este o sinal distintivo do feminismo brasileiro nos anos 70: um grande comprometimento com a
ação/intervenção – como demonstram as inúmeras passeatas e atos públicos encabeçados pelo movimento de
mulheres, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo em que pregavam a politização
da vida privada, as feministas desenvolviam uma ampla política de alianças com os setores mais progressistas
e democráticos do país. Um trecho do editorial do Nós Mulheres de julho de 1978:
Logo, as afinidades entre marxismo e feminismo são antes de mais nada de ordem política: é na teoria marxista
que uma parcela importante do movimento feminista contemporâneo encontrou os conceitos adequados para
analisar a questão da discriminação do sexo feminino e as possiblidades de sua superação.
Enquanto teoria que aponta para a emancipação futura do(a) oprimido(a) de hoje, o marxismo abre uma
perspectiva de luta e de transformação.
35
o qual, posteriormente, sofrerá uma cisão, encabeçada pelo grupo do atual presidente Fernando
Henrique Cardoso, originando o Partido Social Democrata Brasileiro- PSDB
mulheres em nome dos “interesses do povo”, especialmente o grupo MR-8 cujo órgão oficial, A Voz do Povo
era, ao mesmo tempo, porta-voz do “quercismo”. Em artigo publicado pela Folha de São Paulo (8/3/81), sob
o título de “Os velhos conceitos estão desgastados”, as feministas do Nós Mulheres observam que:
Daí para diante cessaram quaisquer manifestações coletivas do Nós Mulheres, marcando simbolicamente o
fim de uma etapa na história das mulheres brasileiras. Assim, o rompimento do 3º Congresso de mulheres de
São Paulo passa fundamentalmente pela oposição entre um feminismo “politiqueiro” – que instrumentaliza o
movimento de mulheres, tentando transformá-lo em movimento de massas de grupúsculos ex-esquerda – e o
feminismo “autêntico”, voltado para a questão da subjetividade e da identidade sexual.
Na verdade, como os fatos vieram a comprovar, a ruptura no interior do movimento paulista se aprofundou
ainda mais nos anos seguintes, quando as feministas “politiqueiras” transformaram-se em funcionárias
públicas ligadas à questão da mulher, e as feministas “intimistas” afastaram-se cada vez mais da militância
política strictu sensu.
As Mulheres Anarquistas e a luta de classes no início do século XX
Das vantagens da Educação Intelectual e profissional na vida pratica das sociedades. Conclusões:
01. O homem preenche dois fins durante a existência: nasce com características especiais para pai de
família e para membro da sociedade.
Sendo a mulher sua companheira indispensável na multiplicação da espécie e na vida social – é lógico:
também a mulher tem duas funções a preencher durante a existência – a de mãe e a de colaboradora
na coletividade humana.
02. Aí temos o indivíduo da sociedade. Nem o indivíduo tem o direito de visar o próprio eu egoisticamente,
sem olhar o interesse coletivo, nem a sociedade tem o direito de absorver o indivíduo.
03. Nascendo a mulher para a missão de mãe e para a ordem social, deve ser educada de modo a exercer
dignamente o papel de progenitora, sobrando-lhe tempo suficiente para os deveres de colaborar com o
homem em benefício do próximo.
04. A mulher inconsciente é incapaz de sentir a sua missão. Considerando que a mulher, de qualquer
condição, ao lado do homem representa a fascinação, o amor, a força para o bem ou para o mal, é
indispensável educa-la, instrui-la até aonde puder voar a sua inteligência, afim de que ela seja o poder
consciente, a clarividência moral pra benefício da sociedade humana em busca o bem estar de todos.
05. Considerando a escravidão secular feminina, o atraso de seu cérebro submetido a uma seleção cujo
resultado desastroso fez dela o bibelot, a melindrosa, a mundana, conservou-lhe a medula, a psiqué
infantil:
a. Considerando que a educação atual, incapaz de lhe desenvolver aptidões e faculdades latentes –
deseduca, continua o prejuízo tradicional;
b. Considerando que o progresso depende das duas fações humanas – o homem só poderá atingir ao
seu apogeu da sua grandeza intelectual e moral quando a mulher tiver clarividência moral.
Assim, é indispensável revolução na educação, afim de ruir todo o edifício antigo e reconstruir
novos alicerces mais sólidos, racionais, científicos.
06. A verdadeira educação feminina não é empecilho à fecundidade, porém, equilibra as funções genitoras:
evita a fecundidade absorvente que mata a mãe de fraqueza, inanição e trabalho, prejudicada pelo
excesso de filhos, e faz nascer o desejo da maternidade na razão das que ora se furtam a esse belo
sacrifício.
07. Quando todas as mulheres souberem ser mães a humanidade será redimida pelo amor materno.
08. Considerando a experiencia a única estra da vida, considerando a educação profissional como tendo
base cientifica – toda escola deve ser laboratório, oficina. A iniciativa, a vontade o ideal só é atingido
pelo esforço, pela ambição de se realizar, pelo estimulo nascido das faculdades latentes, na escola da
vida.
09. Considerando impossível no regime atual o trabalho profissional obrigatório, considerando a educação
intelectual-profissional, o único meio de educar para a vida completa, considerando que a ociosidade
vive do sacrifício de outrem. É preciso que a elite intelectual se convença da grande renovação para
novos ciclos em busca de outras civilizações.
10. Considerando a necessidade o esforço conjunto para o desenvolvimento muto, para evitar a estafa, as
diáteses nervosas, e para tornar o ensino atraente e salutar, para o preparo à vida útil para a melhor
compreensão da existência – a coeducação se impõe: a mulher deve ser educada ao lado do homem,
como companheira.
11. Finalmente, se a mulher nasceu para perpetuar a espécie, deve elevar-se à altura da beleza interior a
que possa atingir. Deve instruir-se até poder conceber a finalidade da vida, realizando o seu mundo
interior, conhecer-se – “para aprender a amar”. Socialmente falando é fator da civilização moral: deve
caminhar e fazer a caminhar a humanidade em busca da beleza e da verdade, que o seu cérebro ainda
lhe não deixou entrever.
“Descendo uma rua, viram a sua gente um homem abaixado e apanhar no chão alguma coisa, a qual foi
examinado minuciosamente e guardada com cuidado no bolso. O amigo perguntou ao diabo:
- Que foi que apanhou aquele homem?
– Um fragmento da verdade – respondeu o diabo. Eu o farei organizar a Verdade”.
É a verdade organizada a causa de todos os males sociais. Enquanto procurarem organizá-la – seja no campo
das lutas dos partidos políticos, ou dos embates religiosos ou das reivindicações revolucionarias e reacionárias
de todos os matizes – em qualquer terreno – viveremos no mesmo caos social de tartufismo e incompreensão.
O diabo, aqui, é a própria sociedade… são os grupos detentores da Verdade, e que querem impor a sua verdade
a todo o orbe terrestre – tenha ela o nome de fascista, comunista, católica, espírita, cristã, anarquista, teosofista,
liberal democrata, nacionalista-socialista, – sufocando as verdades dos outros.
Cada qual julga estar com a verdade, cada qual “sente” que tem uma missão a cumprir… Defendendo a sua
verdade contra a verdade de outrem.
Cada grupo de bate pela verdade, contra a verdade de outros grupos e de outros indivíduos.
E mais a convicção de estar com a verdade é arraigada e mais as lutas são encarniçadas.
Daí, a organização da verdade em religiões, em filosofias, em grupos revolucionários ou reacionários, em
ciências, em arte, em academias, em lutas de classes, em princípios sociológicos – para a defesa da verdade
própria.
É, pois, um perigo o indivíduo convencer-se de estar com a verdade: são as perseguições, os autos de fé, as
fogueiras, os degredos, todas as Sibéria e as Clevelandias ou os Biribi do Sectarismo, seja vermelho ou tzarista,
democrata, clerical, romano ou fascista.
É a defesa agressiva de todos os detentores da verdade, porque cada qual afirma: fora da minha igreja não há
salvação.
É a autoridade animal, o espírito de autoridade dentro de cada ser humano – a causa das organizações sociais.
Nós atacamos os governos, as religiões, industriais, a concorrência comercial, e a causa de todo o nosso mal
estar é a sociedade em si. Religiões, governos, não são filhos das sociedades, da organização social. E a
economia política sabe disso, quando afirma:
“Cada povo tem o governo que merece”… Como todos os governos são excrescências…
As organizações se substituem umas às outras… Porque, a causa está em nós mesmos.
O que é preciso é a não-cooperação com a sociedade.
O que seria necessário é a solidariedade de todos no gesto individualista… contra a bastilha burguesa das
quatro castas parasitarias: políticos, clero, militares e exploradores industriais. Mas, não para formarem outras
castas com outros nomes…
Seria a não-cooperação com o Estado, com a religião, com a caserna e com os exploradores e proletariado.
Abster-se de toda função pública de ordem administrativa, judiciária, militar; não ser prefeito, juiz, policia
oficial, político ou carrasco. Não aceitar funções que possam prejudicar a terceiros. Não ser banqueiro,
intermediário em negócios, explorador de mulheres, advogado, explorador de operários. Não ser operário de
fabricas de munições ou armas de guerra, não ser operário de jornais clericais ou fascistas (difícil!…) Recusar
Ser instrumentos de iniqüidades. Sacrificar o corpo, si for preciso – do número das cousas diferentes para o
estóico – afim de não sacrificar a razão, a liberdade interior ou a consciência.
Não denunciar, não julgar, não reconhecer nenhum ídolo – nem reacionário, nem revolucionário. Não matar.
Resistência ativa, ação direta, a nova tática revolucionaria de suprema resistência ao mal: a não violência.
Aí está um programa mínimo de não-cooperação. Quem o puder seguir… que heroísmo!
O governo de hoje tanto é um produto da organização social capitalista que estamos assistindo ao espetáculo
deprimente do sabujismo de Estado, de joelhos entes de potência açambarcadora de Capital.
Daí o imperialismo da libra ou do dólar. É ingenuidade, suprema ingenuidade, qualquer tentativa social – pela
violência – contra o imperialismo. Lá está a china martirizada pelo Japão. Si são os imperialismos econômicas
que fornecem o dinheiro e as armas para o governo e os rebeldes!
Ver longe (Laura Brandão, 1916) A Virtude desarma! e exorta, impõe, persuade:
Adivinhar em rápidos instantes - Quem não pode fazer do Sonho, Realidade,
Muitos anos da vida transitória Saiba, ao menos, fazer da Realidade, Sonho!
Tempos de agora ter descrito dantes
- Ver a quem o que fica além da História!
Praga feminina (Laura Brandão, 1917)
As pérolas-saudades e os diamantes, Eram demais, no galinheiro,
Pressentimentos tê-los na memória, Os galos cantadores,
Irmanando-os em sonhos fulgurantes Em que a vaidade estua, em que as paixões se
E confundi-los na suprema glória! agravam.
O último que aparecia
Não é sorrindo, não, que se adivinha, Cada dia,
Como eu pensava quando ainda tinha Cantando, entre louvores,
O coração jovial em vez de monge... Logo cedinho, no arrebol,
Entre todos os outros que cantavam,
Lágrimas, apagai o meu sorriso! Julgava-se o primeiro
Olhos, chorai, chorai... porque é preciso Despertador do Sol!
Saber chorar para saber ver longe!
E, no entretanto, desaparecia
Imperdoável (Laura Brandão, 1916) No mesmo dia,
“Pedir perdão por uma inesperada falta, Logo à tardinha, no arrebol...
De tão grande e arrojada e singular, enfim,
Bem longe de humilhar, anima, eleva, exalta!” Enquanto isto, as galinhas, prisioneiras
Olha, a justa Consciência é quem garante assim. Lá no choco, Valiam quase nada ou muito pouco
- Pois se já havia até máquinas chocadeiras...
Um dia, uma galinha entendeu de cantar. Ela, a saudosa, ecoava, em límpida voz mansa,
E os entendidos Uma estrofe de amor, solenemente fria,
Galos presumidos Enquanto, a esperança, eu, palpitava, ardia,
Disseram logo que era azar. Cantarolando, a rir, um madrigal de criança.
Há tempos em que eu não vejo nada, não ouço, - Ah! quando a mãe é moça, e embala o filho,
E não me faço ouvir nem ver, sou nebulosa... Parece que lhe volta a virgindade.
Dias em que minha alma é branca e silenciosa,
Noites em que meu corpo é mais criança que A virgindade é a paz, o angélico repouso,
moço. Delícia de viver sonhando em liberdade,
Sacrifício glorioso,
Mas há tempos, também, de inaudito alvoroço: Martírio a cujas mártires me humilho,
Dias em que minha alma é um hino cor de rosa, Trocar a virgindade / Por um filho!
Noites em que meu corpo intimamente goza
O amor, por sugestão, no mais nítido esboço... Depois considerando a realidade:
A fraqueza da mãe que precisa viver,
E assim, nesta volúpia ingênua, indefinida, Que no pesar da via acha prazer,
Volúpia-virginal de artista-sonhadora Porque ama a vida pelo amor do filho,
Que, sorrindo e chorando, abafo e desabafo, Eu digo à Morte suplicando:
Nem sei de quem preenchi a vaga nesta vida: -Oh! Tu que vens buscar para não mais trazer!
Não sei se foi a minha ilustre antecessora Deixa esta pobre mãe, sem medir até quando;
Santa Tereza de Jesus ou se foi Safo... Deixa esta pobre mãe, leva-me antes a mim,
Deixa esta pobre mãe! Porque não há de
Ser assim?
Sonhadoras (Laura Brandão, 1917)
Falávamos, sonhando, as duas, de Poesia, Mil vezes antes eu, mil vezes antes, sim;
Uma pela saudade, outra pela esperança, Eu sou demais no mundo, eu peso à humanidade
Que a Poesia é infinita, o Espaço todo alcança, - Eu não tenho ninguém que precise de mim.
O passado e o futuro, a um tempo, presencia.
Fraternidade (Laura Brandão, 1917) e estreias a tua arte
Para mim, o Brasil entrou na guerra Quando eu acabo na minha arte
Desde o momento em que ela começou, neste Contraste há luz que chega e luz que parte...
Porque Brasil Humanidade encerra O teu Dia começa, o meu Dia termina:
- Antes de brasileira, humana eu sou. Teu Sol levante! minha Estrela Vespertina...
E se eu fosse feliz?...
Para mim, o Brasil é toda a Terra. E se ressuscitasse
Entrou na guerra, humanamente, entrou, O meu dia que morre em teu dia que nasce?..."
E o asilo da minha alma se descerra
- Longe da guerra, em plena guerra estou! FLAMBOYANT (Laura Brandão, 01.05.1929)
Minha árvore dileta, predileta,
A Cruz Vermelha é a Fé, e é um coração, Meu flamejante flamboyant florido,
Ainda é mais, é uma âncora, é a Esperança Fronte de fogo, espírito de poeta,
- O Ideal da Caridade é a comunhão. Ao Devenir galhardamente erguido!
IV
E eis-nos em meio da batalha ativa:
Na luta sem o mínimo esplendor
- Eu, que nasci para contemplativa
- Tu, que nasceste para sonhador.
Observação: Carta escrita na Casa de Detenção (RJ), onde Olga estava presa desde março de 1936, antes de ser extraditada para a
Alemanha nazista pelo governo de Getúlio Vargas, em setembro daquele ano, no sétimo mês de gravidez. Fonte: Instituto Luiz
Carlos Prestes - Arquivo Alfredo Felizardo (RS)
http://www.ilcp.org.br/prestes/index.php?option=com_content&view=article&id=249:carta-inedita-de-olga-benario-prestes-a-
ermelinda-felizardo-avo-de-luiz-carlos-prestes&catid=29:sobre-olga&Itemid=158 . Transcrição e HTML: Fernando Araújo.
Notas de rodapé:
(1) Olga nunca reconheceu, perante a polícia, seu verdadeiro nome e sua verdadeira nacionalidade; com firmeza revolucionária,
reafirmou sempre o nome que constava no passaporte – Maria Vilar. (retornar ao texto)
Meu querido,
Espero que estas linhas cheguem as suas mãos
Eu gostaria de te dizer uma coisa que diz respeito somente a nós dois. Mas diante as circunstancias, não me
resta nada além dessa possibilidade. Querido, nós teremos um filho. (Eu sinto todos os sinais que existem
nesse caso. Vômitos, etc.). Esse acontecimento me faz muito feliz, ainda que eu me dê conta das dificuldades
que terei que atravessar. Enfim, nós teremos uma expressão viva de tudo de bom e doce que existe entre nós.
Eu imagino que tu estejas inquieto sobre minha situação. Eu me encontro sozinha numa cela, sem livros, e eu
não saio nunca da minha cela. Para me impedir de ver o céu, colocaram um grande pedaço de pano na frente.
Assim eu passo os dias olhando as paredes e esse pedaço de pano. Tudo isso não é agradável, mas eu te
asseguro que terei forças suficientes para resistir.
Querido, como eu queria saber de ti, se estás vivo, com saúde; eu não sei de nada. Eu estou muito, muito
inquieta, e te peço para me dar uma resposta a esta carta. Na verdade, tu sabes que estou sempre, com todos
os meus pensamentos e todo o meu coração, junto de ti.
Muitos beijos.
Sempre tua.
OS. Esta carta é um pouco... (ininteligível), mas tu entendes...! Responde-me!
Maria Prestes, Casa de Detenção.
Carta de Despedida
(Olga Benário Prestes, Abril de 1942)
Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas
que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês
agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais
voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças — ah, não, elas
foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte.
Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito bem.
Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos
ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha carta de despedida. E
agora, quando penso nisto de novo, a ideia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim
como a morte.
Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-
ei, mesmo que não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu
sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver-me dado ambos. Mas o
que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível
que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, meu querido marido, meu Garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça, pois
parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso
que esforço-me para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois
desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a
força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor
do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão por que se envergonhar de
mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber
fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último
momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte. Beijo-os pela
última vez.
Sugestão de Filme:
Norma Gengell, 1987. Eternamente Pagu. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=MFylqrCYB_U
Sugestão de Documentários:
Memórias Clandestinas (Documentário de Maria Thereza Azevedo, 2004, 70min) Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=j0wW2DCnN9o OU http://cinemaeditadura.com.br/memorias-
clandestinas/
Fonte: Problemas Revista Mensal de Cultura Política, nº 64, dezembro 1954 a fevereiro de 1955.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, dezembro 2006.
Camaradas:
De início, quero dizer da minha satisfação em participar do IV Congresso do nosso glorioso Partido.
Pertencendo a uma geração posterior ao III Congresso, quero saudar aos camaradas cuja abnegação e espírito
de sacrifício fizeram com que o nosso Partido percorresse, nos seus 32 anos de existência, um caminho de
lutas gloriosas à frente da classe operária e do povo brasileiro.
Quero saudar muito especialmente ao querido camarada Prestes, guia e mestre do Partido Comunista do
Brasil. É com os olhos fitos na vida exemplar do camarada Prestes que procuramos nos colocar à altura das
grandes tarefas do nosso Partido, hoje condensadas no Programa do Partido.
No curso desses anos têm sido muitos os exemplos de dedicação e heroísmo das mulheres brasileiras à
causa do proletariado.
Na história do movimento revolucionário brasileiro estão inscritos os nomes de algumas mártires : Olga
Benário Prestes, sacrificada num campo de concentração nazista; Zélia Magalhães, assassinada em praça
pública; Angelina Gonçalves, fuzilada quando participava das comemorações do 1º de Maio.
Inúmeros são os exemplos de heroínas anônimas.
São as mulheres dos ferroviários da Rede Mineira de Viação que se deitam no leito da estrada para
impedir a saída de trens e a quebra da unidade da greve de seus esposos por aumento de salários e contra o
regime do barracão.
São as mulheres do Rio Grande do Sul. cuja participação no movimento grevista de agosto de 1952
contribuiu valorosamente para que uma greve da classe operária se transformasse em greve de todo o povo.
Uma companheira da cidade do Rio Grande dirigiu o povo à cadeia pública, arrancando da prisão o nosso
vereador encarcerado.
Participando de piquetes de greve, falando, insistindo e persuadindo, vale salientar a ação das mulheres
do Distrito Federal e de Pernambuco nas greves dos têxteis e das mulheres paulistas no memorável movimento
grevista de março de 1953 e na grandiosa greve geral de 2 de setembro último.
As mulheres brasileiras, graças a sua combatividade e espírito de iniciativa, muito contribuíram para
impedir que os nossos soldados e marinheiros fossem enviados para a guerra da Coréia. É uma vitória que
devemos assinalar em nossa contribuição à luta mundial em defesa da paz.
Na greve dos 100.000 marítimos em junho de 1953, ou mais recentemente, no movimento grevista dos
ferroviários da Leopoldina, a ação das mulheres junto aos grevistas impediu que os fura-greves quebrassem a
unidade desses movimentos.
Nas manifestações populares de 24 e 25 de agosto último, em todo o país, estiveram as mulheres entre
os manifestantes mais combativos. No Distrito Federal, foram as palavras dos jovens e mulheres comunistas
que conduziram o povo à luta contra a Embaixada norte americana. Em tão formidáveis manifestações as
mulheres foram não só ouvidas e atendidas, mas também recebidas com carinho e protegidas pelas massas.
Na preparação da Conferência Latino-Americana de Mulheres, os ataques da reação e toda a campanha
caluniosa dirigida pelo Departamento de Estado norte-americano não conseguiram quebrar o ânimo e
entusiasmo das mulheres, que conduziram vitoriosamente a tarefa até o fim.
Na recente campanha eleitoral, as companheiras do Distrito Federal, por exemplo, deram provas de
dedicação e espírito de sacrifício. As companheiras do Méier iniciavam os comandos de casa em casa às 6
horas da manhã e iam até às 22 horas, chegando a percorrer diariamente 33 ruas. As companheiras do Catete,
com um entusiasmo exemplar, dirigiram, altas horas da madrugada, grandes colagens de cartazes. As
companheiras de Santa Tereza durante oito dias, estiveram com sua mesinha de distribuição de cédulas no
Largo da Carioca. Foi a mesinha mais movimentada da cidade, contando com o apoio entusiástico e a
solidariedade ativa da massa.
Sabemos, entretanto, que não basta a dedicação pessoal.
O trabalho do nosso Partido junto às massas femininas é ainda estreito. Falamos em dezenas e centenas,
quando necessitamos de milhares de mulheres no Partido e milhões de mulheres para a luta democrática de
libertação nacional.
Decorridos 10 meses da publicação do Programa do nosso Partido, ainda não soubemos aplicar, com
inteira justeza, as tarefas fundamentais que o camarada Prestes expôs em seu Informe de apresentação do
Programa, isto é, ganhar todo o Partido para o Programa e transformar o Programa do Partido em Programa
de todo o povo.
Não levar à prática vitoriosamente essas tarefas junto às mulheres comunistas e às massas femininas
significa não compreender a importância da participação das mulheres para tornar realidade os sublimes
objetivos do Programa. Significa esquecer toda a tradição de luta da mulher pela independência e em defesa
dos interesses vitais do nosso povo. Significa ainda que deixamos de lado um grande potencial em capacidade
de trabalho e dedicação à luta libertadora constituído pela população feminina.
O trabalho do nosso Partido entre as mulheres apresenta serias debilidades. O sectarismo é o principal
entrave ao trabalho do Partido junto às massas femininas. As próprias Organizações de Base femininas criadas
para facilitar o trabalho do Partido junto às grandes massas de mulheres, não têm cumprido satisfatoriamente
sua missão. Em sua maioria as Organizações de Base femininas realizam mais o trabalho de agitação e
propaganda, deixando de lado a tarefa fundamental para a qual foram criadas, isto é, mobilizar e organizar as
mulheres partindo das suas reivindicações específicas, das lutas contra a carestia, pelo congelamento de
preços, em defesa da infância e elevando-as até às lutas democráticas e emancipadoras.
No Comitê Regional de Piratininga, por exemplo, existem algumas dezenas de Organizações de Base
femininas. No entanto, não chega a uma dezena o número das Organizações de Base femininas que realizam
trabalho junto às grandes massas femininas. É o exemplo do Comitê de Zona de Tatuapé, onde as
Organizações de Base femininas vivem voltadas para dentro de si mesmas e as companheiras realizam desde
o trabalho de finança ordinária ao de colagem de cartazes, sem se cogitar da necessidade de que estas
Organizações de Base concentrem seu trabalho na mobilização e organização das massas femininas.
Os métodos sectários de trabalho são levados às organizações de massa que se transformam, na maioria
dos casos, em simples frente legal do Partido. Isto afasta as massas femininas dessas organizações, que se
vêem reduzidas a pequenos círculos de comunistas e simpatizantes.
Entrave não menor ao desenvolvimento do trabalho feminino tem sido o espontaneísmo com que ainda
enfrentamos nossas tarefas. Têm sido poucas, por exemplo, as medidas práticas tomadas no sentido de ganhar
para a luta revolucionária milhões de mulheres.
Em recente ativo nacional do Partido sobre o trabalho feminino, constatou-se um regular avanço na
elevação do nível político e ideológico das camaradas, mas poucas foram as experiências novas surgidas no
trabalho com as massas. Isto significa que necessitamos de mais ação, combatividade e espírito de iniciativa
no trabalho de mobilização e organização das mulheres em torno do Programa e das palavras-de-ordem do
nosso Partido. Poucas foram as medidas tomadas, por exemplo, para levar à prática a palavra-de-ordem de
nosso Partido de que trabalhistas e comunistas devem marchar juntos, como irmãos na luta contra o atual
governo. O mesmo acontece com a palavra-de-ordem de ganhar para a luta democrática e libertadora as massas
da pequena burguesia enganadas até agora pela demagogia supostamente oposicionista da UDN.
O espontaneísmo do trabalho do Partido junto às massas femininas, revela-se também no fato de que nos
voltamos, geralmente, para o trabalho mais fácil e de efeito mais imediato, deixando de desenvolver o trabalho
junto àqueles setores mais importantes. É isto que tem contribuído para que o trabalho do Partido junto às
mulheres operárias e camponesas ficasse, até agora, relegado a um plano secundário. Não cuidamos, por
exemplo, em São Paulo e no Distrito Federal, assim como nas grandes cidades, de ganhar as mulheres que
sendo operárias, funcionárias ou comerciarias, não deixam de ser donas de casa. O pior é o descaso pelo
trabalho junto às mulheres camponesas.
Insatisfatória vem sendo ainda a maneira do nosso Partido levar o Programa às massas femininas. O
nosso trabalho tem se limitado a distribuição de folhetos com o Programa ou a realização de palestras, sem a
preocupação de levantar com vigor e clareza as reivindicações especificas e mais sentidas da mulher, vítima
de discriminação econômica, das desigualdades sociais e jurídicas e mesmo de preconceitos feudais e
burgueses, conforme assinala, com justeza, o camarada Prestes em seu Informe a este Congresso.
Tais debilidades devem-se, fundamentalmente, ao fato de que existe em nosso Partido, das direções às
bases, incluindo até o Comitê Central, uma profunda subestimação pelo trabalho feminino. Nesse sentido, não
se excetuam mesmo a maioria das companheiras membros do Partido. Boas companheiras negam-se a realizar
o trabalho feminino de massas, alegando ser este cansativo ou desagradável.
Toda esta subestimação é de origem ideológica. É comum ainda entre grande número dos nossos
companheiros a maneira senhorial de tratar as camaradas.
O trabalho de ganhar milhões de mulheres para o Programa só poderá se desenvolver com pleno êxito
quando deixar de ser apenas tarefa das Seções do trabalho feminino e das Organizações de Base femininas e
for incluído entre as tarefas permanentes e diárias de todos os organismos do Partido, desde os Comitês
Regionais aos Comitês Distritais. Isto é particularmente verdadeiro tratando-se das responsabilidades e das
tarefas das Organizações de Base do Partido, especialmente das Organizações de Base de empresa.
Os Estatutos do nosso Partido colocam entre as tarefas das Organizações de Base «estar incessantemente
atenta aos sentimentos e reivindicações das massas, transmitir esses sentimentos e reivindicações aos
organismos superiores do Partido, dar atenção à vida política, econômica e cultural dos trabalhadores e do
povo e ganhá-los para que resolvam seus próprios problemas».
Isto impõe às nossas Organizações de Base a tarefa de auscultar também as reivindicações das mulheres,
trabalhadoras ou simples donas de casa, e de buscar os meios de ganhá-las para que resolvam seus próprios
problemas. Só assim poderemos ter um movimento feminino fortemente apoiado nas massas e estreitamente
ligado às mulheres operárias e camponesas.
Nos organismos do Partido onde se realiza um maior esforço no sentido de integrar o trabalho feminino
entre as tarefas cotidianas do Partido observa-se que este trabalho avança. A discussão do trabalho entre as
mulheres, a planificação e o controle das tarefas relacionadas com a Conferência Latino-Americana de
Mulheres, no Comitê de Zona da Lapa, na Região Piratininga, permitiu que surgissem, nesse período, 3 novas
Organizações de Base femininas e mais uma Associação Feminina de massas.
Tudo isto não significa que nós que estamos à frente do trabalho feminino procuremos nos eximir das
nossas responsabilidades. Ao contrário. Muito temos que fazer para nos colocar à altura das tarefas do Partido.
Não é boa ainda nossa maneira de trabalhar. É urgente revisarmos todos os nossos métodos de trabalho, pois
somos as principais responsáveis pelas debilidades existentes no trabalho feminino.
A situação exige que dediquemos uma atenção especial ao trabalho junto às mulheres trabalhadoras. Este
deve ser um trabalho de aproximação, de solidariedade às suas lutas e de organização.
A luta contra a carestia e pelo congelamento de preços é o elo capaz de unir o movimento das donas de
casa à luta das mulheres operárias e camponesas por melhores condições de vida e de trabalho.
Voltando-nos para este trabalho, tudo devemos fazer para que as operárias e camponesas ingressem nos
sindicatos e engrossem as fileiras da União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil.
O grande Stálin dizia:
«As mulheres trabalhadoras, operárias e camponesas, constituem a grande reserva da classe operária. Esta
reserva representa uma boa metade da população. A reserva feminina está contra ou a favor da classe
operária ? Disto depende o destino do movimento proletário, a vitória ou derrota da revolução proletária.
Eis porque a primeira tarefa do proletariado e de seu destacamento mais avançado, o Partido Comunista,
consiste em travar uma luta decisiva para libertar as mulheres operárias e camponesas, da influência da
burguesia, para educar politicamente e organizar as operárias e camponesas sob a bandeira do
proletariado» .
Fazer com que esses milhões de mulheres lutem e participem dos movimentos da classe operária e dos
camponeses e se organizem para lutar mais e melhor, eis, portanto, uma das principais tarefas de todo militante
comunista. Na greve do proletariado paulista, de março de 1953, surgiram departamentos femininos nos
sindicatos dos têxteis, metalúrgicos e gráficos. Na preparação da Conferência Latino-Americana de Mulheres
surgiram organizações de camponesas em vários municípios do interior de São Paulo, de Minas e do Rio
Grande do Sul. A Associação Feminina de Ponte Nova, no Estado de Minas Gerais, foi organizada graças à
atuação ativa das mulheres na greve dos assalariados agrícolas das usinas de açúcar por aumento de salários.
São alguns exemplos, mas nos mostram o caminho a seguir.
O grande Stálin ensina:
«... as mulheres trabalhadoras não são apenas uma reserva. Elas podem e devem tornar-se — com uma
política justa da classe operária — um verdadeiro exército que combaterá a burguesia. Fazer desta reserva
de mulheres trabalhadoras um exército de operárias e camponesas combatendo ao lado do grande exército
do proletariado, eis a segunda tarefa, que é decisiva, da classe operária».
Camaradas:
As assembleias preparatórias ao IV Congresso revelaram um grande espírito de disciplina, de dedicação
e amor ao Partido por parte das companheiras. No entanto, apesar de uma frequência que atingiu até 98%, é
muito pequeno ainda o número de mulheres membros no Partido. Este fato está relacionado com a deficiência
do trabalho do nosso Partido entre as mulheres, o que demonstra que não extirpamos ainda das nossas fileiras
os preconceitos burgueses com relação à mulher.
Não existe no Partido a preocupação permanente com o recrutamento de mulheres, ou não se cuida de
fazê-lo nas grandes concentrações de mulheres nas cidades e no campo. O recrutamento de novas militantes
realiza-se, geralmente, de maneira não planificada e não se procura dar-lhes vida ativa orgânica e
politicamente.
De modo geral, os nossos militantes não têm ainda a preocupação de aproveitar os movimentos e as lutas
de massas para fazer crescer e fortalecer o nosso Partido. Na campanha eleitoral, por exemplo, houve no
Distrito Federal uma ativação de cerca de 80% das militantes comunistas. No entanto, nesse período surgiram
apenas três novas Organizações de Base femininas, o que não corresponde ao crescente prestígio do Partido
entre as massas femininas.
As assembleias Piratiningadas Organizações de Base, preparatórias do IV Congresso, revelaram,
também, o baixo nível político e ideológico, e mesmo cultural, das nossas companheiras. Esta questão requer
uma atenção especial por parte das direções do Partido, desde a criação de cursos específicos até o estímulo
permanente aos círculos de estudo. A execução desta tarefa será facilitada porque, apesar do praticismo, há
grande ânsia de aprender. As companheiras de São Paulo, por exemplo, num plano de emulação do Comitê
Piratininga, foram detentoras de um prêmio por haverem criado e feito funcionar o maior número de círculos
de estudo. A pequena participação de companheiras nos cursos do Partido, principalmente no Curso Stálin, a
falta de publicação de materiais específicos sobre o trabalho feminino revelam que em nosso Partido ainda
não se dá a necessária atenção à elevação do nível político e ideológico das suas militantes e mesmo das suas
dirigentes.
Relacionado com isto, todo o Partido deveria encarar mais seriamente a necessidade da promoção de
quadros femininos. O estímulo, a ajuda direta, o controle vivo, o contato com quadros política e
ideologicamente mais capazes e experimentados, a participação nos plenos dos órgãos dirigentes, tudo isto
ajudará a todas nós mulheres de Partido a rompermos a timidez muito comum às mulheres, a procurarmos
estudar mais a fim de nos pormos à altura das nossas tarefas e responsabilidades.
Na verdade, a promoção de quadros femininos em nosso Partido ainda se processa de maneira muito
lenta. As nossas direções ainda procuram ater-se as alegações de timidez das camaradas, ou a problemas de
outra ordem, sem promovê-las com audácia. Existem camaradas que no curso das últimas lutas, nas
manifestações de 24 e 25 de agosto em todo o país e na greve geral de 2 de setembro em São Paulo, revelaram
um elevado espírito de combatividade, coragem pessoal e qualidades de comando. As direções do Partido
devem aproveitar esses quadros, promovê-los e ajudá-los.
Neste sentido, os organismos do Partido precisam, também, dedicar uma atenção especial à formação de
quadros dedicados ao trabalho feminino, sejam eles companheiros ou companheiras.
Acreditamos que, à base das discussões e resoluções que sairão deste memorável Congresso, deveríamos
enfrentar seriamente as seguintes tarefas com relação ao trabalho feminino:
1. — O trabalho feminino deve deixar de ser tarefa apenas das Organizações de Base
femininas e das Seções do Trabalho Feminino para se transformar numa tarefa de todo o Partido.
2. — Todos os Comitês Regionais devem criar Seções do Trabalho Feminino. As seções
já existentes necessitam ser urgentemente reforçadas.
3. — Todos os Comitês de Zonas e Comitês Distritais devem ter encarregados do trabalho
feminino. O trabalho feminino deve ser incluído entre as tarefas permanentes dos Comitês de
Zona, dos Comitês Distritais e das Organizações de Base.
4. — Elaborar com urgência uma Resolução do Comitê Central sobre o trabalho feminino.
Segundo pensamos, são essas as principais tarefas que precisam ser enfrentadas pelo nosso Partido para
liquidar a subestimação existente pelo trabalho feminino, para iniciar uma nova vida no trabalho de ganhar
milhares de mulheres para o Partido e milhões para a luta democrática de libertação nacional. É isto o que nos
impõem os Estatutos do Partido e o Programa do Partido.
Camaradas:
Nós que tivemos a grande felicidade e honra de participar do IV Congresso do Partido Comunista do
Brasil só podemos acrescentar o nosso compromisso de não pouparmos esforços, não medirmos sacrifícios
para levar à prática, no mais curto prazo, as resoluções aqui aprovadas.
Fonte: Problemas Revista Mensal de Cultura Política, nº 64, dezembro 1954 a fevereiro de 1955.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, dezembro 2006.
Camaradas!
Saudamos com particular emoção este IV Congresso do nosso glorioso Partido que, à luz do marxismo-
leninismo, nos guia para a luta e para a vitória.
O informe do Comitê Central, apresentado pelo camarada Prestes, dando o balanço das atividades do
Partido, refere-se à situação da mulher em nossa Pátria e as tarefas do Partido no trabalho feminino de massas.
Seguindo os ensinamentos do grande Lênin. o nosso Partido destaca o papel da participação das mulheres na
revolução, procura influenciar as massas femininas que constituem metade da população brasileira e são
importante reserva do movimento revolucionário.
A história do Brasil assinala a participação ativa das mulheres nas grandes lutas pela independência, pela
abolição, pela república, contra as guerras injustas e contra a reação. Nestas lutas, destacaram-se heroínas e
mártires como Clara Camarão, Joana Angélica, Maria Quitéria, Bárbara de Alencar, Anita Garibaldi e tantas
outras.
A contribuição das mulheres às lutas emancipadoras do povo brasileiro, revela sempre, com muita força,
o seu patriotismo, o seu anseio de paz e de liberdade. Já em 1875, em Minas Gerais, cerca de cem mulheres
invadiram a matriz de Barra do Bacalhau e queimaram os papeis da junta militar, pondo em fuga os seus
membros. Em Remédios, um grupo de mulheres penetrou na igreja, destruindo todos os documentos militares.
Era a represália popular ao recrutamento de soldados para a injusta guerra contra o Paraguai. Acontecimentos
como esses, repetiram-se em inúmeros lugares de nosso país, numa clara demonstração do sentimento pacifista
das mulheres brasileiras.
Na atualidade, o Partido Comunista do Brasil, herdeiro das gloriosas tradições de luta do nosso povo, é
que dirige as lutas das massas femininas, pelos direitos e interesses da mulher, pela paz, pelas liberdades
democráticas e pela independência nacional. O Partido nos ensina que a ação unida e organizada das grandes
massas femininas é indispensável para assegurar às mulheres uma vida livre e feliz. A emancipação da mulher
só seria definitivamente alcançada com a derrota do regime de latifundiários e grandes capitalistas serviçais
do imperialismo norte-americano. Por este objetivo, luta o Partido Comunista, o mais ardoroso e conseqüente
defensor dos direitos e interesses da mulher.
A criminosa política do governo de latifundiários e grandes capitalistas a serviço dos Estados Unidos
agrava terrivelmente a situação em que vivem as mulheres no Brasil. A carestia de vida leva a fome aos lares
dos trabalhadores e a miséria penetra nas famílias operárias e das massas populares.
As operárias não gozam de suficiente proteção legal, trabalham até os últimos momentos da gestação.
Jovens operárias nas minas de carvão de Criciúma, em Santa Catarina, na maior parte com menos de 16 anos,
são obrigadas a subir em montes de carvão, a puxar carrinhos de mão com mais de 60 quilos. Muitas dessas
operárias adoecem em virtude da absorção de poeira de carvão e do trabalho pesado. Nas fábricas de sardinha
em conserva no Estado do Rio, trabalham jovens operárias na salga e no enlatamento do pescado, sujeitas a
doenças profissionais. Não existe, pois, nenhuma consideração pela mulher operária no Brasil. Ela é vista
pelos patrões como mão de obra barata, fonte inesgotável de exploração e de lucro.
A grande massa da população feminina no Brasil se concentra no campo. São milhões de mulheres,
vítimas dos latifundiários, mantidas no atraso, submetidas às mais monstruosas formas de exploração, vivendo
numa indescritível miséria. Reduzido é o número de mulheres no campo que, trabalhando no plantio ou na
colheita, recebem o salário de 10 a 12 cruzeiros- Maior é o número das mulheres camponesas que nada
recebem, porque o seu trabalho e o dos filhos menores são computados no salário do chefe da família. Além
disso, não há a menor assistência à família camponesa. Acometidas sempre pelas febres palustres ou por
enfermidades de carência alimentar, as crianças no campo que conseguem escapar à morte na primeira idade,
contraem a verminose, o raquitismo, a opilação. As mulheres do campo não sabem o que é assistência à
maternidade. Muitas mulheres dão à luz nos canaviais ou cafezais em pleno trabalho. Nos barracões dos
latifundiários, não há remédios.
A essa imensa massa de trabalhadoras e de camponesas, vítimas da feroz exploração dos grandes
capitalistas e dos latifundiários, assim como dos monopólios norte-americanos instalados no Brasil, devemos
nos dirigir, conquistá-la para o nosso lado, para participar ativamente da luta pela vitória da revolução
antifeudal e antiimperialista.
Diante da terrível situação a que estão submetidas, as mulheres não permanecem indiferentes. As
mulheres lutam cada vez mais para modificar essa dolorosa situação.
As lutas femininas tomaram, nos últimos anos, características de movimento organizado. Sob a influência
do nosso Partido, surgiram a partir de 1944 as primeiras organizações femininas de massas. Inicialmente foram
organizadas as uniões femininas, que desenvolviam suas atividades nas campanhas pelas reivindicações
imediatas e específicas das mulheres. Chegaram a existir centenas dessas uniões femininas em todos os
Estados, atingindo grande número de Municípios do interior.
Neste período, o trabalho feminino de massas consistia, fundamentalmente, em mobilizar milhares de
mulheres para as campanhas contra a carestia de vida, ora adquirindo gêneros e tecidos populares, para revenda
às associadas, ora desmascarando os sonegadores dos produtos de primeira necessidade. Este trabalho, embora
importante, não tinha como objetivo ganhar as massas femininas para lutas mais altas e conseqüentes, para as
lutas decisivas pela paz, pelas liberdades democráticas e pela independência nacional.
Posteriormente, rompemos com essa orientação no trabalho feminino, orientação fortemente influenciada
por tendências reformistas. Mas, ao corrigirmos um erro caímos no outro extremo, passamos a realizar um
trabalho sectário, exclusivamente político e desligado das reivindicações mais sentidas das massas. Isto
acarretou o isolamento das uniões femininas das grandes massas de mulheres e determinou uma queda no
trabalho feminino de massas.
A partir de 1950, em virtude de nova modificação em nossa orientação, começaram a surgir grandes
movimentos femininos em nosso país. O importante nestes movimentos foi o fato novo de que eles eram
liderados por uma organização de massas de caráter nacional — a Federação de Mulheres do Brasil. Novas e
poderosas organizações femininas de massas foram criadas. Cada dia aumenta a influência do Partido no seio
das grandes massas femininas. Intensifica-se a participação das mulheres trabalhadoras nos movimentos
grevistas e nas lutas políticas da classe operária. Queremos rememorar, neste IV Congresso do Partido, a
combatividade extraordinária das mulheres da Rede Mineira de Viação, mães, esposas e irmãs dos
ferroviários, que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento vitorioso das suas lutas reivindicativas.
É preciso destacar ainda as atividades das mulheres grevistas da Fábrica Perseverança, no Pará. a participação
ativa das mulheres pernambucanas na greve geral dos têxteis do Nordeste. Nestes, como em tantos outros
movimentos grevistas, a vitória foi conquistada com a atuação direta e combativa de grandes contingentes de
mulheres.
Um dos mais destacados movimentos femininos no Brasil foi a participação das mulheres na greve dos
consumidores no Rio Grande do Sul, em agosto de 1952, greve que atingiu a muitos Municípios, abrangendo
a quase totalidade da população gaúcha.
Na grandiosa campanha do Apelo de Estocolmo, pela interdição da bomba atômica, as organizações
femininas, existentes em todo o território nacional, recolheram cerca de 1 milhão de assinaturas, num trabalho
tenaz, de bairro em bairro, de rua em rua, de porta em porta. A vitoriosa campanha contra o envio de soldados
brasileiros para a Coréia, as centenas de concentrações de protesto contra o governo, particularmente nas lutas
em defesa das liberdades democráticas e da Constituição, são demonstrações da vitalidade e da combatividade
do movimento feminino no Brasil, liderado pelo Partido da classe operária.
A maior experiência do trabalho feminino de massas já realizada, foi a Conferência Latino-Americana
de Mulheres, que. além de ter sido uma vitória das massas femininas da América Latina, foi também uma
vitória do movimento democrático e antiimperialista dos nossos povos.
A Conferência Latino-Americana de Mulheres revelou, também, o profundo sentimento patriótico das
mulheres e o seu espírito de luta em defesa dos direitos da mulher e da criança, reivindicações que não podem
ser isoladas das lutas democráticas e emancipadoras dos povos latino-americanos. Existiram, sem dúvida,
debilidades e falhas. Mas, seguindo uma justa orientação e atuando com o máximo de flexibilidade, ganhamos
novos setores das massas femininas para a luta pelos seus direitos, enfrentamos vitoriosamente a maior
propaganda reacionária já realizada contra um movimento de massas. Esta onda de propaganda de mentiras e
calúnias foi orientada diretamente pelo Departamento de Estado norte-americano.
Apesar da reação organizada pelos piores inimigos dos povos latino-americanos. empregando novos
métodos de provocação, chegando mesmo a falsificar documentos, conseguimos — as mulheres brasileiras e
as mulheres dos demais países da América Latina — realizar vitoriosamente a Conferência Latino-Americana
de Mulheres. Participaram desta Conferência 400 delegadas, das quais 64 eram de países irmãos do
Continente. Cerca de 100 expressivas mensagens de sindicatos, organizações profissionais e personalidades
femininas foram enviadas à Conferência.
O trabalho de preparação realizado no Brasil em função da Conferência Latino-Americana de Mulheres
deu novo impulso à organização do movimento feminino de massas. Surgiram no Brasil, nesse período, mais
de 30 organizações de massa femininas. Iniciamos também um importante trabalho junto às mulheres
operarias e camponesas, vários sindicatos elegeram em assembléias gerais ou em assembléias específicas de
mulheres operárias suas representantes à Conferência Latino-Americana de Mulheres. Em função da
Conferência, foram ainda realizadas assembléias de camponesas em muitos lugares do país, das quais surgiram
organizações de mulheres camponesas em Xerém no Estado do Rio, em Erechim no Rio Grande do Sul, em
Taciba, Pedreira e Salto Grande no Estado de São Paulo. Isto mostra que a tarefa de organizar e pôr em
movimento as massas camponesas já começa a dar alguns frutos. Tal fato foi confirmado na II Conferência
de Camponeses e Assalariados Agrícolas, realizada em setembro último em São Paulo, com a participação de
camponesas de vários Estados, eleitas como delegadas em grandes assembléias.
Camaradas!
Ganhar as massas femininas para as posições do Partido tem uma profunda significação política, pois se
trata de atrair massas de milhões da população brasileira para o Programa do Partido. A organização da frente
democrática de libertação nacional não pode ser levada a cabo sem a participação das mulheres. Precisamos
ter sempre presente que toda subestimação do trabalho feminino de massas resulta da própria subestimação
da necessidade imperiosa de organizar e unir as mais amplas forças democráticas e patrióticas para a luta pela
derrubada do atual governo e pela instauração do governo democrático de libertação nacional. Nada, portando
pode justificar a pouca atenção do trabalho entre as vastas massas femininas.
Apesar de já havermos obtido alguns êxitos no trabalho feminino de massas, este se caracteriza pela sua
falta de solidez, pela sua instabilidade, pelo seu fraco conteúdo político, pela sua pequena capacidade de
organizar as grandes massas femininas. Isto se deve em boa parte aos métodos de trabalho que ainda
empregamos.
Trabalhamos com intensidade somente durante as campanhas de massas. Depois, o trabalho decai. Em
muitos lugares chega até a desaparecer. O nosso trabalho de massas é, portanto, sem continuidade, sem uma
boa planificação e, muitas vezes, fora da realidade dos interesses mais sentidos pelas grandes massas
femininas.
Em grande parte é ainda falsa a nossa compreensão da política de frente única. Orientamo-nos quase que
exclusivamente no sentido de ganhar tais ou quais personalidades, deixamos para segundo plano o trabalho
diário e paciente junto às vastas camadas de mulheres, sejam elas simples donas-de-casa, operárias ou
camponesas, comerciarias ou funcionárias públicas.
A luta contra a carestia de vida, por exemplo, que é, sem dúvida, o maior fator de mobilização atual das
mulheres, não tem sido por nós devidamente orientada e dirigida. As palavras-de-ordem que apresentamos
são quase sempre gerais, sem concretizar o que queremos em cada momento e em cada lugar.
O trabalho feminino de massas exige que levemos em conta as características próprias desse trabalho,
usando métodos específicos, bem femininos. Precisamos adotar um modo próprio de nos dirigirmos as massas
de mulheres, de falar e escrever de maneira compreensível ao maior número de mulheres a fim de mais
facilmente ganharmos sua confiança e sua apoio ativo.
O informe do camarada Prestes assinala que o trabalho feminino de massas é uma tarefa de todo o
Partido. Que este vitorioso IV Congresso signifique para o nosso Partido o fim da subestimação do trabalho
feminino de massas; que se inicie uma nova vida em todo o Partido na aplicação do Programa que tem em
vista ganhar as grandes massas femininas; que todo o Partido cuide de fato da criação de novas e novas
organizações femininas de massas em todo o país. Onde existir Partido deverá haver obrigatoriamente
organização feminina de massas.
Camaradas! As mulheres comunistas são servidoras do povo, são fiéis e disciplinados soldados do nosso
glorioso Partido.
Estamos dispostas a cumprir sem vacilações as resoluções deste histórico Congresso.
Viva o IV Congresso do Partido Comunista do Brasil!
Longa vida e muita saúde ao querido camarada Prestes!
MARIA ARAGÃO (1910-1991)
O ideal socialista continuará a germinar no coração dos homens enquanto houver injustiça, desigualdade,
discriminação, miséria, analfabetismo, doença e fome que justifique a luta por uma sociedade libertaria e
fraterna, sonho que acompanha a humanidade desde seus primórdios e viverá conosco até o instante final da
nossa civilização. (Maria Aragão)
Mensagem às trabalhadoras
Uniram-se em bela e entusiástica Conferência Nacional de Trabalhadoras irmãs de todo o Brasil representando
milhões de mulheres, que contribuem cotidianamente para a riqueza economia da pátria tão querida;
trabalhadoras que sobraçam os feixes de cana, levantam as cestas de cereais nas árduas apanhas de café,
uniram suas vozes às das operárias, que muitas vezes se ocultam atrás dos teares para trocar as pobres vestes
do término de sua tarefa diária, àquelas que, manejando os tornos, concorrem para o progresso da metalurgia
nacional; às empregadas domesticas, bancárias e funcionárias públicas. Todas, em harmonia, bancárias e
funcionárias públicas. Todas em harmonia de pensamento e ação, estiveram juntas no magnífico encontro,
buscando os meios indispensáveis para a conquistas de suas aspirações.
E porque se uniram em Conferência as trabalhadoras do Brasil? Porque se eleva uma consciência nova de luta
das mulheres que sofrem duras discriminações, que padecem pelo respeito aos direitos consagrados em leis.
Uniram-se e abraçaram-se com o elevado sentimento de estender uma ação construtiva por um risonho e feliz
futuro, chamando para essa luta todas as trabalhadoras do Brasil que desejam a efetivação de seus direitos e
reclamam uma participação condigna na vida econômica e social do país.
É em nome dessa aspiração que a Conferencia se dirige a todas as que vivem do seu próprio salário, de seu
trabalho, conclamando-se à unidade, à organização pelas menores reivindicações que lhes são peculiares e as
que dizem respeito aos trabalhadores e ao povo em geral. Unidade e organização nos sindicatos, nas
associações, nos departamentos femininos, nas comissões e nos conselhos sindicais; unidade pela aplicação
efetiva e ampliação das leis que beneficiam as trabalhadoras da cidade e sua extensão às trabalhadoras do
campo e a domicilio. Isso representará uma feliz realidade para as trabalhadoras de nossa pátria.
A este apelo juntamos nosso apoio caloroso e unanime à Conferência Mundial de Trabalhadoras, a cuja
iniciativa devemos este encontro fraternal, que esperamos se repita futuramente em defesa dos direitos das
trabalhadoras e de suas crianças, porque foi este um dos objetivos da vitoriosa Conferência Nacional de
Trabalhadores.
A população feminina no Brasil representa 51% da população geral. Após o término da Primeira Guerra,
começaram as mulher, nos granes centros urbanos, por razões econômicas que mais tarde criaram as rações
sociais, a participar da produção nacional em diversos setores de atividade em que pesem os preconceitos, as
discriminações , a mentalidade estreita da sociedade, resultante das relações de produção. Temos hoje na
indústria têxtil, a de maior volume no país, 65% de mulheres. Mais da metade dos trabalhadores em fumo é
constituída de mulheres. Na indústria da confecção, o maior número é de mulheres. Encontramos 48% de
36
Publicado originalmente sob o título “As Teses esqueceram o trabalho entre as mulheres”. Ver Ana Montenegro, “As teses
esqueceram o trabalho das mulheres, Novos Rumos, Rio de Janeiro, 1-11 ago. 1960. P. 7 (N.O.)
mulheres no funcionalismo público. Nas autarquias, esse número sob para 65%. Na indústria metalúrgica, de
17% há dez anos, o percentual passou a 35%. Até na diplomacia as mulheres conseguiram e ingressar. E, se é
vedado o ingresso de mulheres no Banco do Brasil, os demais estabelecimentos bancários as empregam aos
milhares. Seria longo enumerar a participação das mulheres nos diversos setores de atividade. Embora as
estatísticas sejam omissas quanto ao número de mulheres que trabalham no campo, porque são arroladas no
contrato de trabalho do marido como animais domésticos, esse número é considerável, relativamente aos 70%
da população brasileira que vegeta pelo interior. De tal forma, as mulheres se integraram produtivamente à
sociedade que o próprio Código Civil, votado em 1912, com todos os ranços e prejuízos do século passado,
tornou-se obsoleto no que tange à autorização do marido para ao trabalho da esposa. Sabemos que toda essa
integração foi determinada por fatores de ordem econômica, como o fora antes na Inglaterra, quando a
Revolução Industrial; pelas necessidades sempre mais crescentes nos lares, o que não exclui o mérito da
vontade poderosa da mulher brasileira e o seu empenho diário de ver no home um companheiro para as horas
tristes e alegres, para juntos administrarem a família, e não um dono, m tutor que a sustenta. A participação
ativa da mulher nos variados setores da produção acompanhou e ajudou o desenvolvimento industrial
verificado a partir da década de 1950. Esse é o quadro numérico.
Poderia dizer-se que os problemas da mulher são os mesmos dos homens; precisam das coisas essenciais e
que precisam os homens para um bem estar social relativo às necessidades humanas no qual se enquadrariam
e viveriam, pelo qual lutaria ombro a ombro com os homens. Seria essa uma forma muito simples, mas também
muito oportunista, de justificar a ausência nas esses ora em debate da situação do elemento feminino na
sociedade brasileira e do trabalho entre as várias camadas de mulheres, que representam, numericamente,
como já foi dito, mais da metade dessa mesma sociedade. Seria não querer levar em conta, na tática traçada
para o trabalho entre as massas, as contradições existentes entre essa capacidade produtiva das mulheres e as
suas condições de vida. No tocante às condições de vida, no regime capitalista, as mulheres são
particularmente exploradas. Aqui no Brasil, em determinado período, em que é estudada a atividade por sexo,
dos 14 até os 23 anos, a população ativa feminina supera a população ativa masculina, o que corresponde ao
emprego da mão de obra da mulher menor de idade por baixos salários, significando maiores lucros para os
patrões. Ao sair da fábrica, para o escritório, para a escola, para a jornada diária de trabalho fora do lar, a
mulher não se livra da jornada diária do pesadelo trabalho doméstico. Assim tem condições de vida diferentes,
mais difíceis, mais dolorosas que o homem. E diz-se, então falsamente, levianamente, que a mulher brasileira
tem menos espirito associativo do que o homem O fato é que a mulher tem menos condições de participar de
uma associação, de um sindicato, do que o homem. Logo, a forma de reuni-la, de associa-la deve ser diferente
da usada para o homem, em cuja forma não podem deixar de ser levada em conta as duas jornadas de trabalho
diário. As mulheres, segundo as estatísticas publicadas pelo IAPI, só recebem 65% dos salários pagos aos
homens. Como se vê, são mais exploradas. Na consolidação das leis do trabalho, há um capítulo especial sobre
a proteção do trabalho da mulher. Mas as leis são cumpridas? Existem creches? Existe condições de higiene
indispensáveis ao trabalho da mulher na empresa? A maioria nem sabe desses direitos E não sabem porque as
associações de classe não se empenham em esclarecê-la, em procurar formas de organizá-las de acordo com
as suas condições particulares, não incluem os seus problemas na ordem do dia das assembleias, por
subestimação. Essa subestimação estranhamente encontra-se até nas teses apresentadas pela vanguarda do
proletariado. Passou essa vanguarda daquela extrema falsidade de colocar o trabalho feminino como centro
fundamental do trabalho de massas ao abandono completo e se justificação esse trabalho, o que indica uma
necessidade urgente de rever, levando em consideração a população feminina, a realidade social brasileira no
tocante às suas formas de organização. A posição assumida nas teses, ou melhor, a ausência de qualquer
posição é muito cômoda, mas errada, falsa e prejudicial, tanto do ponto de vista ideológico como político e
prático, no trabalho entre as massas.
Nos setores mais reacionários, mais retrógrados, por cálculos ou não, as mulheres se organizam. São
associações religiosas. São associações de caridade. Em todos os partidos políticos, em todos os comitês
eleitorais, em todos os movimentos nas igrejas de todas as religiões, há um grupo de mulheres organizando à
parte, um departamento, uma ala. Será por acaso? Fala-se muito em realidade e na verdade é preciso faze-lo.
É preciso acabar com as falsidades, os baluartismos, as conclusões sem fundamento, as afirmações impróprias
a determinadas situações com as palavras de ordem retumbantes e impraticáveis, com a cegueira diante de
fatos políticos, como o desenvolvimento econômico do país. Dentro dessa realidade, porém, estão as mulheres,
que trabalham, sofrem e lutam, junto com os homens, mas em condições sociais diferentes. Como será possível
desconhecer isso? Mesmo dos países socialistas, as mulheres que se libertaram, quando se deu a libertação
econômica, política e social daqueles países, tem as suas publicações especificas, os seus comitês, as suas
organizações femininas. Como os nossos pseudorealistas explicam isso? Ouvi dizer que as teses estavam
muito longas, e a inclusão do trabalho entre as mulheres iria alonga-las ainda mais. E assim, por incrível que
pareça, por causa de mais uma das laudas de papel foi esquecida mais da metade da população do país. A
desculpa é uma das menos aceitáveis que se possa dar e não corresponde à realidade ideológica dos fatos.
Pergunta-se das experiências mesmo negativas de vários anos, do trabalho falso à base de informes falsos
produzidos de documentos estrangeiros, da organização de um grupo permanente de turismo para todos os
congressos no exterior, que não representavam nem as mulheres ativas , nem as mulheres simples, capazes de
sentir o problemas das grandes massas femininas, não poderia sobrar, nas teses nem uma pequena e modesta
autocritica?
Não tive a pretensão de discutir aqui as teses na sua essência econômica, que determina o comportamento
político e social dos comunistas. Mas, na pratica, estamos vendo e sentindo a justeza das mesmas. Será, ainda,
a pratica, e não certas afirmações, que dirá o tempo de validade do documento. Penso que não é um documento
completo, pelos motivos que já expus e por outros que não estou discutindo, no momento. Mas a vida superará
todas as falhas, mesmo a falha do desconhecimento das camadas femininas No entanto, é de se lamentar essa
falha que põe a nu a debilidade do movimento de vanguarda, que ainda, conserva dentro de si os resíduos de
uma sociedade feudal, em que a mulher é colocada em situação inferior e de cuja situação se aproveita o
imperialismo norte-americano, pois lhe interessa conservar a mulher na indiferença e na ignorância,
impedindo-a de influenciar os seus familiares na luta pelas causas de independência nacional, impedindo-a de
participar dessas lutas. É bom em realidade quantitativa e qualitativa da mulher na sociedade brasileira, antes
que seja os prejuízos políticos sem maiores.
As Mulheres na luta pelo socialismo no período da
Ditadura Civil Militar de 1964
MULHERES DO ARAGUAIA
Sugestão de Filmes:
a. Camponeses do Araguaia. A Guerrilha vista por dentro. (Vandré Fernandes, 2010, 73min).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UhpO4I2O0zs
b. Araguaia. (Documentário de Dagmar Talga, 2015). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=oRw8NXSehcU
Este artigo é uma síntese de uma conversa realizada por convite da Federação de Estudantes da Universidade
de Concepción, em outubro de 1971.
A maior parte das considerações aqui feitas, pertencem a um consenso dos que tratam de enfocar o problema
desde uma perspectiva de esquerda. Entretanto, ainda assim, muito poucos são os que estão se preocupada até
agora no Chile de tratar de uma mais ampla divulgação, de estimular a discussão e de tratar de aprofundar a
problemática da situação da mulher no processo revolucionário.
É por isto que, considerando a relevância do tema na situação atual que o vive o país, atendemos ao pedido de
Punto Final, ocupando novamente suas páginas com o assunto “mulher”, ainda que não sejamos especialistas
nele.
1. A concepção da burguesia chilena expressada em sua imprensa:
O sistema capitalista, tanto nos países desenvolvidos como nos dependentes, tem sido incapaz de promover
uma efetiva “libertação da mulher”. E se bem este sistema tem libertado a mulher do jugo feudal, a tem
submetido a novas formas de dominação.
No capitalismo têm-se pretendido superar a milenária família patriarcal. Mas na família de casal que a
substituiu, a mulher também tem encontrado um posto subalterno; tem ficado relegada aos trabalhos
domésticos esgotantes e sem remuneração; tem sido tratada de incorpora-la ao processo produtivo, as a
incorporação tem sido complementária e restringido, e pelo geral em condições mais espoliativas. Em todo o
caso, há resultado da dupla exploração de seu trabalho, por quanto o trabalho de fora da casa se soma às
domesticas. Finalmente, a redução da mulher a categoria de objeto nunca tem sido tão utilizada por um sistema
como no capitalista, apesar de todas as conquistas que se tem logrado como são alguns direitos jurídicos.
É por isto que os defensores do sistema burguês não têm autoridade política, social, nem moral para presumir
o título de defensores da mulher enquanto categoria social.
É também por isto que o tema “libertação da mulher” tem sido colocado tão de moda nos Estados Unidos, no
Canadá e em vários países europeus, e já começando – pouco a pouco – a colocar-se na ordem do dia em
países como o Chile.
A esquerda até agora, pelo geral, timidamente preocupada pelo problema, se dá conta de sua gravidade cada
vez que fica claro o conservadorismo de vastos setores femininos, o que tem sido demonstrado na “marcha
das Panelas” e uma vez mais reafirmado os resultados das últimas eleições de 16 de janeiro.
Mas a direita também se preocupa com o tema e nos últimos meses tem dedicado destacada atenção a ele
através de sua imprensa.
Exemplo muito expressivo disto tem sido o suplemento do diário “Em Mercúrio” (30-06-71) que aparece com
o grande Título: “Libertação da Mulher”. Neste, tem sio tratado de definir sua posição, ou seja, a posição da
burguesia chilena sobre o problema, que devido a sua falta de perspectiva histórica não é sequer capaz de
desenvolver uma concepção mais progressistas e mais efetivamente reformista, que estivera de acordo com
os interesses da expansão do sistema.
Nesse suplemento aparece um “editorialzinho” assinado por Ada Mongillo; sem nenhuma dúvida as ideias
correspondem não somente a que as escreve; fundamentalmente expressam o pensamento do jornal que é um
genuíno representante de uma classe.
Pare grotesco a primeira leitura, mas sem dúvida importante como exposição de uma concepção ideológica
de um sistema explorador que, sendo incapaz de libertar a mulher se apega a seus valores decadentes para
encontrar neles a justificativa da manutenção de uma situação opressiva.
É por isto que o vamos citar e vamos tomar em conta, como uma boa ilustração do que entende a burguesia
chilena pela “libertação da mulher”.
Nele se começa levantando que “dentro de alguns anos, quando os historiadores falem de nossa época,
concederão grande importância a conquista do espaço, mas não há dúvida que também ressaltarão algo que é
evidente no mundo de home: a libertação da mulher” (...)
A mulher “depois de ter recuperado um atraso secular em pouco tempo (?) conseguiu superar o homem em
alguns domínios.
Aqui se parte de algo que realmente é evidente: que nossa época será a de libertação a mulher (e o que será
tão mais rápido quanto mais seja a destruição do capitalismo...) Mas se trata de estimular a competência entre
os dois sexos? Aqui se insinua um certo flerte com uma perspectiva feminista típica, que está sendo felizmente
superada pelos movimentos mais sérios para a libertação da mulher.
No mesmo “editorialzinho” se fala também da ignorância política da mulher e de seus deveres patrióticos, se
faz referência à passividade e de repente se entra em um “outro tema e atualidade”: o do pressuposto
doméstico. Se levanta que esta é uma “responsabilidade que numa grande maioria de casos recai sobre a
mulher. Isto lhe exige uma maior conhecimento e formação econômica e financeira. Parece praticamente
impossível equilibrar um pressuposto se não se sabe analisar as possibilidades e realizar cálculos exatos e
importantes. O imprevisível, como o imprevisto, põem em litigio a gestão e obrigam a improvisar. E não é
raro que seja a mulher a que se dedique a praticar a ginástica financeira com todos os riscos que ela envolve.
Naturalmente essas considerações pareceriam incrivelmente cínicas se não se tivesse em conta que o diário
no qual este se escreve é dirigido essencialmente à pequena burguesia e a burguesia (ainda que esta não tem
que fazer ginástica financeira”...). Mas, sendo assim... Seria grosseiro pretender que estas mulheres, operárias,
camponesas, de classes médias assalariadas , que compõe a grande maioria, estavam a adquirir maiores
conhecimentos econômicos e financeiros com o objetivo de controlar suas restritas despesas domésticas e suas
contas bancárias inexistentes!
O problema do presupuesto doméstico das classes exploradas não é imprevisível e do imprevisto senão de sua
estreiteza, produto do sistema de exploração da mais valia, que faz que este seja insuficiente.
Aqui fica claro a tal incapacidade burguesa de apresentar sequer uma concepção modernizante com respeito
à situação da mulher, desviando o assunto para uma temática que não é a relevante. Aqui fica claro que por
mais que se empenhe o sistema capitalista, nada mais tem que oferecer a esta categoria social superexplorada.
Ao invés de falar da dupla exploração da mulher quando trabalha também fora da casa, se fala da dupla missão
que a mulher se impôs (outorgando desta forma ao sexo feminino a distinção de masoquista...). E se reconhece
que esta dupla missão “não deixa de compilicar-la em muitos aspectos” (SIC!) E tanto, que há vezes em que
se pergunta se esta LIBERTAÇÃO (?) conseguida a força de tantos sacrifícios, valia a pena...”.
Então se diz:
“E é aqui onde deve entrar e cena a chamada “imprensa feminina”, que tem obrigação de ajudar às mulheres
a adaptar-se constantemente à evolução do mundo moderno, já que exige conhecimentos de especialista que
transbordam os ensinamentos maternos” (SIC!)
A preocupação do editorial vai deixando de ser somente com as contas bancárias, mas também se estende à
preparação: par empregar os aparatos cada vez mais complexos, os produtos de limpeza, os alientos atuais, se
necessita possuir uma série de conhecimentos”.
Se termina dizendo que “a imprensa feminina e familiar de amanhã, ao acolher em suas páginas todos os
temas, abrirá realmente horizontes novos às mulheres, e sobretudo às donas de casa que saem muito pouco do
estreito marco de sua casa”.
Por isto se percebe claramente que a “libertação da mulher” para burguesia consiste em mantê-la como “dona
de casa” no “estreito marco de sua casa” e que a imprensa feminina burguesa tratará de abrir “ horizontes
novos” acolhendo em suas páginas “todos os temas” que são de interesse para manter a situação da mulher tal
qual tratando de “modernizá-la” em seus quefazeres domésticos. Quais são estes temas?” Basta recorrer as
folhas do mesmo suplemente feminino de “El Mercúrio”:
1ª página: Horóscopos;
2ª página: A moda para o próximo inverno;
3ª página: Prendas íntimas modernas e refinadas;
4ª página: Para conservar um abrigo de peles; Novidades da moda, etc.;
5ª página: Perfume e maquiagem através do tempo;
6ª página: Ritual de beleza;
7ª página: Como imaginam as crianças o conforto; Lesões cerebrais e aprendizagens;
8ª página: O novo e moderno enxoval de recém-nascido;
9ª página: Os quatro grupos de alimentos; Frango ao limão;
10ª página: Que fazer com os restos de papel mural; Decoração; As Plantas;
11ª página: O indispensável e agradável banho diário.
Estes são os assuntos tratados em um suplemento que vem sob o título “Libertação da Mulher”!... Estes são
os temas que a burguesia considera que devem interessar à mulher “. Estes são os temas da imprensa feminina”
E estes são os temas mais relevantes no não somente da imprensa feminina do “El Mercúrio”, senão também
os temas de todas as revistas femininas que existem no Chile. (E no geral este tipo de imprensa feminina é
predominante em todos os países capitalistas). Estes são os temas que tratam as revistas como “Paula”,
“Vanidades”, etc. ademais de que há outros muito comuns como por exemplo a vida dos atores do cinema que
buscam impregnar o mundo feminino das pautas de conduta dos que “venceram na vida”, os “famosos”, o que
não tem nada que ver com a realidade cotidiana de uma mulher comum como é a grande maioria.
Ademais há outros temas, como são os consultórios sentimentais, ou as seções pseudo-instrutivas sobre as
relações entre os sexos, que busca, dar normas de conduta para a mulheres com o objeto de fazer mais
suportável sua condição de objeto. Em geral se baseiam no “senso comum”, no sentido pragmático de adaptar-
se às circunstancias em que se vive, sem jamais questioná-las. Há sempre um tom bastante cínico nos
“conselhos” da imprensa feminina.
Sua característica fundamental é que ela se destina a problemática de mulher burguesa ou pequeno-burguesa.
À problemática da “última moda”, das receitas culinárias, dos papéis murais, ou dos pequenos dramas
rotineiros e medíocres dos que tem tempo para vivê-los. Mas ainda assim, isto não quer dizer que esta
“imprensa feminina” não chegue às mulheres da classe trabalhadora. Cumpre a função de impor a elas os
valores de classes dominantes, de fazer que elas aspirem como ideal da vida ao ideal burguês. Mas seus efeitos
são necessariamente distintos. De que serve saber “como cuidar um abrigo de peles”, se nunca o teve? De que
serve saber como poderia maquiar-se, se não tem dinheiro para cosméticos? E que serve a “preparação para
empregar os aparatos cada vez mais complexos” se na casa trabalhadora e camponesa estes aparatos não
chegaram?
Na mulher trabalhadora, esta imprensa feminina deve provocar frustração, indignação e fazer germinar a
semente da rebeldia.
Nas jovens filhas dos trabalhadores, esta imprensa é um estímulo à prostituição, ao tratar de buscar a ilusão
conseguir por este meio ter acesso aos produtos que a sociedade de consumo oferece. É obvio que por esse
meio nunca conseguem, mas uma vez que se empenham nisto é praticamente retroceder.
A imprensa feminina é uma arma muito eficiente da dominação burguesa. Através dela se contribui
efetivamente a manter a mulher de fato como um ser inferior, se logra restringi-la ao pequeno mundo das
banalidades, e desta forma ajuda a mantê-la como um objeto passivo e por vez como um agente ativo de
dominação burguesa.
É triste observar que esta imprensa é admirada também pelos setores femininos que tem um maior acesso à
cultura, como por exemplo o caso de universitárias, que no geral, tudo assim o indica, nem sequer chegam a
ter uma atitude crítica frente a ela. Não nos atreveríamos a dizer o mesmo da grande maioria das militantes
políticas, mas não temos muitos elementos para ser muito otimistas, sobretudo frente à inexistência de outro
tipo de imprensa feminina.
Sugestão:
Entrevista com Lélia Gonzalez. (CULTNE DOC). Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=o9vOVjNDZA8
A voz de Marielle Franco continua ecoando na Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Nesta terça-feira
(27), treze dias após seu assassinato, um discurso que havia preparado para ser lido na votação do Plano
Municipal de Educação do Rio foi reproduzido no plenário pelo vereador Tarcísio Motta (PSOL).
No texto, Marielle atentou para a importância do debate sobre igualdade de gênero nas escolas. “Ainda que
ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas triplas, que
sejamos subjulgadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e psicologicamente, mortas
diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas importam!”, escreveu.
Confira a íntegra do texto abaixo e, na sequência, o vídeo que registrou Tarcísio Motta reproduzindo o discurso
escrito por Marielle.
“Boa tarde à todas e todos,
O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo.
Os números são assustadores: em 2016, foi registrada uma violência contra mulher a cada 5 horas no Estado
do Rio de Janeiro.
Mas também sabemos que estes números são apenas de parte das mulheres que conseguiram, de algum modo,
buscar auxílio e denunciar.
E eu pergunto à vocês: seguiremos nos recusando a falar sobre igualdade de gênero? Até quando?
O debate sobre a nossa igualdade é urgente no mundo, no Brasil e no município do Rio de Janeiro!
Enfrentar este debate é nos comprometermos com a democracia e com nosso avanço civilizatório.
Falar de igualdade entre mulheres e homens, meninas e meninos, é falar pela vida daquelas que não puderam
ainda se defender da violência. E são muito mais das 50.377 registradas em 2016, aqui, no Rio.
Diferente do que se fala ou, infelizmente, do que se acostuma ver em Casas Legislativas, como esta, não somos
a minoria. Somos a maior parte da população, ainda que sejamos pouco representadas na política.
Ainda que ganhemos salários menores, que estejamos em cargos mais baixos, que passemos por jornadas
triplas, que sejamos subjulgadas pelas nossas roupas, violentadas sexualmente, fisicamente e
psicologicamente, mortas diariamente pelos nossos companheiros, nós não vamos nos calar: as nossas vidas
importam!
No Brasil, segundo o IPEA (2016). As mulheres negras brasileiras ainda não conseguiram alcançar nem 40%
do rendimento total recebido por homens brancos. E somos nós, mulheres negras, que mais sofremos
violências diariamente.
Só quem acha que isso é normal é quem não sofreu no corpo o machismo e o racismo estrutural. Quem acha
que isso não merece ser debatido na nossa educação é porque se benefecia das desigualdades.
Por isso, quero deixar registrado que essa Casa, ao retirar os termos “gênero”, “sexualidade” e “geração”,
fortalece a continuidade de desigualdades e violências dos mais diversos tipos.
Hoje falamos do principal plano para desenvolvimento social do nosso município: o Plano Municipal de
Educação. Este plano merece que tenhamos compromisso e responsabilidade.
O termo “gênero” começou a ser utilizado como categoria de análise a partir de 1970 com o objetivo de dar
visibilidade às desigualdades entre homens e mulheres. Logo, tanto na origem da sua criação, quanto no uso
corrente em debates sobre a superação das desigualdades, falar de “gênero” tem como finalidade promover a
devida atenção e crítica das discriminações sofridas pelas mulheres, e tentar achar meios para que todas e
todos possamos juntos enfrentar este cenário.
Desde quando falar sobre uma opressão, que gera tantas mortes, é falar sobre alguma doutrinação?
Se dizem tanto a favor da vida, então deveriam ser a favor da igualdade de gênero. E só se promove igualdade
através de uma educação consciente e do debate com nossas crianças, para que se tornem adultos melhores.
Por isso, como parlamentares responsáveis pelas cidadãs e cidadãos dessa cidade, devemos defender o debate
na educação!
Se é da escola que nasce o espaço público que queremos, é indispensável que se fale de igualdade de gênero
sim! Que se fale de sexualidade, de respeito, de laicidade, de racismo, de LGBTfobia, de machismo. Pois falar
sobre estes temas é se comprometer com a vida, em suas múltiplas manifestações. É se comprometer com o
combate à violência e a desigualdade!
É mais do que urgente que esta casa não se cale sobre as vidas que são interrompidas dia-a-dia neste Município.
Falar de igualdade de gênero é defender a vida!”
CONCEIÇÃO EVARISTO (1946) - Poemas
Vozes-mulheres Sonho os dias da menina
A voz de minha bisavó e a vida surge grata
ecoou criança descruzando as tranças
nos porões do navio. e a veste surge farta
ecoou lamentos justa e definida
de uma infância perdida. e o sangue se estanca
A voz de minha avó passeando tranquilo
ecoou obediência na veia de novos caminhos,
aos brancos-donos de tudo. esperança.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta De mãe
no fundo das cozinhas alheias O cuidado de minha poesia
debaixo das trouxas aprendi foi de mãe,
roupagens sujas dos brancos mulher de pôr reparo nas coisas,
pelo caminho empoeirado e de assuntar a vida.
rumo à favela. A brandura de minha fala
A minha voz ainda na violência de meus ditos
ecoa versos perplexos ganhei de mãe,
com rimas de sangue mulher prenhe de dizeres,
e fome. fecundados na boca do mundo.
A voz de minha filha Foi de mãe todo o meu tesouro
recolhe todas as nossas vozes veio dela todo o meu ganho
recolhe em si mulher sapiência, yabá,
as vozes mudas caladas do fogo tirava água
engasgadas nas gargantas. do pranto criava consolo.
A voz de minha filha Foi de mãe esse meio riso
recolhe em si dado para esconder
a fala e o ato. alegria inteira
O ontem – o hoje – o agora. e essa fé desconfiada
Na voz de minha filha pois, quando se anda descalço
se fará ouvir a ressonância cada dedo olha a estrada.
o eco da vida-liberdade. Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
Para a menina apontando-me o fogo disfarçado
Para todas as meninas e meninos de cabelos em cinzas e a agulha do
trançados ou sem tranças. tempo movendo no palheiro.
Desmancho as tranças da menina Foi mãe que me fez sentir as flores
e os meus dedos tremem amassadas debaixo das pedras;
medos nos caminhos os corpos vazios rente às calçadas
repartidos de seus cabelos. e me ensinou, insisto, foi ela,
Lavo o corpo da menina a fazer da palavra artifício
e as minhas mãos tropeçam arte e ofício do meu canto
dores nas marcas-lembranças da minha fala.
de um chicote traiçoeiro.
Visto a menina Do fogo que em mim arde
e aos meus olhos Sim, eu trago o fogo,
a cor de sua veste o outro,
insiste e se confunde não aquele que te apraz.
com o sangue que escorre Ele queima sim,
do corpo-solo de um povo. é chama voraz
que derrete o bivo de teu pincel
incendiando até ás cinzas
O desejo-desenho que fazes de mim.
Sim, eu trago o fogo, do mundo.
o outro, – Conceição Evaristo, no livro “Poemas da
aquele que me faz, recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte:
e que molda a dura pena Nandyala, 2008.
de minha escrita.
é este o fogo, A noite não adormece nos olhos das mulheres
o meu, o que me arde Em memória de Beatriz Nascimento
e cunha a minha face A noite não adormece
na letra desenho nos olhos das mulheres
do auto-retrato meu. a lua fêmea, semelhante nossa,
– Conceição Evaristo, no livro “Poemas da em vigília atenta vigia
recordação e outros movimentos”. Belo Horizonte: a nossa memória.
Nandyala, 2008. A noite não adormece
nos olhos das mulheres
Eu-Mulher há mais olhos que sono
Uma gota de leite onde lágrimas suspensas
me escorre entre os seios. virgulam o lapso
Uma mancha de sangue de nossas molhadas lembranças.
me enfeita entre as pernas. A noite não adormece
Meia palavra mordida nos olhos das mulheres
me foge da boca. vaginas abertas
Vagos desejos insinuam esperanças. retêm e expulsam a vida
Eu-mulher em rios vermelhos donde Ainás, Nzingas, Ngambeles
inauguro a vida. e outras meninas luas
Em baixa voz afastam delas e de nós
violento os tímpanos do mundo. os nossos cálices de lágrimas.
Antevejo. Antecipo. A noite não adormecerá
Antes-vivo jamais nos olhos das fêmeas
Antes – agora – o que há de vir. pois do nosso sangue-mulher
Eu fêmea-matriz. de nosso líquido lembradiço
Eu força-motriz. em cada gota que jorra
Eu-mulher um fio invisível e tônico
abrigo da semente pacientemente cose a rede
moto-contínuo – Conceição Evaristo, em Cadernos Negros, vol. 19
.