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1V. António Dias Farinha, Portugal e Marrocos no Século XV, 3 vols., Dissertação de Doutoramento,
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1990, e Os Portugueses em Marrocos, [Lisboa,] Instituto
Camões, 1999.
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Castela pelo Norte de África, vendo reconhecido o direito à conquista de Fez nos acordos
de Alcáçovas (1479), depois confirmado em Tordesilhas (1494).
Por altura do convénio de Alcáçovas já o príncipe herdeiro tinha uma palavra a
dizer na condução dos negócios ultramarinos; e se normalmente se atende às iniciativas do
seu reinado tendentes à preparação da busca do caminho marítimo para a Índia, não é
menos certo que D. João II denotou preocupação pelo continuar do esforço de expansão no
Norte de África. O aspecto mais visível dessa continuidade foi precisamente o articulado do
segundo tratado de Tordesilhas, onde entre outras matérias tratou de ver reconfirmado o
direito português à conquista do reino de Fez, para o que tinha dado entretanto um passo
indiciário dessa intenção, mandando construir a fortaleza da Graciosa em 1489, a uns 15
kms de Larache: "Essa escolha denuncia o plano de ataque a Alcácer Quibir e, mais tarde, à
própria cidade de Fez", no dizer de Dias Farinha, já que se o rei procurasse um ancoradouro
marítimo teria melhores opções4. A oposição encontrada de imediato levou a uma retirada
que se completou sem consequências de maior, mas no seguimento da qual D. João II
escreveu ao Papa (cujo apoio tinha entretanto pedido e obtido) reafirmando o seu propósito
e justificando o desaire.
É todavia com D. Manuel que se assiste ao mais sério assalto ao Norte de África;
uma vez mais, estamos perante um reinado que parece dominado pelo sonho da Índia e do
comércio das ricas especiarias: e assim é de facto normalmente visto pela historiografia.
Mas não houve outro momento em que as conquistas no Magrebe concitassem tanta
atenção e esforço.
No dealbar do século XVI os Portugueses controlavam portanto um conjunto de
praças a Norte, que conferem o domínio do território adjacente e do estreito de Gibraltar:
são elas, de leste para oeste, Ceuta, Alcácer Ceguer e Tânger, praticamente contíguas, e
Arzila, um pouco mais distante. Mas num curto espaço de tempo a sua área de influência
alarga-se consideravelmente: em 1505 Diogo Lopes de Sequeira constrói o castelo de Santa
Cruz do Cabo de Guer (Agadir), bem mais a sul, que em 1513 é vendido à coroa
portuguesa; em 1506 Diogo de Azambuja, notabilizado pelo comando da expedição que
iniciou a fortaleza de São Jorge da Mina, em 1481, constrói o Castelo Real em Mogador, o
qual vem a ser abandonado em 1510 "em circunstâncias mal conhecidas"5; em 1508 o
mesmo Diogo de Azambuja apropria-se de Safim, e em 1513 é a vez de Azamor,
conquistada por D. Jaime, duque de Bragança.
Os propósitos de D. Manuel são evidentes, inscritos que estivessem ou não numa
lógica imperialista de largo escopo: o ataque ao infiel em geral e ao reino de Fez em
particular desenha-se pelo enredamento da capital numa teia de fortalezas espalhadas pela
orla marítima, que além disso pretendem controlar a navegação corsária e garantir o acesso
a zonas de grande interesse económico para os Portugueses, como é o caso d a região de
Safim. Os aspectos diplomáticos também não foram descurados: o tratado assinado com
Castela em Sintra, no ano de 1509, o que é que são áreas de influência e expansão de cada
uam das partes.
Uma rede de fortalezas ao Norte e outra a Sul rodeiam à distância a capital do reino
de Fez, como se disse, mas pelo meio abria-se um largo espaço vazio. É justamente aí, na
foz do rio Cebu, que passa ao quase ao lado da cidade e representaria o ponto mais próximo
em poder dos Portugueses, que se pretende em 1515 erigir uma fortaleza, mas a expedição
redunda num tremendo fracasso: os Mouros atacam na maré baixa, quando os navios ao
largo não podem socorrer a posição em terra, e morrem quatro ou cinco milhares de
Portugueses. É a maior derrota depois do fracasso de 1437, e antes de 1578, mas, mais do
que isso, representa um ponto de viragem, sustendo-se a partir de então o impulso
conquistador que vinha animando o monarca português.
A derrota de 1515 em Mamora teve sem dúvida um forte impacto, mas só por si não
explica tudo: o reforço dos grandes blocos políticos e militares, a nível mundial, e a
situação interna de Marrocos tiveram por igual um papel decisivo no arrefecimento dos
projectos de conquista, como defende Maria Augusta Lima Cruz6.
D. João III conduziu a política marroquina em termos que se podem definir com
uma palavra: retracção. O recrudescimento da pirataria e da navegação corsária (também
dos cristãos, ilustrado pelo crescente interesse dos Franceses por Marrocos), a incapacidade
das fortalezas cumprirem cabalmente os objectivos estratégicos que levavam à sua posse, o
custo de manutenção com as respectivas guarnições, enfim, um projecto de conquista cada
vez mais longínquo, convidavam à reflexão sobre o destino a dar às conquistas
marroquinas. A reacção dos xarifes vindos do sul (líderes políticos, militares e religiosos
oriundos da família do Profeta) sujeitou Marrocos a uma pressão ideológica violenta contra
o infiel - neste caso o Português -, que o reino de Fez combateria com lassidão7. Em 1524
os xarifes conquistam Marraquexe e a pressão interna contra as praças portuguesas não
cessa de aumentar: era a jihad, a guerra santa.
Datam dessa década as primeiras consultas de D. João III a notáveis do reino,
consubtanciadas numa questão singela: que fazer com as praças do Magrebe? Não nos é
possível acompanhar aqui o que se passou, que exigiria análise profunda e cuidada. Mas
diga-se que o monarca pareceu ter desde o início uma perspectiva muito realista da questão,
o que se pode avaliar pelo simples facto de ter posto em causa a possibilidade do abandono
de praças, contra um sentimento ideológico que ao tempo teria de ser forçosamente
adverso. Por isso se defrontou com um conjunto de pareceres contrário ao que parece ter
sido a sua ideia: não estava apenas em causa o que se afigurava ser um abrandamento ou
voltar de costas à luta contra o inimigo da fé, mas a própria concepção de Império que
subjazia à questão de fundo. Postos perante a perspectiva de uma "cura de emagrecimento",
vozes houve que pugnaram pela sua aplicação às paragens longínquas do Oriente,
mantendo-se Marrocos.
Os acontecimentos impuseram uma lógica diferente: utilizando a artilharia de que já
dispunha, e colocando-a num pico sobranceiro à fortaleza de Santa Cruz do Cabo de Guer,
o xarife Mawlay Muhammad Shaykh obtém em 1541 a rendição da praça, construída em
termos que evidenciam a não previsão do emprego daquela arma contra a guarnição. As
hesitações acabam e o rei português ordena o abandono de Safim e Azamor. Em 1549 o
mesmo xarife põe fim à dinastia oatácida em Fez e os Portugueses saem de Arzila e Alcácer
7V. António Dias Farinha, "Os Xarifes de Marrocos (Notas sobre a expansão portuguesa no Norte de
África)", in Estudos de História de Portugal, volume II - sécs. XVI-XX, homenagem a a. h. de oliveira
marques, Lisboa, Estampa, 1983, pp. 57-68.
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Ceguer, ficando reduzidos aos pontos estratégicos de Ceuta e Tânger, e a Mazagão mais a
sul, fortaleza agora isolada mas que dispunha de um porto que permitia o apoio fácil por via
marítima.
Mazagão é cercada em 1562, mas resiste; observa-se uma reacção notável no reino
perante a situação, que demonsta que o projecto marroquino envolvia muito mais que
grupos sociais localizados. Em finais de 1562 as Cortes chegam a propor medidas
excessivas, como o fim dos Estudos de Coimbra e afectação das suas rendas à empresa
magrebina8.
A atitude de D. Sebastião corporiza assim muito mais que o aventureirismo
entusiasta de um jovem desligado da realidade, como tão insistentemente tem sido dito,
desta ou de outra forma (e continua a ser, de alguma maneira): reflecte um sentir que
extravasa as próprias circunstâncias da educação que indubitavelmente lhe forjou o gosto
pelos feitos militares e a noção de serviço associada à luta contra o maometano. O monarca
corporiza a ideia sempre presente em vários sectores de opinião de que o abandono de
praças em Marrocos não fora a melhor solução, e a conjuntura internacional parecia
favorável depois do entusiasmo gerado pela vitória dos cristãos na grande batalha de
Lepanto, em 1571. Além de tudo o mais, havia um problema de imagem e reputação a
defender. O projecto de voltar à África do Norte teria sempre opositores, mas gozava por
igual de apoios diversificados; e tudo leva a crer que foi um dado adquirido desde sempre
na mente do monarca, em que se inscreve a estada em Ceuta e Tânger, em 1574,
prolongada por alguns meses. Definitivamente, D. Sebastião escolhia o Norte de África
como seu teatro de operações privilegiado
A grande jornada de 1578 foi preparada longa e cuidadosamente. O recrutamento de
soldados e a compra de material (nomeadamente artilharia e munições), que o reino não
podia fornecer nas quantidades e tempo desejados, foi feita no estrangeiro, sobretudo na
Flandres, onde se adquiriram 12 peças de campanha, 4000 arcabuzes, 25 mil quintais de
pólvora, 2000 pelouros de artilharia, a ainda mosquetes, mechas e vitualhas várias9. O
contingente expedicionário foi organizado em 4 terços a 2000 homens cada, um terço de
aventureiros, fidalgos que não podiam custear as despesas da jornada, muitos com
experiência militar anterior, e ainda corpos de espanhóis, italianos e flamengos, recrutados
nos seus países e organizados em função desse critério. Um corpo de cavalaria com 1500 a
1800 homens (os números divergem consoante as fontes informativas) e trinta e seis peças
de artilharia completavam o grosso da coluna. O número total de combatentes não é
conhecido com toda a segurança, devendo ter andado por 17 ou 18 mil homens, segundo a
maioria dos cálculos.
Aos Portugueses juntavam-se os locais. Na verdade a empresa beneficiava de um
pedido de auxílio que D. Sebastião atendeu prontamente: Mawlay Muhammad al-
Mutawakkil, desapossado do trono marroquino em 1574 pelo tio Mawlay 'Abd al-Malik,
dirige-se sem sucesso a Espanha pedindo apoio para a sua causa; tendo-lhe sido negada
essa pretensão endereça-a a Portugal, o que sem dúvida deu ao monarca um excelente
pretexto formal para a jornada. Um contingente marroquino esperou pois pela hoste para se
lhe juntar, com a expectativa de ver engrossada as suas fileiras com mais partidários de
Mawlay Muhammad a juntarem-se à causa no local.
O que se passou depois é passível de ser interpretado de duas maneiras. A
impreparação de D. Sebastião para um comando desta natureza e o seu excessivo desejo de
protagonismo, não autorizando a outrém quaisquer iniciativas, foram as razões principais
do desastre, no entender de Queirós Veloso. Ou então o Desejado olhava mais longe, como
afirma Dias Farinha, e as opções tomadas reflectem o objectivo mais lato de controlar a
Berberia, ao invés do escopo limitado que geralmente se admite10.
A armada de transporte desembarcou o contingente em Arzila (cujo alcaide se
mantinha fiel ao soberano deposto), que deveria seguir por terra até Larache e aí
reencontrar-se com os navios de apoio, mas a jornada não se completou pelas dificuldades
encontradas no caminho e deficiente abastecimento. O exército voltou portanto a Arzila,
onde chegou já depois de a armada ter largado para Larache e tornou por isso a pôr-se em
marcha. O que se passa depois é relatado de maneira diversa, mas não houve o propósito de
evitar as forças marroquinas e marchar direito àquela cidade, presa provavelmente fácil.
11Idem (estudo crítico, introdução e notas), Crónica de Almançor Sultão de Marrocos (1578-1603), Lisboa,
Instituto de Investigação Científica Tropical, 1997, pp. lxxxi e ss.
11
Bibliografia citada
Cruz, Maria Augusta Lima, "Os Portugueses em Marrocos nos Séculos XV e XVI",
in História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa, Lisboa, Universidade Aberta,
1990, pp. 53-123.
Farinha, António Dias (estudo crítico, introdução e notas), Crónica de Almançor
Sultão de Marrocos (1578-1603), Lisboa, Instituto de Investigação Científica Tropical,
1997.
Farinha, António Dias, Os Portugueses em Marrocos, [Lisboa,] Instituto Camões,
1999.
Farinha, António Dias, Portugal e Marrocos no Século XV, 3 vols., Dissertação de
Doutoramento, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1990.
Farinha, António Dias, "Os Xarifes de Marrocos (Notas sobre a expansão
portuguesa no Norte de África)", in Estudos de História de Portugal, volume II - sécs. XVI-
XX, homenagem a a. h. de oliveira marques, Lisboa, Estampa, 1983, pp. 57-68.
Veloso, J. M. Queirós, D. Sebastião 1554-1578, Lisboa, Empresa Nacional de
Publicidade, 1935.