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ÁGUA UM BEM AMBIENTAL EM ESTÁGIO DE VALORAÇÃO

Cláudia Regina Soares Magnani


Mestranda em Gestão Econômica do Meio Ambiente – UnB
e-mail: crs2011@terra.com.br

Jorge Madeira Nogueira


Coordenador do Mestrado em Gestão Econômica do Meio Ambiente – Deptº de Economia – UnB

Os bens ambientais têm preço e só podem ser adquiridos


coletivamente, resta saber a quem caberá os ônus e o bônus da
proteção ambiental preconizada, sob a aplicação de políticas
determinadas (Bellia, 1996).

RESUMO
Este ensaio procura, na abordagem neoclássica, o suporte teórico para a gestão
de recursos hídricos, tendo a base na Legislação Federal n. º 9.433/97, trazendo
uma breve reflexão dos instrumentos econômicos e como exemplo o instrumento
utilizado pelos franceses. E, finalmente buscando um instrumento econômico que
se aproxime o máximo de uma cobrança ideal, no caso deste ensaio, será
analisado o “Princípio Poluidor Pagador” (PPP), na luz dos fundamentos dos 4
preços da água, segundo Lanna, (1999).
Este ensaio é requisito para obtenção de créditos da disciplina IGEA I, no curso de
Mestrado de Gestão Econômica do Meio Ambiente-UnB, sob orientação de Jorge
Madeira Nogueira, janeiro de 2003.

1. INTRODUÇÃO

O rápido crescimento econômico das sociedades modernas trouxe conseqüências


preocupantes para bens coletivos e individuais, como os recursos ambientais e o patrimônio
histórico-cultural, direta ou indiretamente ameaçados de destruição. Como reação a esse
problema, a crescente preocupação com o meio ambiente e o surgimento de uma nova série
de demandas sociais passou a exigir uma grande reciclagem em todas as ciências, inclusive
nas áreas sociais.

1
Entre os novos temas que surgem com destacado interesse está a questão dos interesses
difusos, ensejando uma nova conduta para todas as áreas inclusive para a Economia e a suas
funções. O desafio da humanidade, não é evitar a urbanização, mas administrá-la de forma
que seja compatível com as metas de desenvolvimento sustentável do país em questão, como
um todo.

A água bruta é um dos desafios ambientais que assola a humanidade. Enquanto houver
abundância da água de boa qualidade ela poderá ser considerada um bem livre, a partir do
instante que as demandas por água aumentarem relativamente à sua disponibilidade, gerando
balanços hídricos desconfortáveis ou critérios e começarem a surgir conflitos entre usuários
pelo seu uso, ela passa a ser escassa, necessitando ser tratada com bem econômico. A
preocupação com a escassez dos recursos hídricos é vigente e consagrada na Lei Federal nº
9.433/97.

Este ensaio tentará enfocar o “Princípio Poluidor Pagador/Princípio Usuário Pagador”, com
referência aos recursos hídricos. Para tanto, serão apresentados o “Princípio Poluidor
Pagador” na Legislação Brasileira, desde o Código das Águas, 1934 até a legislação atual,
exemplificando alguns casos de legislações estaduais vigentes.

A seção seguinte apresentará uma breve reflexão dos instrumentos econômicos. A quarta
seção retratará a redevance – um exemplo do instrumento econômico utilizado na França, o
qual tem sido o modelo principal como referência para a construção do arcabouço institucional
brasileiro de gestão de recursos hídricos, enquanto que a quinta seção tratará do “Princípio
Poluidor Pagador” propriamente dito na luz dos fundamentos dos quatro preços da água,
segundo Lanna, (1999). Por fim, serão apresentas algumas considerações finais a respeito do
“Princípio Poluidor Pagador”.

2. O PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

A determinação de medidas próximas ao princípio do usuário já estava prevista no Código de


Águas de 1934:

2
“(...) o Código de Águas admite que, mediante expressa autorização administrativa, e se os
interesses da agricultura ou da indústria o exigirem, as águas podem ser inquinadas, mas os
agricultores ou industriais devem providenciar para que elas se purifiquem, ou sigam os
seus esgotos naturais. Pelo favor concedido, os agricultores ou industriais devem indenizar
os poderes públicos ou os particulares lesados” (Brasil, 1934).

A utilização das espécies tributárias como instrumentos jurídicos efetivos na captação de


recursos para a adoção e aplicação do primeiro usuário pagador já era cogitada na década de
70. Não se trata, portanto, de matéria inovadora, como fazem constar os já referidos artigo 4°
e parágrafo 3° do artigo 14 da Lei Federal 6.938/81, obtendo respaldo no parágrafo 2° do art.
225 da Constituição da República; que determinam o dever de impor ao usuário do meio
ambiente uma contribuição pela utilização dos recursos ambientais (Young, 1997).

Esta orientação de ordem financeira também já está consagrada de forma expressa em


algumas constituições estaduais vigentes. A Constituição de São Paulo, em seu artigo 211,
estabelece a cobrança dos recursos hídricos, segundo peculiaridades de cada bacia, de modo
a garantir a utilização racional, aproveitando múltiplo e determinar a adoção da tributação das
atividades econômicas como instrumento de proteção ambiental.

A Constituição Fluminense, no artigo 258, parágrafo 1°, XVIII, incumbe ao Poder Público,
“estabelecer política tributária visando à efetivação do ”Princípio Poluidor Pagador“ e o
estímulo ao desenvolvimento e implantação de tecnologias de controle e recuperação
ambiental mais aperfeiçoada”.

A Constituição do Estado da Bahia, em seu artigo 214, XIII, obriga ao Estado e aos
Municípios, através da atuação da Administração direta e indireta, a estabelecer, na forma da
lei, a tributação das atividades que utilizem recursos ambientais e que impliquem potencial ou
efetiva degradação. (Young, 1997).

A legislação federal atual nº 9.433/97, trata a água com um bem econômico, a qual temos o
desafio de valorá-la. Após seis anos de debates e de apresentação de alguns projetos de lei,
a Lei de Recursos Hídricos (autoria do deputado Aroldo Cedraz) foi sancionada em 08.01.97
pelo presidente da República com 12 vetos (para uma discussão sobre os entraves políticos
em torno da Lei nº 9.433/97, ver Serôa da Motta, 1998). A nova lei institucionaliza os conceitos
de “usuário-pagador” e o de “poluidor pagador”, desonerando os cofres públicos.

3
Para implantar o sistema de cobrança estadual, será necessário um modelo capaz de
determinar os valores da contribuição de acordo com as necessidades locais, características
sócio-econômicas, dados hidrológicos, pluviométricos, vazão dos rios, qualidade da água,
entre outras. Assim todos os modelos deverão ser adaptados à nova Lei Federal. Cada bacia
deverá ter sua autoridade local preservada, possuindo poderes de definir, fiscalizar, aplicar,
cobrar, centralizar informações, intermediar conflitos 1 e reinvestir nas suas prioridades e com
a participação dos interessados locais.

Contudo, ainda existe uma enorme distância entre estas propostas “no papel” e legislações
efetivas que normatizam a cobrança pelo uso do recurso como instrumento de gestão
ambiental. Em particular, a definição da categoria jurídica mais adequada para efetuar a
cobrança é ainda alvo de polêmica, dadas às características e limitações de cada uma e a
complexidade da legislação tributária no Brasil.

3. UMA BREVE REFLEXÃO DOS INSTRUMENTOS ECONÔMICOS

A Economia apresenta três doutrinas a Clássica, a Marxista e a Neoclássica para o desafio


ambiental, no caso desse ensaio a “água”. A primeira teoria Clássica defende a idéia de que o
valor real de um bem depende da quantidade de trabalho utilizada para produzi-lo, mas que,
para efeito de troca, o seu preço deve refletir a relação que existe entre a oferta e demanda
desse bem. A teoria Marxista, por sua vez, modifica a teoria Clássica do valor-trabalho,
introduzindo o tempo de trabalho “socialmente” necessário à produção do bem. (por
apresentar vários problemas e não refletir o valor de troca, foi abandonada pela maioria dos
economistas) (Carreira-Fernandez e Garrido, 2002).

A doutrina econômica neoclássica reflete a tendência dos clássicos e socialistas em utilizar


trabalhos como índice de valor para a água, mas ressalta a primazia de elementos subjetivos,
como por exemplo, o grau de preferência que os usuários tem pela água, bem como a sua
presença física e o seu custo de oportunidade 2. Ao satisfazer as necessidades, se materializa
em um preço, resultante do equilíbrio entre oferta e demanda (Carreira-Fernandez e Garrido,
2002).

1
A outorga continua sendo controlada pela União no caso de águas sob seu domínio, constitucionalmente definidas como rios e lagos que
banham mais de uma unidade da Federação, ou que sirvam de fronteira interestadual ou internacional.

4
Para a materialização do preço de mercado devem ser escolhidos os instrumentos ambientais
que melhor convir para a situação em questão, levando em conta a bacia em estudo e todas
as informações técnicas plausíveis e existentes. Como todo início de trabalho vem a dúvida!
Quais instrumentos ambientais devem ser escolhidos para gerir melhor o “mercado”
ambiental? Instrumentos de mercado ou de comando e controle?

Segundo Serôa da Motta (1996), a gestão ambiental apresenta três instrumentos para auxiliar
a gestão do meio ambiente, sendo que dois apresentam-se em extremos, de um lado os
instrumentos orientados para o comando e controle extremo, e do outro orientado para o litígio
os quais exigem advocacia ou litígios particulares que atenuem com incentivos para a
melhoria da gestão ambiental, e no meio termo apresentam-se os orientados para o mercado
podendo ser em forma de taxas, subsídios, mecanismos que se baseiam em direitos de
propriedades e outros.

A melhor opção é que instrumentos econômicos (IEs) sejam economicamente eficientes e


ambientalmente eficazes, para assim completar os instrumentos de comando e controle (CEC)
de maneira que possibilite a interação entre as partes envolvidas com maior eficácia e
eficiência. Os IEs permitem que o custo social de controle ambiental seja menor e podem
ainda fornecer ao governo a receita que necessitam. No entanto, os custos administrativos
associados podem ser mais elevados, a exigência de monitoramento e outras atividades de
fiscalização continuam como no caso dos CEC.

Foram identificados pela OECD (Organization for Economic Cooperation and Development)
em 1989, mais de cem tipos diferentes de IEs. Incluindo por exemplo, impostos sobre
embalagem, taxa e impostos sobre emissões de resíduos, licenças comercializáveis,
esquemas depósitos reembolso, subsídios à operação ou a investimentos em controle ou
tecnologia limpa, bônus de desempenho, instrumentos de responsabilização e muitos outros.

Um instrumento econômico (IE) ou instrumento de mercado (IM), descentraliza a tomada de


decisões conferindo ao poluidor ou ao usuário do recurso, a flexibilidade para selecionar a
opção ou de consumo que minimize o custo social para atingir-se um nível determinado de
qualidade ambiental. Estudos mais recentes feitos pelo OECD indicam que muitos IEs vem
sendo preferidos nos países em desenvolvimento (OECD, 1991).

2
Valor da água em um uso alternativo.

5
O papel histórico dos IEs tem como objetivo dominante gerar receita. Outros objetivos, como
redução dos impactos ambientais ou a melhoria da eficiência de custo de regulação, têm sido
pouco enfatizado na sua implementação.

Fragilidades institucionais tais como insuficiência de recursos, inexperiência, jurisdição mal


definida ou falta de vontade política limitam a efetiva implementação do IEs . O
monitoramento, as dificuldades de definir uma base legal, as dificuldades de consulta ao
público, assim como as necessidades de fiscalização e recolhimento fiscal associada aos IEs
nem sempre guardam uma diferença perceptível da abordagem estritamente dos CEC.

4. REDEVANCE – EXEMPLO DE UM INSTRUMENTO ECONÔMICO FRANCÊS.

O sistema francês de gestão dos recursos hídricos é um dos principais exemplos


internacionais do emprego do Princípio Poluidor Pagador. Atualmente está em vigor na França
Lei 92-3, de 03/10/1992, que é um aperfeiçoamento da Lei de 1964, relativa à propriedade e à
repartição das águas e à luta contra a poluição, tal modelo define a bacia hidrográfica como
unidade administrativa de gestão de recursos hídricos 3.

Alguns pontos dessa legislação devem ser destacados, pois a sua promulgação revolucionou
por completo o sistema de planejamento e gerenciamento dos recursos hídricos do País: (i)
reforço do chamado poder da polícia, até então limitado; (ii) adoção da bacia hidrográfica
como unidade de planejamento e gestão, com a criação de seis regiões hidrográficas; e (iii)
criação de um fundo de investimento, formado da contribuição dos usuários, base do atual
sistema de cobrança pelo uso da água, pela aplicação da “redevance”. Ainda nos anos
sessenta foram criadas as agências das bacias, atuando como entidades financeiras e
técnicas do sistema (Feuillette, 2001).

Os comitês de bacia, pode-se afirmar, são o parlamento das águas, isto é, devem refletir a
vontade de todos os setores envolvidos no processo de gestão do uso das águas da bacia
hidrográfica, aí incluídos, a administração pública e a sociedade civil. É importante salientar o
avanço experimentado pelo sistema francês que, hoje, tem sido debatido e mesmo exportado
para vários países. De certa forma, o modelo brasileiro de planejamento e gestão dos

3
O sistema Francês é estruturado em seis bacias hidrográficas subordinadas a políticas e diretrizes nacionais. As bacias são: Adour-
Garonne, Artois-Picardie, Loire-Bretagne, RhinMeuse, Rhone-Medit, Corse e Seine-Normandie.

6
recursos hídricos adotou vários dos pressupostos básicos que deram origem ao atual sistema
francês, com ênfase para a adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento e
gestão (Carrera-Fernandez, 2000).

A taxa cobrada dos agentes poluidores franceses – a redevance – é determinada pelo volume
de poluição lançado ou pela degradação gerada sobre os corpos d’água 4. Contudo é
importante frisar que o lançamento de poluentes é livremente permitido, sendo a aplicação da
referida taxa uma das alternativas utilizada pelos gestores franceses para inibir a ação dos
agentes poluidores (Reydon & Cavini, 2000 apud Martins e Felicidade, 2001). Desse modo, a
aplicação da redevance seria uma forma de induzir o poluidor a realizar análises de custo-
benefício entre poluir pagando taxas ou não poluir, adotando mecanismos ou tecnologias que
reduzam sua carga poluidora.

Em 1992 os custos se elevaram a cerca de US$ 1,07x1010 , dos quais US$ 5,08x109 eram
para o abastecimento e US$ 5,62x109 para o combate à poluição. Para ambas as parcelas,
cerca de 40% referem-se a investimentos; e 60% a operação. Pode-se afirmar que o princípio
do financiamento da política de recursos hídricos da França pelos usuários foi plenamente
alcançada (Carrera-Fernandez, 2000).

As receitas obtidas com a cobrança do uso da água na França são compostas, além da
redevance, pelas tarifas de captação e consumo de água, que variam conforme a origem da
água (superficial ou subterrânea), a localização geográfica e a época do ano. Tais receitas
são utilizadas em suas bacias de origem como fundos dos programas plurianuais de
desenvolvimento dos recursos hídricos e de redução e controle de poluição (Martins &
Felicidade, 2001). Hoje, debate-se na França, a possibilidade de aumentar-se o preço da
água, para incluir-se o combate à poluição difusa, além da luta contra a poluição dos rejeitos
urbanos em tempo de chuva (Carrera-Fernandez, 2000).

5. PRINCÍPIO DO POLUIDOR/USUÁRIO PAGADOR.

4
Mais precisamente, os parâmetros utilizados para o cálculo da redevance são: 1 – a poluição em termos de demanda biológica de oxigênio
(DBO) e de demanda química de oxigênio (DQO); 2 – a poluição em termos de sólidos em suspensão (SS); 3 – a poluição em termos de
salinidade (medida pela condutividade que é multiplicada pelo volume diário de efluentes, dando o teor total de sais (TDS); 4 – a toxicidade
do material lançado, cujo efeito não poderá matar mais de 50% das espécies selecionadas de peixe; e 5 – o volume de hidrocarbonetos e
outros compostos inorgânicos (Reydon & Cavini, 2000 apud Martins & Felicidade, 2001)).

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Segundo Bellia (1996), o “Polluter Pays Principle” (PPP) parte da regra de que é necessário
igualar os custos privados e os custos sociais. Num mercado totalmente livre, podemos
escrever que o preço reflete o custo de produzir uma unidade extra do produto (custo
marginal) e a produção prossegue até que o preço se iguale ao custo marginal, ou seja:

P = CM; onde: P = preço do produto no mercado de


concorrência perfeita; e
CM = custo marginal

Qualquer produção é passível de gerar alguma quantidade de poluição, no caso chamaremos


de externealidades 5, que também tem seu custo, não computado normalmente no custo
marginal antes exposto. O PPP confere direitos que permitem a internalização 6 de custos que
não seriam normalmente incorridos pelo poluidor ou usuário, este custo não computado é
denominados custo marginal externo (CME) e adicionando-o ao custo marginal (CM), obter-
se-á o total do custo social do produto, quando a igualdade acima passaria a:

PS = CM + CME = CMS ; onde:


PS = preço social do produto no mercado de concorrência perfeita;
CM = custo marginal;
CME = custo marginal externo; e
CMS = custo marginal social.
Não há incentivo para que o mercado incorpore o custo marginal externo (CME), por isso
normalmente:
P  CMS;
significando que os preços dos produtos são muito baixos em um mercado livre.
O “Princípio Poluidor Pagador” (PPP), adotado pelo conselho da OECD em 1974 (Pearce,
1989 apud Bellia, 1996), estabelece que “o poluidor deverá arcar com os custos das medidas
para redução da poluição, decididas pelas autoridades públicas para assegurar que o meio
ambiente se encontre em estado aceitável”.

O objetivo principal do PPP é o de harmonizar as políticas, entre os membros da OECD, para


que as diferentes regulamentações ambientais não destorcessem as vantagens comparativas
e os fluxos de mercado. O PPP teve e tem grande aceitação como um guia para a formulação

5
Externealidades existem quando o bem-estar de um indivíduo, U = utilidade ou satisfação do consumo é afetado não só pelas suas
atividades de consumo como também pelas atividades de outros indivíduos. As externealidades negativas ocorrem com a degradação ou
exaustão de recursos naturais decorrentes das atividades de produção e consumo de certos bens que prejudicam a saúde humana e há a
produção de outros bens que também destroem a fauna e a flora.

8
de políticas ambientais pelos governos e pelas agências de fomento de ajuda econômica. O
PPP é usado como ponto de partida, mas ele fornece uma ajuda ínfima na avaliação do custo-
efetividade de políticas alternativas (World Bank, 1992, pp 77 apud Bellia, 1996).

O “Princípio Poluidor Pagador” não é, por outro lado, um princípio de compensação por danos
causados pela poluição. Tampouco significa que ao ser taxado pelo Poder Público pela
poluição que causou, o poluidor estaria conquistando o direito de poluir. Trata-se, em
realidade, de um princípio mais fundado em motivações éticas (justiça, eqüidade) que em
motivações em eficiência econômica. O juízo de valor subjacente é o direito de todos a um
meio ambiente “limpo”.

Em termos estritamente econômicos, nada impediria que uma sociedade pudesse compensar
uma perda de qualidade ambiental pelo desenvolvimento de uma atividade poluidora.
Entretanto, nos termos da OECD conceitua, por força do “Princípio Poluidor Pagador”, os
poluidores devem suportar os custos das medidas antipoluição, o que os obriga, em princípio,
a internalizar uma parte dos custos externos que foram impostos à coletividade.

Alega-se freqüentemente, que o PPP é uma desculpa para “pagar e continuar poluindo”. Esta
alegação só é verdadeira em um caso: quando a tarifa é muito baixa e fica abaixo do nível de
custo marginal de qualquer agente poluidor. Neste caso, evidentemente, todos os agentes
pagarão a tarifa e continuarão vertendo seus efluentes. Entretanto, se a tarifa for
adequadamente calculada haverá abatimento e o padrão de qualidade será atingido (Lanna,
1999).

6. FUNDAMENTOS DA COBRANÇA PELO USO DA ÁGUA

Segundo Lanna (1999) a água apresenta quatro preços distintos, 1º Preço


correspondente à captação, potabilização e distribuição da água tratada; 2º Preço
correspondente ao esgotamento sanitário e o transporte da água residuária; 3º Preço
correspondente à retirada da água bruta; 4º Preço correspondente ao despejo de esgoto no
rio.

6 Internalização, os custos das externalidades são trazidos ao mercado.

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Sendo que em grandes cidades brasileiras, um consumidor urbano paga dois preços de água
potável que consome:
1º Preço correspondente à captação, potabilização e distribuição da água tratada;
2º Preço correspondente ao esgotamento sanitário e o transporte da água
residuária.

Nesta situação, o rio, quer como fonte de recurso, quer como fossa do resíduo é de livre
acesso e gratuito. A gratuidade do rio é possível, pois sendo ele abundante relativamente às
necessidades, a capacidade de suporte e de assimilação, sendo suficientes para todos os
usos, a um custo zero.

Entretanto à medida que o desenvolvimento econômico se processa, bem como o crescimento


populacional, o rio excede a capacidade de autodepuração, provocando degradação da
qualidade ambiental do rio de tal ordem que desapareça a balneabilidade e a pesca, e o
próprio abastecimento de água potável seja prejudicado, tendo aumentos de custos de
tratamento, em um estágio mais avançado, se a retirada de água for excessiva à capacidade
de suporte, problemas quantitativos também podem ocorrer.

É nessa situação que a sociedade pode decidir pela intervenção do Poder Público – no limite,
estabelecendo a propriedade estatal do recurso, que passa a não ser mais de livre acesso –
no sentido de racionar e racionalizar os usos. Aqui, por sua vez, surge o PPP/PUP como
instrumento desse racionamento e racionalização, implicando mais dois preços:
3º Preço correspondente à retirada, que será acrescido à conta de água tratada,
no sentido de frear o consumo, viabilizando inclusive o investimento em dispositivos
poupadores de água; e
4º Preço correspondente ao despejo de esgotos no rio, e que acompanhará a
tarifa de esgoto, no sentido também, de refrear o seu lançamento (se a tarifa, for unidade de
despejo, for suficientemente alta, custará menos ao município tratar ponderável parcela do
esgoto e pagar pela poluição residual, do que pagar pelo despejo total do esgoto gerado).

O 3º e 4º preço integram o chamado Princípio Poluidor Pagador (PPP)/Princípio Usuário


Pagador (PUP) e constituem um instrumento crescentemente utilizado no sentido de viabilizar
os diversos usos de um curso d’água que se tornou escasso. Evidentemente, esta análise dos
quatro preços, com as devidas adaptações, pode ser estendida aos demais usuários (Lanna,
1999).

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem inúmeros mecanismos para efetivar os instrumentos econômicos em referência a


cobrança ambiental. Este ensaio procura exemplificar o caso do “Princípio Poluidor Pagador”.
A Implementação do PPP deve começar modestamente, mas já sinalizando os objetivos a
serem alcançados a médio e longo prazo (Eficiência econômica? Instrumento de gestão? Ou
Somente geração de receitas?) Para tanto, sugere-se que haja uma reflexão sobre alguns
importantes tópicos concebidos a partir deste ensaio:

1. Será necessário muitas pesquisas e muitas discussões para chegar a uma cobrança
equânime, eficaz e eficiente no que tange a economia e a ecologia;

2. Comunicação, sensibilização e negociação para a “adesão não-litigiosa” dos usuários são


essenciais para o sucesso do novo sistema de gestão: maior exemplo, França;

3. Aproveitar experiências existentes;

4. Maior clareza e compreensão suficiente de que os instrumentos trazidos pela Lei das águas
(Lei n° 9.433, de 08.01.97) representam um salto qualitativo político institucional e sociológico
para a gestão dos recursos hídricos;

5. As autoridades nacionais deverão empenhar-se no sentido de promover a internalização


dos custos de proteção do meio ambiente e a utilização de instrumentos econômicos, com
base no princípio segundo o qual é o poluidor que deve, por princípio, assumir o custo da
poluição, em respeito ao interesse público e sem falsear as regras do comércio internacional e
do investimento;

6. Maior participação da sociedade através do gerenciamento em comitês de bacias;

7. Valorização do CNRH e Comitês;

8. Não confundir Comitê de Bacia com órgão de fiscalização ambiental;

9. Implantação deve ser gradativa, para que haja amadurecimento;

11
10. O modelo “em estudo” deve ser capaz de determinar os valores da contribuição de acordo
com a necessidades locais, características sócio-econômicas, parâmetros técnicos (qualidade
das águas (variáveis químicas, físicas e biológicas), dados hidrológico, pluviométricos, vazão
dos rios e transporte de sedimento);

11. Os modelos propostos devem seguir as legislações federal e estadual;

12. A água deve ser o objetivo e o usuário a razão.

Pode-se dizer que a não adoção, até agora, do Princípio Usuário-Pagador no Brasil, e em
outros países em desenvolvimento, é responsável pela perpetuação de um mecanismo
clássico do chamado “período de crescimento selvagem”.

É amplamente reconhecido que a “ideologia do crescimento predatório”, que consiste em jogar


para fora da empresa, isto é, em “externalizar” os custos da degradação ambiental, é geradora
de ineficiência econômica e provoca uma repartição socialmente injusta dos custos do
desenvolvimento.

8. REFERÊNCIAS

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Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, IBAMA, 262p.
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12
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Doctorat du Université Montpellier II Sciences et techniques du Languedoc Formation
Doctorale : Sciences de l'Eau dans l'Environnement Continental Ecole Doctorale : Sciences de
la Terre Présentée par Application à la nappe de Kairouan, Tunisie Centrale. Soutenue
publiquement le 27 mars 2001, 350p..

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SERÔA DA MOTTA, R., 1998, Utilização de critérios econômicos para a valorização da água
no Brasil, Rio de Janeiro: SEMA/SERLA/GTZ.

13
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Janeiro: IPEA/DIPES, Texto para Discussão nº 440, out. de 1996.

YOUNG, M.C.F., YOUNG, C.E.F., 1997, Aspectos Jurídicos do Uso de Instrumentos


Econômicos na Gestão Ambiental: A Nova Política de Recursos Hídricos no Brasil. Artigo
apresentado no curso de mestrado em Análise da Informação Geográfica e Estudos
Populacionais (ENCE/IBGE).

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