DA TEOLOGIA
UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090
Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Tathyane Lucas Simão
Prof. Ivan Tesck
Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
231.044
L685e Leyser, Kevin Daniel dos Santos
242 p. : il.
ISBN 978-85-69910-60-2
1.Teologia.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Kevin Daniel dos Santos Leyser
APRESENTAÇÃO.......................................................................7
CAPÍTULO 1
Introdução à Epistemologia ..................................................9
CAPÍTULO 2
A Epistemologia da Teologia e da Religião ........................53
CAPÍTULO 3
O Conhecimento Religioso e suas Implicações
Epistemológicas......................................................................89
CAPÍTULO 4
Argumentos Cosmológicos da Existência Divina.............125
CAPÍTULO 5
Argumentos Teleológicos da Existência Divina..............163
CAPÍTULO 6
Argumentos Ontológicos da Existência Divina...............193
CAPÍTULO 7
Problemas do Mal................................................................215
APRESENTAÇÃO
Caro(a) pós-graduando(a), este livro tem como objetivo sistematizar os
elementos básicos da disciplina de Epistemologia da Teologia, o qual proporcionará
um contato com os principais tópicos, autores e obras da área, além dos instrumentos
necessários, não apenas para acompanhar a disciplina ofertada, mas também para
os estudos autônomos posteriores.
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
ContextualiZação
Neste capítulo faremos uma introdução à epistemologia, elucidando seu
campo investigativo de modo geral, apresentando as principais abordagens, os
temas centrais e os problemas que surgem nesse empreendimento. Tal intro-
dução à epistemologia se faz essencial para que você, acadêmico, compreenda
o objeto de estudo da epistemologia e seus métodos de investigação, podendo
então, posteriormente, identificar a relação entre a epistemologia, a teologia e o
conhecimento religioso.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Tipos de Conhecimento
O termo "epistemologia" vem do grego episteme, que significa
"conhecimento", e do termo logos, que significa, aproximadamente, "palavra
escrita ou falada, razão ou explicação". Logos é utilizada como a raiz de termos
como psicologia, antropologia, teologia e lógica, e tem muitos outros significados
relacionados, mas nestes contextos indica um âmbito do saber racional (NORRIS,
2007; FUMERTON, 2014).
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
A NatureZa do Conhecimento
Proposicional
Tendo limitado nosso foco ao conhecimento proposicional, devemos nos
perguntar o que, exatamente, constitui o conhecimento. O que significa alguém
saber alguma coisa? Qual é a diferença entre alguém que sabe alguma coisa e
alguém que não sabe, ou entre algo que se sabe e algo que não se sabe? Uma vez
que o alcance do conhecimento é tão amplo, precisamos de uma caracterização
geral do conhecimento, que seja aplicável a qualquer tipo de proposição.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
a) A Condição de Crença
Por exemplo, suponha que eu deseje que me seja dado um aumento salarial,
e que eu pretendo fazer o que eu possa para ganhar. Suponhamos, além disso,
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
Deste modo, a condição de crença exige que qualquer pessoa que saiba
que p (onde “p” representa qualquer proposição ou declaração) deve acreditar
que p. Se, portanto, você não acredita que as mentes são cérebros
A condição de
(digamos, porque você nunca chegou a considerar o assunto),
crença exige que
então você não sabe que as mentes são cérebros. Um conhecedor qualquer pessoa
deve estar psicologicamente relacionado de alguma forma a uma que saiba que p
proposição que é objeto de conhecimento para aquele conhecedor. (onde “p” representa
Os defensores da análise padrão sustentam que somente a crença qualquer proposição
pode fornecer a relação psicológica necessária (MIGUENS, 2009). ou declaração) deve
acreditar que p.
Os filósofos não compartilham uma explicação uniforme da crença,
mas algumas considerações fornecem um terreno comum. As crenças não são
ações de assentimento para uma proposição. Elas são estados psicológicos
disposicionais que podem existir mesmo quando não manifestados (BONJOUR;
BAKER, 2010). Por exemplo, você não deixa de acreditar que 2+2=4 sempre que
sua atenção deixa a aritmética. Nossa crença que p parece exigir que tenhamos
uma tendência para assentir a p em certas situações, mas parece também ser
mais do que apenas essa tendência. O que mais a crença requer continua muito
controverso entre os filósofos.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Além disso, podemos observar que algumas crenças, aquelas que o indivíduo
ativamente processa, são chamadas de crenças ocorrentes. A maioria das crenças
de um indivíduo são não ocorrentes. Estas são crenças que o indivíduo tem como
plano de fundo, mas não são alvo de atenção em um determinado momento.
Correspondentemente, a maioria de nosso conhecimento é não ocorrente. Apenas
uma pequena quantidade do nosso conhecimento está sempre ativamente em
nossa mente (EYSENCK; KEANE, 2017).
b) A Condição de Verdade
Nosso conceito de Esta condição de verdade da análise padrão não atraiu para si
conhecimento parece nenhum desafio sério. A controvérsia sobre ela se concentrou, em vez
ter uma exigência
disso, na pergunta veemente de Pilatos: “O que é a verdade?” (BÍBLIA,
factual: sabemos
genuinamente que p João, 18, 38). Esta questão diz respeito sobre o que a verdade consiste
somente se é o caso e não sobre o nosso modo de descobrir o que é verdadeiro. As respostas
que p. influentes provêm de, pelo menos, três abordagens: a verdade como
correspondência (ou seja, o acordo, de algum tipo especificado,
entre uma proposição e uma situação real); a verdade como coerência (isto é, a
interconexão de uma proposição com um sistema especificado de proposições);
e a verdade como valor cognitivo pragmático (ou seja, a utilidade de uma
proposição para atingir certos objetivos intelectuais) (KIRHAM, 2003). Sem avaliar
essas abordagens proeminentes, devemos reconhecer, de acordo com a análise
padrão, que nosso conceito de conhecimento parece ter uma exigência factual:
sabemos genuinamente que p somente se é o caso que p. A noção pertinente
de "ser o caso" parece equivalente à noção de "como a realidade é" ou "como
as coisas realmente são". Esta última noção parece essencial à nossa noção de
conhecimento, mas está aberta à controvérsia sobre sua explicação.
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
Podemos dizer, então, que o propósito mais típico das crenças é descrever
ou apreender a maneira como as coisas realmente são. Isto é, quando se forma
uma crença busca-se uma correspondência entre a mente de alguém e o mundo
(BLACKBURN, 2006). Às vezes, é claro, formamos crenças por outras razões – criar
uma atitude positiva, enganar a nós mesmos, e assim por diante –, mas quando
buscamos o conhecimento, estamos tentando fazer as coisas de um modo específico.
Contudo, às vezes não conseguimos alcançar tal correspondência. Algumas de
nossas crenças não descrevem a maneira como as coisas realmente são.
Observe que estamos assumindo aqui que existe uma coisa como a
verdade objetiva, de modo que é possível que as crenças correspondam ou
não correspondam à realidade. Ou seja, para que alguém conheça algo deve
haver algo sobre o qual se conheça. Lembre-se de que estamos discutindo
conhecimento no sentido factivo. Se não há fatos da matéria, então não há nada
para conhecer (ou para deixar de conhecer). Esta suposição não é universalmente
aceita (DUTRA, 2001), em particular, não é compartilhada por alguns defensores
do relativismo, mas isso não será abordado neste momento. Contudo, podemos
dizer que a verdade é uma condição do conhecimento. Isto é, se uma crença não
é verdadeira, ela não pode constituir conhecimento. Por conseguinte, se não há
tal coisa como verdade, então não poderá haver conhecimento. Mesmo que haja
tal coisa como verdade, se existe um domínio no qual não há verdades, então
não pode haver conhecimento dentro desse domínio. Por exemplo, se a beleza
está no “olhar do espectador”, então a crença de que algo é bonito não pode ser
verdadeira ou falsa e, portanto, não pode constituir conhecimento.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
vista, ser uma questão de uma crença estar baseada na evidência e no raciocínio,
e não na sorte ou na desinformação, veremos que há muito desacordo quanto à
forma de especificar os detalhes.
Observe que por causa da sorte, uma crença pode ser injustificada,
mas verdadeira. E por causa da falibilidade humana, uma crença pode ser
justificada, mas falsa (GRECO; SOSA, 2008). Em outras palavras, a verdade e
a justificação são duas condições independentes das crenças. O fato de uma
crença ser verdadeira não nos diz se ela é ou não justificada. Isso depende de
como chegamos a esta crença. Assim, duas pessoas podem ter a mesma crença
verdadeira, mas por razões diferentes, de modo que uma delas é justificada e
a outra é injustificada. Da mesma forma, o fato de que uma crença é
justificada não nos diz se é verdadeira ou falsa. É claro que uma crença
Algumas crenças
verdadeiras são justificada presumivelmente será mais provável de ser verdadeira do
apoiadas apenas que falsa, e crenças justificadas presumivelmente serão mais prováveis
por conjecturas com de serem verdadeiras do que crenças injustificadas (GOLDMAN,
sorte e, portanto, 1979). Como veremos mais adiante neste capítulo, a natureza exata da
não se qualificam relação entre verdade e justificação é contenciosa.
como conhecimento.
O conhecimento
requer que a Deste modo, podemos afirmar que o conhecimento não é
satisfação de simplesmente crença verdadeira. Como vimos, algumas crenças
sua condição verdadeiras são apoiadas apenas por conjecturas com sorte e, portanto,
de crença seja não se qualificam como conhecimento. O conhecimento requer
“apropriadamente que a satisfação de sua condição de crença seja "apropriadamente
relacionada” à
relacionada" à satisfação de sua condição de verdade. Esta é uma
satisfação de sua
condição de verdade maneira ampla de entender a condição de justificação da análise
padrão. Mais especificamente, poderíamos dizer que um conhecedor
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
O Problema de Gettier
Por algum tempo, a teoria da crença verdadeira justificada foi amplamente aceita
como apreendendo a natureza do conhecimento. No entanto, em 1963, Edmund
Gettier publicou um artigo curto, mas amplamente influente, que deu forma a muitos
trabalhos subsequentes na epistemologia. Gettier (1963) forneceu dois exemplos
em que alguém tinha uma crença verdadeira e justificada, mas nos quais parece
negar que o indivíduo tenha de fato conhecimento, porque a sorte ainda parece
desempenhar um papel para que a sua crença tenha um resultado de ser verdadeira.
Uma crença deve Podemos pensar que existe uma solução simples e direta para o
ser verdadeira problema Gettier. Observe que meu raciocínio foi tacitamente baseado
e justificada e na minha crença de que o relógio está funcionando corretamente, e
deve ser formada que essa crença é falsa. Isso parece explicar o que deu errado neste
sem depender de
exemplo. Consequentemente, poderíamos revisar nossa análise do
crenças falsas
conhecimento, insistindo que, para constituir conhecimento, uma crença
deve ser verdadeira e justificada e deve ser formada sem depender
de crenças falsas. Em outras palavras, poderíamos dizer que a justificação, a
verdade e a crença são todas necessárias para o conhecimento, mas elas não são
conjuntamente suficientes para o conhecimento. Há uma quarta condição, ou seja,
que nenhuma crença falsa esteja essencialmente envolvida no raciocínio que levou
à crença, o que também é necessário (BONJOUR; BAKER, 2010).
Infelizmente, isso não basta. Podemos modificar o exemplo para que minha
crença seja justificada e verdadeira, e não se baseie em crenças falsas, mas
ainda fica aquém do conhecimento. Tomemos o exemplo de Gettier, supracitado,
e o adaptemos a essa nova condição. Neste caso, suponha que eu não tenha
nenhuma crença sobre o estado atual do relógio, mas apenas a crença mais
geral de que o relógio geralmente está em funcionamento. Esta crença, que
é verdadeira, bastaria para justificar minha crença de que o horário é agora
11h50min. É claro, ainda parece evidente que eu não sei o horário.
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
ser incompatível com o falibilismo, uma vez que não permite a possibilidade de
que uma crença seja justificada, mas falsa. Estritamente falando, as explicações
causais do conhecimento não fazem referência à justificação, embora possamos
tentar reformular o falibilismo para fazer essa observação. Collier demonstra isso
em sua crítica ao artigo de Alvin Goldman (1967), no qual Goldman apresenta a sua
teoria causal do conhecimento. Kenneth Collier (1973) encontrou uma lacuna na
teoria causal do conhecimento elaborando um contraexemplo. O autor argumenta
(COLLIER, 1973), suponha que um sujeito tenha sido, sem que ele soubesse,
tratado com uma droga alucinógena. Se o alucinógeno fizer o sujeito pensar que
ele está sendo drogado, então (de acordo com a teoria causal) o sujeito sabe que
ele está sendo drogado. Collier sustenta que essa é uma conclusão inaceitável, e
que alucinações desse tipo, ou "alucinações verídicas", não é conhecimento, mas
apenas crença verdadeira.
Atividades de Estudos:
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
A NatureZa da JustiFicação
Uma das razões pelas quais o problema de Gettier é seja confuso é que
nem Gettier, nem ninguém que o precedeu, ofereceu uma análise suficientemente
clara e precisa da justificação. Dissemos que a justificação é uma questão de uma
crença ter sido formada da maneira correta, mas ainda temos que dizer o que isso
significa. Devemos agora considerar este assunto mais de perto.
Geralmente, quando uma pessoa sabe alguma proposição, ela faz isso com
base em alguma evidência, ou boas razões, ou talvez algumas experiências que
ela teve. O mesmo é verdade para crenças justificadas que podem ficar aquém
do conhecimento. Essas crenças são justificadas com base em alguma evidência,
ou boas razões, ou experiências, ou talvez com base na maneira pela qual as
crenças foram produzidas (ROLLA, 2013).
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
a) Internalismo
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
b) Fundacionalismo
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
que leve à formação de uma nova crença deve ter algum ponto de partida. A
alternativa dois parece não ser melhor, já que o raciocínio circular parece ser
falacioso. E a alternativa três já foi descartada, uma vez que torna a segunda
crença na série (e, portanto, todas as crenças subsequentes) injustificada. Isso
deixa a alternativa quatro, que deve, por processo de eliminação, estar correta.
c) Coerentismo
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
conjunto de crenças que possuem coesão umas com as outras como um todo.
Um proponente de tal visão é chamado um coerentista (RODRIGUES, 2013).
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
e) Externalismo
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
crenças verdadeiras (BRANDON, 2013). Uma vez que estamos buscando uma
correspondência entre a nossa mente e o mundo, crenças justificadas são aquelas
que resultam de processos que regularmente alcançam tal correspondência.
Assim, por exemplo, usar a visão para determinar a cor de um objeto bem
iluminado e relativamente próximo é um processo confiável de formação de
crenças para uma pessoa com visão normal, mas não para uma pessoa daltônica.
Formar crenças com base no testemunho de um especialista é susceptível de
produzir crenças verdadeiras, mas formar crenças com base no testemunho de
mentirosos compulsivos não é. Em geral, se uma crença é o resultado de um
processo cognitivo que confiavelmente (a maior parte do tempo – ainda queremos
deixar espaço para a falibilidade humana) conduz a crenças verdadeiras, então
essa crença é justificada.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
menos que o crente esteja ciente do fato de que o processo é confiável. Em outras
palavras, o simples fato de que o processo é confiável não basta, conclui Lehrer,
para justificar quaisquer crenças que são formadas por meio desse processo.
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
Atividades de Estudos:
Fontes de Conhecimento
Dada a caracterização do conhecimento realizada, há muitas Grande parte do
maneiras como se pode vir a conhecer alguma coisa. O conhecimento nosso conhecimento
de fatos empíricos sobre o mundo físico envolverá necessariamente a mais mundano vem
percepção, ou seja, o uso dos sentidos. A ciência, com sua coleção de dos sentidos, como
vemos, ouvimos,
dados e realização de experimentos, é o paradigma do conhecimento
cheiramos, tocamos
empírico. No entanto, grande parte do nosso conhecimento mais e saboreamos os
mundano vem dos sentidos, como vemos, ouvimos, cheiramos, vários objetos em
tocamos e saboreamos os vários objetos em nossos ambientes nossos ambientes
(KORNBLITH, 2008; FELDMAN, 2008).
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
O Ceticismo
Os epistemólogos debatem os limites, ou escopo, do conhecimento. Quanto
mais restritos forem os limites do conhecimento, mais céticos somos. Dois
tipos influentes de ceticismo são o ceticismo do conhecimento e o ceticismo
da justificação. O ceticismo irrestrito do conhecimento implica que
Dois tipos influentes ninguém sabe nada, enquanto que o ceticismo irrestrito da justificação
de ceticismo são implica a visão mais extrema de que ninguém está nem mesmo
o ceticismo do justificado em acreditar em nada (SMITH, 2004). Algumas formas de
conhecimento e ceticismo são mais fortes do que outras. O ceticismo do conhecimento
o ceticismo da
em sua forma mais forte implica que é impossível para qualquer um
justificação.
saber alguma coisa. Uma forma mais fraca negaria a realidade do
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
a) O Ceticismo Cartesiano
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
responde às reações do seu cérebro para fazer parecer que você é capaz de se
movimentar em seu ambiente como você fazia quando seu cérebro ainda estava
em seu corpo. Mesmo que este cenário possa parecer muito exagerado, devemos
admitir que é pelo menos possível (MURCHO, 2006). Como resultado, algumas
de nossas crenças serão falsas.
b) O Ceticismo Humeano
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
2007; SMITH, 1995). Poderíamos pensar que existe uma solução simples e direta
para o problema da indução, e que podemos de fato apoiar nossa crença de que o
PUN é verdadeiro. Tal argumento seria o seguinte:
Falibilidade e Ceticismo
Podemos então dizer que até mesmo as crenças bem Somos falíveis
fundamentadas podem estar equivocadas. Podemos ser enganados em questões
pelos nossos sentidos. Somos falíveis em questões perceptivas como perceptivas
como em nossas
em nossas memórias, em nosso raciocínio e em outros aspectos.
memórias, em nosso
Poderíamos então nos perguntar, como fazem os céticos, se sabemos raciocínio e em
mesmo que é improvável que agora estejamos enganados pelos outros aspectos.
nossos sentidos. Poderíamos também nos perguntar se estamos
mesmo justificados em nossa crença de que tal erro não ocorreu quando
começamos a ler este capítulo neste livro.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Uma vez que procedemos nesta suposição do senso comum é fácil ver que
há muitos tipos diferentes de circunstâncias em que as opiniões se levantam de
tal maneira que são aparentemente justificadas e constituem o conhecimento. Ao
considerar essa variedade de circunstâncias que dão justificação e conhecimento,
podemos explorar como as crenças estão relacionadas à percepção, à memória,
à consciência, à razão e ao testemunho. Questões que exploraremos ao falarmos
sobre a epistemologia da teologia e do conhecimento religiosos nos próximos
capítulos deste livro.
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Algumas Considerações
Neste capítulo introduzimos o campo prolífico da investigação epistemológica.
Abordamos os tipos de conhecimento e nos centramos no conhecimento
proposicional. Conseguimos explorar a natureza deste conhecimento abordando as
suas condições de crença, verdade e justificação, apontando também os problemas
que surgem de cada uma dessas condições, como demonstrado pelo problema
de Gettier e seus contraexemplos. Além disso, investigamos a natureza do
conhecimento a partir do internalismo, fundacionalismo, coerentismo, externalismo
e as teorias causais e contextualistas. O que nos levou ao desafio pervasivo do
ceticismo que perdura ainda em toda investigação do conhecimento humano.
ReFerências
ALSTON, W. P. Epistemic justification: essays in the theory
of knowledge. London: Cornell University, 1989.
AUDI, R. The sources of knowledge. In: MOSER, P. (Ed.). The Oxford handbook
of epistemology. Cambridge: Oxford University Press, 2002. p. 71-94.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 1 INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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C APÍTULO 2
A Epistemologia da Teologia e da
Religião
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
ContextualiZação
A epistemologia religiosa é o estudo de como as crenças religiosas dos sujeitos
podem ter ou não ter alguma forma de status epistêmico positivo (como conhecimento,
justificação, autorização e racionalidade) e se elas precisam mesmo de tal status
apropriado para si. O debate atual enfoca mais centralmente no tipo de base sobre a
qual um crente religioso pode estar racionalmente justificado em manter certas crenças
sobre Deus (se Deus existe, quais são os atributos de Deus, o que Deus está fazendo
etc.) É necessário estar tão justificado para acreditar como um crente religioso deve
(em algum sentido de “deveria” mais geral do que a justificação racional). Engajando-
se nessas questões temos principalmente três grupos de pessoas, que se chamam
de “fideístas”, “epistemólogos reformados” e “evidencialistas”.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Locke (1999) pensava que Deus poderia iluminar as mentes das pessoas
e lhes revelar diretamente verdades, mas ele não achava que isso acontecesse
de fato. A visão de Locke, muitas vezes chamada de "visão iluminista" ou algo
semelhante, emparelhada com a visão de que o argumento para a existência de
Deus não é forte o suficiente para fazer a crença de que Deus existe racional – ou
pelo menos não é forte o suficiente para torná-la racional para alguém acreditar
com a convicção da qual a fé exige – é o que os epistemólogos reformados chamam
de “o desafio evidencialista" à crença religiosa (PLANTINGA; WOLTERSTORFF,
1983; WOLTERSTORFF, 2008).
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
Dado que os três principais pontos de vista no debate não são mutuamente
exclusivos (na verdade, C. Steven Evans transita em cada categoria pelo menos
uma vez), não deve ser surpreendente descobrir que muitos aderentes de um lado
do debate igualmente mantêm uma posição suficiente para colocá-los em um dos
outros lados também. No entanto, os adeptos de uma posição muitas vezes rejeitam
a adesão aos outros lados do debate. Isto é frequentemente devido a diferenças de
ênfase que resultam de muitas influências diferentes, às vezes incluindo o contexto
histórico. Nas próximas três seções, descreveremos o fideísmo, o evidencialismo
(epistêmico) e a epistemologia reformada, respectivamente, com mais detalhes,
então diremos algo sobre como as visões interagem.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
O FideÍsmo
O fideísmo, em sua forma extrema, é a visão de que alguém pode
racionalmente manter certas crenças teístas contrárias ao que sua evidência
suporta ou sem qualquer evidência de apoio (HELM, 2008). Alguns, como John
Greco (2007), definem o fideísmo como a visão de que a fé se opõe à razão, mas
a natureza dessa oposição não é clara, e assim, definir o fideísmo dessa maneira
é inútil. O fideísmo é mantido também por Wittgenstein (1998), de acordo com D.
Z. Phillips. Phillips (2016) que, por exemplo, afirma que as crenças religiosas têm
critérios de aceitabilidade que outros tipos de crenças não possuem.
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Talvez a crítica mais óbvia ao fideísmo wittgensteiniano seja que, mesmo que
se conceda a teoria subjacente das formas de vida e dos jogos de linguagem, é
um fato histórico, justificado pelos critérios do "jogo" da história, que a maioria
dos judeus, cristãos e muçulmanos pertencem a uma forma de vida com fortes
compromissos metafísicos, e em que declarações tais como "Há um Deus"
são intencionadas tanto como "Há uma estrela com dez vezes a massa do
Sol", assim como "Há esperança". Portanto, o fideísmo wittgensteiniano seria
apenas apropriado para religiões como o Zen Budismo e para algumas vertentes
relativamente recentes e liberais do judaísmo e do cristianismo que rejeitaram o
compromisso metafísico tradicional, como em Don Cupitt (1999).
Bishop (2007) endossa uma versão moderada do fideísmo que ele chama
de "fideísmo jamesiano modesto", segundo o qual às vezes é moralmente (e
talvez epistemicamente) permitido que alguém assuma uma proposição como
verdadeira mesmo quando ela julga corretamente que a proposição não está
adequadamente apoiada por sua evidência total. Parece que Bishop sustenta
que a justificação epistêmica é subsumida sob justificação moral. “A questão
da justificabilidade como aplica-se às crenças de fé é, em última instância, uma
questão de justificabilidade moral [...]". Esta questão de justificabilidade é sobre
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
Fonte: JASTROW, Joseph. The mind’s Eye. Popular Science Monthly. v. 54, p.
299-231, 1899. Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:PSM_V54_
D328_Optical_illusion_of_a_duck_or_a_rabbit_head.png>. Acesso em: 12 jun. 2017.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Eis porque Bishop não pode estar vendo a si mesmo como opondo ao
evidencialismo. Bishop argumenta contra o "evidencialismo moral" (2007, p. 62),
que é a conjunção do evidencialismo, como mencionado anteriormente, mais o
princípio da conexão moral: alguém é moralmente permitido manter uma crença
como verdadeira apenas se estiver justificada por sua evidência. Bishop parece
estar negando o princípio da conexão moral, não o evidencialismo. Além disso,
a ambiguidade evidencial de uma proposição é compatível com o evidencialismo
(POSTON, 2009).
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
Atividades de Estudos:
O Evidencialismo
O evidencialismo epistêmico é a visão de que um sujeito está justificado
em acreditar em uma proposição somente se estiver adequadamente apoiada
por evidências. O evidencialismo epistêmico é tipicamente formulado em termos
de justificação proposicional. Isso pode ser descrito por condicionais cujos
antecedentes descrevem as experiências do sujeito (amplamente interpretadas)
e cujos resultados indicam que alguma proposição tem algum status epistêmico
positivo para essa pessoa (CHISHOLM, 1974). Alternativamente, ele pode ser
descrito por relações de apoio epistêmicas entre uma proposição-alvo e uma
proposição conjuntiva descrevendo as experiências do sujeito ou crenças básicas
ou o conhecimento (SWINBURNE, 2001). O que não está incluído na justificação
proposicional é que um sujeito realmente acredita na proposição-alvo. Enquanto
a justificação proposicional é uma relação entre proposições ou uma função das
experiências para o status epistêmico, a justificação doxástica é uma propriedade
de crenças em que o conteúdo proposicional da crença é justificado pela evidência
do sujeito e, além disso, o sujeito está apropriadamente atentivo e corretamente
responsivo a essas evidências. O evidencialismo epistêmico é antes de tudo uma
teoria sobre a justificação proposicional.
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
A Epistemologia ReFormada
Os epistemólogos reformados argumentam que alguém pode justificadamente
acreditar que Deus existe (e manter algumas outras crenças teístas) sem
quaisquer argumentos ou inferências. Plantinga (PLANTINGA; WALTERSTORFF,
1983) argumenta que alguém pode justificadamente acreditar que Deus existe
sem argumentos ou inferências. Em seu trabalho posterior (PLANTINGA, 2000),
"justificado" e seus cognatos se tornaram mais estreitos, de modo que se a crença
de alguém é propriamente básica, ela é justificada (mas não o contrário). Ainda
assim, se uma crença é propriamente básica, acredita-se nela sem argumentos
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
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EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
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Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
Além disso, até mesmo as provas teístas que são probabilísticas envolvem
muitas premissas cujas probabilidades precisam ser multiplicadas para render a
probabilidade da conclusão. Multiplicar as probabilidades das premissas resulta
em uma probabilidade muito baixa para a conclusão, uma probabilidade que não é
suficiente para justificar a crença na conclusão (PLANTINGA, 2000). Portanto, se
a visão de Locke é verdadeira, os padrões de justificação estabelecidos são muito
elevados e, como resultado, muitas crenças teístas careceriam de justificação.
73
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
a) O argumento do hiperevidencialismo
74
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
75
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Assim,
76
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
proposições para ser justificada – e assim pode ser parte de nossa evidência, e
se for apoiada por evidências proposicionais (por exemplo, do tipo fundacionalista
clássico), isto seria meramente uma justificação "bônus". Se os epistemólogos
reformados negam a premissa 4, é porque eles negam a premissa 2 ou a 3.
Além disso, Paul Moser (2010) e C. Stephen Evans (2010), que poderiam
ser chamados de epistemólogos reformados, mas que também endossam o
evidencialismo epistêmico, também negam a premissa 2. Ainda mais, Richard
Swinburne (2004), um evidencialista que alguns dos epistemólogos reformados
dizem que ele desenvolve o projeto do Iluminismo tal como legado por Locke
(WOLTERSTORFF, 1998), nega a premissa 2 e endossa a visão de que a
experiência religiosa fornece evidência básica, não inferencial para o teísmo.
Além disso, o compromisso de Swinburne (2001) com o credulismo o compromete
77
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
78
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
Além disso, pode parecer-nos suficientemente forte que existem outras mentes
e que o mundo não foi criado há cinco minutos. Para o evidencialista conservador
fenomênico que aceita que as experiências religiosas fazem parecer que existe
um Deus, as crenças (não desviantes) resultantes dessas experiências serão
devidamente baseadas em evidências. Compare o relato de percepção que Alston
(1993, p. 5) oferece, “uma consciência de que algo está aparecendo a alguém
como tal e tal”, com um aparente, que é "uma espécie de experiência com conteúdo
proposicional" de Tucker (2011, p. 55-56). Se as percepções de Alston não coincidem
com os estados aparentes, talvez ele corresponda a um estado como-se-aparente,
que é não proposicional e que causalmente precede estados aparentes. Assim,
pode-se ser um evidencialista epistêmico e um epistemólogo reformado. Chris
Tucker (2011) até tentou reconciliar o evidencialismo conservador fenomênico com
a explicação do aval epistêmico – garantia/warrant – (e não apenas a justificação,
o aval epistêmico é tudo o que for adicionado à crença verdadeira para torná-la
conhecimento) e um lugar para o que alguns epistemólogos reformados acreditam
ser uma faculdade especial para perceber Deus: o sensus divinitatis.
79
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Algumas Considerações
Neste capítulo apresentamos apenas um aspecto introdutório da
epistemologia da teologia e da religião. Você foi convidado a revisitar brevemente
a história da fé e da razão como um plano de fundo para as posições hoje
sustentadas por pensadores que participam dos debates nesta área. Procuramos
caracterizar estas posições, o fideísmo, o evidencialismo e a epistemologia
reformada. Entretanto, podemos dizer que são apenas generalizações que podem
esconder diversas nuances e ramificações que ainda não exploramos. O que
levanta o desafio para que você, acadêmico, procure aprofundar seus estudos
sobre as questões introduzidas aqui.
ReFerências
ALSTON, W. Perceiving God: the epistemology of religious
experience. New York: Cornell University Press, 1993.
80
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
81
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
82
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
JORGE FILHO, E. J. Moral e história em John Locke. São Paulo: Loyola, 1992.
83
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
______. The Evidence for God. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.
84
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
______. Warranted Christian Belief. New York: Oxford University Press, 2000.
85
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
86
Capítulo 2 A EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA E DA RELIGIÃO
87
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
88
C APÍTULO 3
O Conhecimento Religioso e suas
Implicações Epistemológicas
90
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
ContextualiZação
As crenças têm um
A religião é uma prática humana complexa que inclui emoções papel mais central
distintas, crenças, atos e criações artísticas e musicais que expressam para algumas
e promovem um sentido do sagrado. As pessoas que pertencem a uma pessoas do que
tradição de fé particular geralmente pensam que têm conhecimento para outras, e as
religioso adquirido através da prática de sua religião, mas suas crenças crenças são muito
mais importantes em
religiosas formam apenas uma parte da prática. As crenças têm um papel
algumas religiões do
mais central para algumas pessoas do que para outras, e as crenças que em outras.
são muito mais importantes em algumas religiões do que em outras.
O Cristianismo e o Islã são religiões doutrinárias cuja prática torna certas crenças
cruciais, enquanto o Budismo é muito menos focado em exigir a crença como parte
da prática. No entanto, uma maneira importante de distinguir uma religião de outra
religião está nas crenças que são características das diferentes tradições religiosas.
Também pode haver crenças que distinguem aqueles que praticam a religião
daqueles que não praticam nenhuma, mas essa diferença é mais difícil de identificar.
91
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
92
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
93
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Temos herdado uma outra ideia do Iluminismo que afeta o modo como
abordamos o conhecimento religioso: o igualitarismo intelectual (ZAGZEBSKI,
2012). Supõe-se comumente que todos nós somos aproximadamente iguais em
nossas capacidades epistêmicas. Qualquer experiência que fundamenta a crença
deve ser uma experiência que qualquer pessoa pode ter. Além disso, supõe-se
que ninguém é especialmente sábio ou, se há pessoas sábias, não podemos
identificá-las de uma forma que seria útil para nós mesmos. Benedito Nunes
expressa bem essa herança ao afirmar que o Iluminismo se caracteriza pela:
94
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
95
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
(4) Não há argumento sólido para o teísmo que comece com premissas acessíveis
a qualquer pessoa inteligente ordinária sem referência à experiência especial
ou à autoridade.
A Conscienciosidade Epistêmica:
Emoções, ConFiança, Autoridade,
Testemunho, Imitação e Sabedoria
Podemos alegar que nenhuma das reivindicações (1)-(3) mencionadas
foi estabelecida. Na verdade, podemos até mesmo dizer que elas são todas
falsas. Seria preciso uma teoria muito mais elaborada da pessoa humana do
que os epistemólogos concordam em estabelecer na premissa (1). Por que
devemos pensar que as emoções devem ser justificadas por uma justificação
prévia e independente das crenças? É claro que algumas emoções precisam
ser justificadas por crenças. Por exemplo, meu medo do objeto em meu quintal
precisa ser justificado em minha crença de que é uma serpente. Todavia, algumas
emoções podem ser mais básicas do que qualquer crença e a emoção pode
96
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
servir para justificar a crença, e não vice-versa (BRUN; DOGUOGLU; Algumas emoções
KUENZLE, 2016). Podemos alegar que há emoções que fundamentam podem ser mais
as crenças morais dessa maneira. Sentimos repugnância diante de básicas do que
qualquer crença e a
uma exibição de arrogância, admiração por um ato de coragem e
emoção pode servir
indignação por atos de injustiça. Se somos adeptos da filosofia moral, para justificar a
poderemos explicar o que é bom sobre a coragem e como isso é um crença
ato de coragem e o que é mau sobre a arrogância e a injustiça e por
que esses atos particulares se qualificam como atos de arrogância ou injustiça.
97
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
A premissa (3) tem sido discutida com mais frequência do que as outras
duas, e tem muitos detratores. Alguns filósofos se opõem ao fato de que exclui
argumentos para o teísmo que se fundamentam na experiência religiosa
(PORTUGAL, 2002). William Alston (1993, 2008) propôs que a experiência religiosa
pode justificar a crença religiosa para as pessoas que têm essas experiências,
de uma forma que é paralela à justificação das crenças sobre o mundo físico
baseadas na experiência sensorial. Esta abordagem do conhecimento religioso é
particularmente atraente para os empiristas, uma vez que eles sustentam que a
experiência individual é a fonte última do conhecimento. Mas exige a rejeição de
uma forma forte de igualitarismo intelectual.
98
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
existem outras pessoas que são mais confiáveis do que nós mesmos, Somos
e uma vez que confiamos na maneira como chegamos a ter tal crença, epistemicamente
confiamos na própria crença (GRECO, 2015). Há indivíduos que têm conscienciosos
qualidades, das quais confiamos em nós mesmos, em maior grau quando exercitamos
do que nós próprios – conscienciosidade epistêmica, capacidade de nossas faculdades
formadoras de
avaliar evidências, bom juízo prático e muitas outras qualidades que
crenças da melhor
uma pessoa conscienciosa confia em sua busca pela verdade. Em maneira possível.
muitos casos, concordar com o juízo de tal pessoa resulta em uma
autoconfiança consistente.
Confiar em nós mesmos nos leva a confiar em certos outros mais do que em
nós mesmos de outra maneira também. Há emoções que a maioria de nós confia
e emoções que a maioria de nós não confia. Uma emoção que provavelmente
confiamos quando somos conscienciosos é a emoção da admiração (SOSA, 2013).
Quando confiamos em nossa emoção de admiração, confiamos que a pessoa
que admiramos é admirável, merecedora de admiração. Às vezes, admiramos
epistemicamente outra pessoa e confiamos nessa emoção. Confiamos então
que a pessoa que epistemicamente admiramos é epistemicamente admirável
(ZAGZEBSKI, 2012; LUZ, 2013). Se essa pessoa acredita algo no domínio de
sua admirabilidade, isso nos dá uma razão para acreditar também. Naturalmente,
essa razão pode ser derrotada por outras coisas em que confiamos mais, mas
muitas vezes não há nada em que confiamos mais.
99
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Além disso, autores como Christoph Wulf (WULF, 2016; GEBAUER; WULF,
2004), René Girard (2009) e Billett (2014) enfatizam o papel fundamental da
“mimese” no processo de aprendizagem e de humanização. Rene Girard chega a
argumentar que a mimese vai além da representação ou da verdade, que de fato
determina a ambas. Girard elabora uma espécie de epistemologia ética baseada
na mimese e na representação, sendo que a primeira determinaria a última
(SPARIOSU, 1984).
100
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
Atividades de Estudos:
101
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
O que torna razoável a crença cristã nessa abordagem não pode ser separado
da sua verdade. Anteriormente, neste capítulo, vimos que os filósofos
quase sempre separam a racionalidade ou a razoabilidade da verdade
Os filósofos quase
de uma crença. O que torna uma crença razoável é uma coisa. O que
sempre separam
a racionalidade ou a torna verdadeira é outra coisa. Uma crença pode ser razoável e falsa
a razoabilidade da ou verdadeira e irrazoável. Plantinga (2000) não rejeita a separação da
verdade de uma verdade e da razoabilidade em geral, mas defende uma maneira de
crença. O que torna pensar sobre a crença cristã que liga sua razoabilidade à sua verdade.
uma crença razoável Plantinga argumenta que, desde que o mundo seja de uma certa maneira
é uma coisa. O que
e os seres humanos sejam de uma certa maneira, é razoável acreditar
a torna verdadeira é
outra coisa em certas coisas que o cristianismo ensina, pois teríamos conhecimento
dessas coisas. Se o mundo for de uma maneira diferente, então não
seria razoável acreditar nessas coisas, e nós não as conheceríamos.
102
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
103
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
104
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
que ela considera sábias, sejam elas membros ou não de sua própria tradição.
Isso não quer dizer que ela deve ser igualitária e confiar nas pessoas de outras
comunidades, tanto quanto confia nos membros da sua própria comunidade, mas
que o seu reconhecimento da racionalidade comum a todos os seres humanos,
o qual está presente de forma exemplar em alguns seres humanos,
deve conduzi-la a tratar outras pessoas, mesmo aquelas fora de sua O conhecimento
religioso, em
comunidade, como verificações de suas crenças.
alguns aspectos,
é um tipo especial
O conhecimento religioso, em alguns aspectos, é um tipo de conhecimento
especial de conhecimento porque depende muito da confiança nas porque depende
autoridades e dos exemplos de sabedoria. Mas de outras maneiras o muito da confiança
conhecimento religioso é como qualquer outro conhecimento. Visa a nas autoridades e
dos exemplos de
verdade de uma forma que é epistemicamente conscienciosa (CODE,
sabedoria
1987; MONTMARQUET, 1993; ZAGZEBSKI, 1996).
Evidencialismo VERSUS
Experiencialismo
Podemos nos sentir ainda insatisfeitos e seguir perguntando: por que alguns
ainda pensam que nenhuma proposição religiosa pode ser conhecida? A base
mais comum para sustentar essa visão é, provavelmente, muito parecida com a
razão mais comum para sustentar que não há conhecimento moral, a saber, que
as proposições religiosas, como a de que Deus existe, não podem ser conhecidas
a priori ou com base na experiência (ZANGWILL, 2004), tal como inferir a
existência de Deus a partir da premissa de que o design de Deus para o universo
é a melhor explicação da ordem que encontramos nele.
105
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
106
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
É evidente que pode haver menos mistério sobre como um mero mecanismo
de cálculo possa ser implantado no cérebro, como no caso do Sr. Truetemp,
apresentado por Lehrer (2000), do que sobre como possa ocorrer o conhecimento
de uma realidade externa, espiritual. Mas um mistério não é uma impossibilidade.
107
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Será que alguém poderia estar diretamente justificado em crer tais proposições
religiosas como aquela que Deus existe? Isso exigiria ter um sexto sentido, ou
algum tipo de faculdade mística? (ZANGWILL, 2004). E mesmo se houvesse tal
coisa, geraria uma justificação diretamente ou somente através de uma descoberta
de correlações adequadas entre suas deliberações e o que é crido através da razão
ou da experiência comum, por exemplo, através das visões religiosas que permitem
prever eventos publicamente observáveis? Neste último caso, a faculdade mística
não seria uma fonte básica de justificação. Antes que pudesse justificar as crenças
que ela produz, teria que ganhar suas credenciais de justificação por meio de uma
proporção suficiente dessas crenças recebendo confirmação de outras fontes,
como a percepção e a introspecção (PORTUGAL, 2002).
108
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
dizem, às vezes que, na vida perfeitamente comum, Deus fala com elas, elas
estão conscientes de Deus na beleza da natureza e podem sentir a presença de
Deus. Descrições desse tipo podem ser consideradas metafóricas. Mas se Deus
é, como muitos pensam, propriamente concebido como uma pessoa (divina),
estas declarações podem ter um significado literal.
Mas, se ao ver o fluxo não estamos vendo seu infinito, então como isso
pode ser visto como base para saber que o fluxo é infinito? Da mesma forma,
se Deus é experienciado, como a experiência pode revelar que é Deus que
está sendo experienciado? O problema não é que Deus é não físico. O não
físico pode ser facilmente experienciado, e de fato de forma direta. Assim,
109
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Se for possível O problema, então, não é que não possa haver experiência, até
alguém experienciar,
mesmo experiência não mística de Deus. É, ao menos em parte, que
digamos, o falar de
Deus, não estaria se for possível alguém experienciar, digamos, o falar de Deus, não
claro como este estaria claro como este alguém poderia saber (ou crer justificadamente)
alguém poderia que é Deus falando. Como alguém saberia que não estava tendo uma
saber (ou crer experiência meramente interna, como falar a si mesmo numa voz que
justificadamente) que se pensa ser de Deus, ou até mesmo alucinar uma voz divina?
é Deus falando
Em parte, a questão é como alguém pode reconhecer a Deus. Claramente,
isso requer ter um conceito de Deus. Mas isso é adquirível sem já ter conhecimento
da existência de Deus. Também se precisa de um conceito de, por exemplo,
uma sonata para reconhecer uma quando a ouvimos. Estes conceitos são muito
diferentes, mas qualquer um deles pode ser adquirido sem realmente se saber
(ou se ter experienciado) da existência daquilo que representa.
110
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
Problemas da Abordagem
Experiencialista
Há muitas outras questões relevantes aqui. Tomemos primeiro uma questão
psicológica do tipo relevante para a epistemologia. Será que as pessoas realmente
acreditam diretamente que, digamos, Deus está falando com elas, ou tal crença é
baseada – mesmo que não de modo autoconsciente – em acreditar que a voz em
questão tem certas características, nas quais as pessoas creem que indicam a fala
de Deus? (VALLE, 1998). Em segundo lugar, por que é relevante a possibilidade
de corroboração por outras pessoas – o que poderíamos chamar de justificação
social? (MÜLLER; RODRIGUES, 2013).
111
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
beleza da natureza, enquanto que qualquer pessoa normal possa ver um campo
verde? Ou este contraste é atenuado pelas diferenças marcadas na acuidade
perceptual que encontramos entre pessoas claramente normais, particularmente
em questões complicadas como a percepção estética na música e na pintura,
onde o que é ouvido ou visto diretamente não pode ser visto nem ouvido sem a
prática e a sensibilidade?
112
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
113
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
JustiFicação e Racionalidade
Este tema sobre justificação teísta, às vezes, é chamado de questão de
fé e razão. Ao discutir essa questão, a razão – acima de tudo a racionalidade na
manutenção de crenças religiosas – é comumente considerada como sendo
aproximadamente equivalente à justificação. Podemos considerar, no entanto, que,
embora uma crença justificada deva ser racional, uma crença racional que não esteja
manifestamente injustificada não precisa ser justificada positivamente (SENOR,
1995). Considere a crença de que alguém gosta de você. Pode ser racional com base
em um vago sentido "intuitivo" antes de ser justificada pela evidência.
114
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
base sensorial. Devo ter sensações de cor, mas não há nenhuma sensação
especificamente da beleza como há do copo frio.
115
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
Aceitação, Presunção e FÉ
Há atitudes mais Uma outra linha de pensamento deve ser retomada aqui, antes
fracas do que a de finalizarmos o capítulo. Não precisamos explorar a justificação
crença no grau ou a racionalidade nesse domínio apenas em termos de crença. A
de convicção que
crença tem sido absolutamente dominante na maioria das discussões
elas implicam, mas
epistemológicas da cognição, mas não é a única atitude cognitiva
suficientemente fortes
nessa dimensão que levanta questões epistemológicas ou é avaliável em relação à
psicológica para guiar justificação ou fundamentos de apoio. Há atitudes mais fracas do que
o pensamento e a a crença no grau de convicção que elas implicam, mas suficientemente
ação. fortes nessa dimensão psicológica para guiar o pensamento e a ação.
Alguns filósofos consideram a aceitação desta maneira (STUMP, 1993).
Aceitar uma hipótese científica, nessa terminologia não implica acreditar nela,
mas pode levar alguém a comprometer-se a usar a hipótese – digamos, como a
hipótese de que determinada doença é causada por uma química em particular –
como premissa de raciocínio (experimental) e de orientação para a ação ordinária.
116
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
Algumas Considerações
Acontece, então, que a epistemologia amplamente concebida pode considerar
não apenas o alcance de nosso conhecimento e a crença justificada, mas também,
o alcance de nossa crença racional, de nossa conscienciosidade epistêmica e
até de outras atitudes racionais em relação a proposições, como certos tipos de
aceitação, presunção e fé. Esta extensão da avaliação epistemológica a outras
atitudes mais fracas fornece mais espaço para a racionalidade do que haveria se
a crença fosse o único objeto da racionalidade. A mesma força de evidência ou
fundamentação pode nos levar ainda mais longe no domínio de atitudes como
aceitação, presunção e fé do que na crença.
117
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
ReFerências
ALSTON, W. P. Epistemic justification: essays in the theory
of knowledge. London: Cornell University, 1989.
118
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
HUME, D. Diálogos sobre a religião natural. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
119
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
120
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
______. Warrant and Proper Function. New York: Oxford University Press,1993.
121
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
ROSS, W. The Right and the Good. Oxford: Oxford University Press, 2002.
122
Capítulo 3 O CONHECIMENTO RELIGIOSO E SUAS IMPLICAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
123
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
124
C APÍTULO 4
Argumentos Cosmológicos da
Existência Divina
126
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
ContextualiZação
Por pelo menos dois milênios filósofos têm tentado demonstrar, por meio
da razão e do argumento, que Deus existe. É claro que nem todos os teístas
concordam que a existência de Deus pode ser demonstrada através de
argumentos, e alguns até mesmo concordam com a tese ateísta de que nenhuma
explicação racional da existência de Deus pode ser oferecida. Alguns teístas,
porém, têm ido tão longe a ponto de afirmar que existem meios racionais para
provar que Deus existe, enquanto outros afirmam que a existência de Deus pode
ser demonstrada de forma plausível, mas não comprovada.
Muitos argumentos foram construídos para provar, ou, pelo menos, fornecer
razões à crença em Deus, e neste e nos próximos dois capítulos estaremos
examinando três deles. Neste capítulo vamos trabalhar através de várias formas do
argumento cosmológico (MORELAND, 2013; CRAIG, 2001; ROWE, 2011). Cada
uma das diferentes versões do argumento cosmológico começa concentrando-se
em algum fato empírico do universo a partir do qual se segue que algo fora do
universo deve ter causado a sua existência. Suponha que, usando um exemplo
de inúmeras possibilidades, em alguma futura exploração tripulada a um planeta
distante, os astronautas descobrissem seis objetos esféricos descansando
perfeitamente um em cima do outro. Certamente, esses descobridores concluiriam
que esses objetos e sua estrutura hierárquica devem ter vindo de alguma coisa
e de algum lugar. Mas eles também poderiam perguntar sobre outras coisas,
como: “Qual foi a causa da existência dessa coisa que fez com que esses objetos
existissem?” E assim em diante. Mas pode esta série de causas para as coisas
continuarem indefinidamente? Intuitivamente, parece que ela deve parar em
algum lugar – deve haver alguma causa originária. Assim, também, argumentam
os defensores do argumento cosmológico, quando começamos a examinar as
causas das (ou as razões para) as coisas que existem no universo, e das quais o
universo é composto, a cadeia causal deve parar em algum lugar. Para os teístas,
essa causa é Deus.
127
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
O Argumento da Contingência
A pessoa que provavelmente recebeu o maior reconhecimento por oferecer
um argumento cosmológico para a existência de Deus é o monge católico, Tomás
de Aquino (1224-1274).
128
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
129
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Uma vez que existem coisas contingentes, deve haver alguma coisa
não contingente ou necessária. Ou seja, deve haver alguma coisa
(ou ser) que:
3)
• Não começou a existir em algum momento.
• Não é causado a existir por alguma outra coisa.
• Não deixará de existir em algum momento.
• Não poderia não ter existido.
• É o que causou as coisas contingentes a existir.
Fonte: O autor.
Uma vez que o argumento é válido, o que significa que se as premissas são
verdadeiras a conclusão deve seguir, a pergunta diante de nós é se as premissas
são ou não verdadeiras. Voltemos, portanto, ao Quadro 1.
É o caso de que nem todas as coisas podem ser coisas Aquino argumenta
contingentes? Aquino argumenta que, se todas as coisas são que, se todas
contingentes, então nada poderia vir a existir uma vez que não teria as coisas são
contingentes, então
havido qualquer agência causal originária pela qual pudesse causar
nada poderia vir a
qualquer coisa a existir. Existem várias formas de apoiar este ponto. existir uma vez que
Em primeiro lugar, pode-se argumentar que nada poderia ter vindo não teria havido
à existência porque, nesse caso, uma série contingente teria de ser qualquer agência
de fato uma série infinita, mas uma série infinita real é impossível (a causal originária pela
noção de uma série infinita real será discutida a seguir na seção sobre qual pudesse causar
qualquer coisa a
o argumento kalam). Entretanto, o próprio Aquino não sustenta essa
existir
visão, por isso vamos ignorá-la aqui.
131
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Fonte: O autor.
132
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
133
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Mas o todo, você diz, precisa ter uma causa. Minha resposta
é que a união dessas partes em um todo, assim como a união
de várias províncias diferentes em um reino, ou de vários mem-
bros distintos em um corpo, realiza-se simplesmente por um
ato arbitrário da mente e não tem influência sobre a natureza
das coisas. Se eu lhe tivesse mostrado as causas particulares
de cada indivíduo de uma coleção de vinte partículas mate-
riais, seria muito pouco razoável que você me perguntasse, a
seguir, pela causa das vinte como um todo. Pois ela já foi sufi-
cientemente explicada ao se explicarem as causas das partes
(HUME, 1992, IX, p. 123).
Hume está certamente correto que por vezes é o caso que uma explicação
sobre as partes de uma coisa explica o todo do qual as partes consistem, pelo
menos em um nível. Usando o seu próprio exemplo referindo-se a um reino
particular, uma explicação para "Por que isso é um reino?" poderia ser "Porque há
várias províncias unidas". Mas, é claro, em outro nível esta resposta é incompleta.
Pode-se também buscar razoavelmente a causa por que as províncias foram, de
fato, unidas umas às outras para formar o reino, pois os reinos são os tipos de
coisas que envolvem a união de províncias por razões específicas. Portanto, esta
analogia, bem como a que ele usa sobre os membros de um corpo, não parecem
funcionar no modo como Hume havia imaginado.
134
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Para que possamos afirmar que o universo como um todo não precisa de uma
causa, parece que teríamos de afirmar que os indivíduos contingentes do qual
a série consiste também não precisam de causas. Mas isso seria simplesmente
afirmar que eles não são contingentes afinal de contas. De fato, alguns sustentam
a visão de que não existem seres contingentes, e o fazem isso por várias razões.
Uma destas razões oferecidas é que os termos “contingente” e “necessário”
carecem de sentido.
135
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
136
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
4) O universo não é nada mais do que a coleção das coisas que o compõem.
Assim, deve haver uma razão suficiente, para o universo como um todo, que
5)
se encontra fora dele mesmo.
Não pode haver uma regressão infinita de tais razões suficientes, pois então
6)
não haveria nenhuma explicação final das coisas.
Portanto, deve haver uma coisa (ser) primeira autoexplicativa cuja razão
7) suficiente para a sua existência encontra-se em si mesma, em vez de fora de
si (ou seja, um ser necessário cuja não existência é impossível).
Fonte: O autor.
Uma pergunta relacionada colocada por Leibniz é esta: "Por que existe algo
em vez de nada?" Por que o universo existe, em vez de apenas nada? Não parece
razoável buscar uma explicação para sua existência? Uma analogia pode ser útil
neste momento. O filósofo Richard Taylor (1919-2003) nos pede para imaginar que
estamos caminhando por uma floresta e nos deparamos com uma bola translúcida:
Ele continua:
Isso ilustra uma crença metafísica que quase parece fazer par-
te da própria razão, mesmo que apenas alguns homens pensem
nisso; a crença de que há uma explicação para a existência de
qualquer coisa, alguma razão do por que isso deve existir ao invés
de não. A não-existência de algo, o que não deve ser confundida
com a extinção da existência de algo, nunca requer uma explica-
ção; mas a existência requer. Que nunca devesse haver qualquer
bola na floresta não exige qualquer explicação ou razão, mas que
devesse haver tal bola, exige (TAYLOR, 1969, p. 100-101).
137
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
138
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
No entanto, se Deus não precisava ter criado o mundo, então citar a sua
existência não fornece uma razão suficiente para a existência do mundo. É
necessário haver uma razão por que ele escolheu fazer o mundo. Se esta é uma
razão suficiente, então Deus não poderia deixar de ter criado o mundo e sua
escolha não foi livre (em um sentido indeterminístico). Se é um fato contingente que
Deus escolheu criar este mundo, o princípio da razão suficiente não será satisfeito,
porque exige que todos os fatos contingentes tenham uma explicação suficiente.
139
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Se Deus é o ser Além disso, respondem aos objetores, se Deus é o ser mais
mais perfeito perfeito (como os teístas tradicionais sustentam), e se um ser perfeito
(como os teístas não criaria um universo inferior (como os teístas tradicionais também
tradicionais
sustentam), então Deus teve que criar este mundo – o melhor de todos
sustentam), e se
um ser perfeito não mundos possíveis. Portanto é necessário, não contingente. (Veja,
criaria um universo por exemplo, William Rowe (2011), especificamente o Capítulo 2, “O
inferior (como os argumento cosmológico”). E assim o debate continua.
teístas tradicionais
também sustentam), Objeção 3: A subjetividade de uma explicação
então Deus teve que
criar este mundo – o
melhor de todos Outra objeção é que, mesmo supondo que cada coisa tem uma
mundos possíveis. explicação suficiente, o que constitui uma justificação satisfatória para
uma pessoa pode não ser para outra. A este respeito a visão de mundo
dos indivíduos pode entrar em jogo. Uma explicação satisfatória para um ateu de
um dado fenômeno pode ser muito diferente daquela para um teísta, ou para um
panteísta, ou para um panenteísta.
140
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
O Argumento KALAM
Uma terceira forma do argumento cosmológico é referida como o argumento
Kalam – o termo "kalam” é uma palavra árabe que significa “teologia especulativa".
Foi desenvolvido nos tempos medievais por dois filósofos islâmicos, al-Kindi
(c. 801-c. 873) e al-Ghazali (1058-1111). O seu principal defensor nos últimos
tempos é o filósofo cristão William Lane Craig (1949-), e, ao explicar e defender o
argumento, estabelece a estrutura mostrada na Figura 3 a seguir.
Fonte: O autor.
141
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Se alguma coisa Como foi dito, o argumento é logicamente válido. Então, mais uma
vem a ser, ou vez, a questão importante é, são as premissas verdadeiras? A primeira
passa à existência,
premissa parece intuitivamente óbvia. Se alguma coisa vem a ser,
deve haver algo
que causou a sua ou passa à existência, deve haver algo que causou a sua existência.
existência. Historicamente, esta primeira etapa não foi muitas vezes negada, até
mesmo por aqueles que duvidaram ou negaram a existência de Deus,
pela simples razão de que os eventos físicos parecem ser rastreáveis às causas
anteriores (em teoria, se não na prática real). Mas enquanto a sua verdade pode
ser intuitiva, como observado na seção anterior têm surgido nos últimos tempos
objeções significativas para ela. Por exemplo, Quentin Smith (2010, p. 128), um
filósofo ateu, escreve um excelente texto argumentativo para “mostrar que esta
segunda parte “teísta” [do argumento Kalam] não é sólida e que há uma segunda
parte “ateia” sólida que mostra que o universo se causa a si mesmo”.
142
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
143
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Por conseguinte, a série de eventos no tempo que se torna toda a história do uni-
3)
verso não pode ser um infinito real.
Uma vez que a série não pode ser um infinito real, deve ser finita. Sendo
finita, a série de eventos no tempo deve ter um começo. Assim, o universo deve
ter um começo.
Vamos examinar cada uma das etapas desse argumento. Em primeiro lugar,
prima facie, a etapa 1 parece ser bastante clara. Os eventos que formam toda a
história são tomados um após o outro. Eles não ocorreram todos simultaneamente,
mas foram sequencialmente ocorrendo na medida em que o tempo avançou.
Assim como os eventos que ocorreram em sua vida a partir das 8 horas desta
manhã até as 20 horas desta noite são uma coleção de eventos formados por
uma adição sucessiva (eles são uns adicionados após o outro), assim também
são todos os eventos em sua vida e, de fato, todos os eventos na história.
Embora, esta visão do tempo não seja universalmente aceita, e uma objeção a
esta premissa é que ela implica uma noção errada da natureza do tempo. Sugere-
se que a premissa está pressupondo uma Teoria-A, ou série-A, do tempo, na qual
há fluxo temporal real. Mas essa visão do tempo é debativel (veja as leituras do
LEO-DICAS).
144
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
145
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
No entanto, a seguinte resposta pode ser feita. Se houvesse uma série sem
começo, seria absurdo supor que em algum momento nós poderíamos alcançar o
momento presente.
O problema aqui não é nem uma questão de não ter tempo suficiente nem
de infinitamente adicionar um membro após o outro. Pelo contrário, parece ser um
absurdo metafísico. Craig (2014, s.p.) expressa desta forma:
146
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
147
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
148
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
149
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Fonte: O autor.
150
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Quais podem ser algumas das razões para sustentar que a causa do universo
é pessoal, como os proponentes do argumento Kalam mantêm? De acordo com
a cosmologia do Big Bang, antes do início do universo (antes em um
sentido ontológico, não temporal) não havia tempo, espaço, matéria De acordo com a
cosmologia do Big
ou energia, e, portanto, nenhuma mudança de um estado de coisas
Bang, antes do
para outro. Mas em tal estado, como pode um primeiro evento ocorrer? início do universo
Poderia surgir espontaneamente e sem uma causa? Isto pareceria ser (antes em um
menos do que razoável. Outra possibilidade é que é um evento pessoal sentido ontológico,
em que um agente escolhe livremente agir. Esta é a resposta teísta: um não temporal)
Deus pessoal atemporal, sem espaço, sem matéria, trouxe o universo não havia tempo,
espaço, matéria ou
à existência por sua própria escolha livre. Deste ponto de vista, a
energia, e, portanto,
decisão de Deus de criar o universo não foi determinada por uma causa nenhuma mudança
anterior. Pelo contrário, foi um evento autocausado deliberadamente de um estado de
escolhido por um Deus pessoal para uma razão (não determinativa) ou coisas para outro.
conjunto de razões (ABBAGNANO, 2007; O’CONNOR, 2000).
151
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
152
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
153
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Craig argumenta ainda que uma boa razão para interpretar a singularidade
como irreal é que ela é descrita como não tendo dimensões espaciais e sem
duração temporal. Como ele diz: "A singularidade tem zero dimensionalidade e
existe por nenhum período de tempo; ela é de fato um ponto matemático" (CRAIG;
SMITH, 1995, p. 227, tradução nossa). Sustentar que tal ponto é real é reificar
uma mera construção matemática.
Smith contrapõe essa objeção, argumentando que não há razão para rejeitar
a realidade da singularidade; ao contrário, ele argumenta que, na cosmologia do
Big Bang padrão, a singularidade é o término real dos caminhos espaço-temporais
convergentes dirigidos ao passado. O debate, então, gira em torno da metafísica
do tempo, do espaço e da matemática.
Objeção 2: Deus não é limitado por leis ou pela falta delas para realizar
os propósitos divinos
De acordo com essa objeção, a premissa 3 é falsa, pelo menos por duas razões.
Em primeiro lugar, poderia ser o caso de que o plano de Deus fosse de intervir nos
estágios iniciais do universo, a fim de garantir que os organismos vivos, incluindo os
seres humanos, acabariam eventualmente por evoluir. Não é, necessariamente, um
sinal de planejamento mau ou irracional da parte de Deus fazer isso. Pode ser que,
ao contrário do universo do relojoeiro postulado pelos deístas, Deus está envolvido
criativamente no universo em diferentes fases do seu desenvolvimento. Enquanto
que isto pode não ser a maneira mais eficiente para criar um universo, argumentam
os objetores, o Deus das religiões teístas não está preocupado principalmente com
a eficiência. Tal Deus não está preocupado com a escassez de poder.
154
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
O ateu pode responder em pelo menos duas maneiras. Primeiro, ele poderia
conceder o princípio da simplicidade e da suposição (2), mas negar a suposição (1).
Isto é precisamente o que Smith faz. Ele concede o princípio, mas nega a suposição
(1) pelo seguinte motivo: uma vez que a singularidade tem zero volume espacial,
zero duração temporal, e não tem valores finitos particulares para sua densidade,
"Parece razoável supor [... que] este ponto instantâneo é o objeto físico mais simples
possível" (SMITH, 1992, s.p.). Concedendo que este objeto simples é pelo menos
tão simples quanto a hipótese teísta, é mais simples supor que o universo começou
a partir do mesmo tipo de material básico (ou seja, coisas materiais) do que postular
algum tipo adicional de material (ou seja, "coisa-divina" imaterial).
155
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
156
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Algumas Considerações
O argumento cosmológico é menos um argumento particular que um
tipo de argumento. Ele usa um padrão geral de argumentação (logos) que faz
uma inferência de fatos particulares alegados sobre o universo (cosmos) para
a existência de um ser único, geralmente identificado ou referido como Deus.
Entre esses fatos iniciais, esses seres ou eventos particulares no universo são
causalmente dependentes ou contingentes, que o universo (como a totalidade das
coisas contingentes) é contingente em que poderia ter sido diferente do que é, que
o Grande Fato Contingente Conjuntivo possivelmente tem uma explicação, ou que
o universo veio a existir. A partir desses fatos, os filósofos inferem dedutivamente,
indutivamente ou abdutivamente por inferência à melhor explicação de que uma
causa inicial ou sustentadora, um ser necessário, um motor impassível ou um
ser pessoal (Deus) existe e que este causou e/ou sustenta o universo. Podemos
assim dizer que o argumento cosmológico faz parte da teologia natural clássica,
cujo objetivo é evidenciar a afirmação de que Deus existe.
157
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
procuram uma causa da existência do mundo, mas uma causa para o mundo ser
um cosmos, geralmente, postulando um sistema astronômico de esferas, iniciado
pelo motor. Aqui, um limite um tanto arbitrário e nebuloso é desenhado entre os
argumentos cosmológicos e teleológicos, este último também busca uma causa
de que o mundo seja um cosmos, mas com ênfase na ordem, no design e na
adaptação dos meios aos fins. O argumento cosmológico, portanto, não precisa
necessariamente concluir uma causa da existência do universo, pois suas formas
antigas eram dualistas e buscavam apenas explicar o movimento cósmico.
ReFerências
ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5. ed. Trad. Alfredo Bossi
e Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
______. Física I e II. Trad. Lucas Angioni. Campinas, SP: Unicamp, 2009.
158
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
______. Uma breve história do tempo. Rio de Janeiro: Editora Intrinseca, 2015.
159
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Frandique Morujão. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
160
Capítulo 4 ARGUMENTOS COSMOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
PESSOA Jr., O. Filosofia da física clássica. São Paulo: USP, 2014. Disponível
em: <http://www.fflch.usp.br/df/opessoa/FiFi-14>. Acesso em: 19 maio 2017.
______. Porque não sou cristão: e outros ensaios sobre religião e assuntos
correlatos. Trad. Brenno Silveira. São Paulo: Livraria Exposição do Livro,
1972. Disponível em: <https://racionalistasusp.files.wordpress.com/2010/01/
porque_no_sou_cristo__bertrand.pdf>. Acesso em 12 maio 2017.
161
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
162
C APÍTULO 5
Argumentos Teleológicos da
Existência Divina
164
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
ContextualiZação
Como vimos no capítulo anterior, os argumentos cosmológicos começam com
o fato de que existem coisas existentes contingentemente no mundo e concluem
com a existência de um criador não contingente para explicar a existência dessas
coisas. Os argumentos teleológicos (ou argumentos do, ou para o design), por
outro lado, são bastante diferentes, pois eles começam com certas propriedades
do mundo e concluem com a existência de um grande arquiteto/designer do
mundo – um designer com certas propriedades mentais, tais como intenção,
conhecimento e propósito.
165
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
166
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Paley está usando um argumento da analogia: uma vez que podemos inferir
um designer (arquiteto) de um artefato, como um relógio, dado o seu propósito
evidente e sua estrutura ordenada, assim também devemos inferir um grande
designer das obras da natureza, uma vez que elas são ainda maiores em termos
de sua ordem e de sua complexidade – o que ele posteriormente descreve como
“meios ordenados para fins". O argumento de Paley pode ser esboçado na forma
apresentada no Quadro 1 "O argumento do desígnio de Paley".
Fonte: O autor.
167
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Mesmo que Outra refutação é que mesmo que possamos inferir um grande
possamos inferir designer do universo, esse designer acaba por ser algo menos do que
um grande designer o Deus das religiões teístas. Desde que efeitos semelhantes surgem de
do universo, esse causas semelhantes, a partir de um mundo finito não podemos inferir
designer acaba por um designer infinito. Além disso, existem imperfeições brutas e males
ser algo menos do
consideráveis no mundo. Então, se o mundo é designado, é razoável
que o Deus das
religiões teístas. concluir que o designer (ou designers, já que não há razão para presumir
apenas um), deve ter esses defeitos correspondentes também.
168
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
169
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Deus pode não ser ser utilizados para apoiar este em uma tentativa de demonstrar a
capaz de criar um existência do Deus das religiões. Em segundo lugar, quanto ao mal e
mundo com seres às imperfeições no mundo, pode ser respondido que este argumento
livres que nunca
não aborda a questão da onibenevolência divina, mas, sim, a questão
cometeriam atos
maus, mesmo que da finalidade, da intenção e do design. Deus pode não ser capaz de criar
Deus seja um ser um mundo com seres livres que nunca cometeriam atos maus, mesmo
onibenevolente e que Deus seja um ser onibenevolente e onipotente (FERRAZ, 2012).
onipotente Veremos mais sobre esta questão no capítulo 7, “Problemas do Mal”.
Talvez o pensador mais influente do século XIX foi Charles Darwin (1809-
1882). Em seu livro A Origem das Espécies (2009), publicado em 1859, Darwin
propôs o que se tornou uma das teorias mais significativas na história do
pensamento humano: que os organismos vivos se desenvolveram a partir de
formas simples às formas mais complexas gradualmente ao longo do tempo
e através dos processos puramente naturais e não intencionais de variação
aleatória, a seleção natural e a sobrevivência do apto. Esta é, naturalmente, a
teoria da evolução de Darwin.
170
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Na verdade, o próprio Darwin pode ter mantido este ponto de vista, pelo menos
em um ponto em sua carreira. No ano seguinte ao que ele publicou A Origem das
Espécies, ele disse o seguinte em duas cartas (de 22 de maio e 26 de novembro
de 1860, respectivamente) ao biólogo de Harvard, Asa Gray [estas cartas estão
disponíveis em português na obra organizada por Burkhardt, Evans e Pearn (2009)]:
171
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
172
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
1) Se a explosão inicial do big bang diferisse em força por tão pouco quanto
uma parte em 1060, o universo teria rapidamente entrado em colapso sobre si
mesmo ou expandido rápido demais para que as estrelas pudessem se formar.
Em ambos os casos, a vida seria impossível. (Como John Jefferson Davis
aponta, uma precisão de uma parte em 1060 pode ser comparada ao disparar
uma bala em um alvo de uma polegada no outro lado do universo observável,
vinte bilhões de anos luz de distância, e acertar o alvo.)
2) Os cálculos indicam que se a força nuclear forte, a força que une os prótons
e nêutrons juntos em um átomo, tivesse sido mais forte ou mais fraca por tão
pouco quanto cinco por cento, a vida seria impossível.
3) Cálculos feitos por Brandon Carter mostram que se a gravidade fosse mais forte
ou mais fraca por uma parte em 1040, então, as estrelas que sustentam a vida,
como o Sol, não poderiam existir. Isto tornaria provavelmente a vida impossível.
Fonte: O autor.
173
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
As Respostas ao Argumento do
AJuste Fino
Vários estudiosos Não é surpresa que vários estudiosos discordam que o design
discordam inteligente deve ser reivindicado, a fim de explicar a existência dos
que o design
parâmetros "ajustados finamente" e das condições iniciais do universo.
inteligente deve
ser reivindicado, A premissa do argumento de que é principalmente desafiada é a
a fim de explicar segunda: o ajuste fino do universo não aconteceu por acaso ou por
a existência necessidade. Vamos considerar três respostas proeminentes.
dos parâmetros
“ajustados a) A hipótese dos muitos universos
finamente” e das
condições iniciais do
universo. Uma maneira de explicar o nosso universo finamente ajustado
sem postular um designer inteligente é sugerir que há um número
muito grande de universos – talvez um número infinito deles. Dado este elevado
número, não é surpreendente que, pelo menos, um deles (o nosso, neste caso)
inclui condições e parâmetros iniciais que permitem a vida. Embora seja mais
provável que um universo decorrente do acaso inclua parâmetros avessos à vida,
se o número de universos é grande o suficiente, certamente alguns deles teriam
exatamente os parâmetros certos para a vida. Felizmente para nós, o nosso
universo é um destes. Enquanto escritores de ficção científica têm desfrutado de
muito sucesso na criação de tais cenários, os recentes avanços na teoria das
cordas e na cosmologia inflacionária também conduziram os estudiosos a levar a
sério a noção de universos múltiplos.
174
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
b) O princípio antrópico
Eles também observam uma característica central que emerge deste princípio:
175
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
176
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
177
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
178
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
que determinam onde ela irá parar. Nós nos referimos a isso como sorte/acaso
porque nós não sabemos onde, precisamente, as leis da natureza farão a roleta
parar. Poderia argumentar-se que somente em um nível quântico há o verdadeiro
acaso, ou talvez que não há acasos em absoluto). Em seguida, a fim de eliminar o
acaso e concluir com o design como a melhor explicação de um evento, Dembski
aplica o que ele chama de complexidade especificada (specified complexity), para
a qual ele oferece a seguinte descrição:
Fonte: O autor.
179
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Behe usa a analogia simples de uma ratoeira para demonstrar seu ponto
(veja a Figura 6.
Fonte: O autor.
180
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Uma ratoeira típica consiste de um martelo, uma mola, uma barra de proteção
e uma plataforma ou base à qual todas as outras partes estão conectadas. Cada
uma dessas partes é um componente necessário para a captura do rato, e em
conjunto as partes constituem uma condição suficiente para a captura de um rato.
Se qualquer uma das partes que compõem a armadilha estivesse ausente, ela não
iria funcionar como um dispositivo de captura do rato. É, portanto, um mecanismo
complexo irredutível na medida em que não pode ser reduzido em
termos de componentes e ainda assim funcionar como uma ratoeira. O mundo bioquímico
tem uma série
O argumento de Behe, então, é que o mundo bioquímico tem de sistemas que
uma série de sistemas que consistem de partes interdependentes consistem de partes
interdependentes
calibradas finamente que não funcionariam sem que cada um dos
calibradas
seus componentes operasse em conjunto. Estes sistemas, sendo finamente que não
irredutivelmente complexos, não podem, portanto, ser explicados pelo funcionariam sem
gradualismo e pela seleção natural da teoria da evolução. Postular um que cada um dos
designer para eles é uma hipótese muito melhor. seus componentes
operasse em
conjunto.
Um exemplo primário que Behe usa de um sistema bioquímico
irredutivelmente complexo é o flagelo bacteriano ("flagelo" é derivado
do latim flagellum e significa um chicote ou chibata). No início de 1970, certas
bactérias foram vistas a deslocar-se ao girar seus flagelos, ou cauda tipo-chicote,
que giram em altas taxas de velocidade – alguns deles centenas de rotações
por segundo. A estrutura destas bactérias inclui o que é comparado a um motor
de popa. Como indica a Figura 7, existe um número de componentes diferentes
(cerca de 40 no total) que trabalham em conjunto no movimento das bactérias,
incluindo um gancho, um filamento, um estator e um rotor (TORTORA; FUNKE;
CASE, 2012).
181
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Os defensores
do argumento do O que interessa aqui é que as 40 partes das quais este motor
design inteligente flagelar consiste aparentemente devem ser organizadas exatamente
afirmam que é
assim. Se qualquer uma delas estiver mal colocada ou ausente, o
mais razoável
acreditar que um "motor" não vai funcionar. É, portanto, um mecanismo complexo
designer inteligente irredutível. Os defensores do argumento do design inteligente afirmam
esteve envolvido que é mais razoável acreditar que um designer inteligente esteve
na criação de um envolvido na criação de um sistema deste tipo do que o sistema ter
sistema deste tipo se desenvolvido gradualmente através de processos darwinianos
do que o sistema
naturalistas. A menos que o mecanismo seja totalmente funcional, a
ter se desenvolvido
gradualmente seleção natural não teria nenhum motivo para preservá-lo.
através de
processos Behe (2007) levantou novas argumentações a favor da complexidade
darwinianos irredutível no decorrer dos anos. Todavia, todas elas sofreram respostas
naturalistas. contra-argumentativas, por exemplo, as argumentações de Kenneth R.
Miller (2002, 2004) e Jonh H. McDonald (2011), o que gerou respostas
de Behe (2000) e um vívido debate que ainda continua.
182
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Fonte: O autor.
183
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
método mais razoável para explicar os eventos. Se uma nova evidência conduzir
a uma explicação naturalística não intencional e não proposital do evento, então
a explicação do design pode ser revogada. Claro, pode-se sustentar que todas
as explicações biológicas devem incluir explicações naturalistas não intencionais,
e não propositais. Mas fazer disso uma suposição metafísica a priori antes de
examinar a evidência pode muito bem ser viés injustificado contra a própria
possibilidade do design inteligente.
184
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
185
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
Algumas Considerações
Como vimos neste capítulo, alguns fenômenos dentro da natureza exibem
tal singularidade e complexidade de estrutura, função ou interconexão que muitas
pessoas acharam natural - se não inescapável - ver uma mente deliberativa e
diretiva por trás desses fenômenos. A mente em questão, antes da própria natureza,
geralmente é considerada como sobrenatural. Pensadores filosoficamente
inclinados têm historicamente e no presente trabalhado para moldar a intuição
relevante em uma inferência mais formal, logicamente rigorosa. Os argumentos
teístas resultantes, em suas diversas formas lógicas, compartilham um foco no
plano, propósito, intenção e design e por isso são classificados como argumentos
teleológicos ou, frequentemente, como argumentos de ou para o design.
186
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
ReFerências
BARROW, John; TIPLER, Frank. The anthropic cosmological
principle. Oxford: Oxford University Press, 1988.
187
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
188
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
189
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
190
Capítulo 5 ARGUMENTOS TELEOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
191
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
192
C APÍTULO 6
Argumentos Ontológicos da
Existência Divina
194
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
ContextualiZação
Nos dois últimos capítulos examinamos os argumentos cosmológicos e
teleológicos. Ambos focados em alguma característica do universo, concluíram
que Deus deve ser postulado como a explicação para estas características
(argumento cosmológico) ou que estas apontam para um designer do universo
(argumento teleológico). Estes argumentos são a posteriori, pois são baseados
em premissas que podem ser conhecidas somente pela experiência do mundo.
Outro tipo de argumento tenta demonstrar que a não existência de Deus é
impossível – este é o argumento ontológico. É bem singular entre os argumentos
tradicionais para a existência de Deus, na medida em que é um argumento a
priori, pois está baseado em premissas que supostamente podem ser conhecidas
independentemente da experiência do mundo.
195
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Mas, sem dúvida, “aquilo maior do que o qual nada pode ser
pensado” não pode existir unicamente no intelecto. Se, na ver-
dade, existe pelo menos no intelecto, pode pensar-se que exis-
ta também na realidade, o que é ser maior. Se, pois, “aquilo
maior do que o qual nada pode ser pensado” existe apenas
no intelecto, então “aquilo mesmo maior do que o qual nada
pode ser pensado” é “algo maior do que o qual algo pode ser
pensado”. Mas isto, <como é evidente>, é claramente impossí-
vel. Existe, pois, sem a menor dúvida, “alguma coisa maior do
que a qual nada pode ser pensado” tanto no intelecto como na
realidade (ANSELMO, 2008, p. 12).
196
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
1) Todo mundo (até mesmo o ateu) é capaz de entender pelo termo "Deus" um
ser do qual nenhum maior pudesse ser concebido.
2) Assim, um ser, do qual nenhum maior pode ser concebido, existe na mente
(ou seja, no entendimento) quando se ouve falar de tal ser.
3) Podemos conceber um ser do qual nenhum maior pode ser concebido que
existe tanto na mente e na realidade.
4) Existir na realidade é maior do que a existir somente na mente.
5) Se, portanto, um ser, do qual nenhum maior pode ser concebido, existe
somente na mente e não na realidade, não é um ser do qual nenhum maior
pode ser concebido.
6) Portanto, um ser do qual nenhum maior pode ser concebido existe na realidade.
197
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
198
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
1) Todo mundo é capaz de entender pelo termo "ilha perfeita" uma ilha da qual
nenhuma maior/melhor pode ser concebida.
2) Então, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe na
mente (ou seja, no entendimento), quando se ouve falar de uma tal ilha.
3) Podemos conceber uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser
concebida que existe tanto na mente e na realidade.
4) Existir na realidade é maior do que a existir somente na mente.
5) Se, portanto, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida
existe somente na mente e não na realidade, não é uma ilha da qual nenhuma
maior/melhor pode ser concebida.
6) Por isso, uma ilha da qual nenhuma maior/melhor pode ser concebida existe
na realidade.
199
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Avaliar a resposta de Anselmo é difícil. Por um lado, não está claro exatamente
o que ele quer dizer, nesta resposta concisa, talvez simplista. Além disso, se ele
quer dizer que é possível conceber uma ilha perfeita como não existente, não está
claro o que ele quer dizer com "concebível" neste contexto. Em qualquer caso,
na avaliação da solidez da refutação de Gaunilo, muito depende do significado
da expressão concebível, e continua havendo um debate animado em curso
sobre isso. Stephen T. Davis (2003), por exemplo, argumenta que a refutação de
Gaunilo, nessa passagem, não é sólida.
A existência não
é um predicado b) A existência não é um predicado
de tal forma que é
uma propriedade
Talvez a objeção mais séria ao argumento ontológico de Anselmo
que pode ser
afirmada de uma (pelo menos a versão apresentada no Proslogion, livro II) foi levantada
coisa. Existência por Immanuel Kant (1724-1804). Ele alegou que a existência não
não acrescenta ao é um predicado verdadeiro/real. Veja, por exemplo, em sua Crítica
conceito de uma da Razão Pura (2001) a Quarta Seção (Da impossibilidade de uma
coisa; todavia, prova ontológica da existência de Deus). A objeção é levantada
a existência é a
contra a premissa 4 (com a premissa 3) no argumento acima e pode
instanciação de uma
coisa. ser enunciada da seguinte forma (esta é uma interpretação comum
200
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Considere este exemplo. Suponha que você vê um gato andar na sua frente,
e que o gato porventura é preto. Quando você faz a alegação de que o gato é
preto, você está adicionando uma propriedade (pretidão) ao conceito de um gato.
Há outros gatos que não são pretos; não é essencial para o conceito de um gato
que este seja preto. Quando você alega que o gato existe, no entanto, você não
está adicionando qualquer coisa ao conceito de um gato; você só está dizendo que
o conceito de um gato é exemplificado ou instanciado. No argumento de Anselmo,
ele está insinuando que a existência é um predicado que acrescenta ao conceito
de um ser do qual nada maior pode ser concebido (é maior ter a propriedade
de existente do que não tê-la). Mas, argumenta Kant, ao afirmar que algo existe
não acrescenta nada ao conceito de um tal ser (ou a qualquer outro conceito);
está apenas afirmando que o conceito é instanciado. Portanto, o argumento de
Anselmo é falho. Um excelente artigo que explora os limites desta crítica kantiana
pode ser encontrado em Xavier (2007).
201
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
1) É possível que exista um ser que seja maximamente grandioso (um ser que
podemos chamar de Deus).
2) Portanto, há um mundo possível em que um ser maximamente grandioso existe.
3) Um ser maximamente grandioso é necessariamente maximamente excelente
em todos mundos possíveis (por definição).
202
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
203
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Vamos tomar as premissas, uma por vez. A primeira premissa afirma que é
possível que Deus – um ser maximamente grandioso – existe. O caso de que é
possível que tal ser existe é crucial para o argumento, e nós vamos examinar isso
mais de perto a seguir, na primeira objeção.
204
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
205
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
As respostas podem ser oferecidas, tais como que a premissa 1 é falsa. Mas
essa objeção à coerência divina, assim como outras, está disponível na literatura
na tentativa de demonstrar a impossibilidade de existência de Deus.
206
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Uma questão importante no que diz respeito aos argumentos modais como
este é se a lógica modal utilizada é o tipo apropriado de lógica para possibilidades
metafísicas. Alguns argumentam que não o é (MURCHO, 2002;
CID, 2010). Outro ponto a considerar é que, enquanto nós podemos Enquanto nós
podemos concordar
concordar que o mundo real existe, não existe um acordo universal
que o mundo
sobre o papel ontológico ou funcional que os mundos possíveis real existe, não
devem desempenhar nas discussões metafísicas. Considere este existe um acordo
exemplo. Jane Austen poderia ter escrito um livro sobre a escravidão universal sobre o
na Inglaterra no século XVIII. Ou ela poderia ter escrito um livro papel ontológico ou
sobre a Guerra de Troia. Mas será que o fato de que ela poderia ter funcional que os
mundos possíveis
escrito esses livros implica que eles realmente existem em um mundo
devem desempenhar
possível? O que significaria dizer que eles assim o fazem? Você não nas discussões
pode tocar esses livros; você não pode ler esses livros; você não pode metafísicas.
até mesmo ver esses livros. Não há nada que você possa fazer com
estes livros porque eles não são reais; eles não existem. Assim, parece
estranho dizer que eles existem em um mundo possível.
Se uma das razões para que os romances de Jane Austen sobre a escravidão
e a Guerra de Troia não existem é porque nada existe em um mundo possível,
então seria falsa a afirmação de que Deus (ou seja, um ser maximamente
grandioso) existe em um mundo possível. E se Deus não existe em um mundo
possível, então a premissa 2 do argumento de Plantinga é falsa, e o argumento é
infundado (GOMES, 2011).
207
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
208
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
Algumas Considerações
Existe um argumento para a existência de Deus que equivale à prova
conclusiva?
Como vimos neste capítulo, Anselmo pensou que ele havia descoberto tal
prova e propôs-a no que veio a ser conhecido como o Argumento Ontológico. Não
surpreendentemente, seu argumento suscitou interesse e controvérsia na época. O
fato de que continuou a fazê-lo durante os séculos até o presente momento é evidência
da importância do assunto e do fascínio das questões intelectuais envolvidas.
209
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Vimo neste capítulo que outros filósofos desenvolveram sua própria versão
do argumento de Anselmo. Algumas dessas versões são bastante rudimentares,
outras são muito sofisticadas. No século XVII, todos os filósofos racionalistas
de renome, incluindo Descartes, Malebranche, Leibniz e Spinoza, promoveram
alguma versão ou outra do argumento. Nos três séculos seguintes, o argumento
sofreu períodos de negligência quase completa. Mas, após cada período de
negligência, o argumento sempre foi reconduzido, redefinido e re-criticado.
ReFerências
ANSELMO, Santo. Proslogion seu Alloquium de Dei existential. Trad. José
Rosa. Covilhã: LusoSofia:press, 2008. Disponível em: <http://www.lusosofia.
net/textos/anselmo_cantuaria_proslogion.pdf>. Acesso em: 1 jul. 2017.
210
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
______. Crítica da razão pura. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Frandique Morujão. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
211
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
212
Capítulo 6 ARGUMENTOS ONTOLÓGICOS DA EXISTÊNCIA DIVINA
213
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
214
C APÍTULO 7
Problemas do Mal
216
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
ContextualiZação
Onde quer que olhemos no mundo, as pessoas estão sofrendo. Nas favelas,
em Calcutá; em bares, na Irlanda do Norte; nas cidades costeiras, do Equador;
nas igrejas, em Nova York; nos campos de arroz, na China; no sertão nordestino,
no Brasil; em Serra Leoa, na África; nas ruínas de Alepo, na Síria; e a lista
continua. Não há lugar onde a dor esteja ausente, nenhum lugar onde não exista
sofrimento humano e animal.
De certa forma, parece que nosso mundo ficou melhor ao longo das eras
desde o surgimento do primeiro Homo sapiens no planeta Terra. De fato, tem
havido progressos sólidos, especialmente no aproveitamento da natureza. E
grande parte da barbárie dos tempos antigos parece ter diminuído em geral. Veja,
por exemplo, a pesquisa de Steven Pinker (2013), publicada em sua excelente
obra Os anjos bons da nossa natureza: porque a violência diminuiu. O mundo
certamente não é uma utopia, ainda não o é, de qualquer maneira. O século XX
experimentou terríveis atrocidades humanas. Nesse século, por exemplo, perto
de meio bilhão de pessoas morreram de varíola; mais de 200 milhões de vidas
foram desperdiçadas na guerra e no democídio (RUMMEL, 1998), o assassinato
de pessoas por um governo; e cerca de 12 milhões morreram de AIDS – a maioria
deles nos últimos 15 anos do século XX. As palavras do filósofo Hegel sintetizam o
último século: “A história aparece então como o ‘patíbulo onde foram sacrificadas
a felicidade dos povos, a sabedoria dos Estados, a virtude dos indivíduos’”
(MARCUSE, 2004, p. 202).
Espera! Muitos acreditam que há alguém que tem não só o desejo, mas o
conhecimento e o poder para remover para sempre o mal e o sofrimento que
existe no mundo. Para a maioria dos teístas, há um Deus que existe como um
ser todo-poderoso, todo conhecedor e totalmente bom. Certamente, se este tipo
de ser existe, ele/ela destruiria o mal e o sofrimento. Então, por que persistem? O
filósofo cético David Hume reconheceu este problema e expressou isso de forma
concisa: “A Divindade quer evitar o mal, mas não é capaz disso? Então ela é
impotente. Ela é capaz, mas não quer evitá-lo? Então ela é malévola. Ela é capaz
de evitá-lo e quer evitá-lo? De onde, então, provém o mal?” (HUME, 1992, p. 136).
217
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
ClassiFicando o Mal
Alguns termos familiares são bastante fáceis de entender, mas quase
impossíveis de definir. Tomemos a palavra "jogo", por exemplo. Como Ludwig
Wittgenstein (1999) assinalou, é virtualmente impossível definir esta palavra,
embora normalmente temos nenhum problema de escolher um jogo dentre
alguma outra atividade ou evento (Se você duvida da dificuldade de definir "jogo",
apenas tente oferecer uma definição que inclui apenas jogos e exclui
todo o resto). Muitas outras palavras são como esta, incluindo o termo
Enquanto que uma
"mal". Enquanto que uma série de definições de "mal" foi oferecida
série de definições
de “mal” foi ao longo dos séculos, os debates sobre como deve ser definido são
oferecida ao longo intermináveis. Então, ao invés de tentar oferecer uma definição formal,
dos séculos, os vamos usar exemplos familiares, do que é comumente considerado
debates sobre como como sendo males, como o nosso padrão e guia. Aqui, então,
deve ser definido são alguns exemplos comuns de mal: catástrofes naturais, como
são intermináveis.
terremotos, furacões e incêndios florestais em que ocorre a morte
de vida inocente; intenso sofrimento e dor, como uma criança sendo
espancada até a morte por um inimigo tribal bárbaro, ou uma mulher grávida
morrendo de câncer, ou uma zebra sendo comida viva por um leão; deficiências
físicas, mentais ou emocionais, tais como nascer com uma fenda palatina, ou
ter transtorno de personalidade borderline, ou experienciar fraqueza da vontade
em um momento crucial, e assim por diante. O mal vem em toda a variedade de
formas e tamanhos. Dado este fato, os filósofos têm classificado o mal de várias
maneiras, e uma das classificações mais comuns é a distinção entre o mal natural
e o mal moral.
218
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
219
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Imagine outra situação. Você está lendo no jornal local que uma mãe de
várias crianças foi sair de sua garagem, sem saber que a sua filha de três anos
de idade saiu de casa e caminhou atrás do veículo dela. A mãe, inadvertidamente,
atropelou a menina, matando-a no processo. Será que esses eventos não soam
sem sentido, totalmente inúteis? E se Deus – um ser onipotente (todo-poderoso),
onisciente (todo conhecedor) e onibenevolente (plenamente bom) – existe, por
que ele deixaria isso acontecer? Qual é o sentido disso? Estes são exemplos de
mal gratuito, injustificado, e eles são inumeráveis.
220
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
221
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Atividades de Estudos:
I- Mal Horrendo.
II- Mal Gratuito.
III- Mal Natural.
IV- Mal Moral.
222
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
223
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Fonte: O autor.
Uma resposta é que o problema lógico do mal não funciona porque, para que
ele tenha sucesso, deve-se demonstrar que Deus não tem nenhuma boa razão
moral para permitir que qualquer mal em particular exista. Todavia, estabelecer
224
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
Podemos até imaginar casos em que algum mal possa ser necessário para
que o bem possa resultar. Por exemplo, mostrar o perdão a alguém que tenha o
prejudicado maldosamente e que esteja arrependido, ou mostrar coragem perante
a tortura, ambos exigem logicamente que eu estivesse ferido e torturado. Se estes
são bons exemplos não vem ao caso, pois é logicamente possível que certos
bens justificam certos males, e é impossível provar o contrário.
225
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
226
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
227
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
O Problema ProbabilÍstico ou
Evidencial do Mal
Enquanto o problema lógico do mal tem sido (tal como muitos acreditam
agora) para todos os efeitos refutado, isto não deixou o ateu de mãos vazias em
termos de um argumento contra a crença em Deus perante os fatos do mal. Um
outro tipo de argumento tenta demonstrar que a existência do mal evidencia contra
a crença racional em Deus, embora a existência de ambos não seja logicamente
inconsistente. Este argumento, também referido como o "problema probabilístico
do mal", é apresentado em muitas formas, mas a sua essência é que, se o Deus
do teísmo existe, ele provavelmente não criaria um mundo como o nosso – um
mundo cheio de todo o mal horrendo e gratuito que nele encontramos. Desde que
o nosso mundo existe, tal Deus provavelmente não existe. Este tipo de argumento
também tem sido referido como "indutivo", "a posteriori" e argumento “evidencial".
Vamos examinar um outro tipo de argumento evidencial na próxima seção.
a) O problema probabilístico
228
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
Agora, considere dois mundos possíveis, M e M*, que têm o Pedro neles e
são idênticos até o ponto em que é oferecida a Pedro a oportunidade de destruir
os documentos e encobrir a dívida. Suponha que em M ele aceita a oferta e em
M* ele não a aceita. O argumento de Plantinga, então, é que se M ou M* tornar-se
real é em parte devido a Deus e em parte a Pedro. Dado o livre-arbítrio de Pedro,
se Pedro aceita a oferta de fazer errado, então Deus não poderia fazer ocorrer o
cenário em que Pedro rejeita a oferta – Deus não poderia fazer ocorrer o M*.
229
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Uma resposta a essa objeção é que, embora possa ser o caso que se
poderia conceber um cenário como esse, não se segue que o mesmo poderia
(metafisicamente) acontecer. Poderia haver razões pelas quais a adição de mais
uma coisa boa não faria um mundo particular melhor do que é.
Dadas as nossas
Objeção 1: Limitações epistêmicas cognitivas
óbvias limitações
temporais e
espaciais, nós Uma objeção ao argumento de Rowe é que, uma vez que somos
simplesmente seres humanos finitos, limitados, simplesmente não estamos em uma
não podemos posição epistêmica apropriada para fazer uma avaliação legítima sobre
justificadamente o que um ser onisciente, onipotente e onibenevolente poderia ou iria
fazer julgamentos
morais sobre Deus
230
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
Objeção 2: Deus pode usar o sofrimento e o mal para nosso bem maior
A segunda objeção é que pode muito bem não haver nenhum mal gratuito
nem horrendo como definido acima. Por exemplo, depois de descrever sua jornada
pessoal através do que lhe parecia à primeira vista como um mal gratuito em sua
vida e a de sua família, o filósofo John Feinberg oferece dez "usos do sofrimento",
em que um teísta cristão pode ter conforto. Não podemos delineá-los aqui, mas
eles incluem Deus, permitindo a dor, a fim de proporcionar uma oportunidade
para demonstrar a fé verdadeira ou genuína e promover a maturidade na vida
(FEINBERG, 2004). Pode-se objetar a isso citando os exemplos dos tipos de
Ivan Karamazov (como as crianças que são jogadas aos cães), nos quais parece
evidente que nem todos os casos de sofrimento/mal estão conectados a um bem
maior. No entanto, a resposta poderia ser dada de que, mesmo se isto for assim,
de um modo geral todo o mal/sofrimento, no final, será redimido por Deus. Marilyn
McCord Adams (2000) elabora tal ponto, utilizando uma estrutura teológica
cristocêntrica que leva a sério o Filho de Deus sofredor. Ela argumenta que há
uma boa razão para que os cristãos acreditem que Deus irá, no final, engolfar e
derrotar todos os horrores pessoais através da participação integradora nos males
na relação de uma pessoa com Deus.
Uma terceira objeção foi proposta recentemente por adeptos do teísmo aberto.
Deste ponto de vista, a existência de um mal gratuito (e talvez horrendo) não é
incompatível com o teísmo. Os teístas abertos sustentam (como o fazem
uma série de teístas tradicionais) que o livre-arbítrio deve ser de um tipo Nem a onipotência,
tampouco a
incompatibilista, a fim de ser moralmente significativo, e por isso é bom
onisciência de Deus,
que Deus tenha criado seres humanos com livre-arbítrio. Esta liberdade, poderiam excluir a
no entanto, implica a possibilidade de agentes livres escolherem o bem existência do mal
e o mal. Nem a onipotência, tampouco a onisciência de Deus, poderiam – até mesmo o mal
excluir a existência do mal – até mesmo o mal gratuito –, desde que a gratuito –, desde
contingência real acaba por ser uma parte do universo. Para o teísta que a contingência
real acaba por
aberto, a onisciência de Deus não inclui o conhecimento de alguns
ser uma parte do
eventos futuros, como as ações humanas livres. Assim, na criação do universo.
universo Deus não tinha conhecimento de grande parte do mal que iria
ocorrer no futuro.
231
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Resposta
232
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
Se ela, em seguida, faz uma pausa e pede à sua filha, "Você entende,
querida?", não se surpreenda se a menina respondesse: "Sim, mamãe, mas ainda
dói!". Toda a explicação, naquele momento, não impede a sua dor. A criança não
precisa de um discurso; ela precisa de abraços e beijos de sua mãe. Haverá um
tempo para o discurso mais tarde; agora ela precisa de conforto.
As Três Teodiceias
Enquanto o cuidado pastoral pode muito bem ser um elemento importante
na resposta àqueles que experimentam dor e sofrimento, ele não faz nada para
resolver os problemas teóricos remanescentes observados acima. Existem
maneiras de realmente explicar por que Deus permitiria o mal no mundo? Há, de
fato. Houve uma série de tentativas de justificar a Deus e os caminhos de Deus
dada a realidade do mal. Tais respostas são chamadas teodiceias, e a seguir
vamos examinar as três mais importantes.
233
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
4) Esta conversão da vontade, ou pecar, trouxe o mal moral e natural para o universo.
O mal, ainda que provocado por pessoas criadas, não é uma coisa ou entidade; é
5)
uma deprivação metafísica, ou falta ou privação, do bem (uma privatio boni).
Deus finalmente retificará o mal quando ele julgar o mundo, inaugurando o seu
6) reino eterno com aquelas pessoas que foram salvas por meio de Cristo e enviando
para o inferno eterno aquelas pessoas que são perversas e desobedientes.
Esta tem sido a teodiceia mais utilizada no Ocidente desde o século V da era
comum, e ela ainda é amplamente utilizada hoje, por exemplo, na excelente obra
de Richard Swinburne (1998). Ela também tem sido amplamente criticada. Duas
objeções são as seguintes.
Objeções
234
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
235
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Fonte: O autor.
Objeções
Outra objeção à teodiceia da formação de almas é que ela parece ser uma
forma bastante brutal de Deus para amadurecer as almas. Sugerir que todo o
sofrimento e a dor – todos os males horrendos – já experimentados ao longo da
história foram o resultado da grande intenção cósmica de Deus, faz Deus parecer
um pouco menos do que o ser onipotente, onisciente e onibenevolente
que a maioria dos teístas pensa que Deus é.
Enquanto que Deus
não é o mundo (isso
seria panteísmo), c) Uma teodiceia do processo
Deus participa
do mundo (isso é A teologia do processo (e a filosofia) foi desenvolvida pela primeira
panenteísmo) – vez por Alfred North Whitehead (1861-1947). Ela continuou a ser
Deus e o mundo desenvolvida por Charles Hartshorne (1897-2000) e mais recentemente
estão em processo
por John Cobb Jr. (1925-). Baseia-se na premissa fundamental de que
juntos.
236
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
Deus e o mundo estão em fluxo. Enquanto que Deus não é o mundo (isso seria
panteísmo), Deus participa do mundo (isso é panenteísmo) – Deus e o mundo
estão em processo juntos. Deus não só age sobre o mundo, mas este também age
sobre aquele. Todas as coisas, incluindo Deus, estão no processo de se tornar,
em vez de ser estáticos. Neste processo de tornar-se, as entidades respondem
a cada momento, fazendo escolhas, e estas escolhas são reais e significativas;
elas nunca são perdidas, mas são continuamente adicionadas à experiência
global de Deus. Deus aprende a partir de tais experiências, e, portanto, está
sempre crescendo em conhecimento e entendimento. Este ponto de vista do
conhecimento de Deus está claramente em contraste com a teologia tradicional,
em que a onisciência de Deus é eternamente completa e exaustiva.
Fonte: O autor.
237
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
Objeções
238
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
Algumas Considerações
Vimos que o problema do mal vem em uma variedade de formas, com as
formas mais difíceis que parecem surgir dentro dos ensinamentos do próprio
teísmo ortodoxo. No entanto, não é claro que qualquer uma dessas versões do
problema do mal seja insuperável. Tanto as formas lógicas como as evidenciais
do problema do mal podem ser, ao menos em certos aspectos, refutadas, e os
problemas gerados pelo ocultamento divino e a doutrina tradicional do inferno não
chamam necessariamente ao abandono do teísmo, mas, ao máximo, para uma
reavaliação de certos pressupostos teológicos. O problema do mal é certamente
sério, especialmente em termos de suas ramificações práticas - as crises de fé
frequentemente enfrentadas por aqueles em meio a tribulações e sofrimentos
severos demandam sábias orientações e conselhos espirituais - mas qualquer
evidência racional que o problema do mal ofereça contra o teísmo é passível de
boas contra argumentações ao nível das disputas argumentativas.
239
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
ReFerências
ADAMS, Marilyn McCord. Horrendous evils and the goodness
of God. Ithaca, NY: Cornell University Press, 2000.
240
Capítulo 7 PROBLEMAS DO MAL
HICK, John. Evil and the God love. New York: Palgrave MacMillan, 2010.
LAW, Stephen. O desafio do Deus malévolo. Trad. Gilmar Pereira dos Santos.
Religious Studies, v. 46, 2010. Disponível: <https://rebeldiametafisica.wordpress.
com/2011/11/09/o-desafio-do-deus-malevolo/>. Acesso em: 28 maio 2017.
241
EPISTEMOLOGIA DA TEOLOGIA
242