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RESENHA: A ERA DA ICONOFAGIA

Karina de Carvalho
Aluna 2º semestre de Rádio, TV e Internet da Fapcom.

Iconofagia é um termo cunhado por Norval Baitello Júnior, cujo


desenvolvimento o mesmo apresenta em sua mais recente obra A era da Iconofagia
(Editora Paulus, 2014), para explicar um fenômeno do contexto social
contemporâneo, no qual o ser humano devora imagens e é devorado por elas. É
notável um inchaço de imagens por todos os lados, em várias plataformas e
dispositivos, a disputar o olhar das pessoas. Assim como a fissura por parte do ser
humano em tornar-se imagem, em registrar os momentos, até mesmo os mais
caóticos. Atualmente, muitas tragédias são filmadas por cinegrafistas amadores, nas
câmeras de celular. E em muitas desses casos, há uma nítida omissão de ajuda da
parte de quem filma.

A palavra imagem, imago no latim, dizia respeito ao retrato de um morto, e


conforme define Baitello é “a presença de uma ausência e seu oposto, a ausência
de uma presença” (2014, p. 63). Essa raiz etimológica da palavra imagem, pode
explicar o desejo, quase que intrínseco, do ser humano de se imagetizar e, de certa
forma, burlar a consciência de sua própria mortalidade. O registro da imagem
perpetuará um instante de presente que ele não pode reter.

Na era iconofágica, os processos comunicativos mediados por aparelhos


tecnológicos, tendem a exaltar mais os aparelhos do que seus usuários. Estes
passam a coexistir em suas mídias, à medida em que se recriam nos espaços vazios
de seus aparelhos. O ser humano faz uma escalada, rumo à sua abstração. Passa
de sua dimensão espacial tridimensional, de corpo que ocupa um espaço concreto,
rumo à nulodimensionalidade, quando é considerado apenas uma estatística, que
ocupa somente um espaço virtual, inexistente. Esta é uma teoria proposta por Vilém
Flusser, que Baitello retoma para explicar o processo de desmaterialização do corpo
(FLUSSER, 1998a, p. 21-22 apud BAITELO, 2014, p. 118-120).

Esse processo rumo à nulodimensionalidade, com a evolução das mídias


terciárias, a “eletrificação do planeta”, no auge dos smartphones que permitem
conexão ininterrupta à internet, é cada vez mais veloz. Não é difícil perceber que
muitas vezes a vida e os relacionamentos do espaço virtual são mais cultivados do
que os do espaço real, tridimensional. É pertinente refletir se não está acontecendo
uma inversão de objetivos. Se as tecnologias de comunicação, desenvolvidas para
aproximar distâncias, para facilitar a comunicação, não estão criando distâncias no
espaço tridimensional e desconectando o homem de suas relações primárias.

Outro processo pertinente, pelo qual o homem vem passando, é o de


sedação. Etimologicamente, sedar significa: acalmar. No entanto, de sua raiz
derivam todas as palavras relacionadas ao ato de sentar. Pode-se concluir que o
homem, de ancestralidade nômade e andarilha, está cada vez mais sentado,
condicionando as potencialidades comunicativas de sua mídia primária – ou seja,
seu próprio corpo – ao que uma cadeira possibilita. Ou ainda, projetando essas
potencialidades do corpo às mídias terciárias de comunicação. Prova disso é a
atitude das pessoas em ambientes públicos, como no vagão de um metrô. As
pessoas estão juntas fisicamente, mas a maioria está com a cabeça voltada para
seus aparelhos, alimentando seu “corpo virtual” e comunicando-se com quem está
distante.

Na era da Iconofagia, o olho torna-se o órgão primaz do corpo humano. Na


verdade, é por causa dele que as imagens existem. No entanto, é provável que, pelo
excesso de imagens, este órgão esteja ficando atrofiado. Ou seja, incapaz de ver, de
discernir e interpretar. Surge, então, o triunfo da imagem que consome o homem,
incapaz de impedir tal ato. Este oferece, voluntariamente, seu próprio corpo
tridimensional para tornar-se imagem.

Para Baitello, então, essa era das imagens como protagonistas do cenário
atual parece originar-se de um sentimento profundo do ser humano: o medo da
própria morte. O homem, desde que se descobriu mortal, vem criando ferramentas e
mecanismos para prorrogar seu tempo, para anestesiar-se dessa realidade, ou para
tornar-se imortal nos seus registros. Este último parece dar sentido ao sucesso das
mídias terciárias. Nelas, o ser humano tem a ilusão de que vive para além do corpo,
que possui uma segunda vida, mesmo antes de ter morrido.

SUGESTÃO DE BOX: Fotografia da capa do livro A era da Iconofagia, da


editora Paulus, 2014. E uma breve biografia do autor: Norval Baitello Junior é
professor titular do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e
Semiótica da PUC-SP e desde 2007 é coordenador da Área de Comunicação e
Ciências da Informação da FAPESP.

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