Você está na página 1de 8

Lingüística para leigos ou recém-iniciados

por Wandré de Lisbôa

A Lingüística Moderna, embora hoje tão divulgada e tão reverenciada no âmbito


científico, só veio à tona como ciência ao final do século XIX com as idéias estruturalistas
de Saussure. De lá para cá, ela tem carregado ora desconfiança, ora um grande ranço por
toda a sua história. Mas, afinal, o que estuda essa tal Lingüística? O que é ser um lingüista?
Que papel tem essa ciência para um professor de línguas?

Por Lingüística entende-se o estudo da linguagem humana limitado ao corpus


verbal, direcionando à Semiologia (assim chamada por Saussure 1) ou Semiótica (assim
chamada por Peirce2), o estudo de todos os signos verbais ou não-verbais. Daí dizermos que
a Lingüística estuda parte de todo o processo de comunicação de que se vale o homem,
constituindo, portanto, apenas uma parte dessa ciência geral de estudo dos signos utilizados
e manipulados para a comunicação na interação humana. Embora ela estude apenas uma
peça desse todo, estuda a parte considerada mais importante: as línguas naturais. O
crédito, portanto, atribuído à Lingüística está em ela investigar o sistema de signos de
ordem verbal, tanto na modalidade oral como na modalidade escrita (como já fora antes
mencionado), já que só esse sistema é capaz de estudo pormenorizado, articulado e às vezes
generalizado, algo que com os outros sistemas sígnicos não ocorre. Imagine se seria
possível estudar o canto de uma baleia, atribuindo-lhe um significado a cada parte? Ou
ainda, se seria possível traduzir em partes todo o mecanismo de olhares que alguém nos
1
Ferdinand de Saussure é considerado o precursor da Lingüística.
2
Charles Sanders Peirce é considerado o iniciador da Semiótica.
lança em uma festa, em uma parada de ônibus, ou em um shopping? Em exemplos como
esses exemplos não é possível atribuir significados às partes, somente ao todo, quando se
trata dessas linguagens. Com as palavras, porém, é possível estudar as partes, sem, contudo,
deixar de vislumbrar o todo. Ademais, com as línguas, o estudo se dá com Flexibilidade e
com Adaptabilidade próprias da metodologia lingüística. Atribui-se a idéia de
Flexibilidade à possibilidade de a língua ter inúmeras formas de dizer, de expressar o
conteúdo intencional; e a idéia de Adaptabilidade, à possibilidade de referência temporal
(presente, passado ou futuro) no interior do discurso. Vale ainda frisar que, embora muitos
lingüistas estejam a favor do estudo mais incidente sobre a Fala do que sobre a Escrita,
estamos entre aqueles que acreditam que isso também não constitui uma postura lingüística
científica contemporânea, uma vez que subjuga uma modalidade à outra.

Dessa feita, o lingüista é um cientista porque olha para a língua como objeto de
estudo e porque não se deixa imbuir de preconceitos ou de julgamentos pouco científicos
(para não dizer não-científicos) quando, por exemplo, da avaliação de uma ou de outra
forma do dizer humano. O lingüista deve ser uma pessoa preparada para analisar a língua,
descrever seus fatos, comparar resultados, compreender o funcionamento, estabelecer
diferenças e semelhanças entre línguas ou entre variações da mesma língua, ou, até mesmo,
apontar possíveis soluções depois de ter feito testagem, mesmo sabendo que pode não ter o
resultado que teve outrora. Sabe, porquanto, que o efeito de uma pesquisa pode não ser uma
regra; e sim, uma possibilidade de resposta a um problema.

A Lingüística, então, é ciência e se faz ciência porque tem princípios teóricos e


metodologias investigativas consistentes – haja vista sua autonomia diante do corpus para
estudo – sem, inclusive, desmerecer ou pré-rotular as manifestações lingüísticas que
retomem a própria Gramática Tradicional – expressão usada pelos lingüistas no interior da
própria Lingüística para delimitar tudo o que se nomeia de não-científico, sem ter havido,
algumas vezes, uma dedicação mais verticalizada do fenômeno que vem a estudo, surgindo
os lingüistiqueiros, da mesma maneira que existem os gramatiqueiros. Como isso constitui
uma postura antilingüística, uma vez que sintetiza sem ter analisado, uma vez que lança um
olhar julgador imediatista sem ter penetrado no fenômeno para compreender, os lingüistas
devem estar em constante estudo e em constante refinamento de suas teorias a fim de
subsidiar os que dela se valem, isto é, todos nós que ministramos aulas de línguas e aqueles
que descrevem idiomas ainda pouco conhecidos, dando a todos respaldo científico para a
sustentação de suas escolhas. Isso comprova o fato de que o campo de estudos da
linguagem humana pode ter propósitos diferentes e fascinantes, ainda que minados, pois
assim como se corre o risco de ser rasteiro demais, pode-se vir a ser vislumbrante aos
extremos também. Daí acreditarmos que se deva ser ponderado – o que caracterizaria uma
postura científica dos lingüistas da Pós-Modernidade.

Na contemporaneidade, porquanto, não há como pensar em um professor de língua


nativa, estrangeira ou de segunda língua que não tenha suficientes motivos para conceber a
Lingüística e razoáveis motivos para segui-la. Em pleno século XXI, não há mesmo como
pensar num professor que não tenha uma base sólida, cumulativa e investigativa da Ciência
da Linguagem – a Lingüística. E como essa é a discussão traçada aqui, mesmo para os que
já estão há muito ouvindo os rumores dessa ciência e ainda assim continuam com atitudes
que já foram amplamente rebatidas entre pesquisadores que deram suas contribuições (e
ainda continuam a fazê-lo) a partir de suas próprias pesquisas, nem sempre está muito
nítido entre todos – leigos, recém-iniciados e mesmo pesquisadores em potencial – as reais
dimensões dessa ciência sob os mais variados campos de estudo da Lingüística.
Dessa forma, a Lingüística delineia como escopo científico a própria língua a qual
lhe é início, meio e, dependendo dos propósitos, fim de investigação. Aliás, ela desenha em
seu aparato de perquirição as línguas, as manifestações lingüísticas de um idioma, tanto em
sua modalidade oral como na escrita. Seu objeto de estudo, como diriam os metodologistas
científicos, é a própria língua, liberta de qualquer preconceito, de qualquer sistema de
valores. Logo, a partir de uma orientação dessas, é-se possível notar como têm andado
distantes as orientações metodológicas do professor de língua nativa na escola brasileira,
pois são atitudes que parecem não estar condizentes com os estudos investigativos sobre a
linguagem humana e com as abordagens mais recentes a respeito da aprendência e da
ensinagem de línguas maternas, tanto quando da aquisição, quando do desenvolvimento da
linguagem.

O quadro abaixo evidencia esse paradoxo de comportamento e, por conseguinte, de


comprometimento do professor de Língua Portuguesa que, diante do paradigma
educacional em que estamos vivendo, continua muitas vezes com os mesmos tipos de
exercícios, com as mesmas teorias, com o mesmo sistema de avaliação.

Atitudes docentes de quem promove Atitudes docentes de quem promove


aulas sem o fulcro da ciência aulas com o fulcro da ciência
lingüística. lingüística.
Determina na sala de aula o português culto Leva os alunos à reflexão da escolha do tipo
como o único ou a melhor forma de língua, de português mais adequado à situação de
desassociando do contexto todo ato construção textual, seja oral, seja escrito,
comunicativo e instaurando preconceitos levando-os ainda a hipotetizar os resultados
entre as variações lingüísticas de uma de sua escolha, mediante tais escolhas ora
mesma língua, o que não se faz há muito, realizadas. Nesse contexto, o professor estará
desde os estudos que se voltaram à fazendo uso dos aportes da Sociolingüística e
Sociolingüística, a partir de Labov. do conceito de contexto de Vigotsky, de
Teoria da Enunciação e dos atos de Fala.
Isola momentos exclusivos de fala dos de Ativa e reativa incessantemente atividades
escrita, não permitindo que uma norteie a de linguagem que promovam a linguagem,
outra ou mesmo revigore a outra, partindo dos mais variados tipos de gêneros
desmerecendo os estudos que se voltaram à textuais e discursivos. Leva a turma ao uso
aquisição e ao desenvolvimento da escrita efetivo da linguagem oral para não só
por meio da fala e sendo mais uma vez estabelecer as diferenças entre ambas, as
reducionista, ignorando, por exemplo, as semelhanças, como também para treinar a
Máximas Conversacionais de Grice e a transcodificação para quando houver a
releitura delas para a escrita. necessidade de alterar de uma modalidade
para a outra.
Obriga os alunos a produzirem textos – eles Ao mesmo tempo em que proporciona a
acreditam que produzem – sem lhes indicar produção de textos dos mais variados
suficientes dados contextuais para a gêneros textuais em uso pela sociedade a que
produção, levando-os a criarem produções pertence, o professor com base lingüística
sem sentido, levando-os ao erro promovido bem definida sabe que o usuário precisa
pelo próprio professor, escrevendo redações treinar habilidades básicas para tornar-se
para a escola, para a professora e não, textos, competente comunicativamente. Daí a
para a vida. necessidade de se trabalhar o continuum
existente na fala e na escrita que vai da mais
formal amostra à mais informal amostra de
linguagem em uso na sociedade onde esse
usuário viver.
Invariavelmente utiliza o texto só como Depois de conhecer a turma a quem vai
pretexto para ministrar aulas de palavras, de ministrar aulas, fazendo uma análise das
frases e, no máximo, de períodos isolados de necessidades, seleciona textos dos mais
seus contextos referenciais. Sistematiza a variados gêneros que concretizem discursos
gramática da língua antes mesmo de mostrar para não só informar-lhes sobre conteúdos,
o fato lingüístico ou simultaneamente, mas também para formá-los como pessoas. E
levando-os a memorizarem sem passar a como reconhece que a Leitura é um ato
outros estágios de significação, não havendo social total, elege textos autênticos e, por
uma necessária compreensão do fenômeno. meio da leitura desses textos, ensina-os a
compreenderem discursos, compreendendo
os mecanismos lingüísticos que produziram
o texto-discurso. E, para isso, fá-los
compreender os mecanismos lingüísticos
como responsáveis pela construção do
sentido, tanto dos textos recebidos como dos
textos produzidos.
Invade a mente dos alunos com Procura deixar os alunos em contato com a
metalinguagem dissociada da reflexão, língua em situações autênticas de uso,
promovendo memorizações que só dão conta deliberando a metalinguagem para um
momentânea do estudo da Língua. Assim, o momento oportuno, precisamente quando
aluno é levado a compreender a eles compreenderem o fenômeno e, por isso,
metalinguagem como parte mais importante usarão a metalinguagem para se referirem ao
do que o próprio uso ora feito na/pela fenômeno de maneira mais econômica e não
linguagem. Além disso, faz os alunos simplesmente para classificar. Com isso, há
repetirem uma metalinguagem que carece de uma mudança da ordem dos acontecimentos:
um melhor entorno científico e de melhor primeiro se observa a língua em uso,
retratamento das informações. demarca-se o fenômeno em evidência sem
desfazer dos demais e só depois categoriza
com o propósito exclusivo de economia
referencial.

QUADRO 01: Quadro Demonstrativo de aulas sem e com base lingüística.

Afunilando, então, esta discussão para o processo de ensinagem e de aprendência do


Português, vemos pelo quadro acima o estigma por que passa a ensinagem de nossa língua
materna nas escolas brasileiras. Vemos também, nas descrições feitas na coluna direita,
como a Lingüística avançou e trouxe à baila dados concretos, testados e regulados os quais
redesenham para esse início de século um novo professor de Português, o qual não só
revisita seus conceitos sobre a própria ciência como também sobre a própria Educação,
perfazendo uma recente abordagem, no caso, da Língua Portuguesa a que se tem dado o
nome de Educação Lingüística: semente de uma Pedagogia da Ressignificação.

Mas, além desses contributos escritos na Figura 01, especificamente na 2a. coluna, a
Lingüística deu outros saltos significativos nos estudos da Língua Portuguesa. Embora
possamos até mesmo dizer que em todos os estratos lingüísticos, tanto os mais reestudados
– a Fonética e a Fonologia, a Morfologia, a Semântica e a Sintaxe – como os mais recentes
– a Análise da Conversação e a do Discurso, a Semiologia Lingüística, a Sociolingüística,
A Lingüística Computacional, a Etnolingüística, a Estilística, a Terminologia, a
Psicolingüística, a Pragmática Lingüística, a Lingüística Textual, etc., a interseção da
Lingüística pouco reverberou no interior das escolas de ensino fundamental e médio. Um
sem-número de trocadilhos, mal-entendidos, equívocos e inadequações metodológicas
ainda são acometidos, tudo porque não se deu ouvidos (nem olhos) aos ditames da
Lingüística, não por que ela é quem é, mas porque contra fatos não há argumentos, até
porque o próprio fato é um argumento de grandeza maior. Contudo, é bom que fique dito
que não se quer aqui dizer que tudo o que acontece de mal em uma escola é devido o
profissional de línguas não ter compreendido os aportes da Lingüística, além das
ancoragens da Psicologia, da Sociologia da Educação, da Didática e de outras
disciplinas/ciências que dão respaldo ao professor para saber de antemão o que está
fazendo, por que o está fazendo e aonde quer chegar fazendo o que está fazendo. É isso,
mas não é só isso! Faltam-lhe ainda subsídios atitudinais, como saber por que está ali, o
que deve fazer, como deve fazer e a que ponto deve chegar. Falta-lhe a visão de mundo
prospectiva da disciplina e de si mesmo, além da compreensão magna de que deve ensinar
como trabalhar a emoção, o caráter, a insegurança e, sobretudo, as diferenças, por exemplo,
sócio-históricas que a própria língua marca. Faltas, espaços, vazios, ausências, lacunas que
professor nenhum, ou quase nem um, completa, ocupa, preenche.

(...)

Mas, voltando às questões que nos trouxeram a essa discussão, as dimensões e/ou
redimensões sugeridas pela Lingüística são muitas e estão a todo tempo céleres, sendo até
mesmo revistas a fim de sempre estar revisitando os contributos trazidos por ela à
ensinagem em qualquer que seja o grau de agenciamento de conhecimento, afinal como
ciência ela não pode acreditar que tudo esteja descoberto, ou ainda, que tudo que fora
descoberto não admita mais nada para ser dito e até mesmo redito. Isso dogmatizaria a
Lingüística, ainda que saibamos que alguns lingüistas mais ortodoxos tenham ainda
sobrevivido nesse paradigma (...).Mas não é só isso: todas as intervenções da Lingüística
não vêm à tona por virem. São frutos de pesquisa, de investigação com análise e
observação de fatos lingüísticos em uso, ou a uma só palavra, são baseados em estudo
científico. E aqui está talvez porque muitos estudantes de Letras não gostam de Lingüística
e/ou professores têm verdadeira ojeriza a ela – é porque ela nos interroga, põe-nos a pensar,
leva-nos à auto-avaliação, a mudanças, a uma nova postura, a pensamentos movediços. E
isso normalmente chateia, dói, faz-nos pensar e não mais receber, aceitar, engolir, repetir.
A essa altura de compreensão de tudo o que foi dito até aqui, você deve estar se
perguntando por que não sabia disso tudo sobre a Lingüística. Aproveitamos para responder
a essa pergunta os dizeres da Professora Doutora Stella Maris Bortoni-Ricardo, no livro
intitulado Educação em Língua Materna: “Não temos muito o costume de refletir sobre
questões lingüísticas e, quando o fazemos, muitas vezes nos vemos condicionados pelas
rédeas da gramática normativa”. E hoje, com objeto, metodologia e abordagens bem
definidas, a Lingüística finalmente tem conseguido adeptos pelos próprios argumentos que
ela sustenta, bem diferente dos sustentados pela Gramática Normativa, a exemplo, os quais
normalmente não se mantêm diante do menor rigor científico. Porém, nada disso, começou
sem propósitos. Na própria História do pensamento lingüístico, houve casos de sociedades
que vislumbraram estudos voltados à análise de seu próprio constructo lingüístico, ainda
que limitadas às condições sócio-históricas da época e ao entusiasmo que o homem tinha
pela linguagem. Daí que alguns povos até promoveram investigações na área, mas não o
fizeram com o rigor (científico) que hoje se faz, com os propósitos (funcionalistas) que hoje
se prevêem e com a intenção (sócio-educacional) que hoje se quer da Lingüística.

As palavras anteriores comprovam-se pelo fato de que os estudos da Lingüística não


estiveram para todas as sociedades da mesma maneira. Isso prova o quanto alguns povos
até realizaram estudos lingüísticos, mas somente de suas línguas – uma atitude hoje
desaconselhável entre os lingüistas contemporâneos, uma vez que o objetivo maior dos
lingüistas assenta-se na especulação para encontrar uma ligação entre as línguas de
modo geral. Entre esses povos que aprofundaram bastante os conhecimentos sobre uma
única língua estão os chineses, por exemplo, que, mesmo fazendo estudos lingüísticos,
fizeram-no na sua (com evidências com mais de 2000 anos), restringindo-se à lógica ou ao
que era lógico. Será que algum outro povo pesquisou há tempos mais passados sua língua
do que os chineses? A resposta é sim. Os indianos, com o sânscrito (...). Os estudos dos
indianos remontam à época de 2500 anos.

Por esses dois povos, nota-se o quanto o homem preocupou-se em estudar a língua
com um interessante objetivo: compreender os mecanismos que engendram a linguagem
verbal, partindo sempre de dados empíricos para estabelecer, a princípio, regras, e só mais
tarde, com o advento da ciência Lingüística, preocupa-se em estudar para estabelecer as
regularidades presentes nos corpus de estudo, pois os lingüistas não compreendiam a
significação da palavra regra da mesma maneira que os gramáticos, conceito que data
ainda do Império Romano e dos antigos gregos e com o qual convivemos até hoje, há mais
de 2000 anos. Mas, até onde vai o alcance da Lingüística na atualidade?

Os estudos da Lingüística estão por todas as partes e em várias ciências. A


Geografia associada à Lingüística contribuiu com importantes saltos principalmente no que
se refere às questões de cunho social, ressaltando os dados sociais como determinantes nos
falares e escreveres de todos nós, mais orientados ou não pela escola onde estivemos ou
onde estamos. A História determinou muito de seus estudos a partir de documentos
encontrados ou de coleta de informações dentro das próprias culturas e alicerçou seus
estudos científicos nesses documentos que dão amostras convictas de quem eram aqueles
costumes, o que fazia aquela civilização, como eles viam o mundo, no que acreditavam,
como se organizavam, como determinavam suas regras de convivência, além de procurar
saber nas próprias escrituras em que lugar punham a mulher, a criança e o idoso. E quando
o povo não dispunha de escrita, leram com a ajuda de arqueólogos seus sistemas
simbólicos, que também os evidenciava. A Biologia dispôs seus estudos mais no âmbito da
Terminologia – uma das filhas mais novas da Lingüística – e se fez como ciência, ora
adaptando essa terminologia, ora separando os seus dizeres de quem não deveria
compreendê-los; o mesmo ocorreu com a Química e com a Física. Assim, muitos
compêndios de Biologia, livros de Química e de Física reviram suas terminologias e
adaptaram, sem desdizer o que haveria de ser dito, os termos aos alunos a quem se
destinaria o conhecimento, ora regulando, ora até mesmo privilegiando o dizer informal
para que houvesse aquilo que é mais importante em todo ato comunicativo: a compreensão,
a dialogicidade.

Assim, estudar Lingüística na atualidade constitui uma atitude sensata, haja vista
que durante todos esses anos de estudo específico, meticuloso e perverso de Gramática
Tradicional não deram em nada, a não ser um sem-número de usuários da linguagem que
não tem certeza do que fazem – a não ser acreditar que estão errados e que sempre estarão,
além de acreditarem que não sabem como o devem fazer. Graças aos estudos lingüísticos,
hoje crenças dessa ordem não vingam mais, pois nossas gramáticas de língua portuguesa
tiveram seus estatutos redimensionados e seus objetivos revisados. Pelo menos a maioria
delas. É bom que fique claro aqui que todo professor de Língua Portuguesa deve ministrar
aulas de Gramática, aliás, esse é seu papel fundamental, entendendo que por Gramática os
lingüistas têm outra compreensão – estudo descritivo de um idioma, de sua organização, de
sua engenharia, ou a uma só palavra, de sua Sintaxe, mas também de sua significação. Mas
o problema não é nem tanto essa monossignificação da palavra; mas, a metodologia com
que é executado.O problema, então, não está tanto no material – se bem que deve haver um
maior cuidado com a seleção deste – mas com a metodologia de ensinagem do Português.
Se hoje temos professores promovendo aprendência a partir de Textos – unidade
macrodinâmica das línguas – está ainda mais atual trabalhar discursos, os quais se
manifestam por textos, canal privilegiado para os discursos se instaurarem. Nós que o
digamos, não é Professor?

Na atualidade, depois do advento da interface da Educação com a Lingüística, ou


vice-versa, faz-se necessário levar os alunos à apropriação da linguagem, à ressignificação
do que é aprender a língua nativa. Como? A sugestão que vem a seguir constitui o meu
ponto de vista para uma metodologia de Língua Portuguesa para este início de milênio, no
entanto não quer dizer que seja a solução. É uma sugestão com embasamento lingüístico,
como você o verá, e que tem dado resultados nos momentos de minha docência.

Devemos primeiramente fazer a seleção de um texto autêntico que traga o fenômeno


lingüístico que queremos focalizar em sala de aula. Antes, contudo, de pôr em prática a
aula, faça-lhes perguntas sobre o assunto que lerão, a fim de sondar suas memórias ou
resgatar nelas o que eles sabem/sabiam de antemão. Depois, apresente-lhes o discurso que
você escolheu para eles lerem e que vem apoiado em um texto recolhido de algum canal de
comunicação da atualidade. Elabore perguntas interpretativas sobre o texto as quais
cheguem ao nível do discurso desse mesmo texto, levando-os inclusive a avaliar se já não
haviam lido esse mesmo discurso em outro texto (interdiscursividade). Em meio a essas
perguntas, leve-os a se apropriarem do discurso do texto por meio de suas partes concretas
– as palavras, as frases, os períodos, os parágrafos, o texto em si – para que ganhem
autonomia discursiva não só para ler melhor (profundamente), como para produzir seus
próprios textos de forma mais competente, pois acreditamos que seja refletindo sobre usos
da linguagem – estando a própria linguagem em uso – que vamos levar nossos alunos a
adquirirem a competência lingüística maior: ler e compreender textos, ou melhor,
discursos – estado da arte lingüística. Essa é a minha proposta de ensinagem do
Português, a qual é apenas um modelo e não o modelo, até porque cada turma, cada série,
cada aluno, em cada turno, requer métodos, metodologias, práticas e tomadas de atitudes
diferentes, não é mesmo, Professor? E só você sabe quando é hora inclusive de fazer uso
escrito e/ou falado do português informal, pois o texto que ora constroem – oral ou escrito –
solicita esse nível de linguagem.

Por tudo o que fora exposto até aqui, Professor, acredito que seja possível
vislumbrar a necessidade da Lingüística em aulas de Língua Portuguesa ou de qualquer que
seja a língua. Observe como um professor sem respaldo lingüístico, isto é, da Lingüística,
não sabe aonde quer chegar, não sabe o que está fazendo, não sabe como atingir o objetivo
que almeja que seus alunos alcancem, não compreende o fenômeno na sua totalidade, não
pressupõe hipóteses de por que aquele aluno disse aquilo daquele jeito, enfim, não tem uma
postura científica diante do objeto de estudo. E isso de certo será um diferencial, no sentido
pejorativo, depreciativo, pois ao profissional fica às vezes falado por suas ações pouco ou
nada científicas diante da língua, no caso.

Portanto, não seja o último a mudar ou o primeiro a ser chamado a atenção na escola
onde você trabalha, porque você ainda está usando um método ou uma metodologia há
muito desaconselhável, inapropriada, anticientífica. Reveja seus conceitos e verticalize seus
conhecimentos sobre o assunto. A Lingüística pode mudar a sua vida, o seu dia-a-dia, o
modo como seus alunos passariam a vê-lo na sala de aula e na escola, até como eles
passariam a se referir a você. Quer ver como eu tenho razão? Tente!

Você também pode gostar